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INTRODUÇÃO AO

PENSAMENTO DE
IMRE LAKATOS E
THOMAS KUHN
Bortolo Valle
Paulo Eduardo de Oliveira

INTRODUÇÃO AO
PENSAMENTO DE
IMRE LAKATOS E
THOMAS KUHN

Coleção Pensamento
Contemporâneo, 7

Curitiba
2012
© 2012, Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira
2012, Editora Universitária Champagnat
Este livro, na totalidade ou em parte, não pode ser reproduzido por qualquer meio
sem autorização expressa por escrito do Editor.
EDITORA UNIVERSITÁRIA CHAMPAGNAT
EDITOR-CHEFE Prof. Vidal Martins
CONSELHO EDITORIAL
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Humberto Maciel França Madeira
Luiz Alexandre Solano Rossi
Maria Alexandra Viegas Cortez da Cunha
Rodrigo José Firmino
Rodrigo Sánchez Rios
Romilda Teodora Ens
DIREÇÃO Ana Maria de Barros
COORDENAÇÃO Viviane Gonçalves de Campos – CRB 9/1490
CAPA Silvana Carla Garcia Kuss, adaptação de João H. Dorneles Papi
IMPRESSÃO Gráfica da APC
PROJETO GRÁFICO Roberta Ferreira de Mello
DIAGRAMAÇÃO João H. Dorneles Papi
REVISÃO DE TEXTO Bruno Pinheiro Ribeiro dos Anjos
REVISÃO DE NORMAS Edena Maria Beiga Grein

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V181i
Valle, Bortolo
Introdução ao pensamento de Imre Lakatos e Thomas
Kuhn / Bortolo Valle, Paulo Eduardo de Oliveira. – Curitiba :
Champagnat, 2012.
147 p. ; 21 cm. (Coleção pensamento contemporâneo ; 7).

Inclui referências.
ISBN 978-85-7292-262-3

1. Ciência - Filosofia. 2. Ciência e civilização.


I. Oliveira, Paulo Eduardo de. II. Título. III. Série.

CDD 501
Sumário

Introdução 7

1 REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS: O PONTO DE


PARTIDA 11

2  IMRE LAKATOS E THOMAS KUHN:


A COMPREENSÃO DA CIÊNCIA A PARTIR
DA CRÍTICA DE KARL POPPER AO MODELO
INDUTIVO-POSITIVISTA 35

3  AS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS NO INTERIOR DA


TEORIA DA CIÊNCIA PROPOSTA POR THOMAS
KUHN 61

4  AS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS NO INTERIOR


DA TEORIA DA CIÊNCIA PROPOSTA POR IMRE
LAKATOS 85

5  A RACIONALIDADE CIENTÍFICA: IMRE LAKATOS


E THOMAS KUHN – A DIFÍCIL TAREFA PARA
SUPERAÇÃO DE OBSTÁCULOS 115

Referências 127
Introdução

Parece existir um consenso quando nos referimos à ati-


vidade científica: seu progresso no decurso dos últimos séculos
é inquestionável. As transformações produzidas pela ação sis-
tematizada do homem sobre a natureza constituem, no entan-
to, um desafio constante. De um lado, encontramos o homem
desejoso de conhecer para ampliar seus domínios e, de outro, a
natureza com seus segredos a instigar o processo criativo do ho-
mem. A ciência, como atividade que possibilita um tipo especial
de relação entre o homem e o mundo natural, encontra parte de
sua estruturação nos mecanismos da racionalidade humana, que
procura os dados da natureza, e parte na própria natureza, que,
transparente, deixa-se apreender. Não são poucos os problemas
e os questionamentos que emergem dessa complexa atividade
denominada ciência.
Caracterizar o progresso da ciência quando ela é en-
tendida como atividade que se desenvolve no interior de um
paradigma, conforme Kuhn, e como atividade identificada
como metodologia de programas de pesquisa, de acordo com
Lakatos, bem como marcar as diferenças originadas da convic-
ção comum aos dois autores, de que a ciência é um empreen-
dimento condicionado por sua história, são os objetivos que
constituem o fio condutor deste livro.
Quanto à apresentação deste trabalho, podemos descre-
vê-la em cinco momentos. O primeiro momento, Revoluções
científicas: o ponto de partida, apresenta um panorama geral
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

das discussões sobre a racionalidade científica. Busca situ-


ar o problema a partir das posições tomadas por pensadores
adeptos da metodologia indutivista, exaltada no pensamento
moderno dos séculos XVI e XVII, principalmente por Francis
Bacon e David Hume. A análise do indutivismo moderno é
fundamental para a compreensão dos posicionamentos assu-
midos por Kuhn e Lakatos.
O segundo momento, Imre Lakatos e Thomas Kuhn: a
compreensão da ciência a partir da crítica de Karl Popper ao modelo
indutivo-positivista, mostra as conclusões falseacionistas de Karl
Popper como ponto de aproximação e distanciamento tanto para
as ideias de Lakatos quanto para aquelas de Kuhn. Além disso,
faz um destaque dos aspectos gerais introdutórios à obra desses
autores, apontando, ao fim, as razões para um posicionamento
favorável ou contrário a suas conclusões.
O terceiro momento, As revoluções científicas no interior da
teoria da ciência proposta por Thomas Kuhn, elabora uma espécie
de acompanhamento das ideias de Kuhn, dando maior enfoque
ao caminho percorrido pela evolução do conceito de paradig-
ma, destacando, nesse espaço, o peso da comunidade dos cien-
tistas e de suas decisões na formulação de uma determinada
teoria científica.
O quarto momento, As revoluções científicas no interior da
teoria da ciência proposta por Imre Lakatos, apresenta igualmente
um acompanhamento das ideias de Lakatos. Procura destacar
que, no pensamento desse autor, diferentemente do de Kuhn,
determinada teoria científica não tem dependência direta das
decisões comunitárias, mas adquire seu estatuto a partir de cri-
térios lógicos, fato que se verifica no itinerário percorrido pelo
autor para afirmar que a ciência se constitui num programa de

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Introdução

pesquisa, com regras que determinam as atitudes que o cientista


deve ou não tomar.
O quinto momento, que também é a conclusão, intitula-se
A racionalidade científica: Imre Lakatos e Thomas Kuhn – a difícil tarefa
para a superação de obstáculos. Nessa parte, procuramos apresentar
um dos aspectos que parece central na divergência entre Kuhn e
Lakatos. Após reconhecermos que o elemento comum a ambos
é o recurso à história da ciência, indicamos que tipo de compre-
ensão cada um dos autores tem da história. A conclusão de que,
para Kuhn, a história está repleta das circunstâncias reais que
compõem a vida do cientista em grupo e de que, para Lakatos,
a história é alguma coisa do tipo ideal, livre dos condicionantes
sociopsicológicos, que não seria possível sem a consideração da
presença significativa de Karl Popper. Reconhecer, finalmente,
que a ciência e seu desenvolvimento foram profundamente mar-
cados pelo pensamento desses dois autores nos permite afirmar
que, como uma atividade viva, porque profundamente humana,
a ciência, longe de ser compreendida num sentido conclusivo, se
abre, extrapolando toda tentativa de dogmatismo. O exercício
da crítica, desenvolvida num duro exercício de enfrentamento,
encontrou em Lakatos e Kuhn argumentos que transformaram
definitivamente a maneira de se conceber o progresso da ciência.
Uma palavra, ainda, sobre a bibliografia, apresentada
em três blocos. Nos dois primeiros, procuramos reunir o con-
junto das obras elaboradas por Thomas Kuhn e Imre Lakatos.
Por ser um conjunto ainda não disponível em nosso meio, acre-
ditamos que sua presença extrapola as exigências acadêmicas
deste trabalho e se constitui em material para toda pesquisa
futura. O terceiro, por sua vez, indica as obras consultadas para
realização desta pesquisa.

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Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

Esperamos que a presente obra possa ser útil não apenas


aos que se dedicam ao estudo da filosofia, mas a todos os que
desejam compreender melhor a atividade científica e seus desdo-
bramentos na história e na existência humana.

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1  REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS:
O PONTO DE PARTIDA

O problema das revoluções científicas na


fronteira entre filosofia e ciência
Se entendemos por revoluções científicas os acontecimentos
de grande amplitude que renovam profundamente os conheci-
mentos e os questionamentos científicos, sua existência parece
certa. Se formulamos a questão “O processo pelo qual o modelo
heliocêntrico se impôs ao mundo científico foi revolucionário?”,
essa pergunta parece não ter muitas alternativas, e a resposta é
“Sim”. Revolucionária foi a vitória da teoria newtoniana da gra-
vidade, revolucionária foi a teoria eletromagnética da luz, revo-
lucionárias foram, no século XX, as transformações das físicas
relativista e quântica, bem como o nascimento da biologia mole-
cular. Se perguntarmos, no entanto, o que quer dizer exatamente
revolução científica e de que espécie são as transformações que o
termo designa, perceberemos que seu significado não é tão claro
como à primeira vista pode parecer.
Esse estado de desconforto possibilita uma reflexão situ-
ada no interior de um universo teórico que procura particulari-
dades essenciais no estudo do desenvolvimento da ciência e nas
condições da descoberta científica. Tal reflexão constitui uma
preocupação de caráter filosófico-científico que possibilitou, no
último século, o surgimento da epistemologia (ao tentar precisar
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

o significado de epistemologia, deparamo-nos, logo de início,


com uma série de dificuldades). Concluímos, no decorrer deste
trabalho, que não é possível empregar aquele termo de maneira
uniforme. Neste estudo, levamos em consideração as indicações
contidas em Lalande (1993) e também Carrilho (1991) que de-
finem a epistemologia como uma especialidade que aproxima
parte do discurso científico com parte do discurso filosófico,
numa tentativa de compreender a racionalidade da ciência, sua
constituição interna e seu progresso.
Marcado por diferentes direcionamentos, o conjunto te-
órico originado no contexto da epistemologia efetuou uma re-
visão em toda a estrutura conceitual existente sobre a ciência e
seu desenvolvimento, e redimensionou o tratamento dispensado
àquelas preocupações permanentes quanto à estrutura objetiva e
subjetiva do fazer científico.
Quando consideramos o processo de elaboração dos
conhecimentos científicos, constatamos que a filosofia, que
sempre se comportou como exercício independente de refle-
xão, já não ocupa o espaço mais importante no cenário de
sua produção; já não é ela quem apresenta sozinha as regras
do jogo. Paradoxalmente, as contribuições mais significativas
têm vindo do exercício científico próprio, principalmente da
física, da matemática e da biologia. São elas que, experimen-
tando um desenvolvimento exemplar, podem oferecer o mate-
rial para o debate.
A ciência, como um apêndice da filosofia, comportava-
-se, ontem, como um instrumento para decifrar e interpretar o
mundo. Hoje, emancipada, é criadora de modelos para trans-
formar a realidade. A problemática sobre o progresso do co-
nhecimento, situada no ponto de encontro entre o labor cien-
tífico e o labor filosófico, exige esforços para compreender a

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Revoluções científicas

racionalidade implícita nesta dinâmica. O diálogo possível se


situa no reconhecimento da distância que não exclui, mas re-
considera o ato contemplativo e o ato criativo do homem so-
bre a realidade. A denúncia elaborada por Stephen Hawkings
é, neste sentido, reveladora: até agora a maioria dos cientistas
tem estado demasiados preocupados com o desenvolvimento
de novas teorias que descrevem como é o universo. Por outro
lado, existem pessoas, cuja ocupação é justamente perguntar-
-se sobre o porquê: trata-se dos filósofos; quanto a estes, não
lhes foi possível avançar no mesmo compasso das teorias cien-
tíficas. No século XVIII, os pensadores consideravam todo o
conhecimento humano, incluída a ciência, como seu campo
e discutiam questões tais como: teve o universo um começo?
No entanto, nos séculos XIX e XX, a ciência se fez demasiado
técnica e matemática para eles e para os observadores comuns,
exceto para um pequeno número de especialistas. Os filósofos
reduziram tanto o âmbito de suas indagações que Wittgenstein,
o filósofo mais famoso do século XX, admitia que a única tare-
fa que cabe à filosofia é a análise da linguagem.
A incursão sobre as debilidades e os limites constatados é
que vai nos auxiliar na construção de um quadro referencial que
nos permita falar não só sobre a revolução científica, mas tam-
bém sobre a espécie de transformação por ela operada. Essa re-
ferência está situada num contexto que sugere ser o filosofar um
“debate sobre o debate” (LACOSTE, 1987, p. 13), superando a
velha noção que reivindica para ele um caráter sapiential. Se, por
um lado, podemos afirmar que havia, anteriormente, um princí-
pio que possibilitava (pelo papel desempenhado pela tradição)
uma unificação, senão da realidade, pelo menos do discurso que
a ela dava acesso, por outro, agora, parece impossível insistir em
tal situação. Pela superação dos modelos explicativos alinhados

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Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

na chamada tradição sapiential (aquela que vai de Aristóteles a


Kant), foi possível, a um novo exercício que se firma sobre a
perspectiva do debate, livrar a produção científica da camisa
de força em que a antiga ontologia explicativa a havia inserido.
Mário Bunge (1980, p. 12) se encarrega do alerta: “Uma filosofia
da ciência não merece o apoio da sociedade se não constituir um
enriquecimento da Filosofia e não for útil à ciência”. Assim, este
trabalho tem como ponto de partida a convicção de que o surgi-
mento da epistemologia provocou um corte na linha de evolução
que busca compreender a atividade científica. Parece ser possível
apontar uma ciência praticada antes dos acontecimentos cientí-
ficos que marcaram o século XIX e uma ciência que se firmou
como consequência de tais acontecimentos no decurso de nosso
último século.

A produção científica no
contexto da reflexão
O início do século XX foi marcado por uma das mais sig-
nificativas revoluções intelectuais de todos os tempos: a substi-
tuição da física clássica, mecanicista, por novas teorias (da rela-
tividade e da mecânica quântica) que alteraram radicalmente os
conceitos de espaço, tempo, energia, matéria e causalidade sub-
jacentes à visão de mundo que se formou a partir do século XVI.
São profundas as implicações filosóficas de semelhante
metamorfose no quadro intelectual; os intérpretes da física atu-
al ainda não tiraram todas as consequências de tão profundas
descobertas, em parte por estarem enredados nos pressupostos
do pensamento clássico ou em preconceitos de caráter empi-
rista, inadequados para rodear a complexidade de um mundo

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Revoluções científicas

microfísico: e da nova imagem da matéria. Prigogine e Stengers


(1991, p. 5) esclarecem, questionando:

como descrever com maior precisão essa metamorfose?


É preciso, em primeiro lugar, considerar a que ponto o
objeto das ciências da natureza se transformou. Não
estamos mais no tempo em que os fenômenos imutá-
veis prendiam a atenção. Não são mais as situações
estáveis e as permanências que nos interessam antes
de tudo, mas as evoluções, as crises e as instabilidades.
Já não queremos estudar apenas o que permanece, mas
também o que se transforma, as perturbações geológi-
cas e climáticas, a evolução das espécies, a gênese e
as mutações das normas que interferem nos comporta-
mentos sociais.

O sentido de tal transformação parece residir, conforme


aponta Alan Chalmers (1993, p. 19), no fato de que

os desenvolvimentos modernos na filosofia da ciência


têm apontado com precisão e enfatizado profundas difi-
culdades associadas à idéia de que a ciência repousa so-
bre um fundamento seguro, adquirido através da obser-
vação e experimento e com a idéia de que há algum tipo
de procedimento de inferência que nos possibilita derivar
teorias científicas de modo confiável de uma tal base.

Um complexo caminho foi percorrido desde as formu-


lações científicas de caráter empírico-indutivo elaboradas pelos
pensadores, no início da modernidade (séculos XVI-XVII), até
aquelas, citando somente alguns casos, que indicam ser a ci-
ência fruto de conjecturas e refutações (Popper), ou ser uma
consequência da ação de uma comunidade científica (Serres,

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Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

Kuhn) ou, ainda, ser uma atividade que faz dialogar ordem e
desordem no interior da complexidade (Morin), ou, também,
ser uma atividade sensível aos obstáculos psicológicos e socio-
lógicos (Bachelard e Canguilhem).
Essas novas maneiras de pensar a atividade científica tive-
ram sua gênese na transformação que se operou pela tentativa de se
estabelecer as características próprias daquilo que é científico. Tal
origem se ligou de maneira estreita à consideração da importância,
na emergência e no desenvolvimento do conhecimento científico,
de um tipo particular de inferência: a indução. A ligação é tão evi-
dente que Harré (1967, p. 289-296) propôs uma compreensão do
pensamento sobre a ciência a partir do século XIX até atualmente,
como se desenvolvendo em torno da seguinte oposição:

1) aqueles que concebem a atividade científica como uma


atividade na qual as hipóteses decorrem tanto no que
concerne à sua formulação quanto no que diz respeito
à sua justificação de procedimentos indutivos, que vão
do particular ao geral e que, além disso, identificam,
de um lado, a determinação das causas pelo estabele-
cimento da regularidade dos acontecimentos e, de ou-
tro, buscam reduzir as entidades teóricas e funções de
observação, e
2) aqueles que sustentam que a elaboração de teorias não
é explicada a partir da indução e que não podemos re-
duzir os conceitos teóricos à sua função lógica ou à sua
base observacional.

No primeiro grupo, encontramos, entre outros, autores


como Mill, Mach e Hempel, e no segundo, Whewell, Campbell,
Popper, Lakatos, Kuhn e Feyerabend.

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Revoluções científicas

O quadro da filosofia das ciências que essa oposição es-


tabeleceu, em seus traços gerais, é no mínimo interessante, so-
bretudo porque assinala a problemática de fundo que alimenta
suas teorias e controvérsias principais: aquela que consiste em
saber o que torna científica uma teoria e quais são as bases – e
as consequências – dos critérios de uma tal cientificidade. Essa
problemática teve seu momento principal na obra de John Stuart
Mill, com uma orientação na qual o positivismo desempenharia
um papel importante e que marcaria de modo decisivo as refle-
xões desenvolvidas no último século.
Neste estudo interessa-nos, sobretudo, o enfraquecimento
da dinâmica interna dessa problemática pelas inúmeras perspec-
tivas críticas dirigidas ao indutivismo, principalmente a partir da
alternativa falseacionista de Karl Popper e, mais particularmen-
te, pela ampliação do falseacionismo operado por Imre Lakatos,
bem como pelas possibilidades alternativas advindas da posição
de Thomas Kuhn. O confronto entre os três pensadores faz surgir
um quadro que apresenta algumas singularidades importantes.

A matriz empirista da ciência


e seu desenvolvimento
A atualidade das discussões sobre a ciência e seu desen-
volvimento não pode, por assim dizer, ocultar algumas refle-
xões filosóficas importantes que, no passado, foram realizadas.
É evidente certo anacronismo quando se pretende transpor
problemas, ideias ou palavras automaticamente do presente
para o passado e também ao contrário. Se considerarmos que
a ciência é um acontecimento que se firmou principalmen-
te nos dois últimos séculos, faz-se necessário combinar seu

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Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

discurso com uma leitura lúcida, atenta a seus princípios e


contextos formuladores.
Quando atentamos para tal preocupação, encontramos
pensadores que realizaram, sob um ponto ou outro, considera-
ções interessantes sobre o conhecimento científico. Entre tais
contribuições encontramos uma que se destaca pelo conjunto de
uma obra particularmente consagrada àquilo que é, que deveria
e poderia ser a ciência: trata-se de Francis Bacon.
As ideias de Bacon têm, com efeito, características e uma
significação particular. Na transição do século XVI para o sé-
culo XVII, Bacon fez da ciência a referência principal de sua
obra, sendo, por essa razão, considerado como o mais impor-
tante dos precursores do pensamento sobre a ciência e, também,
o grande responsável pela matriz empirista que, durante longo
tempo, dominou essa atividade. Promover o conhecimento cien-
tífico, identificando-o como aquele que, de um lado, resulta da
valorização da experiência e, de outro, do reconhecimento da
articulação do homem com a natureza é o objetivo principal de
seus empreendimentos. Para Bacon, a experiência e a técnica de
articulação constituem a base e o objetivo do conhecimento e,
nessa perspectiva, o conhecimento é científico, ou não é conhe-
cimento rigoroso.
Foi no contexto do Novum Organum (BACON, 1620/1960)
que Bacon melhor expôs suas ideias. É por meio dessa obra, pre-
tendida como uma monumental instauratio magna, que ele busca
caracterizar uma estratégia metodológica alternativa para a lógi-
ca aristotélica, até então largamente aceita. Tal lógica foi acusada
de esgotar-se em disputas verbais sem nenhuma utilidade. Dessa
forma, Bacon confere-lhe uma nova orientação, de modo que ela
se torna um instrumento de apoio efetivo ao conhecimento. É
dessa orientação que se origina a tese baconiana da convergência

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Revoluções científicas

entre conhecimento e poder: “o poder e o conhecimento huma-


no coincidem; quando não se conhece a causa não se pode pro-
duzir o efeito. Pois a natureza não se vence, senão quando se lhe
obedece. E o que na observação funciona como causa, na prática
funciona como regra” (BACON, 1620/1960, I, 3).
Assim, é vital que os instrumentos utilizados sejam ade-
quados aos objetivos que se pretende atingir, quer seja no plano
da experiência, quer no plano do pensamento; a harmonia entre
esses planos é o tema principal de Bacon. Tal harmonia suscita
uma de suas ideias mais originais: aquela que indica a oposição
entre duas maneiras de se compreender a natureza: o caminho
interpretativo e o caminho antecipativo. A antecipação é produzida
entre as coisas e os conhecimentos particulares e os princípios
absolutamente gerais. Os princípios gerais são a chave heurística
da compreensão das coisas e dos acontecimentos particulares a
partir de um processo de inspiração aristotélico que se contenta
com a indicação de axiomas intermediários, permitindo passar
dos princípios ao mundo das coisas e vice-versa. Ao contrário,
a interpretação, colocada sobre um movimento gradual, permi-
te atingir os princípios a partir das coisas e dos acontecimentos
particulares.
Compreendidos dessa maneira, os caminhos da antecipa-
ção e da interpretação se opõem como duas estratégias meto-
dológicas com objetivos e, sobretudo, resultados completamente
distintos. Bacon se interessa, então, em colocar em evidência a
eficácia da via interpretativa e em indicar a esterilidade e, por
que não, a inutilidade da via antecipativa.
Bacon não se contenta em apenas assinalar a diferença
entre os dois caminhos; busca explicitar, de um lado, as razões
das antecipações que bloqueiam ou tornam inúteis os esforços
de compreensão do homem e, de outro, as potencialidades da

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Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

via interpretativa. É a análise das antecipações que leva Bacon


a formular a teoria dos idola, segundo a qual existe no espírito
dos homens obstáculos que se colocam com vigor e tenacidade
extrema entre eles e o mundo, tornando difícil ou mesmo im-
possível um conhecimento fecundo e eficaz; esses obstáculos
têm origem e consequências diversas. Idola Tribus, Idola Fori,
Idola Specus e Idola Theatri funcionam, portanto, como origem
do caminho antecipativo e reforçam igualmente as razões de
sua rejeição.
A perspectiva interpretativa, por sua vez, afirma a necessi-
dade de que o conhecimento deve iniciar pela conjugação da ex-
periência com o espírito esclarecido que a ordena e orienta. Esse
entrecruzamento entre experiência e espírito é que, em Bacon,
caracteriza o procedimento que melhor expressa sua concepção
da atividade científica: a indução. Não se trata de uma indução
lógica como aquela defendida pelo aristotelismo, que se reduz a
um procedimento de simples enumeração de casos, mas de uma
indução que coloca em prática uma seleção orientada e cons-
tante de casos, como uma única via que permite a formulação
de enunciados gerais. Os fatos são recolhidos e descritos e seus
processos se realizam com o apoio de dados que podem ser de
presença (quando se pretende registrar as circunstâncias da ocor-
rência de um fato), de ausência (quando é a omissão de uma cir-
cunstância qualquer que se pretende registrar), e de comparação
(quando o importante é registrar a variação com a qual certo fato
se manifesta). Bacon acredita que, dessa maneira, a indução se
torna um procedimento claro.
Assim considerado, o procedimento indutivo permite, em
uma primeira fase, eliminar aquilo que se revelou insignificante
e, em seguida, a partir dos dados selecionados retidos, formular
uma ideia explicativa que deverá ser, imediatamente, submetida

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Revoluções científicas

ao controle da experiência. Isso deverá permitir que, no momen-


to em que seja preciso escolher entre duas hipóteses, não se deixe
de lado a má hipótese, sendo preciso estabelecer a melhor.
Apesar de ter combatido o aristotelismo, Bacon dele se
aproxima (talvez se possa falar de um aristotelismo reformado),
uma vez que é possível perceber a concepção de substância de
Aristóteles por detrás da sua teoria da forma, como se pode ler:

pois a forma de uma natureza dada é tal que, uma vez es-
tabelecida, infalivelmente se segue a natureza. Está pre-
sente sempre que essa natureza também o esteja, univer-
salmente a afirma e é constantemente inerente a ela [...]
a verdadeira forma é tal que deduz a natureza de algum
princípio de essência que é inerente a muitas naturezas e
é mais conhecido na ordem natural que a própria forma
(BACON, 1620/1960, II, 4).

Sensível às exigências do novo espírito científico que se


impõe cada vez mais no início do século XVII, Bacon foi, ain-
da, um pensador marcado pela tradição filosófica que resiste à
instauração deste espírito: donde os compromissos com o aris-
totelismo, donde também o desconhecimento do papel vital da
matemática para as ciências emergentes.
Em sentido amplo, a importância de Bacon se liga, so-
bretudo, ao fato de que ele procurou sistematizar os saberes
por meio da promoção de um método experimental. Bacon
contribuiu, dessa maneira, para compreender não somente a ci-
ência mas também a própria racionalidade, conforme indicam
Horkheimer e Adorno (1974, p. 22):

apesar de alheio à matemática, Bacon captou muito bem


o espírito da ciência que se seguiu a ele. O casamento

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Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

feliz entre o entendimento humano e a natureza das coi-


sas, que ele tem em vista, é patriarcal: o entendimento,
que venceu a superstição, deve ter voz de comando sobre
a natureza desenfeitiçada. Na escravização da criatura,
ou na capacidade de oposição voluntária aos senhores do
mundo, o saber que é poder não conhece limites.

O núcleo de concepções de Bacon sobre a ciência re-


pousa, portanto, sobre a reformulação da indução que, de um
processo “enumerativo” considerado na tradição aristotéli-
ca, torna-se uma atividade “ampliativa”, o que significa que
se conclui um enunciado geral a partir da observação de um
número determinado de ocorrências particulares. O extraordi-
nário desenvolvimento da ciência moderna indica o reconheci-
mento da indução como a chave de seu sucesso, dando origem
a uma das mais vigorosas concepções da filosofia das ciências:
o indutivismo, defensor da ideia de que a descoberta e a justifi-
cação das causas dos fenômenos – e, por consequência, o es-
tabelecimento respectivo das leis – se realizam pelo e somente
pelo emprego dos procedimentos indutivos.

Crítica e defesa da indução

Decorrido aproximadamente um século após a exposição


das ideias de Bacon, Hume inicia uma análise da indução, colo-
cando em questão as bases sobre as quais ela repousa e, sobretudo,
a justificação que lhe é, em geral, atribuída. Vemos surgir, desta
forma, um problema que, através de respostas e formulações di-
versas, mantém-se vivo até os nossos dias: trata-se, como afirma
Quine (1977, p. 85-86, tradução nossa), do “problema de Hume”.

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Revoluções científicas

Qual foi, portanto, a questão suscitada por Hume e suas


consequências? Em primeiro lugar, a indução (é importante sa-
lientar que Hume não utiliza essa expressão em suas reflexões)
foi por ele abordada não segundo a perspectiva de sua carac-
terização epistemológica ou de sua eficácia prática – aspectos
centrais do posicionamento baconiano e que se conservam nas
diferentes versões do positivismo –, mas na perspectiva de sua
justificação racional e lógica: a passagem de casos singulares ob-
servados para ocorrências similares no futuro – e, então, para a
formulação de enunciados gerais – é um fenômeno que procede
simplesmente de hábitos e crenças que não são suscetíveis de
qualquer fundamento lógico. A questão reside no fato de que é
comum confundir a conjunção dos acontecimentos com sua co-
nexão e de que comumente também se acredita que o estabeleci-
mento das causas e dos efeitos decorrem da necessidade interna
desse tipo de ligação entre os acontecimentos. Isso é esclarecido
por Hume na passagem do Enquiry:

quando se nos apresenta um objeto ou acontecimento


qualquer, por mais sagacidade e penetração que exer-
çamos, é impossível descobrir ou mesmo conjecturar,
sem a experiência, o acontecimento que dele resultará,
ou transportar o nosso poder de previsão para além do
objeto que se acha imediatamente presente à memória
e aos sentidos. Mesmo depois de um exemplo ou expe-
riência em que observamos que um acontecimento par-
ticular sucede a outro, não temos o direito de formular
uma regra geral ou predizer o que ocorrerá em casos se-
melhantes, e com justiça se considera uma imperdoável
temeridade ajuizar de todo o curso da natureza por um
único experimento, ainda que certo e exatíssimo. Mas
quando vemos que uma dada espécie de acontecimento
acompanha sempre e em todos os casos a uma outra, já

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Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

não temos escrúpulo de predizer uma ao aparecimento


da outra e de empregar o único tipo de raciocínio que
nos pode garantir qualquer questão de fato ou de existên-
cia. Chamamos, então, causa a um objeto e efeito ao outro
(HUME, 1969, p. 165).

Vemos, então, que o estabelecimento de causas e efeitos,


bem como de seus produtos, resulta da repetição de uma situ-
ação de conjunção. No entanto, o que é determinante é a ma-
neira segundo a qual o homem se habitua a reagir diante dessa
conjunção; parece que é aqui que se origina a ilusão sobre os
procedimentos indutivos, ilusão esta da qual Hume (HUME,
1969, p. 165) se afasta ao mostrar que

parece, pois, que essa idéia de uma conexão necessária


entre acontecimentos se origina de certo número de
exemplos semelhantes da conjunção constante desses
acontecimentos; e que essa idéia nunca pode ser sugerida
por um desses exemplos isolados, ainda que o examine-
mos sob todas as luzes e de todas as posições possíveis.
Mas um número qualquer de exemplos em nada difere de
um exemplo isolado que lhe supomos exatamente igual,
a não ser o fato de que, após uma repetição de exemplos
semelhantes, o intelecto é levado pelo hábito de prever, à
manifestação de um dos acontecimentos, o seu acompa-
nhante usual, e a acreditar que ele existirá. Essa conexão,
pois, que sentimos na mente, essa transição costumeira
da imaginação passando de um objeto para o seu acom-
panhante usual, é o sentimento ou impressão que nos
leva a formar a idéia de poder ou conexão necessária.

Podemos concluir que, no pensamento de Hume, a pas-


sagem das observações particulares de uma lei geral é ilegítima,

24
Revoluções científicas

uma vez que tal operação não possui nenhuma base lógica.
Como resolver tal questão? Poderíamos resolver o problema
encontrando um princípio de indução, como fez Stuart Mill? Tal
tarefa não foi senão um passo para trás, uma vez que a justifica-
ção de um tal princípio, enquanto princípio empírico, choca-se
exatamente com as mesmas objeções ao procedimento indutivo.
Na posição de Kant, o problema de Hume tentou ser re-
solvido ao abandonar a experiência e ao reunir esforços para
descobrir suas condições de possibilidade, surgindo, assim, um
princípio de indução a priori que o sujeito impõe ao mundo dos
fenômenos. Hume, entretanto, toma por inaceitável o recurso a
um princípio de indução, seja em sua forma empírica, seja em
sua versão transcendental. Segundo ele, o procedimento é psico-
lógico e não lógico; nossas constatações decorrem do hábito que,
a seu tempo, provém da observação regular de certas sucessões
de acontecimentos e de associação de ideias que se realiza a seu
propósito.
A análise da teoria de Hume nos faz perceber uma visão
da ciência que, embora se afaste dos cânones baconianos, visa a
manter a atividade científica sujeita às exigências da observação
e da experiência, conforme Passmore (1952). Hume teria rom-
pido com o indutivismo sem deixar, no entanto, o terreno do
empirismo observacionalista. Ao conceber a indução como uma
inferência que se origina da observação regular da conjunção de
dois acontecimentos, designados por causa e efeito, Hume não
coloca somente em questão a justificação lógica, mas ultrapassa
os limites da própria observação, dela derivando aquilo que não
está presente.
Existe ainda outro aspecto ainda mais decisivo. É que,
como vimos, Hume explica o conhecimento que o homem tem
da realidade, invocando um hábito, sublinhando que se trata de

25
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

uma última instância. A questão agora é saber como chegamos


a esse resultado: por indução? Certamente, não é isso que pode
ser explicado pelo simples fato de que o hábito não é observável,
razão pela qual chegamos somente por meio de outro procedi-
mento de natureza não indutiva, mas claramente hipotética.
O aspecto da importância e do estatuto da hipótese na
filosofia da ciência humana foi praticamente negligenciado à
sombra de sua crítica à indução. Parece existir uma solidarie-
dade temática interessante entre a crítica da indução e a prática
hipotética; é, em sua confluência que o papel do hábito, na ex-
plicação do conhecimento humano, recebe toda a sua dimensão
teórica ao ligar a rejeição do indutivismo a uma sutil, mas clara,
transgressão do observacionalismo. Para a filosofia da ciência, a
análise de Hume sobre o processo indutivo constituiu o aspecto
central de futuras reflexões. Futuras porque, em seu tempo, o
impacto das defesas do indutivismo, principalmente, aquela ela-
borada por J. Stuart Mill, não permitiu sua honesta consideração.
A defesa do indutivismo realizada por Mill segue a inspi-
ração baconiana. Em seu System of Logic (1843), ele apresenta os
procedimentos indutivos como métodos conforme as exigências
do empirista de descoberta de leis e de estabelecimentos da ver-
dade. Ao atacar o intuicionismo, sublinhando as teses de Hume,
Mill apresenta o conhecimento científico como o modelo de ra-
cionalidade que é preciso buscar em todos os domínios do saber
e da ação. Apesar do lugar concedido à dedução, é na indução
que Mill (1988, p. 165) vê especificidade metodológica do co-
nhecimento científico, uma vez que “toda inferência, consequen-
temente toda prova, e toda descoberta de verdades não-evidentes
em si mesmas, consiste em induções e na interpretação de in-
duções; que todo o nosso conhecimento não-intuitivo provém
exclusivamente dessa fonte”.

26
Revoluções científicas

Para Mill, a indução se apoia sobre um pressuposto cen-


tral, aquele da regularidade da natureza, pressuposto segundo o
qual aquilo que se produz uma vez se produzirá sempre em cir-
cunstâncias semelhantes. Ele busca, assim, colocar o princípio
da indução sobre a base mesma da atividade indutiva e de sua
justificação empírica: observando algumas regularidades, come-
çamos a prever sua ocorrência e, com isso, alarga-se a generaliza-
ção que suscita a ideia de uma uniformidade da natureza, ideia
que vai orientar a conduta, e de maneira particular, as esperan-
ças do homem. A indução se revela, assim, como o núcleo do
conhecimento, a inferência que conduz ao estabelecimento e à
verdade das causas dos fenômenos.
Mill não desconsidera que o método indutivo, pela
simplicidade de seus procedimentos, conduz muito frequen-
temente a formulação de proposições gerais que se revelam
inexatas e até mesmo falsas. Conhecedor desse risco, propõe a
combinação de quatro métodos que, quando respeitados, per-
mitem evitar aquele risco: o método de concordância, o mé-
todo da diferença, o método das variações concomitantes e o
método dos resíduos.
O estabelecimento desses cânones para a investigação cien-
tífica é a origem daquela que se tornou a mais importante e a mais
difundida concepção de ciência, o indutivismo, que, resumindo,
pode ser sintetizado em seus princípios básicos. De início, o prin-
cípio da indução é que estabelece a existência de uma maneira de
inferir as leis a partir da acumulação de fatos singulares. O prin-
cípio de acumulação considera o conhecimento científico como o
resultado de fatos bem estabelecidos, aos quais progressivamen-
te outros fatos são ajuntados, sem que se alterem os primeiros.
Finalmente, o princípio de confirmação, que articula a plausibi-
lidade das leis com o número de instâncias às quais o fenômeno

27
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

ao qual se refere a lei foi submetido. Trata-se, como afirma Harré


(1967, p. 42-43), de

uma teoria sedutora da ciência. Ela parece constituir


uma concepção sólida, precisa, apoiada empiricamente.
Os cientistas são vistos como perseverantes coletores de
fatos em laboratório. Se é possível inferir as leis dos fatos
acumulados é possível também deduzir os fatos a partir
das leis uma vez que o conteúdo das leis consiste somen-
te nos fatos.

A ciência na perspectiva positivista

A filosofia da ciência nos séculos XIX e XX se carac-


teriza, em sua essência, por uma discussão permanente dos
princípios que acabamos de descrever. Essa discussão mistura
posições que vão desde sua imediata rejeição até a tentativa de
reformulação, o que de certo modo prolonga a inspiração ba-
coniana. No entanto, as teses que se tornaram dominantes na
filosofia da ciência foram aquelas de J. S. Mill, e o modo como
elas foram adaptadas por pensadores e cientistas reconhecidos
não é certamente um fato insignificante. Queremos considerar,
neste momento, o impacto produzido na filosofia das ciências
nas primeiras décadas do século XX. A origem desse impacto
se encontra nas cidades de Berlim e Viena: em Berlim, fazemos
alusão aos trabalhos de Reichenbach na Sociedade de Filosofia
Empírica, e em Viena, em torno do Grupo Ernst Mach, anima-
do por M. Schlick.
O grupo de Viena, que mais tarde se tornaria o Círculo
de Viena, ganhará uma preponderância notadamente acen-
tuada pela publicação, em 1929, de um texto assinado pelo

28
Revoluções científicas

filósofo R. Carnap, pelo matemático H. Hahn e pelo sociólo-


go O. Neurath: “A concepção científica do mundo: o Círculo
de Viena”. Por meio deste texto – que será conhecido como o
“manifesto” do Círculo e ao qual se atribui o papel de fundador
do movimento denominado empirismo lógico –, seus autores
buscam, sobretudo, lançar as bases de um vasto movimento de
reformulação da compreensão e da análise do conhecimento
humano, dando ênfase ao conhecimento científico. Visavam a
dois grandes objetivos: lançar as bases da construção de uma ci-
ência unitária e imunizar a ciência contra toda a contaminação
metafísica. A concepção científica do mundo, diz o manifesto,

não se caracteriza tanto por teses próprias, porém, muito


mais, por sua atitude fundamental, seus pontos-de-vista
e sua orientação de pesquisa. Tem por objetivo a ciência
unificada. Seus esforços visam a ligar e a harmonizar en-
tre si os resultados obtidos pelos pesquisadores individu-
ais dos diferentes domínios científicos. A partir do esta-
belecimento deste objetivo, segue-se a ênfase ao trabalho
coletivo e, igualmente, o acento no que é intersubjetiva-
mente apreensível. Daí se origina a busca de um sistema
de fórmulas neutro, um simbolismo liberto das impure-
zas das linguagens históricas, bem como a busca de um
sistema total de conceitos (SOULEZ, 1985, p. 115).

O método adotado para se atingir tais objetivos é o método


da análise lógica de Russell. Tal metodologia deverá orientar na
condução da erradicação dos problemas tradicionais da metafísi-
ca. Ou bem mostrando tratar-se de um falso problema, ou bem o
transformando em um problema empírico, que pode ser resolvido
pelas ciências experimentais. Tal empreendimento se torna possí-
vel graças à grande mudança produzida pela presença do enfoque

29
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

linguístico veiculada por aquele método. Diante de um enunciado


qualquer, como, por exemplo: “o inconsciente é o fundamento
originário do mundo”, a primeira exigência não é a de decidir por
sua verdade ou falsidade, mas, antes, determinar o que ele signifi-
ca. É um critério de significação que se introduz com o objetivo de
distinguir entre dois tipos de enunciados: aqueles que possuem e
os que não possuem sentido. Enunciados providos de sentidos são
aqueles que podem ser verificados pela análise lógica, pelos dados
da experiência. Por sua vez, os enunciados que não possuem refe-
rência na experiência intersubjetiva, que não são verificáveis, que
se limitam a exprimir as emoções e os sentimentos (arte, música,
poesia), são enunciados destituídos de sentido.
O empirismo lógico conjuga duas tradições: a tradição em-
pirista, que afirma ser a experiência sensível a única base sólida
do conhecimento, e a tradição teórica de matriz lógica, na qual se
situam Frege, Russell, e também o Wittgenstein do Tractatus:

caracterizamos a concepção científica do mundo essen-


cialmente mediante duas determinações. Em primeiro
lugar, ela é empirista e positivista: há apenas conheci-
mento empírico, baseado no imediatamente dado. Com
isso se delimita o conteúdo da ciência legítima. Em se-
gundo lugar, a concepção científica do mundo se carac-
teriza pela aplicação de um método determinado, o da
análise lógica (SOULEZ, 1985, p. 118).

A Wittgenstein é em geral atribuída a paternidade do


princípio de verificação – “Para poder dizer: “p” é verdadeiro
(ou falso), devo ter determinado em que circunstâncias chamo
“p” de verdadeiro, e por isso determino o sentido da proposição”
(WITTGENSTEIN, 1961, 4.063, conforme também 5.604, 6.1
e 6.11) – princípio cuja importância foi determinante para os

30
Revoluções científicas

trabalhos do Círculo, apesar dos questionamentos nascidos so-


bre sua forma de aplicação, notadamente em torno de sua ver-
são mais estreita e canônica que estipula de modo preciso que
a significação de uma proposição é seu método de verificação.
É nesse contexto que, em 1928, com a obra A Construção Lógica
do Mundo, Carnap busca estabelecer um método que permita
decidir de modo claro em que situações podemos afirmar que
uma proposição é ou não dotada de sentido. É nesse empre-
endimento que Carnap formula aquilo que foi denominado
de sistema construccional, ou seja, um sistema no interior do
qual se pode considerar que os enunciados falam somente de
conceitos ou dos objetos, a fim de construir, a partir desses
conceitos e de seus enunciados básicos, o sistema da totalida-
de dos conceitos.
A análise que fazemos do conhecimento e, mais especifi-
camente, do conhecimento científico, tendo como base os tra-
balhos do neopositivismo, permite-nos concluir com Wolfgang
Stegmüller (1977, v. 1, p. 274) que

uma vez que não há ciência não empírica do real, as in-


vestigações filosóficas têm de se limitar à lógica, à episte-
mologia, à teoria da ciência e às questões de fundamentos.
A filosofia abandona a pretensão de tornar-se a rainha das
ciências e passa a ser uma serva dos conhecimentos científi-
cos particulares. O objeto de pesquisa filosófica não é mais
as ocorrências do mundo real ou ideal, mas enunciados e
conceitos científicos, tendo a função de uma investigação
teórico-científica, sobretudo para tornar claros os conceitos
fundamentais e os procedimentos das ciências particulares.

A ciência é racional e, seguindo a postura descritiva,


tem garantida sua neutralidade. A esse respeito é oportuno

31
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

considerar a defesa do movimento neopositivista elaborado por


Feigl (FIGUEIREDO, 1988, p. 10): “Nosso movimento não con-
tém nada de dogmático nem de ritualístico. Muito ao contrário,
constitui uma reação contra a servidão pelo dogma e pelas es-
peculações metafísicas e uma emancipação delas. Através dele
ressuscitamos o espírito do Iluminismo e dos enciclopedistas”.
Assim considerando, este programa produziu uma ima-
gem de ciência que se apoia em uma “capacidade de fazer refe-
rência constante e essencial ao sólido terreno dos dados observa-
dos” (MINAZI, 1989, p. 255). O programa também reivindicou
um procedimento metodológico para o afastamento de pseudo-
problemas e soluções enganosas com o objetivo de propor bases
sólidas (leis de caráter universal) no tratamento das ciências de
fundamento empírico. “Este conjunto de regras deveria ter sua
operatividade independente de quem as aplicasse, independente
da natureza dos objetos específicos de cada disciplina científi-
ca e independente do nível de amadurecimento de cada área”
(FIGUEIREDO, 1988, p. 12).
É dessa maneira que podemos, então, verificar que con-
dições devem ser satisfeitas para que seja entendido o desenvol-
vimento da ciência. Não resta dúvida de que o progresso pa-
rece ser cumulativo. Como isso se efetiva? Os fenômenos, em
número cada vez maior, são explicados por teorias a cada passo
mais abrangentes. Se uma teoria for confirmada amplamente por
meio do procedimento indutivo, continua válida, e seu núcleo de
validade é conservado quando tal teoria precisa ser substituída
por outra. É evidente que este procedimento circunscreve um
progresso sem rupturas, portanto contínuo e cumulativo. Uma
vez que uma teoria foi altamente confirmada de modo indutivo,
ela permanece válida no campo específico dos seus fenômenos;
desse modo, um núcleo válido é sempre conservado quando uma

32
Revoluções científicas

teoria é substituída por outra, o que também garante o progresso


da ciência de forma contínua (GHINS, 1987, p. 9-24).
A descrição feita apresenta-nos um quadro sobre a ciência,
sua compreensão e desenvolvimento, que foi tomando forma a
partir das convicções que ela orienta principal e essencialmente
para um objeto, estando relativizados ao extremo, considerados
à parte ou simplesmente não considerados outros aspectos que
tomam na parte da tarefa científica. Nos capítulos seguintes
procuraremos apontar as linhas básicas de uma reflexão sobre
a ciência que se formou a partir da crítica formulada à atividade
científica como acabamos de descrever.
O nascimento de outra linha de reflexão, centralizada na
recusa ou na revisão do método indutivo e da configuração po-
sitivista da ciência constituem o problema central desta nossa
reflexão. Encontrar referências sobre um aspecto desta nova fi-
losofia da ciência (BROWN, 1977, II parte) na análise da teoria
elaborada por dois dos seus representantes, com o objetivo de
esclarecer aspectos de sua rivalidade acadêmica, é o empreendi-
mento primeiro deste trabalho.

33
2  IMRE LAKATOS E THOMAS
KUHN: A COMPREENSÃO
DA CIÊNCIA A PARTIR DA
CRÍTICA DE KARL POPPER
AO MODELO INDUTIVO-
POSITIVISTA

Nesta segunda parte da presente pesquisa pretendemos fa-


zer uma reflexão que descreva o surgimento do problema central
deste trabalho por meio da análise de um conjunto teórico que se
opõe à visão de ciência considerada no capítulo anterior. Nosso
objetivo, agora, é marcar a tentativa de superação do direciona-
mento indutivo-positivista e encaminhar a reflexão para alguns
aspectos da contribuição de Imre Lakatos e Thomas Kuhn sobre
a ciência e seu desenvolvimento.

Karl Popper como origem das divergências


entre Imre Lakatos e Thomas Kuhn
O neopositivismo, ao adotar a verificação empírica como
critério para estabelecer a distinção entre os enunciados dota-
dos e aqueles destituídos de sentido, transformou a investigação
sobre a ciência no esforço que procura saber em que condições
e segundo que critérios aquilo que se afirma tem um caráter
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

científico. A “concepção científica do mundo” estabeleceu,


como ponto prioritário, o rompimento com a filosofia em seu
sentido mais amplo, uma vez que seus problemas tradicionais
estavam destinados ou bem a serem reformulados através de
sua transformação em problemas empíricos, ou abandonados
por se comportarem como pseudoproblemas. Sob essa perspec-
tiva, podemos aceitar a inexistência de problemas filosóficos;
a atividade filosófica tem, doravante, estatuto e objetivos bem
definidos, ou seja, tem a tarefa de clarear os problemas ou os
enunciados por meio dos quais as questões são formuladas.
O empirismo lógico adota o conhecimento científico
como modelo de todo o conhecimento. “O manifesto” o apre-
senta não somente em seu ângulo retrospectivo, mas também
em sua força prospectiva. Ele é adotado como único modelo de
tudo aquilo que pretendamos ter como conhecimento; pretende
ser, de alguma maneira, elemento a “esgotar” a questão. Parece
ter sido a teoria da relatividade, elaborada por A. Einstein, a
mais importante aliada dos positivistas, principalmente na abor-
dagem feita sobre o tema da causalidade, que perde sua carac-
terística antropomórfica e se reduz a uma relação de condição
ou de correspondência funcional. No entanto, parece ter sido
também esse acontecimento que fez suscitar vigorosas críticas à
perspectiva empirista tanto do conhecimento científico como do
conhecimento em geral.
A mais importante dessas críticas parece ter sua origem
na obra de Karl Popper, Logik der Forschung (utilizamos neste tra-
balho a tradução francesa: La logique de la découverte scientifique.
Paris, Payot, 1973), surgida em Viena no ano de 1934. Nessa obra,

36
Imre Lakatos e Thomas Kuhn

Popper tem um interesse demarcacionista, ou seja, o interesse em


encontrar um critério que permita distinguir a ciência da não ci-
ência, um critério que permita mostrar porque a física de Newton
e Einstein, por exemplo, são consideradas científicas, enquanto
as construções da psicanálise ou do marxismo não o são1.
Popper inicia, portanto, uma crítica ao positivismo na
sua forma lógica como considerada pelos teóricos do Círculo
de Viena. De um lado, Popper não aceita a assimilação entre
proposições não científicas e proposições destituídas de sentido;
as questões metafísicas guardam um sentido do qual as ciências
não podem se subtrair. De outro lado, Popper entende que a pos-
tura vienense sobre a definição das proposições científicas é mui-
to ampla, permitindo ter como científicos certos conteúdos que
ele tem por ilegítimos.
O critério que permitia diferenciar (demarcar) o científico
do não científico, numa tradição que vai de Bacon ao Círculo de
Viena, passando por S. Mill e E. Mach, foi associado ao método
indutivo e na generalização por ele estabelecida dos fatos em
lei. Esse processo, segundo K. Popper, apresenta várias dificul-
dades, em particular aquela indicada por Hume ao assinalar a
impossibilidade de se justificar racionalmente a passagem das
observações particulares aos enunciados universais. Popper não
deseja somente reformular o problema de Hume; ele pretende
também solucioná-lo.
Na análise humana da indução, Popper distingue dois di-
ferentes problemas; um lógico e outro psicológico. O problema
lógico se refere ao desafio de saber se é ou não possível, a partir
da repetição, passar dos casos surgidos da experiência aos casos

Para uma visão mais ampla do pensamento de Popper, veja-se nosso outro tra-
1

balho: VALLE, B.; OLIVEIRA, P. E. de. Introdução ao pensamento de Karl Popper.


Curitiba: Champagnat, 2010.

37
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

dos quais não temos a experiência; sabemos que a resposta no


contexto humeano é negativa, qualquer que seja o número de
repetições que se tome em consideração. O problema psicológi-
co, por sua vez, reflete a necessidade de saber por quais razões
os homens vivem a convicção segundo a qual os casos nos quais
a experiência não estava presente serão produzidos no futuro.
A resposta de Hume é dada através das repetições e dos hábitos
que têm a função de organizar nossas experiências e nossas ex-
pectativas. Popper retoma tais distinções e as reformula de modo
a colocar em termos de conhecimento objetivo aquilo que, em
Hume, estava formulado sobre a força da crença subjetiva: o pro-
blema lógico da indução se torna, agora, o problema da “valida-
de (verdade ou falsidade) das leis universais relativas aos enun-
ciados experimentais fornecidos” (POPPER, 1972, 1978, p. 18).
Popper parece concordar com Hume quanto à impossi-
bilidade de se estabelecer a universalidade de um enunciado a
partir de uma série finita qualquer de observações; mas se afasta
de Hume por não concordar com a explicação psicológica dos
processos indutivos. É sobre esse ponto que Popper se opõe à
tradição epistemológica dos últimos séculos. A solução do pro-
blema para ele se apoia no fato de que o conhecimento humano
não procede por indução. “O conceito de indução por repetição
surge de um erro – uma espécie de ilusão de ótica. Não existe in-
dução por repetição” (POPPER, 1972, p. 17). Os dados do pro-
blema são, dessa maneira, inteiramente reformulados: a ciência
não é indutiva – o princípio de indução, como tal, pode somente
ser justificado indutivamente, forçando, assim, uma regressão ao
infinito – a ciência não constrói suas hipóteses por indução e, da
mesma maneira, não as confirma por verificação.
A solução oferecida por K. Popper, de um lado, indica a
necessidade de se fazer uma substituição do processo indutivo

38
Imre Lakatos e Thomas Kuhn

pelas conjecturas, e de outro, substituir a exigência de verifica-


bilidade pela de falseabilidade. É a presença de conjecturas que
conduz à audaciosa formulação de hipóteses. A falseabilidade
inverte a ordem metodológica anterior, já que se trata, agora, de
verificar se a observação falseia ou não (e, em caso negativo, se
dirá que ela corrobora) a hipótese formulada.
A chave da solução de Popper se encontra na assimetria
entre verificabilidade/falseabilidade. Assim, ao afirmar, por
exemplo, que “todos os cisnes são brancos”, devemos admitir
implicitamente que a observação de um único cisne preto seja
suficiente para refutar o enunciado considerado e, por consequ-
ência, refutar seu caráter universal. Dito de outra maneira, as
generalizações empíricas não são e não devem ser verificadas,
mas falseadas. A preocupação quanto à verificação dos enun-
ciados è substituída pela possibilidade de sua refutação. Todo o
trabalho de Popper resiste aos imperativos do critério de indu-
ção. O método indutivo não pode ser admitido como forma de
alcançar as leis e nem tampouco servir para a justificação poste-
rior de um conhecimento empírico já adquirido; a indução não
passa de uma quimera tanto no contexto da descoberta quanto
no contexto de sua justificação (recordamos, aqui, a famosa e
bastante citada formulação elaborada por Hans Reichenbach
ao traçar uma divisão entre o contexto da descoberta e o con-
texto de sua justificação), conforme nota de Stegmüller (1977,
v. II, p. 358):

no que respeita à descoberta, as regras indutivas são dis-


pensáveis, porque qualquer invenção tem caráter especu-
lativo, [...] No que diz respeito ao contexto de justifica-
ção, Popper acredita que deva ser reinterpretado. “Não
há”, diz ele, “fundamentação ou justificação de hipóte-
ses ou de teorias científicas”.

39
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

As hipóteses e as teorias científicas não podem ser identi-


ficadas com especulações de caráter metafísico. Popper afirma a
distância entre ambas. O que difere uma teoria científica de uma
especulação metafísica é o fato de que as teorias científicas são
ou podem ser submetidas a um verdadeiro controle empírico. No
entanto, como nota ainda Stegmüller (1977, v. II, p. 358),

este exame, ou controle, ou teste empírico, não requer,


porém, qualquer tipo de regra indutiva; só exige regras
da lógica dedutiva, de modo que o procedimento corres-
pondente se denomina método dedutivo de teste: procu-
ramos refutar as hipóteses aceitas (e aceitas em caráter
provisório) e aceitamo-la (ainda em caráter provisório)
na medida em que sobrepujam essas tentativas de false-
amento. Esse procedimento não envolve qualquer apelo
à regra ou aos princípios relativos à inferência indutiva.
O procedimento, contudo, é estritamente racional, uma
vez que se assenta no emprego exclusivo de métodos de
lógica dedutiva.

Eis aqui a novidade introduzida por Popper como cami-


nho alternativo para a análise dos conteúdos que se pretende
por científicos.
Uma palavra ainda pode ser dita sobre a forma como
Popper entende o progresso da ciência ao considerar o empre-
endimento demarcacionista. Nesse contexto, a tese de Popper
ocupa posição central em todo o seu pensamento e pode ser
apresentada em uma fórmula condensada. A ciência progri-
de por conjecturas e refutações. O critério de cientificidade
que se impõe nesse contexto é o critério de falsificabilidade.
“Popper erige a falsificabilidade (refutalidade empírica) como
medida do teor empírico de teorias, pois, se uma teoria for, em

40
Imre Lakatos e Thomas Kuhn

princípio, incapaz de colidir com a realidade, como poderemos


dizer que ela faz asserções sobre o real” (CARVALHO, 1990,
p. 63). Ou, como afirma o próprio Popper, o desenvolvimento
do conhecimento “não é um processo repetitivo ou cumulati-
vo, mas um processo de eliminação de erros” (POPPER, 1972,
1978, p. 159).

Thomas Kuhn e Imre Lakatos como ruptura


e ampliação do pensamento popperiano
Apesar de todas as críticas dirigidas ao indutivismo e ao
positivismo, Popper desenvolve suas ideias no interior de um
quadro epistemológico que marca os limites da filosofia da ci-
ência desde seu aparecimento. Esse quadro pode ser caracteriza-
do pelo fato de concentrar toda sua atenção sobre um problema
maior, problema da tematização do qual derivam todas as outras
questões: é o problema da cientificidade, do estabelecimento de
critérios que permitam aproximações ou exclusões entre enun-
ciados, problemas, saberes. É por esse motivo que se pode per-
ceber, apesar das controvérsias, um fundamento essencial nos
grandes temas da filosofia das ciências no século XX até por vol-
ta dos anos 60.
Falar de uma “nova filosofia da ciência” é falar, de certa
forma, de um enfraquecimento e até mesmo do fim daquela pro-
blemática. É, sobretudo, colocar em evidência um novo desafio
que pode ser caracterizado pela interdependência dos elementos
que constituem uma tematização, com o objetivo de ao menos
mostrar de que maneira a formulação de um problema depende
de outros problemas adjacentes que, a seu tempo, afetam e alte-
ram o problema inicial: o núcleo de um problema se constitui não

41
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

independentemente, mas a partir de uma gama de problemas peri-


féricos que lhe conferem ou retiram significado2.
É com essa fundamentação que podemos empreender uma
análise do problema da ciência e de seu progresso articulado a
partir das ideias de Imre Lakatos e Thomas Kuhn. A problemática
a possibilitar tal análise é ampla, e para esse empreendimento con-
sideramos a seguinte questão. O constructo lakatosiano se opõe em
alguns aspectos ao empreendimento Kuhniano porque Lakatos
tem a necessidade de proceder a uma reconstrução racional do
quadro popperiano. Em outras palavras, a crítica elaborada por
Imre Lakatos sobre a ciência normal exigida por Thomas Kuhn só
é possível a partir de um aperfeiçoamento do falsificacionismo de-
fendido por Karl Popper. É sobre esse ponto que nossas reflexões
seguintes se estruturam.
Stegmüller (1977, v. II, p. 358), em uma passagem bastante
conhecida, apresenta uma caracterização do método da ciência
que ora utilizamos para iniciar nossa abordagem. A consideração
dos trabalhos de Hume permite caracterizar os métodos das ciên-
cias naturais como indutivos, porém, ao considerar o denominado
“problema de Hume”, deve-se admitir que os mesmos métodos
são não racionais. A análise das contribuições de Carnap, princi-
pal representante do empirismo lógico, permite situar os métodos
utilizados pelas ciências naturais como sendo indutivos e também
racionais. Por sua vez, uma observação sobre as contribuições de
Karl Popper nos fornece um quadro que revela serem os métodos
não indutivos e racionais. Já os trabalhos de T. Kuhn permitem
que se entenda os métodos utilizados pelas ciências naturais como
sendo não indutivos e também não racionais.

2
Uma discussão oportuna pode ser elaborada a esse respeito a partir das reflexões
elaboradas por M. Carrilho em sua obra Rhétoriques de la modernité. Paris: PUF,
1992.

42
Imre Lakatos e Thomas Kuhn

Para esta pesquisa interessa, sobretudo, as posições as-


sumidas, primeiro, por Karl Popper, servindo como material
básico para as reconstruções elaboradas por Imre Lakatos e,
em seguida, aquelas de Thomas Kuhn, motivo das críticas ela-
boradas por Imre Lakatos. O triângulo desenhado pela aproxi-
mação desses três autores se configura como original porque o
elemento que serve como pano de fundo para a proposta teórica
reside, como ainda faz notar Stegmüller (1977, v. II, p. 360), na
“grande atenção dos aspectos históricos da ciência” por eles dis-
pensada. Ao se deparar com K. Popper, Thomas Kuhn (1979,
p. 66) confessa existir entre ambos mais similaridades do que
propriamente contradições. Sobre suas posições, escreve:

interessa-nos muito mais o processo dinâmico por meio


do qual se adquire o conhecimento científico do que a
estrutura lógica dos produtos da pesquisa científica. Em
face desse interesse, ambos enfatizamos, como dados
legítimos, os fatos e o espírito da vida científica real, e
ambos nos voltamos com frequência para a história no
intuito de encontrá-los.

Embora Kuhn reconheça os méritos das considerações


popperianas, é preciso desconfiar da proximidade aludida por
ele. Para o autor da Estrutura das Revoluções Científicas, os po-
pperianos não se deram conta de que uma análise da história
do desenvolvimento científico permite concluir que os proces-
sos do fazer científico não obedecem às dinâmicas do falsea-
mento propostas por K. Popper. Na verdade, a consideração
da teoria kuhniana sobre a ciência, se tomada como verdadei-
ra, inviabiliza a teoria popperiana. Lakatos parece ter perce-
bido os limites do empreendimento de Karl Popper. Se a pro-
posta original do falseamento apresenta limites e se inviabiliza

43
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

a partir das críticas de Thomas Kuhn, é preciso reconstituí-lo,


mesmo que tal reconstrução tenha como único objetivo a so-
brevivência de Lakatos e de sua Metodologia dos Programas
de Investigação Científica.
O eixo da discussão está centralizado em Thomas Kuhn,
e o confronto, primeiramente estabelecido entre ele e Karl
Popper, é desviado, agora, para ele e Imre Lakatos. Os des-
dobramentos dessa confrontação começam a surgir quando se
acompanha o desenvolvimento das teorias sobre a ciência e seu
desenvolvimento a partir da concepção de paradigmas e daquela
de programas de pesquisa científica. Faremos, a seguir, apresenta-
ção breve dos elementos centrais de ambas as concepções, que
serão retomados com o objetivo de aprofundamento nos capí-
tulos terceiro e quarto.

Thomas Kuhn: situação do problema

A obra de Thomas Kuhn, The Structure of Scientific


Revolutions3, veio à luz em 1962. Com ela, um modo de com-
preender a ciência que revolucionou o discurso científico foi to-
mando forma e, pouco a pouco, uma imagem da ciência e de
seu desenvolvimento foi se configurando em oposição a uma
tradição que considerava a forma e o conteúdo da ciência como
aquisições em certo sentido irreversíveis.
Como compreender o projeto kuhniano no interior da Nova
Filosofia da Ciência? O constructo kuhniano se sustenta sobre uma
base composta por, pelo menos, seis ideias diretivas, a saber:

Utilizaremos em toda a extensão deste trabalho a tradução para o português ela-


3

borada por Beatriz e Nelson Boeira, publicada pela Editora Perspectivas em sua
coleção “Debates”, no ano de 1991. A ela nos referimos com a abreviatura ERC.

44
Imre Lakatos e Thomas Kuhn

1) A compreensão de que todo discurso científico apre-


senta umas estrutura de base – o paradigma – que tem
como objetivo fornecer ao cientista os modelos tanto
para a formulação quanto para a solução dos proble-
mas nas mais variadas etapas de uma busca científica
(KUHN, 1991, p. 29-42).
2) A ideia de que, durante a vigência de um paradigma, a
comunidade científica vivencia o período da denomi-
nada ciência normal, em que, reunidos em torno de um
paradigma, os cientistas se esforçam para que elemen-
tos dispersos encontrem seu lugar adequado no cená-
rio geral da pesquisa (período de resolução de quebra-
-cabeças) (KUHN, 1991, p. 42-55).
3) A presença de momentos em que, durante o desen-
volvimento da ciência, surgem anomalias que não se
adaptam ao paradigma vigente, e colocam em crise as
convicções tradicionais; esse momento é apresentado
por Kuhn como ciência extraordinária, por guardar em
germe a possibilidade de revolucionar as convicções
aceitas (KUHN, 1991, p. 77-92).
4) A existência das revoluções científicas, entendidas como
mudança de paradigma. Momento em que a comuni-
dade científica faz a passagem de uma teoria tida antes
como fundamental para uma nova teoria incompatível
com aquela primeira (KUHN, 1991, p. 125-144).
5) A convicção de que os cientistas acolhem um novo pa-
radigma por razões que vão além de critérios lógicos.
Os cientistas acreditam (espécie de fé no sentido religio-
so) que o novo paradigma consegue resolver os proble-
mas que o antigo paradigma não conseguia (KUHN,
1991, p. 145-181).

45
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

6) O posicionamento segundo o qual o progresso cientí-


fico não se dirige a um fim predeterminado, mas se
desenvolve segundo regras nascidas do posicionamen-
to dos cientistas sobre qual é a maneira mais idônea e
convincente para se praticar a ciência (KUHN, 1991,
p. 183-213).

A obra de Thomas Kuhn: aspectos gerais

O período que se seguiu logo após a publicação da ERC


parece ter feito reunir inúmeros autores que marcaram suas
contribuições pelas críticas dirigidas às posições kuhnianas.
Oportuno notar que ela encontrou lugar principalmente entre
os pensadores da mesma tradição histórica defendida por Kuhn.
O empreendimento mais significativo foi a realiza-
ção, em 1965, do Seminário Internacional sobre Filosofia da
Ciência, no Bedford College, em Londres. As atas desse semi-
nário se tornaram registros de um empreendimento que, de
certa maneira, se propôs a esclarecer, por meio de uma revisão
crítica, os pontos obscuros da teoria kuhniana sobre a ciência
e sua racionalidade.
Utilizando-se das ideias básicas contidas na ERC, o con-
junto dos participantes daquele Seminário, em sua quase una-
nimidade, fez por acusar a obra de Thomas Kuhn como porta-
-voz da irracionalidade e da subjetividade extrema. A maioria
das falas proferidas constituíram-se em espaços de ataque aos
posicionamentos kuhnianos (consideramos, para esta afirma-
ção, o conjunto teórico publicado com o título: A crítica e o
desenvolvimento do conhecimento, organizado por Imre Lakatos
e Alan Musgrave). Tomas Kuhn tem à sua frente o conjunto

46
Imre Lakatos e Thomas Kuhn

teórico elaborado por Karl Popper, cuja proposta e, talvez, a


contrapartida dos esforços kuhnianos. A dependência entre
tais teorias é bem visualizada no decorrer dos pronunciamen-
tos realizados no referido seminário.
Duas ocorrências marcaram a participação de Kuhn
nas discussões acontecidas por ocasião do Seminário. A con-
ferência intitulada “Lógica da Descoberta ou Psicologia da
Pesquisa” (LAKATOS; MUSGRAVE, 1979, p. 5-32) demons-
trou que o autor pretendia “justapor o seu ponto de vista sobre
o desenvolvimento científico, esboçado no livro The Structure
of Scientific Revolutions, aos pontos de vista mais conhecidos do
nosso presidente, Sir Karl Popper” (LAKATOS; MUSGRAVE,
1979, p. 5). Nessa sua primeira participação, Kuhn faz notar
que o empreendimento de Karl Popper, propondo que, “em
geral, uma teoria nova será aceita como digna da consideração
dos cientistas se ela for mais falsificável que sua rival, e espe-
cialmente se ela prevê um novo tipo de fenômeno não tocado
pela rival” (CHALMERS, 1993, p. 78), não é tão fundamen-
talmente contrário àquilo que é por ele formulado. A confe-
rência de Kuhn encerra certa ironia acadêmica com função
mais de distanciamento que de aproximação. É preciso olhar
atentamente para a crença kuhniana de sua proximidade com
o empreendimento popperiano.

Sir Karl e eu apelamos para os mesmos dados; vemos


uma extensão incomum, as mesmas linhas no mesmo pa-
pel. Indagamos sobre essas linhas e esses dados, damos,
não raro, respostas virtualmente idênticas ou, pelo me-
nos, respostas que inevitavelmente parecem idênticas na
limitação imposta pelo processo de pergunta e resposta
(KUHN, 1979, p. 7-8).

47
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

Por sua vez, na conferência intitulada “Reflexões sobre os


meus críticos”, Kuhn, conhecendo o teor das críticas que lhe fo-
ram dirigidas, pretende arquitetar uma espécie de defesa e, com
idêntica ironia, esclarece a cisão operada em sua trajetória por
forças exteriores à sua vontade. Kuhn parece querer indicar a
existência de um “suposto fantasma” criado por seus críticos.
Assim é encaminhada a sua defesa:

Kuhn 1 é o autor deste ensaio e do primeiro artigo deste


volume. Também publicou, em 1962, um livro chama-
do A Estrutura das Revoluções Cientificas, o mesmo que
ele e Mastermann discutiram em outra parte. Kuhn
2 é o autor de outro livro com o mesmo título. É ele
quem é aqui citado repetidamente por Sir Karl Popper
e pelos professores Feyerabend, Lakatos, Toulmin e
Watkins. O terem os dois livros o mesmo título não será
de todo acidental, pois os pontos de vista que apresen-
tam coincidem com frequência e, de qualquer maneira,
são expressos com as mesmas palavras. Chego, porém,
à conclusão de que suas preocupações centrais são em
geral muito diferentes. Segundo afirmam meus críticos
(não me foi possível, infelizmente, conseguir-lhe o ori-
ginal), Kuhn 2 parece, em algumas ocasiões, defender
pontos de vista que subvertem aspectos essenciais da
posição delineada pelo seu homônimo (KUHN, 1979,
p. 285-286).

Em 1969, por ocasião da tradução da ERC para a língua


japonesa, Thomas Kuhn prepara um Posfácio que termina por
ser incorporado ao conjunto de sua obra. Nele, Kuhn (1991,
p. 217-218) faz notar que: “[...] agora reconheço aspectos de
minha formulação inicial que criaram dificuldades e mal-en-
tendidos gratuitos. Já que sou o responsável por alguns desses

48
Imre Lakatos e Thomas Kuhn

mal-entendidos, sua eliminação me possibilita conquistar um


terreno que servirá de base para uma nova versão do livro”.
A leitura comparativa nos faz notar uma proximidade bas-
tante acentuada entre o “Posfácio de 1969” e a “Reflexão sobre
meus críticos de 1965”. É possível contar passagens idênticas
quanto a alguns assuntos abordados. A preocupação do Posfácio
é dirigida para o esforço de rever o conceito de paradigma e a
relação de dependência que aquele tem com a comunidade cien-
tífica que dele comunga.
A teoria kuhniana é ampliada em novas revisões numa
obra que reúne vários artigos e se intitula, originalmente, The
Essential Tension: Selected Studies in Scientific Tradition and Change,
publicada em 1977 (neste trabalho utilizamos a tradução para o
português realizada por Rui Pacheco para as Edições 70. Lisboa,
Portugal). No prefácio dessa coletânea de textos o autor indica
a natureza de seu empreendimento, acentuando o papel da his-
tória e o significado do papel desempenhado pelas comunidades
científicas na construção do conhecimento. Nas palavras do au-
tor, a obra adquire esta tonalidade.

As discussões tradicionais sobre o método científico pro-


curam um conjunto de regras que permitem a qualquer
indivíduo que as seguisse produzir conhecimento correto.
Em vez disso, tentei insistir que, embora a ciência seja
praticada por indivíduos, o conhecimento científico é
intrinsecamente um produto de grupo e que nem a sua
peculiar eficácia nem a maneira como se desenvolve se
compreenderão sem referência à natureza especial dos
grupos que a produzem. Neste sentido, o meu trabalho
foi profundamente sociológico, mas não de modo a per-
mitir que o tema seja separado da epistemologia (KUHN,
1989, p. 24).

49
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

A extensão da obra de Thomas Kuhn com o intuito de


discutir a ciência e sua racionalidade é, de ponta a ponta, a
certeza de uma novidade que caracteriza o trabalho científi-
co como um empreendimento marcado por divergências, e “as
divergências gigantescas estão no próprio cerne dos episódios
mais significativos do desenvolvimento científico” (KUHN,
1989, p. 276).

Imre Lakatos: situação do problema

John Worral e Elie Zahar, no prefácio organizado para


a obra de Imre Lakatos, intitulada originalmente Proofs and
Refutations: the Logic of Mathematical Discovery4, fazem a seguinte
consideração sobre o itinerário lakatosiano.

Sem dúvida, sua posição intelectual mudou consideravel-


mente nos treze anos decorridos desde seu doutoramento
até a sua morte. As principais modificações em sua filo-
sofia geral revelam-se nos seus trabalhos (1970). Lakatos
pensava que sua metodologia de programas de pesquisa
científica tinha importantes implicações quanto à sua
matemática (LAKATOS, 1978, p. 8).

Autor de uma obra que se formou a partir de um conjun-


to de textos singulares, Lakatos esteve preocupado com questões
nascidas em decorrência de seus estudos sobre a matemática. Os
textos produzidos têm como característica fundamental certa au-
tonomia; a leitura de cada um vai-nos revelando as preocupações

Utilizamos neste trabalho a tradução elaborada por Nathanael C. Caixeiro, inti-


4

tulada A lógica do descobrimento matemático: provas e refutações, publicada por Zahar


Editores.

50
Imre Lakatos e Thomas Kuhn

fundamentais desse autor que, com originalidade, dá nova direção


ao falsificacionismo elaborado originalmente por Karl Popper.
Neste trabalho, nossa preocupação se volta para aquele
conjunto de textos que indicam a preocupação de Lakatos com
a ciência, sua racionalidade e a compreensão de como acontece
o progresso dos conhecimentos científicos. Quanto a isso, a pre-
ocupação do autor da Metodologia dos Programas de Investigação
Científica pode ser assim resumida:

uno de los problemas centrales de los que la filosofia


de la ciencia se ha ocupado tradicionalmente es el de la
evalución (normativa) de aquellas teorias que se tienen
comummente por científicas? Podemos especificar con-
diciones universalmente aplicables que una teoría ha de
cumplir para ser una teoría cinetífica mejor que outra?
(El problema de la demarcación, que va ahora asociado
al nombre de Popper, y que es el problema de saber si po-
demos especificar las condiciones que ha de cumplir una
teoría para ser científica em absoluto, es una especie de
caso cero de este problema). El problema generalizado
de la demarcación es, me parece, el problema fundamen-
tal de la filosofia de la ciencia (LAKATOS, 1987, p. 147).

O contexto da obra de Imre Lakatos

Em 1965, Imre Lakatos ocupou o cargo de secretário ho-


norário do Seminário Internacional sobre Filosofia da Ciência
(evento a que já nos referimos), participando também com
uma intervenção que ficou concluída em 1969. A participação
de Lakatos foi denominada O Falseamento e a Metodologia dos
Programas de Pesquisa Científica. É nesse trabalho que encontra-
mos os fundamentos da posição de Lakatos sobre a ciência e seu

51
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

progresso. Em linhas gerais, podemos apresentar o constructo


lakatosiano que funda a MPIC, sustentado pelo reconhecimento
que o autor faz do aspecto programático das realizações cien-
tíficas. “O programa consiste em regras metodológicas; algu-
mas nos dizem quais são os caminhos de pesquisa que devem
ser evitados (heurística negativa), outras nos dizem quais são
os caminhos que devem ser palmilhados (heurística positiva)”
(LAKATOS, 1979, p. 162).
Lakatos reconhece a regra popperiana para o desenvolvi-
mento da ciência, ou seja, o fato de serem propostas conjecturas
que tenham mais conteúdo empírico que suas precedentes. Para
ele, as conjecturas que adquirem sentido são aquelas que levam
à formulação de um programa de investigação fecundo, ou pro-
vocam modificações substanciais de teorias prévias e, por conse-
quência, a explicações mais amplas e profundas.
Fazendo parte do programa de investigação científica, en-
contramos, segundo Lakatos, um núcleo sólido: “núcleo irredutí-
vel de um programa” (CHALMERS, 1993, p. 113), que assume
sua configuração pela força de um conjunto de pressupostos rela-
tivamente gerais a partir dos quais é possível articular diferentes
teorias científicas e regras metodológicas. Esse núcleo está prote-
gido por um cinturão protetor constituído por hipóteses auxiliares. “É
esse cinto de proteção de hipóteses auxiliares que tem de suportar
o impacto dos testes e ir se ajustando e reajustando, ou mesmo ser
completamente substituído, para defender o núcleo assim fortale-
cido” (LAKATOS, 1979, p. 163).
Para que o núcleo se mantenha intacto, sem modificações,
Lakatos evidencia o papel de heurística negativa, que “nos proíbe
dirigir o modus tollens para esse núcleo” (LAKATOS, 1979, p. 163).
Cabe ao grupo de cientistas decidir pela não refutação do núcleo
do programa, decisão essa de caráter notadamente metodológico.

52
Imre Lakatos e Thomas Kuhn

Considerando o papel de heurística negativa como


decisão metodológica que evita o falseamento do núcleo,
Lakatos indica o papel desempenhado pela heurística posi-
tiva, que “consiste num conjunto parcialmente articulado de
sugestões ou palpites sobre como mudar e desenvolver as va-
riantes refutáveis do programa de pesquisa, e sobre como mo-
dificar e sofisticar o cinto de proteção refutável” (LAKATOS,
1979, p. 165).
Entendida dessa maneira, a prática científica deveria,
segundo a teoria de Imre Lakatos, obedecer a dois critérios
distintos para que seus méritos fossem evidenciados. Esses cri-
térios são apontados, conforme Chalmers (1993, p. 117), da
seguinte maneira:

em primeiro lugar, um programa de pesquisa deve pos-


suir um grau de coerência que envolva o mapeamento de
um programa definido para a pesquisa futura. Segundo,
um programa de pesquisa deve levar à descoberta de fe-
nômenos novos, ao menos ocasionalmente. Um progra-
ma de pesquisa deve satisfazer às duas condições para se
qualificar como programa científico.

A ideia desenvolvida pelo autor da MPIC se constrói à


sombra dos escritos popperianos e como crítica aos estudos
kuhnianos. Lakatos parece, a um tempo, reunir esforços para
corrigir algumas proposições do falseacionismo de Popper e,
em outro, apontar a inconsistência de uma ciência entendida
como vigência de Paradigmas conforme proposta de Kuhn.
Para Lakatos, Popper e Kuhn estão bastante próximos enquan-
to motivadores de uma visão de ciência que passa a ser enten-
dida como prática que envolve uma metodologia de programas
de investigação científica.

53
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

As razões para as considerações que se


propõem a analisar o trabalho de Thomas
Kuhn e de Imre Lakatos quanto à ciência e
sua racionalidade

No acompanhamento de parte da produção teórica elabo-


rada sobre a teoria de Kuhn e Lakatos é que procuramos formu-
lar as razões de nosso empreendimento. Os diferentes direciona-
mentos assumidos pela crítica não deixam de indicar a novidade
dos estudos elaborados por esses dois autores.

Razão primeira: a favor de Thomas Kuhn

O empenho de Thomas Kuhn centrado no desenvolvimen-


to próprio da ciência faz por renovar a prática da ciência. Ao per-
corrermos sua teoria, deparamo-nos com a ciência viva (naquele
sentido de atividade que se renova constantemente, conforme
o que foi indicado por Gaston Bachelard (1995, p. 121): “Um
discurso sobre o método científico será sempre um discurso de
circunstância, não descreverá uma constituição definitiva do es-
pírito científico”. Seus praticantes não estão hipnotizados pelas
regras que regem a adequação mente-natureza; a ciência não é
um trabalho mágico; é, antes de tudo, o produto de um caminho
de descobertas e não um caminho de demonstração que, por si
mesma, deturpa a criatividade. Na opinião de Stegmüller (1977,
v. I, p. 355), Kuhn examinou “os fenômenos da ciência natural
com olhos quase extraterrenos, para ver o processo científico em
termos de ação tipicamente humana, que se manifesta na história
do nosso planeta”.

54
Imre Lakatos e Thomas Kuhn

A maneira de descrever esse relacionamento recíproco,


essencial, entre a ciência como produto e o homem como pro-
dutor torna as revoluções científicas um acontecimento até cer-
to ponto fundamental, uma vez que os materiais históricos daí
derivados nos auxiliariam na difícil tarefa de superar aquele,
conforme aponta Lakatos (1979, p. 110), “hiato existente entre
a especulação e o conhecimento estabelecido”.

Razão segunda: a favor de Imre Lakatos

A compreensão da ciência como um programa de pesquisa


não invalida o arcabouço de conquistas já visualizado em Kuhn.
O avanço significativo protagonizado pela MPIC resgata algo que
parece ter passado despercebido ao autor da ERC. Esse avanço é
compreendido pelo caráter programático adquirido pela prática
científica. “Um programa de pesquisa lakotasiano é uma estru-
tura que fornece orientação para a pesquisa futura de uma forma
tanto positiva quanto negativa” (CHALMERS, 1993, p. 113). Ou,
ainda, como o próprio Lakatos (LAKATOS, 1979, p. 217) faz per-
ceber, a “ciência madura consiste em programas de pesquisa em
que se antecipam não só fatos novos, mas também, num sentido
importante, novas teorias auxiliares; a ciência madura – à diferen-
ça do ensaio-e-erro corriqueiro – tem força heurística”.
A revolução científica, segundo o entendimento de
Lakatos, ultrapassa a simples crise apontada por Kuhn, assumin-
do um papel de ir mais adiante, uma vez que
o característico da ciência não é um conjunto especial de
proposições – já sendo estas verdadeiras por prova, al-
tamente prováveis, simples, falseáveis, dignas de crença
racional senão uma forma especial segundo a qual um

55
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

conjunto de proposições – ou um programa de investiga-


ção – é substituído por outro (LAKATOS, 1987, p. 289).

Razão terceira: contra Kuhn e contra Lakatos

Tanto Lakatos quanto Kuhn procuraram relativizar o en-


foque científico, afirmando que não se pode examinar a verdade
de uma teoria científica sem situá-la em seu contexto e relacio-
nando-a com os pesquisadores envolvidos. Essa valorização dos
aspectos sociológicos se choca com a própria necessidade de so-
brevivência da teoria científica, ou seja, a capacidade de explicar
os fenômenos empíricos de maneira adequada. Se as revoluções
científicas se distanciam do misterioso e do sociológico, pode-
riam se converter em fatos racionais independentes? Paradigmas
e programas de pesquisa, como foram formulados, não caracteriza-
riam sonâmbulos kuhnianos e lakatosianos?
Os capítulos que se seguem procurarão tornar mais com-
preensíveis cada uma dessas razões. No capítulo terceiro, nosso
objetivo é explorar a compreensão que Thomas Kuhn tem do
papel que as revoluções científicas desempenham no interior da
atividade conhecida como ciência. No capítulo quarto, iremos
descrever como se comportam as mesmas revoluções científicas
quando a ciência é entendida como programa de pesquisa, con-
forme a teoria de Imre Lakatos. O capítulo quinto irá retomar
a discussão numa tentativa de rever o debate Kuhn-Lakatos en-
quanto propostas que conferem identidade à atividade científica.

56
3  AS REVOLUÇÕES
CIENTÍFICAS NO INTERIOR
DA TEORIA DA CIÊNCIA
PROPOSTA POR THOMAS
KUHN

Thomas Kuhn: o protagonista de uma nova


historiografia – a mudança necessária
A obra de Thomas Kuhn, como um empreendimento que
renova a concepção da ciência e de seu desenvolvimento no qua-
dro da moderna epistemologia, assenta-se marcadamente sobre
as contribuições advindas da análise histórica da atividade cien-
tífica. Não é possível compreender o alcance de sua proposta
se nos distanciarmos de uma necessária consideração sobre a
história da ciência. É nosso objetivo destacar o alcance de tais
considerações.
Inicialmente, na Estrutura das Revoluções Científicas, Kuhn
se empenha em mostrar que muitas pesquisas em ciência ainda
hoje estão sustentadas por uma historiografia, se não arcaica,
pelo menos viciada e repleta de incongruências. Kuhn (1991,
p. 19) assim se refere a esta tradição: “se a ciência fosse vista
como um repositório para algo mais do que anedotas ou cro-
nologias, poderia produzir uma transformação na imagem de
ciência que atualmente nos domina”.
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

Esse posicionamento ainda dominante, principalmente nos


meios acadêmicos, limita-se a descrever o aparecimento de fatos,
teorias e métodos ilustrativos, e a consequência disso é que surge
uma imagem da ciência fundada no “conceito de desenvolvimen-
to por acumulação” (KUHN, 1991, p. 21). É este conceito que se
torna o principal alvo da crítica kuhniana. A história da ciência,
considerada como algo que representa o conjunto das “realiza-
ções científicas acabadas” (KUHN, 1991, p. 19), determina, por
assim dizer, uma visão que apresenta a ciência como um corpo
estático, possuindo uma forte tendência ao dogmatismo. Tal pos-
tura, veiculada nos manuais de ciência que pretendem possuir
“objetivo persuasivo e pedagógico” (KUHN, 1991, p. 19), faz crer
que a ciência está completa e nada mais resta descobrir e explicar.
Kuhn (1991, p. 20) salienta que os manuais “nos têm en-
ganado em aspectos fundamentais”. Qual seria a natureza desse
engano? De um lado, aqueles textos deformam a ciência porque
procuram apresentá-la como sendo uma expressão daquilo que
está registrado em suas páginas: “[...] esses textos frequentemen-
te parecem implicar que o conteúdo da ciência é exemplificado
de maneira ímpar pelas observações, leis e teorias descritas em
suas páginas” (KUHN, 1991, p. 20). De outro lado, a deforma-
ção da ciência pode ser observada pelo fato de que a questão
metodológica, apresentada nos textos dos manuais, restringe-se
àquelas técnicas neles expressas.

Com quase igual regularidade, os mesmo livros tem sido


interpretados como se afirmassem que os métodos cien-
tíficos são simplesmente aqueles ilustrados pelas técnicas
de manipulação empregadas na coleta de dados manuais
juntamente com as operações lógicas utilizadas ao rela-
cionar esses dados às generalizações teóricas desses ma-
nuais (KUHN, 1991, p. 20).

58
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Thomas Kuhn

Ora, se a ciência se restringe a isso, os cientistas nada


mais fazem que “contribuir com um ou outro elemento para
esta constelação específica” (KUHN, 1991, p. 20) e, por isso
mesmo, também ficaria restrito o papel do historiador da ci-
ência, que deve, a um tempo, “determinar quando e por quem
cada fato, teoria ou lei foi descoberta ou inventada” (KUHN,
1991, p. 20) e, em outro, “descrever e explicar os amontoados
de erros, mitos e superstições que inibiram a acumulação mais
rápida dos elementos constituintes do moderno texto científico”
(KUHN, 1991, p. 20).
A imediata consequência desse posicionamento instaura
o sentido que é adquirido pela noção de desenvolvimento, de
progresso dos conhecimentos científicos. Nessa dimensão his-
toriográfica, alvo das críticas do autor da ideia de Paradigmas
na ciência, o progresso se torna “o processo gradativo através do
qual esses itens foram adicionados, isoladamente ou em com-
binação, ao estoque sempre crescente que constitui o conheci-
mento e a técnica científicos” (KUHN, 1991, p. 20).
Kuhn se apressa em reconhecer a incapacidade que
esta tradição tem de auxiliar na compreensão do fazer ciência.
Esclarece que seu tempo é um tempo ocupado por muitos estu-
diosos que perceberam a impossibilidade de se compreender a
ciência a partir do exercício exclusivo de “clarificar e aprofun-
dar a compreensão dos métodos ou conceitos científicos con-
temporâneos mediante a exibição de sua evolução” (KUHN,
1989, p. 160). Kuhn assim se refere ao novo exercício para a
compreensão da ciência:

Embora a intrusão se pareça ainda mais como fumo


do que como luz, a filosofia da ciência é hoje o campo
onde o impacto da história da ciência é mais evidente.
Feyerabend, Hanson, Hesse e Kuhn insistiram todos,

59
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

recentemente, na inadequação da imagem ideal da ciên-


cia do filósofo tradicional, e na busca de uma alterna-
tiva, todos eles mergulharam intensamente na história
(KUHN, 1989, p. 161).

O mergulho na história em busca de uma alternativa


deixa transparecer, primeiro, a quase que impossibilidade
de se aceitar a ideia de desenvolvimento acumulativo sem a
presença de rupturas; depois, a fragilidade das diretrizes que
desejam estabelecer a linha divisória, a demarcação entre o
que pode e o que não pode ser considerado como científico.
O olhar atencioso para o momento e para a vida dos homens
de ciência indica que não existem dados sólidos capazes de
garantir a segurança de uma realidade pretendida como cientí-
fica. “A mesma pesquisa histórica, que mostra as dificuldades
para isolar invenções e descobertas individuais, dá margem a
profundas dúvidas a respeito do processo cumulativo que se
empregou para pensar como teriam se formado essas contri-
buições individuais à ciência” (KUHN, 1991, p. 21).
O caminho alternativo vai em busca de uma reconstrução
que pode ser chamada de interna, nas palavras de Kuhn; a tare-
fa consiste em “apresentar a integridade histórica daquela ciên-
cia, a partir de sua própria época” (KUHN, 1991, p. 22). Assim,
não se trata mais de uma análise externa, ou seja, agir buscando
uma comparação entre a produção de uma época determinada
sobre aquelas anteriores ou posteriores. Na historiografia kuh-
niana, os historiadores, “por exemplo, perguntam não pela re-
lação entre as concepções de Galileu e as da ciência moderna,
mas antes pela relação entre as concepções de Galileu e aquelas
partilhadas por seu grupo, isto é, seus professores, contemporâ-
neos e imediatos nas ciências” (KUHN, 1991, p. 22).

60
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Thomas Kuhn

Assim considerada, a ciência configura um empreendi-


mento novo, incompatível com a ideia de desenvolvimento por
acumulação de conhecimentos. A nova proposta não está livre
de problemas; Kuhn sabe disso e, por isso, indica na sua obra a
proximidade das suas com outras reflexões, para ele, necessaria-
mente vinculadas.

Dizemos muito frequentemente que a história é uma dis-


ciplina puramente descritiva. Contudo, as teses sugeridas
acima são frequentemente interpretativas e, algumas ve-
zes, normativas. Além disso, muitas de minhas generali-
zações dizem respeito à Sociologia ou à Psicologia Social
dos cientistas. Ainda assim, pelo menos algumas das mi-
nhas conclusões pertencem tradicionalmente à Lógica
ou à Epistemologia (KUHN, 1991, p. 22).

Nesse quadro geral emergem os singulares posicionamentos


de Thomas Kuhn sobre a racionalidade científica e as condições de
seu desenvolvimento. O que significa compreender o progresso da
ciência, a chamada revolução dos e nos conhecimentos científicos?
Analisamos a seguir o ponto de partida desse questionamento.

Compreendendo a ciência normal: vigência


dos paradigmas – resolução de quebra-cabeça
Para Hegenberg, o progresso entendido cumulativamente,
alvo da crítica desenvolvida por Thomas Kuhn, procede de duas
maneiras distintas:

em primeiro lugar, em extensão: procedimentos cada


vez mais sofisticados de observação e de mensuração
levam, como é natural, a novas descobertas, novos

61
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

fatos, novas situações. Em segundo lugar, em profundi-


dade: regularidades empíricas recebem vestes matemá-
ticas e ganham assim maior coesão e sistematicidade.
De outro lado, essa idéia de acumulação de conheci-
mentos deixa implícito que as velhas teorias não são
abandonadas, mas apenas aperfeiçoadas de modo que
elas continuem a ter certa credibilidade, embora bem
melhor delimitada e mais restrita (HEGEMBERG,
1976, v. II, p. 196).

Kuhn, no interior de uma nova filosofia da ciência, não


aceita tal ideia. Na análise interna da história da ciência vamos
encontrar o lugar ocupado pelas revoluções científicas. A mar-
ca da ciência é, portanto, a descontinuidade, que revela uma
revisão ampla de todas as teorias aceitas, o que não permite um
compromisso só com o aperfeiçoamento.
Existe, portanto, no decurso da atividade científica, dois
momentos distintos: aquele correspondente aos períodos de
normalidade (ciência normal) e aquele correspondente aos pe-
ríodos revolucionários (ciência revolucionária). Talvez pudés-
semos afirmar que a ciência não começa por revoluções, nem
tampouco o homem de ciência vai em busca delas, mas, cer-
tamente, ela posteriormente, deverá, em períodos bem carac-
terizados, tornar-se revolucionária. Por que a ciência não se
firma num contexto de revolução? A resposta vem associada à
ideia de ciência normal. Ao caracterizá-la na obra A Estrutura
das Revoluções Científicas, Kuhn assim se expressa: “ciência nor-
mal significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais
realizações científicas passadas. Essas realizações são reconhe-
cidas durante algum tempo por alguma comunidade científica
como proporcionando os fundamentos para a prática posterior”
(KUHN, 1991, p. 29).

62
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Thomas Kuhn

O desdobramento dessa significação nos conduz, para


melhor compreensão, às origens dos trabalhos de Thomas
Kuhn. Segundo ele, quando em 1958/1959 empreendeu esfor-
ços para preparar o texto sobre mudança revolucionária, teria
se deparado com a dificuldade para dar um tratamento ade-
quado àquele período situado entre revoluções. Thomas Kuhn
assim se expressa:

nessa época, concebia a ciência normal como resultado


de um consenso entre os membros de uma comunida-
de científica. No entanto, as dificuldades apareceram
quando tentei especificar esse consenso com a enumera-
ção dos elementos supostamente aceites pelos membros
de uma dada comunidade (KUHN, 1989, p. 22).

A dificuldade surgida, inicialmente, no que se referia ao


consenso foi, lenta e gradativamente, tomando contornos que
indicavam a possibilidade de tratar o termo “consenso” como
sendo distinto do termo “acordo”. O que estava em jogo, se-
gundo Kuhn, não era a necessidade de estabelecer concordân-
cia entre os cientistas sobre os termos específicos dos objetos
da investigação científica. Tratava-se, antes, de considerar as
“maneiras padronizadas de resolução de problemas seletos”
(KUHN, 1989, p. 22). Dessa forma, o consenso de referia ao
campo de atuação geral e não a esse ou àquele detalhe espe-
cífico da pesquisa. É esse o momento em que vemos surgir a
noção de paradigma, a princípio para expressar os exemplos
padronizados, orientadores da ciência normal.
Nascido “consenso”, o termo foi, segundo Kuhn, “infe-
lizmente” (KUHN, 1989, p. 23), durante o processo de elabo-
ração final do texto sobre as revoluções científicas, “ganhando
vida própria, deslocando largamente o anterior debate sobre

63
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

o consenso” (KUHN, 1989, p. 23). O retrato dessa evolução é


assim apresentado pelo autor:

tendo começado simplesmente como soluções de pro-


blemas exemplares, expandiram o seu império para in-
cluir, primeiro, os livros clássicos em que estes exemplos
aceites apareciam inicialmente e, por fim, o conjunto
global de incumbências partilhadas pelos membros de
uma comunidade científica particular. Esse uso mais
global do termo é o único que a maior parte dos leitores
do livro reconheceu, e o resultado inevitável foi a con-
fusão: muitas coisas ditas aí acerca de paradigmas só se
aplicam ao sentido original do termo. Embora os dois
sentidos me pareçam importantes é preciso distingui-
-los, e a palavra paradigma só é apropriada ao primeiro.
É claro que criei dificuldades desnecessárias para mui-
tos leitores (KUHN, 1989, p. 23).

O trabalho realizado por Margaret Masterman, A natu-


reza do paradigma, elaborado por ocasião da discussão havida
no Simpósio Internacional sobre Filosofia da Ciência, é escla-
recedor daquela confusão indicada por Kuhn. A professora
Masterman parece, com muita propriedade, conseguir um ma-
peamento da polissemia em torno do conceito de paradigma e
nota que as dificuldades parecem residir no fato de ser o livro
de Kuhn, “ao mesmo tempo, cientificamente claro e filosofica-
mente obscuro” (MASTERMAN, 1979, p. 73). Sua contagem
caracterizou 21 diferentes sentidos para aquilo que se abriga
sob o conceito de paradigma. No Posfácio de A Estrutura das
Revoluções Científicas, Thomas Kuhn reconhece este mapeamen-
to; indica no entanto, que muitos dos sentidos são fruto de “in-
congruências estilísticas” (KUHN, 1991, p. 226) que a análise
de seus escritos pode esclarecer.

64
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Thomas Kuhn

A evolução do conceito de paradigma

Ao analisarmos o pensamento de Thomas Kuhn, percebe-


mos que parece existir uma evolução no conceito de paradigma.
Tal evolução se refere aos elementos que estão abrigados sob este
conceito; o sentido original do conceito não é mantido no decurso
da obra kuhniana. No seu sentido de origem, paradigmas, con-
forme notamos, constituem soluções de problemas concretos que
uma profissão acabou por aceitar. Este conceito, no entanto, foi
utilizado pelo autor em outro sentido em escritos que surgiram pa-
ralelamente e posteriormente à Estrutura das Revoluções Científicas.
Kuhn parece não ter consciência de tal transformação, de vez que
somente nos escritos de 1969 é que o termo será conscientemente
modificado, dada a necessidade de elaborar respostas às críticas
provocadas pela ambiguidade do conceito. O que podemos con-
cluir é que essa mudança consciente que permanece até nossos
dias é muito mais uma correção e uma explicação das formulações
e alusões anteriores do que, propriamente, uma mudança substan-
cial em sua criação. Conforme sua afirmação: “quanto ao funda-
mental, meu ponto de vista permanece quase sem modificações”
(KUHN, 1991, p. 217), dez anos após a publicação da Estrutura,
Kuhn mostra que o conceito original é ainda o elemento central
de sua obra e o responsável pela crítica presente, sendo igualmente
o dado que constitui o essencial em sua filosofia da ciência.
Buscar dados que possam conduzir ao conceito de para-
digma nos escritos que envolvem a história da ciência, antes do
surgimento da Estrutura, pode decepcionar, uma vez que o que
se encontra é uma visão bastante tradicional do uso de teorias,
crenças, pontos de vista, etc. Kuhn parece partir justamente daí-
para formar sua noção de paradigma e também a ideia de trans-
formações conceituais empregadas na Estrutura. O exame do

65
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

conceito do conceito de paradigma nos textos que se seguiram à


Estrutura nos permite distinguir dois direcionamentos paralelos:
o primeiro apresenta o conceito dividido em duas novas perspec-
tivas, a denominada matriz disciplinar e a denominada exemplar; o
segundo, por sua vez, aponta para um enfraquecimento no con-
ceito de paradigma.

A transformação do paradigma
em matriz disciplinar

O responsável, segundo Kuhn, pela confusão sobre o


conceito de paradigma foi o desenvolvimento que teve lugar
nos escritos concluídos entre 1959 e o aparecimento do refe-
rido conceito na Estrutura. A origem de tal desenvolvimento
pode ser encontrada na concepção do paradigma como aquilo
que está contido nos livros sobre ciência: o uso largamente
aceito de solução de problemas exemplares. Em seguida, para-
digma é utilizado para referir não somente a solução daqueles
problemas, mas também para tratar os clássicos científicos que
servem de modelo para a prática científica, ou seja, o paradig-
ma é aplicado na teoria contida nesses clássicos. Finalmente,
paradigma será tomado como algo que envolve tudo: a teoria
aceita de maneira geral, incluindo a solução de problemas e
exemplares, a condução da pesquisa com implicações sobre
tudo o que existe na realidade, as questões que devem ser for-
muladas, os métodos que podem ser utilizados na condução
dessas questões e as respostas que podemos esperar diante das
questões formuladas.
Paradigma, nesse contexto, refere-se, como admite Kuhn,
a qualquer coisa que esteja sujeita ao consenso profissional

66
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Thomas Kuhn

numa comunidade científica específica. Igualmente na Estrutura,


paradigma é utilizado em sentido estrito e em sentido amplo,
sendo que em ambos tem funções variadas. Essa amplitude pode
ser visualizada no trabalho, frequentemente citado, de Margaret
Masterman, indicando, como já fizemos notar, 21 diferentes sen-
tidos para o conceito de paradigma.
Nos trabalhos produzidos por Kuhn a partir de 1969, a uti-
lização do termo “paradigma” está associada ao sentido que lhe
confere a noção de exemplar, ou seja, no sentido estrito, embora
ocasionalmente possamos encontrar passagens que a ele se refe-
rem no sentido amplo, como matriz disciplinar. Curiosamente,
esse último sentido é pouco ou nenhuma vez empregado em
suas obras mais recentes, conforme nota Hoyningen-Huene
(1993, p. 140-162).
A análise nos permite ainda descrever outra dimensão
no desenvolvimento do conceito de paradigma: trata-se de uma
revisão realizada na ideia de que o paradigma expressa uma
propriedade de aceitação universal. Na Estrutura e também
em outros escritos5, a noção de paradigma está estreitamen-
te associada àquela de ciência normal que procura descrever
um consenso entre os especialistas que participam da prática
científica. O consenso tem um papel nas explicações que a in-
vestigação nos períodos de normalidade produz; ele funciona
como uma estrutura de base consensual em que os cientistas
se apoiam, conforme o conceito original de paradigma. Existe,
segundo Kuhn, um limite nessa abordagem e, com a finalidade
de evitar maiores transtornos, ele acaba por abandonar a ideia
de que o paradigma deve expressar uma aceitação universal.
O limite presente pode ser assim descrito: Kuhn faz notar que

Esses escritos são: The essential tension: tradition and innovation in scientific research,
5

publicado em 1959, e The function of dogma in scientific research, publicado em 1963.

67
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

os elementos consensuais entre comunidades não podem ser


denominados paradigmas, uma vez que neles não se encontra
presente o que pretendemos como aceitação universal para ela-
borar um paradigma, pois a emergência de uma escola com ele-
mentos não competitivos também precisava ser descrita como
aquisição ou emergência de um paradigma.
O paradigma, sob o ponto de vista a ciência normal, as-
semelha-se a uma entidade quase mística com uma propriedade
carismática, vale dizer, com o poder de transformar aqueles que
são por ela tocados. A esse respeito podemos recordar a acusa-
ção de Lakatos sobre a mudança científica pretendida por Kuhn,
que diz ser ela “uma conversão mística, que não é nem pode ser
governada pela razão” (LAKATOS, 1979, p. 112). É evidente,
portanto, um enfraquecimento no conceito de paradigma que
será considerado por Kuhn nos textos que se seguem à Estrutura:
Kuhn não se detém em seu conceito inicial de paradigma. Essa
transformação pode ser encontrada no momento em que pro-
curamos ter a compreensão entre o período que antecede o sur-
gimento de um paradigma, aquele de sua emergência e aquele
que a ele se segue:

minha distinção entre os períodos pré e pós-paradigmáti-


co no desenvolvimento da ciência é demasiado esquemá-
tica. Cada uma das escolas, cuja competição caracteriza
o primeiro desses períodos, é guiada por algo muito se-
melhante a um paradigma [...]. A simples posse de um
paradigma não é um critério suficiente para a transição
(KUHN, 1991, p. 14-15).

O enfraquecimento do paradigma é marcado pela dificul-


dade de associá-lo com a fase de uma situação de pré-consenso
para a fase de consenso.

68
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Thomas Kuhn

Buscando compreender a matriz disciplinar

Conforme já fizemos notar, foi a expansão incontrolada


e os resultados ambíguos que geraram a distinção da “matriz
disciplinar” e “exemplares” nos escritos produzidos em 1969.
Matriz disciplinar é utilizada para substituir o paradigma em
sentido amplo, englobando a totalidade dos objetos do consen-
so científico. No entanto, paradigma, em sentido amplo, não
é inteiramente congruente com matriz disciplinar, pois, como
nota Kuhn, há nesses momentos consensos que nunca foram le-
vados em consideração na expansão incontrolada do conceito
de paradigma. A função conferida à matriz disciplinar em uma
determinada comunidade científica é responsável pelo relativo
preenchimento da sua comunicação profissional e da relativa
unanimidade em seus julgamentos profissionais.
A escolha de Kuhn do termo “matriz” quer sugerir que
a matriz disciplinar é constituída por diferentes elementos que
a constituem e a compõem. São quatro os componentes lista-
dos por Kuhn a tomar parte na elaboração de uma matriz dis-
ciplinar: generalizações simbólicas, modelos, valores e solução
exemplar de problemas. Faremos, agora, uma apresentação do
conteúdo de cada um desses componentes e, mais à frente, uma
abordagem questionando o que determina as relações desses
quatro componentes quando comparados uns com os outros.

Generalizações simbólicas

Por “generalizações simbólicas” Kuhn entende o concei-


to formalizado ou facilmente formalizável de proposições uni-
versais requeridas por uma comunidade científica, como leis

69
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

naturais ou como equações fundamentais de teorias. “Falo dos


componentes formais ou facilmente formalizáveis da matriz
disciplinar. Algumas vezes são encontradas ainda sob a forma
simbólica: F = M.A ou I = V/R. Outras vezes são expressas em
palavras: “os elementos combinam-se numa proporção constan-
te aos seus pesos” ou “a uma ação corresponde uma reação igual
e contrária!” (KUHN, 1991, p. 227). Fazendo parte da matriz
disciplinar, as proposições universais devem encontrar um uso
na prática científica por meio de uma leitura puramente formal,
separadas dos significados de todos os constituintes não lógicos,
símbolos não matemáticos. As generalizações simbólicas seriam,
portanto, artefatos construídos pelo filósofo da ciência. No que
se refere à sua função, as generalizações simbólicas não funcio-
nam apenas como leis empíricas, mas devem determinar igual-
mente conceitos ligados ao seu caráter de leis.
Quando Kuhn estabelece as leis e as equações fundamen-
tais como componentes da matriz disciplinar, ele abstrai os sig-
nificados dos seus conceitos empíricos. A razão para tal reside
no fato de que o consenso da comunidade científica sobre leis
e equações fundamentais contêm dois momentos consensuais
distinguíveis entre si. Um deles envolve um acordo sobre a for-
ma lógica de leis e equações, o que Kuhn denomina generaliza-
ções. O outro diz respeito à interpretação lógica dessas fórmulas,
à maneira como se confere significado a elas. As comunidades
científicas diferentes podem concordar com generalizações
simbólicas, mas diferir a respeito dos significados empíricos
a serem nelas incluídos. O interesse de Kuhn se volta para os
significados dos conceitos empíricos. A fonte dos significados
para os conceitos empíricos deveria ser tomada a partir de outro
componente da matriz disciplinar: aquela das soluções exem-
plares de problemas.

70
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Thomas Kuhn

Modelos

Para Kuhn, modelos têm igualmente uma designação he-


terogênea. Em um sentido, querem se referir a modelos heurís-
ticos e analogias, de acordo com a necessidade de determinar
quais fenômenos de uma dada classe devem ser tratados como
se eles fossem alguma coisa totalmente diferente. Em outro,
querem se referir a convicções ontológicas (metafísicas). Kuhn
alerta para o fato de que o texto da Estrutura utiliza somente o
segundo sentido e, dessa forma, os modelos são designados por
“paradigmas metafísicos” ou “partes metafísicas dos paradigmas”
(KUHN, 1991, p. 228). No entanto, ao organizar o Posfácio, em
1969, reconhece que seria necessário ampliar com a finalidade
de incluir o primeiro sentido. “Se agora reescrevesse este livro,
eu descreveria tais compromissos como crenças em determina-
dos ‘modelos’, de modo a incluir também a variedade relativa-
mente heurística” (KUHN, 1991, p. 228).
A razão de Kuhn para tratar esses momentos heterogêne-
os de consenso sob o título de modelos é que eles desenvolvem
funções similares para a comunidade científica, desempenham
papéis na identificação de problemas não resolvidos e na convic-
ção da aceitação de soluções propostas para eles. Modelos, no
sentido que lhes é atribuído por Kuhn, desenvolvem essas fun-
ções porque se constituem em fontes de similaridade. Os deno-
minados modelos heurísticos desenvolvem funções de relação de
similaridade externa, procuram relacionar tanto objetos quanto
relações essencialmente diferentes. No que se refere aos mode-
los ontológicos, verifica-se uma fonte de relações de similaridade
interna, procurando relacionar tanto objetos quanto relações do
mesmo tipo ontológico. Tais relações de similaridade sancionam
uma aplicação análoga de conceitos a objetos ou situações que

71
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

pareçam similares, funcionando como elementos de suporte


para o significado de tais conceitos. Para Kuhn, os modelos as-
sim considerados são diferentes dos demais componentes da ma-
triz disciplinar, em um especial aspecto: tais modelos frequente-
mente pertencem ao consenso no interior de uma comunidade
científica, o que não significa que assim se comportem em todos
os casos. Dessa forma, em certos estágios do desenvolvimento
científico, podemos encontrar tradições de pesquisa coerentes,
mas não existe um acordo sobre questões ontológicas básicas.

Valores

Kuhn afirma que o conhecimento científico é o produto


de grupos altamente especializados e, por isso, algumas de suas
características só podem ser compreendidas utilizando-se como
recurso aquilo que é próprio de tais comunidades. Cada grupo
adquire uma especialidade em virtude de seus valores especiais,
que são tipicamente sociais. Muitas contribuições ao desenvolvi-
mento científico são resultado de decisões que envolvem valores
científicos particulares.
Os valores, segundo Kuhn, são aqueles componentes da
matriz disciplinar menos sujeitos à variação, quer se trate de co-
munidade para comunidade ou através dos tempos. O que se
verifica é que o sistema de valores de uma comunidade científica
partilha de um mesmo padrão comum e, por isso, pode lhe ser
conferido uma descrição universal abstrata: essa é a razão da
singularidade de uma comunidade de cientistas da natureza.
Os valores científicos funcionam no interior da atividade
científica com o objetivo de cumprir dois tipos básicos de ação,
ambos concernentes a uma avaliação do trabalho: avaliação de

72
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Thomas Kuhn

aplicações individuais da teoria e avaliação de aplicações gerais


da teoria. Enquanto o processo individual ocorre com frequ-
ência, sendo ou não a teoria bem sucedida, a avaliação geral é
reservada para algumas fases especiais do processo de desenvol-
vimento. Nessas fases especiais, as avaliações individuais funcio-
nam como instrumental para as avaliações gerais. No contexto
das revoluções científicas, o interesse de Kuhn pelos valores se
evidencia pelo importante papel que eles desempenham no pro-
cesso global de avaliação das teorias.
Fundamentalmente, o que Kuhn entende por valores não
difere daquilo que a tradição em filosofia da ciência tem assina-
lado. O que parece ser inovador é a maneira como tais valores
operam na elaboração do conhecimento científico. Numa obra
publicada em 19776, Kuhn lista alguns desses valores, a saber:

•• Precisão, Exatidão (KUHN, 1989, p. 386): as aplicações


da teoria, as asserções sobre situações factuais deri-
vadas da teoria deveriam ser qualitativa e quantitati-
vamente precisas. O quadro situacional que se pode
colher da história do desenvolvimento científico é de-
senhado pela ênfase que se deu à precisão quantitati-
va. A precisão, tanto quantitativa quanto qualitativa é,
para o autor, o mais decisivo de todos os critérios.
•• Consistência (KUHN, 1989, p. 387): Kuhn ressalta que a
teoria deve ser livre de contradições internas e compa-
tível com outras teorias aceitas.
•• Simplicidade (KUHN, 1989, p. 387): uma teoria deve
prover perspectivas unificadoras para a ordenação de

O texto em questão é “Objectivity, value judgement and theory choice”, traduzido


6

para o português com o título: Objetividade, juízo de valor e escolha teórica. In:
KUHN, T. A tensão essencial. Lisboa: Edições 70, 1977. p. 383-405.

73
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

grupos de fenômenos aparentemente desordenados,


e ter seu aparato conceitual e técnico mais simples o
possível, bem como deveriam ser simples e claros os
procedimentos para a sua aplicação.
•• Abrangência (KUHN, 1979, p. 303): uma teoria deve ter
domínio amplo sobre possíveis aplicações.
•• Produtividade (KUHN, 1979, p. 303): uma teoria deve
englobar novos fenômenos ou novas relações entre fe-
nômenos previamente conhecidos.

Além desses, Kuhn cita, ocasionalmente, outros valores,


tais como a unidade da ciência, o poder de explanação, a natura-
lidade, a plausibilidade e a capacidade de uma teoria para definir
e resolver tantos problemas teoréticos experimentais quanto for
possível, especialmente aqueles que se referem à variação quan-
titativa dos elementos de uma teoria. Parece existir uma implica-
ção recíproca entre os valores, embora não se possa falar de uma
dependência direta entre eles.
Os valores tomados a partir de uma descrição abstrata e
universal não teriam, necessariamente, compromisso com o mo-
mento histórico situacional de uma determinada comunidade
científica. No entanto, de acordo com Kuhn, o fato de considerar
ou não tais valores em uma comunidade inserida em uma situa-
ção histórica particular deixa aparecer certa indeterminação em
sua atividade. Essa indeterminação é inerente ao sistema de valo-
res e preenche uma importante função no desenvolvimento cien-
tífico, uma vez que um determinado quadro de valores pode gerar
diferentes tipos de avaliação a partir do avaliador individual.
A indeterminação aludida por Kuhn apresenta duas ra-
zões básicas: a primeira se justifica porque os valores individuais
de uma dada comunidade científica podem ser legitimamente

74
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Thomas Kuhn

interpretados de maneiras diferentes por diferentes membros da


comunidade. O significado que se atribui ao termo “simplicida-
de” ou a decisão de selecionar que aspectos de uma teoria devem
merecer maior atenção não são determinados pela mera aceita-
ção do valor por uma comunidade; a segunda se justifica porque
diferentes valores podem entrar em contradição entre si em uma
determinada aplicação concreta. Os valores podem pender ora
para um lado, ora para outro, e o peso de cada um deles não é
igualmente determinado pelo acordo da comunidade quanto ao
sistema de valores.
Os cientistas, ao elaborarem um julgamento concreto, fa-
zem-no sob a influência de fatores que podem variar de indivíduo
para indivíduo, uma vez que se encontram condicionados pela
experiência particular de cada um, reunida a partir dos campos
onde cada um desenvolve sua atividade, do sucesso alcançado e
do tempo empregado na pesquisa. Além desses condicionantes,
é possível considerar, ainda, alguns elementos extracientíficos,
tais como: as convicções religiosas e filosóficas, as opções políti-
cas de cada um, o espírito de aventura ou a timidez, bem como
suas preferências pessoais. O que Kuhn parece querer demons-
trar é que as escolhas e os julgamentos não são feitos e tomados
a partir de regras, mas de valores.
Reside nesse componente da matriz disciplinar aquilo
que parece ser básico na teoria de Kuhn, ou seja, a base socioló-
gica de sua posição. A esse respeito, Kuhn afirma: “Seja o que
for o processo científico, temos que explicá-lo examinando a
natureza do grupo científico, descobrindo o que ele valoriza, o
que ele tolera e o que ele desdenha” (KUHN, 1979, p. 294), uma
vez que o comportamento do grupo será afetado decisivamente
pelos itens de valor que foram aceitos. O consenso se dá por
causa do sistema coletivo de valores.

75
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

Soluções de problemas exemplares

O quarto componente da matriz disciplinar procura


abranger “soluções que indicam, através de exemplos, como
[os iniciantes da ciência] devem realizar seu trabalho” (KUHN,
1991, p. 232). A solução de um problema concreto envolve dois
diferentes momentos consensuais: a concordância a respeito de
situações particulares que se articula em um caminho particular
para constituir o problema científico propriamente dito, e a con-
cordância com a aceitação das soluções científicas que as situa-
ções particulares propõem. Dessa forma, pode-se distinguir dois
aspectos básicos do consenso: o primeiro se refere ao aspecto
normativo local; o segundo faz referência ao aspecto normativo
global. Enquanto o primeiro tem como objetivo o domínio das
regras consensuais que articulam o trabalho científico específico
de uma comunidade científica, o segundo aponta para aquelas
regras de consenso geral que acabam por determinar a atividade
científica particular.
Kuhn a eles se refere em A Tensão Essencial, afirmando
que “os exemplares, por fim, são soluções de problemas con-
cretos, aceites pelo grupo como paradigma, no sentido abso-
lutamente usual” (KUHN, 1989, p. 358-359). Os exemplares
são constituídos, conforme notamos, por problemas concretos
e suas soluções partilhadas. Sem sua presença, o iniciante não
conseguiria ter acesso àquilo que a comunidade partilha. Kuhn,
no entanto, deixa claro que exemplares não podem ser identi-
ficados com a emergência de regras de correspondência que
se constituem a partir da semelhança ou da analogia. Trata-se
mais de estabelecer uma mudança na forma como se vê a rea-
lidade. O exemplo utilizado por Kuhn (KUHN, 1989, p. 359)
é ilustrativo e esclarecedor; quando a criança, após montar o

76
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Thomas Kuhn

quebra-cabeça, identifica as figuras segundo aquilo que conhe-


ce anteriormente, não corre o risco de ficar presa ao suporte de
fundo. As regras existem com um único objetivo: guiar. Cabe
ao iniciante aplicá-las. Kuhn conclui quanto aos exemplares:
“o seu critério básico é uma percepção de semelhança, que é
tanto lógica como psicologicamente anterior a qualquer dos
numerosos critérios pelos quais essa mesma identificação de
semelhança pode ter sido feita” (KUHN, 1989, p. 359).

A dependência e a relação entre os elementos


que constituem a matriz disciplinar

O trabalho de uma comunidade científica, enquanto


produtora e avaliadora dos conhecimentos científicos, só pode
ser compreendido na medida em que consegue compreender
a maneira como os elementos da matriz disciplinar interagem.
As alterações em cada um deles e na sua correspondência com
os demais é responsável pela alteração na estrutura geral do
trabalho científico, altera não somente “a localização da inves-
tigação de um grupo”, como também “os respectivos padrões
de verificação” (KUHN, 1989, p. 359).
Kuhn parece preferir a utilização de termos separados,
tais como “elementos”, “constituintes”, “componentes”, a em-
pregar o termo “matriz disciplinar”. Essa preferência parecer
sugerir que a matriz disciplinar é formada por certo número
de partes que se articulam. Isso sugere que as partes podem ser
concebidas separadas umas das outras e, por isso mesmo, de-
las se pode realizar um exame de caráter individual. Os cons-
tituintes da matriz disciplinar formam um todo e funcionam
juntos. Tomado de outra maneira com referência a teorias e não

77
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

à matriz disciplinar, Kuhn afirma sobre o conjunto constituído


dos elementos que a compõem:

teorias [...] não podem decompor-se em elementos cons-


tituintes em vista de uma comparação direta tanto com
a natureza quanto entre si. Não quer isto dizer que não
possam ser analiticamente decompostas, mas antes que
as partes normativas produzidas pela análise não podem
[...] funcionar individualmente em tais comparações
(KUHN, 1989, p. 48).

A maneira, portanto, como se relacionam generalizações


simbólicas, modelos, valores e exemplares é decisiva na formula-
ção e no desenvolvimento do conceito de paradigma.
É evidente na análise de Kuhn a distinção entre o con-
junto de elementos que caracterizam a generalização simbólica,
de um lado, e a solução de problemas concretos, de outro. Mas
essa distinção só se caracteriza quando ligadas por uma unida-
de singular. A mesma dinâmica se repete quando tratamos da
relação entre modelos e exemplares. As analogias empregadas
nos modelos heurísticos podem ser entendidas apenas quando
corretamente aplicadas a situações de problemas concretos; da
mesma maneira, as convicções ontológicas de uma comunida-
de podem ser entendidas tanto em seu conteúdo quanto no seu
grau de convicção, somente por referência à solução de proble-
mas que conduz uma comunidade científica. No que se refere à
relação entre exemplares e valores, percebemos a existência de
traços semelhantes. Os valores de uma determinada comunida-
de evidenciam um caráter que se forma a partir das teorias onde
a comunidade os toma e avalia favoravelmente. O que segue de
tudo isso é que podemos considerar a relação entre generali-
zações simbólicas, modelos, valores e a solução de problemas

78
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Thomas Kuhn

concretos como elementos de um conjunto. A relação entre esses


elementos e sua unidade singular faz com que estejamos impos-
sibilitados de considerá-los em separado.
A reflexão desenvolvida ao longo deste terceiro capítulo
procurou apresentar um dos aspectos básicos da teoria sobre a
ciência desenvolvida por Thomas Kuhn. O seu trabalho com
fundamentos essencialmente histórico-sociológicos será con-
frontado, no capítulo seguinte, com aquele lógico-normativo de-
senvolvido por Imre Lakatos.

79
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

80
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Thomas Kuhn

4  AS REVOLUÇÕES
CIENTÍFICAS NO INTERIOR
DA TEORIA DA CIÊNCIA
PROPOSTA POR
IMRE LAKATOS

Imre Lakatos: o problema da validação de


uma teoria científica – os mundos filosóficos
possíveis

O conjunto teórico elaborado por Imre Lakatos sobre a ci-


ência e seu desenvolvimento é proposto a partir de um exercício
de reconstrução por ele empreendido das diversas possibilidades
de reflexão que norteiam os caminhos da racionalidade científica.
Trata-se de um esforço que vai em busca dos critérios que com-
põem a honestidade científica com o objetivo de considerar seus
limites e avanços. Ao percorrer esse caminho, Lakatos se firma
não só como um crítico experiente, mas também, principalmen-
te, abre caminhos para um posicionamento inovador no cenário
daquelas discussões, tornando-se uma referência necessária.
Lakatos é um popperiano confesso. Sua Metodologia dos
Programas de Investigação Científica7 tem parte de sua gênese na

Utilizaremos, no decurso deste trabalho, a abreviatura MPIC, já consagrada pela


7

literatura vigente.

81
reformulação do falseacionismo defendido por Karl Popper.
Outra fonte responsável pela emergência da MPIC pode ser en-
contrada na recusa, por parte de Imre Lakatos, de aceitar a visão
da ciência e de seu desenvolvimento proposta por Thomas Kuhn,
conforme apresentado no capítulo anterior.
Na teoria lakatosiana, a reconstrução a que nos referimos
começa demonstrando o estado de desamparo vivido pelos ho-
mens de ciência diante da inconsistência dos enunciados que
compõem os alicerces da ciência moderna. A ciência que toma
forma a partir do século XVI e se desenvolve ao longo dos sécu-
los XVII e XVIII está sustentada por alicerces justificacionistas.
Lakatos aponta o justificacionismo como sendo “a identificação
do conhecimento com conhecimento provado” (LAKATOS,
1979, p. 113).
O justificacionismo adquiriu duas versões distintas8: de um
lado, a chamada “experiência continental”, que compreendia a
possibilidade racionalista desenvolvida pelos pensadores france-
ses; de outro, a possibilidade empirista elaborada pela “tradição
insular”, levada a termo pelos pensadores ingleses. Embora o
direcionamento intelectualista da tradição francesa reivindicasse
um conjunto plural como fundamento do conhecer verdadeiro
(revelação, intuição intelectual, experiência) e, por sua vez, o
empirismo apostasse na verdade obtida pela experiência, para
Lakatos ambos

concordavam em que uma afirmação singular que ex-


pressa um fato concreto pode provar a falsidade de
uma teoria universal; mas poucos dentre eles julgaram
que uma conjunção finita de proposições factuais fosse

Uma caracterização oportuna sobre esses direcionamentos pode ser encontrada


8

na introdução da obra de Karl Popper, intitulada Conjecturas e refutações, p. 31.


suficiente para provar ‘indutivamente’ uma teoria uni-
versal (LAKATOS, 1979, p. 113).

O credo justificacionista, afirmando que “o conhecimento


científico consistia em proposições demonstradas” (LAKATOS,
1979, p. 113), não resistiu nem ao impacto da geometria não eu-
clidiana e da física não newtoniana, nem aos desafios propostos
pelo esforço para construir, via lógica, uma base empírica e uma
lógica indutiva na elaboração dos conhecimentos. Lakatos in-
dica, portanto, que a honestidade científica própria do justifica-
cionismo, exigindo que não se afirmasse nada que não estivesse
provado, fosse substituída antes que o ceticismo, como o propos-
to por D. Hume, marcasse indelevelmente a ciência e sua prática.
O probabilismo, ou neojustificacionismo, veio à luz em
meio a esse momento de insegurança. Para salvaguardar a ciência,
livrando-a da pecha de “sofisma e ilusão, uma fraude desonesta”
(LAKATOS, 1979, p. 114), o critério de honestidade científica de-
veria levar em consideração, agora, que existem proposições que
são “provavelmente” verdadeiras (Lakatos esclareceu que este
“provavelmente” deve ser entendido no sentido do cálculo de pro-
babilidades). O reconhecimento elaborado pelo neojustificacio-
nismo, de que as proposições da ciência são altamente prováveis,
imprime um novo vigor àquela impossibilidade de demonstração
referida pela crítica humeana: a evidência empírica apresenta, se-
gundo os defensores do probabilismo, “diferentes graus de pro-
babilidade” (LAKATOS, 1979, p. 114). Lakatos aponta para os
trabalhos que foram realizados por Karl Popper no sentido de
indicar a igual fragilidade do probabilismo quando do exercício
de se validar os conhecimentos científicos. Lakatos não deixa
de reconhecer que a força da probabilidade no lugar da força da
prova tinha significado “um recuo importante do pensamento
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

justificacionista” (LAKATOS, 1979, p. 114). Esclareceu, no en-


tanto: “logo se evidenciou, graças sobretudo aos persistentes es-
forços de Popper, que em condições muito gerais todas as teorias
têm uma probabilidade zero, seja qual for a evidência; todas as
teorias não são apenas igualmente indemonstráveis, mas também
igualmente improváveis” (LAKATOS, 1979, p. 114-115).
Lakatos conclui que, embora o probabilismo tenha signi-
ficado um avanço em relação ao justificacionismo, também se
mostrou insuficiente como programa de validação dos enuncia-
dos científicos. Diante dessa dupla impossibilidade de se validar
uma teoria científica, vemos surgir uma nova proposição. O false-
acionismo vai emergir na reflexão de Popper e, depurado de suas
limitações por um cuidadoso trabalho realizado por Imre Lakatos,
constituir-se no elemento básico para o estabelecimento da MPIC.

Falseacionismo

Com a também impossibilidade de se ter bases firmes para


a proposição dos conhecimentos científicos a partir do proba-
bilismo, Lakatos apresenta a alternativa do falseacionismo, que,
no dizer de Chalmers (1993, p. 65), é uma atividade em que se
“vê a ciência como um conjunto de hipóteses que são experimen-
talmente propostas com a finalidade de se descrever e explicar
acuradamente o comportamento de algum aspecto do mundo
ou do universo”.
Lakatos fala de uma “mudança dramática” (LAKATOS,
1979, p. 115), ocorrida no exercício da ciência quando do surgi-
mento dessa nova formulação teórica, e aponta suas consequên-
cias: “Em certo sentido, o falseacionismo foi um novo e consi-

84
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Imre Lakatos

derável recuo do pensamento racional. Mas, sendo um recuo de


padrões utópicos, esclareceu muita hipocrisia e muito pensamen-
to confuso, de modo que, na realidade acabou representando um
avanço” (LAKATOS, 1979, p. 115).
Lakatos reconhece que o falseacionismo está associado ao
nome de Karl Popper; na verdade, a teoria lakatosiana se firma
como uma postura que corrige aprimorando a teoria popperiana.
O modelo de racionalidade contido nas reflexões de Karl Popper
se firmam, no entendimento de Lakatos, sobre a seguinte con-
vicção: “na sua opinião [refere-se a Popper], a virtude não está
na cautela em evitar erros, mas na implacabilidade com que se
limitam erros. Audácia nas conjecturas de um lado e austeridade
nas refutações de outro: essa é a receita de Popper” (LAKATOS,
1979, p. 111).
A falta de fundamentos seguros é o grande desafio que
os homens de ciência devem enfrentar com o advento da ci-
ência contemporânea (principalmente da Mecânica Quântica),
realidade que se configura pela impossibilidade de ser com-
preendida a partir de pressupostos tanto do justificacionismo
como do probabilismo. Popper, conhecedor de tal situação,
propõe a falsificabilidade como “o critério que permite traçar
uma linha de demarcação entre ciência (empírica) e não ciên-
cia” (CARVALHO, 1990, p. 62). Lakatos, ao analisar a expli-
cação dessa atividade demarcativa, faz indicações de pelo me-
nos três diferentes direcionamentos. Existe, de um lado, aquilo
que o autor classificou como posicionamento falseacionista
dogmático, também chamado de falseacionismo naturalista.
Por outro, pode-se identificar um procedimento que se traduz
pela ideia de um falseacionismo metodológico e, ainda, um
terceiro, que pode ser classificado como falseacionismo meto-
dológico sofisticado.

85
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

A incursão sobre tais linhas de trabalho possibilita uma


análise de Lakatos, no sentido de identificar os limites e os avan-
ços possíveis em cada uma delas. Em princípio, as considerações
elaboradas pelo autor da MPIC são frontalmente contra os pro-
cedimentos implícitos no falseacionismo dogmático ou natura-
lista. Existe nessa última postura uma clara contradição que a
torna insustentável: o procedimento que reconhece a falibilidade
de todas as teorias científicas é o mesmo que insiste na necessi-
dade de se manter um alicerce empírico de natureza infalível.
Como se desenvolve tal procedimento?
O falseacionista dogmático adquire sua identidade quan-
do reconhece que “há uma base empírica de fatos absolutamente
firmes que se pode usar para refutar teorias” (LAKATOS, 1979,
p. 116). As consequências são claras: um homem de ciência deve
se preocupar com a elaboração de uma determinada experiência
de modo que, se seu resultado não comprovar determinada teoria,
essa deverá, necessariamente, ser relegada ao abandono. A base
empírica é, dessa maneira, elemento que funciona como tábua de
salvação do critério de demarcação. Assim sendo, as regras utili-
zadas para a elaboração da honestidade científica consistem em

considerar uma proposição como “científica” não só


se for uma proposição factual provada, mas também se
não passar de uma proposição falseável, isto é, se hou-
ver técnicas experimentais e matemáticas disponíveis na
ocasião que designem certas afirmações como falseado-
res potenciais (LAKATOS, 1979, p. 116).

Nesse contexto, a visão lakatosiana faz notar o estabele-


cimento de uma dicotomia no campo da ciência. De um lado
estariam aqueles responsáveis pela reformulação das teorias
(são os teóricos) e, de outro, os responsáveis pela sua aplicação

86
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Imre Lakatos

(são os experimentadores), divisão essa que não contribui para


o esclarecimento dos critérios que indicam o dado científico e o
dado não científico.
O progresso científico acontece no âmbito do falseacionis-
mo dogmático através do empreendimento que visa a derrubar
as teorias por ação dos fatos concretos. Lakatos aponta para essa
dinâmica, esclarecendo que,

desse modo, a ciência avança através de especulações ou-


sadas, que nunca são demonstradas nem mesmo probabi-
lizadas, mas algumas das quais, mais tarde, são eliminadas
por refutações concretas e conclusivas e logo substituídas
por novas especulações ainda mais ousadas e, pelo menos
no início, não refutadas (LAKATOS, 1979, p. 117).

Mesmo propondo tal compreensão do progresso científi-


co, o falseacionismo dogmático é, segundo Lakatos, insusten-
tável. As razões residem na adoção de suposições falsas e cri-
tério por demais rigoroso na ação de demarcação entre ciência
e não ciência. As suposições falsas compreendem, primeiro, a
reivindicação da existência de uma “postura natural psicológi-
ca” (LAKATOS, 1979, p. 118) entre o universo teórico e o uni-
verso factual, e depois, a convicção de que “se uma proposição
satisfaz ao critério psicológico de ser factual ou observacional
(ou básica), ela é verdadeira...” (LAKATOS, 1979, p. 118). Por
sua vez, o rigor demasiado do critério de demarcação pode ser
assim formulado: “[...] só são ‘científicas’ as teorias que impe-
dem certos estados de coisas observáveis e, portanto, são factu-
amente refutáveis. Ou, uma teoria será ‘científica’ se tiver uma
base empírica” (LAKATOS, 1979, p. 118).
Os argumentos de Lakatos indicam que a psicologia se
encarrega de derrubar a primeira suposição, porque demonstra

87
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

a impossibilidade de uma demarcação natural entre o factual


e o teórico. Por sua vez, a lógica se encarrega de minar a se-
gunda suposição, uma vez que não existem garantias de que
se possa provar a validade de uma proposição a partir das ex-
periências. Finalmente, o procedimento metodológico investe
contra o rigor demarcacionista, uma vez que, não raras vezes,
nos deparamos com a derrubada das mais bem fundamenta-
das teorias científicas. Dessa maneira, Lakatos conclui sobre o
falseacionismo dogmático:

se aceitarmos o critério de demarcação do falseacionis-


mo dogmático e também a idéia de que os fatos podem
provar proposições “factuais”, teremos de declarar que
as teorias mais importantes, senão todas elas, propostas
na história da ciência, são metafísicas, que a maior parte
do progresso aceito, senão todo ele, é pseudo-progresso,
que quase todo, senão todo, o trabalho feito é irracional
(LAKATOS, 1979, p. 125).

Demonstrada a impossibilidade de aceitar os critérios de


racionalidade implícitos no modelo falseacionista dogmático,
Lakatos detalha a constituição do falseacionismo metodológi-
co. Diante das questões que não encontram respostas, nem no
justificacionismo, nem tampouco no probabilismo e nem sequer
no falseacionismo dogmático, Imre Lakatos pergunta: “Ainda
podemos opor-nos ao ceticismo? Podemos salvar a crítica cientí-
fica do falibilismo? É possível ter uma teoria falibilística do pro-
gresso científico? Em particular, se a crítica científica é falível,
baseados em que poderemos algum dia eliminar uma teoria?”
(LAKATOS, 1979, p. 125).
Uma resposta pode começar a ser construída pela análi-
se que podemos fazer a partir dos procedimentos que firmam

88
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Imre Lakatos

o falseacionismo metodológico. Em que consiste esta contribui-


ção? Lakatos a compreende como uma espécie de convenciona-
lismo. Sua gênese é assim compreendida: o conhecimento pode
ser visualizado a partir de duas posturas; uma pode ser denomi-
nada “teoria ‘passivista’ e outra, teoria ‘ativista’” (LAKATOS,
1979, p. 126). A diferença reside na intenção colocada pela pri-
meira de se ter formulado um conhecimento verdadeiro quando
a mente, sem atividade, recebe passivamente as impressões que a
natureza nela imprime. Nesse contexto, qualquer atividade men-
tal é compreendida como um desvio. Assim agiam os empiristas
clássicos9. A segunda postura, no entanto, não concebe a mente
em estado inoperante: o mundo sempre é olhado a partir de nos-
sas expectativas. É essa última que interessa a Lakatos.
Uma análise detalhada sobre ela nos permite concluir
pela existência de duas classes distintas de pensadores ativistas.
Em um conjunto estão agrupados aqueles que defendem, como
Kant, que, embora sejam nossas expectativas básicas que trans-
formam o mundo geral, em “o mundo particular de cada pes-
soa”, somos condenados, posteriormente, a viver numa espécie
de prisão, criada pelo nosso mundo, que impede o conhecimento
do mundo real.
Outro conjunto de pensadores ativistas é formado por
aqueles que acreditam na possibilidade de que os conteúdos que
formularam o mundo individual podem ser, por vontade e deci-
são, substituídos por outros novos e melhores. As prisões cons-
truídas podem perfeitamente ser derrubadas.
Reconhecidos como impotentes os ativistas conservadores,
as atenções se voltam para os ativistas revolucionários. Lakatos
9
Considere-se, por exemplo, o pensamento de John Locke: “Suponhamos, pois,
que a mente é, como dissemos, um papel branco, desprovido de todos os caracte-
res, sem quaisquer idéias; como ela será suprida?... A isso respondo numa palavra:
da experiência” (LOCKE, 1991, p. 159).

89
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

confere principalmente ao trabalho de Poincaré e Whewell a


tarefa de terem oportunizado a passagem de parte do ativismo
conservador para o ativismo revolucionário10.
As leis científicas são verdadeiras para Poincaré (1905), in-
dependentemente do fato de estarem vinculadas às experiências.
No entanto, não poderíamos usar como recurso aquilo que fez
Whewell: a epistemologia Kantiana do a priori. As leis científicas
são “a priori”, sim, mas isso se deve ao fato de existir uma decisão
dos cientistas para utilizar a lei como uma convenção que torna
específico o significado de um conceito científico. O fato de uma
lei ser verdadeira a priori significa que ela foi de tal forma enume-
rada que as evidências empíricas não têm poder contra ela.
Essa realidade pode ser observada na formulação realiza-
da por Poincaré sobre a Lei da Inércia, em que se destaca que o
princípio inercial generalizado não está sujeito à confirmação ou
à refutação direta, evidência empírica. Uma análise mais próxi-
ma dessa formulação nos permite afirmar que as leis científicas
gerais não são apenas convenções com a finalidade de esclarecer
noções científicas fundamentais, uma vez que, além de servirem
como convenção, servem também a generalizações empíricas.
Utilizando-se como recurso o a priori kantiano, admite-
-se que certas leis científicas são verdadeiras sob aquele crité-
rio. A história da ciência deve buscar a concordância entre as
ideias e os fatos, sendo que os fatos devem ser integrados às
ideias apropriadas. Parece, então, que as ideias funcionariam
como formas para modelar os dados. É, portanto, visível a he-
rança kantiana em Whewell, uma vez que as ideias devem ser
prescritas às sensações e não derivadas delas.

10

Verificar o tratamento dado por Lakatos primeiro ao trabalho de Whewell e, de-
pois, ao de Poincaré, Milhaud e Le Roy na distinção feita nas páginas 126 e 127
de O falseamento e a metodologia dos programas de investigação científica.

90
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Imre Lakatos

Transparece nos trabalhos desses autores principalmente


a força da “decisão metodológica” (LAKATOS, 1979, p. 127)
que os cientistas devem tomar diante da necessidade de expli-
carem o êxito de uma teoria. Ao tomar uma decisão, aquilo
que se comportava como anomalia é resolvido pela utilização
daquilo que Popper, ao discutir o pensamento de Poincaré, de-
nominou “estratagemas convencionalistas” (LAKATOS, 1979,
p. 127). É isto que se converte, segundo Lakatos, num conven-
cionalismo conservador.

Esse convencionalismo conservador, no entanto, tem a


desvantagem de nos incapacitar para sair das prisões a
que nós mesmos nos impusemos, depois de se haver es-
coado o primeiro período de ensaio-e-erro e de haver sido
tomada a grande decisão. Ele não pode resolver o proble-
ma da eliminação das teorias que triunfaram durante um
longo período. De acordo com o convencionalismo con-
servador, as experiências podem ter força bastante para
refutar teorias jovens, mas não têm força para refutar teo-
rias velhas, estabelecidas: à proposição que a ciência cres-
ce, a força da evidência empírica diminui (LAKATOS,
1979, p. 127).

A crítica que foi dirigida a Poincaré como convencio-


nalista conservador fez nascer o convencionalismo revolucio-
nário. Lakatos faz referência à teoria de Duhem que consiste
em afirmar que se uma teoria resiste ao processo de refutação,
não resiste, no entanto, às continuas correções que se fazem
em sua estrutura. As constantes correções fazem ruir a cons-
trução teórica, oportunizando a perda de sua originalidade e,
como consequência, surge a necessidade de uma substituição
da teoria.

91
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

Diante do ‘simplismo’ de Duhem, encontramos, por outro


lado, como outra espécie de convencionalismo, o falseacionismo
metodológico elaborado por Popper, que se firma, no entendi-
mento de Lakatos, da seguinte maneira:

o falseacionismo metodológico de Popper é convencio-


nalista e falseacionista a um tempo, mas ele difere dos
convencionalistas (conservadores) por sustentar que os
enunciados decididos por consenso não são (espaço-tem-
poralmente) universais, mas (espaço-temporalmente) sin-
gulares e difere do falseacionista dogmático por sustentar
que o valor-de-verdade de tais afirmações não pode ser
provado por fatos mas, em alguns casos, pode ser decidi-
do por consenso (LAKATOS, 1979, p. 128).

É com esse tipo de procedimento, livre dos limites do


convencionalismo conservador e do falseacionismo dogmático,
que Lakatos entende poder operar algumas transformações que
levam à formulação de sua MPIC. O tipo de metodologia utili-
zado pelo falseacionismo metodológico está centralizado, ainda,
nos referenciais do convencionalismo. De que qualidade é o con-
senso defendido por Popper que sustenta espaçotemporalmente
enunciados singulares e o valor de verdade dessas afirmações?
Esse consenso está relacionado ao teor das decisões toma-
das pelos homens de ciência. O falseacionismo metodológico es-
tabelece quatro diferentes formas de decisão que são apresentadas
por Lakatos. A primeira e a segunda decisões apresentam uma
correspondência com as suposições descritas no parágrafo ante-
rior e reivindicadas pelo falseacionismo dogmático. Na primeira
decisão, o consenso é pretendido na tarefa de selecionar os enun-
ciados que deverão, por decreto, ser não falseáveis. A segunda
está relacionada a essa primeira. Ela se refere ao fato de terem os

92
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Imre Lakatos

falseacionistas que decidir de que maneira, ou por meio de que


tipo de procedimento o conjunto dos enunciados básicos eviden-
ciados na primeira decisão devem ser separados dos demais enun-
ciados. Está implícita aí, segundo Lakatos, uma atitude que en-
tende considerar enunciados observacionais. Este termo é tomado
apenas como conhecimento de fundo e não no sentido próprio do
termo. Qual é a consequência dessas duas primeiras decisões? Na
reflexão de Lakatos, elas implicam que

o falseacionista metodológico compreende que, se qui-


sermos conciliar o falibilismo com a racionalidade (não
justificacionista), precisamos encontrar um jeito de eli-
minar algumas teorias. Se não o conseguirmos, o cresci-
mento da ciência não será mais do que um caos cada vez
maior (LAKATOS, 1979, p. 131).

No contexto dessas duas decisões fica transparente, segun-


do a análise de Imre Lakatos, o elemento que distancia as posi-
ções assumidas, de um lado, pelo falseacionismo metodológico,
enquanto, como já foi notado, a atitude do falseasionista dogmá-
tico atribui status de científico àqueles e somente àqueles enuncia-
dos que expressem teorias refutáveis, sendo que a refutação deve
ser levada a termo por um número finito de observações; o false-
acionismo metodológico ressalta que “somente são científicas as
teorias, isto é, proposições não-observacionais que proíbem cer-
tos estados de coisas observáveis e, portanto, podem ser falseadas
e rejeitadas; ou, em poucas palavras, uma teoria é científica (ou
aceitável) se tiver uma base empírica” (LAKATOS, 1979, p. 132).
Essas duas decisões permitem, ainda, falar de um em-
preendimento metodológico que ultrapassa a rigidez daquele
utilizado pelo falseacionismo dogmático. Assim sendo, a maior
flexibilidade da atitude metodológica permite incorporar um

93
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

número mais significativo de teorias ao conjunto daquelas acei-


tas como científicas. Estariam abrigadas sob o status de cientí-
ficas também aquelas engendradas pelo probabilismo. Quanto
a essas últimas, nota Lakatos que, embora não sejam falseá-
veis, podem se tornar falseáveis por meio de uma nova decisão,
característica dos falseacionistas metodológicos. Essa decisão
consiste na probabilidade de tornar falseáveis as teorias proba-
bilísticas, “especificando certas regras de rejeição capazes de
tornar a evidência estatisticamente interpretada ‘inconsistente’
com a teoria probabilística” (LAKATOS, 1979, p. 133. O ter-
mo “inconsistente” está no texto).
A avaliação que Lakatos faz dessas considerações que es-
tão na base do falseacionismo metodológico expressa a incapa-
cidade, mesmo a partir dos três tipos de decisões descritas, para
falsear uma teoria. O conjunto das decisões deixa, para Lakatos,
transparecer um sentimento de impotência diante de questões
que envolvem, por exemplo, os seguintes desafios:

como se podem interpretar teorias, como a teoria newto-


niana da dinâmica e da gravitação, de unilateralmente
decidíveis? Como podemos fazer em casos assim genuí-
nas tentativas de suprimir teorias falsas – de encontrar os
pontos fracos de uma teoria a fim de rejeitá-la se ela for
falseada pelo teste? Como podemos levá-las ao domínio
da discussão racional? (LAKATOS, 1979, p. 134).

A resposta a esse questionamento envolve a necessidade


de os falseacionistas tomarem uma decisão de quarto tipo, que
consiste no seguinte: “quando ele testa uma teoria juntamente
com uma cláusula ceteris paribus e descobre que essa conjunção
foi refutada, precisa decidir se deve tomar a refutação também
como refutação da teoria específica” (LAKATOS, 1979, p. 134).

94
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Imre Lakatos

Lakatos indica que o fato de se considerar a cláusula ceteris pa-


ribus, envolve uma atitude de risco que compreende a possibi-
lidade de que certas anomalias insignificantes em um enuncia-
do podem se tornar prova crucial contra o seu falseamento. No
entanto, é com o auxílio de decisões como essa última que o
falseacionista metodológico entende poder ir mais adiante no
exercício que tem como objetivo verificar o grau de cientificida-
de de um enunciado.
Mesmo assim, Lakatos vai mais adiante ao questionar:

por que não decidir que uma teoria – que nem essas qua-
tro decisões podem converter numa teoria empiricamen-
te falseável – é falseada se entra em conflito com uma
outra teoria que é científica por algum dos motivos an-
teriormente especificados e é igualmente bem corrobora-
da? (LAKATOS, 1979, p. 136).

Nada impede, dessa maneira, que enunciados que não te-


nham passado pelo consenso nascido das decisões enunciadas
sejam igualmente falseáveis. A conclusão de Lakatos a esse res-
peito envolve um quinto tipo de decisão, que estaria situada para
além daquelas quatro anteriores. Essa pode ser assim explicitada
em suas consequências:

afinal de contas, se rejeitamos uma teoria porque veri-


ficamos que um dos seus falseadores potenciais é ver-
dadeiro à luz de uma teoria observacional, por que não
rejeitar outra teoria por completa diretamente com uma
que pode ser relegada ao conhecimento de fundo não
problemático? (LAKATOS, 1979, p. 136).

Não é possível, segundo a análise feita por Lakatos,


abandonar de maneira definitiva o aspecto convencional que

95
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

caracteriza o falseacionismo metodológico. A razão para isso é


encontrada no âmbito da metodologia que dá identidade a este
procedimento, ou seja, a metodologia inerente a essa classe de
falseacionismo não pode prescindir do papel desempenhado pe-
las decisões. Essas, quando tomadas, não fornecem nenhuma
espécie de segurança, não indicam o bom caminho que deve ser
adotado pelo homem da ciência. Em outras palavras, elas não
eliminam o risco. Como o cientista que participa dessa crença
falseacionista vê o tênue alicerce das decisões? Salvaguardar
uma metodologia que permite combinar a atitude crítica e a no-
vidade do conjunto teórico falibilista implica correr risco, e o fal-
seacionista não os desconhece. Sabe que o progresso exige que
se continue a apostar, embora adiante que apostar não signifique
necessariamente ganhar.
O caminho para a superação do modelo de racionalidade
da ciência, reivindicado pelo chamado justificacionismo induti-
vista, portanto, a superação do estado de desespero elaborado
pela atitude cética que faz abandonar os padrões intelectuais e
também a ideia do progresso científico, deve ser trilhado sobre
uma base de riscos. Disso sabe o justificacionista metodológico
que “tem plena consciência dos riscos mas insiste em que é pre-
ciso escolher entre uma espécie de falseacionismo metodológico
e o irracionalismo” (LAKATOS, 1979, p. 137). Lakatos indica
a possível irracionalidade contida nas estruturas teóricas de pen-
sadores como Neurath e Hempel. Essa irracionalidade possível
nasce da crítica estruturada por esses autores que não deixam
espaço para algum modelo alternativo. O desenvolvimento de
suas teorias relega o falseacionismo ao papel de um pseudorra-
cionalismo, por não conseguir visualizar algo mais do que aquilo
que está abrigado sobre a formulação do falseacionismo ingênuo.
Embora, conforme aponta Neurath, todas as proposições sejam

96
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Imre Lakatos

falíveis, é preciso pensar como Popper, que “defende com rigor


o ponto crucial de que não podemos fazer progresso sem uma
estratégia ou método racional firme para guiar-nos quando elas
colidem” (LAKATOS, 1979, p. 138).
Lakatos pretende, então, demonstrar os limites do false-
acionismo metodológico. O critério para tal pode ser obtido
junto à história da ciência. É nela que se pode perceber um
insistente desafio que não confirma a racionalidade científica
desejada. O que o falseacionismo enfatiza, tanto em sua versão
dogmática quanto em sua versão metodológica, é que no caso
específico de um teste, a disputa está bem situada em dois polos
distintos, a saber: de um lado se encontra a teoria e, de outro,
a experiência; a batalha final é travada entre esses dois únicos
adversários. Já quanto ao resultado final, pretende-se um false-
amento conclusivo, ou seja, as descobertas não são outra coisa
que o resultado das refutações de hipóteses científicas.
O que, então, a história da ciência confirma? Ela indica
que, no que se refere aos testes, não estão envolvidas somente
a teoria e a experiência. Os contendores são, pelo menos, três:
duas teorias adversárias diferentes e a experiência. No que se re-
fere aos resultados, o que se tem percebido é que muitos deles se
configuram mais como confirmação do que como falseamento
[conforme se pode perceber pelo contexto da exposição realiza-
da por Lakatos (1979, p. 140)].
Um trabalho de síntese daquilo que foi analisado por
Lakatos indica certo desconforto e, mais nitidamente, uma ati-
tude de incapacidade de se formular uma teoria coerente sobre a
racionalidade científica. Senão vejamos: os critérios defendidos
pelo justificacionismo sucumbiram diante da impossibilidade
de se assegurar um conhecimento verdadeiro a partir da experi-
ência. O procedimento indutivo não poderia garantir a eficácia

97
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

de um modelo de racionalidade exigido pelos procedimentos de


comprovação. O critério de honestidade científica que propunha
considerar científicos apenas aqueles enunciados elaborados via
experiência não resistiu às transformações ocorridas na ciência a
partir do nascimento da Mecânica Quântica.
Batido o justificacionismo, o probabilismo assume a tenta-
tiva de elaborar uma nova racionalidade ao enfatizar que, muito
embora os enunciados não sejam verdadeiros via experiência,
são provavelmente verdadeiros. Também esse modelo enfrentou
a crítica e não resistiu a ela. As teorias não somente são inde-
monstráveis, mas são também improváveis. Mais adiante, uma
vez consideradas também as carências do probabilismo, fizeram
ruir o modelo de racionalidade por ele reivindicado. O critério
de honestidade que defendia serem os enunciados provavelmen-
te verdadeiros não foi suficientemente sólido para articular uma
imagem da ciência e de seu progresso.
O falibilismo como modelo de racionalidade foi mais além.
Pretendeu organizar uma postura que desenvolvesse credibilida-
de aos enunciados pretendidos como científicos. Sua articulação
possibilitou diferentes direcionamentos. Tomado em sua versão
dogmática, o falseacionismo constituiu-se em um avanço sig-
nificativo. No entanto, ao reivindicar a necessidade de se reter
uma base empírica para a formulação dos enunciados científicos,
tornou-se demasiado autoritário. Suas suposições e seu critério
de demarcação não resistem a uma revisão profunda e elaborada
pela psicologia e pela lógica, tampouco às regras de um julga-
mento metodológico.
Evidenciado o limite do falseacionismo dogmático, era
necessário tentar uma reelaboração. Incursões sobre ele fizeram
surgir outra versão, denominada falseacionismo metodológico.
Enquanto na versão dogmática o enunciado adquiria status de

98
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Imre Lakatos

científico por força da base empírica reconhecida, nessa última


versão o empreendimento se volta para uma consideração de ca-
ráter convencional. Na estrutura do falseacionismo metodológi-
co se faz presente a força das decisões que devem ser tomadas
pelos homens de ciência, sendo possível, dessa maneira, consta-
tar o progresso da ciência.
Na perspectiva das decisões, o falibilismo pode ser concilia-
do com uma racionalidade de caráter não justificacionista. O rosto
desse tipo de racionalidade é emoldurado pela atitude convencio-
nal de se eliminar algumas teorias do contexto geral da pesquisa.
Lakatos não está totalmente convencido do tipo de racionalidade
implícito no falseacionismo metodológico, pois questiona:

mas a estratégia firme da classe do falseacionismo me-


todológico discutida até aqui não será firme demais? As
decisões que ela advoga não estarão fadadas a ser de-
masiado arbitrárias? Alguns podem até sustentar que a
única coisa que distingue o falseacionismo metodológi-
co do dogmático é que ele é falibilista da boca para fora
(LAKATOS, 1979, p. 139).

O falseacionismo como estrutura para o


nascimento da Metodologia dos Programas
de Pesquisa Científica: o falseacionismo
metodológico sofisticado

Lakatos afirmou que o recurso à história da ciência pode


evidenciar a incapacidade metodológica do modelo de racio-
nalidade presente no falseacionismo metodológico. Essa cons-
tatação articula, no seu entendimento, duas atitudes diferentes.

99
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

A primeira consiste em continuar na defesa de um ceticismo


de modelo humeano e implica “abandonar os esforços para
dar uma explicação racional do êxito da ciência” (LAKATOS,
1979, p. 140). Nesse particular, aquilo que se compreende por
método científico, ou seja, aquele mecanismo que permite ava-
liar racionalmente uma teoria científica e os elementos neces-
sários ao seu desenvolvimento simplesmente deixam de existir.
Ainda nessa atitude, Lakatos não reconhece a pretendida com-
petência kuhniana que procura apresentar o contexto de trans-
formação sob a perspectiva da psicologia social. A mudança
em termos de paradigmas está, para o autor da MPIC, ainda
num contexto de irracionalidade.
A segunda atitude, proposta por Lakatos, consiste em

tentar, ao menos, reduzir o elemento convencional do fal-


seacionismo (não podemos de maneira alguma eliminá-
-lo) e substituir as versões ingênuas do falseacionismo
metodológico [...] por uma versão sofisticada que daria
um novo fundamento lógico ao falseamento e, por esse
modo, salvaria a metodologia e a idéia de progresso cien-
tífico (LAKATOS, 1979, p. 141).

A estrutura que permite salvar o falseacionismo metodoló-


gico sofre, segundo Lakatos, uma modificação em sua compre-
ensão. Agora podemos falar de uma relação de exclusão entre
duas classes de falseacionismo metodológico. Há um tempo fa-
lamos da postura ingênua, em outro, do posicionamento sofisti-
cado. As formulações que permitem tal diferenciação podem ser
assim compreendidas:

para o falseacionista ingênuo qualquer teoria que se


possa interpretar como experimentalmente falseável é

100
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Imre Lakatos

aceitável ou científica. Para o sofisticado, uma teoria só


será aceitável ou científica se tiver um excesso corrobo-
rado de conteúdo empírico em relação à sua predecesso-
ra (ou rival), isto é, se levar à descoberta de fatos novos
(LAKATOS, 1979, p. 141).

A configuração de tal modelo leva em consideração uma


nova compreensão dos elementos que estão presentes no falsea-
cionismo. A versão sofisticada reclama, na consideração de uma
teoria, que ela tenha um conteúdo empírico excedente e que uma
parte desse excedente seja possível de ser verificado. O falsea-
mento de uma teoria é reconhecido pelo falseacionismo ingênuo
através da presença de enunciados que sejam conflitantes com a
teoria. É preciso que se recorde que esse enunciado deve ser obser-
vacional, não no sentido próprio do termo, mas no sentido em que
expressa uma imagem do conhecimento de fundo. Essa situação
conflitante pode ser considerada desde o próprio enunciado ou
pode ser motivada por uma decisão que parte da teoria para con-
siderar conflitante um enunciado.
O mecanismo que apresenta o falseacionismo dentro de
uma versão sofisticada envolve o seguinte encaminhamento: a
teoria que se propõe tomar como falseadora daquela estabeleci-
da deve conter um excesso de conteúdo empírico. Deve indicar
fatos novos que não poderiam ser visualizados e nem permitidos
pela teoria original. Mais ainda, a nova teoria deve reunir sobre
si mesma todas as explicações que eram possíveis no contexto da
teoria original e, além disso, é necessário que a nova teoria tenha
parte de seu conteúdo corroborado.
A compreensão dos desdobramentos deste exercício pre-
cisa levar em consideração que o falseacionismo ingênuo trata a
questão da preservação de uma teoria ao enfrentar o resultado

101
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

experimental com o recurso a um isolamento lógico reservado


às hipóteses auxiliares, sendo que essas hipóteses auxiliares são
compreendidas como conhecimento de fundo não problemáti-
co. A consequência disso pode ser entendida, segundo Lakatos,
da seguinte maneira: “ela [a hipótese auxiliar escolhida] se con-
verte num alvo fácil para o ataque de experimentos de testes”
(LAKATOS, 1979, p. 142).
A conclusão de Lakatos, que fica evidente durante suas
argumentações, recai sobre a falta de possibilidade de se pre-
servar uma teoria, lançando-se mão de uma hipótese auxiliar
que se configura como conhecimento de fundo. A história da
ciência não endossa o modelo de racionalidade daí emergente.
A salvação do falseacionsimo fica, então, associada à indicação
de alguns padrões que se pode fazer aos ajustamentos teóricos
com a finalidade de salvar uma determinada teoria. Lakatos
argumenta que “alguns desses padrões, na verdade, são conhe-
cidos há séculos e vemo-los expressos em epigramas seculares
dirigidos contra as explicações ‘ad hoc’; os subterfúgios va-
zios, as evasivas, os truques linguísticos” (LAKATOS, 1979, p.
142-143).
Lakatos não aceita as possibilidades evidenciadas pela sa-
ída oferecida por Duhem. O simplismo e o bom senso traduzem,
para este pensador, que os padrões referidos não garantem a cien-
tificidade de uma teoria. Qual, então, a saída para essa armadi-
lha? Quem melhorou a proposta de Duhem foi Popper. Não resta
dúvida de que as hipóteses auxiliares são elementos que permi-
tem uma harmonização entre as teorias e as proposições factuais.
As hipóteses auxiliares só ajudam a salvar uma teoria quando
satisfazem certas exigências bem definidas que permitem uma
demarcação mais lúcida entre o científico e o pseudocientífico ou
entre o racional e o irracional. Lakatos indica, então, como é que

102
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Imre Lakatos

o entendimento popperiano, reformula o simplismo duhemiano.


“De acordo com Popper, salvar uma teoria com a ajuda de hipó-
teses auxiliares que não satisfazem a essas condições representa
degeneração” (LAKATOS, 1979, p. 143).
A avaliação de uma teoria, se considerarmos a necessária
presença das hipóteses auxiliares, deve acontecer levando-se em
consideração justamente essas hipóteses; ou seja, a avaliação de
uma teoria junto com as hipóteses auxiliares permite perceber o
tipo de mudança que é produzida, o que possibilita a Lakatos con-
cluir que “está visto que, nesse caso, avaliamos uma série de teorias
e não teorias isoladas” (LAKATOS, 1979, p. 144). O progresso
possível consiste na reformulação que é passível de ser elaborada
no seio do falseacionismo metodológico. Primeiro só se conside-
rava uma teoria isolada; agora, fala-se de uma série de teorias. Os
critérios para o falseamento exigidos anteriormente, e que eram
expressos somente na linha de uma teoria isolada, passam agora a
ser ampliados para o contexto de série de teorias. Tal reformulação
permite que falemos de transferência progressiva e transferência
degenerativa de problemas.

Seja-nos permitido chamar progressiva à transferência


de problemas se ela for, ao mesmo tempo, teórica e em-
piricamente progressiva, e degenerativa se não o for. Só
aceitamos as transferências de problemas como científi-
cos se elas forem pelo menos teoricamente progressivas;
se não o forem rejeitamo-las como pseudocientíficas
(LAKATOS, 1979, p. 144-145).

A isso se segue a caracterização da noção de progresso ad-


quirida sob o mecanismo de um novo exercício de falseamento.
Lakatos faz esta constatação: “O progresso mede-se pelo grau
em que a série de teorias nos conduz à descoberta de fatos novos.

103
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

Consideramos falseada uma teoria da série quando ela é suplan-


tada por uma teoria com um conteúdo corroborado mais eleva-
do” (LAKATOS, 1979, p. 145).
Colocados lado a lado o falseacionismo ingênuo e aquele
sofisticado, teríamos o seguinte:

a) falseacionismo ingênuo: o critério empírico que julga sa-


tisfatória uma teoria é a concordância com fatos obser-
vados. Exige o teste da teoria falseável e a rejeição das
teorias não falseáveis;
b) falseacionismo sofisticado: o critério empírico que julga
satisfatória uma série de teorias é a produção de novos
fatos. Exige que tentemos olhar para as coisas de pon-
tos de vista diferentes, apresentando novas teorias que
antecipem fatos novos e rejeitem teorias que tenham
sido suplantadas por outras mais vigorosas.

A emergência da Metodologia dos Programas


de Pesquisa Científica
Existe um forte empenho, na argumentação lakatosiana,
para eliminar os obstáculos que limitam a eficiência de uma me-
todologia de cunho falseacionista. Uma vez compreendidos os
recursos utilizados pela postura ingênua, constatamos a incapa-
cidade desses na proposição de um modelo de racionalidade que
salvaguarde a necessidade de ser mantida uma formulação teórica
sob a denominação de científica. Essa argumentação apontou na
direção de resultados obtidos via reformulação da atitude ingênua.
Chegamos a uma falseacionismo que sofisticou os mecanismos
metodológicos para a abordagem e conservação de um enunciado

104
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Imre Lakatos

com caráter científico. O que marcou definitivamente o distancia-


mento entre os dois enfoques foi a constatação de que, no primeiro
(ingênuo), a atenção era dirigida para teorias isoladas, enquanto
que, no segundo (sofisticado), a atenção foi direcionada para uma
sucessão de teorias.
Se antes estávamos habilitados a falar de “uma teoria” cien-
tífica ou pseudocientífica, agora, corrigidos, vamos falar que so-
mente podem ser consideradas científicas ou pseudocientíficas
uma sucessão de teorias. Lakatos não está convencido de que o
falseamento de inspiração sofisticada deva ser, no entanto, aceito
de maneira despreocupada. Aponta para isso a existência daquilo
que é por ele denominado “paradoxo de rodeios (tacking paradox)”
(LAKATOS, 1979, p. 161). A compreensão dessa realidade é as-
sim expressa:

de acordo com nossas definições, acrescentar hipóteses


de baixo nível completamente desconexas a uma teoria
dada pode constituir uma transferência progressiva. É
difícil eliminar tais transferências provisórias sem exigir
que as asserções adicionais devam ser ligadas à asserção
original mais intimamente do que por simples conjunção
(LAKATOS, 1979, p. 161).

O elemento presente fundamental que proporciona a al-


teração é compreendido quando de trata de verem as asserções
adicionais ligadas às asserções originais. Essa ligação funciona
no sentido de uma “continuidade” e é essa que interessa de fato
a Lakatos, a qual, segundo ele, é elemento fundamental da his-
tória da ciência, o que o leva a concluir que “os principais pro-
blemas da lógica da descoberta só podem ser satisfatoriamente
discutidos na estrutura de uma metodologia dos programas de
pesquisa” (LAKATOS, 1979, p. 161).

105
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

A transferência progressiva e degenerativa de problemas


que possibilitam discutir a objetividade do progresso científico
só pode ser concebida, conforme ressalta Lakatos, a partir de
uma reformulação. O que se faz necessário considerar é a exis-
tência não mais de teorias isoladas, mas de série de teorias de
competição. Se assim é, a série de teorias possibilita a visualiza-
ção e um elemento que se encarrega de elaborar um estado de
interdependência entre elas. Tal estado é classificado como um
tempo de continuidade que tem como objetivo a ligação entre
os elementos de tais teorias consideradas. É, portanto, a conti-
nuidade que marca a identidade de um programa de pesquisa.
A ciência, como um empreendimento global, é, dessa manei-
ra, considerada como destacado programa de pesquisa, o que
se caracteriza pelas regras metodológicas com distintas funções.
Algumas teriam a incumbência de apontar que atividades devem
ser evitadas no exercício da pesquisa. Outras assumiriam a tarefa
de esclarecer quais as trilhas que os cientistas deveriam tomar
no mesmo exercício. As primeiras são denominadas pelo autor
como componentes da heurística negativa, enquanto as segundas
compõem a heurística positiva. “O programa consiste em regras
metodológicas; algumas nos dizem quais são os caminhos de
pesquisa que devem ser evitados (heurística negativa), outras nos
dizem quais são os caminhos que devem ser palmilhados (heu-
rística positiva)” (LAKATOS, 1979, p. 162).
Quando a análise é dirigida não mais para a ciência como
um empreendimento global, mas para determinadas situações
particulares, os conhecidos programas particulares de pesquisa,
vemos emergir mais claramente um contexto que permite me-
lhor compreender o papel da heurística tanto negativa quanto
positiva. A imagem da ciência daí resultante e, igualmente, a
compreensão da ideia de progresso científico conduzem-nos

106
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Imre Lakatos

diretamente ao centro do empreendimento lakatosiano sobre a


racionalidade científica.
Como Lakatos compreende um programa de pesquisa? A
metodologia proposta considera vital a existência de um núcleo
regulador, que deve ser mantido coeso e livre de qualquer tipo de
incursão que tenha como pretensão seu teste ou prova. A carac-
terística maior dessa proposta está na consideração de que a su-
cessão de teorias, T1, T2, T3, T4, está soldada por um elemento
de continuidade, que é justamente o núcleo do programa. Ainda
mais: tal núcleo é tornado infalseável por uma decisão metodo-
lógica. Essa é a novidade apresentada por Imre Lakatos.
Quando se entende a vigência de um programa de pesquisa,
a série de teorias consideradas evita incluir determinados enun-
ciados na listagem daqueles que devem ser sacrificados. A série
de teorias salvaguarda os enunciados, uma vez que estende a pos-
sibilidade de sua duração para além do limite da vida a que está
restrita uma teoria isolada (considerar a este respeito o ensaio de
Lakatos intitulado: A história da ciência e suas reconstruções racionais).
Somente numa série de teorias é que o núcleo pode se manter, por
decisão metodológica, infalseável. É aí que reside o fato de poder-
mos verificar o valor de um programa, bem como sua capacidade
para solucionar problemas e, mais ainda, o seu perfil de progressi-
vidade em relação aos outros programas.
A ampliação elaborada por Imre Lakatos, por meio do me-
lhoramento que produziu sobre o falseamento de Popper, requer
que se tome a história da ciência sem retoques ou ajustamentos
mutilantes. O caminho de Popper força a história a entrar e a se
adaptar ao seu programa, o que o leva, muitas vezes, a defender,
segundo Lakatos, equívocos lógicos. O atributo de científico ou
pseudocientífico conferido a uma sucessão de teorias, e não a
uma teoria, recompõe o duelo que marca a tarefa denominada

107
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

ciência. Em Popper, os protagonistas do enfrentamento se redu-


zem a uma teoria e os fatos, enquanto que em Lakatos os figuran-
tes são pelo menos três, ou seja, duas teorias em competição e os fatos.
Temos, dessa forma, um novo compromisso com a ques-
tão da transferência progressiva ou degenerativa de problemas.
Para tanto, é preciso olhar atentamente os aspectos que com-
põem as exigências da heurística negativa, como instrumento
protetor do núcleo.

A heurística negativa de um programa nos proíbe dirigir


o modus tollens para esse núcleo. Ao invés disso, preci-
samos utilizar nosso engenho para articular ou mesmo
inventar hipóteses auxiliares que formam um cinto de
proteção em torno do núcleo e precisamos redirigir o mo-
dus tollens para elas (LAKATOS, 1979, p. 163).

São as hipóteses auxiliares que devem servir como pon-


tos de resistência; são elas que compõem o cinto de proteção
para o núcleo, tornado inviolável. Os testes devem ser dirigidos
a elas, uma vez que sua função é servir de amparo aos impac-
tos proporcionados pelos exercícios de testagem. O núcleo será
cada vez mais sofisticado pelo processo de ajustamento/reajus-
tamento ou substituição constante do cinto de proteção forma-
do pelo conjunto de hipóteses auxiliares. Logo, “o programa
de pesquisa será bem sucedido se tudo isso conduzir a uma
transferência progressiva de problemas, porém mal sucedido
se conduzir a uma transferência degenerativa de problemas”
(LAKATOS, 1979, p. 163).
A transferência progressiva pode ser assim caracterizada:
cada nova teoria precisa ter um conteúdo empírico excedente
em relação às teorias que a precederam. Isso significa que a
nova teoria precisa tornar previsto um conteúdo novo que, sob

108
As revoluções científicas no interior da teoria da ciência proposta por Imre Lakatos

o domínio das teorias anteriores, não poderia ocorrer. Além


disso, é condição necessária para que a transferência seja pro-
gressiva que, ao ser tomada uma parte do conteúdo empírico
excedente da nova teoria, ocorra sua corroboração. Ou seja, é
necessário que a nova teoria conduza ao estabelecimento de
uma novidade: à descoberta real de algum fato novo. Se essas
exigências não forem satisfeitas, a transferência será caracteri-
zada como degenerativa.
Que função estaria, portanto, reservada à heurística
positiva? Sua função é servir como um mecanismo de orde-
nação (mais no sentido de limpeza) para “predizer e digerir”
(LAKATOS, 1979, p. 167). Ela deve fornecer as regras para que
se possa, primeiro, interferir nas variantes refutáveis e, depois,
modificar e sofisticar o também refutável cinto de proteção do
núcleo. Ela funciona como luz que guia o homem da ciência em
seu empreendimento. O cientista, embora decida à sua revelia
tornar irrefutável o núcleo de um programa de pesquisa, não
pode desconsiderar ou se ver livre das artimanhas próprias das
anomalias que se conjugam nos exercícios de uma investigação.
Cabe, portanto, à heurística positiva traçar estratégias para que
o mesmo cientista não seja por elas confundido. Elas permitem
que se fale em modelos que são por Lakatos entendidos da se-
guinte maneira: “Um modelo é um conjunto de condições ini-
ciais (possivelmente junto com algumas teorias obervacionais)
que se sabe condenado a ser substituído durante o subsequente
desenvolvimento do programa, e que até se sabe mais ou menos
como o será” (LAKATOS, 1979, p. 167).
Da consideração que podemos fazer sobre a análise
dos papéis desempenhados pela heurística negativa e heurísti-
ca positiva, Lakatos conclui que “a heurística positiva avança
aos poucos, com dificuldade, e com descaso quase completo

109
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

das refutações, fornecem os pontos de contato com a realidade”


(LAKATOS, 1979, p. 168).
Nesse quadro traçado pela metodologia dos programas
de pesquisa científica podemos retomar a preocupação inicial
deste trabalho: aquela que diz respeito ao progresso da ciên-
cia. Lakatos entende o progresso da ciência numa perspectiva
de revoluções, ideia comum tanto a Popper quanto a Kuhn.
Distancia-se do primeiro pelo empreendimento e reformulação
da teoria por ele defendida, e do segundo, por não concordar
com os pressupostos utilizados para se dar identidade ao pro-
cesso de entendimento da ciência. Traçar essa diferenciação é o
objetivo do capítulo seguinte.

110
5  A RACIONALIDADE
CIENTÍFICA: IMRE LAKATOS
E THOMAS KUHN – A DIFÍCIL
TAREFA PARA SUPERAÇÃO DE
OBSTÁCULOS

Os capítulos terceiro e quarto tiveram como objetivo


acompanhar, em alguns detalhes, o itinerário das teorias sobre
a racionalidade científica percorrido por Thomas Kuhn e Imre
Lakatos. Tal empreendimento foi realizado com a finalidade de
apresentar os elementos que servem como dados para um difícil
diálogo. Diálogo difícil porque, embora os autores partilhem de
uma mesma convicção – aquela do papel decisivo da história das
ciências na compreensão da atividade científica –, distanciam-
-se num enfrentamento ao apresentar o esquema de desenvolvi-
mento da maneira pela qual ambos compreendem o exercício
da ciência. Os dois últimos capítulos foram escritos para apre-
sentar uma alternativa mais crítica àquela noção da ciência cuja
démarche foi parcialmente apresentada no primeiro e segundo
capítulos. Numa primeira leitura, parece que nos desviamos da
questão inicial para percorrer caminhos diferentes. Tal desvio se
fez necessário dada a intenção de resgatar os fundamentos que
podem sustentar nossa reflexão e posicionamento.
Neste quinto capítulo retomamos nossa preocupação
original: colocar frente a frente aspectos da teoria kuhniana e
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

lakatosiana sobre a ciência e seu desenvolvimento. Nossa refle-


xão, de caráter conclusivo, não pretende construir uma definição
que acomode as preocupações e respeite a autonomia dos dire-
cionamentos supostamente independentes originários da filoso-
fia e da ciência. As razões para isso são encontradas, primeiro,
na certeza de que as diferenças entre as construções de Lakatos
e Kuhn não permitem que tais preocupações sejam contornadas;
pelo contrário, instigam-nas e as realimentam. Depois, pelo fato
de verificar que o discurso científico exige, por sua vez, uma con-
jugação de fundamentos que partam tanto da ciência quanto da
filosofia, além de não se esgotarem em si mesmos, permanecem
abertos a contribuições exteriores, como aquelas da sociologia,
da história, da psicologia, da lógica, etc., áreas que, por serem
ou não consideradas, tão bem caracterizam as construções de
Lakatos e Kuhn.
Iniciamos o processo de confronto fazendo alusão às di-
ficuldades que podem ser encontradas no âmbito geral da ati-
vidade científica, conforme assinala Michael Serres (1990, p.
125): “pode-se dar a volta em torno da ciência assim como se
faz para que se possa melhor perceber alguma coisa. Não é por
isso que a ciência, assim como a própria coisa, nos são dadas
tais como são, mas, pelo menos, são consideradas a partir de
múltiplas perspectivas”.
Tais perspectivas múltiplas são configuradas tanto num di-
recionamento kuhniano quanto lakatosiano. Algumas delas fun-
cionam como “gênio maligno” (à moda cartesiana) confundin-
do nossas melhores intenções; outras, como demiurgo (à moda
platônica) a possibilitar nosso acesso a outras realidades. É por
isso, talvez, que a ciência, vista pelos olhos de Kuhn e Lakatos,
seja compreendida não pela presença de pontos de acordo co-
mum (consenso), mas pela presença de resultados parciais e não

112
A racionalidade científica

definitivos de um processo permanente de investigação que en-


volve uma atitude constante de crítica.
O universo de enfrentamento onde estão situadas as ima-
gens da ciência, como Vigência de Paradigmas e Programas de
Investigação Científica, delineia-se já como uma crítica. Embora
Lakatos conclua que “criticar uma teoria da crítica é quase sem-
pre muito difícil” (LAKATOS, 1979, p. 139), esse parece ser, no
entanto, o caminho disponível para a composição de um quadro
de referências adequado sobre a ciência e seu desenvolvimento.
As linhas de compreensão da crítica explicitada nunca estão de-
finitivamente identificadas e localizadas; a crítica, assim como o
real, é realizante.

Identificação das divergências: conclusão

Parece existir, no conjunto daqueles estudos destinados


a compreender a atividade científica em suas particularidades,
uma espécie de consenso, talvez não tão explícito, quanto ao
fato de se adotar ou continuar adotando a imagem da ciência
produzida pelas construções de natureza indutivista conforme
nossos capítulos iniciais. Não podemos afirmar que o recurso
aos dados da natureza, bem como a utilização de uma meto-
dologia indutiva, não tenham mais algum papel no processo de
compreensão da ciência enquanto atividade dos homens que
desejam expandir seus conhecimentos sobre o real e seu com-
portamento. Ao contrário, a caracterização empírico-indutiva
desta atividade é ainda oportuna e tem produzido versões inter-
pretativas as mais amplas e abrangentes – o positivismo lógico
conjugando a tradição empirista que aponta para a experiên-
cia sensível como única base sólida para o conhecimento, e a

113
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

tradição teórica de matriz lógica na qual se situam pensadores


como Frege, Russel e, também, o Wittgenstein do Tractatus – é
a mais significativa das contribuições que se mantêm fiéis às
linhas básicas daquele empreendimento. É por esse motivo que
os modelos alternativos só são possíveis enquanto se constituem
como crítica daquelas construções.
Neste trabalho, utilizamos, conforme nosso segundo ca-
pítulo, as reflexões de Karl Popper que buscavam critérios para
demarcar os conteúdos da ciência e da não ciência, como um
acontecimento que produziu uma quebra e também um distan-
ciamento daquelas análises de fundamento empírico-indutivo.
Mostrados os limites de uma ciência elaborada a partir da indu-
ção, era necessário estabelecer que elementos deveriam ocupar o
papel de um novo enfoque explicativo.
Para a conclusão desta nossa reflexão, não nos prendemos
às novidades popperianas em si, mas utilizamo-nos da presença
de Karl Popper enquanto figura que serve de mediação para o
surgimento das teorias de Lakatos e Kuhn. A caracterização da
ciência a partir destes dois últimos autores tem, necessariamente
em Popper, senão sua origem, pelo menos alguns traços que as
marcam definitivamente.
A metodologia dos Programas de Investigação Científica,
proposta por Imre Lakatos, nasceu porque o autor ousou intro-
duzir melhoramentos na atividade falseacionista desenvolvida
por Karl Popper. Desse modo, uma distância crítica cada vez
mais visível se instaurou em relação a Popper, na medida em
que Lakatos reivindicava sua autonomia de pensamento e se per-
mitia criticar explicitamente as teorias de Popper. Em Lakatos,
embora em nada comprometa sua originalidade, a referência
a Popper é diretamente necessária. A natureza desse distan-
ciamento parece indicar que Lakatos se apresenta como uma

114
A racionalidade científica

espécie de “salvador” da doutrina popperiana, primeiro porque


a Metodologia dos Programas de Investigação procura ampliá-la
por conta daquela autonomia relativa de uma teoria em ciência,
fato este que parece, aos olhos de Lakatos, suprir aquilo que as
Conjecturas e Refutações não puderam assegurar e, depois, porque
a Metodologia dá um tratamento ao problema da indução, asse-
gurando-lhe um caráter positivo a fim de evitar que o racionalis-
mo crítico se transforme num anarquismo epistemológico como
aquele pensado por P. Feyerabend. Parecer que Lakatos desejou
livrar a filosofia da ciência de Popper daquela interpretação céti-
ca tão apreciada pelo autor de Against Method11.
No que se refere a Thomas Kuhn, o relacionamento com
a obra de Karl Popper assume outra trajetória. A maneira como
Kuhn vê a formação, o desenvolvimento e a superação das teo-
rias científicas em sua Estrutura das Revoluções Científicas surge in-
dependentemente da obra de Karl Popper, independência muito
mais de contexto do que propriamente de convicções. As críticas
à nossa disposição indicam que foi a obra de Thomas Kuhn que
causou desassossego ao espírito de Popper. Em sua origem, o
pensamento de Kuhn está mais próximo da sociologia da ciên-
cia desenvolvida por Merton e do enfoque histórico conferido à
filosofia da ciência por autores como Whewell, Mach, Duhen e
Myerson, do que com as preocupações racionalistas críticas de
Sir Karl Popper.
O desassossego de Karl Popper diante das ideias de Kuhn
não é apenas algo ilustrativo. Em Popper, as ideias de Kuhn
encontraram como que um mecanismo de prova, uma instân-
cia para checar a solidez de seus fundamentos. Embora, ironi-
camente, Kuhn admita existir entre ele e Popper muito mais

11
Utilizamos, neste trabalho, a tradução elaborada por Octanny S. da Mota e Leo-
nidas Hegenberg, publicada pela Editora Francisco Alves, em 1989.

115
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

semelhanças do que diferenças (KUHN, 1979, p. 5-32), suas


construções não são compatíveis, uma vez que deixam um lega-
do essencialmente diferente para a filosofia da ciência. Parece ser
possível afirmar com certeza que, sem a presença de Karl Popper,
o impacto causado pelos pensamentos de Kuhn teria outro rumo
e que seu lugar na filosofia da ciência seria diverso. Se as ideias
de Kuhn, ao afirmar a decisiva presença da dinâmica comunitá-
ria como critério de validação da teoria científica, inquietaram
a Popper, parece ser viável admitir que tal inquietação também
foi assumida por Imre Lakatos no momento em que se propôs a
melhorar as contribuições do mestre.
Enquanto Lakatos “depende” diretamente de Popper
para superá-lo, Kuhn adquire seu sentido no enfrentamento e na
divergência entre suas ideias e aquelas de Popper. De qualquer
modo, Popper se transforma no ponto que serve de vértice para
as divergências entre Lakatos e Kuhn.
O que se deve reter de Popper? Em poucas palavras: a
força da história. Um momento decisivo parece ter surgido do
contexto popperiano: como elemento para a evolução da ciência
não se deve tomar o indivíduo quer em sua constituição ética
ou psicológica; o científico passa a ser definido como situação.
Popper afirma:

o avanço da ciência não se deve ao fato de se acumu-


larem ao longo do tempo mais e mais experiências
perceptuais. Nem se deve ao fato de estarmos fazendo
uso cada vez melhor de nossos sentidos. A ciência não
pode ser destilada de experiências sensoriais não inter-
pretadas, independentemente de todo o engenho usado
para recolhê-las. Idéias arriscadas, antecipações injusti-
ficadas, pensamento especulativo são os únicos meios
de que podemos lançar mão para interpretar a natureza:

116
A racionalidade científica

nosso organon, nosso único instrumento para aprendê-la


(POPPER, 1973, p. 307).

Entendemos ser a sua teoria dos três mundos aquela que


nos pode auxiliar na descrição de uma tal situação.
Desenvolvida a partir dos escritos de 1968, tal teoria se ca-
racteriza como expressão radical da força da história e uma, no
mínimo curiosa, tentativa de solução do problema da validação
das teorias. Não nos aprofundaremos nessa teoria, não é nosso
objetivo; queremos considerá-la porque entendemos residir aí,
talvez, a significativa divergência entre Lakatos e Kuhn. Uma
teoria científica encontra pertinência de acordo com a referên-
cia que faz ao real existente. O real é, num primeiro momento,
constituído pelos processos materiais, geológicos, físico-quími-
cos, meteorológicos, etc.; é o mundo das realidades dadas pela
própria natureza independentemente dos critérios subjetivos
do homem (primeiro mundo). Num segundo momento, o real é
constituído pelo mundo dos homens com suas convicções, seus
medos, desejos, intenções, crenças, conscientes ou não, psíquicas
ou presentes em seus órgãos de percepção e em seu metabolis-
mo (segundo mundo). No terceiro momento, por sua vez, o real é
constituído pelo conhecimento objetivo, livre de qualquer contá-
gio com os elementos do segundo mundo, privilégio das ciências
matemáticas e lógicas (terceiro mundo).
Para salvar a racionalidade da ciência, Popper fez com que
o último critério para distinguir um conteúdo científico daquele
não científico pertencesse ao terceiro mundo, abrindo caminho
para uma ciência que, na reconstrução de Lakatos, deverá ser
isenta de todo e qualquer contágio com o mundo das crenças tão
considerado por Kuhn. A confrontação entre Kuhn e Lakatos se
traduz na consideração do problema de fundo que privilegia o

117
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

papel da história no desenvolvimento das ciências. Do lado de


Lakatos, uma ciência distanciada da história circunstancial, ge-
radora de uma racionalidade imperfeita pertencente ao terceiro
mundo; do lado de Kuhn, uma ciência que, se não for produzida,
pelo menos se estabelece a partir de estratégias retóricas, emer-
gidas do segundo mundo dos cientistas. Em Lakatos, o último
critério pertence ao terceiro mundo de Popper, enquanto que
para Kuhn a ciência é uma atividade que se desenvolve substan-
cialmente no contexto do segundo mundo.
Stegmüller fez perceber que Kuhn e Popper estão de acor-
do quanto à precariedade das regras de inferência indutiva e sua
opção pelos aspectos históricos da ciência. Nota, entretanto, que
Kuhn vê um erro básico na teoria da ciência de Popper, esforçan-
do-se para mostrá-lo em uma sentença:

[...] nenhum dos processos, dentre os que até hoje fo-


ram revelados pelos estudos históricos, guarda a menor
semelhança com os padrões de falseamento proposto
por Popper. De acordo com Kuhn, a rejeição de uma te-
oria só pode ter lugar com base em dados conflitantes
(STEGMÜLLER, 1977, v. 2, p. 360).

Se, no terceiro mundo, o real é encontrado de maneira


límpida, como admitir que, num determinado momento, possa-
mos simplesmente passar do conflitante segundo mundo para as
evidências lúcidas do terceiro mundo, depurado dos conflitos do
dia a dia?
Lakatos se propôs a fazer uma análise do conflito entre
Popper e Kuhn. Qual a intenção? Talvez reservar espaço para
uma solução que ele pretende seja aquela de uma ciência emer-
gente a partir de uma história reconstruída racionalmente. O ide-
al perseguido parece ser a substituição da história circunstancial

118
A racionalidade científica

sempre imperfeita, pois, em seu contexto, se é obrigado a seguir


o desenrolar dos fatos em sua confusão e suas contradições, por
uma história plenamente racional, história tal como deveria ser
se os homens pudessem, ao menos uma vez, transformar-se em
seres plenamente racionais. Com sua história reconstituída,
Lakatos objetiva uma história ideal, tendo como único motivo
para o trabalho a plenitude do sentido revelado em sua perfeição
racional. Tal empreendimento só é possível livrando os enun-
ciados de uma teoria dos erros e desvios que são comuns na re-
formulação de uma história que faz da atividade científica uma
atividade entre tantas outras. Para Lakatos, a atividade científica
é uma atividade à parte e assim deve permanecer, porque o co-
nhecimento científico é o único a fazer progredir o racional em
nosso mundo. Para tanto, o conhecimento científico deve mere-
cer esse privilégio, satisfazendo os critérios que lhe são próprios.
Lakatos se mostra intransigente sobre esse ponto; nenhum tipo
de ajuste é permitido, pois as normas de racionalidade são in-
tocáveis e é melhor desqualificar um trabalho científico como
pseudocientífico do que aceitar, mesmo em um só caso, um
afrouxamento das normas de especificação do racional. A obser-
vância das normas de racionalidade é que governa a emergência
do conhecimento científico.
Lakatos alega que Kuhn, ao privilegiar a história externa
(descritiva-empírica), minimiza a história interna (normativa),
caindo numa sequência de erros que o situa como defensor tan-
to do psicologismo e sociologismo quanto do autoritarismo, do
historicismo e do pragmatismo (LAKATOS, 1979, p. 111-112).
Entre todos os seus erros, o maior talvez tenha sido aquele de
fazer da ciência o resultado de um compromisso entre os cientistas
de uma determinada comunidade, fato que revela uma atividade
própria do mundo popperiano das crenças.

119
Bortolo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira

Assim considerado, Kuhn, por seu turno, preserva um es-


sencial na ciência que é a autonomia da comunidade científica
como produto de seus desafios sociais e científicos. Não só isso:
além de preservar tal autonomia, ele requer que ela seja instituída
como norma e condição de possibilidade para o exercício fecun-
do de uma ciência. Tal condição é válida tanto para os períodos
da chamada ciência normal, aqueles nos quais a comunidade se
limita a aplicar o paradigma, como também para aqueles que
têm as revoluções paradigmáticas com a finalidade de renovação
da ciência, ou seja, períodos de ciência revolucionária. A preser-
vação da autonomia da comunidade não parece ser, no entanto,
a única característica essencial da ciência. Se de um lado se firma
a autonomia, de outro se firma a possibilidade de reduzir o para-
digma a uma mera e simplista leitura sociológica ou psicológica,
Kuhn constrói uma ligação entre elas.
O pensamento kuhniano é perfeitamente claro em um as-
pecto: o paradigma não pode ser interpretado como uma decisão
“puramente humana” em qualquer teoria para a decisão que se
pretende considerar. Nenhuma decisão humana, nenhuma di-
ficuldade, nenhum ensinamento poderão eliminar a diferença
entre as ciências definidas por um paradigma e aquelas em que
tal decisão reside no fato de que um paradigma não é somente
uma maneira de “ver” as coisas, de formular questões ou de in-
terpretar resultados. Um paradigma é, primeiro e antes de tudo,
uma espécie de ordem prática. O que é transmitido não é uma
visão de mundo, mas uma maneira de fazer, uma maneira não
somente de julgar os fenômenos, de lhe conferir uma significa-
ção teórica. É também uma maneira de intervir, de submeter tais
fenômenos a situações inéditas, de explorar a menor consequ-
ência e o menor efeito implicado pelo paradigma na criação de
uma nova situação experimental. É desta maneira que Kuhn se

120
A racionalidade científica

refere ao paradigma, como puzzles, para esclarecer que, durante


os períodos da dominada ciência normal, o fracasso na solução
de um problema não deverá ser relacionado à pertinência do pa-
radigma, mas sim à competência do cientista.
A mentalidade do cientista não pode, em última instân-
cia, ser formada por ensinamentos que lembram doutrinamento,
nem tampouco pelo arrefecimento da força repressiva das regras
dos jogos rivais. Não pode, igualmente, ser o produto de uma
adaptação que busca ver em todos os lugares situações que se
assemelham a um modelo, que confirmam uma teoria. Tal men-
talidade deve ser formada pelo desafio. Não se pode buscar um
quadro com fundamentos unânimes, monótonos, em que seja
possível reconhecer apenas e sempre a mesma coisa. É preciso
buscar um quadro semelhante a um terreno acidentado, rico em
diferenças que precisam ser exploradas, em que o termo “reco-
nhecimento” remeta não a uma simples constatação de seme-
lhanças, mas ao desafio que provoca a atualização.
Lakatos, na sua consideração sobre as ideias de Kuhn,
parece ter visualizado em demasia a autonomia da comunida-
de, parece ter visto nesse compromisso uma diminuição da ação
do cientista enquanto indivíduo e uma supervalorização dos
pactos comunitários. Parece ter identificado, de maneira talvez
premeditada, um excesso de zelo comunitário que o impediu de
contemplar o paradigma como algo maior do que uma visão de
mundo, e o resultado só poderia ser uma constatação do tipo
que, no programa de pesquisa kuhniana, “não devemos estudar
a mente do cientista individual, mas a mente da Comunidade
Científica. A psicologia individual é substituída pela psicologia
social; a imitação dos grandes cientistas pela submissão à sabe-
doria coletiva da comunidade” (LAKATOS, 1979, p. 221).

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147
Publicações da Editora
Universitária Champagnat – Livros
www.editorachampagnat.pucpr.br

Coleção Didática
1 - Ética: abordagens e perspectivas – 2ª edição
Cesar Candiotto (Org.)
2 - Cultura, religião e sociedade: um diálogo
entre diferentes saberes
Luiz Alexandre Solano Rossi e Cesar Kuzma (Org.)

Coleção Pensamento Contemporâneo


1 - Kant e o problema da significação
Daniel Omar Perez
2 - Richard Rorty: filósofo da cultura
Inês Lacerda de Araújo e Susana de Castro (Org.)
3 - Mente, cognição, linguagem
Cesar Candiotto (Org.)
4 - Introdução ao pensamento de Karl Popper
Bortollo Valle e Paulo Eduardo de Oliveira
5 - A solidão como virtude moral em Nietzsche
Jelson Oliveira
6 - Desejo e prazer na idade moderna
Luiz Roberto Monzani

Coleção Prolegômenos
1 - A lógica dos estoicos
Cleverson Leite Bastos e Paulo Eduardo de Oliveira
2 - Lógica modal: aspectos históricos
Cleverson Leite Bastos e Paulo Eduardo de Oliveira
Coleção Filosofia
1 - A genealogia de Nietzsche
Antonio Edmilson Paschoal
2 - Wittgenstein: a forma do silêncio e a forma da palavra
Bortolo Valle
3 - Temas de ética
Inês Lacerda de Araújo e Francisco Verardi Bocca (Org.)
4 - Temas de epistemologia
Inês Lacerda de Araújo e Francisco Verardi Bocca (Org.)

Coleção Educação: Teoria e Prática


1 - Pedagogia hospitalar
Elizete Lúcia Moreira Matos e
Margarida Maria Teixeira de Freitas Muggiati
2 - Uma experiência de virtualização universitária:
o Eureka da PUCPR
Elizete Lúcia Matos e Péricles Varella Gomes (Org.)
3 - Docência universitária na sociedade
do conhecimento
Marilda Aparecida Behrens (Org.)

4 - O tempo e o espaço na educação:


a formação do professor
Ana Maria Eyng, Romilda Teodora Ens e
Sérgio Rogério Azevedo Junqueira (Org.)
5 - O tempo e o espaço na educação:
o cotidiano escolar
Ana Maria Eyng, Romilda Teodora Ens e
Sérgio Rogério Azevedo Junqueira (Org.)
6 - Educação em enfermagem: novos olhares
sobre o processo de formação
Marilda Aparecida Behrens e Maria de Lourdes Gisi (Org.)
7 - Tecnologia e inovação na educação universitária:
o MATICE da PUCPR
Péricles Varella Gomes e Ana Maria Coelho Pereira Mendes (Org.)
8 - Discutindo a educação na dimensão da práxis
Marilda Aparecida Behrens, Romilda Teodora Ens e
Dilmeire Sant’Anna Ramos Vosgerau (Org.)
1 - Trabalho do professor no espaço escolar
Marilda Aparecida Behrens e Romilda Teodora Ens
2 - Trabalho do professor e saberes docentes
Dilmeire Sant´Anna Ramos Vosgerau,
Marilda Aparecida Behrens e Romilda Teodora Ens
3 - Teoria e prática na pedagogia hospitalar: novos cenários,
novos desafios
Elizete Lúcia Moreira Matos e Patrícia Torres

Coleção Exatas
1 - Matrizes do discurso doutrinário na arquitetura:
uma revisão concisa
Elvan Silva
2 - Platão redimido: a teoria dos números figurados na ciência
antiga e moderna
Manoel de Campos Almeida
3 - Vade-mécum de tipografia
Antônio Martiniano Fontoura
4 - Análise sensorial de alimentos – 3ª edição
Silvia Deboni Dutcosky
5 - Tecnologias na construção civil e matemática aplicada
Roberto Fendrich (Org.)

Coleção Educação Gralha Azul


1 - As escolas da colonização polonesa no Brasil
Ruy Christovam Wachowicz
2 - A educação dos imigrantes alemães católicos em Curitiba
Valquíria Elita Renk
3 - Identidade e experiência: uma escola
confessional na República Velha
Rosângela Wosniak Zulian

Coleção Educação: Religião


1 - Um ideal, um caminho, uma proposta
Sérgio Rogério Azevedo Junqueira
2 - Educação religiosa
Luíz Alberto Sousa Alves e Sérgio Rogério Azevedo Junqueira
(Org.)
3 - A identidade pedagógica da Pastoral
na Universidade Católica
Sérgio Rogério Azevedo Junqueira (Org.)

4 - Pastoral da universidade e universidade em pastoral: um


novo paradigma
Alexander Bernardes Goulart, Elaine Fátima Strapasson e
Águeda Bichels (Org.)
5 - O ensino religioso no Brasil
Sérgio Rogério Azevedo Junqueira e Raul Wagner (Org.)

Coleção Formação do Professor


1 - Formação do professor: profissionalidade,
pesquisa e cultura escolar
Romilda Teodora Ens e Marilda Aparecida Behrens (Org.)
2 - Alfabetização: aprendizagem e conhecimento
na formação docente
Evelise Maria Labatut Portilho (Org.)
3 - Ser professor: formação e os desafios na docência
Romilda Teodora Ens e Marilda Aparecida Behrens (Org.)
4 - Políticas de formação do professor:
caminhos e perspectivas
Romilda Teodora Ens e Marilda Aparecida Behrens (Org.)
5 - Representações sociais: estudos metodológicos
em educação
Clarilza Prado de Sousa, Lúcia Pintor Santiso Villas Bôas,
Adelina de Oliveira Novaes e Marília Claret Geraes Duran (Org.)
Impresso na Gráfica da APC
Rua Imaculada Conceição, 1155 - Prado Velho - CEP 80215-220
Telefone: (41) 3271-1769 - Fax: (41) 3271-1577
Curitiba - Paraná - Brasil

A presente edição foi composta pela Editora Universitária


Champagnat e impressa na Gráfica da APC, em sistema offset,
papel offset 75 g/m² (miolo) e papel supremo 250 g/m² (capa),
em setembro de 2012.

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