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Teoria da Infração Penal ----

Teoria da infracção penal (Universidade Lusíada de Lisboa)

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Teoria da Infração Penal

Evolução histórica da infração penal


A teoria geral do crime aparece pela primeira vez nos tratados do Direito Penal do
século XVI através de Tiraqueau. Tiraqueau já definia crime através dos seus elementos
constitutivos: facto, ilícito e punível. E acrescentava, que esse facto ilícito e punível
tinha de ser praticado com dolo ou negligência.

Formulação da escola clássica (ou positivista naturalista)


A formulação da histórica clássica, foi fundamentalmente desenvolvida por Liszt nos
finais do século XIX e princípio do século XX. Liszt, filosoficamente era um positivista. Isto
significa que para Liszt e para os positivistas, a realidade é dada pela experiência. O
saber não vai para além da realidade. E nesse sentido negam a chamada metafísica.
Isto é importante saber porque, sendo um positivista, e defendendo que a realidade é-
nos dada pela experiência, ele entende que o crime é uma realidade que existe no
mundo da experiência e os elementos do crime serão parte dessa realidade. Para
caracterizar o crime temos de fazer uma distinção material dos elementos do crime.
Os 4 elementos constitutivos do crime para a escola clássica, nomeadamente para
Liszt são: ação, ilicitude, culpa e punibilidade.

Conceito naturalístico de:


• Ação: a ação traduz-se num movimento corporal que leva a uma
transformação no mundo exterior e esse movimento e essa transformação
estão ligados por um nexo de causalidade. CRITICA: este conceito de ação
não inclui as omissões.
• Ilicitude: além de existir uma ação humana no sentido naturalístico, era preciso
também provar que essa ação era ilícita. A ilicitude era composta apenas por
elementos objetivos e podia definir-se apenas como contrariedade a uma
norma jurídica. Ex: no crime de homicídio seriam elementos da ilicitude, apenas
a ação de matar, o resultado morte e o nexo de causalidade entre a ação de
matar e o resultado morte.
• Culpa: os chamados elementos subjetivos do crime, nomeadamente o dolo e
a negligência, isto é, todos os processos que se desenrolavam dentro da mente
do sujeito, faziam parte do elemento da culpa. Significa que para a escola
clássica, dolo e negligência eram elementos da culpa. Isto significa que para a
escola clássica, o dolo e a negligência eram formas de culpa.
• Punibilidade: a punibilidade era constituída por todos os elementos adicionais
que permitiam distinguir um determinado crime de outros atos ilícitos e
culposos. Tudo o que fosse elemento adicional à ação, ao dolo e que servisse
para caracterizar e distinguir aquele crime de outro fazia parte da culpa.
Esta é a chamada formulação da escola clássica.

Mas as próprias escolas têm uma evolução. Em 1901 surge um autor que faz uma
profunda alteração no Direito Penal. Beling descobre que há outro elemento
constitutivo do crime: tipicidade. Ele faz isso através da sua monografia de
doutoramento em 1906, chamada na altura Teoria da Infração. Em termos gerais,
Beling vem dizer que para haver crime também é necessário que haja uma
correspondência ou conformidade do facto praticado com a previsão da norma
incriminadora. Beling distingue 2 conceitos de tipicidade:
➢ Tipo indiciário ou provisório (typus): abrange apenas as circunstâncias da
norma incriminadora, e por isso, sempre que um facto corresponde às
circunstâncias descritas na previsão legal de um determinado tipo de crime
pode-se afirmar que o tipo indiciário está preenchido.

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➢ Tipo essencial ou definitivo (tatbestand): este conceito não abrange apenas as


circunstâncias que estão na norma incriminadora. O tipo essencial abrange
todas as circunstâncias de que depende a aplicação da pena de prisão. E por
isso, para além de abranger os elementos que constam na previsão legal de
uma norma incriminadora, abrange todos os outros elementos de que
depende a consequência final de um crime, isto é, abrange todos os
elementos da ilicitude, da culpa, da punibilidade.

Atualmente o conceito de tipicidade é um tipo indiciário mais abrangente que o do


Beling, porque para além de abranger os elementos constitutivos da norma
incriminadora, do tipo legal em causa, abarca outros elementos necessários para
afirmar que aquela ação preenche um determinado tipo de crime, nomeadamente
elementos que estejam, por exemplo, nas normas gerais do Código Penal.

Pode-se falar em tipo indiciário:


❖ Concreto: em sentido concreto, olha-se para o facto em concreto. Se o ponto
de referência é o facto em concreto fala-se em tipo em sentido concreto. Se
estamos a olhar para o facto concreto, por exemplo, A paga 100.000,00€ a B
para matar C, e tentamos ver se neste caso concreto estão os elementos
constitutivos do tipo de instigação do crime de homicídio, podemos falar em
tipo indiciário em termos concretos.
❖ Em termos abstratos: o ponto de referência é a previsão da norma. Ex: se
tivermos como referência o artigo 27º mais o artigo 131º do Código Penal, se o
ponto de referência for a normal legal fala-se em tipo indiciário em termos
abstratos.

Esta distinção, significa apenas a perspetiva com que olhamos para o tipo. E é
importante porque a aplicação da teoria do crime implica estarmos constantemente
do caso concreto para a norma e interpretarmos o caso, e com base nessa
interpretação aplicarmos ou não os conceitos da norma. E com base na
interpretação dos conceitos da norma, interpretar o caso concreto. Chama-se a isto
subsunção.

Liszt fez a formação clássica e disse que crime é uma ação ilícita, punível, praticada
com dolo ou negligência. Beling faz uma monografia e vê que há mais um elemento
central do crime que é a tipicidade. Liszt que fazia parte da mesma escola que Beling
percebe a importância desta monografia, e introduz o elemento tipicidade na sua
nova definição no Tratado de Direito Penal. Mas Liszt, quando resolve acolher o
elemento da tipicidade que Beling descobriu põe no fim: crime é uma ação, ilícita,
punível, praticada com dolo ou negligência, típica. Mas na última revisão do Tratado,
Liszt passa a dizer que o crime é uma ação, típica, ilícita e praticada com dolo ou
negligência. Na primeira definição Liszt pensou no tipo essencial de tipo. Só no último
Tratado é que Liszt percebe o conceito de tipo indiciário.

Formulação da Escola neoclássica


Esta escola surgiu em 1930, e o seu principal defensor foi Mezger. Esta escola chama-se
neoclássica porque em certo sentido ela continua o sistema anterior, mas parte das
críticas feitas à escola clássica, e por isso não é um sistema isolado da escola clássica
autónoma. Para percebermos estas escolas, temos de perceber a filosofia que está
por trás. A escola neoclássica, do ponto de vista filosófico era neokantiana. A escola
neokantiana, ao contrário da positivista (que está na base da escola clássica)
entende que ao lado do mundo natural há o mundo da cultura, o mundo dos valores.
E, portanto, a realidade não é apenas constituída pelo mundo natural. A realidade é
muitas vezes constituída por qualidades que fundamentam a atitude positiva ou

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negativa em relação a determinado facto. E o Direito faz parte do mundo dos valores,
do mundo da cultura. Isto tem importância porque vamos perceber que para a escola
neoclássica, a ilicitude e a culpa aparecem como desvalores.

E além disso, o próprio conceito de ação passa a ser um conceito valorativo. Isto quer
dizer que ação deixa de ser apenas uma realidade do mundo natural, tal como era
descrita pela escola clássica, e passa a ser também o conceito valorativo. O conceito
valorativo que a escola neoclássica defende de ação é o conceito social de ação. O
conceito social de ação aparece com a escola neoclássica. Ora, de acordo com
este conceito, ação é um comportamento humano, voluntário socialmente relevante.
Este conceito é o conceito social de ação que aparece no final da escola
neoclássica.

Depois aparece o tipo que como sabemos surgiu com Beling. O tipo deixa de se situar
ao lado da ilicitude e passa a ser um tipo de ilicitude. Isto é, o tipo tem a missão formal
de conter os elementos da ilicitude. E é por isso que se fala em tipo de ilícito. Porque o
tipo limita-se a conter os elementos que fundamentam positivamente a ilicitude.

A ilicitude, como já foi referido, pela primeira vez aparece como um desvalor. E como
desvalor tem, para além de elementos objetivos, em certas situações a escola
neoclássica já admite que a ilicitude, para além de elementos objetivos tem
elementos subjetivos. Ex: crime de furto. O crime de furto para além de ter que ter o
elemento subtração, tem como elemento subjetivo na escola neoclássica, a intenção
de se apropriar. Mas este elemento subjetivo que aparece na ilicitude é excecional,
ou seja, o facto de considerar o elemento subjetivo na ilicitude ainda é uma exceção.
Só em determinados tipos de crime é que o elemento subjetivo é um elemento da
ilicitude. Além disso, com a escola neoclássica também se faz uma distinção
importante. Começa-se a distinguir a ilicitude formal da ilicitude material. A ilicitude
formal significa que o facto é contrário à norma jurídica. Mas a ilicitude material já se
centra na ideia de danosidade social. Isto é, já importa o grau da ofensa aos bens
jurídicos. E por isso mesmo, através deste conceito de ilicitude material começa a
haver uma graduação da ilicitude. Não importa apenas saber se o facto é ilícito,
interessa saber o quão ilícito ele é. Isso depende da gravidade da lesão do bem. Qual
a medida do desvalor.

O elemento seguinte é a culpa. Quanto à culpa surge uma nova teoria que é a
chamada Teoria Normativa da Culpa. A culpa deixa de apenas conter os elementos
subjetivos do crime (não é meramente subjetiva) e passa a ser um juízo de censura.
Quem descobriu isto foi Frank. Frank escreveu um texto sobre a estrutura do conceito
da ilicitude e descobre a teoria normativa da culpa. Ele descobre isto com a figura do
Estado de Necessidade desculpante. E por isso significa que para haver culpa é
preciso demonstrar que era exigível ao agente um comportamento contrário ao
adotado. Ex: Tábua de Carnéades.

Mas apesar desta grande evolução, continua a achar-se que a culpa tem 2 formas:
o Dolo
o Negligência
Na escola neoclássica o dolo e a negligência são formas de culpa, ainda. Assim surge
a escola finalista.

Escola Finalista
A escola finalista determinou os caminhos da dogmática até hoje. O principal
defensor desta escola é Welzel. A escola finalista corresponde à escola ontológica ou
fenomenológica. De acordo com esta escola é possível determinar as essências no

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sentido de formas de ser através do tal método fenomenológico ou ontológico. E os


valores não são mais do que essências que existem numa zona da realidade. Os
valores, para esta escola, ao contrário da escola neokantiana, não resultam de atos
de valoração. Os valores existem na realidade. O que acontece é que nós podemos
conhecê-los ou não, e nós conseguimos alcançá-los através do método
fenomenológico, da sua forma de ser. Este método é no sentido de que há uma forma
de ser e temos de conseguir perceber essa forma de ser que existe na realidade. Isto
tem uma grande importância porque o conceito de ação passa desde logo a ser
uma essência. A escola fenomenológica diz que á estruturas da realidade, há formas
de ser e o sujeito pode conseguir conhecê-las ou não. Mas o Direito tem é de partir
dessas estruturas que existem, não as pode alterar. A escola finalista diz que o Direito
tem de partir da realidade.

1ª grande consequência: surge o chamado conceito finalista de ação.


A ação é essencialmente final para a escola finalista. A ação é uma realidade, uma
essência que o Direito não pode alterar e que existe independentemente do Direito e
tem uma estrutura própria, sendo esta finalista. O conceito de ação de acordo com a
escola finalista é: a ação passa a ser um processo causal conduzido pela vontade
para determinar o fim. No fundo a ação é uma sobredeterminação final de um
processo causal; é o exercício de uma atividade final. Isto vai ter uma consequência
crucial, porque se o conceito de ação é um conceito que inclui a ideia de finalidade,
o que vai acontecer é que os elementos subjetivos do crime passam a ser logo
relevantes ao nível do tipo.

Portanto, a grande consequência da escola finalista e é por isso que hoje se pode
dizer que atualmente todos os autores são pós-finalistas, é que o dolo e a negligência
passam a ser elementos do tipo. Até à escola neoclássica eles eram elementos da
culpa. A partir do momento que se passa a defender um conceito final de ação, o
conceito de dolo e o conceito de negligência passam a fazer parte do tipo. Para
sabermos se uma ação é típica temos de determinar se ela é dolosa ou negligente
porque defendemos o conceito final de ação. E por isso mesmo o tipo passa a ser
constituído por um tipo objetivo e um tipo subjetivo. Como já sabemos, quando
analisamos a tipicidade em Direito temos de começar, para a maior parte da
doutrina, por averiguar se estão presentes os elementos objetivos (agente, bem
jurídico, ação típica, resultado e nexo de causalidade que se chama imputação
objetiva) e depois os elementos subjetivos (dolo e negligência).

A escola finalista vai ser fundamental, e é fundamental porque é devido a esta escola
que o dolo e a negligência passam a ser elementos do tipo. Isto é uma transformação
na dogmática do crime que vigora até agora. É só com a escola finalista que se
percebe que uma conduta só pode ser considerada preencher o tipo de ilícito se
tivermos em conta os elementos subjetivos. Não é possível afirmar que uma conduta é
ilícita ou típica só olhando para os elementos objetivos. E foi a escola finalista que fez
este passo. É por isso que a maior parte da doutrina atual é colocada na escola pós-
finalista. Porque tal como os finalistas, defendem que o dolo e a negligência têm de
ser localizados no tipo e na ilicitude. E ela chegou lá porque a escola finalista
começou por defender o tal conceito final de ação.

O que importa é saber a estrutura ontológica de ação e uma ação é essencialmente


final. Se a ação para ser ação tem de ser final, então é porque a ação tem em conta
os elementos subjetivos.
Tipicidade
A tipicidade surge como valoração autónoma da ilicitude. Já não é como na escola
neoclássica, o fundamento da ilicitude, mas é uma valoração autónoma da ilicitude.

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Mas apesar de ser autónoma não deixa de ser indiciária. Isso quer dizer que pelo facto
de estar preenchida a tipicidade fica indiciada a ilicitude, mas não significa que o
facto é ilícito.

A tipicidade surge como valoração autónoma da ilicitude, mas apesar de ser


autónoma não deixa de ser indiciária da ilicitude. Isto é importante porque, e a título
de exemplo, um homicídio não deixa de preencher o tipo de homicídio apesar de
mais tarde, por exemplo, poder-se encontrar uma causa de exclusão chamada
legitima defesa. Mas preenche o tipo de homicídio. A tipicidade é autónoma e ao
mesmo tempo indiciária da ilicitude.

Ilicitude
É uma valoração sobre o comportamento do Homem, mas como o tipo passa a ser
um tipo objetivo e subjetivo, essa valoração também passa a ter uma componente
objetiva e uma componente subjetiva. E também se passa a dividir o juízo de desvalor
da ilicitude. Isto é, passa-se a falar em desvalor da ação (será no fundo a parte
subjetiva; a vontade ilícita) e passa-se a falar no desvalor do resultado (lesão do bem
jurídico ou o perigo de lesão do bem jurídico).

Ao nível da ilicitude, surge ainda a chamada Teoria dos tipos permissivos. Isto significa
que as causas de exclusão da ilicitude passam a ser consideradas tipos permissivos.
Enquanto que na escola neoclássica eram momentos negativos, aqui são
considerados tipos permissivos. É claro que a escola finalista, ao perceber que os
elementos subjetivos devem ser logo analisados no tipo, a culpa passa a ter um outro
conteúdo.

Culpa
A culpa, no essencial para a escola finalista, é um juízo de censura que deve ser feito
pelo facto do agente não ter agido de outra maneira, podendo agir. Isto é
importantíssimo porque passa-se a perceber que a consciência do ilícito no poder ter
optado por atuar de outra forma faz parte da culpa e não do dolo como fazia na
escola neoclássica.

Para além de termos de ter como elemento a consciência da ilicitude, também temos
como elemento a capacidade de culpa. Nem todas as pessoas são capazes de
culpa, como os inimputáveis. Como já foi referido, atualmente a maior parte dos
autores são considerados pós-finalistas porque ta como os finalistas, consideram que o
dolo e a negligência são elementos do tipo. Mas dentro dos pós-finalistas surge uma
doutrina, que a professora até diria ser a dominante, que se pode denominar de
teleológico-funcional ou racional final.

Os defensores desta conceção entendem que o sistema do Direito Penal só pode


guiar-se pelas finalidades do Direito Penal. O sistema do Direito Penal, nomeadamente
o próprio conceito de crime só pode ser guiado pelas finalidades do Direito Penal;
pela função do Direito Penal. Quem determinava os conceitos do próprio Direito
Penal, é a própria função que cabe ao Direito Penal. São os próprios fins que o Direito
Penal tem de cumprir. É através dos fins que chegamos aos conceitos. É por isso que se
chama conceção teleológico-funcional. Porque parte das finalidades; dos fins; dos
valores do Direito Penal, para conseguir definir os elementos do Direito Penal,
nomeadamente os elementos do crime. Quem inicia esta conceção foi Roxin, em
1970, num estudo que ele fez sobre as relações entre a política criminal e um facto
punível.

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Roxin, começa então por esta conceção, mas claro que há nuances. E por incrível
que pareça, Roxin vem dizer que faz parte desta escola Jacobs. Jacobs, ao contrário
de Roxin, parte apenas das finalidades das penas para definir os conceitos da teoria
do crime. Para Jacobs, temos de partir das finalidades da ordem penal, jurídico-penal,
e por isso todos os conceitos de Direito Penal, são no fundo absorvidos, conseguidos à
custa das finalidades das penas. Ao ponto da própria culpabilidade estar ao serviço
dos fins das penas. Para Jacobs, todos os conceitos, para cumprirem a função que
lhes cabe, têm de partir dos fins das penas. Para Jacobs, a finalidade central da pena
é a prevenção geral, prevenir a prática de futuros crimes por parte da sociedade. E
todos os conceitos de Direito Penal devem ser determinados à luz deste fim. Só que, o
grande perigo é que ele também coloca o conceito de culpabilidade ao serviço da
prevenção geral. E ele influência Roxin com isso. Porque Roxin, defende o que se
chama conceito social de culpa: a culpa é o que os outros pensam que o agente
tem. Eles definem assim, porque só dessa forma conseguimos a prevenção geral. E isto
está errado por causa do princípio da culpa. Jacobs esquece-se que o Direito Penal
não serve só para prevenir a prática de futuros crimes. O Direito Penal tem uma série
de valorações que defende e que são inerentes e uma delas é o princípio da
dignidade da pessoa humana. E por isso não podemos julgar uma pessoa dizendo
que tem a culpa que os outros pensam que ela tem. Temos de julgar uma pessoa pela
culpa que ela realmente teve no facto. A culpa é um juízo de censura que fazemos
ao agente baseada na sua culpa pelo facto; na sua capacidade de culpa. Não
posso estar a ser condicionada pelo que a sociedade pensa.

Mas Roxin não defende isto. Roxin percebe que para determinarmos conceitos de
Direito Penal não podemos partir apenas das finalidades das penas. Temos de partir
de todos os princípios, de todos os valores que fazem parte da ordem jurídica. E,
portanto, os conceitos de Direito Penal, sem dúvida que devem partir do próprio
sistema do Direito Penal, mas o sistema do Direito Penal é composto, não apenas pelas
finalidades das penas, mas também por um outro conjunto de valorações que fazem
parte do próprio ordenamento penal, do próprio sistema do Direito Penal.

E aqui aparece mais uma variação da escola funcional-racional que a professora


defende. Há uma parte da doutrina que diz que devemos partir das tais valorações do
Direito Penal para chegar aos conceitos de Direito Penal, mas não podemos deixar de
ter em conta os contributos que as outras ciências que estudam o comportamento
humano nos dão. Isto significa que o Direito Penal tem uma base ontológica. O Direito
Penal parte das formas de ser, neste caso, o comportamento humano. Mas é preciso
ter em conta um aspeto: quando a professora e uma parte da doutrina defendem
que o Direito Penal deve estar em constante diálogo com o que as outras ciências
dizem acerca do comportamento humano, não estão a dizer que as outras ciências
vão substituir as valorações do Direito Penal. o que estão a dizer é que as valorações
do Direito Penal têm de ter uma base firma. Não podem partir do que um juiz naquela
altura pensa sobre o assunto. Têm de partir do que a ciência saber; dos tais dados
ontológicos firmes. Apesar de esta parte da doutrina dizer que o Direito Penal tem de
se basear em dados ontológicos, ela não está a pôr de parte as valorações do Direito
Penal. Ela está é a dizer que as valorações do Direito Penal têm de se basear nestes
dados. O Direito Penal é sobre a realidade.

A professora Fernanda Palma diz que as valorações do Direito Penal resultam de um


constante diálogo entre o Direito Penal e a realidade social. O foco da professora
Fernanda Palma é a realidade Social. E dessa interação entre a realidade social e as
valorações do Direito Penal resultam as valorações do Direito Penal. A critica da
professora é que sem dúvida tem de se ter em conta a realidade social, mas a
realidade social por sua vez tem de te em conta o que a ciência diz sobre o

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comportamento humano. A realidade social só por si não chega. A professora


Fernanda Palma tem alguma necessidade de por vezes dizer que o Direito Penal não
anda à procura das características que são necessárias para haver ação humana,
porque ao Direito Penal interessa o que a realidade social acha sobre a ação
humana. A professora diz que para o Direito Penal interessa o que a sociedade acha
sobre ação humana, mas por sua vez, o que a sociedade acha sobre ação humana
só pode realmente interessar se tiver em conta os dados da ciência.

O primeiro elemento do crime é a ação. Como já se percebeu há vários conceitos de


ação. Para já sabemos os principais: conceito causal (escola clássica); conceito social
(escola neoclássica); conceito final (escola finalista) e conceito pessoal de ação
defendido por Roxin.

Figueiredo Dias defende que não se deve começar a análise do crime pelo conceito
de ação. O professor Figueiredo Dias diz que o primeiro elemento do crime é a ação
típica. Porque não nos interessa ter um conceito de ação antes do conceito de ação
típica. O que interessa ao Direito Penal é saber se houve ação de matar, se houve
ação de furtar; se houve ação de burlar. E por isso devemos começar pelo conceito
de ação típica. Além disso (acrescenta o professor Figueiredo Dias), não conseguimos
ter um conceito de ação suficientemente geral que sirva de base a todos os
elementos do crime. O conceito de ação tem de ser sempre visto na perspetiva do
tipo.

AÇÃO
Função do conceito de ação na Teoria do crime
Normalmente diz-se que o conceito de ação tem 4 funções:
• Classificatória ou de elemento básico da sistemática do crime: significa que o
elemento da ação; o conceito de ação deve abarcar em si todas as formas
de comportamento humano que podem ser relevantes para o Direito Penal.
• Delimitadora: o conceito de ação deve permitir, por si só, excluir todos os
comportamentos irrelevantes para o Direito Penal
• Definição: o conceito de ação tem de servir de suporte a todos os outros
elementos do crime. O conceito de ação deve ser suficientemente forte, ter
um conteúdo material suficientemente amplo para servir de suporte a todos os
outros elementos do crime
• Elemento de ligação: o conceito de ação deve ser suficientemente neutral em
relação aos restantes elementos do crime e nessa medida servir de elemento
de ligação para os restantes elementos.

É importante sabermos o que a doutrina maioritária diz sobre a função do conceito de


ação, mas também conseguimos perceber a critica que fazemos ao professor
Figueiredo Dias.

CRITICA
1. O professor Figueiredo Dias diz que não se deve começar pelo conceito de
ação, deve-se começar logo pelo conceito de ação típica porque o que
interessa ao Direito Penal são as ações típicas. O mais relevante é que o
professor Figueiredo Dias diz isto, mas depois quando ele nas ações típicas quer
excluir aqueles comportamentos que não são relevantes para o Direito Penal,
vai buscar uma das funções centrais do conceito de ação: função
delimitadora. Ele entra em contradição. Diz que não é preciso o conceito de
ação, mas quando fala de ação típica e precisa de excluir comportamentos
que não podem ser relevantes para o Direito Penal, vai buscar o conceito de
ação

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2. O segundo argumento do professor Figueiredo Dias é que não é possível


chegar a um conceito de ação suficientemente geral que sirva de base a
todos os outros elementos do crime e por isso não vale a pena termos um
conceito de ação. Isto não é verdade. Decidir se existe ou não uma ação é
uma decisão prévia e que pode ser decidida independentemente do
conceito típico. Apesar de que só nos interessa saber se há uma ação
juridicopenalmente relevante se foi praticado um tipo de crime. Mas isso não
significa que não possa haver um conceito de ação prévio; suficientemente
amplo para servir de base a todos os outros elementos. Até porque todos os
elementos do crime têm de ter na sua base um substrato. E esse substrato é
desde logo a existência de um comportamento humano que se possa
considerar jurídico-penalmente relevante. O conceito de ação tem a tal
função de servir de elemento de base, e tem de ser suficientemente neutral
para que possa servir de ligação com os outros elementos e não se confundir
com os outros elementos. Além disso, no artigo 10º do Código Penal, o próprio
legislador diz que se tem de começar pela ação.

Conceito causal de ação


Este conceito surgiu com a escola clássica. Outra forma de o designar é conceito
naturalístico. De acordo com este conceito, temos ação quando houver um
movimento corporal dependente da vontade que leva a uma transformação no
mundo exterior, e essa transformação e esse movimento estão ligados por um nexo de
causalidade. Quando os autores que defenderam o conceito causal dizem que tem
de haver um movimento dependente da vontade, é independentemente do
conteúdo da vontade; não interessa o conteúdo da vontade. Só interessa provar que
é dependente da vontade. Este conceito foi sujeito a várias críticas:
➢ Este conceito não inclui as omissões porque o que as caracteriza é não existir
vontade no sentido naturalístico. Nas omissões não existe vontade do
movimento corporal.
Um dos defensores deste conceito foi Beling. E Beling responde a esta critica dizendo
que a omissão está pensada porque na omissão há uma vontade de reter os
músculos. Assim surge o conceito social.

Conceito social
De acordo com o conceito social, ação é um comportamento humano voluntário
socialmente relevante. O que temos de saber é quando é que temos um
comportamento humano voluntário para a escola neoclássica. Já na escola
neoclássica, percebe-se que só há um comportamento humano voluntário se houver
uma tomada de posição frente à possibilidade de agir por parte do sujeito. Só se pode
falar em comportamento humano voluntário sempre que descobrirmos que há uma
tomada de decisão por parte do sujeito frente às possibilidades de ação que ele tem
à sua frente. Dito de outra forma, o comportamento humano voluntário é toda a
resposta do homem uma exigência situacional reconhecida ou reconhecível
mediante a realização de uma possibilidade de ação que o agente dispõe em razão
da sua liberdade. Para além disso, esse comportamento humano voluntário tem de ser
socialmente relevante. Isto significa que ele vai ter de ter efeito posterior e vai ter de
afetar a relação do indivíduo com a sociedade.

Críticas:
Ao exigir que a ação seja juridicopenalmente relevante deixava de ser neutral, que é
uma das características que o conceito de ação tem de ser. O conceito de ação não
é suficientemente normal, o que exige que o comportamento seja socialmente
relevante, e muitas vezes o ser socialmente relevante resulta da ordem jurídica. A

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resposta que dão a esta critica é que não é pelo facto de haver ações que são
juridicamente relevantes que um conceito deixa de ser neutral. Isto é, quando se exige
que o conceito de ação seja neutral é no sentido de ser um conceito que permite
afirmar a existência de ação independentemente da sua tipicidade ou da sua
ilicitude. E o conceito social consegue fazer isso. O conceito social permite chegar à
conclusão se há ou não ação, em muitos casos, antes de saber se ela é típica ou
ilícita, e por isso é neutral.

A critica que os autores fazem é que se primeiro temos de ter em conta a norma
jurídica para sabermos se um comportamento é socialmente relevante, então este
comportamento não é suficientemente neutro. A resposta é que quando se exige que
o conceito de ação seja neutro não é neste sentido tão rigoroso de não poder haver
ações que só são socialmente relevantes porque há uma norma jurídica a dizer que
elas são. Quando se exige que o conceito de ação seja neutro, é apenas exigir que
exista um conceito de ação que exista independentemente de saber se aquela ação
é típica ou ilícita.

Conceito final
O principal autor é Welzel, que vem dizer que a ação é uma essência que o Direito
não pode alterar. A ação existe independentemente do direito. A ação, para os
finalistas, é essencialmente finalista, o que significa que a ação consiste num processo
causal conduzido pela vontade para determinado fim. E por isso, para afirmar a
existência de uma ação temos de provar que existem 3 momentos:
1. Definem-se os objetivos; antecipação mental do fim
2. Elegem-se os meios necessários para a prossecução do fim
3. Põe-se em andamento os processos causais com vista a prossecução do fim

CRÍTICAS:
1. Este conceito não abarca todos os comportamentos relevantes para o Direito
Penal: não inclui as omissões, porque na omissão não há o pôr em andamento
um processo causal. Aliás o que caracteriza a omissão é já estar em
andamento um processo causal e a pessoa não fazer nada.
2. Este conceito parece não incluir as chamadas ações negligentes inconscientes
(o agente não representa e não se conforma, mas havia a possibilidade de ter
previsto).

Mas a escola finalista responde:


A escola finalista vem dizer que quando falavam em finalidade, não estavam a pensar
na ação intencional. O que eles queriam dizer com ação final era que a ação tinha
de ser conduzida ou conduzível por parte do agente. O que tem de existir é a
possibilidade de um comportamento alternativo. O que tem de se provar para haver
ação é que o agente tinha a capacidade de uma ação alternativa.

Uma ideia comum em todos os conceitos é que para haver uma ação jurídico-
penalmente relevante é preciso que haja capacidade de uma ação alternativa. Isto
é, só há uma ação penalmente relevante quando a ação for controlada ou
controlável pelo agente. Para haver uma ação, o mais importante é conseguirmos
demonstrar que o agente tinha a possibilidade de uma ação alternativa, e nesse
sentido era controlada ou controlável.

Conceito pessoal
O conceito pessoa de ação tem como principal defensor por Roxin, mas já em 1966
era defendido por Artur Kauffman. De acordo com o conceito pessoal de ação há
uma ação quando houver uma exteriorização da personalidade do agente relevante.

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Quando dizemos que uma ação tem de ser uma exteriorização da personalidade é
no sentido de que a ação tem de ser sujeita ao controle do eu. E por isso, o conceito
de ação traduz-se numa realidade natural, ôntica, no sentido natural, mas também
não deixa de ser um conceito valorativo porque tem de ser relevante socialmente.

Conceito de ação de Jacobs


Jacobs diz de uma maneira muito simples que ação é uma evitabilidade de uma
diferença de resultado. Isto é, sempre que houver um comportamento que for evitável
temos uma ação jurídico-penalmente relevante. E um comportamento é evitável se
for conhecido ou conhecível pelo agente, e o agente tiver a possibilidade de influir no
acontecimento.

Conceito de Fletcher
Fletcher diz que uma ação não deve ser explicada cientificamente e o que interessa é
o contexto onde ela é praticada. É através do contexto que percebemos se há uma
ação ou não. O que interessa é se socialmente há ali uma ação face ao contexto. A
professora não concorda com este conceito. Para a professora, para haver um
conceito de ação fundamentado, isto é, para termos um conceito de ação
verdadeiro quanto aos factos temos de ter em conta o que as outras ciências dizem
sobre ação, porque senão não nos estamos a basear na realidade. Para sabermos se
uma ação é juridicopenalmente relevante, temos de saber o que as outras ciências
dizem sobre a existência ou não de ação.

A maior parte da doutrina entende que para haver uma ação é preciso demonstrar a
tal evitabilidade da ação, ou controlabilidade da ação, que de uma maneira muito
simples significa que tem de se provar, num momento da ação o agente tinha a
possibilidade de uma ação alternativa. Esse aspeto é comum a todos os conceitos de
ação atualmente defendidos. O que a professora defende é que a pergunta passa a
ser “quando é que podemos dizer que uma ação é evitável? Quando é que podemos
dizer que uma ação é controlável?” Aqui temos de procurar resposta das outras
ciências que estudam o comportamento humano.

Perceber a ideia de controlabilidade; de evitabilidade. É fundamental percebermos


porque há um princípio fundamental em Direito Penal que é o princípio da culpa que
entendido em sentido amplo exige que haja sempre uma ligação subjetiva do sujeito
com o facto. E essa ligação subjetiva passa pela evitabilidade de ação. Só temos uma
ligação subjetiva entre um comportamento e um sujeito se conseguirmos demonstrar
que para aquele sujeito aquele comportamento é evitável, porque se não for não
podemos provar a ligação subjetiva.

Ação
O primeiro elemento do crime para a maior parte da doutrina é o conceito de ação.
Para houver um crime, para se poder aplicar a lei penal, corretamente tem de se
averiguar se houve ou não a prática de uma ação jurídico-penalmente relevante. Já
sabemos que a característica essencial dessa ação é que essa ação tem de ser
evitável por parte do agente. Isso significa que a ação, ou é controlada ou controlável
pelo agente. Ele tinha a possibilidade de ter uma ação alternativa. Porque se a ação
não fosse evitável, não há ação jurídico-penalmente relevante e acaba a análise
nesse momento.

Dentro deste conceito de ação cabe uma figura muito importante que é a omissão.
Dentro do conceito de ação, há que estudar a figura da omissão. A primeira questão
que se coloca é se a ação e omissão fazem parte do mesmo género de

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comportamento humano. Como era de esperar a doutrina não está de acordo


quanto a esta questão.

Há uma parte da doutrina, nomeadamente Welzel e entre nós José de Sousa Brito que
defendem que a omissão faz sentido dentro do género comum ação. Isto é, a
omissão tal como a ação tem existência no mundo exterior e traduz-se numa resposta
do homem controlada ou controlável pelo “eu”. A ação e a omissão devem ser
encaradas como uma mesma realidade, porque as duas são uma resposta do
Homem a uma determinada exigência situacional. Para haver uma omissão, tal como
ação, temos de demonstrar que aquela omissão era controlada ou controlável pelo
agente. Para quem defende que a ação e a omissão fazem parte do mesmo género
de comportamento humano, estuda a ação e a omissão ao mesmo tempo, isto é, no
elemento da ação.

Mas há outra parte da doutrina, como Metzer e entre nós, Eduardo Correia que
entendem que a omissão não existe como realidade no mundo exterior. E como não
existe como realidade, a omissão é um juízo feito pelo julgador efetuado por quem
julga aquela situação que vai relacionar a ação praticada com a conduta esperada.

CRÍTICAS
1. Se encararmos a omissão como um juízo vamos afetar toda a teoria do crime,
que como já se viu, a ação como primeiro elemento do crime tem como
função ser substrato de todas as outras valorações do crime e não faz sentido
que o substrato de todas as valorações do crime seja um juízo feito pelo
julgador. O substrato base de todas as outras valorações do crime tem de ser
uma realidade. Não pode ser o juízo do julgador.
2. Diferença entre a doutrina subjetiva da negação e a doutrina diferenciada da
negação. A doutrina subjetiva da negação está na base da doutrina que
defende que a omissão é um juízo. De acordo com a doutrina subjetiva da
negação, a expressão para exprimir a negação é “não ser isto”. Já a doutrina
diferenciada da negação exprime-se da seguinte forma: “ser não isto”. E a
omissão é esta última negação. Ex: A não salvou B. Esta expressão pode ser
verdadeira se o A nunca teve oportunidade de salvar o B. Mas só significará
que o A omitiu salvar o B, se o A teve o comportamento de não salvar o B. A
não salva o B, isto pode significar ou pode advir, por exemplo de o A nunca ter
tido oportunidade de salvar o B. Mas só significará que o A omitiu salvar o B se
ele teve oportunidade de ter o comportamento que poderia salvar o B. Isto é,
se o A teve o comportamento humano de não salvar o B, A não salvou, não ser
isto, não salvou B porque nem sequer existe. Agora A não salvou B só significa
que A omitiu salvar B se houve o comportamento humano de não salvar B. A
omissão é o “ser não isto”, não é o “não ser isto”. Isto para chamar à atenção
de que só faz sentido pensar na omissão se pensarmos na omissão dentro do
tal género comum de comportamento humano. Se pensarmos na omissão
como um juízo é outra realidade que não cabe dentro do comportamento
humano. E só há uma omissão de o A não salvar B se houve o comportamento
humano de A não salvar B. É o “ser não isto”.

Independentemente de saber se ação ou omissão fazem parte do género comum do


comportamento humano, temos de saber como é que num caso concreto decidimos
por ação ou por omissão. Há vários critérios propostos pela doutrina.

O primeiro critério foi apresentado por Engisch. Engisch disse que na ação há um
dispêndio de energia, e na omissão já não existe essa introdução positiva de energia
na produção de resultado. A critica que se pode fazer é que com este critério ele não

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capta a essência da omissão e há casos concretos de crimes omissivos em que há um


claro dispêndio de energia e não deixa de haver uma omissão.

Há outros autores, nomeadamente Artur Kauffman, que entendem que quando há


uma dúvida sobre se há ação ou omissão, deve-se aplicar o princípio da
subsidiariedade. Quando houver uma dúvida sobre se há ação ou omissão, só se
deve ter como omissão quando não se consegue considerar como ação. A critica
que se pode fazer é que isto não é critério nenhum de distinção.

O critério que se considera mais relevante é o de Stratenwerg, Roxin, Figueiredo Dias,


apresentam o critério que se considera o mais correto ou pelo menos que justifica que
a omissão por norma seja punida mais levemente. Segundo este critério há uma ação
quando o agente cria ou aumenta um perigo. Enquanto que na omissão o agente
não diminui o perigo já existente; não o afasta.

Jacobs, por exemplo, diz que na ação existe um motivo a mais e na omissão existe um
motivo a menos. A professora não concorda com este critério.

Há situações em que é tão difícil decidir se há ação ou omissão que Roxin inventou
uma figura chamada omissão por fazer, ou seja, são situações em que há uma ação,
mas por razões normativas aquela ação deve ser encarada como uma omissão. Ex:
imagine que alguém vai tentar salvar uma pessoa ao mar, e quando chega ao
perímetro em que pode salvar a pessoa não a salva.

Ainda a propósito das omissões importa referir que consoante exista ou não resultado
distinguem-se:
• Omissões puras ou próprias: são aquelas que independentemente do resultado
integram o tipo. Não é preciso resultado para estar preenchido o tipo. Ex:
omissão de auxílio – artigo 200º. Face a este artigo, quem omitir auxílio a quem
estiver numa situação de perigo, por norma vai ser punido apenas por omissão
de auxílio. Isto significa que basta a pessoa omitir auxílio para ser punida. Não é
preciso mais nada. Qualquer pessoa pode ser punida.
• Omissões impuras ou impróprias: são aquelas que estão causalmente
relacionadas com o resultado. É preciso resultado para estar preenchido o tipo.
Para além de provar a existência da omissão temos de provar que há uma
relação de causalidade e de imputação objetiva entre a omissão e o
resultado. Quando estamos perante uma omissão impura, ficamos logo
vinculados a determinar se aquela pessoa pode ser agente daquela omissão
impura; porque não é qualquer pessoa que pode ser punida por omissão
impura. Só pode ser punido por omissão impura quem tiver especial dever de
agir ou tiver uma posição de garante.

Determinação de quando é que alguém tem um especial dever de agir


Há dois critérios para aferir o especial dever de agir:
• Critério formal: limita-se a apontar três fontes do especial dever de agir: lei,
contrato ou ingerência (comportamento prévio, perigoso, lícito ou ilícito). O
grande problema deste critério é que ele não abarca todas as situações em
que deve haver especial dever de agir. Como não abarca todas as situações
foi preciso apresentar um novo critério mais completo e que fosse mais
consentâneo com a ilicitude material envolvida no caso concreto. E por isso
surgiu o critério material.
• Critério material: também é apresentado de várias formas consoante os
autores. A professora dá o critério material apresentado por Armin Kauffman.
Armin Kauffman diz que a posição de garante advém de dois grandes grupos:

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o Ou há um dever específico de assistência a um titular de bens jurídicos


independentemente da fonte de perigo:
1. Solidariedade natural para com o titular do bem jurídico
apoiada num vínculo jurídico: ex: pai e filho. O pai tem um
dever de solidariedade natural para com o filho.
2. Estreita relação de comunidade de vida ou de proximidade: ex:
vizinhos com uma certa proximidade
3. Assunção voluntária de deveres de custódia: ex: babysitter; o
bombeiro; o médico.

Dentro deste primeiro grupo há uma fonte que se discute se deve ou


não ser fonte de especial dever de agir:
4. Relações de comunidade de perigos: são situações em que há
um conjunto de pessoas que decide efetuar uma atividade
perigosa no pressuposto de que se alguém estiver em perigo a
outra pessoa ajuda. Para uma parte da doutrina, nestes casos
em que há o realizar de uma atividade perigosa em conjunto,
esse realizar em conjunto uma atividade perigosa significa que
cada um dos participantes aceita atuar quando houver um
perigo em relação a qualquer uma delas. O professor Figueiredo
Dias sentiu necessidade de delimitar melhor esta figura. As
situações que têm de se verificar para que nestes casos haja
especial dever de agir para o professor Figueiredo Dias são: tem
de haver uma relação estreita e efetiva de confiança entre as
pessoas; tem de haver uma comunidade de perigos realmente
existente e não apenas presumida; tem de ficar em perigo um
bem jurídico concreto. Só nestes casos é que o professor
Figueiredo Dias diz que haverá um especial dever de agir por
parte deste grupo. Ex: 3 alpinistas combinam subir uma
montanha perigosa. A certa altura um deles escorrega. Os
outros têm o especial de evitar a realização daquele perigo
porque há uma relação estreita e efetiva de perigo; existe a tal
comunidade de perigos que não é apenas presumida e além
disso há um perigo em concreto. Neste caso, se o homem não
for ajudado e acabar por morrer, os outros 2 alpinistas podem ser
acusados por homicídio por omissão.

Para a professora Fernanda Palma só haverá responsabilidade nestes casos se houver


uma autovinculação de responsabilidades, ainda que implícita, por parte do agente.
Isto significa que temos de provar que naquela situação tem de ser presumir que o
agente aceitou atuar quando houvesse um perigo. Ex: imagine que 2 amigos vão
esquiar para um sítio perigoso. A certa altura dá-se uma avalanche e um deles fica
debaixo de neve e o outro não faz nada. A professora não concorda com a
professora Fernanda Palma. Nestas situações tentamos perceber, no fundo, até onde
é que deve ir a solidariedade natural das pessoas; até onde é que o direito deve exigir
solidariedade natural por parte das pessoas face aos valores que a ordem jurídica
defende. Ao considerar que esta pessoa tem o especial dever de agir, vamos
claramente restringir a liberdade desta pessoa. Sempre que impomos sobre uma
pessoa o especial dever de agir estamos a restringir-lhe a liberdade; estamos a dizer
que ela tem de atuar. A pergunta é: até onde faz sentido exigir que uma pessoa tem
de atuar?

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o Ou existe o dever de vigiar uma fonte de perigo independentemente do


titular do bem jurídico em causa:
1. Um comportamento prévio perigoso (ingerência): a pergunta
que se coloca é se esse dever existe quando o comportamento
prévio e perigoso for lícito. Ex: imagine que uma pessoa em
legitima defesa, coloca outrem em legitima defesa e vai-se
embora. A professora Fernanda Palma diz que nestes casos, em
que a pessoa atuou em legitima defesa, como a pessoa não
ultrapassou a sua esfera não tem o especial dever de agir e por
isso para a professora Fernanda palma nestes casos de legitima
defesa não há o especial dever de agir. Mas ela diz que se o
comportamento prévio e perigoso advém de uma atividade, de
um risco permitido que advém do próprio agente, como por ex:
uma pessoa vai no carro e por alguma razão os travões deixam
de funcionar, e a pessoa vai contra um peão. Para a professora
Fernanda Palma tem especial dever de agir. No primeiro caso,
da legitima defesa, ele não atuou para além da sua esfera de
liberdade, ele não tem especial dever de agir. Neste caso, o
risco que ele criou, apesar de não advir de uma ação, não é
justo fazer recair esse risco sobre esfera alheia.
2. Âmbito social de domínio: está-se a pensar que se deve poder
confiar em quem exerce o poder de disposição sobre um
determinado âmbito de domínio ou em determinado espaço
limitado. Ex: quem for titular de um estabelecimento de um
estádio tem o dever de vigiar aquele espaço limitado, e,
portanto, tem o dever de vigiar os perigos que podem existir
naquele determinado espaço aberto ao público.
3. Dever de controlar a ação de terceiros que ou não são
responsáveis ou têm a sua responsabilidade diminuída: os pais
assumem vigiar as ações que os seus filhos praticarem; um
professor assume vigiar as ações que os seus alunos praticarem.
4. Situações de monopólio: o que caracteriza uma situação de
monopólio é o facto de serem situações acidentais; ocasionais.
Além disso são situações limite em que o agente é a única
pessoa que está em posição de evitar o resultado e evitá-lo não
exige grande esforço por parte do agente. Ex: uma pessoa vai
passear à praia e de repente olha para o mar, vê uma pessoa à
beira mar com a mão estendida e ela só tem de puxar a mão
para salvar a pessoa. Para a maior parte da doutrina há
especial dever de agir. Para a professora Fernanda Palma não
há. A professora Fernanda Palma critica e diz que se alguém for
passear à praia, e alguém estiver a afogar-se como não se
pode ficcionar qualquer aceitação do agente no dever de
evitar a morte de outrem nestes casos, isto é, aquela pessoa não
podia contar com a obrigação de salvar uma pessoa quando
vai passear à praia, não há especial dever de agir. Mas a
professora Fernanda Palma, perante esta sua posição, é
obrigada a fazer um reparo, e o exemplo que ela dá é: A
acompanha B para um quarto de hotel para terem relações
sexuais, e B sofre um ataque cardíaco durante a relação. A
senhora tem um especial dever de agir ou não? Tem.

TIPICIDADE

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A tipicidade surgiu com Beling em 1901. Beling já distinguia 2 conceitos de tipo. Por um
lado, tínhamos o conceito de:
• Tipo indiciário ou provisório: o tipo indiciário abrange apenas as circunstâncias
contidas na norma incriminadora. O tipo indiciário, dito de uma maneira mais
simples, abarca apenas os elementos que estão na norma, o tipo de crime
que se está a trabalhar naquele momento. Ex: se se está a trabalhar o artigo
131º, o tipo indiciário abarca apenas os elementos que estão descritos na
previsão do artigo 131º.
• Tipo essencial ou definitivo: abarca todos os elementos constitutivos do crime.
Isto quer dizer que o tipo essencial abarca todas as circunstâncias, quer as
previstas no tipo, quer os que estejam na parte geral e tenham que ver com a
ilicitude ou com a culpa ou com a inimputabilidade, mas todas as
circunstâncias necessárias para que se possa abarcar a sanção criminal. Para
além de abranger os elementos descritos na norma incriminadora, abrange
todos os elementos de que depende a consequência final de um crime que é
a aplicação de uma pena de prisão ou uma pena de multa.

É importante relembrar estes conceitos porque a partir do momento em que Beling


criou a figura da tipicidade ela nunca mais saiu da teoria do crime. Atualmente
quando utilizamos o conceito de tipo como segundo elemento constitutivo do crime,
ele aparece como tipo indiciário. Mas é um tipo indiciário mais abrangente que o de
Beling, porque o tipo indiciário com o qual nós trabalhamos na resolução de casos
práticos, abrange para além dos elementos que constam na previsão da norma
incriminadora, também abarca aqueles elementos que estão previstos nas chamadas
normas extensivas da tipicidade. Ex: duas normas extensivas da tipicidade que vamos
estudar é a norma do artigo 22º que vê a figura da tentativa e as normas do artigo 26º
e 27º que preveem as formas de comparticipação criminosa. O tipo indiciário que nos
interessa neste momento, é este que para além de abranger os elementos que
constam na previsão da norma incriminadora da parte especial ou legislação abarca
também os elementos constitutivos ou da tentativa, ou da comparticipação.

Quando surge outra forma de participar no crime, que não a autoria material, há a
figura da comparticipação criminosa. Há o instigador, que é aquele que determina
outrem a praticar o criem; o cúmplice que é aquele que por exemplo empresta a
arma utilizada no crime. O tipo indiciário abarca também os elementos que fazem
parte destas figuras (quando elas aparecem) e, portanto, o conceito de tipo indiciário
continua a ser central. Esta é a primeira distinção que há a saber.

Outra classificação que se costuma fazer a propósito do conceito de tipo é:


• Tipo em sentido abstrato: o ponto de referência é a previsão da norma.
• Tipo em sentido concreto: o ponto de referência é o facto concreto, o caso
em concreto, e o que se está a tentar averiguar é se se verificam as
circunstâncias no caso concreto que consta no tipo. O ponto de referência é o
caso em concreto e estamos a olhar para ele e tentar perceber se nele estão
presentes as circunstâncias que constam do tipo.
A distinção tem que ver com o ponto de referência.

Nesta segunda fase da análise do crime vamos tentar saber se as tais circunstâncias
que estão previstas no tipo legal em sentido abstrato estão ou não presentes no caso
concreto, isto é, estão presentes no tipo em sentido concreto. Portanto, chama-se a
esta operação lógica, em que se tenta determinar se em determinado caso concreto
estão ou não presentes as circunstâncias previstas no tipo em sentido abstrato, técnica
de subsunção ou método subsuntivo. O que andamos a aprender é a subsumir um
caso concreto numa ou mais normas. A teoria do crime existe para nos ajudar a

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subsumir um caso concreto numa determinada norma. Este método, implica que
estejamos constantemente do caso concreto para a norma e da norma para o caso
concreto.

Faz parte da doutrina penal, nem todos os autores estarem de acordo uns com os
outros e por isso há quem diga que não se deve falar em método subsuntivo. Há quem
diga que não é possível falar em método subsuntivo porque não é possível separar o
facto da norma. Para uma parte da doutrina, o que existe é o que eles chamam uma
construção normativa do facto. Para esta parte da doutrina não existe um facto
objetivo. O que o direito penal apanha é um caso normativo que está em construção
e por isso não se pode falar em método subsuntivo porque este pressupõe a tal
separação do caso concreto, norma, interpretação do caso concreto, norma. Estes
autores vêm dizer que essa separação é ilusória. O que existe é o caso normativo,
logo, que está sempre em construção desde o início. Para fazer uma critica tem de se
propor um método que dê uma solução. Além disso, esta doutrina diz que quem
defende o método subsuntivo dá o caso como construído. Isso está errado. Quem
defende o método subsuntivo está sempre a dizer que passamos do caso para a
norma e da norma para o caso. O método subsuntivo não acha que o caso está
sempre construído.

Ainda a propósito do conceito do tipo, este pode aparece como tipo de garantia que
abrange apenas os elementos que fundamentam positivamente a punibilidade. Não
abarca os elementos negativos. Os elementos que fundamentam positivamente a
punibilidade são as normas penais positivas. Para além do tipo de garantia fala-se
também do tipo de ilícito e de tipo de culpa. Quando se fala em tipo de ilícito, abarca
apenas os elementos que têm que ver com a ilicitude. Se for indiciário são os
elementos que fundamentam positivamente a ilicitude; se for o tipo essencial de ilícito,
abarca todos os elementos dentro da licitude ou ilicitude do comportamento,
portanto, abarca quer os positivos quer os negativos. O mesmo com o tipo de culpa.
O tipo indiciário de culpa abarca todos os elementos que fundamentam
positivamente a culpa. O tipo essencial de culpa, para além de abarcar todos os
elementos que fundamentam a culpa positivamente, abarca também os que
excluem a culpa.

Para averiguar se uma ação é típica, e já sabemos que se está a falar do tipo
indiciário, temos de verificar se estão presentes os chamados elementos objetivos do
tipo e só depois temos e averiguar se estão presentes os chamados elementos
subjetivos do tipo. Os elementos subjetivos é tudo o que tem que ver com o que se
passa na mente do sujeito. Em direito penal só se pode punir uma pessoa se se provar
que ele atuou com dolo ou negligência. Os elementos objetivos são os elementos
exteriores à mente do agente (agente; ação típica; objeto da ação; bem jurídico;
imputação objetiva). São os elementos gerais objetivos do tipo.

A maior parte da doutrina, entende para averiguar se uma ação é típica, deve-se
começar por ver se estão presentes os elementos objetivos e depois os elementos
subjetivos. Com base nos elementos objetivos faz-se uma classificação dos crimes.

AGENTE
O primeiro elemento objetivo do crime é o agente e com base neste tipo de elemento
distinguem-se dois tipos de crime:
• Crimes comuns: é um crime que pode ser realizado por qualquer pessoa
• Crimes específicos: é um crime que só pode ser realizado por determinada
pessoa com certas qualidades. Dentro dos crimes específicos temos os crimes:

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➢ Próprios: são crimes que não têm correspondência com outros crimes e
por isso só quando são realizados por aquela pessoa é que são crime.
Ex: omissão impura. Só pode ser praticada por quem tem um especial
dever de agir.
➢ Impróprios: são aqueles que têm correspondência com outro crime
que pode ser praticado por qualquer pessoa. Isto significa que aquele
crime quando é praticado por qualquer pessoa tem um nome; quando
é praticado por aquela pessoa, é uma variante desse crime
fundamental. Ex: crime de abuso da confiança, artigo 205º, pode ser
praticado por qualquer pessoa, mas se for praticado por um
funcionário público chama-se crime de peculato e está previsto no
artigo 375º.

Ainda a propósito do agente, temos os crimes de mão própria. Um crime de mão


própria é um crime que só pode ser praticado por autoria direta material e singular
daquela pessoa. Como o próprio nome indica só pode ser praticado pelo próprio. Ex:
bigamia, só pode ser praticado pelo próprio que é casado.

AÇÃO em sentido amplo


O segundo elemento objetivo do tipo é a ação que já foi desenvolvida.

OBJETO DA AÇÃO
Terceiro elemento objetivo do crime é objeto da ação que consiste no objeto do
mundo exterior em qual ou em relação ao qual se realiza a ação típica. Ex: A dispara
sobre B. o objeto da ação é B.

BEM JURÍDICO
Como é de recordar, o bem jurídico é tudo aquilo que satisfaz uma necessidade ou
preferência tutelado/protegido pelo Direito. Ex: vida; integridade física. A propósito do
bem jurídico há uma distinção que se faz. Distinguem-se os crimes de:
➢ Dano ou de lesão: é um crime para cuja consumação a lei exige a efetiva
lesão do bem jurídico. Ou seja, para o tipo estar preenchido é necessário que
haja a lesão do bem jurídico. Ex: homicídio
➢ De perigo: é um crime que não implica a efetiva lesão do bem jurídico, mas o
perigo surge como fundamento da punição. E dentro dos crimes de perigo há
uma distinção importante que distingue os crimes de perigo abstrato dos
crimes de perigo concreto. No crime de perigo abstrato, para o tipo ficar
preenchido basta haver uma ação adequada a produzir o perigo. Ex: conduzir
embriagado – artigo 292º. Para um crime de perigo concreto estar preenchido,
já é preciso que seja colocado em perigo um dado bem jurídico. Tem de se
provar que houve criação de um perigo para o bem jurídico. O perigo pode
definir-se como possibilidade e probabilidade de dano. Ex: crime de exposição
ou abandono (artigo 138º). A propósito dos crimes de perigo há ainda outra
distinção. Temos os crimes de perigo singular e os crimes de perigo comuns.
Nos crimes de perigo singular basta que seja colocado em perigo um bem
jurídico. No crime de perigo comum são colocados em perigo um conjunto de
bens jurídicos. Ainda, para complicar, há ainda uma outra terminologia, dentro
dos crimes de perigo que se chama crime de perigo abstrato ou concreto. Este
distingue-se de todos os outros é que por um lado não é necessária a criação
de um perigo concreto para o tipo estar preenchido, mas por outro o próprio
tipo exige que a ação tenha aptidão geral para causar um perigo. Ou seja, o
próprio legislador, na lei refere, que aquela ação tem de ser uma forma
adequada de produzir um perigo. Enquanto que nos crimes de perigo abstrato
basta uma ação abstrata perigosa aqui não. O próprio legislador diz o tipo,

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que aquela ação é adequada a produzir o perigo. Ex: propaganda ao suicídio


– artigo 139º.

RESULTADO
Outro elemento do crime é o resultado. O resultado consiste no evento espaço-
temporalmente separado da ação. Ex: A dispara sobre B. A morte de B é o evento
espaço-temporalmente separado da ação de A. Aqui distinguem-se os crimes formais
dos crimes materiais. Um crime formal é um crime onde não é necessário verificar-se
um certo resultado para o tipo ficar preenchido. Por contraposição os crimes materiais
pressupõem a verificação de um certo resultado para o tipo ficar preenchido. Quer os
crimes formais quer os crimes materiais, podem ser praticados por ação ou por
omissão. Quando se fala de um crime formal praticado por ação também se utiliza a
expressão crime de mera atividade. Quando se trata de um crime formal por omissão
será uma omissão pura. Ex: omissão de auxílio, artigo 200º. Os crimes materiais também
podem ser praticados por ação ou por omissão. As omissões são as omissões impuras.

Quando ao elemento resultado, a professora faz 2 notas:


1. Não confundir resultado com lesão do bem jurídico. Porque, para já o resultado
pode ser a criação do perigo para o bem jurídico. Um crime de perigo
concreto é um crime de resultado e não é um crime de lesão. Além disso há
crimes de lesão que não são de resultado. Ex: o crime de violação de domicílio
– artigo 190º.
2. Fala-se por vezes na distinção entre crimes duradouros ou permanentes de
crimes instantâneos ou de estado. Um crime duradouro é quando o tipo está
preenchido com a criação de um determinado estado da situação, mas esse
estado mantém-se, subsiste ao longo do tempo. Ex: sequestro. Já no crime
instantâneo, o tipo está preenchido e concluído com a provocação de
determinado estado. Ex: homicídio. A diferença entre um crime duradouro e
um crime continuado é que o crime continuado é um crime que é praticado
várias vezes. O crime duradouro é um mesmo crime que permanece.

Quanto aos crimes de resultado surge um dos grandes problemas em Direito Penal que
é saber quanto é que eu posso imputar objetivamente um determinado resultado à
conduta do agente. Por isso, este elemento objetivo (imputação objetiva do resultado
à conduta do agente), só se coloca em relação aos crimes de resultado. Sempre que
houver um crime de resultado, seja ele de dano, seja ele de perigo concreto, coloca-
se o problema de saber quando é que podemos imputar aquele resultado à conduta
do agente; quando é que podemos atribuir aquele resultado à conduta do agente.
Ora, para responder a esta questão, surgem várias teorias.

Teoria de conditio sine qua non ou teoria das condições equivalentes


Esta teoria diz que para haver atribuição do resultado à conduta do agente é
necessário que aquela conduta tenha sido causa do resultado. Sabemos que uma
conduta é causa do resultado quando sem ação não há resultado. Se sem ação não
há resultado é porque aquele resultado foi causado pela ação. Eliminamos
mentalmente a conduta do agente e verificamos se o resultado subsiste nas mesmas
condições de tempo, modo e lugar. Esta é a primeira etapa. É a exigência mínima
para que se possa atribuir um resultado à conduta do agente.

Para o Direito Penal não basta provar a relação de causa-efeito; é preciso saber se de
acordo os valores do Direito Penal, nomeadamente de acordo com a justa remissão
podemos imputar objetivamente aquele resultado à conduta do agente. A relação
causal, apesar de ser uma relação necessária para a imputação objetiva, não é
suficiente.

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Isto é um juízo hipotético. Hipoteticamente elimina-se a ação e pergunta-se se mesmo


assim o resultado subsistiria nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar. Este
juízo é essencial para averiguar a situação de causalidade. Só fazendo este raciocínio
8sem ação não há resultado) é que podemos afirmar com toda a certeza que aquela
ação foi causa do resultado.com esta teoria só se consegue afirmar ou não a relação
causal. Mas esta teoria não chega. Assim, a primeira teoria que surgiu para responder
a esse problema foi a teoria da adequação ou causalidade adequada.

Teoria da Causalidade adequada


Fazemos um juízo de prognose póstuma. Colocamos um homem médio na posição do
agente e perguntamos se era previsível a esse homem médio aquele resultado
segundo aquele processo causal. Mas a parte relevante a propósito desta teoria é
que este juízo de prognose póstuma é feito ex ante, ou seja, fazemos esta pergunta no
momento em que o agente atuou. Ex: mulheres grávidas tomaram uma substância e
essa substância provocou malformações na criança, mas só se descobriu depois de as
crianças começarem a nascer. Até lá, não havia nenhum médico ou cientista que
tivesse previsto tal consequência. Segundo esta teoria, um homem médio na posição
do agente, não conseguia prever aquele resultado segundo aquele processo causal.
Esta foi a primeira teoria que surgiu para desde logo, delimitar os resultados da teoria
sine quad non. Mas esta teoria não basta, porque descobriu-se que esta teoria não
resolvia de forma satisfatória uma série de casos em Direito Penal. E foi preciso criar
uma nova teoria.

Teoria do Risco ou moderna teoria de imputação objetiva


Tem de se provar que o agente criou, aumentou ou não diminuiu um risco proibido,
que esse risco proibido se concretizou no resultado, e que há uma conexão entre o
risco criado e o resultado produzido. Os casos que esta teoria resolve que as outras
não resolvem são:
• Criação de risco permitido: um sobrinho que não gosta da tia compra-lhe um
bilhete de avião na pior companhia aérea possível com esperança de que o
avião caia. Por acaso o avião acaba por cair. Não se atribui a morte ao
agente porque comprar um bilhete de avião é um risco permitido.
• Diminuição do risco: uma pessoa vai na rua distraída e vem um carro que
quase a atropela. B empurra para não ser atropelada, e a pessoa cai e
magoa-se. De acordo com a teoria do risco não há imputação objetiva
porque o agente diminuiu o risco do agente. Há outra parte da doutrina que
defende que nestes casos não é preciso chegar a esta teoria. A ação é
adequada socialmente e por isso nem é juridicopenalmente relevante.
• Comportamento lícito alternativo: exemplo do farmacêutico. Caso o agente
tivesse atuado licitamente, o resultado ter-se-ia verificado nas mesmas
circunstâncias e por isso não há imputação objetiva. Isto faz sentido porque a
atuação do agente em nada contribuiu para a realização do resultado. Em
última análise nem sequer há causalidade. Há uma grande discussão a
propósito do comportamento lícito alternativo: ex – um ciclista vai bêbado e a
certa altura um camião decide fazer uma ultrapassagem, não respeitando as
regras da ultrapassagem. O ciclista bêbado dá uma guinada e vai para trás
da roda do camião e morre. Não se conseguiu provar que se o camião tivesse
respeitado as regras de ultrapassagem o resultado não se teria verificado.
Herzberg diz que como há uma dúvida do facto, aplica-se o princípio
fundamental do processo penal que é o princípio in dúbio pro reu, ou seja, em
dúvida decide-se a favor do réu. E por isso mesmo continua-se a aplicar o
critério do comportamento lícito alternativo. Vamos partir do pressuposto que
mesmo que ele tivesse obedecido às regras o resultado ter-se-ia produzido nas

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mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar. Roxin discorda; diz que em


casos de dúvida não se vê razão para beneficiar o réu. Só se houver uma
resposta concludente é que faz sentido aplicar o critério do comportamento
lícito alternativo. A professora tende a achar que o Herzberg tem razão. Há
ainda uma discussão que já não é do comportamento lícito alternativo:
imagine-se que A se atira do 10º andar. B que mora no 4º andar, estava a
limpar a espingarda e sem querer dispara matando A. Aqui não podemos
aplicar o critério do comportamento lícito alternativo. Para Silva Dias, como ele
alterou apenas o “como” e não o “se” e o “quando”, há uma substituição de
risco, mas como é uma substituição que só altera o “como” não deve haver
imputação objetiva. Em última análise o professor Silva Dias está a dar
importância à causa visual
• Âmbito da proteção da norma: este critério em que o resultado cai fora do
âmbito da proteção da norma, é uma espécie de critério residual. Isto é,
sempre que o resultado produzido não é nenhum daqueles que a norma visou
salvaguardar ou evitar, ao proibir aquele comportamento, não deve haver
imputação objetiva. São situações em que o resultado produzido não é
nenhum daqueles que a norma visou salvaguardar ou evitar ao proibir
determinado comportamento. Ex: ciclistas. A norma que impõe ao segundo
ciclista ir com a luz acesa visa evitar os riscos que advém diretamente dele não
ir com luz acesa. Não visa evitar riscos indiretos. Não cabe no âmbito da
proteção da norma, que exigia que o segundo ciclista fosse de luz acesa,
evitar desastres de terceiro. O resultado que aconteceu não está abrangido
pelo âmbito da proteção da norma que exige a luz por parte do segundo.
Os últimos 2 são critérios criados no âmbito da teoria do risco, mas vão para além da
fórmula da teoria do risco.

O professor Figueiredo Dias defende que primeiro se aplica a teoria da conditio sine
qua non. Esta teoria diz que há causalidade quando eliminando a ação do agente, o
resultado subsiste. Isto é um juízo hipotético. Mas esta teoria não chega. Para o
professor Figueiredo Dias, depois de aplicar a teoria da conditio sine qua non temos de
aplicar a teoria da causalidade adequada, e logo a seguir aplica-se a teoria do risco.

Conceitos de imputação objetiva


Causas cumulativas ou causalidade cumulativa, utilizam-se em casos em que há mais
do que uma conduta, e ambas são causas do resultado, só que uma conduta por si
não é idónea a produzir o resultado. Ex: imagine que A deita veneno num copo, mas
essa dose não é suficiente para matar. Logo a seguir, B deita também a mesma dose
nesse mesmo dose sem saber que o A tinha colocado essa dose no copo, e essa dose
também não é suficiente para matar. Mas as duas juntas já são suficientes para matar.
A dúvida é há ou não imputação objetiva do resultado morte a A e B? Relativamente,
a A pela teoria da conditio sine quad non é imputável a A. Pela teoria da causalidade
adequada se sabe que a dose não mata, ele não consegue prever o resultado
perante aquele processo causal. Se A estivesse convencido de que o veneno mata,
mas não mata, ele tem dolo, ele poderia prever, mas não segundo aquele processo
causal, nas mesmas circunstâncias de modo. Pela teoria do risco também não há
imputação objetiva porque apesar de ele ter criado um risco proibido, esse risco não
se materializou no resultado. Mas, se ele tem dolo é punido por tentativa. Outra coisa
diferente seria se eles tivessem combinado. Isto está relacionado com a coautoria. Se
houvesse negligência, eles não podiam ser punidos por tentativa porque não há
tentativas negligentes.

Causas alternativas ou dupla causalidade, ou ainda causalidade redundante serão


situações em que são colocados dois processos causais paralelos a funcionar, e cada

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um deles é suficiente para causar o resultado. Ex: nesta situação, o A coloca dose
suficiente para matar e logo a seguir o B também. Há ou não imputação objetiva ao A
e ao B? Sim. Porque pela primeira teoria, o resultado não subsiste nas mesmas
condições de tempo, modo e lugar. Na segunda teoria, um homem médio poderia
prever aquele resultado segundo aquele processo causal. Na teoria risco também há
imputação objetiva porque criaram um risco proibido e esse risco concretiza-se no
resultado. Há conexão entre o risco e o resultado obtido.

Além destes tipos de caso, há dois tipos de casos que podem suscitar dúvidas quanto
à imputação objetiva:
Casos de crimes agravados pelo resultado
Ex: A dá uma bofetada em B. B desequilibra-se e bate com a cabeça na ponta de
uma mesa e morre. Quid Juris? Uma pessoa que dá uma bofetada à partida não tem
intenção de matar, não tem dolo de morte. Pela teoria da conditio sine quad non há
imputabilidade. Pela teoria da causalidade adequada, depende. Se estavam no
quarto minúsculo, que é uma criança, a probabilidade é bastante grande. Tudo
dependia da situação à volta do senhor. A imputação objetiva pode ou não haver
nos crimes agravados pelo resultado. Depende de o agente poder ou não prever que
aquele resultado mais grave se pudesse dar. E fala-se então na causalidade entre o
resultado menos grave e o resultado mais grave. Quanto ao tipo subjetivo, a
caracterização do tipo subjetivo dos crimes agravados quanto ao resultado é de dolo
quanto ao resultado menos grave, e negligência quanto ao resultado mais grave. Se
houver negligência quanto ao resultado mais grave pode haver imputação objetiva.

Outra situação em que a questão da imputação objetiva se coloca algumas dúvidas


são situações em que vítima sofre de uma constituição anormal e o agente não sabia.
O exemplo que todos já ouvimos falar é o do hemofílico: A dá um arranhão a uma
pessoa que sofre de hemofilia, e ela morre. Se ele soubesse, podia ser imputado
objetivamente. Se ele não soubesse não havia imputação de acordo com a teoria da
causalidade adequada porque ele não podia prever aquele resultado segundo
aquele processo causal. Na teoria do risco, não há conexão entre o risco criado e o
resultado obtido. Não foi o risco criado que se concretizou no resultado, porque o risco
criado foi só um arranhão. Mas se ele sabia que A era hemofílico já era totalmente
diferente.

Tipo subjetivo
O tipo é composto por elementos objetivos e elementos subjetivos. Os elementos
subjetivos são aqueles que se passam na mente do agente. Este é composto pelo dolo
e pela negligência, e ainda há um outro elemento que é o elemento subjetivo
especial. É especial porque vai para além dos elementos subjetivos. Ex: crime de furto.
Para além do dolo há a intenção de se apropriar. Para punirmos uma pessoa pelo
crime de furto não basta provar que tinha dolo de subtrair, também tem de se provar
que ela tinha intenção de se apropriar. Há certos crimes dolosos em que para além do
dolo, o legislador exige o tal elemento subjetivo especial. É especial porque esta
intenção de se apropriar, não se exige objetivamente, só se exige ao nível subjetivo.
Ao nível objetivo só se exige que a pessoa subtraia.

Outra regra muito importante é que não podemos punir qualquer pessoa por
negligência. Só podemos punir se o crime estiver previsto na forma negligente – artigo
13º.

Dolo

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Há dolo quando o agente conhece e tem vontade de realizar o facto típico. O dolo
traduz-se no conhecimento e na vontade de realizar o facto típico, por isso para a
maior parte da doutrina, o dolo é composto por 2 elementos:
• Elemento intelectual ou cognitivo: traduz-se no conhecimento dos elementos
objetivos do tipo.
• Elemento volitivo: traduz-se na vontade que o agente tem de realizar o facto
típico.

Há uma discussão interessantíssima na doutrina, que é a de saber se o dolo tem um


terceiro elemento. É o elemento emocional. Para Figueiredo Dias, sempre que o
agente conhece e tem vontade de realizar o facto típico, necessariamente, ele tem
uma certa consciência ética em relação à realização do facto típico. O elemento
emocional traduz-se na atitude pessoal do agente contrária ao dever jurídico-penal. A
atitude do agente face à norma jurídica é elemento emocional do dolo para
Figueiredo Dias. A maior parte da doutrina não concorda com a existência deste
elemento emocional. A atitude do agente face à norma jurídica estuda-se na culpa.
Esta relação do agente com o direito não é um elemento autónomo do dolo. É um
elemento que se deve analisar na culpa e é comum ao dolo e à negligência. A
relação do agente com o Direito, a relação do agente com a norma jurídica, tem de
ser analisada na culpa e não no tipo.

O elemento subjetivo do tipo mais relevante é o dolo. Jacobs, por exemplo, quando
estuda o tipo divide o dolo e a negligência. O dolo e a negligência devem ser
estudados como elementos subjetivos do crime. Tudo o resto é comum à teoria do
crime, quer no dolo quer na negligencia. O dolo, o crime doloso é que foi sempre o
objeto primordial da teoria do crime. Como já foi visto o dolo tem, para a maior parte
da doutrina dois elementos: elemento intelectual e elemento volitivo. A propósito do
elemento intelectual temos de começar por caracterizá-lo. Já sabemos que
descrevendo o elemento intelectual, pode-se definir como representação ou
conhecimento da realização do facto típico. Caracterizando este conhecimento, ele
tem de ser um conhecimento dos elementos essenciais da factualidade típica. Isto é,
tem de haver o conhecimento de todas as circunstâncias de facto que preenchem
aquele tipo de crime. Este conhecimento pressupõe a representação de todos os
elementos essenciais da factualidade típica, os elementos essenciais do tipo em
questão, que são as circunstâncias objetivas do tipo. Para além disso, esse
conhecimento tem de ser atual. Isto é, no momento que o agente atua, ele tem de ter
a consciência efetiva dos elementos da factualidade típica. Ex: um médico sabe que
o doente x sofre de uma certa alergia. Passado 10 anos, esse doente aparece de
urgência no hospital, e ele não se lembra que o doente tem uma certa alergia,
administra um medicamento que tem a composição cujo paciente é alérgico. Aqui
não há dolo porque o dolo pressupõe que haja conhecimento atual dos elementos
efetivos. Esta representação tem de ser uma representação concreta. Isto é, não
basta o agente contar com a verificação abstrata do facto típico; ele tem de
representar a realização concreta do facto típico. Esta é a caracterização do
conhecimento que define o dolo.

É importante aprofundar este elemento cognitivo, porque é a propósito dele que


surgem as chamadas situações de erro. O erro, em direito penal, traduz-se na
discrepância entre o que o agente representa e o que se passa na realidade, mas
também se fala em erro quando há falta de conhecimento. Isto é, quando o sujeito
não conhece os elementos essenciais do facto típico. A consequência do erro sobre
os elementos essenciais da factualidade típica de um tipo de crime está no artigo 16º/
1, primeira parte, é a exclusão do dolo.

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Principais tipos de erro


➢ Erro sobre o objeto da ação: o objeto da ação é um elemento objetivo do tipo
e pode haver um erro sobre o objeto. Mas há que distinguir dois erros sobre o
objeto: tipicamente idênticos (não há exclusão do dolo, é irrelevante) e não
tipicamente idênticos (exclui-se o dolo). Se a pessoa está em erro sobre o
objeto, mas o objeto é tipicamente idêntico ao objeto que ela devia ter
representado, há o que se chama identidade típica dos objetos e este erro não
tem qualquer relevância. Ex: A dispara sobre B pensando que era C, irmão
gémeo. Este erro é totalmente irrelevante e por isso A continua a ser punido por
dolo. Porque o que interessa ao nível do tipo é que ele representou e quis
matar uma pessoa. Isto é para maior parte da doutrina. Se há um erro sobre o
objeto e não há identidade típica entre o objeto que o agente representou e o
objeto atingindo, esse erro vai ter relevância jurídica e exclui o dolo e cabe no
16º/1, primeira parte. Ex: A vai à caça e a certa altura vê um movimento atrás
de uma árvore. Pensando que é um veado dispara, mas quem estava no
arbusto era o B. Não há dolo porque ele não representa matar uma pessoa. O
que eventualmente poderá haver é negligencia.
➢ Erro sobre o processo causal: há que distinguir duas situações. Ou há erro sobre
o processo causal e há um desvio essencial entre o processo causal
representado pelo agente e o processo causal ocorrido; ou há um erro sobre o
processo causal, e não há um desvio essencial entre o processo causal
representado pelo agente e o processo causal ocorrido. Ex: A atira B da ponte
e representa que ele vai morrer com o embate na água. Se ele não morre com
o embate na água, mas morre porque bateu com a cabeça num pilar, não se
exclui o dolo porque o desvio é irrelevante e é previsível. Como este desvio não
tem qualquer relevância e não exclui o dolo. Ele vai ser punido pelo crime de
homicídio doloso. Ex 2: A atira B da ponte, e aparece um tubarão que come o
B. A é punido por tentativa. Há uma interrupção do processo causal. Como o
desvio é essencial, vai ter consequências ao nível do tipo objetivo. Ao nível da
imputação objetiva, o agente criou um risco, mas não há a concretização do
risco no resultado. Não foi o risco criado pelo agente que se concretizou no
resultado. A conclusão que se tira é que apesar do erro ser dado a propósito
do elemento intelectual do dolo, ele não tem consequências a nível
intelectual, mas sim a nível de imputação objetiva. Se o desvio é essencial
afasta a imputação objetiva. Mas o dolo permanece, e ele seria punido por
tentativa.
➢ Erro sobre os elementos normativos do tipo: no artigo 16º/1 o legislador diz “erro
sobre os elementos do facto ou de direito de um tipo de crime exclui o dolo”.
Ora, importa saber o que é isto de elementos de direito (= elementos
normativos). O que caracteriza um elemento normativo do tipo, ao contrário
dos elementos descritivos, não são imediatamente apreensíveis pelos sentidos.
Isto é, só podem ser pensados partindo da sua compreensão intelectual. Só
podem ser pensados partindo do pressuposto da existência de uma norma. Ex:
crime de falsificação de documento. A palavra documento, é um elemento
normativo. Para representarmos que estamos perante um documento não
basta o que apreendemos pelos sentidos, pressupõe que se tenha uma ideia
jurídica do que é um documento. Há o tal pressuposto de uma representação
intelectual do que é aquele objeto. É preciso ir buscar uma norma para se
perceber aquele elemento. Se formos aprofundar este assunto, não existem
elementos puramente descritivos nem elementos puramente normativos. O
que existe verdadeiramente são elementos predominantemente descritivos e
elementos predominantemente normativos. Quanto aos elementos
predominantemente normativos temos de distinguir 2 tipos:

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o Ou temos elementos predominantemente normativos com uma


estrutura eminentemente jurídica, que são elementos em que para o
agente os representar ele precisa de conhecer os critérios
determinantes da sua qualificação. Ex: quase todos os elementos
normativos que constam de normas de direito secundário relativo a
impostos, nomeadamente o conceito de matéria coletável. São
elementos eminentemente jurídicos, porque para sabermos estes
conceitos temos de ser juristas. E para os conhecer e representar é
preciso conhecer os critérios valorativos que fazem parte destes
conceitos. Para haver dolo é necessário que se conheça os critérios
materiais e que os estão a violar.
o Elementos em que basta que o agente conheça os pressupostos
materiais para a sua valoração. São elementos normativos em que
basta que o agente conheça os elementos materiais para afirmação
do dolo. Quanto a estes, basta que o agente tenha um conhecimento
aproximado desses elementos para ter dolo. Ex: para cometer o crime
de falsificação de documento, não é preciso saber o conceito jurídico
preciso de documento. Basta ter a tal valoração paralela na esfera dos
leigos. Para haver dolo não é necessário que ele conheça todos os
critérios que estão na nossa lei que definem documento.
➢ Erro sobre proibições cujo conhecimento for razoavelmente indispensável para
que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto (artigo 16º/1): aqui
exclui-se o dolo. Ex: Obama vem a Portugal e sai uma norma jurídica dizendo
que quem circular com armas nesse fim de semana é punido com pena até
um ano. A que todos os fins de semana, vai à caça numa operação stop é
apanhado com a arma na sua bagageira. A para saber que o seu
conhecimento era proibido tinha de conhecer esta norma. Sem conhecer esta
norma era impossível saber. Estas normas, recaem sobre comportamentos só
por si não têm qualquer carga valorativa. É isto que caracteriza as normas do
16º/1, última parte. São normas que recaem sobre comportamentos que
valorativamente são neutros. Quando estamos perante este tipo de norma, se
houver um erro sobre esta norma, exclui-se o dolo porque era preciso o
conhecimento da existência daquela norma para representar a representação
do seu facto. Já será totalmente diferente se uma Dinamarquesa vier a
Portugal fazer um aborto pensando que é possível fazer tal como no país dela
até à 14ª semana. Esta norma é uma norma que recai sobre um
comportamento com uma carga valorativa só por si mesmo. Aqui já íamos
para o artigo 17º.

Figuras relacionadas com as situações de erro, mas que não se podem confundir com
as situações de erro. Essas duas figuras são a figura:
• Dolo generalis: normalmente ocorre quando o resultado se consuma em dois
atos e o agente erradamente previu criar o resultado apenas com a primeira
ação. Só que na realidade, o resultado ocorreu na segunda ação. Ex: A atira
sobre B e pensando que B morreu, esconde o corpo, atirando-o ao riu. Na
perícia vem-se a demonstrar que o B morreu afogado. Mas o importante é
perceber que o agente tem de estar convencido que realizou o resultado com
a primeira conduta. Se ele tem dúvidas não se aplica esta figura. Esta figura só
se aplica quando o agente supõe erradamente que conseguiu realizar o
resultado logo à primeira, mas mais tarde é que se demonstra que o resultado
só se deu com a segunda ação. A dúvida que surge é como é que se vai punir
este homem. Há 2 critérios propostos. O primeiro critério foi adotado por
Stratenwerth. Se antes de praticar a primeira ação, o agente já tinha pensado
em realizar a segunda, nesse caso, o dolo abarca todo o processo causal que

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conduziu ao resultado. E por isso, como o dolo no início já abarca todo o


processo causal que conduziu ao resultado, o agente deve ser punido apenas
por homicídio doloso consumado. Se quando realizou a primeira ação não
previu a segunda, então nesse caso já vai ser punido em concurso, por
tentativa de crime de homicídio relativamente à primeira ação, e por
homicídio negligente se se provar a negligencia relativamente à segunda
ação. Há outra parte da doutrina, nomeadamente Figueiredo Dias que vem
dizer que o critério a aplicar é: se o risco que se concretiza no resultado pode
reconduzir-se ao quadro dos riscos criados pela primeira ação, isto significa que
se a segunda ação, face às regras da experiência era previsível, era normal,
portanto, no fundo a segunda ação é normalmente relacionada com a
primeira, se isso acontecer aplica-se a figura do dolo generalis. Porque no
fundo, a segunda ação é um risco ligado, normalmente à primeira ação, e por
isso faz sentido dizer que o dolo que ele teve desde o início abarca todo o
processo que conduziu ao resultado. Temos um outro critério defendido por
exemplo por Jescheck. Jescheck diz que em qualquer das situações (quer o
agente tenha previsto antes ou não), há o que ele chama de unidade de
ação e por isso o agente em qualquer dos casos deve ser só punido por um
crime de homicídio doloso consumado. A jurisprudência atual recorre à figura
do erro sobre o processo causal, para resolver estas situações. A solução é, se o
desvio do processo causal não for essencial, não se afasta a imputação
objetiva e o agente é punido apenas por um crime doloso consumado. Já, se
o desvio for essencial afasta-se a imputação objetiva e nesse caso vai para
concurso: tentativa e facto consumado negligente. Há ainda uma questão que
é a de saber se esta solução, seja qual for a forma que se utiliza, se se pode
aplicar estes raciocínios quando o caso é inverso. O caso é inverso quando o
agente produz o caso logo com a primeira ação, mas está convencido de que
só conseguiu com a segunda. Ex: A acha que só consegue matar com o
afogar, mas com a perícia veio-se demonstrar que ele morreu logo com o tiro.
A doutrina dominante diz que nestes casos deve-se aplicar exatamente o
mesmo critério que se aplica para resolver o dolo generalis, isto é, aplicando
por exemplo o critério de Figueiredo Dias, se a segunda conduta é um risco
normal, previsível, associado à primeira, ele vai ser punido só por um criem. Se
não é, não vai.
• Aberratio ictus ou erro na execução ou execução defeituosa: como o próprio
nome indica, na execução defeituosa, o resultado produz-se num objeto
distinto do elegido pelo autor, devido à realização defeituosa da ação. A
solução para a doutrina maioritária é que o agente vai ser punido a concurso
verdadeiro por tentativa do crime que visou realizar e pelo crime que realizou
na forma negligente. Ex: A quer disparar sobre B que está numa mesa. Erra no
alvo e acerta na pessoa que está na mesa do lado. Ele é punido por tentativa
do crime de homicídio na pessoa que ele queria atingir e por homicídio
negligente na pessoa que atingiu. O importante é perceber que ele vai ser
punido em concurso. É o que defende a teoria maioritária. Nos crimes em que
não se pode punir por negligencia ele não pode ser punido em concurso. Há
uma doutrina minoritária que considera que se houver coincidência típica
entre o tipo de ilícito projetado e o tipo de ilícito consumado, o agente deve
ser punido apenas por um crime doloso consumado. Há uma parte da
doutrina, que neste caso que foi dado como exemplo, acredita que como se
trata do mesmo objeto típico, do mesmo facto típico, a pessoa deve ser
punida apenas pelo crime de homicídio doloso consumado. Chama-se a esta
teoria, de teoria da equivalência.

Modalidades de dolo

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As três modalidades do dolo são direto, necessário e eventual. O dolo está previsto no
artigo 14º. Outra forma de designar o dolo direto é dolo de primeiro grau, ou ainda
dolo intencional. O que carateriza o dolo direto é que o agente prevê e quer a
realização do facto típico. Ou seja, o que importa é que a finalidade última da ação,
é realizar aquele facto típico. Isto implica que mesmo que a realização do tipo surja
como pressuposto necessário do fim último, continua a haver dolo direto. Ex: A quer
assaltar um banco e para isso mata o guarda B. Ex 2: A quer receber a herança da tia
e mata a tia. Aqui a realização do tipo surge como finalidade intermediária. O que
interessa para haver dolo direto é que a vontade do agente coincida com a
realização do facto típico. Quando ele mata o guarda para assaltar o banco; quando
ele mata a tia para receber a herança, a finalidade mediata da sua ação é matar o
vigilante ou matar a tia, mesmo que seja para assaltar um banco ou para receber
uma herança. O que interessa para haver dolo direto é que o objeto da vontade do
agente coincida com a realização do tipo; que se prove que o agente dirige
diretamente a sua vontade àquele fim.

Diferença entre dolo direto e dolo necessário


No dolo necessário, que também se designa dolo de segundo grau, a realização do
facto típico não surge como degrau intermédio para alcançar a finalidade última da
conduta, mas a realização do facto típico surge como consequência necessária no
sentido de inevitável da sua conduta. Ex: alguém que quer receber o seguro do
incêndio da sua casa, e como consequência necessária dessa sua conduta morre um
mendigo que estava lá dentro.

Dolo eventual
Para além do dolo direto e do dolo necessário temos a terceira figura do dolo que é
última modalidade do dolo e entra em fronteira com a primeira modalidade da
negligência que é o dolo eventual. O que caracteriza o dolo eventual é que o agente
prevê a realização do facto típico como possível, e conforma-se com a sua
realização. Ora, o que permite distinguir o dolo eventual da negligência consciente é
o elemento da conformação. Isto é, no dolo eventual o agente representa a
realização como possível e conforma-se; na negligência consciente o agente
também prevê a realização do facto típico como possível, mas não se conforma. O
critério que o nosso legislador utilizou chama-se mesmo critério da conformação. E por
isso, significa que o elemento intelectual é exatamente o mesmo nas duas figuras. Nas
duas figuras, o agente prevê a realização do facto típico como possível, mas no dolo
eventual ele conforma-se e na negligencia consciente ele não se conforma. É claro
que a grande dúvida passa agora a ser, quando é que sabemos que o agente se
conformou ou não.

Surgem várias teorias para decidir quando é que o agente se conformou ou não:
• Teorias da probabilidade ou intelectualistas: o que permite para estas teorias
distinguir o dolo eventual da negligência consciente é o elemento intelectual.
Isto é para haver dolo, não basta o agente prever a consequência da
realização do facto típico como possível. Isto é, no dolo há uma representação
qualificada. O agente prevê a realização do facto, não como possível, mas
sim como provável. Já na negligência consciente o agente prevê como
possível. CRÍTICAS: é difícil estabelecer fronteiras entre o provável e o possível.
Provável é uma representação mais qualificada do que possível. A crítica
principal é que esta teoria assenta a distinção entre dolo eventual e
negligência consciente num elemento intelectual e por isso ela não serve para
a nossa ordem jurídica. Se lermos quer o artigo 14º/3 e o artigo 15º al. a), o
elemento intelectual do dolo eventual e da negligencia consciente é

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exatamente o mesmo. Nos dois, o agente prevê a realização do facto típico


como possível.
• Teorias da vontade ou da aceitação: o agente, no dolo eventual, aprova a
realização do facto típico. No fundo ele aceita intimamente a sua verificação.
Já na negligencia consciente ele repudia a verificação do resultado típico. Isto
é, ele espera que o resultado típico não se verifique. Mais uma vez a crítica é
baseada na nossa ordem jurídica, e não é uma critica geral, mas face á ordem
jurídica esta teoria não é pensável porque o nosso legislador não é tão
exigente. Para haver dolo eventual, o nosso legislador não exige que o agente
aceite a verificação do resultado e, portanto, esta teoria não é aplicável face
à nossa ordem jurídica.
• Teorias emocionais: baseiam-se na atitude do agente face à ordem jurídica.
Para a maior parte da doutrina isso analisa-se na culpa.
• Teoria da conformação: é a dominante. Esta teoria baseia-se na ideia de o
agente se conformar ou não com a realização do facto típico. No dolo ele
conforma-se, na negligência ele não se conforma. A dúvida passa então a ser:
que critérios devemos utilizar para saber se o agente se conformou ou não
conformou? A fórmula utilizada foi criada por um juiz alemão chamado Frank,
e a fórmula é a fórmula positiva de Frank. Frank começou por criar a fórmula
hipotética de Frank e só depois é que criou a positiva. A fórmula hipotética,
dizia que, e depois veio-se a ver que não servia, caso o agente tivesse
representado como certo a realização do facto questionava-se se ainda assim
atuaria. Se sim, havia dolo eventual. Se não, havia negligência consciente. Esta
fórmula que Frank começou por utilizar revelou-se injusta. Ex: uma máfia russa
cortava membros a crianças para obter de forma mais fácil esmola. Algumas
dessas crianças morriam e não sobreviviam ao corte. Esta organização foi a
julgamento e a dúvida que se levantou foi se podiam ou não ser punidos por
homicídio doloso das crianças que morreram. Por esta fórmula não, porque se
eles previssem como certa a morte das crianças, não iriam atuar. A fórmula
positiva de Frank é adotada pela maior parte da jurisprudência e da doutrina.
Esta fórmula diz que temos de partir do pressuposto que o agente prevê a
realização do facto como possível. O elemento intelectual do dolo eventual e
da negligencia consciente é o agente prever a realização do facto como
possível. Só que de acordo com esta fórmula, se o agente ao atuar prevê
como possível e pensou que aconteça o que acontecer eu atuo, há dolo
eventual.

Uma das questões que se levanta é a de saber como é que o agente pensou. Isto
avalia-se analisando os motivos que levaram o agente a atuar, e ainda segundo a
Professora Fernanda Palma, o grau de probabilidade do resultado. A Professora
Fernanda Palma fez uma tese de mestrado sobre a distinção entre dolo eventual e a
negligencia consciente. Uma das suas preocupações foi arranjar critérios práticos para
determinar se o agente ao atuar pensou “aconteça o que acontecer, eu atuo”. Um
dos dois critérios mais importantes que ela considerou foi a motivação. Com base na
motivação da ação, podemos facilmente chegar ao que o agente pensou. Ex: um
pai recebe um telefonema dizendo que o filho está em perigo no hospital. O pai vai a
alta velocidade na cidade, atropela uma pessoa e mata-a. Há dolo eventual ou
negligencia consciente? O pai pensou que aconteça o que acontecer eu atuo. O
outro exemplo que a Professora Fernanda Palma dá é o de o pai ir a alta velocidade
para ver um jogo de futebol. De acordo com os critérios da normalidade, ele não
pensou, aconteça o que acontecer eu atuo.

O outro critério é o grau da probabilidade. Ex: imagine que são 3 da manhã quando o
pai vai a alta velocidade. É menos provável. Portanto, é mais difícil achar que ele

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pensou que aconteça o que acontecer eu atuo porque a probabilidade de atropelar


alguém as 3 da manhã é muito pouca. Se for em hora de ponta já é mais complicado.

Há um caso muito interessante. Imagine-se que o A tem HIV e tem relações com uma
rapariga. O professor Figueiredo Dias acha que não há dolo. A professora Fernanda
Palma diz que há. O professor Figueiredo Dias acha que não há dolo e por isso devia-
se criar um tipo de crime que era o crime de perigo abstrato que era “quem fizesse
relações sexuais com HIV com outra pessoa era punido pelo crime de perigo abstrato.
Figueiredo Dias diz que é tão difícil em determinados casos decidir se há dolo eventual
ou negligência consciente, que se tem de criar uma nova figura que abarque tudo:
temeridade. Mas esta proposta iria provocar uma revolução no Código Penal.

Uma das grandes distinções dos elementos subjetivos é a distinção entre dolo eventual
e negligência consciente. Esta é uma discussão difícil, porque quer o dolo eventual
quer a negligência consciente têm o mesmo elemento intelectual. Nas duas figuras, o
sujeito prevê a realização do facto típico como possível, só que, no dolo ele
conforma-se e na negligencia consciente não se conforma. Como já sabemos esta é
a chamada teoria da conformação ou critério da conformação que é o critério que a
nossa ordem jurídica e doutrina adotam. Mas nem sempre foi assim. Houve várias
teorias que foram necessárias para ajudar na distinção entre dolo eventual e
negligência consciente. Só muito mais tarde é que se chegou à teoria da
conformação. E mesmo chegando à teoria da conformação, há depois a parte da
aplicação prática: quando é que sabemos que o agente se conformou ou como é
que podemos decidir se ele se conformou ou não. Aqui aparece Frank que era um juiz
do supremo tribunal alemão e tinha vários casos práticos onde foi confrontado com
essa dúvida. Se havia dolo eventual ou negligência consciente. E tentou criar critérios
que o ajudassem a decidir. As duas fórmulas que ele inventou, primeiro foi a fórmula
hipotética, em que se partia do pressuposto que o agente partia como certo a
realização do facto típico e perguntava-se se mesmo assim teria atuado. Mas
rapidamente percebeu que ela não servia por várias razões. A primeira das quais é
que ela parte de uma ficção: que o agente prevê como certa a realização do facto
típico. Coisa que não acontece. O agente prevê a realização do facto típico como
possível. Além disso, esta fórmula hipotética levava muitas vezes a resultados injustos.
Ex: caso real dos mendigos russos.

Frank teve de criar uma nova fórmula que é a fórmula positiva. Esta é a fórmula que a
maior parte da doutrina defende para num caso concreto aplicar o critério da
conformação. A fórmula positiva diz que se o agente ao atuar pensou “aconteça o
que acontecer eu atuo” há dolo eventual. E é exatamente isso que se passava com
os agentes dos mendigos russos. A nossa única hipótese é partir de elementos objetivos
a que tenhamos acesso.

A professora Fernanda Palma considera que os elementos determinantes são dois: por
um lado, a determinação do agente, e por outro, o grau de probabilidade de lesão do
bem jurídico. Se o grau de probabilidade for grande temos mais razões para pensar
que o agente pensou que aconteça o que acontecer eu atuo. É claro que por vezes
há dúvidas de qual é o critério que deve prevalecer, mas isso depende do caso
concreto. Esta discussão entre dolo eventual e negligência consciente tem uma
grande relevância prática. Primeiro nem todos os crimes são puníveis na forma
negligente. Só aqueles que estão previstos na lei de forma negligente são os que
estão previstos na lei. É por isso que podemos punir alguém por homicídio negligente.

Em certos tipos de crime dolosos, para além do dolo, o legislador exige aquilo que a
doutrina denomina elemento subjetivo especial. Para termos o tipo subjetivo

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preenchido não basta provar o dolo, tem de se provar ainda a existência de um


elemento subjetivo especial. Ex: crime de furto. O legislador exige que, para além de
se provar que o agente representou e quis subtrair coisa alheia, é preciso ainda
demonstrar que o agente tinha ainda a intenção de se apropriar da coisa. A isto
chama-se elemento subjetivo especial porque se repararmos esta intenção vai para
além do tipo objetivo. Enquanto que o dolo é a representação dos elementos
objetivos do tipo, o apropriar, a intenção de apropriar não faz parte do tipo objetivo. A
apropriação não é o resultado do crime de furto. Tem de apenas haver a intenção de
se apropriar. E por isso, como a intenção se encontra fora do tipo objetivo fala-se em
elemento subjetivo especial porque não deixa de estar relacionado com a vontade
do sujeito. A intenção de se apropriar é uma caracterização da vontade do agente.

Negligência
Outra matéria relevante é a negligência. Quanto à negligência já sabemos o que é a
negligência consciente. Mas há outra forma de negligência que é muito importante:
negligência inconsciente que está prevista no artigo 15º alínea b). O que caracteriza a
negligência consciente é que o agente não prevê a realização do facto típico, mas
tinha a possibilidade efetiva de o fazer. No Direito Penal vai-se punir a pessoa por um
crime que ela nem sequer representou. Mas temos de provar que pelo menos, ela
tinha uma possibilidade de o representar. Ex: pais que deixam os filhos na parte de trás
do carro. Ex: mãe que tem o filho raquítico e toda a aldeia inclusive os intelectuais
estão convencidos de que se a mãe puser a criança em água a ferver fica curada. A
negligência inconsciente exige a consciência dos sinais objetivos de perigo. Existe que
o agente tenha consciência de algo que o possa levar a pensar na realização do
facto típico. Só isso prova a possibilidade concreta da previsibilidade do facto típico; a
chamada cognoscibilidade individual da realização do facto típico. Sem isso, não há
a ligação subjetiva mínima que se exige no Direito Penal entre o sujeito e o facto.

Crimes agravados pelo resultado


Também se designam por crime preterintencionais. Estes crimes tão previstos no artigo
18º do Código Penal. Ex: A dá um murro a B e o B cai com a cabeça na ponta da
cómoda e morre. Temos aqui 2 resultados: resultado menos grave que é a ofensa à
integridade física e o mais grave que é a morte. No artigo 18º diz-se que se tem de
provar que o agente tinha em relação ao segundo resultado, pelo menos negligência.
Os crimes agravados pelo resultado, para além de exigir a imputação objetiva do
resultado à conduta do agente, exigem pelo menos negligência em relação ao
resultado mais grave. Ora, se ele nem tinha a possibilidade de o prever, não há
negligência. Daí a importância prática do artigo 18º.

Dolo de dano e dolo de perigo


Nos crimes de dano ou lesão, o legislador exige a lesão do bem jurídico. Ex: homicídio.
Depois há os crimes de perigo. Dentro dos crimes de perigo temos os crimes de perigo
abstrato (conduzir embriagado), que são aqueles em que não é preciso verificar-se
nenhum resultado, basta que a ação seja abstratamente perigosa. Além do crime de
perigo abstrato há os crimes de perigo concreto, que ao contrário dos abstratos, tem
de haver a criação de um perigo concreto (exposição ou abandono). O dolo de
perigo exige negligência quanto ao dano e dolo necessário quanto ao perigo. Sem
isso não há dolo de perigo. O dolo de perigo exige sempre estas duas componentes.
Os crimes de perigo concreto exigem negligencia quanto ao dano e dolo quanto ao
perigo.

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A propósito da ilicitude falta ainda falar no consentimento do ofendido.

Consentimento do lesado
O consentimento pode revestir três figuras no direito penal:

1. Pode surgir como elemento positivo do tipo. Isto significa que se não houver
consentimento o tipo não está preenchido, e por isso é preciso a existência do
consentimento para haver preenchimento do tipo. Ex: homicídio a pedido.
Aqui o consentimento da vítima é elemento positivo do tipo. É preciso haver
consentimento para estar preenchido o homicídio a pedido. Mas, o
consentimento do ofendido pode surgir como uma outra figura. Pode surgir
como elemento negativo do tipo.

2. Elemento negativo do tipo. Isto significa que se houver consentimento não está
preenchido o tipo. Para uma grande parte da doutrina, o consentimento surge
como um elemento negativo do tipo quando estejam em causa bens jurídicos
que só têm valor quando associados à sua livre disposição por parte do titular
do bem. O consentimento surge como elemento negativo do tipo quando a
sua existência leva ao não preenchimento do tipo e isso acontece quando
estejam em causa bens jurídicos que só têm valor quando associados à sua
livre disposição. Ex: introdução em casa alheia. No artigo 190º, este bem
jurídico que é a intimidade da vida privada só tem valor se estiver associado à
sua livre disposição por parte do titular. Se alguém autoriza alguém a entrar em
sua casa, se dá consentimento é obvio que ninguém está a violar esse bem
jurídico e este bem jurídico só tem valor se estiver associado à livre disposição
que temos deste bem jurídico. A intimidade da vida privada tem valor quando
associada à liberdade que se tem de dispor dela. Se quisermos consentir que
alguém entre em sua casa o tipo nem está preenchido.

3. O consentimento do ofendido pode ainda surgir como causa de exclusão da


ilicitude. Ele surge como causa da exclusão da ilicitude, e já não do tipo,
quando estejam em causa bens jurídicos que têm um significado valioso
independentemente da posição do seu titular face a esse bem. O
consentimento surge como causa de exclusão da ilicitude quando o bem
jurídico tem um significado valioso independentemente da posição do titular
face a esse bem. Isso quer dizer que o bem jurídico vale por si só. Isso
acontece, por exemplo, para grande parte da doutrina com o bem jurídico,
integridade física. O bem jurídico, integridade física vale independentemente
da posição que tivermos em relação a ele.

Aqui há uma divergência interessante na doutrina. Há uma parte da doutrina


que considera que todos os bens jurídicos só têm valor quando associados à
sua livre disposição por parte do titular, menos a vida. A vida é um bem jurídico
indisponível. Há uma parte da doutrina, que retirando este bem indisponível
que é a vida, que vem dizer que todos os bens jurídicos só têm valor quando
associados à sua livre disposição por parte do seu titular. Se defendermos esta
posição de que os bens jurídicos só têm valor quando associados à sua livre
disposição por parte do seu titular, isso significa que se houver consentimento, o
consentimento é uma causa de exclusão do tipo, sempre.

Mas há outra parte da doutrina que considera que temos de distinguir, entre os
bens jurídicos aqueles que só têm valor quando associados à sua livre
disposição e aqueles que têm valor por si só. Que é o caso do professor
Figueiredo Dias. Para Figueiredo Dias, há bens jurídicos que só têm valor
quando associados à disposição, que é o caso da intimidade da vida privada.
Mas há bens jurídicos que têm valor por si só, independentemente da posição
do seu titular, um deles é a ofensa à integridade física e outro deles é a
propriedade, para o professor Figueiredo Dias. E, portanto, para esses autores,

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nomeadamente para Figueiredo Dias, o consentimento do ofendido pode


surgir como causa de exclusão da tipicidade ou como causa de exclusão da
ilicitude.

Sendo assim, já podemos olhar para o artigo 38º e perceber que para uma parte da
doutrina o artigo 38º surge como causa de exclusão da tipicidade; para outra parte
da doutrina o artigo 38º surge muitas vezes como causa de exclusão, também, da
ilicitude. E os pressupostos são:
• Existência de bens jurídicos livremente disponíveis: o único bem indisponível é
a vida. É por isso é que quando há um pedido para que alguém nos tire a vida,
quando alguém pede a outrem que lhe tire a vida, esse pedido não lhe vai
excluir a ilicitude do ato, vai fazer apenas que o agente seja punido por
homicídio a pedido. Também podemos considerar que se tem de ser um bem
jurídico livremente disponível, só podemos estar a falar de bens jurídicos
individuais. Se estivermos a falar de bens jurídicos coletivos, ele deixa de ser um
bem jurídico livremente disponível e por isso não pode haver consentimento
como causa de exclusão da ilicitude.
• A idade tem de ser superior a 16 anos e o discernimento necessário de quem
consente. Por isso se for um jovem de 14 a dar o consentimento de ofensa à
integridade física esse consentimento não tem valor. E não pode atuar como
causa de exclusão da tipicidade e da ilicitude. E não basta ter 16 anos, tem de
ter 16 anos e discernimento desnecessário. Se se provar que não tem
discernimento, o consentimento também não é válido.
• A não ofensa aos bons costumes pelo facto consentido. O facto consentido
não pode ir contra os bons costumes. Ex: imagine que a pede a B que lhe
corte 2 dedos. Artigo 149º do Código Penal. E um dos critérios para aferirmos se
o facto consentido ofende ou não os bons costumes é a amplitude da ofensa.
Claramente que quando se cortam 2 dedos parece que a amplitude da
ofensa demonstra que isto vai contra os bons costumes. Mas agora imagine
que era preciso cortar os 2 dedos para o senhor sobreviver. Aí já não é
claramente uma ofensa aos bons costumes.
Isto quanto aos pressupostos.

Quanto aos requisitos, um consentimento tem de ser:


• Expresso por qualquer meio e tem de traduzir uma vontade séria, livre e
esclarecida. Aqui aparece a figura do consentimento presumido. Às vezes o
consentimento não é expresso, mas pode-se considerar presumido. Ex: uma
pessoa está numa operação, e para salvar aquela pessoa é necessário cortar
uma perna. Presume-se que a pessoa daria consentimento para salvar a sua
própria vida. Nesse caso fala-se em consentimento presumido e está previsto no
código penal. Isto é, o paciente não se encontra em condições de prestar
eficazmente o consentimento, mas presume-se que caso tivesse essa
possibilidade daria o consentimento. Ex: A introduz-se na casa do vizinho para
fechar a torneira e impedir uma inundação. Neste caso presume-se que o
vizinho daria o consentimento se ele soubesse que se não se fechasse a torneira
haveria uma inundação.
• Elemento subjetivo: é preciso o conhecimento do consentimento por parte do
agente.

CULPA
É um juízo de censura que se faz ao agente; é um juízo de censura dirigido ao agente
pelo facto de podendo, tendo capacidade para isso, podendo motivar-se pelo
direito, não o ter feito. A ilicitude e a culpa são as duas grandes valorações em Direito
Penal. A culpa tal como a ilicitude analisa-se pela técnica negativa da exclusão. Isto
é, para num caso concreto averiguarmos se aquele facto é culposo ou não temos de
verificar se ocorre ou não uma causa de exclusão da culpa em sentido amplo. Se se
verificar uma causa de exclusão da culpa, exclui-se a culpa. Se não se verificar, o
facto é culposo e teremos de continuar a análise do crime.

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Causas de exclusão da culpa em sentido amplo:


Inimputabilidade:
Pode-se ser inimputável por duas razões:
• Ou em razão da idade (até aos 16 anos)
• Anomalia especifica – artigo 20º do código penal

Erro não censurável sobre a ilicitude


O exemplo dado é o da Dinamarquesa. Se a Dinamarquesa vai a um advogado e
este lhe diz que ela pode fazer o aborto até à 14ª semana em Portugal, o erro sobre a
ilicitude não é censurável, porque ela fez tudo o que estava ao seu alcance para
evitar o erro – artigo 17º/1.

Logo a seguir, temos de ver se se verifica alguma causa de exclusão da ilicitude em


sentido estrito.

Causa de exclusão da culpa em sentido estrito:


1. Estado de necessidade desculpante: o exemplo é o da tábua de Carnéades.

2. Excesso de defesa devido a medo, susto ou perturbação não censurável –


artigo 33º/2

3. Obediência indevida desculpante. Imagine que um gerente dá uma ordem ao


seu empregado para praticar um crime e não é evidente para ele que está a
praticar o crime. Neste caso o empregado atua ao abrigo de uma causa de
exclusão da culpa – obediência indevida desculpante, artigo 37º.

Mais uma vez, há que ter em atenção que estas causas de exclusão da culpa em
sentido estrito e que estão na parte geral, não abarca todas as causa de exclusão da
culpa que existem na nossa ordem jurídica. Há ainda causas de exclusão da culpa
que estão na parte especial do Código Penal.

Está é para a professor a forma mais fácil de analisar a culpa. Mas há uma parte da
doutrina que não analisa a culpa desta forma. Há uma parte da doutrina que
considera que se deve começar por analisar se estão presentes os elementos da
culpa. E os elementos da culpa, são no fundo, circunstâncias sem as quais, não se
pode afirmar que o agente tenha atuado com culpa. E só depois de averiguar os
elementos da culpa é que vamos analisar se se verifica ou não alguma causa de
exclusão da culpa em sentido estrito. Os elementos da culpa para esta doutrina são:
• Ser imputável, ter capacidade de culpa
• Ter a consciência da ilicitude do seu facto

Se repararmos dividir em elementos da culpa e causas de exclusão de culpa em


sentido vai dar ao mesmo. Isto é, só dá enfase ao facto de sem estes dois primeiros
elementos (o ser capaz de culpa ou ter consciência da ilicitude) não se pode fazer o
juízo de censura. Chama-se à atenção para os elementos sem os quais é impossível
fazer um juízo de censura ao agente. Mas também, se houver uma inimputabilidade
tem de se excluir a culpa; se houver um erro não censurável sobre a ilicitude tem de se
excluir a culpa.

Começa-se por desenvolver a primeira grande causa de exclusão da culpa em


sentido amplo.

Inimputabilidade
A inimputabilidade pode ser em razão da idade, e face ao artigo 19º é o que se passa
com os menores de 16 anos. Isto significa que a partir dos 16 anos, é-se imputável. Mas,
não é consensual a idade a partir do momento em que o jovem deve ser considerado

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imputável. Há legislações em que é imputável mais tarde e outras em que é imputável


mais cedo. Mais uma vez o Direito Penal aqui deve ter em atenção o que as outras
ciências dizem sobre isto. Na nossa legislação é até aos 16 anos. Mas importa saber
que dos 16 aos 21, apesar de a pessoa ser considerada imputável, tem um regime
especial que está previsto no decreto-lei 401/82 de 23 de Setembro. Dos 12 aos 16, em
que a pessoa não é imputável ela vai estar sujeita à lei tutelar educativa.

A segunda causa de inimputabilidade é em razão de anomalia psíquica. Aqui é muito


importante saber duas coisas:
1. Para se verificar esta inimputabilidade tem de se provar que o agente sofre de
anomalia psíquica. Isto quer dizer que é preciso provar que o agente sofre de
qualquer transtorno psíquico, adquirido ou congénito.
2. Depois de se provar que ele sofre aquela anomalia tem ainda de se provar
que no momento do facto o agente ou não tinha capacidade de valorar o
facto, ou apesar de ter capacidade de valorar não tinha capacidade de se
motivar pelo direito. É o que normalmente acontece com os psicopatas em
série; o assassino em série. Normalmente essas pessoas têm perfeita
capacidade de valorar o valor negativo das suas ações, mas não têm é
capacidade de travar a ação, capacidade volitiva. Mas é preciso provar isto
em tribunal e é por isso que é preciso sempre chamar um perito psiquiátrico.
Porque ele tem de demonstrar não só que a pessoa sofria de anomalia, mas
também tem de demonstrar que no momento da prática, essa anomalia
impediu-a de se aperceber, ou do caracter negativo da sua conduta, ou
apesar de se ter apercebido do caracter negativo não tinha capacidade de
se determinar pela sua valoração.

Tipos de anomalia que interessam:


• Psicoses: a psicose é um defeito ou processo corporal ou orgânico. E pode ser
exógena como é o caso das demências, ou provocada por intoxicação, caso
das drogas. E temos as chamadas psicoses endógenas que é o caso da
esquizofrénica
• Oligofrenia: é uma espécie de fraqueza intelectual. Cabem aqui os casos de
idiotia (é o individuo que não atinge o desenvolvimento mental de uma criança
de 6 anos) e de imbecilidade (é aquele que não atinge o desenvolvimento
próprio da puberdade).
• Perturbações de personalidade: desvios de comportamento social sem ter um
fundamento orgânico. Aqui cabem todas as psicopatias. Estamos a falar de
boderlines (é uma pessoa que está na fronteira entre a normalidade e a
psicopatia), psicopatas em série

Artigo 20º/4 do Código Penal


Neste artigo, o nosso legislador diz que quando a anomalia psíquica tiver sido
provocada pelo agente com intenção de praticar o facto, mesmo que não momento
em que ele pratica o facto esteja inimputável não se exclui a culpa. Chama-se a esta
figura, ação livre na causa. É uma ação livre na causa. No momento em que ele
decide colocar-se numa situação de inimputabilidade por anomalia psíquica de
propósito para praticar o facto típico e ilícito, mesmo que ele esteja inimputável no
momento em que pratica o facto, não se exclui a culpa.

O caso clássico que se costuma dar é alguém que se embriaga a um ponto de perder
a capacidade de perceber o que está a fazer, de propósito para ter coragem de
cometer o crime de ofensas à integridade física. A intenção dele foi beber para tomar
coragem e dessa forma praticar o crime de ofensas à integridade física. Neste caso
ele vai ser punido pelo de ofensas à integridade física. Porque ele provocou com
intenção.

A grande questão é de saber o que é a intenção. Para a maior parte da doutrina


intenção significa que o agente tem de ter tido dolo direto ou dolo necessário. Porque

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se ele teve apenas dolo eventual ou negligencia consciente ou inconsciente, já não


se aplica o artigo 20º/4. Tem de ter dolo direto ou dolo necessário.

Suponha agora a mesma hipótese, mas A vê o inimigo a chegar e pensa que se


continuar a beber Secalhar vai acontecer asneira, mas em princípio não vai
acontecer nada. Ele bebe e dá-lhe um soco. Quid juris? Ele vai ser punido pelo artigo
295º do Código Penal. Ou seja, de acordo com o artigo 295º quem dolosa ou
negligentemente se coloca num estado de inimputabilidade, e ele colocou-se num
estado de inimputabilidade, e praticar um facto que constitui um crime, é punido pelo
295º. Mas não deixa de ser punido. Aqui, A só vai ser punido pelo crime de embriaguez
ou intoxicação. Isto porque em relação ao crime que praticou vai-se excluir a culpa.

Erro não censurável sobre a ilicitude


De acordo com o artigo 17º surge como causa de exclusão da culpa, o erro não
censurável sobre a ilicitude do facto. Este erro que o legislador se está a referir é o
chamado erro de direito por contraposição ao erro intelectual, que estão previstos no
artigo 16º. A diferença entre um erro intelectual e um erro de direito é que no erro de
direito o agente tem uma ideia errada da ordem jurídica. E essa ideia errada da
ordem jurídica faz com que ele não tenha consciência da ilicitude do facto que vai
praticar.

O mais importante é saber o que é um erro de direito. Um erro de direito, ao contrário


do erro intelectual, é um erro que choca com as valorações da ordem jurídica. Já o
erro intelectual é a tal representação errónea da realidade, ou o desconhecimento
da realidade. Aqui a pessoa está em erro sobre a ordem jurídica.

Podem-se classificar 2 tipos de erro sobre a ilicitude:


• Erro direto sobre a ilicitude: a pessoa representa uma proibição que transporta
consigo uma carga valorativa. O agente representa que existe uma proibição
ou que não existe uma proibição na ordem jurídica, mas essa proibição é uma
proibição que já tem em si uma carga valorativa.
• Erro indireto sobre a ilicitude: o agente representa a existência de uma causa
de exclusão da ilicitude que não existe. Mais uma vez é um erro de direito que
choca com valorações da ordem jurídica. Ele representa que existe uma causa
de exclusão da ilicitude quando na realidade, naquela ordem jurídica não
existe. Ex: dinamarquesa. A dinamarquesa representa que em Portugal existe
uma causa de exclusão de ilicitude como existe no país dela, em que é
possível fazer o aborto até à 14ª semana. Ela está em erro sobre a nossa ordem
jurídica. Ela representa uma causa de exclusão da ilicitude que não existe. Já
será diferente no caso em que o holandês que pensa que em Portugal não
existe a proibição do homicídio a pedido. Ele aqui pensa que não existe uma
norma jurídica que afinal existe. Este último exemplo é um erro direto. Ele
representa a não existência de uma norma proibitiva que afinal existe. O mais
importante é perceber que nos dois casos são erros que claramente chocam
com as valorações da ordem jurídica, por isso são erros morais e não
intelectuais.

O nosso legislador diz que sempre que houver um erro moral, direto ou indireto, se ele
não for censurável exclui-se a culpa – artigo 17º/1. É claro que agora o que é
importante é sabermos quais são os critérios para aferir a censurabilidade do erro. Isto
avalia-se pelo critério da evitabilidade. Isto é, se o agente fez tudo o que estava ao
seu alcance para evitar o erro e mesmo assim atuou em erro, este erro é não
censurável.

Mas há um outro critério, apresentado pelo professor Figueiredo Dias. O critério


proposto pelo professor Figueiredo Dias é o critério da retitude da consciência errónea.
De acordo com o professor Figueiredo Dias, o que importa é averiguar se o agente,
apesar de o agente ter atuado contra a ordem jurídica ele também se pautou por

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motivos que são salvaguardados também pela ordem jurídica. No fundo, ele foi
contra certas valorações da ordem jurídica, mas ao mesmo tempo motivou-se
também por valorações da ordem jurídica. Ex: holandês que pensa quem em Portugal
existe uma norma jurídica como no seu país que não pune o homicídio a pedido em
certas circunstâncias, quando chega a Portugal e vê o seu amigo doente e em
sofrimento que pede para morrer, e ele acede ao pedido, ele motiva-se por
compaixão, amizade, solidariedade. Tudo isto são valores que a ordem jurídica tutela,
apesar de ele se ter esquecido de outros que a ordem jurídica também tutela –
proteção da vida.

Isto é que é a retitude da consciência errónea. Isto é, apesar de a consciência ser


errónea, há uma retitude nessa consciência errónea. Há motivos que a ordem jurídica
também protege, e que estão na causa da ação.

Não se confunde o erro do artigo 17º/1 com o erro do artigo 16º/1 última parte. O erro
previsto na última parte do 16º/1 também é um erro sobre proibições. Só que as
proibições do artigo 16º/1 são diferentes das que estão no 17º. Enquanto que no 16ª/1
o agente está em erro sobre proibições que recaem sobre comportamentos que
valorativamente são neutros; no artigo 17º, o agente está em erro sobre proibições
que recaem sobre comportamentos que não são neutros. Quando a dinamarquesa
pensa que em Portugal é possível o aborto, ela está em erro sobre uma proibição que
não recai sobre um comportamento relativamente neutro. O aborto não é um
comportamento relativamente neutro. Há outro tipo de proibições que recaem sobre
comportamentos que não têm em si uma carga valorativa. Normalmente está-se a
pensar em proibições que fazem parte de direito penal secundário. Ex: certos crimes
fiscais.

É por isso que a Professora Fernanda Palma diz que o erro do 16º/1, última parte, não
deixa de ser um erro intelectual, porque temos realmente de conhecer aquela
proibição para conseguirmos atingir que aquele comportamento é negativo.
Enquanto que a dinamarquesa não precisa conhecer que em Portugal o aborto é
proibido a partir da 10ª semana para saber que o seu comportamento é controverso.

Causas de exclusão da culpa em sentido estrito


Por vezes, no caso concreto, além de ter de averiguar se se verifica ou não alguma
exclusão de culpa em sentido amplo, temos de averiguar se se verifica ou não alguma
causa de exclusão da culpa em sentido estrito. A causa de exclusão da culpa em
sentido estrito mais relevante porque é a mais comum na prática é o estado de
necessidade desculpante que está previsto no artigo 35º do código penal.

Estado de necessidade desculpante


Os pressupostos que se têm de verificar para que se possa atuar são:
• Existência de um perigo atual: o perigo é probabilidade ou possibilidade de
dano
• Que esse perigo ponha em causa bens jurídicos elementares do agente que
estão referidos no artigo 35º – vida, integridade física, honra ou liberdade. Se
estiver em causa o património, já não atua o estado de necessidade
desculpante, só pode haver uma atenuação da pena (artigo 35º/2).
• Não seja razoável exigir ao agente, dadas as circunstâncias do caso, outro
comportamento. Isto quer dizer que não é exigível que o agente adote outro
tipo de comportamento. Para sabermos se é ou não razoável por norma
fazemos um juízo ex ante. Isto quer dizer que pomos o homem médio na
posição do agente e perguntamos se era razoável exigir que ele adotasse
outro comportamento.

Para além destes pressupostos existe também um elemento subjetivo, isto é, que o
agente conheça a situação de perigo atual, e também conheça que é razoável
exigir a adoção de outro tipo de comportamento. Ou seja, para haver exclusão da

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culpa ele tem de saber que está a salvaguardar o bem jurídico. Isto é importante
porque face à nossa ordem jurídica, se o agente representar uma situação de perigo
para tal bem jurídico elementar que afinal não se verifica (situação de erro sobre os
pressupostos de facto de uma causa de exclusão da culpa, cuja natureza do erro é
intelectual) nesse caso aplica-se o artigo 16º/2. A consequência é excluir o dolo.

Excesso de defesa devido a medo


Artigo 33º. Se o excesso se dever a medo, susto ou perturbação não censuráveis
exclui-se a culpa. Além disso, o excesso pode ser extensivo ou intensivo. O excesso
intensivo é quando a pessoa emprega meios superiores aos necessários. Ex: a pessoa,
para se defender de um murro dá um tiro. Se não for necessário e se não houver
proporcionalidade também há excesso. Nesse caso, se o excesso se dever a medo,
susto ou perturbação não censurável, exclui-se a culpa. O não censurável aqui
significa que o que tem de ser não censurável é o medo, o susto e a perturbação.
Mais uma vez vamos buscar o homem médio na posição do agente e perguntar se o
medo, susto ou perturbação não eram censuráveis.

Mas o excesso também pode ser extensivo, isto é, imagine-se que a agressão já deixou
de ser atual e a pessoa continua a bater. Alguém é vítima de uma agressão atual e
defende-se. Mas depois de já ter atuado e o outro ter parado a pessoa continua a
bater. Isto é um excesso extensivo. Isto é, a pessoa continua a atuar em defesa sem já
haver os pressupostos da legitima defesa.

Situação:
Imagine que A acha que B lhe vai dar um murro, e dá-lhe com um pedregulho. E
parte-se do pressuposto que se considerou que havia excesso de defesa e esse
excesso de defesa era devido a medo, susto ou perturbação não censurável. Mais
tarde veio-se a provar que B afinal não ia dar murro nenhum. Quid juris? A única
hipótese é aplicar o excesso de defesa, ou seja, não funciona o artigo 16º/2. Porque
não há um estado de coisas que a existir excluiria a ilicitude.

As causas de exclusão da culpa em sentido estrito que estamos a referir são as mais
importantes e as mais comuns. Existem outras causas de exclusão da culpa e todas
elas têm por trás a ideia de inexigibilidade. É inexigível ao agente que adotasse outro
tipo de comportamento. Não é razoável exigir ao agente que ele tivesse adotado
outro tipo de conduta. Essa é a ideia central por trás das causas de exclusão da culpa
em sentido estrito.

Obediência indevida desculpante


Esta causa de exclusão da culpa ocorre quando alguém cumpre uma ordem sem
saber que ela conduz à prática de um crime. O que se passa é que o agente cumpre
uma ordem sem saber que ela conduz à prática de um crime, e não era evidente que
tal comportamento constituía um crime. Ex: funcionário que falsifica documento sem
saber do que se trata e está ao mesmo tempo a obedecer a uma ordem hierárquica
superior. Por parte do homem de trás. Vai ser autoria mediata. Mas por parte do autor
material, haverá uma obediência indevida desculpante. Temos uma autoria mediata
que se dá por erro que exclui a culpa. Mas este erro que exclui a culpa não é o erro
do artigo 17º. É o do artigo 37º.

Tem de ser uma situação em que não era evidente que ele estaria a praticar o crime.
Porque se for evidente que estão a dar uma ordem que constitui um crime, então aí já
temos de aplicar ao agente toda a teoria do crime para analisar a responsabilidade
penal e não atua esta causa de exclusão da culpa. É por isso que se fala em
obediência indevida desculpante. Só será desculpante quando não é evidente que a
ordem constitui um crime.

A propósito das causas de exclusão da culpa em sentido estrito também temos as


situações de erro. Mas são situações de erro apenas aquelas em que houver um

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estado de coisas que a existir excluiria a culpa. Porque se for uma causa de exclusão
da culpa que não se traduz na existência de um estado de coisas não faz sentido
aplicar a figura do erro. É por isso que o erro sobre o estado de coisas que a existir
excluiria a ilicitude, por norma só se ajusta à causa de exclusão da culpa estado de
necessidade desculpante e a consequência é excluir o dolo.

PUNIBILIDADE
Só depois de se chegar a conclusão de que temos um facto típico, ilícito e culposo,
depois de se ter passado por todos estes elementos constitutivos do crime, se todos
eles estiverem preenchidos, em princípio o facto também é punível. Isto é, sempre que
se verifique um facto típico, ilícito e culposo, em princípio ele será também punível. Só
não será se ocorrer alguma condição de punibilidade em sentido amplo que impeça
a punição.

Em princípio sempre que tivermos um facto típico, ilícito e culposo ele será punível.
Mas pode acontecer que naquele caso não se verifique uma condição de
punibilidade em sentido amplo. Só nesse caso em que se verifique uma condição de
punibilidade em sentido amplo é que temos de analisar o elemento da punibilidade
individualmente.

O elemento da punibilidade só surge quando naquele caso concreto temos de


averiguar e deteta-se a existência de uma condição de punibilidade e aí tem de ser
ver se ela se verifica ou não. Se não se verificar a condição de punibilidade então não
se pode punir.

Esta figura da punibilidade só existe com autonomia e só faz sentido existir como
elemento autónomo de todos os outros se estiver ligada à ideia de dignidade penal.
Isto significa que apesar de se ter realizado um facto típico, ilícito e culposo, tendo em
conta a imagem global do facto, chega-se à conclusão de que aquele facto não
tem força suficiente para ser digno de tutela penal. É essa a ideia que está por trás do
elemento da punibilidade. Vários fatores podem contribuir para a dignidade penal do
facto.

Dentro das condições de punibilidade em sentido amplo temos 3 categorias:


• Condições objetivas de punibilidade: pode-se definir como certas
circunstâncias extrínsecas ao facto típico, ilícito e culposo, mas que o legislador
resolveu acrescentar para que aquele facto passasse a ser digno de tutela
penal. Isto só acontece às vezes. Ex: sempre que tivermos uma tentativa, seja
de que crime for, podemos chegar à conclusão de que ela não é punível. Essa
circunstância está descrita no artigo 23º do Código Penal. Essa circunstância é
que ao crime consumado seja aplicável uma pena superior a 3 anos.

Ex: crime de embriaguez. Para uma pessoa ser punida pelo crime de
embriaguez se praticar um facto ilícito. Só se é punido e só é merecedor de
pena se para além de se ter embriagado dolosa ou negligentemente, a
pessoa ter praticado o facto típico e ilícito. Esta prática do facto típico e ilícito
é uma condição objetiva de punibilidade. É algo que o legislador acrescentou
ao facto típico e ilícito para que tenha dignidade penal.

• Causas de exclusão da pena ou causas de isenção pessoal da pena: o que


caracteriza esta figura é que são condições que ocorrem após a prática do
facto e que impedem a sua punibilidade. E são pessoais porque dizem respeito
àquela pessoa, apenas àquela pessoa. Ex: pessoa vai furtar uma casa e desiste
voluntariamente. Chama-se a isto desistência voluntária. O legislador vem dizer
que tendo em conta que houve desistência voluntária, ou seja, o agente
podia ter continuado com sucesso o facto e mesmo assim preferiu não
prosseguir, verifica-se uma causa pessoal de isenção da pena e ele não vai ser

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punido por tentativa. Já será totalmente diferente se ele estiver a furtar uma
casa e de repente ouvir a sirene da polícia. Aí a desistência já não é voluntária.

• Princípio da insignificância: quando a lesão do bem jurídico é insignificante


mesmo que seja afirmada a ilicitude e a culpa do facto, deve ser negada a
punibilidade. Esta é uma figura residual. Cabem aqui aqueles casos em que se
chega à conclusão de que a tutela ao bem jurídico é de tal modo pequena
que não vale apena haver tutela penal.

Tentativa
A tentativa tal como a comparticipação, normalmente é estudada nos manuais
como uma forma especial de surgimento do crime. Porque se se repararem, o nosso
legislador quando na parte especial prevê tipos de crime, prevê-os na forma
consumada. Por isso mesmo, a tentativa tem de estar prevista como forma especial
de surgimento do crime na parte geral do código penal. Mas tal como a figura da
comparticipação, esta figura devia ser estudada na tipicidade. Para haver a
tentativa, o que acontece é que ou não há consumação ou o resultado não é
imputável ao agente. A figura da tentativa é uma figura que devia ser estudada no
tipo, mas por razões pedagógicas damos agora. Porque na tentativa aplicamos tudo
o que já aplicámos no tipo consumado. Isto é, depois de se chegar à conclusão que
está preenchido o tipo da tentativa, tem de se saber se esse tipo de tentativa ilícita,
culposa e punível.

Dá-se agora a tentativa, porque o tipo da tentativa é um tipo difícil. Como todos os
tipos é constituído por um tipo:
• Objetivo
• Subjetivo

Quanto ao tipo subjetivo, só há tentativas dolosas; não há tentativas negligentes. E


segundo, se for um crime que exigir um elemento subjetivo especial (ex: intenção de
se apropriar no crime de furto) este elemento também tem de verificar.

Quanto ao tipo objetivo, a grande dúvida é quando é que há a prática de atos de


execução. Porque só há tentativa se houver atos de execução. Se houver apenas
atos preparatórios não há tentativa. Alguns atos preparatórios são puníveis, mas é
muito excecional. Por isso mesmo temos de saber quando é que há prática de atos de
execução. E isso vai exigir analisar com algum cuidado o artigo 22º/2.

Dentro do tipo objetivo da tentativa tem ainda de ocorrer, ou não haver resultado (ex:
A dispara contra B e acerta numa árvore) ou apesar de haver resultado, esse
resultado não é imputado objetivamente ao agente (ex: A dispara sobre B. B vai para
o hospital e há um incendio. Neste caso há resultado, mas há interrupção do processo
causal).

A tentativa muitas vezes é apresentada como uma forma especial de surgimento do


crime. Na parte especial do código penal os crimes vêm previstos na sua forma
consumada e por isso para se poder punir só a tentativa é preciso que haja uma
norma na parte geral do código penal a permitir a punição da tentativa de um crime
e não apenas a punição quando há consumação.

A tentativa como todo o crime não deixa de passar pelo elemento do tipo e é neste
preciso elemento que nós estamos. Como é que é constituído o tipo da tentativa? Há,
como sempre, dois elementos dentro do tipo:

Elementos objetivos
O tipo objetivo da tentativa traduz-se na prática de atos de execução e a não
consumação do crime por parte do agente. Isto quer dizer que para alguém ser
punido por tentativa, ou não há resultado, ou o resultado não se pode atribuir à

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conduta do agente. Isto é, não há a possibilidade da imputação objetiva do resultado


à conduta do agente, apesar de ele se ter verificado.

Por isso mesmo, a propósito do tipo objetivo, uma das principais questões é saber
quando é que há a prática de atos de execução. Porque se a tentativa exige atos de
execução, nos temos de saber quando é que atos preparatórios deixam de ser atos
preparatórios e passam a ser atos de execução. Para isso temos o artigo 22º do
Código Penal.

Para haver um ato de execução de acordo com esta alínea, aquele ato tem de ser
abrangido pelas palavras da norma incriminadora. face à alínea a) para haver um
ato de execução, tem de haver a prática de um ato que caiba nas palavras da
norma incriminadora, que caia sobre a alçada do tipo de ilícito do crime. Isso, só pode
acontecer nos chamados crimes de forma vinculada.

Um crime de forma vinculada é um crime que só pode ser praticado de determinada


forma. Ex: furto por introdução em casa alheia. Este furto está previsto como furto
qualificado. E como a própria descrição do tipo indicia, para haver furto com
introdução em casa alheia tem de haver introdução em casa alheia. Isto é um crime
de forma vinculada. Para este crime se concretizar tem de ser feito desta forma.

Ex 2: homicídio por envenenamento. Como o próprio nome indica é um homicídio que


só pode ser realizado por envenenamento. Ora, mais uma vez isto é um crime de
forma vinculada. Só pode ser praticado de determinada forma. Para haver, aqui neste
tipo de crime, um ato de execução, tem de haver a prática de um comportamento
que caia nas normas que descrevem a forma de efetuar o crime.

Esta alínea consagra uma teoria denominada de formal objetiva, que foi defendida
por Liszt.

Mas como é obvio, nem todos os crimes são de forma vinculada. E a dificuldade está
em saber quando é que há atos de execução noutro tipo de crimes que não os
crimes de forma vinculada em que os atos de execução caiem sobre a alçada da
norma incriminadora. esses estão previstos na alínea a) e são várias.

Temos então a alínea b). Esta alínea quer dizer que para haver um ato de execução
ele tem de se demonstrar adequado a produzir o resultado típico. Ex: disparar. Se A
dispara sobre uma pessoa, este ato é adequado a produzir o resultado típico morte. A
teoria que está aqui consagrada é a chamada teoria material objetiva.

A alínea mais difícil de interpretar é a alínea c). O legislador diz que atos de execução
são aqueles que segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis
são de natureza a fazer esperar que se lhes sigam os atos das alíneas a) e b). A maior
parte da doutrina acrescenta que não basta ser atos que segundo a experiencia
comum sejam de natureza a fazer esperar atos da alínea a) ou da alínea b), é preciso
ainda que também sejam atos que de acordo com o plano concreto do agente
sejam de natureza a fazer esperar que imediatamente a seguir se lhes sigam atos das
alíneas a) ou b). É o plano concreto do agente que vai decidir se aquele é um ato de
execução ou não.

Vai ser assim porque este conceito seria demasiado impreciso, se assim não fosse.
Além disso, pune-se as tentativas porque o que caracteriza a tentativa é não haver
resultado, ou haver, mas não ser imputável ao agente. Punimos a tentativa porque
está relacionado com o conceito material de crime. O conceito material de crime
existe como conceito prévio ao conceito formal porque vai dizer que características é
que o comportamento deve ter para que possa merecer ser considerado crime. A
tentativa merece ser considerada crime porque se há desvalor da ação, há
acompanhada desse desvalor da ação perigo da lesão do bem jurídico. De acordo

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com o conceito material de crime, o comportamento tem de pôr em causa bens


jurídicos fundamentais e aqui põe em perigo bens jurídicos fundamentais.

O fundamento da punibilidade da tentativa, é para maior parte da doutrina


conjugação destes dois fatores. Por um lado, o haver desvalor da ação, não há uma
mera intenção e tem de haver atos de execução e além disso esses atos de
execução põem em perigo o bem jurídico. E por isso a tentativa deve ser punida. Daí
a importância prática do plano concreto do agente. É só através do plano concreto
do agente é que vamos saber se vai efetivamente haver um perigo para o bem
jurídico.

Mas, para interpretarmos a alínea c) temos de ter em conta Roxin. Roxin vem
acrescentar que para haver os atos de execução da alínea c) é preciso que haja
uma estreita conexão temporal do ato com a lesão efetiva do bem jurídico – daí a
palavra “imediatamente”. E tem de haver também, uma relação direta com a esfera
da vítima ou do tipo. Isto é, a alínea c) quando diz que tem de ser um ato a fazer
esperar imediatamente a seguir se lhes sigam os atos das alíneas a) e b), sendo
interpretado como ela deve ser com o critério do plano concreto do agente, significa
que só haverá atos de execução de acordo com a alínea c) se houver uma estreita
conexão temporal entre aquele ato e os atos da alínea a) ou b), e houver um
contacto direto com a esfera da vitima, ou com a esfera do tipo se estiver e causa
bens jurídicos coletivos. Chama-se a esta teoria da alínea c) teoria final objetiva.

Elementos subjetivos
O tipo subjetivo da tentativa é o dolo; não há tentativas negligentes. Tem sempre de
haver dolo; é necessário haver dolo para poder haver tentativa. Isso resulta, desde
logo da leitura do artigo 22º. Além disso não podemos dizer que um comportamento é
tentativa de algo se não sabemos o que é que a pessoa decidiu cometer.

Há uma discussão na doutrina que é a de saber se o dolo pode revestir as suas três
formas na tentativa. As três formas de dolo é o direto, necessário e o eventual. Uma
das dúvidas é se quando há dolo eventual se se pode falar em tentativa. Por exemplo,
o Professor Faria e Costa considera que se houver dolo e eventual não pode haver a
figura da tentativa porque no dolo eventual o agente não decidiu cometer o crime. A
critica que se costuma fazer ao Professor Faria e Costa é que apesar de no dolo
eventual o agente não decidir cometer o crime, o agente prevê a realização do facto
típico e conforma-se. Ora, há uma decisão criminosa, e por isso mesmo não devemos
afastar a figura da tentativa quando houver apenas dolo eventual.

Se estivermos perante um tipo de crime em que para além do dolo, se exige o


elemento subjetivo especial, esse elemento subjetivo especial também tem relevo
para que esteja preenchido o tipo subjetivo da tentativa. O elemento subjetivo
essencial que pode existir nos tipos é, por exemplo, a intenção de apropriação no
crime de furto. Chama-se elemento subjetivo especial porque é um elemento que tem
que ver com a relação do sujeito com o que está a ser realizado, mas este elemento
subjetivo é especial porque vai para além da representação dos elementos objetivos.
O facto de ir para além da representação dos elementos objetivos, não significa que
não tenha de existir na mente do sujeito. Portanto, para alguém ser punido por
tentativa no crime de furto tem de se provar, paras além do dolo da subtração, que a
pessoa tinha a intenção de se apropriar. Se não houver esta intenção, não está
preenchido o tipo subjetivo do crime de furto. Outra denominação que se dá a estes
crimes são crimes de resultado cortado ou parcial.

A tentativa não se basta com o tipo. Para além de se ter de provar no caso concreto
que estão preenchidos os elementos objetivos e subjetivos daquele tipo de tentativa,
também se tem de conseguir demonstrar que aquela tentativa é ilícita, culposa e
punível.

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Quando à ilicitude não há nada a acrescentar. Isto é, a ilicitude da tentativa analisa-


se da mesma forma que se analisa a ilicitude do crime consumado. Pela técnica
negativa da exclusão. Isto é, tem de se verificar se ocorre ou não alguma causa de
exclusão: se sim, exclui-se; se não, não se exclui.

E com a culpa também é exatamente da mesma forma. O que importa é se se


verifica ou não alguma causa de exclusão da culpa.

Já quanto à punibilidade, a tentativa tem várias especificidades. Para já, há duas


condições objetivas (determinadas circunstâncias exteriores ao facto típico e ilícito
que o legislador exige que se verifiquem para que aquele comportamento seja
merecedor de pena; são circunstâncias que não têm de estar abarcadas pelo dolo
do agente) da punibilidade:
• Para que uma tentativa seja punível é necessário que ao crime consumado
seja aplicável uma pena superior a 3 anos, salvo disposição em contrário. O
legislador está a dizer que só se houver tentativa de um crime punido, quando
consumado, com pena superior a 3 anos é que faz sentido o direito penal
atuar, senão não há dignidade penal. Não é merecedor de pena, a não ser
que haja uma disposição legal em contrário.
• Tentativa impossível. Esta circunstância só é aplicável a um tipo de crime. Uma
é tentativa impossível porque não pode, nunca, levar à produção do
resultado. Isto ou porque o objeto não existe, ou porque o meio utilizado não é
idóneo a produzir o resultado. Ex: se A disparar sobre uma pessoa morta
pensando que está viva, esta tentativa é impossível porque não pode levar à
produção do resultado morte porque o objeto não existe. Uma tentativa
impossível nunca pode levar à produção do resultado e as duas razões são
estas: ou que o objeto não existe, ou o meio utilizado não é idóneo.

A questão agora é saber quando ou se devemos punir a tentativa impossível. Só deve


haver a punibilidade da tentativa impossível quando não for manifesto que o meio
não servia ou o objeto não existia. Isto é assim porque, se não for manifesto para a
generalidade das pessoas ou que o bem não existe ou que o meio não serve vamos
estar a pôr em causa a confiança das pessoas na proteção dos bens jurídicos. Se não
for manifesto que o meio não é idóneo ou que o objeto não existe as pessoas vão ficar
impressionadas, a sociedade vai achar que é possível pôr em causa o bem jurídico.
Isto já tem que ver com os fins das penas. Só se não for manifesto que o meio não
existe, a generalidade das pessoas ficaria impressionada que o bem jurídico estivesse
em causa. se for manifesto que o meio não serve ou que o objeto não existe, não
causamos essa impressão às pessoas. E aí já não faz sentido punir.

Portanto, o critério que o legislador arranjou para decidir quando tentativa impossível
deve ou não ser punida é o chamado critério ou teoria da impressão. Só há
punibilidade quando não for manifesto que o bem não existe ou que o meio não era
idóneo. Só no caso de não ser manifesto é que causamos a impressão à generalidade
das pessoas que está em perigo um bem jurídico.

Mas há outra figura importantíssima acerca do elemento da punibilidade da tentativa


que é diferente das condições objetivas da punibilidade, mas que também se tem de
verificar no elemento da punibilidade que é uma causa pessoal da isenção da pena
da tentativa. Isto é, há situações em que apesar de se verificar todos os elementos
constitutivos da tentativa, incluindo as condições objetivas da punibilidade vem
posteriormente a verificar-se uma circunstância que justifica afastar a punibilidade da
tentativa e daí chamar-se causa pessoal de isenção da pena. É pessoal porque só se
aplica àquela pessoa. Essa é a figura da desistência voluntária na tentativa e que está
prevista no artigo 24º e 25º do código penal.

A tentativa é das poucas figuras onde tem um interesse acrescido o elemento da


punibilidade. O elemento da punibilidade é o último elemento do crime e por norma

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qualquer facto típico, ilícito e culposo é punível. Só excecionalmente é que pode


ocorrer uma circunstância extrínseca ao facto típico e ilícito que afaste a sua
punibilidade. Já sabemos que a punibilidade está ligada à ideia de aquele
comportamento não ter força suficiente para ser digno de tutela penal. A ideia que
está por trás da figura da punibilidade é se aquele comportamento é merecedor de
pena. Mas só pode caber na punibilidade todos os elementos que não tenham que
ver com a ilicitude ou com a culpa. Porque se tiverem que ver com a ilicitude ou com
a culpa analisam-se precisamente nessas valorações. Daí ser difícil por vezes,
sabermos se determinada circunstância tem que ver com a valoração da ilicitude ou
com a valoração da culpa ou com a valoração da punibilidade. Essa é a dificuldade.

Mas como só estamos a dar a teoria do crime e aqui só se dá os elementos gerais do


crime, elementos que foram construídos pela dogmática e que têm de se verificar
sempre num caso prático para que possa haver responsabilidade jurídico-criminal é na
parte especial do código penal e na análise dos tipos de crime em especial que esta
questão se põe com mais frequência.

Finalmente há um instituto jurídico que é a tentativa, em que o elemento punibilidade


tem uma importância decisiva. Como já se percebeu o que caracteriza a tentativa é,
ou não haver resultado, ou apesar de não haver resultado, esse resultado não poder
ser atribuído, imputado objetivamente ao agente. E como o direito penal só deve
atuar quando estejam em causa bens jurídicos, para haver punibilidade na tentativa
têm de se verificar determinadas condições, porque senão a tentativa não tinha
dignidade penal.

Por um lado, temos as chamadas condições objetivas da punibilidade. As tais


circunstâncias extrínsecas ao facto típico e ilícito que têm de ocorrer para que aquele
comportamento tenha dignidade penal. A primeira circunstância é que ao crime
consumado seja aplicável uma pena superior a 3 anos, porque senão não vale a
pena punir por tentativa, a não ser que haja disposição em contrário. Vimos também
que na figura da chamada tentativa impossível, o legislador é mais exigente.

Na tentativa impossível tem de se justificar redobradamente o porquê da sua


punibilidade. Porque o que caracteriza a tentativa impossível é precisamente o
resultado nunca poder ocorrer. Se o resultado nunca pode ocorrer, se o bem jurídico
nunca estará em causa, porque é que vamos punir?

O legislador optou por uma espécie de posição intermédia. Ele vem dizer que quando
há uma tentativa impossível, só se pode punir se não for manifesto que ela é
impossível. Ele está a dar importância à impressão que aquela tentativa causa na
sociedade. Ele está a dar importância ao que a generalidade das pessoas sente,
observa com aquele comportamento. Se a generalidade das pessoas, perante
aquele comportamento, não se apercebe que a tentativa é impossível, então o
direito penal tem de atuar. Porque abstratamente o bem jurídico está em causa e isso
justifica, mais uma vez, que o direito penal atue. Para aferir se é manifesto ou não que
a tentativa é impossível, o critério que se aplica é a teoria da impressão.

Qual é a impressão que aquela situação causa ao homem médio; a um terceiro que
esteja de fora. Este elemento de não ser manifesto que a tentativa é impossível é uma
espécie de condição que não tem nada que ver com a valoração da ilicitude e da
culpa, mas que o legislador veio acrescentar para que aquele comportamento se
possa considerar digno de tutela penal. O critério da impressão é pegarmos num
homem médio como uma espécie de observador a olhar para o facto e perguntamos
se a esse observador era evidente que aquele comportamento não poderia produzir o
resultado. Porque se fosse evidente, não vale a pena puni-lo. Porque na realidade,
nem em termos abstratos o bem jurídico teve em causa. Se o tal homem médio fica
impressionado, no sentido de ao ver de fora o comportamento pensa que está em

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causa um bem jurídico, acha que o bem jurídico é posto em causa, então aí sim, o
Direito penal deve atuar. Ele deve atuar, até por razões de prevenção geral.

Além disso, para além desta teoria da impressão, é uma posição intermédia porque
para haver tentativa é preciso dolo por parte do agente. Há sempre um desvalor da
ação, mesmo na tentativa impossível. Na tentativa impossível o agente acha que vai
conseguir alcançar o resultado. Há um desvalor da ação. Ele representa e quer
realizar o resultado. Esta razão de o agente ter de ter sempre dolo na tentativa
impossível, este elemento do dolo também é um elemento justificativo da teoria
impossível, mas que já não tem que ver com a punibilidade. Já tem que ver com o
tipo de ilícito, com os elementos constitutivos do tipo. Há uma espécie de
compromisso entre desvalor da ação que se vê através do elemento subjetivo da
tentativa, e por outro há a tal teoria da impressão.

A tal condição que já não tem que ver com o ilícito, já não tem que ver com a culpa,
mas que o legislador acrescenta para que se possa dizer que aquela tentativa é
merecedora de pena. Por que causa a tal impressão na sociedade. Na sociedade no
sentido de Homem médio, observador, exterior. É essa a razão de ser da punibilidade
da tentativa impossível.

Até agora só vimos as chamadas condições objetivas da punibilidade da tentativa.


Mas há uma outra figura muito importante na tentativa, e que só se aplica na
tentativa que já não é uma condição objetiva da punibilidade, mas sim uma causa
de isenção pessoal da pena na tentativa.

A diferença é que a causa pessoal de isenção da pena verifica-se como causa de


exclusão da punibilidade. Já não é condição positiva da punibilidade, mas sim causa
da exclusão da punibilidade tentativa. É pessoal porque só aproveita à pessoa em
que ocorre essa causa. Essa causa é a desistência voluntária. Sempre que se tiver uma
tentativa e estão preenchidos todos os elementos do tipo da tentativa; ela é ilícita, ela
é culposa, verificam-se as tais condições objetivas da punibilidade. Se apesar de
ocorrerem todos estes elementos, se se verificar uma desistência voluntária, exclui-se a
punibilidade.

A punibilidade exclui-se porque, e até há quem fale na teoria da ponte dourada que
significa que o sujeito retorna ao direito, ele quer deixar de lesar bens jurídicos, quer
deixar de ir contra o direito. Mas quer voluntariamente, porque se não for
voluntariamente já não tem valor nenhum. Mais uma vez tem aqui importância o
elemento subjetivo.

A desistência está prevista em 2 artigos do código penal: artigo 24º e artigo 25º.

ARTIGO 24º
Neste artigo temos 3 situações descritas. Amais fácil de perceber é logo a primeira.
Quando o agente voluntariamente desistir de prosseguir na execução do crime.

1. Agente voluntariamente desiste de prosseguir na execução do crime


Estamos perante a figura da tentativa inacabada. Uma tentativa inacabada, é
quando o agente praticou alguns atos de execução, mas ainda tem de praticar
mais alguns para que possa haver a consumação do crime. Neste caso em que há
uma tentativa inacabada basta que ele deixe de praticar os atos de execução
que ainda faltam.

Portanto, neste caso fala-se numa desistência passiva. O agente apenas não
continua a ação. Ex: A aponta a pistola à cabeça do B, e voluntariamente desiste
de premir o gatilho. Não pratica o ato de execução desse crime. Aqui há uma
desistência de uma tentativa inacabada. Esta é a primeira de todas.

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2. O agente impede a consumação – tentativa acabada


Estamos perante a desistência da chamada tentativa acabada. O que caracteriza
a tentativa acabada é que o agente já praticou todos os atos de execução que
estavam a seu cargo. E por isso para que ele impeça o resultado tem de fazer
algo. Já há uma desistência ativa para impedir a consumação. Ex: imagine que A
pôs uma bomba a fazer contagem decrescente e passado uma hora ele para a
contagem decrescente. Aqui já praticou todos os atos de execução que estavam
a seu cargo. Só faltava passar as horas para a bomba explodir, mas mesmo assim
ele impediu a consumação voltando atrás e tendo um comportamento ativo.
Nesse caso fala-se da desistência da tentativa acabada.

3. Após a consumação o agente impede a verificação do resultado não


compreendido no tipo
Aqui a desistência não é bem uma tentativa porque já houve consumação
formal, mas o agente impediu que se verificasse o resultado não
compreendido no tipo.

O legislador está a pensar nos chamados crimes de perigo concreto. O que


caracteriza este tipo de crime é que se demonstra que um bem jurídico foi
colocado em perigo. Ex: crime de exposição ou abandono. O que pode
acontecer é imagine que uma mãe deixa uma criança à porta de um
convento e a vida da criança corre perigo, mas ela (mãe) volta atrás e
impede que a criança morra. Houve consumação formal do crime de perigo
concreto, mas ela impediu o resultado não compreendido no tipo que era a
morte. E por isso merece que haja uma causa de exclusão da pena. Esta
desistência está prevista também no artigo 24º.

E o legislador até vai mais longe no nº2 do artigo 24º. Aqui a verificação do resultado
não ocorreu porque houve um terceiro ou um evento natural que impediu que o
resultado ocorresse, mas a pessoa (agente) fez tudo o que estava ao seu alcance
para impedir. Ex: imagine que a mãe deixa a criança à porta do convento e passado
meia hora arrepende-se voltando para trás para evitar que a criança morra.
Entretanto, a criança já foi salva pela freira. Mas se se provar que a mãe fez tudo o
que estava ao seu alcance para impedir a verificação do resultado não
compreendido no tipo, mesmo que tenha sido um terceiro a impedir a verificação do
resultado, o legislador acha que se deve excluir a pena do crime. Porque ela fez tudo
o que estava ao seu alcance para evitar o resultado que estava compreendido no
tipo, apesar de ter sido outra pessoa a evitar esse resultado.

O mais importante, para além de perceber todas estas situações, o mais importante
para que a desistência tenha relevância, é a sua voluntariedade. A desistência é
voluntária quando o agente podia ter conseguido o resultado de acordo com o que
ele pensa com êxito e mesmo assim decide não prosseguir.

Mais uma vez temos de olhar para o que o agente pensou. Se o agente de acordo
com o que ele representa podia prosseguir o resultado com êxito e mesmo assim
decide não prosseguir então aí temos uma desistência voluntária que atua como
causa de exclusão da pena. Se ele desiste porque acorre um elemento exterior que
faz com que ele ache que não pode prosseguir com êxito e por isso é que ele para,
então aí a desistência deixou de ser voluntária. Ex: alguém está a furtar uma casa e
houve as sirenes da polícia e não prossegue o seu furto, indo embora. Esta desistência
não é voluntária.

Para ser voluntário temos de olhar para a representação do agente quanto à prática
do crime. Ele não pode desistir por circunstâncias exteriores, ele tem de desistir
pensando que podia prosseguir com êxito, e mesmo assim decide não prosseguir. O
professor Figueiredo dias diz que a desistência é voluntária quando é obra pessoal do
agente. É ele que tem domínio do se e do como do abandono do resultado.

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Há uma hipótese engraçada que o professor Rui Pereira põe que é: imagine que
temos um agente que é supersticioso e está a realizar o furto e de repente vê um gato
preto e desiste. Isto não é voluntário, porque de acordo com o que ele pensa, ele não
ia prosseguir com êxito. Mas depois o Professor Rui Pereira diz que uma pessoa que
pensa assim não tem a mentalidade de um criminoso e por isso, secalhar não é
merecedor de pena. Mas aplicando o critério da voluntariedade, não é voluntário. O
como e o se da desistência vem do agente, mas de acordo com o que ele pensa ele
não controla o com e o se.

O Professor Figueiredo Dias diz numa frase que o que nós devemos perguntar é, e ele
foi mais uma vez buscar a Frank, uma fórmula. Frank disse que o que temos de
perguntar ao agente é se o agente naquele momento pensou: eu não quero
alcançar a minha finalidade, embora o conseguisse, ela é voluntária. Se o agente
pensou assim, a desistência é voluntária.

Por último refere-se o artigo 25º. O artigo 25º tem que ver com a desistência na
comparticipação. Muitas vezes o crime é praticado em comparticipação criminosa.
Podemos aplicar a figura da desistência à comparticipação quando:
• Um dos coautores impede a consumação do crime. Não pratica o seu ato de
execução, e ao não praticar o seu ato de execução voluntariamente impede
que o crime se consuma. Causa pessoa de isenção da pena do que desistiu.
Os outros todos vão ser punidos por tentativa, se não tiverem desistido
voluntariamente.
• O legislador acrescenta ainda uma outra situação. Imagine outra situação de
coautoria em que um dos coautores desiste. Mas os outros continuam e o
crime consuma-se. Não basta o coautor não praticar o seu ato. Ele tem de se
esforçar seriamente para que o crime se consuma por parte dos outros. Se isso
aconteceu, mesmo que o crime se tenha consumado, o legislador diz que há
uma causa de exclusão da pena para este participante.

Problema do concurso de crimes


Faz sentido dar esta matéria em teoria da infração penal e em teoria da lei penal
porque este tema tem, não só que ver com a interpretação das normas e aplicação
da lei penal, mas é um tema que tem uma relevância prática na resolução de casos e
por isso tem todo o interesse sabermos como se resolve um problema de concursos
quando temos um caso prático em mão.

Quando é que acontece um problema de concurso?


Acontece um problema de concurso, quando o comportamento global praticado
pelo agente preenche mais do que um tipo de crime. Desde logo, a primeira
preocupação é saber se se está perante uma situação de concurso de crimes ou
chamado concurso efetivo, verdadeiro de crimes, ou se se está apenas perante um
concurso de normas chamado concurso aparente. É tão importante saber se é um
concurso verdadeiro ou aparente porque se for um concurso aparente aplica-se
apenas uma das normas e exclui-se todas as outras. Já se for um concurso verdadeiro
ou efetivo, aplicam-se todas as normas e a medida da pena vai resultar da aplicação
de todas as normas. Por isso mesmo é importantíssimo percebermos quando há um
concurso aparente e um verdadeiro. Desde logo ao nível das consequências é
totalmente diferente.

Além disso, tem uma importância prática fundamental porque existe um princípio em
direito penal e processual penal que é o princípio ne bis in idem. Este princípio significa
que ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo facto. E por isso, se num caso
prático não percebermos que estamos perante um concurso aparente e se tratar de
um concurso verdadeiro estamos a violar este princípio. Daí a grande importância de
saber se é concurso aparente ou concurso verdadeiro.

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Caso prático em que há uma divergência por parte da doutrina apesar do critério
utilizado para distinguir o concurso aparente do concurso verdadeiro ser o mesmo:
A furta um quadro, suponha-se que é um quadro dos nossos melhores pintores, e
passado uma semana destrói o quadro. Ele é apanhado e é acusado pelo Ministério
Público pelo crime de furto e pelo crime de dano.
Para já ele preenche os dois tipos. Neste caso concreto estão presentes os
elementos constitutivos de cada um dos crimes. Os dois tipos estão preenchidos. A
grande dúvida é se vamos punir pelos dois ou se vamos punir apenas por um.

O critério utilizado por maior parte da doutrina é que há concurso aparente quando a
aplicação de uma norma abarca todo o ilícito criminal praticado pelo agente.
Chama-se a este critério de critério da unidade de sentido do acontecimento ilícito
global final. De acordo com este critério, há um concurso aparente, sempre que ao
aplicarmos uma norma conseguimos esgotar o sentido ilícito material praticado pelo
agente. Todo o conteúdo material daquele comportamento é abarcado apenas por
uma norma. Basta aplicar uma norma para conseguir captar a substância criminosa
do comportamento.

Na maior parte dos casos, o que acontece é que se considera que o bem jurídico
posto em causa é salvaguardado aplicando apenas uma norma. Se aplicarmos uma
norma conseguimos proteger os bens jurídicos postos em causa. Ou então chegamos
à conclusão que ao aplicar aquela norma, como abarca toda a substância criminosa
do comportamento, as outras normas são uma espécie de normas dominadas,
acessórias em relação à norma principal. Apesar de as normas em causa protegerem
mais do que um bem jurídico, se aplicarmos uma delas, como a outra é acessória
basta aplicar uma delas. Às vezes basta aplicar uma para proteger o bem jurídico
posto em causa.

O professor Figueiredo Dias diz que basta puni-lo pelo crime de furto. Porque com o
crime de furto ele violou o bem jurídico propriedade e com o crime de dano ele
apenas continuou a violar o bem jurídico propriedade. E por isso, diz o Professor
Figueiredo Dias, basta aplicarmos a norma do crime de furto para conseguirmos
esgotar o ilícito criminal praticado pelo agente.

A professora Teresa Beleza, que utiliza exatamente o mesmo critério que Figueiredo
Dias não concorda com este. Para a Professora Teresa Beleza com o crime de furto
põe-se em causa o bem jurídico propriedade, mas com o crime de dano a lesão do
bem jurídico propriedade foi muito mais intensa porque nunca mais se vai poder ter a
devolução do quadro. O quadro foi destruído para sempre. O que a Professora Teresa
Beleza vem dizer é que não é verdade que ao punirmos apenas pelo crime de furto
conseguimos esgotar o ilícito criminal praticado pelo agente. Porque o bem jurídico
propriedade é lesado de uma maneira definitiva com o crime de dano, enquanto que
no crime de furto, ele é lesado, mas ainda há sempre a hipótese de o titular vir a
recuperar.

Cúmulo jurídico mitigado – artigo 77º/2


Calcula-se a pena para um dos crimes, neste caso para o crime de furto e depois
para o outro, o crime de dano. Depois de calcular a medida concreta soma-se as
duas e diz-se que o limite máximo não pode ultrapassara soma destas duas, mas não
tem de ser necessariamente a soma dessas duas. E o limite mínimo vai ser a pena
concreta mais grave determinada. Isto resulta do artigo 77º/2. O problema do
concurso verdadeiro aplica-se sempre os artigos 77º e 78º.

Crime continuado
Só há um caso do concurso verdadeiro em que há uma solução diferente, e é o
chamado crime continuado e que está previsto no artigo 30º/2. Ex: senhor trabalha
num banco e todos os dias furta 5€ durante 10 anos. Chama-se a isto crime
continuado porque a solicitação exterior foi sempre a mesa, ao ponto de o legislador

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considerar que a partir de um certo número de comportamentos a culpa está


diminuída. E por isso mesmo, o legislador acha que ele não deve ser sujeito ao regime
do concurso verdadeiro e ser punido pela soma de todos os crimes de furto durante 10
anos. Neste caso, o legislador pune o agente pela pena aplicável à conduta mais
grave que integra a continuação – artigo 79º.

A figura do crime continuado nunca se aplica quando estejam em causa bens


jurídicos pessoais. Ex: se A bater todos os dias no seu filho já não vamos para a figura
do crime continuado. O legislador é muito exigente nos requisitos que ele exige para
se aplicar esta figura. Ele exige vários atos que integrem o mesmo tipo análogo, os
bens jurídicos têm de ser os mesmos ou têm de ter uma estreita afinidade, a realização
continuada deve ser executada de uma forma homogénea no quadro de uma
mesma situação exterior; não se exige que haja dolo continuado, mas que a situação
exterior apenas diminua sensivelmente a culpa e só depois disto tudo é que é possível
aplicar a figura do crime continuado.

Concurso aparente
Já no concurso aparente, como só se aplica uma norma, a medida da pena vai ser
calculada dentro dessa moldura legal. Para o professor Figueiredo dias, como o que
furta o quadro vai ser punido apenas pelo crime de furto, a pena vai ser calculada até
ao máximo do furto qualificado.

Concurso verdadeiro
Dentro do concurso efetivo temos ainda outra classificação que apesar de não
interessar muito na prática é bom saber a terminologia. Sempre que há um concurso
efetivo, verdadeiro pode-se dizer que ele é:
• Real: acontece quando à pluralidade de crimes cometidos corresponde uma
pluralidade de ações. É o caso referido logo no início. Ex: A furta, e a seguir
destrói.
• Ideal: ocorre quando à pluralidade de crimes cometidos corresponde uma
unidade de ação. Ex: aberratio ictus. A quer disparar sobre B e acerta em C. A
uma ação, correspondem 2 crimes.

Outra distinção é entre:


• Concurso heterogéneo: há o tal concurso verdadeiro entre crimes e são tipos
de crimes diferentes. Ex: crime de furto e crime de dano. É um concurso
verdadeiro ideal heterogéneo.
• Concurso homogéneo: a pessoa preenche várias vezes o mesmo tipo. Ex:
alguém põe uma bomba numa casa e mata 5 pessoas. A pessoa vai ser
punida pelos 5 homicídios. Sempre que estão em causa bens jurídicos pessoais
a pessoa é punida por tantos crimes quantos os bens jurídicos pessoais
ofendidos.

Concurso aparente
Dentro do concurso aparente há 4 tipos de relações possíveis:
1. Relação de subsidiariedade: é quando o legislador expressamente ou
implicitamente pretende que uma norma só se aplique quando o agente não
puder ser responsabilizado por outra mais grave. Ex: artigo 152º/1. Este caso
chama-se de subsidiariedade expressa. Da própria lei resulta que só aplicamos
esta lei se não couber ao agente uma pena mais grave resultante da própria
lei. É o próprio legislador a dizer isto e por isso é que é expressa. Ex:
subsidiariedade implícita. Imagine que uma pessoa instiga outra a matar
alguém, mas também participa na realização do crime. Esta pessoa para além
de instigadora também é coautora. A pessoa é só punida como coautora
porque esta é a forma mais perfeita de realização do crime e isso abarca todo
o ilícito criminal praticado pelo agente. É um caso de subsidiariedade implícita,
pois resulta da interpretação que o legislador só quer que ele seja punido por
uma norma se não puder ser punido por outra.

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2. Relação de especialidade: existe quando uma norma contém na sua previsão,


para além de todos os elementos essenciais do tipo fundamental, inclui os
elementos especiais quer relativos ao facto ou relativos ao agente. Ex: relação
entre o artigo 131º e artigo 136º. O infanticídio inclui como elementos os
elementos do homicídio, mas acrescenta mais alguns: o agente só pode ser a
mãe, a vítima só pode ser o filho e tem de ser durante aquele período
resultante do parto. Esta norma é uma norma especial face ao 131º e há uma
relação de especialidade. A mulher só é punida por infanticídio.
3. Relação de consunção: pode-se dizer de uma maneira simples que há
consunção quando a realização de um tipo de crime inclui, por norma, a
realização de outro tipo de crime. Ou seja, um crime é instrumental em relação
ao outro crime. Ex: furto por introdução em casa alheia. Sempre que há furto
por introdução em casa alheira vai-se para a figura do furto qualificado. O
furto qualificado nem sempre é praticado desta maneira, e quando é
praticado por introdução em casa alheia pune-se a pessoa apenas por furto
qualificado.
4. Factos posteriores não puníveis: caso do furto e do dano para quem defende
que há uma relação aparente, como é o caso do Professor Figueiredo Dias. É
quando o facto posterior não acrescenta nada ao tal ilícito criminal praticado
pelo agente.

Mais uma vez cada autor tem a sua definição de cada relação, mas a dada é a mais
comum e é defendida pela Professora Teresa Beleza. Esta qualificação interessa para
perceber as relações entre os concursos.

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Autoria
Se olharmos para a parte especial do Código Penal, a forma de realização do crime
que está lá prevista, no artigo 131º, é a autoria na forma singular e direta. O nosso
legislador, prevê o tipo de crime sempre a pensar no autor material (é a mesma coisa
que dizer autoria singular e direta). É o autor singular material quem executa o facto.
Como também já sabemos, existe em Direito Penal o princípio da legalidade: não há
crime nem pena sem lei. Princípio da tipicidade; tem de estar tipificado na lei. Se só
houvesse a parte especial só podíamos punir o autor singular e direto. Mas como
sabemos há outras formas de participar num crime. É aí que surge a figura da
comparticipação.

Comparticipação
A figura da comparticipação surge para designar aquelas situações em que há uma
pluralidade de agentes a realizar o facto típico. Como é obvio, importa determinar
qual o papel que essas pessoas desempenharam no cometimento do crime. Dentro
da comparticipação em sentido amplo (há participação sempre que uma pluralidade
de agentes exerce um papel na execução do crime) importa determinar o papel que
os agentes desempenharam nessa realização. Há duas formas de participar na
realização do crime e que o nosso legislador e a nossa doutrina distinguem:
• Participa como autor (autoria)
• Participa como participante (participação)

Interessa saber o que distingue autoria, da participação. Ambos os conceitos cabem


no conceito de comparticipação criminosa em sentido amplo e também interessa
saber que formas de autoria existem e que formas de participação existem. Mas antes
de irmos para estas distinções fundamentais, temos de saber onde é que está prevista
a figura da comparticipação, nomeadamente as formas de autoria e as formas de
participação que existem à luz da nossa ordem jurídica. Estas formas estão previstas na
parte geral. A parte geral existe para prever normas que se aplicam a todas as normas
da parte especial. É uma forma de legislar. Por isso, na parte geral, sempre que houver
uma norma que é para aplicar a todos os tipos, o sítio certo é estar na parte geral. As
normas que preveem estas formas de autoria e participação são os artigos 26º e 27º.
Devemos estudar a comparticipação na tipicidade porque ela determina a forma
que revestiu a participação do crime. Isto é, como é que aquela pessoa participou no
crime. Que tipo de agente é que ela é (se é autor, se é cúmplice, se é instigador). A
figura de “o agente” é o primeiro elemento objetivo do tipo.

A distinção que temos de ter em conta, em primeiro lugar, para perceber as figuras da
comparticipação é entre crimes negligentes e crimes dolosos porque a definição de
autoria é diferente nos crimes negligentes e nos crimes dolosos. E se a definição de
autoria é diferente nos crimes negligentes e nos crimes doloso, consequentemente a
definição de participação também é diferente. O nosso código penal, quando fala
em formas de autoria e formas de participação está a dirigir-se aos crimes dolosos.

O conceito de autor nos crimes negligentes pode-se denominar de conceito unitário


de autoria ou conceito extensivo de autoria. De acordo com este conceito, é autor
todo aquele que contribui causalmente para o resultado, a título de negligência. Nos
crimes negligentes é autor todo aquele que contribuiu causalmente para o resultado.
É por isso que é um conceito extensivo de autoria.

Já nos crimes dolosos adota-se o chamado conceito restritivo de autoria. Isto é,


adotando a chamada teoria do domínio do facto que é a doutrina dominante em
matéria de comparticipação, é autor nos crimes dolosos quem tem o “se” e o “como”

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da realização do facto. Outra forma de dizer, só é autor nos crimes dolosos quem tem
o domínio do facto. Esta é a primeira grande distinção.

Como sabemos existe uma classificação que distingue os crimes comuns e os crimes
específicos. Os crimes específicos são aqueles que só podem ser realizados por
determinadas pessoas. Já os crimes comuns podem ser realizados por qualquer
pessoa. Para Roxin, face a este autor, a classificação ou a teoria do domínio do facto
só se aplica aos crimes dolosos comuns. Isto é, o conceito restritivo de autor só se
aplica aos crimes dolosos e comuns. Isto significa que para os crimes específicos, já só
é autor ou só é autor, quem tiver o especial dever de agir e por isso quem puder ser
autor do crime específico. Como nos crimes específicos só é autor quem tem
determinadas qualidades é porque essa pessoa tem determinado dever. Ora, só é
autor e só pode ser considerado autor quem violar esse dever. Por isso já não é bem o
mesmo critério que se aplica aos outros crimes dolosos. Em que para ser autor, tem de
ser quem tem o domínio do facto. Mas isto é para Roxin.

Para Figueiredo Dias, ao contrário de Roxin, exige também para os crimes específicos
que o autor, para além de violar o dever, exige que ele tenha o domínio do facto.
Para o professor Figueiredo Dias só é autor nos crimes específicos, quem para além de
violar o dever, tiver também o domínio do facto.

A doutrina dominante é a doutrina do domínio do facto, mas para chegar a esta


teoria foram precisos muitos anos e muitas discussões. As teorias principais anteriores
esta são:
• Teoria formal objetiva: esta teoria considerava que só podia ser autor todo
aquele que executa por si mesmo, total ou parcialmente, a conduta descrita
no tipo legal. Este é o autor material. É por isso que esta teoria falha, porque se
esquece de outras formas de autoria. É insuficiente definir autor como aquele
que executa por si a realização do facto.
• Teoria subjetiva: esta teoria considerava que para distinguirmos o autor do
participante temos de olhar para o elemento subjetivo, só. E por isso, era autor
quem tivesse o chamado animus autoris, e era participante quem atuasse com
o animus socii. Esta teoria é inaceitável porque pode levar ao absurdo de em
determinadas situações punir como cúmplice quem executar o facto por si
mesmo. Ex: há um famoso caso que se deu num tribunal alemão, em que um
espião russo a mando da União Soviética matou 2 conterrâneos seus na
Alemanha. Aqui ele foi apenas punido como cúmplice porque ele não tinha o
animus autoris, só tinha o animus socii. Este critério foi deitado abaixo por esta
razão.
• Teoria material objetiva: esta teoria diz que será autor quem der a causa
essencial; quem for a essencial para a prática do crime e participante quem
não for a causa essencial, quem não for essencial. Ora, esta teoria também é
de rejeitar porque faz no fundo, depender a qualificação de autor, muitas
vezes da conduta de outras pessoas. E por isso esta teoria é de rejeitar.

Sendo assim, a teoria que devemos atuar é a teoria do domínio do facto. Esta é uma
teoria que se aplica aos crimes dolosos. Para Roxin é uma teoria que só se aplica aos
crimes dolosos comuns; para Figueiredo Dias aplica-se aos crimes dolosos, quer
comuns, quer específicos. De acordo com esta teoria é autor quem tiver o domínio do
“se” e do “como” da realização de um facto. E é essa teoria que se considera que é
adotada pela nossa ordem jurídica. Face a esta teoria existem 3 formas de autoria, de
dominar o facto e 2 formas de participação.

As 3 formas de autoria são:

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Autoria imediata, direta ou material


O autor imediato tem o domínio do facto porque tem domínio da ação. Isto quer dizer
que ele tem o domínio do facto porque é ele próprio que procede à execução do
crime. É o autor que executa o facto singular e que está prevista na primeira
alternativa do artigo 26º. Esse autor material tem o domínio do facto porque domina a
ação. É ele que procede à execução.

Autoria mediata
Ele tem o domínio do facto através do domínio da vontade. Isto é, apesar de não ser
ele a executar a ação, ele domina a vontade do executante. A autoria mediata está
prevista no artigo 26º, na segunda alternativa (“... por intermédio de outrem...”). O que
nos interessa é saber quando é que alguém tem o domínio do facto através do
domínio da vontade? No fundo, o que caracteriza a autoria mediata é que alguém
utiliza outrem como instrumento da sua vontade. E como utiliza como instrumento da
sua vontade, quem utiliza essa pessoa, não perde o domínio do facto. Agora é
necessário saber quais são as formas de dominar a vontade de outrem e normalmente
são apresentadas 4 formas:
• Por erro e tem de ser um erro que exclua o dolo ou a culpa do executor
• Por coação, mas tem de ser uma coação que exclua a culpa do executor
• Por utilização de inimputáveis
• Por domínio da organização, isto é, eu domino a vontade de outrem no
quadro de um aparelho organizado de poder. Está-se a pensar
fundamentalmente nos casos da máfia.

Esta figura ocorre quando alguém, o agente, executa o facto por intermédio de
outrem. Aqui fala-se em domínio do facto porque o autor mediato domina a vontade
do autor direto. Ele controla o processo causal que conduz ao resultado através do
domínio da vontade. É por isso que ele continua a ser considerado autor. É claro que a
grande questão passa a ser: quando é que alguém controla a vontade de outrem?

Para a maior parte da doutrina há duas formas de domínio da vontade:


• Erro que exclua o dolo ou a culpa do autor direto: o autor mediato domina o
facto através de um elemento intelectual. Ex: A, B, e C vão à caça e a certa à
altura o A diz ao B que está um veado, sabendo que quem estava ali era C. B
não tendo um bom campo de visão e não conseguindo ver C, dispara. A seria
punido como autor mediato por induzir em erro; B está em erro quanto ao
objeto. Este erro tem relevância e por isso podia-se excluir o dolo e ele podia
ser punido a título de negligencia se pudesse ter previsto que era uma pessoa.
Esta é outra forma de autoria mediata. É quando a pessoa induz outrem em
erro e através desse erro domina a vontade dessa pessoa, através do seu
elemento intelectual neste caso. Se não excluir o dolo deixa de ser relevante e
já não há autoria mediata. Ex 2: A diz ao B para disparar sobre C porque C está
com uma arma apontada ao B. B está em erro sobre o estado de coisas que a
existir excluiriam a ilicitude. Se realmente C estivesse com uma arma apontada
à cabeça do B existiriam os pressupostos de facto da legitima defesa. Logo, B
está em erro sobre um estado de coisas que a existir excluiria a ilicitude. A
consequência é que se exclui o dolo, e só poderia ser punido por negligência
se se provar que houver negligência. A seria punido como autor mediato da
morte do C.
• Coação que exclua a culpa do autor direto: A aponta uma pistola à cabeça
de B, e diz que se ele não disparar sobre C que está à frente, ele dispara na sua
cabeça. Neste caso, A que está com a apontar a arma à cabeça do B é autor
mediato. Ele executa a ação contra C por intermédio de B através de coação.
B não vai ser responsabilizado criminalmente, porque apesar de ele ter

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praticado uma ação, típica, ilícita, ela não é culposa, porque não era razoável
exigir do agente a adoção de outro tipo de comportamento, artigo 35º. Ao
analisar esta hipótese, B não poderia ser responsabilizado criminalmente
porque atuava ao abrigo de uma causa de exclusão da culpa, mas o A seria
punido como autor mediato por coação.
Aqui toda a doutrina está de acordo.

Há duas formas em que a doutrina diverge:


• Domínio da vontade por domínio da organização: isto é, domina-se a vontade
dos executores através de um aparelho organizado de poder. Para existir este
modo de autoria mediata, tem de existir uma organização estruturada
hierarquicamente com forte disciplina interna. O modo de funcionamento dos
seus elementos é quase automático (eles reagem de forma mecânica às
ordens do chefe) e por isso eles são fungíveis (se não for ele, vai ser outro a
fazer). E há um terceiro elemento que anda a ser discutido, que é a atuação
da organização ter de se situar fora do quadro da ordem jurídica. Ex: máfia,
terroristas, gangs ou um aparelho que se apodere do poder do Estado e
funcione em forma de ditadura, um aparelho organizado de poder
(organizações policiais ou militares que se apoderam do poder do Estado).
Anda a ser discutido se é ou não requisito, porque cada vez mais empresas
legais atuam desta forma. Isto é, estão estruturadas hierarquicamente, o modo
de funcionamento dos seus elementos é quase automático e muitas vezes são
levados a cumprir ordens que se traduzem em crimes. Apesar de as pessoas
serem fungíveis, ele pode decidir fazer ou não fazer, e com muito mais
liberdade que aquele que tem a pistola apontada à cabeça. Para Figueiredo
Dias, nestes casos de domínio da organização, só existe verdadeiramente
autoria mediata se houver coação. É o caso da máfia. Outra parte da
doutrina, diz que não. Que só faz sentido haver domínio da organização fora
do erro e da coação se for diferente da figura do erro e da coação. Haver o
tal domínio da vontade por ele atuar no meio do aparelho organizado de
poder. Normalmente diz-se que nos aparelhos organizados de poder há o
domínio da vontade através do domínio social do facto.
• Utilização de inimputáveis: pode-se ser inimputável por anomalia psíquica ou
menores de 16 anos. Os com anomalia psíquica tem de se provar que em
relação àquele facto ou que ele não tinha capacidade para entender o que
estava a fazer, ou compreendendo não tinha capacidade de se motivar pelo
direito. Ex: A utiliza um menor de 13 anos para disparar sobre outra pessoa,
pagando-lhe 500€. A é punido como autor mediato porque utilizou um menor
inimputável. Imaginando agora que era um jovem de 15 anos, há uma parte
da doutrina que discute. Imagine-se que o jovem tem uma capacidade de 18
anos. Aqui vamos ou não utilizar a figura de autoria mediata? Há uma parte da
doutrina que diz que se demonstrar essa mentalidade desenvolvida, não há
autoria mediata; há sim instigação.

Há uma figura que por vezes se confunde com autoria mediata, mas é autoria
imediata. Ex: A empurra B, B cai em cima de C e C parte uma perna. Por parte do B
não há ação juridicopenalmente relevante, porque em princípio se ele foi empurrado,
ele não tinha possibilidade de controlar a sua conduta. A tinha o domínio da sua
vontade. É essencial a previsibilidade da conduta porque só assim ele a podia
controlar em relação ao C. Quando por parte da pessoa entre o autor e o lesado,
uma pessoa parece um instrumento, como se fosse uma espécie de arma há autoria
imediata. Porque por parte da pessoa que está no meio nem sequer há uma ação.
Quando por parte do sujeito que está entre o agente e o ofendido temos alguém que
nem pratica uma ação juridicopenalmente relevante, falamos em autoria imediata.

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Porque nem há um domínio da vontade de B; é como se fosse uma espécie de corpo


morto. A ação que B pratica é uma ação de vis absoluta. Ele não tem qualquer
domínio da ação.

A professora Conceição Vale d’água considera que se o autor imediato, subordinar


voluntariamente a sua decisão de praticar ou não o facto do princípio até ao último
momento da vontade do homem de trás há autoria mediata. Isto acontece nos casos
que ela chama de aliciamento na forma de ajuste. O que caracteriza é que o homem
da frente faz depender a sua decisão de praticar ou não o facto da vontade do
homem de trás até ao último momento. Para a maior parte da doutrina aqui há
instigação. Para a Professora Conceição Vale d’água, há uma espécie de domínio da
decisão de cometer o facto. O autor imediato só vai praticar o facto se o homem de
trás quiser.

Co-autoria
Há o domínio do facto através do domínio funcional do facto. Isto significa que
durante a execução, o agente possui uma função relevante para a realização típica
do facto juntamente com outros. A co-autoria exige que haja mais do que um
executor e é por isso que se consideram como elementos obrigatórios da co-autoria
dois elementos:
• Execução conjunta: é o elemento objetivo. De uma maneira muito simples,
traduz-se na execução conjunta, e fazendo uma interpretação literal do artigo
26º, ele exige para haver execução conjunta, apenas que cada um dos co-
autores tome parte direta na execução do crime. A partir desta interpretação
já há uma divergência na doutrina. Para a maior parte da doutrina,
nomeadamente para Roxin, cada um dos co-autores tem de ter a titularidade
de uma contribuição essencial na fase executiva. Isto é, nos termos do plano, o
contributo do co-autor, deve ser considerado indispensável. Para Roxin, e maior
parte da doutrina, tal ocorre quando o co-autor tem o chamado domínio
negativo do facto. Isto quer dizer que ele tem o poder de fazer fracassar o
plano com a não prestação do seu contributo. Se ele não efetuar o contributo
que lhe cabe no plano ele pode fazer fracassar o plano. Há quem considere,
outra parte da doutrina, que não basta que o agente tenha este domínio
negativo; este contributo essencial no plano. É necessário ainda, que em
concreto esse contributo tenha sido essencial para ser punido como co-autor.
A outra consequência que também se pode retirar da execução conjunta
como elemento da co-autoria é que o dolo do co-autor tem de abranger a
consumação. Este contributo essencial chama-se domínio funcional do facto.
Ex: A, B e C combinam assaltar um banco. O papel do A é arrombar a porta, o
do B é arrombar o cofre e tirar de la o dinheiro e o papel do C levá-los e depois
ir-se embora. É preciso saber se C tem um domínio funcional do facto. Só
começa a haver execução quando se começa a arrombar a porta. E por isso
não há execução conjunta. Se a co-autoria exige tomar parte direta na
execução, o levar até ao banco não faz parte da execução. C só poderia ser
punido como cúmplice material, porque ele só contribuiu para a preparação.
Ex: imagine agora que C, para além de ter o papel de levar, tem o papel de
esperar, vigiar e levá-los de volta. Aqui já tem um contributo essencial durante
a execução, já toma parte direta, já pratica atos de execução e por isso já
pode ser considerado como co-autor.

Outra situação de facto discutível é: imagine um assalto, mas desta vez o C é o


único que sabe fazer o mapa ou a chave que abre a porta do cofre. Quem vai
ao banco furtar o cofre é o A e o B, mas sem aquela chave que C fez era
impossível entrar no cofre. O contributo é essencial na fase da preparação. O

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nosso legislador exige que o coautor tome parte direta na execução e não
tomar parte direta na execução apesar de ser essencial, não é co-autoria.
Mais uma vez ele vai ser punido como cúmplice material.

• Decisão conjunta ou acordo: é o chamado elemento subjetivo, ou momento


subjetivo da co-autoria. O acordo que tem de existir entre os autores, é um
acordo em sentido amplo. Isto é, tanto pode ser um acordo prévio, como o
próprio nome indica, é um acordo que ocorre antes da execução (acordo
prévio), mas também abarca o acordo que surja durante a execução, e aí
fala-se em ação consertada. Isto é, há uma consciência recíproca de
colaboração entre os executores do facto. Outro aspeto importante a
propósito deste acordo é que o acordo pode ser expresso ou tácito. Ex: A, B e
C resolvem bater numa pessoa. A agarra nos braços; B vigia para ver se vem
alguém e C dá um soco. Há aqui um acordo tácito entre os executores. Basta
olhar para a realidade tal como ela aconteceu para perceber que houve um
acordo entre os três; não é preciso verbalmente terem expressado essa
decisão de bater na vítima. Da maneira como atuaram percebe-se que há um
acordo tácito entre os três. Isto é suficiente para se falar em momento subjetivo
da co-autoria. Este elemento é importante porque se se exige que haja esta
decisão conjunta, este acordo, há consequências muito importantes:

a) se houver excesso na execução, por parte de um dos co-autores, esse


excesso, por regra, não pode ser imputado ao(s) outro(s) coautor(es), a
não ser que fosse previsível. Mas nesse caso esse co-autor, esse elemento
vai ser punido não como coautor, mas como autor negligente do facto. Ex:
imagine que A e B combinam, os dois bater em C. Em princípio, aqui
haverá co-autoria no crime de ofensas à integridade física. B sem dizer
nada a A, leva uma arma e no meio da discussão dispara sobre C. Não há
a decisão conjunta da morte, apenas de bater. A como co-autor da morte
não pode ser punido. A única coisa que pode acontecer é que se ele
soubesse que B é agressivo e por vezes tinha atitudes parecidas com esta,
aí A poderá ser eventualmente punido como autor negligente do crime de
homicídio. Porque contribuiu causalmente para o resultado. Mas é devido
à exigência do acordo, que A nunca poderia ser punido como co-autor do
crime de homicídio a título doloso. A única hipótese é, caso fosse previsível,
ser imputada a morte a título de negligencia como autor a título paralelo.
O que pratica o excesso e que tem dolo de morte é punido por homicídio.
Ambos são punidos como co-autores do crime de ofensas à integridade
física.

b) Imagine que há erro sobre o objeto por parte de um dos coautores. Ex:
imagine que A e B combinam assaltar um banco, e também combinam
que se surgir um guarda e for preciso disparar para fugir, dispara.
Entretanto, B houve um barulho, pensa que é um guarda e dispara. Mas
não era um guarda, e sim uma pessoa que estava a passar por ali. Em
relação ao que disparou, ele vai ser punido pelo crime de homicídio
doloso, porque o erro não era relevante. Relativamente a A há uma
discussão. Para a maior parte da doutrina, defende que este erro sobre o
objeto por parte do co-autor equivale a uma aberratio ictus e por isso, e
por isso o outro co-autor vai ser punido por tentativa impossível
relativamente ao guarda, e homicídio negligente da pessoa que estava a
passar.
A co-autoria é sempre em relação a um facto típico e ilícito e por isso, se um dos co-
autores for incapaz de culpa, ele não deixa de ser co-autor.

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Outra discussão que põe a propósito da co-autoria: imagine que 3 pessoas decidem
praticar determinado tipo de crime, e só uma delas, a primeira realiza o seu primeiro
ato. Na doutrina há duas posições:
• Há uma parte da doutrina que defende a chamada solução global, que diz
que uma vez que foi praticado um ato de execução todos vão ser punidos
como co-autores; a tentativa começa para todos a partir do momento em
que é que é praticado um ato de execução por parte de um deles
• Há uma parte da doutrina que defende a solução individual e diz que só será
punido por tentativa o co-autor que começou a execução e os outros vão ser
punidos como cúmplices.

Na co-autoria trata-se agora de uma questão que é a de saber como é que se vai
punir os restantes coautores quando só um deles praticou atos de execução? Há duas
soluções:
Roxin durante muito tempo defendeu a solução global argumentando que a partir do
momento em que os agentes participaram e elaboraram o plano comum e nos
termos do plano têm um contributo essencial na execução do crime, isto é, têm o que
se chama titularidade no plano do domínio funcional do facto, isso dizia Roxin é
suficiente para caso só um pratique ato de execução, os outros todos possam ser
punidos por tentativa. Outro argumento que Roxin invocava era o argumento do
acaso. Isto é, era injusto punir apenas o co-autor que no plano tem o ato de
execução inicial e não punir os restantes só pelo facto de por acaso, não terem tido
necessidade de praticar os seus atos de execução. Roxin diz que não faz sentido punir
apenas o primeiro e não os outros só porque não puderam praticar os seus atos de
execução, por acaso.

O principal argumento que professora Conceição Vale d’Água vem invocar para
afastar esta solução global e dizer que se deve defender a solução individual, é que
só deve ser punido o co-autor que praticou o ato de execução por tentativa. Os
restantes devem ser punidos como cúmplices morais ou materiais, dependendo da
contribuição que deram. Ela defende esta solução porque vem dizer que nestes casos
só um coautor exerceu o domínio funcional do facto. Os restantes nunca tiveram a
oportunidade de exercer o seu domínio funcional, e por isso, como não deve bastar
ter a titularidade do domínio funcional para se punir alguém como co-autor, neste
caso como apenas tinham a titularidade do domínio e não exerceram o domínio
funcional, devem ser apenas punidos como cúmplices. Isto leva-nos para a questão
de saber o que é exercer o domínio funcional. O domínio funcional, significa que a
pessoa, para além de ter o domínio do seu contributo, tem o domínio negativo do
facto. Isto é, tem o poder de mudar o plano ao não exercer o seu contributo; tem o
poder de fazer fracassar o plano ao não exercer o seu contributo. Ora, neste caso em
que só o primeiro praticou o ato de execução, os outros nunca tiveram este domínio
negativo do facto; nunca o exerceram; nunca tiveram a possibilidade de exercer o
domínio negativo do facto; nunca tiveram a possibilidade de poder fazer fracassar o
plano e por isso não devem ser punidos por co-autores, porque a co-autoria implica,
para além da titularidade do domínio funcional, implica o exercício do domínio
funcional e eles nunca exerceram o domínio funcional. A única pessoa que exerceu o
domínio funcional foi o primeiro. E por isso ela diz que se deve defender a solução
individual.

Formas de participação
Até agora só vimos as formas de autoria. Dentro do conceito de comparticipação
criminosa em sentido amplo cabe todas as formas de autoria e as formas de
participação. As formas de participação são:

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• Instigação: artigo 26º última parte. Há uma discussão de saber se o instigador é


uma forma de autoria ou não. Quer se considere autor ou não, o que interessa
é que se pune o instigador como autor. O instigador é punido como autor. Há
uma parte da doutrina que diz que isto significa que o instigador é autor e
outra parte que diz que não. O fundamento da punibilidade do instigador é
diferente do fundamento da punibilidade como autor. A professora está de
acordo com esta última parte da doutrina. A única coisa que significa que o
instigador está no artigo da autoria é que ele vai ser punido como autor, mas o
fundamento da punibilidade do instigador é diferente do fundamento da
punibilidade como autor. o fundamento da punibilidade como autor é ele ter o
domínio do facto; tem o domínio do “se” e do “como” da realização do facto
típico. O instigador não tem o domínio do facto. O instigador determinou outra
pessoa à prática do facto, e por isso o fundamento não é o mesmo. O que nos
interessa saber é quais são os elementos da instigação:

1. Determinação de outrem a executar dolosamente o crime: o instigador tem


de criar no executor a decisão de executar o crime, isto é, não basta
aconselhar, não basta reforçar. Tem de ser ele o Homem que fez nascer na
cabeça do executor a decisão de criar, de realizar o crime. É ele que faz
nascer no executor a decisão de executar o crime. A decisão de realizar o
crime foi produzida pelo instigador. Mas este elemento também significa
para além desta parte, que tem de haver dolo por parte do agente
instigado. Ou seja, após a determinação do instigador, quem decide
realizar o facto é o instigado. O dolo de praticar o facto surge depois de
ele ter sido determinado, mas tem de existir esse dolo. É ele que decide,
apesar de ter sido determinado. Quando a pessoa é induzida em erro, não
é ela que decide praticar o facto; ela está a praticar o facto sem saber
que o está a realizar. Aqui o instigado decide praticar o facto. Tem, ainda
de haver execução do facto, por parte do agente instigado, nem que seja
na forma de tentativa. Tem de haver prática de atos de execução por
parte do instigado.

2. Dolo do instigador: o dolo tem de ser duplo. Fala-se em duplo dolo porque
o instigador, para ser instigador, tem de ter dolo de determinar outrem a
praticar o facto; ele tem de querer determinar outra pessoa a praticar o
facto. É um duplo dolo porque não basta ter este dolo de querer
determinar, ele também tem de ter dolo do facto q ue instigar. Isto é, ele
tem de ter dolo do resultado. Ele tem de representar o ilícito típico que o
instigado vai praticar.

Ex: imagine que A paga uma quantia a B para dar uma coça em C, e B por
livre iniciativa, esgana e mata o C. Aqui há excesso por parte do instigado, e
não do instigador porque ele (A) não o determinou à prática do crime de
homicídio. A determinou-o à prática do crime de ofensas à integridade física.
Se A soubesse e fosse previsível a atuação de B ele seria punido como autor
negligente. Ex 2: A paga a B para matar C. B vai para a porta da casa de C e
quem sai da porta é o irmão gémeo, D. Há um erro sobre o objeto por parte de
B, sendo o erro irrelevante porque são tipicamente idênticos. Quanto ao
instigador, para a maior parte da doutrina equivale a uma aberratio ictus, isto
é, ele deve ser punido por tentativa do crime que determinou (neste caso
tentativa impossível do crime de C) e pelo crime realizado na forma
negligente. Se houver aberratio ictus por parte do instigado, a solução é a
mesma.

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A propósito da instigação há outra questão interessante: como é que se deve punir


nos casos em que o agente não tem contacto direto com o executor do facto e, no
entanto, surge como elo de uma cadeia conducente à determinação da prática de
um facto ilícito típico? Ex: A pede ao B para contratar C, e dar-lhe x para ele matar D.
Quid Juris? Artigo 26º quando diz “quem dolosamente determinar outra pessoa”.
Quem contactou com o executor foi B, e por isso, em princípio será instigador. A esta
figura chama-se de instigação em cadeia e há uma grande discussão na doutrina
sobre como é que se deve punir A. Há 2 posições:
1. A primeira diz que o nosso legislador diz “quem determinar outra pessoa” e não
diz se o determinar é direto ou indireto. Se se provar que o que determinou o C
a praticar o facto foi o dinheiro que o A forneceu, por intermédio de B, ele
determinou indiretamente, e por isso está abrangido pelo artigo 26º e pode ser
considerado instigador.
2. A outra parte da doutrina diz que a maneira de conseguir fundamentar que
este primeiro homem de trás deve ser punido como instigador é partir do
executor e perguntar o que é que foi determinante para ele atuar. Se o que foi
determinante para ele atuar foi o dinheiro que o A forneceu, o A é instigador.
Se o que foi determinante foi o conhecer para C atuar foi o conhecer D, então
aí já não se pode punir como instigador. Pode acontecer que as duas coisas
sejam determinantes, e aí são os dois instigadores.

• Cumplicidade: artigo 27º. Os elementos objetivos da cumplicidade são:


contributo direto do cúmplice para facilitar ou preparar a execução e esse
contributo pode ser material ou moral. Ex: A fornece a arma que B e C vão
utilizar num assalto. Há um contributo material. A sabe que B e C vão praticar
um assalto e reforça a ideia; considera que é uma ótima ideia. Há contributo
moral. O que caracteriza o cúmplice é ele contribuir de forma moral ou
material para a realização do facto. O que distingue o cúmplice material do
autor é que este não pratica atos de execução enquanto que o co-autor
pratica. A diferença entre o cúmplice moral e o instigador é que o cúmplice
moral apenas reforça a ideia, enquanto que o instigador é o que cria na
cabeça do instigado a decisão de praticar o facto. Tem de haver causalidade
em relação ao resultado tal como se produziu. Ex: A fornece a arma para o B e
o C utilizarem no assalto, mas B e C não levam a arma e levam um canivete.
Quid Juris? O contributo aqui não foi causal e por isso afasta-se a
cumplicidade. Por outro, na execução tem de se exigir execução ou começo
da execução por parte do autor material. Também tem de haver dolo do autor
material. O elemento subjetivo da cumplicidade é também o duplo dolo do
cúmplice. Isto significa que o cúmplice tem de ter dolo de contribuir, tem de ter
o dolo de ajudar, material ou moralmente e tem de ter dolo do ilícito típico
praticado.

Existe um princípio que é o princípio da acessoriedade limitada que diz que a


responsabilidade do participante é determinada em função da responsabilidade do
autor material. Isto quer dizer que os participantes, só serão punidos se o autor material
tiver praticado um facto típico e ilícito. É por isso que se deve começar por analisar o
autor material. Porque se o participante só é responsabilizado no caso em que o autor
material tiver praticado o facto típico e ilícito tem de se averiguar se ele praticou o
facto típico e ilícito e só depois é que podem determinar a responsabilidade do
participante. Diz-se princípio da acessoriedade limitada porque se repararmos ele só
pode ser punido se o autor material praticou o facto típico e ilícito. Isto significa que a
culpa é analisada individualmente. A culpa do autor material e a culpa do
participante já é analisada individualmente – artigo 29º do Código Penal.

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Hipótese:
Havia já algum tempo, que C não gostava de D. Porém, ficou a saber que este
começara a morar com a sua irmã, E, e ficou furioso. Contava C o seu drama a F, um
amigo quando este lhe disse: “conheço um tipo, o G, que já limpou o sebo a uns
quantos e anda com dificuldades económicas. Por algum dinheiro ele faz o que tu
quiseres”. C pediu então a F que em seu nome contratasse G e lhe oferecesse 500€
para dar uma “sova” a D. Este (G) aceitou prontamente a proposta. Mais tarde, nessa
noite esperou por D à porta de uma discoteca e vendo sair uma pessoa de aspeto
físico semelhante ao de D (mas que era H), agrediu-o violentamente. H foi
transportado ao hospital onde acabou por falecer por não ter sido possível realizar
imediatamente uma transfusão possível, uma vez que aquele hospital não dispunha
em stock sangue do tipo do seu (que era efetivamente um tipo de sangue muito raro).
Determine a responsabilidade jurídico-criminal dos intervenientes.
Resposta:
G: olhando para a conduta de G temos de ver se podemos imputar objetivamente a
morte de H ao G. Esse é o grande problema. Temos de ver a imputação objetiva. O
crime de homicídio é um crime de resultado. Temos de olhar para as teorias que
existem. De acordo com a conditio sine quad non há causalidade. Se eliminarmos
mentalmente a ação, o resultado não subsiste nas mesmas circunstâncias de tempo,
modo e lugar. Sendo assim a ação do G foi causal em relação à morte de H. Agora há
que aplicar a teoria da causalidade adequada. Colocando um homem médio na
posição do G, temos de ver se era previsível aquele resultado segundo aquele
processo causal. Ele poderia prever o resultado, mas não segundo aquele processo
causal. Ele poderia prever aquele resultado dependendo do local do hospital para
que ele fosse. Imagine-se que o hospital não tem sangue porque a pessoa que
costuma fazer o stock do sangue foi negligente. Isso já não é previsível. É previsível que
um hospital de província não tenha sague. Num hospital no meio da cidade, não é
previsível que o hospital não tivesse sangue. Há uma interrupção do processo causal.
A responsabilidade de G dependia de saber se havia ou não interrupção do processo
causal. Se não há imputação ele podia ser punido por tentativa, e em concurso com
ofensas à integridade física grave. Neste caso é um concurso aparente. Há ainda
outra questão sobre o erro. G confundiu G com o D. Este erro não tem relevância
porque os objetos são tipicamente idênticos. A consequência é que não se exclui o
dolo e não se aplica o artigo 16º/1.

F: quanto ao F, se a sua atuação, o facto de ele conhecer H foi determinante, e foi por
ser F a contactar o G que determinou ou que fez com que G aceitasse a tarefa, aí a
atuação de F foi determinante. A grande relevância era saber se podíamos punir
também o C como instigador. Aqui tínhamos de discutir se podíamos ou não punir C
como instigador. Se considerarmos, tendo em conta a hipótese, que era determinante
ter o dinheiro, partindo do executor, o que foi determinante para a sua atuação foi o
dinheiro. Apesar de não ser o tal contacto direto, podemos punir C como instigador. F
será cúmplice se a sua contribuição, se o seu papel não foi determinante para G
atuar.

Ilicitude
A ilicitude analisa-se pela técnica negativa da exclusão: temos de ver se há alguma
causa de exclusão da ilicitude, e caso haja exclui-se a ilicitude. Face a um facto
típico, depois de chegar mos à conclusão que aquele comportamento
juridicopenalmente relevante que preenche o tipo de crime, significa que está
indiciada a ilicitude desse facto, é preciso, para saber se o tipo de ilícito está
preenchido, averiguar se se verifica ou não alguma causa de exclusão da ilicitude.
Esta é a maneira de analisar a ilicitude em Direito Penal. Se se verificar alguma causa
de exclusão de ilicitude exclui-se a ilicitude, se não se verificar não se exclui a ilicitude

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e temos de continuar a análise. É claro que isto pressupõe que se saiba quais são as
causas de exclusão da ilicitude; é essencial saber que causas da exclusão da ilicitude
existem. Para isso temos de olhar para o artigo 31º do Código Penal.

A primeira grande questão é se as causas de exclusão de ilicitude do artigo 31º/2 é


uma enumeração taxativa ou exemplificativa. Esta enumeração é exemplificativa. Isto
significa que há mais causas de exclusão da ilicitude para além das que estão aí
referidas e que são as causas de exclusão da ilicitude que estão desenvolvidas no
código penal. No nº2 o legislador enumera as mais importantes e as mais comuns. O
nº1 do artigo 31º, significa que para avaliar a ilicitude não temos apenas em conta a
ordem jurídica penal. Também temos de ter em conta outros ramos do direito
nomeadamente o direito civil. No direito civil, há uma causa de exclusão da ilicitude
chamada ação direta. Essa causa de exclusão da ilicitude também se aplica ao
direito penal por causa deste nº1. A ilicitude é avaliada tendo em conta a ordem
jurídica avaliada no seu todo. Outra parte do nº2 que nos diz que esta enumeração é
exemplificativa é quando o legislador diz “nomeadamente”. Há causas de exclusão
da ilicitude que estão previstas na parte especial do Código Penal.

Por último temos umas figuras muito interessantes que são as causas de exclusão da
ilicitude supralegais. Como o nome indica, são causas de exclusão de ilicitude que
não estão previstas na lei, mas que temos de admitir que existem com base nos
princípios fundamentadores das causas de exclusão da ilicitude. E que grande parte
da doutrina admite com base nos princípios informadores das causas de justificação.
O que está na base da ilicitude é um princípio geral do direito que este nunca deve
proteger o ilícito. O princípio, a ideia geral que está por trás da figura da legitima
defesa é que o direito nunca deve ceder perante um ilícito. Para a professora
Fernanda Palma, a ideia geral por trás da figura da legitima defesa é a dignidade da
pessoa humana. Todas as causas de exclusão da ilicitude têm princípios por trás. No
direito de necessidade já não é preciso que haja uma agressão atual e ilícita. É preciso
que esteja em causa, em perigo um interesse juridicamente protegido. E como esse
interesse é sensivelmente superior ao interesse sacrificado vai prevalecer o interesse
superior. O princípio que está por trás é que no conflito de interesse deve prevalecer o
interesse superior.

As causas de exclusão da ilicitude supralegais são causas que a doutrina criou com
base nestes princípios. Com base nestes princípios, que estão por trás, das causas de
exclusão de ilicitude, que justificam a existência de causas de exclusão da ilicitude, há
que criar outras figuras que também possam excluir a ilicitude, desde que os tais
princípios informadores estejam lá. As causas de exclusão da ilicitude supralegais mais
conhecidas são:
• Legitima defesa preventiva: como o próprio nome indica, o que caracteriza a
legitima defesa preventiva é que não se exige que a agressão seja atual.
Exige-se que haja uma agressão e que se demonstre que a única forma de
afastar a agressão era se se atuasse naquele momento. Ex: imagine que um
homem está amarrado a uma cadeira na esquina de um prédio virado para a
janela, e vê um homem a atravessar a rua. A única coisa liberta que ele pode
mexer é uma mão na qual ele tem uma arma. E ele sabe que o modus
operandi daquela organização é entrar na casa onde ele está amarrado e
matá-lo. O único modo de defesa que ele tem é se disparar naquele
momento, porque se esperar que ele entre em casa não tem qualquer
possibilidade de defesa. Ele não atua em legitima defesa porque ele não está
perante uma agressão atual e ilícita. Neste caso de ele disparar, a única forma
de justificarmos a sua conduta é demonstrar que a única forma que ele tinha
de defesa era se ele atuasse naquele momento. Se ele disparar, e se

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demonstrar que era a única forma que ele tinha de sobreviver, ele atua em
legitima defesa preventiva. Porque o princípio que está por trás desta figura
continua a ser a defesa do direito face ao ilícito
• Estado de necessidade defensivo: o exemplo que se costuma dar é a fábula
do homem gordo. Estão 12 pessoas dentro de uma gruta e a gruta tem um
buraco. Dessas 12 pessoas, a primeira a sair do buraco é um homem gordo. E o
homem gordo fica entalado num buraco. A única hipótese que as pessoas têm
de se salvar é se explodirem com o homem gordo. Neste caso, ou morrem
todos, ou só morre o homem gordo. Não há uma agressão da parte do homem
gordo, mas também não há um direito de necessidade porque não se verifica
a alínea c) do artigo 34º. A única forma de resolver isto é dizer que face ao
princípio de que devemos salvaguardar interesses superiores face a outros,
vamos poder sacrificar o homem gordo.
Todas estas figuras demonstram que todas as causas de exclusão de ilicitude
que existem no nosso ordenamento jurídico não são apenas as que estão no
artigo 31º/2.

Ainda a propósito das causas de exclusão de ilicitude, há duas questões que são
prévias e que se levantam em relação a todas as causas de exclusão de ilicitude:
1. Para se afirmar a existência de uma causa de exclusão de ilicitude, basta que
estejam presentes os chamados elementos objetivos das causas de exclusão
de ilicitude? Não. É preciso o chamado elemento subjetivo.
2. A segunda questão que também se coloca em relação a todas as causas de
exclusão da ilicitude é a situação inversa. O que é que acontece quando a
pessoa representa a existência dos elementos objetivos de uma causa de
exclusão da ilicitude e na realidade eles não se verificam? Erro sobre os
pressupostos de facto de uma causa de exclusão da ilicitude. Aqui existe
elemento subjetivo, mas não se estão presentes os elementos objetivos. A
consequência é excluir o dolo, artigo 16º/2.

Uma das grandes questões a propósito das causas de exclusão de ilicitude é se para
além da existência de elementos objetivos descritos na norma é preciso também a
presença do elemento subjetivo para que se verifique a causa de exclusão da
ilicitude. Se para excluir a ilicitude precisamos, para além dos elementos objetivos,
também da presença do elemento subjetivo que se traduz no conhecimento por
parte do agente dos elementos objetivos das causas de exclusão da ilicitude. O nosso
código penal ajuda-nos a dar uma resposta. E é essa norma que se tem de aplicar
sempre que falta o elemento subjetivo. É o artigo 38º/4. Se não houver a presença do
elemento subjetivo, pune-se o agente por tentativa. A ilicitude é um juízo de desvalor
feito pelo legislador que tem como objeto o comportamento do agente. O legislador
considera que aquele comportamento é merecedor de um juízo de desvalor. A partir
de uma certa altura, da evolução dogmática do crime, começou-se a perceber que
esse juízo de desvalor do comportamento é composto por duas partes:
• Desvalor da ação: é fundamentalmente composto pelo conhecimento da
realização do facto típico. O agente sabe ou podia saber que está a lesar o
bem jurídico. Mas essencialmente, traduz-se no conhecimento de que está a
realizar determinado facto.
• Desvalor do resultado em sentido amplo; é no sentido de lesão do bem jurídico

Se a ilicitude é composta pelo desvalor da ação mais o desvalor do resultado para


excluirmos a ilicitude, temos de compensar, eliminar, quer o desvalor da ação, quer o
desvalor do resultado. Só assim se consegue excluir a ilicitude. Se o agente não
conhecer que está na presença dos elementos objetivos de uma causa de
justificação, isto é, no caso do consentimento se o agente não conhecer o

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consentimento do ofendido como por exemplo, B pediu a A para lhe dar uma
bofetada. E A era surdo e dá-lhe a bofetada. Ele não conhece o consentimento por
parte de B. Neste caso o desvalor da ação não está compensado porque ele não
sabe que não houve consentimento por parte do B. Se não há um elemento subjetivo,
não está compensado, atenuado, o desvalor do resultado porque o agente continua
a conhecer e a querer realizar o facto típico. Ex: imagine que ele ouviu B a pedir que
lhe desse uma bofetada. Nesse caso ele já sabe que há uma razão que justifica ele
dar-lhe uma bofetada. Já conhece algo que faz com que ele não represente que
esteja a realizar um facto típico e ilícito, porque há consentimento para o fazer. E por
isso já está compensado o desvalor da ação. E o desvalor de resultado? Ex: A dá uma
bofetada a B e B fica com a cara ferida. O desvalor da ação neste crime de resultado
é a lesão do bem jurídico da integridade física. Compensamos esse desvalor com a
existência objetiva de um consentimento por parte do ofendido. Não é já o
conhecimento do consentimento por parte do agente. É a existência do
consentimento. A existência real, objetiva de um consentimento por parte do
ofendido vai compensar, atenuar o desvalor do resultado. Por isso, só com a presença
dos elementos objetivos e do elemento subjetivo é que conseguimos eliminar os dois
desvalores.

O legislador diz que quando não há conhecimento a pessoa é punida por tentativa,
porque o que se pune com a figura da tentativa é o desvalor da ação. Ora, se não há
conhecimento não se compensou o desvalor da ação. Mas sim o resultado, porque
objetivamente houve um consentimento por parte do ofendido. O legislador diz que
se não há conhecimento do consentimento, não podemos dizer que o desvalor da
ação está atenuado porque o agente não sabia que havia o consentimento, e por
isso não se pode dizer que ele não tem conhecimento de que está a realizar um facto
típico. Logo, deve ser punido por tentativa. Porque a figura da tentativa pune o
desvalor da ação. A professora Conceição Vale d’Água diz que nem era preciso existir
o artigo 38º/4. Por razões de analogia com a figura da tentativa, sempre que não
houvesse a presença do elemento subjetivo, teríamos de punir o agente por tentativa.
No entanto, esta lógica de exigir elementos objetivos e subjetivos, nas causas de
exclusão da ilicitude só se aplica aos crimes dolosos. Isto porque para se excluir a
ilicitude nos crimes negligentes, basta estar presente os elementos objetivos. Isto
porque, primeiro não há tentativas negligentes. E segundo, uma razão lógica. Nos
crimes negligentes, o desvalor da ação é diminuto a comparar com os crimes dolosos.
No crime doloso, a pessoa representa e quer realizar um facto, enquanto que, no
crime negligente a pessoa representa, mas pensa que não se vai realizar ou nem
sequer representa. Por isso, considera-se que no crime negligente o desvalor da ação
é muito pequeno. Não temos de o compensar, não temos de o eliminar. Logo, nos
crimes negligentes para se excluir a ilicitude, só tem de se provar a existência dos
elementos objetivos de uma causa de exclusão da ilicitude. não se tem de provar a
existência do elemento subjetivo.

Ex: um homem vê uma caixa de cartão na estrada e passou por cima da caixa.
Estava lá dentro uma pessoa. O homem foi condenado por homicídio negligente.
Acrescenta-se agora a parte fictícia. Imagine-se que a caixa estava lá com uma
pessoa lá dentro de propósito para obrigar a parar o carro, e imediatamente dar um
tiro na pessoa que saísse do carro e roubar o caso. Falta o elemento subjetivo da
legitima defesa, mas como ele era punido por crime negligente, não é preciso o
elemento subjetivo e excluíamos a ilicitude. Já seria totalmente diferente se ele
soubesse que estava lá uma pessoa e que não o ia matar.

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Para se excluir a ilicitude nos crimes dolosos tem sempre de se provar a existência dos
elementos objetivos e elemento subjetivo. No caso do crime negligente basta provar a
presença dos elementos objetivos – artigo 38º/4.

Erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de justificação


Ocorre a situação oposta. Não estão presentes os elementos objetivos, mas o agente
representa a existência dos elementos objetivos. Está presente o elemento subjetivo,
mas objetivamente não estão presentes os elementos da causa de justificação.
Ex: legitima defesa putativa. A vê B, o seu maior inimigo, a meter a mão no bolso e
pensa que ele vai tirar uma arma e disparar sobre ele. A, antes de B tirar a mão do
bolso dispara sobre ele. Depois vem-se a provar que o tal inimigo só estava a pôr a
mão no bolso para tirar a carteira. Aqui ele representou a agressão atual e ilícita, mas
ela não existia. Aqui aplica-se o artigo 16º/2. Se realmente B estivesse a pôr a mão no
bolso para tirar uma arma haveria um estado de coisas que a existir excluiria a
ilicitude. Mas na realidade ele não estava a tirar arma nenhuma, mas ele pensou que
estava. Há aqui a presença do elemento subjetivo da legitima defesa, ele representa
uma agressão quando na realidade ela não existe. E por isso, o legislador diz que
nestes casos exclui-se o dolo e pune-se eventualmente a título de tentativa – artigo
16º/2 e 1. O nº3 diz ainda que pode haver eventualmente a punição a título de
negligência. Isto é, se se provar que ele tinha a possibilidade de representar que afinal
não havia nenhuma agressão atual e ilícita ele não é punido a título de negligência.
Mas exclui-se o dolo porque o tal desvalor da ação está atenuado, porque ele
representou uma ação atual e ilícita. O desvalor da ação está compensado, exclui-se
o dolo, e ele só poderá ser punido eventualmente por negligencia. A solução está no
artigo 16º/2 e 3. A solução legal que o nosso código adota é a teoria moderada ou
limitada da culpa.

Não se confunde este erro do artigo 16º/2 com o erro da dinamarquesa. No caso do
erro sobre a ilicitude, a dinamarquesa que vem a Portugal e pensa que é possível fazer
um aborto até à 13ª semana, como no país dela, ela está em erro sobre a ordem
jurídica. A natureza do erro dela é um erro de direito não factual. Enquanto que no
artigo 16º/2 é um erro factual. A pessoa representa uma realidade que na verdade
não ocorre. A pessoa representa um estado de coisas que na verdade não existe.
Enquanto que o erro do 17º é já um erro de direito. A pessoa tem uma ideia errada da
ordem jurídica. Ora, quando uma pessoa tem a ideia errada da ordem jurídica.
Quando uma pessoa tem a ideia errada da ordem jurídica, a consequência depende
se o erro é censurável ou não. Se não for censurável, exclui-se a culpa. Quando se dá
o erro do artigo 16º/2 por norma também tem de se referir o erro sobre a ilicitude. Uma
coisa é uma pessoa representar algo que na realidade não se verificou. Outra coisa é
a pessoa pensar que existe uma norma jurídica que não existe. Esse é um erro de
direito e não intelectual, no sentido de factual.

Legitima defesa
A legitima defesa está prevista no artigo 32º. Os pressupostos são:
• Agressão: tem de haver uma ação juridicopenalmente relevante. Se tivermos
um ataque de animal, só podemos atuar em estado de necessidade. Porque o
estado de necessidade tem como causa do perigo, ou um ataque animal,
uma ação humana não juridicopenalmente relevante, ou um acontecimento
natural
• Atual: a agressão tem de ser real e atual. Atual significa que tem de ser
iminente. Isto é, ou já está em execução ou é iminente a sua execução. Isto
significa que não há legitima defesa contra uma ação que já foi efetuada
• Ilícita
• Que ameace interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro.

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Quando alguém atua em legitima defesa de terceiro chama-se legitima defesa


alheia.

Quem fez a divisão entre pressupostos e requisitos foi o professor Cavaleiro de Ferreira.
Para este professor, os elementos da causa de justificação podem-se caracterizar por
serem ou pressupostos, no sentido de condições sem as quais a causa de exclusão da
ilicitude não se verifica. E por outro lado temos os requisitos que são os chamados
elementos intrínsecos que caracterizam o comportamento do agente e nesse sentido
fixam limites à causa de exclusão. Os pressupostos são as condições sem as não se
verifica a causa de exclusão da ilicitude. Já os requisitos são os elementos intrínsecos
que caracterizam o comportamento do agente e por isso fixam limites às causas de
exclusão da ilicitude. Mas como se está a referir isto é o Professor Cavaleiro Ferreira. O
nosso legislador não está preocupado com requisitos e pressupostos. O nosso
legislador divide em elementos objetivos e elemento subjetivo.

Para que se possa falar em legitima defesa tem de ocorrer uma agressão, atual, ilícita,
que ameace interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro. Como
requisitos temos que o meio de defesa tem de ser necessário e não pode haver a
chamada provocação pré-ordenada, por fim, o agente tem de conhecer a situação
justificadora – o chamado animus defendendi. A inexistência de uma provocação
pré-ordenada significa que se alguém atacar uma pessoa para ela o agredir, e para
depois esse alguém alegar legitima defesa, deixa de haver legitima defesa.
Provocação pré-ordenada é quando uma pessoa, de propósito, provoca outra
pessoa para face à agressão dessa pessoa, poder alegar a legitima defesa. O meio
necessário de defesa significa que se tem de demonstrar que não pode recorrer à
força pública. Se uma pessoa tiver tempo de recorrer à força pública. Se uma pessoa
tiver tempo de recorrer à força pública, o meio não é necessário. Segundo, tem de ser
um meio eficaz. E por último, tem de ser o menos gravoso entre os disponíveis. É claro
que a pergunta é: como é que sabemos que a pessoa utilizou o meio menos gravoso
entre os disponíveis? Utiliza-se a figura do homem médio. Coloca-se um homem médio
na posição do agente e pergunta-se se ele naquele momento, naquelas
circunstâncias podia perceber qual era o meio menos gravoso entre os disponíveis. Por
último é necessário o animus defendendi. É necessário que o agente conheça e
queira repelir a agressão.

Há uma outra questão sobre a legitima defesa que é a questão de saber se é preciso
haver proporcionalidade entre o bem jurídico lesado com a legitima defesa e o bem
jurídico protegido através da legitima defesa. Há uma parte da doutrina que diz que
tem de haver e outra parte da doutrina que diz que não. A professora concorda com
a doutrina que diz que não. Ex: ladrão das maças. Um rapaz vai todos os dias furtar
maças a casa do vizinho e este é paraplégico. O vizinho já chamou a polícia; já
arranjou um cão; falou com os pais; pediu à aldeia para estar atenta e mesmo assim o
rapaz continua a furtar as maçãs. Até que chegou a uma altura em que ele acha que
a única forma de impedir que o rapaz roube maçãs é se lhe der um tiro, e dá-lhe um
tiro. O meio é necessário porque é o único possível tendo em conta que o vizinho já
fez de tudo o que era possível. A partir do momento em que o meio é o único
disponível passa a ser necessário. Porém, não é proporcional. Há casos que não se
resolvem com o meio ser necessário; tem que ver com o proporcional.

Ex: agora imagine-se que o rapaz em vez de furtar maças, vai com um canivete e
tenta furar o olho ao vizinho. Se estivesse em causa um olho, era proporcional ele
disparar contra o rapaz. Será admissível tirar ao paraplégico a possibilidade de defesa
quando lhe estão a tentar tirar o olho? É insuportável para a dignidade da pessoa
humana ficar sem olho. O que está por trás da legitima defesa é a insuportabilidade
da lesão em termos da dignidade da pessoa humana. Há autores que vão buscar a

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proporcionalidade alegando que a legitima defesa deve ter domínios ético-sociais.


Apesar de nós através da legitima defesa pudermos lesar bens jurídicos superiores
àqueles que visamos defender ter de haver limites ético-sociais. O professor Figueiredo
Dias vai buscar a figura Direito Civil que é a figura do abuso de direito. Se não há tal
proporcionalidade entre a agressão e a defesa aplica-se a figura do abuso de direito.
A professor Fernanda Palma diz que não precisa que não precisa de ir buscar os limites
ético-sociais nem a figura do abuso de direito, mas sim o fundamento da legitima
defesa. O princípio que está por trás da figura da legitima defesa; o princípio que
justifica a existência da legitima defesa é a insuportabilidade da lesão do bem jurídico
da dignidade da pessoa humana. Se for insuportável para a dignidade da pessoa
humana sofrer aquela lesão pode-se atuar em legitima defesa; se não for insuportável
para a dignidade da pessoa humana, não se pode não se pode atuar em legitima
defesa. Os tribunais ainda vão buscar muitas vezes a figura dos domínios ético-sociais.

Direito de necessidade

Os pressupostos são:
• Existência de um perigo: a causa do perigo aqui, diferentemente da legitima
defesa, não é uma ação juridicopenalmente relevante. Esta pode ser um
comportamento humano que não seja uma ação juridicopenalmente
relevante; ataques de animais e acidentes naturais, causas naturais. Perigo é a
possibilidade ou probabilidade de dano.
• Esse perigo também tem de ser real: se não for real há erro e aplica-se o artigo
16º/2 e por consequência artigo 16º/1.
• Tem de ameaçar interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro.

Alem disso o facto praticado pelo agente tem de ser o meio adequado para afastar o
perigo. Isto significa que ele existe mais do que ser necessário; significa que para além
do meio ser necessário, ele tem de ser adequado; ele tem de ser socialmente
aceitável; tem de ser uma resposta adequada àquela situação. Ex: um homem de 30
anos roubou 2 pedaços de queijo e uma lata de salsichas num supermercado. Foi
condenado em primeira instância por crime de furto a 6 meses de prisão e 100€ de
multa. Mas o senhor teve possibilidade de recurso. O Supremo Tribunal de Justiça
decidiu que ele atuou ao abrigo do direito de necessidade. Claramente, furtar 2
pedaços de queijo e uma lata se salsichas foi para satisfazer a sua necessidade. Por
isso, exclui-se a ilicitude e ele não era punido.

Para a maior parte da doutrina também não pode ter sido a pessoa dolosamente a
criar a situação de perigo e quando estiverem em causa bens jurídicos dessa própria
pessoa. Se estiverem em causa bens jurídicos de terceiro, mesmo que ele esteja em
situação de perigo pode atuar ao abrigo o direito de necessidade. Ex: imagine que
uma pessoa provoca um incendio e para evitar que o incendio mate alguém, ela
arromba uma porta. Nesse caso ela abriga ao direito de necessidade, porque apesar
de ter sido ela a provocar a situação de perigo, como é para salvaguardar bens
jurídicos de terceiro, ela atua em direito de necessidade. Haver sensível superioridade,
significa manifesta, clara, superioridade do interesse a salvaguardar face ao interesse
lesado. É por isso que se discute a propósito desta alínea a fábula do homem gordo.
Também tem de ser razoável da imposição do sacrifício ao lesado. Por último, tem de
haver um elemento subjetivo. A pessoa tem de conhecer que está perante uma
situação de perigo e tem de ter interesse em salvaguardar o direito.

Conflito de deveres

Está previsto no artigo 36º. Os pressupostos são:


• Existência de um conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou de ordens
legitimas de natureza idêntica. Ex: dois pacientes chegam ao hospital e ambos

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precisam de uma máquina e só há uma máquina. Se o médico optar por um


deles e o outro morrer, não pode ser punido pelo crime de homicídio porque
atuou ao abrigo do conflito de deveres.
• Tem de cumprir um dever de valor igual ou superior àquele que se não cumpre
e um elemento subjetivo. Ex: imagine que está ligada à máquina uma pessoa
de 80 anos, e chega uma de 10 anos que também precisa da máquina.
O que está por detrás do princípio da igualdade entre vidas é conseguir salvaguardar
os mais fracos.

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