Você está na página 1de 9

GEOMETRIA PLANA

Notas de Aula

Prof. Silvia Barcelos Machado

Itaqui - RS
Capı́tulo 1

Origem da Geometria e o Método


Axiomático

A palavra geometria deriva da palavra grega “geometrien”, cujos radicais “geo” significa
terra e “metrien” significa medida. Portanto, em sua origem, a geometria foi a ciência de
medir terras.
Atribui-se os egı́pcios o inı́cio da geometria, no entanto, há registros de aplicações da
geometria feitos por outros povos, como os babilônios, os chineses e os hindus.
A geometria usada pelos povos antigos era uma coleção de regras, obtidas a partir de
observações e experimentos, a fim de ser resolver problemas do necessidades práticas do
cotidiano, como distância e áreas de terras.
Tentativas de se obter uma regra para calcular certa situação contavam com apro-
ximações, que eram por vezes precisas (para a época), como por exemplo, os babilônios e
os chineses calculavam a área do cı́rculo fazendo 3 × (raio)2 . Isto é, sem o conhecimento
do número π, a aproximação usada para “suprir” este número era 3. Já os egı́pcios,
como registrado em um papiro dos anos 1800 a.C., usavam (16/9)2 ≈ 3, 1605 como valor
aproximado para o π.
Enquanto os egı́pcios não desenvolveram a geometria como uma ciência, os gregos
tiveram a iniciativa de investigar e registrar diversos resultados da geometria. Atribui-
se a Tales de Mileto o método dedutivo de pensar na geometria, usando a lógica para
justificar e melhorar os conhecimentos geométricos desenvolvidos na Grécia, no Egito e
na Babilônia. A construção organizada de teoremas através de provas foi caracterı́stica
da matemática grega.
Esse método sistemético iniciado por Tales de Mileto foi adotado por Pitágoras na sua
escola pitagórica, dando sequência a descrição lógica da geometria. Foram os pitagóricos,

membros da escola pitagórica, que descobriram os números irracionais, tais como 2, cri-
ando um verdadeiro trauma na escola, uma vez que o lema fundamental dessa irmandade
era que “tudo é número”, onde por número entendia-se os inteiros positivos e razão entre

1
eles (isto é, os números racionais).
A sistematização da geometria também foi adotada e estudada em outras escolas,
como na escola de Platão, por volta de 400 a.C.. Nesta escola, Euclides de Alexandria
foi um dos pensadores que mais colaborou para a teorização da matemática. Euclides
escreveu uma coleção de 13 livros intitulados “Elementos”, unindo teoremas e resultados
demonstrados por diversos pensadores.
O método axiomático usado por Euclides na sua coleção é o protótipo de tudo que
chamamos hoje de “matemática pura”. Ela é pura no sentido de “puro pensar”; nenhum
experimento fı́sico é preciso para verificar se suas afirmações são corretas.
O método utilizado por Euclides para descrever a geometria consiste na sistematização
de argumentos lógicos, baseado em afirmações verdadeiras. Essas afirmações verdadeiras
são assim consideradas pois: ou foram demonstradas previamente, ou são consideradas
verdades universais (axiomas) e são pontos de partida para a construção da teoria.
É comum que as afirmações e resultados na geometria sejam apresentados seguindo
uma certa ordem. São elas:

• Definição: afirmação contendo uma ideia, descrevendo um conceito.

• Axioma: afirmação considerada verdade universal, aceita sem discussão ou consi-


derada evidente por si própria. Também é chamada de postulado ou premissa.

• Proposição: conjunto de palavras ou sı́mbolos que expressam um pensamento de


sentido completo. A proposição possui uma demonstração simples.

• Lema: um teorema que auxilia na prova de outro teorema maior, uma ideia que
serve de guia (pré-teorema).

• Teorema: uma afirmação que pode ser demonstrada verdadeira através de operações
e argumentos matemáticos.

• Corolário: uma consequência direta de um teorema, ou definição.

No desenvolvimento de uma teoria, como a geometria, podemos dar definições ini-


ciais baseado em informações tomadas como indefinidas, ou sem explicação matemática
tangı́vel. Neste curso, iremos assumir quatro termos que serão básicos para definir todos
os outros termos geométricos. Portanto, as noções primitivas que consideraremos são:

• Ponto;

• Reta;

• Incidente;

2
• Estar entre.

Esta lista constitui-se dos termos geométricos indefinidos ou termos primitivos.


De cada um desses entes temos conhecimento intuitivo, decorrente da experiência e da
observação.
O ambiente no qual constrói-se a geometria é chamado plano, e denominam-se ponto
e reta os conceitos geométricos primitivos (objetos primitivos) do plano. Assume-se que o
plano é constituı́do por pontos e que retas são subconjuntos distintos de pontos do plano.

Figura 1.1: Representação de ponto, reta e plano.

3
Capı́tulo 2

Axiomas de Incidência e da Ordem

Os axiomas a seguir abordam sobre a ordenação dos pontos e reta, caracterizando a reta.

Axioma 1. Dados quaisquer dois pontos distintos, A e B, existe uma única reta r que os
contém.

A, B, A ̸= B ⇒ ∃! r; A, B ∈ r.

De acordo com este axioma, somente uma reta passa através de dois pontos. Segue-se
daı́, que uma reta está completamente determinada pela especificação de dois pontos.

Definição 1. Se um ponto é comum a duas retas dizemos que elas se interceptam nesse
ponto, ou que esse ponto é um ponto de interseção dessas retas. Duas retas que se
interceptam num único ponto são ditas concorrentes ou mutuamente transversais.

Definição 2. A coleção de todos os pontos chamaremos de Plano.


Nomearemos planos utilizando-se das letras do alfabeto grego.
Por exemplo: plano α, β, . . . .

Axioma 2. Em cada reta existem ao menos dois pontos distintos.

Axioma 3. Existem três pontos distintos que não pertencem a uma mesma reta.

Observação 1. O axioma 3 diz que reta é um subconjunto próprio do plano. Ou seja, a


reta pertence ao plano, é não-vazia e não é o próprio plano. Em outras palavras, a reta
é uma parte do plano.

Exercı́cio 1. Prove que existem retas concorrentes.

Teorema 1. Duas retas distintas ou não se interceptam, ou se interceptam somente num


ponto.

4
Demonstração. Dadas duas retas distintas, suponhamos que elas se interceptam em dois
(ou mais) pontos. Se isso é um fato, essas retas serão coincidentes devido ao axioma 1,
o que é uma contradição pois, por hipétese, elas são distintas. Assim a interseção dessas
retas ou é vazia ou só contém um ponto.

Definição 3. Pontos pertencentes a uma mesma reta são ditos colineares, caso contário
são não-colineares.

Axioma 4. Para quaisquer três pontos distintos colineares, um, e somente um deles, está
entre os outros dois.

Denotamos que “C está entre A e B” usando A − C − B.


Também podemos dizer que “um ponto C separa A e B” e “os pontos A e B estão em
lados opostos do ponto C”.

Axioma 5. Se A − C − B, então estes três pontos são distintos, colineares e B − C − A.

A − C − B ⇒ A ̸= B, A ̸= C, B ̸= C; ∃r : A, B, C ∈ r e B − C − A.

Definição 4. Dados dois pontos A e B, distintos, o conjunto de pontos constituı́do pelos


pontos A, B e todos os pontos que estão entre A e B é chamado de segmento AB, (ou
segmento de reta AB).

Se A e B são coincidentes dizemos que AB é o segmento nulo.


Os pontos A e B são denominados extremidades ou extremos do segmento AB.

Exercı́cio 2. Escreva, usando notações, a definição de segmento de reta.

Exercı́cio 3. Mostre que AB = BA.

Definição 5. A todo subconjunto próprio do plano chamaremos de figura geométrica,


figura plana ou simplesmente figura.

Utilizando segmentos de retas, podemos construir muitas figuras geométricas no plano.


Uma das mais simples é aquela formada por três pontos não colineares e pelos segmentos
definidos por estes três pontos.

5
Definição 6. Sejam três pontos não-colineares A, B e C. Definimos triângulo o conjunto
de pontos A, B e C e os segmentos de retas AB ∪ AC ∪ BC.
Os pontos A, B e C são ditos vértices do triângulo e os segmentos AB, AC, BC são
ditos os lados do triângulo.

Denotamos: △ABC.

Figura 2.1: Representação gráfica do triângulo determinado pelos pontos A, B e C.

Exercı́cio 4. Prove que existe pelo menos um triângulo. Use os axiomas e definições.

Axioma 6. Dados dois pontos distintos A e B, existe um ponto C entre A e B.

Exercı́cio 5. Mostre que existem pelo menos sete triângulos.

Axioma 7. Dados dois pontos distintos A e B, existe um ponto D tal que B está entre
A e D e um ponto E tal que A está entre E e B.

Teorema 2. Em uma reta r existe uma infinidade de pontos.

Demonstração. Sejam dois pontos A e B distintos. Pelo Ax.1, existe uma reta r passando
pelos pontos A e B. Pelo Ax.7 existe um ponto C ∈ r tal que A − C − B. Os pontos
A, B e C são todos distintos. Considere agora os pontos A e C, e então, existe um ponto
D ∈ r tal que A − D − C. E assim sucessivamente.

A partir da noção de segmento de reta vamos introduzir o conceito de semirreta através


da próxima definição.

Definição 7. Dados dois pontos distintos, A e B, a semirreta de origem A contendo o


ponto B é o conjunto de pontos do segmento AB unido com todos os pontos C tais que B
está entre A e C.
−→
Denotamos: AB .

6
Exercı́cio 6. Mostre que existe um ponto na reta que passa pelo segmento AB que não
−→
pertence a AB.
−→
Exercı́cio 7. Escreva, via notação, o conjunto dos pontos de AB.
−→ −→
Exercı́cio 8. Mostre que AB ̸= BA.
−→
Definição 8. Seja AB uma semirreta. Tomamos um ponto C tal que A está entre B e
−→ −→
C. Chamamos a semirreta AC de semirreta oposta a AB.

O conceito de semirreta nos diz que um ponto de uma reta divide essa reta em duas
semirretas de mesma origem.
−→ −→
Exercı́cio 9. Mostre que AB = AB ∩ BA.

Definição 9. Dados dois pontos distintos P e Q, dizemos que eles estão em um mesmo
lado em relação a uma reta r se a interseção do segmento P Q com a reta r for vazia.
Caso contrário, dizemos que os pontos P e Q estão em lados opostos em relação a
reta r.

Definição 10. Sejam P um ponto e r uma reta tal que P ∈/ r; o semiplano determinado
por r contendo P é o conjunto de todos os pontos Q tais que P e Q estão em um mesmo
lado em relação à reta r.
A reta r é chamada de origem do semiplano.

O semiplano caracterizado pela reta r e pelo ponto P será representado por γrP .
O axioma a seguir caracteriza a existência de semiplanos.

Axioma 8. Uma reta determina somente dois semiplanos distintos (ou opostos).

Teorema 3. (Teor. de Pash) Se ABC é um triângulo e r é uma reta que intercepta o


lado AB num ponto entre A e B, então r também intercepta um dos outros dois lados.

7
Demonstração. Se o ponto C pertence a r, o Teorema está provado pois, neste caso, r
intercepta os dois lados, AC e BC. Suponha, então, que C ∈ / r. Como A e B não
pertencem a r e o segmento AB intercepta r segue, por definição, que A e B estão em
lados opostos de r. Como C ∈ / r, segue do Axioma 8 que C está do mesmo lado de A em
relação a r ou do mesmo lado de B em relação a r. Se A e C estão do mesmo lado de r,
então B e C estão em lados opostos de r. Isso significa que r intercepta o segmento BC
e não intercepta AC. Se B e C estão do mesmo lado de r, analogamente se prova que r
intercepta o segmento AC e não intercepta BC.

Exercı́cio 10. Sobre uma reta marque quatro pontos A, B,C e D, em ordem, da esquerda
para a direita. Determine:

a) AB ∪ BC

b) AB ∩ BC

c) AC ∩ BD

d) AB ∩ CD
−→ −−→
e) AB ∩ BC
−→ −−→
f ) AB ∩ AD
−−→ −−→
g) CB ∩ BC
−→ −−→
h) AB ∪ BC

Exercı́cio 11. Prove, alternativamente, por redução ao absurdo, que há infinitos pontos
em uma reta.
−→ −→ −→ −→
Exercı́cio 12. Se C pertence a AB e C ̸= A, mostre que: AB = AC, que BC ∈ AB e
que A ∈
/ BC.

Exercı́cio 13. São dados quatro pontos A, B, C e D e uma reta r que não contém nenhum
deles. Sabe-se que os segmentos AB e CD interceptam a reta r e que o segmento BC não
a intercepta. Mostre que o segmento AD também não a intercepta.

Você também pode gostar