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Pedagogia Indígena Decolonial e


Interculturalidade

Bruno Andrade da Gama


IFPA

Mábia Aline Freitas Sales


IFPA

10.37885/211006332
RESUMO

Este texto é resultado da relatoria da Conferência Pedagogia Indígena decolonial e


Interculturalidade, ministrada no encerramento do I Simpósio da RENNEABI: Povos
Indígenas e Questões Étnicos Raciais ocorrido no período de 22 a 23 de abril de
2021. O objetivo da conferência era fazer uma relação entre pedagogia indígena e os
conceitos de decolonialismo e interculturalidade. A apresentação realizada pelo profes-
sor da Universidade Federal do Amazonas, Gersem Baniwa, permitiu uma reflexão para
além dos conceitos propostos, levando o público do evento a uma reflexão acerca dos
princípios que compõem as pedagogias indígenas, seus significados e sentidos para os
povos indígenas. Esta perspectiva permite uma reflexão acerca das teorias decoloniais
e o reconhecimento das pedagogias indígenas enquanto autônomas, pré-coloniais e não
coloniais, o que pressupõe que elas existiram e continuam a existir na colonialidade e
na pós colonialidade. Portanto, no cenário contemporâneo em que a educação enfren-
tas tensões e desafios, os processos educativos indígenas precisam ser visitados pela
ciência acadêmica e pela humanidade, em geral.

Palavras-chave: Povos Indígenas, Educação Escolar Indígena, Educação Para as Relações


Étnico-Raciais (ERER), Decolonialismo, Decolonialidade.

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Educação na Contemporaneidade: tensões e desafios
INTRODUÇÃO

A Conferência de Encerramento intitulada Pedagogia Indígena decolonial e


Interculturalidade ocorrida durante o I Simpósio da RENNEABI: Povos Indígenas e Questões
Étnicos Raciais foi proferida pelo professor Gersem Baniwa, da UFAM - Universidade do
Amazonas, no contexto do Puxirum da Semana Nacional Indígena. O debate proposto
nesta conferência leva em consideração a necessidade de reconhecimento dos povos indí-
genas como protagonistas na construção de experiências que podem dialogar com outras
formas de saberes.
Sobre essa situação de protagonismo dos povos indígenas na história, leia-se, no
passado, presente e futuro, Maria Regina Celestino de Almeida (2010) destaca que os
indígenas estão, paulatinamente, saindo dos bastidores e conquistando um lugar no palco
da histórias, porém essas conquistas têm sido resultados de muitas lutas. Nesse sentido,
o conhecimento das pedagogias indígenas decoloniais contribuam para essa migração de
figurantes para protagonistas.
A partir de uma perspectiva decolonial e intercultural é possível romper com as coloniali-
dades que foram impostas aos povos indígenas ao longo da história e promover intercâmbios
culturais, no sentido de facilitar a interação entre diferentes culturas, sem hierarquizações
ou sobreposições sociais. Nessa perspectiva, entende-se que é através da educação que
se pode alavancar uma luta decolonial que valorize a interculturalidade e a transculturali-
dade, de maneira a construir uma sociedade mais equitativa, onde a pedagogia e a ciência
indígena sejam valorizadas, reconhecidas e democratizadas.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A ideia que originou esta conferência parte da concepção básica de que pensar peda-
gogia indígena ou pedagogias indígenas é fazer um debate em torno da decolonialidade e da
interculturalidade. Isto porque de uns anos para cá se tornou usual pensar a necessidade da
elaboração de narrativas contra hegemônicas a partir da perspectiva das sociedades desco-
lonizadas, em um exercício de repensar o lugar, o papel dessas sociedades na construção
de uma epistemologia e de uma prática libertadora no contexto pós colonial. Eis a missão
dos povos historicamente subalternizados, entre eles os indígenas (BRIGHENTI, 2016).
Vale ressaltar que o problema apresentado perpassa pela tríade: colonial/pós-colonial/
decolonial ou colonialidade/pós-colonialidade/decolonialidade. Assim, como antessala dos
estudos decoloniais, nas décadas de 1970 e 1980 a preocupação foi com os estudos pós
coloniais. Segundo Larissa Rosevics, em estudo intitulado: Do pós-colonial à decoloniali-
dade (2017) essas pesquisas pós coloniais estavam preocupadas em “entender como o
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mundo colonizado é construído discursivamente a partir do olhar do colonizador, e como o
colonizado se constrói tendo por base o discurso do colonizador” (ROSEVICS, 2017, p. 173).
Dessa forma, os estudos decoloniais vem crescendo significativamente a partir da
década de 1990 e são inúmeros os autores que vem perseguindo esta temática, especial-
mente na América Latina (DUSSEL, 1994; LANDER, 2000; QUIJANO, 2000, 2007; ORTIZ
FERNÁNDEZ, 2004; ESCOBAR, 2005; MALDONADO-TORRES, 2007; LUGONES, 2008;
WALSH, 2009; MIGNOLO, 2010; OLIVEIRA & CANDAU, 2010; GOMES, 2018). Entretanto,
na América Latina, o conceito tem um significado peculiar por este ser um espaço marcado
pela colonialidade.
Esses estudos decoloniais têm como premissa a desconstrução do eurocentrismo que
normatizou, ao longo da história, a colonialidade. Colonialidade, por sua vez, é um conceito
que pode ser aplicado a vários campos ou dimensões de análise, tais como: a colonialidade
do saber, do ser, da natureza, do poder, do pensamento e do gênero (QUINTERO, 2019).
Seja qual for a dimensão, a colonialidade pressupõe a opressão, a imposição, a dominação.
Portanto, a perspectiva decolonial vai na contramão da colonialidade ou dos princípios que
o balizaram, ao longo da história mais distante ou mais próxima, das tensões da contem-
poraneidade. Por ter sido um dos espaços de colonialidade, a América Latina se tornou um
campo fértil para estudos decoloniais, isto porque aqui a colonialidade sobrepujou o colonia-
lismo e construiu estruturas de poder que, ainda hoje, continuam a reproduzir subjetividades
eurocêntricas (QUIJANO, 2000).
O conceito de interculturalidade, por sua vez, também é recorrente em vários lugares
do mundo. Na Europa, por exemplo, ele passou a ser mais usado para pensar a integração
ou possibilidades de convívio dos europeus com os povos recém-chegados de ex-territórios
conquistados, especialmente da África e das Américas, no contexto pós colonial. O movi-
mento migratório dos antigos territórios coloniais para a Europa criou para os europeus o
dilema da interculturalidade. Era preciso pensar em formas de integração e convívio que
ultrapassassem a concepção do multiculturalismo, conceito também utilizado no estudo da
diversidade cultural. No entanto, este servia para a ideia da coexistência de grupos culturais
diferentes. Todavia, era preciso refletir sobre a necessidade de integração e, para isso, o
conceito de interculturalidade seria mais apropriado (WALSH, 2002).
Na América Latina o debate em torno da interculturalidade, por sua vez, não é unívoco
(REPETTO, 2019). A prática desse conceito se fez de forma diferenciada em seus países.
Não obstante, pode-se dizer que, na América Latina, o debate da interculturalidade está re-
lacionado aos povos indígenas. Enquanto na Europa o conceito foi acionado para pensar a
relação com os estrangeiros, aqui o mesmo foi reivindicado para pensar os povos autóctones

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em sua relação com o Estado que tem se mostrado nada amistosa, apesar de um pretenso
discurso de coesão que, na prática, inexiste.
Considerando a relação desigual que assolou as populações indígenas no contexto da
produção da colonialidade e que continua a assolá-las no contexto pós colonial, a intercul-
turalidade seria uma forma de valorizar as diferenças entre as sociedades, mas, ao mesmo
tempo, buscar aproximá-las. E é importante ter cuidado para que nesse processo não se
negue as lutas, as resistências e não se legitime a dominação, por consequência, as relações
assimétricas de poder tão criticadas pelo decolonialismo. Nesse sentido, uma perspectiva
intercultural valoriza a equidade social, a luta pelo direito a igualdade na diferença. Destarte,
as diferenças não devem desagregar os diversos povos, mas alinhá-los na busca por justiça
social a partir do pleno reconhecimento das desigualdades sociais que não podem mais ser
naturalizadas. E nessa perspectiva, a interculturalidade ultrapassou o multiculturalismo e se
aproximou da perspectiva decolonial.
Nesse contexto, em que a educação contemporânea enfrenta desafios, o debate sobre
a tensão entre igualdade e diferença se nos apresenta como necessária. Nesse sentido,
Oliveira e Candau (2010, p. 16) pontuam que “nos últimos anos, a problemática das rela-
ções entre educação e diferenças culturais tem sido objeto de inúmeros debates, reflexões
e pesquisas, no Brasil e em todo o continente latino-americano.”
Assim, é importante frisar que o ensino de História e, especialmente, da História e
Cultura Indígena tem sido alijado do currículo escolar ao longo do processo educacional
brasileiro. Tal processo de exclusão ou de esvaziamento do currículo vem sendo debati-
do entre os movimentos indígenas, instituições, intelectuais da área. Como consequência
das lutas sociais e históricas, foram alcançadas políticas afirmativas fundamentais para a
construção de uma educação antirracista (SILVA & RIBEIRO, 2019) que priorize a inserção
de temáticas que valorizem os povos indígenas, sua ciência, seus saberes, suas histórias,
culturas e experiências no passado e no presente.

METODOLOGIA

O I Simpósio da RENNEABI: Povos Indígenas e Questões Étnicos Raciais, ocorreu


nos dias 22 e 23 de abril de 2021. O evento contou com a apresentação de diversas mesas,
com os mais variados temas, minicursos e oficinas. A conferência de encerramento, que teve
como tema Pedagogia Indígena Decolonial e Interculturalidade, teve início às 17h30min e
seu encerramento ocorreu às 19h30min.
O convidado para ministrar a palestra foi o professor Dr. Gersem Baniwa, que possui
graduação em Filosofia pela Universidade Federal do Amazonas (1995), mestrado (2006)
e doutorado em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (2011). Atualmente ele
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é professor associado no Departamento de Educação Escolar Indígena da Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Amazonas. Foi Conselheiro no Conselho Nacional de
Educação (2006/2008 e 2016/2020). Foi Secretário Municipal de Educação de São Gabriel
da Cachoeira/AM (1997-1999). Foi presidente do Centro Indígena de Estudos e Pesquisas/
CINEP. Foi Coordenador Geral de Educação Escolar Indígena do Ministério da Educação
(2007-2011). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Política Educacional,
atuando principalmente nos seguintes temas: educação escolar indígena, educação indígena,
movimento indígena, direitos indígenas e educação e diversidade.1
Portanto, a trajetória do professor mais que justifica sua aptidão para dialogar sobre
o tema proposto. Segundo Ribeiro (2017, p. 39): “[...] O lugar social não determina uma
consciência discursiva sobre esse lugar. Porém, o lugar que ocupamos socialmente nos
faz ter experiências distintas e outras perspectivas [...]”. Isso foi evidenciado na palestra do
professor, além de outras perspectivas sobre o assunto em questão.
A mediação foi feita pela professora Dra. Mábia Aline Freitas Sales; a relatoria pelo
discente Bruno Andrade da Gama. Ambos são do IFPA – Campus Santarém, e integram o
NEABI – Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas do campus.
Devido a pandemia, todo o evento ocorreu de maneira virtual, tendo sua transmissão ao
vivo pelo canal do Projeto Lente Consciente, no Youtube2. O canal faz parte de um projeto
de extensão do IFPA – Campus Itaituba, campus este que coordenou o evento em parceria
com a RENNEABI – Rede de NEAB’s, NEABI’s e Grupos correlatos do IFPA.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O professor Gersem Baniwa iniciou sua fala cumprimentado a todos os presentes,


agradeceu ao convite e parabenizou o Instituto Federal do Pará, que por meio da RENNEABI
tornou a realização do evento possível. Ressaltou a importância de eventos como esse
para os povos indígenas ganharem cada vez mais espaço na sociedade, espaços esses
conquistados por meio de árduas batalhas, uma luta constante por direitos e legitimidade.
Baniwa comentou que, em sua opinião, o título da conferência era provocativo e que não
iria se deter apenas ao tema, procuraria ir além do mesmo. O docente iniciou relembrando
o conceito de pedagogia, em termos gerais que, segundo ele, está relacionado diretamente
aos processos educativos de ensino aprendizagem. As pedagogias, indígenas, então, são
“princípios, métodos e estratégias dos processos educativos dos povos indígenas”. Foi

1 Texto retirado do Currículo lattes. Cf. http://lattes.cnpq.br/1021166118431706

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2 https://www.youtube.com/watch?v=KHRtxSoHEbA&t=2793s&ab_channel=ProjetoLenteConsciente

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ressaltada a importância de se colocar esse conceito no plural, pois quando se fala de indí-
genas não se trata apenas de um povo, são diversos povos e culturas, e cada uma possui o
seu próprio processo educativo, ou seja, a sua própria pedagogia. O professor cita os dados
do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, para dizer que no Brasil existem 305
povos e cada um desses povos tem a sua pedagogia, ou ainda, seu “conjunto de princípios,
métodos e formas de educação.” Gersem Baniwa frisou que as pedagogias indígenas, são
autônomas, milenares, muito anteriores ao processo de colonização e na Amazônia datam
de cerca de pelo menos 11 mil anos (ROOSEVELT, 1992; DIEGUEZ & SILVA, 1996).
Falando sobre o conceito de desconstrução do pensamento colonial que é a essência
do conceito decolonial, Baniwa destacou que não procura ocupar muito seu tempo de mili-
tância, tempo de estudo ou de luta, buscando desconstruir a prática colonial, pois, segundo
ele, a forma mais objetiva de enfrentar a colonialidade, bem como sua desconstrução, é
valorizando as pedagogias não coloniais ou as pedagogias pré-coloniais. E isso, para ele, se
justifica pelo fato da experiência de colonização ou de colonialidade ser de curta duração para
os povos indígenas se se considerar a presença indígena na Amazônia, por exemplo. E, a
rigor, segundo sua leitura do mundo indígena do qual ele mesmo faz parte, as pedagogias
indígenas não foram destruídas pelas pedagogias coloniais, apesar de impactadas. Na sua
visão, a melhor estratégia para lidar com o preconceito que sofrem os povos indígenas seria
valorizando e promovendo as pedagogias indígenas, não como muitos pensam, que seria
desconstruindo a cultura colonial. Isso, para o professor, é se igualar a eles e desrespeitar
a cultura de outros povos, de maneira geral, já que a ideia de desvalorizar uma determinada
cultura para valorizar a sua é uma prática europeia.
Segundo ele, as pedagogias indígenas não foram afetadas drasticamente, porque, de
certa maneira, sempre foram autônomas, têm seus próprios princípios, suas cosmovisões e
são milenares. Os povos indígenas, de maneira geral, sempre resistiram, fosse à escravidão
ou as tentativas de invasões em seus territórios.
Baniwa destacou que as pedagogias indígenas são, naturalmente, fundamentadas em
visões de mundo e que elas estão fundamentadas em visões de mundo especificas que são
os princípios, as ontologias e as epistemologias dos sistemas de pensamento indígena. Para
o professor, não há separação dessas cosmovisões com a epistemologia e a antologia, ou
seja, são equivalentes. Segundo ele, a ciência trata as cosmovisões como se não fossem
equivalentes a esses conceitos para desqualificar os povos indígenas que não criaram esses
termos, típicos da ciência ocidental.
Baniwa destacou alguns princípios pedagógicos ancestrais indígenas que fazem par-
te da cosmovisão dos indígenas. Dentre os conceitos autônomos na pedagogia indígena
destacado por Baniwa, o primeiro seria a visão de uma autonomia integrada, orgânica,
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sistêmica e holística do mundo, do cosmo, da natureza, da vida, ao qual o ser humano está
completamente integrado, inserido e dependente.
Outro princípio da pedagogia indígena é o sistema cósmico, que é um sistema-mundo
profundamente solidário, reciproco, interdependente, porém reativo, uma vez que reage as
ações do homem sobre a natureza. A reciprocidade traz a ideia de reação. Para os povos
indígenas as doenças são resultadas da ação do homem sobre a natureza, contudo, se o
homem reage de maneira positiva com a natureza terá uma resposta, de igual maneira, po-
sitiva. A natureza, de acordo com este princípio, é sujeito, é agência, ela age positivamente
ou negativamente, de acordo com a ação humana, pacificamente ou impondo limites.
Ainda sobre os princípios, ele destaca a ancestralidade como sendo um aspecto fun-
dante do pensamento indígena. A ancestralidade é interativa, conectiva e integrativa com a
natureza. É da natureza que vem a força existencial e espiritual de onde vem a resistência
cósmica. Segundo ele, este não é um princípio fácil de se explicar para alguém que não foi
educado de acordo com a pedagogia indígena.
O princípio da sustentabilidade, por sua vez, tem em sua essência o segredo para
um mundo sustentável, que seria o equilíbrio baseado no respeito e na reciprocidade que
organiza a relação do homem com a natureza. O ser humano indígena se relaciona com a
natureza de forma respeitosa, equilibrada, não necessariamente harmônica porque os con-
flitos fazem parte de qualquer relação, inclusive da relação orgânica, sistêmica. Porém, há
fronteiras impostas pela própria natureza. Contudo, na cosmovisão dos povos indígenas, o
ser humano não é maior/superior que o restante do meio natural, como a floresta com sua
fauna e flora, todavia todos são considerados igualmente importantes para a sustentabilidade.
A diversidade é outro princípio pedagógico do pensamento indígena: a diversidade
cósmica original. A diversidade cósmica é da natureza constitutiva do mundo e da diversida-
de humana. A luta contra a diversidade é uma luta sem sentido, própria do ser humano que
quer homogeneizar, uniformizar. Para a cosmologia indígena, o mundo foi criado diverso,
as sociedades humanas foram criadas com base na diversidade. Assim, origina-se também
a diversidade ontológica, cosmológica, epistemológica.
Para o indígena, tudo está relacionado com a natureza, a fonte de conhecimento, nes-
se sentido, é a natureza. Segundo ele, todos esses princípios podem ser resumidos com o
princípio da relacionalidade. A relacionalidade tem a ver com conectividade, complementa-
riedade, reciprocidade. Portanto, é a integração do homem no mundo, na natureza. A fonte
de todo conhecimento é a natureza, é o território, é o cosmo, é o mundo, é a vida.
O professor iniciou a conclusão da sua fala fazendo um convite para que possamos
reaprender sobre nós, valorizar mais a pedagogia indígena que traz em sua essência a

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“potência da humildade”. Segundo suas palavras, um homem prepotente e arrogante jamais
chegará a esse valor, e que ele é apenas um elemento da natureza.
Para Baniwa, é importante respeitar a interculturalidade. Contudo, tão importante quan-
to, é respeitar a intercientificidade, a fim de que se possa dar lugar as outras ciências, os
outros saberes, inclusive ele destaca a carência da ciência indígena na matriz curricular
de cursos superiores e igualmente na educação básica. Deste modo, não basta saber que
existe a diversidade, é preciso mudar a forma de pensar. É preciso romper a prepotência
científica que classifica os conhecimentos de acordo com o nível de importância dado pela
ciência ocidental.
As ciências ocidental e indígena deveriam se complementar, interagir, conviver. Valorizar
uma cultura, uma ciência de outro povo não significa que você estará abrindo mão da sua,
as ciências e as culturas devem interagir de maneira saudável, devem se complementar
e conviver. Para Baniwa, as teorias decoloniais são fundamentais, no entanto, o mais im-
portante para superar a colonialidade é compreender as pedagogias indígenas enquanto
pré-coloniais, não coloniais e, consequentemente, autônomas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aula do professor Gersem Baniwa, construiu interessantes perspectivas de análises


no sentido pedagógico do termo. Sem abrir mão das teorias decoloniais e mesmo da intercul-
turalidade, ele propõe novos olhares para a compreensão das sociedades indígenas. O seu
lugar de fala, enquanto indígena, lança luzes para a compreensão dos povos indígenas
enquanto povos que estabeleceram processos educativos milenares, tão autônomos que
nem mesmo a coloniadade foi capaz de superar ao longo desse processo de pouco mais
de quinhentos anos.
A visão de uma autonomia integrada, orgânica, sistêmica e holística do mundo, o
sistema cósmico, a ancestralidade, a sustentabilidade, a diversidade, a relacionalidade
constroem o sentido da existência para os indígenas em sua relação com a natureza e são
os elementos constitutivos dos seus processos educativos. Estes princípios deveriam ser
aprendidos pela humanidade, pois são valores fundamentais para a relação com a natureza
e com as pessoas. Estes princípios são as ontologias, as epistemologias indígenas que de-
vem dialogar com a ciência acadêmica, a fim de valorizar a intercientificidade. Eis a melhor
forma, segundo Baniwa, para romper a colonialidade.
Dessa forma, uma educação que valorize a interculturalidade entre ciência acadêmica
tradicional e ciência indígena, esta como resultado dos saberes tradicionais e ancestrais
dos povos indígenas, bem como, uma educação que prioriza a decolonialidade por meio
das pedagogias indígenas se apresentam como alternativas promissoras para minimizar
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esses desafios da educação contemporânea, dentre os quais se destaca as tensões entre
igualdade e diferenças. Como destacou Baniwa, para construir seu valor, não é necessário
descontruir o do outro. Todavia, pode-se fazê-lo imiscuindo as culturas ocidentalizadas com
as nativas ameríndias.

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