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DE UMA CONSCIÊNCIA DISTÓPICA A UMA UTOPIA MATERIALIZADA:

desafios educacionais frente às condições societárias contemporâneas

Prof. Me. Robson Vinicius Cordeiro


Licenciado em Filosofia e Pedagogia
Mestre e Doutorando em Educação em Ciências e Matemática

Quando fui convidado a participar desta mesa de debate, o que muito me agradou,
logo comecei a pensar em que tipo de contribuição reflexiva eu poderia trazer à alunos da
educação básica, a respeito de um universo que eles mesmos vivenciam que é a
EDUCAÇÃO. É evidente que eu, como professor, lido com o discurso educacional de uma
maneira mais natural quando é para tratar com meus pares de profissão, mas nesse caso tinha
uma questão a mais para pensar: como falar, de modo a ser entendido, para com os alunos,
aqueles para os quais nossa força de trabalho educativo se direciona. E o desafio ainda se
complementou quando me apresentaram quatro obras literárias de reconhecimento mundial
para que eu pudesse, de alguma forma, tecer um diálogo. Enfim... foram as forras comigo!
Mas como sou teimoso e me esforço para corresponder às expectativas depositadas em
mim, assumi esse compromisso com carinho e espero trazer alguma contribuição para esse
debate, a partir de uma perspectiva filosófica e pedagógica (que são meus campos de atuação
por excelência).
Para começar, eu fiz questão de nomear minha fala com um título, porque assim me
sinto no dever de responder ao anunciado previamente. Vejamos: “DE UMA CONSCIÊNCIA
DISTÓPICA À UMA UTOPIA MATERIALIZADA: desafios educacionais frente às
condições societárias contemporâneas”. Percebam que temos uma estrutura dividida em duas
partes: a primeira (de uma consciência distópica à uma utopia materializada) traz uma noção
de processo, de movimento, de passagem, de transformação. É a saída de um ponto para
outro.
A segunda parte do título, por sua vez, aponta no horizonte o que queremos olhar: a
educação. Dessa forma, fica claro entender o objetivo que tenho para com vocês é refletir, à
luz de estruturas distópicas ficcionais comparadas à realidade societária contemporânea, os
desafios da educação na formação dos sujeitos e das sociedades.
Comecemos então por um esclarecimento ou pela retomada de dois conceitos e suas
diferenças:
UTOPIA: do grego – u/ou (não/nenhum) + topia/topos (lugar) = lugar nenhum / não
lugar.
DISTOPIA: do grego – dis/dys (dificuldade, dor, privação, algo ruim) + topia/topos
(lugar) = lugar infeliz, ruim.
Aqui já reside uma base de reflexão importante: se de um lado, uma construção
utópica (entendendo construção como forma de pensamento, idealização, sonho, desejo)
consiste na expressão de algo não existente, que ainda não se encontra em “lugar nenhum”,
mas é desejoso, como um sonho bonito a se realizar, do outro lado, uma construção distópica,
como pretendiam Gregg Webber e John Stuart Mill (1868), faz referência ao lugar do
sofrimento humano, o que, por consequência, não é desejoso.
Em termos societários poderíamos fazer um paralelo da seguinte forma:
SOCIEDADE UTÓPICA: aquela regida pelos princípios de igualdade ou de equidade
(observadas suas diferenças), de solidariedade, de liberdade, de respeito em todos os sentidos,
de fraternidade e empatia, de responsabilidade social e ambiental, entre outros, e que tornem o
corpo social coeso, pacífico e que efetive o bem-estar social de maneira universal. AMÉM!
Daí faz sentido pensar em utopia como sonho!
SOCIEDADE DISTÓPICA: aquela regida pelo autoritarismo, pela falta de liberdade
individual, pela desigualdade, pelo controle social, pela vigilância institucionalizada, pelas
condições ambientais adversas, pelo desrespeito à condição humana, pela baixa qualidade de
vida, entre outras situações que estruturam um corpo social pautado na exploração, no medo e
no sofrimento. Nesse caso, distopia nos parece estar associada a um pesadelo!
Nessa comparação, há o que chamamos de dicotomia, ou seja, uma relação de
extremos: de um lado temos uma série de características que, dentro da nossa noção de
moralidade, julgamos como boas e desejosas, e do outro, temos condições não tão agradáveis
e que são classificadas como ruins.
Agora pensem comigo: por que falar dessa estrutura societária para tratar da educação
escolar?
A resposta nem sempre se faz óbvia, mas deveria ser: a educação responde às
demandas sociais de um tempo, de um local, de uma cultura, de uma estrutura ideológica de
governança. Por isso, a organização da escola e do currículo no Brasil é diferente entre redes
privadas e públicas, entre os estados, municípios e até mesmo entre Unidades de Ensino
(obedecendo às regras legisladas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e pela
Constituição Federal).
A educação, nesse sentido, se configura, muitas vezes como uma ferramenta de
governo, e talvez fosse necessário se falar da diferença entre política pública e política de
governo (mas deixo aqui uma lacuna para debate). O que vemos, pelas nossas experiências
sociais, é que muda o governo, mudam os direcionamentos educacionais, no âmbito de gestão,
primeiramente, o que impacta direta e indiretamente na prática pedagógica dentro da sala de
aula determinando currículo, conteúdos, posturas, tempos de aprendizagem, o que pode ou
não ser dito...
Dessa forma, para um governo mais progressista e humanista, a educação assume uma
função de garantia de desenvolvimento humano e melhoria das condições de vida, de
trabalho, de estudo, da sociedade em geral. Abre-se mais vagas em universidades e na
educação básica, criam-se escolas, investe-se em equipamentos e tecnologias educacionais, na
formação docente, entre outras ações que qualificam a educação praticada.
Já um governo autoritário, por exemplo, pode se utilizar da educação para sustentar
uma forma de pensamento e para limitar o acesso ao conhecimento (o que pode parecer um
contrassenso, pensar a escola como um espaço de controle do que se conhece ou não). Nesse
caso, a escola seria um canal de propaganda governamental para incutir, desde os mais novos,
ideias morais, sociais e culturais que solidificam formas de controle, de exploração, de
desrespeito, naturalizando violências e justificando a pobreza e a miséria de uns em
detrimento a riqueza de poucos.
E isso não ocorre apenas na educação escolar – que é o nosso foco aqui –, mas na
educação praticada em outros ambientes institucionais como a igreja, como o trabalho,
também é possível se reproduzir as mesmas posturas. A mudanças governamentais, dessa
forma, refletem e são resultado de escolhas sociais de um tempo, motivadas por múltiplos
fatores e, o que mais temos visto na atualidade é como, o que alguns chamam de quarto poder,
isto é, a mídia, tem um papel crucial nessas decisões.
Dito isso, vamos analisar alguns tópicos que destaquei nas literaturas propostas e que
dialogam com o que tenho refletido com vocês até então.
Comecemos pelo clássico do inglês George Orwell cuja primeira edição foi publicada
no auge da Segunda Guerra Mundial em 1945, “A Revolução dos Bichos”. São muitos os
pontos a se destacar nesse brilhante texto, sobretudo por se tratar de uma crítica tão específica
a uma forma de governança (a que se aplicava na União Soviética sob regime de Stalin), e não
um tipo de governo (que era socialismo defendido por Orwell). Tudo isso traduzido na
história dos animais da Granja do Solar. Ali conseguimos identificar figuras emblemáticas
como Karl Marx, Leon Trótski e Josef Stalin e são reproduzidas posturas e discursos
adaptados à situação vivida pelos animais da fazenda.
Com relação a educação, quero destacar duas situações:
No processo revolucionário vivido pelos animais da fazenda tomou-se uma decisão
importante logo no início: que todos deveriam ser alfabetizados. Até então, poucos eram
aqueles que tinham desenvolvido a habilidade de ler e escrever, fazendo-se agora uma
necessidade e direito comum a todos. Por que isso? Por que universalizar o acesso à leitura e à
escrita?
O acesso ao universo letrado é considerado uma condição básica para exercício da
cidadania se considerarmos que nossa sociedade é extremamente codificada por símbolos:
letreiros de ônibus, placas de lojas e de trânsito, propagandas, mensagens, contratos... são
informações verbais e não verbais impressas em suportes diversos e que nos solicitam a
leitura e compreensão, para determinar uma ação. Exercer a cidadania, nesse sentido, é saber
agir socialmente de modo que se consiga usufruir dos direitos e cumprir com os deveres de
maneira condizente.
Estar alfabetizado, dessa forma, seria uma condição primária para viver na nossa
sociedade, mas podemos ir além: é também condição para acessar e desenvolver pensamento
autônomo. É por meio da leitura que somos capazes de acessar, por nós mesmos,
conhecimentos em fontes originais e a partir dali, fazermos nossas próprias interpretações e
tomar nossas próprias decisões, sem que outro precise fazer isso por nós. Mas isso só se
estabelece dessa forma se os processos de ensino e de aprendizagem forem guiados para esse
fim, pois é possível ensinar a ler, o processo de decodificação das palavras, sem que haja uma
discussão interpretativa que ultrapasse o nível mecânico.
E aqui, faço um paralelo com minha área de pesquisa: nós não necessitamos estar
alfabetizados apenas linguisticamente. Precisamos exercitar processos de alfabetização em
ciências, em geografia, em política, em sociologia, em matemática, em arte, em música,
enfim, nos capacitando para a leitura da realidade e para um agir mais responsável e
fundamentado.
Mas a quem interessa que haja de fato a universalização das capacidades de leitura e
escrita? Será que os sistemas de governança e o mercado de trabalho se interessam por
pessoas capazes de ler e escrever ou de ler, escrever e pensar autonomamente?
A segunda situação que quero destacar no texto de Orwell é a postura do porco
Napoleão ao justificar as regalias concedidas aos porcos: eles fazem parte do grupo de
intelectuais que organizam a sociedade e por isso seria justo que recebessem tais benesses.
A postura de Napoleão, nesse sentido, me fez recordar Platão, em “A república”,
defendendo como forma de governança ideal a Sofocracia, isto é, o governo dos sábios, no
qual só se poderá governar quem contemplou a ideia de Bem (que é um conceito específico
dentro do pensamento platônico), ou seja, o filósofo. A questão, no entanto, é que enquanto
para Platão, tal governança estaria atrelada a uma postura política compatível com os valores
de justiça, bem e belo advindos da própria contemplação das ideias, Napoleão apenas visa
sustentar uma posição de regalias sem esforço.
Dessa forma, não há nenhum tipo de incentivo ao desenvolvimento de habilidades
intelectuais para o coletivo e se garante para uma minoria condições privilegiadas por
possuírem certas características “intelectuais” ou por estarem numa posição de
representatividade. Tal construção societária não nos parece muito distante...
Em “O conto de Aia”, por sua vez, texto da canadense Margaret Atwood (1985),
temos a constituição de uma sociedade e regime de governança pautada no fundamentalismo
religioso. O foco do texto, sobretudo, é a situação das mulheres nessa sociedade distópica,
cujos direitos civis são praticamente extirpados. Elas são reduzidas a papéis subalternos e
específicos na sociedade: de representação social (atribuído às mulheres dos comandantes); de
educação da moral e dos bons costumes (atribuído às Tias); do fazer doméstico (atribuído às
Martas); e de procriação (atribuído às Aias).
Quero destacar aqui, também, duas situações para associar ao debate:
1) O papel das Tias no processo educacional; e
2) A imagem das Aias com uso dos chapéus com grandes abas que inviabilizam olhar
ao redor.
As Tias assumem um papel político no sentido de serem elas responsáveis por incutir
as posturas sociais vigentes e garantir a perpetuação do modelo de governança sem
questionamentos. O papel educacional delas está relacionado com uma espécie de
catequização. A educação feita por essas personagens assume um serviço específico frente ao
Estado, na medida em que sustenta uma necessidade imposta e prepara as mulheres para
assumir seus papeis. Nesse tipo de educação não há espaço para debates, reflexões, análises
de pontos de vistas divergentes. Há apenas uma verdade que precisa ser aceita, introjetada e
replicada.
Paulo Freire, um grande pensador e educador brasileiro, nos ajuda a caracterizar esse
tipo de educação como bancária: os alunos ou aprendentes são contas zeradas de
conhecimento nas quais o professor, que é o ser dotado do conhecimento aceito a ser
replicado indiscutivelmente, deve depositar o que sabe através de práticas de memorização e
repetição, não havendo espaços para questionamentos ou diálogos. O aluno não é protagonista
do processo. Ele é uma peça passiva e sem vida, uma tábula rasa, um pote vazio que precisa
ser preenchido.
Como segundo destaque, fiz questão de trazer a imagem das Aias com seus chapéus de
abas grandes justamente por representarem um ponto importante no âmbito da educação: será
que queremos aprender apenas uma perspectiva de mundo ou queremos ter acesso a vários
horizontes de interpretação e entendimento de mundo, de modo a fazer nossas escolhas?
Uma educação pautada no respeito e na compreensão de que o conhecimento humano
é construído e não dado de forma mística, como uma revelação divina, não admite que
sejamos podados a olhar o mundo apenas sob uma perspectiva, mas considera múltiplas
formas de lê-lo, estabelecendo diálogos.
Volto a questionar a vocês, a quem interessa que não sejamos capazes de conhecer
outras perspectivas de mundo? A quem interessa que sejamos limitados apenas a um olhar,
amparado ou não cientificamente? Parece-nos haver aqui uma postura de controle ao que se
pode conhecer, por considerar outros caminhos perigosos para um regime de governança
específico, porque poderia levantar questões revolucionárias.
Já em “Fahrenheit 451” do norte-americano Ray Douglas Bradbury (1953), temos uma
realidade distópica um pouco diferenciada: a sociedade não é tão diferente da que estamos
acostumados, e podemos considerar isso pelo aspecto social e tecnológico, inclusive. Não se
fala em robôs sencientes, em mundos destruídos, em escassez absoluta de recursos. Mas há
um inimigo e sua morada: o conhecimento e o livro. Trata-se, portanto de uma espécie de
cruzada moderna, uma caça às bruxas do saber!
Temos o seguinte panorama a ser refletido: proibição do pensamento crítico e seu
desenvolvimento; fechamento dos cursos de humanidades nas universidades;
desencorajamento do ócio como tempo para pensar; o nomadismo de ex-professores por conta
do seu caráter perigoso para a sociedade instalada; a proibição da posse de livros. Podemos
sintetizar tal contexto como uma frase: “o conhecimento é perigoso”.
Na realidade distópica do texto, o único conhecimento admitido é o técnico, o
decorado, que não se pode questionar nem divergir. Torna-se algo natural não poder fugir aos
padrões de pensamento, tanto que para sustentar a governança vigente, existem eleições
moldadas periodicamente com a utilização de candidatos de “oposição” intencionalmente
repulsivos, como um grande teatro de absurdos, para garantir a vitória e manutenção do que se
realiza no presente.
Em “Laranja Mecânica”, por fim, livro do inglês Anthony Burgess (1962), quero
destacar apenas um ponto: a ineficiência de instituições como a polícia e o sistema
educacional e a governança autoritária e inescrupulosa levam a sociedade a um extremo
colapso pautado na segregação social entre ricos e pobres e a banalização das drogas e da
criminalidade e violência.
O que poderia caracterizar a ineficiência do sistema educacional?
Poderíamos dizer que o não cumprimento de seu papel primordial de ensinar seria a
maior expressão da ineficiência do sistema educacional. Mas ensinar o quê?
Vejamos: em “Laranja Mecânica” a sociedade é marcada por um forte abismo social
agravado pela péssima gestão política. Não nos parece que é de interesse das “autoridades”
que os problemas sociais sejam solucionados, ainda que eles afetem, de maneira direta, a vida
de classes mais abastadas com os episódios de roubo e violência. Mas observem: para a tal
classe média-alta, tudo parece normal, já que estão bem separados geograficamente na cidade,
como se nada os pudessem afetar. Nesse caso, temos outra questão interessante em discussão
que é a banalização da violência, do mal, das relações exploratórias, que nos possibilitaria
dialogar com a filósofa Hannah Arendt (mas deixemos suspensa tal discussão).
E como a escola se encontra nesse contexto? É provável que a instituição seja apenas
um espaço de reprodução e de inculcação de conhecimentos determinados. Não vemos muitas
referências a elas na obra, mas me suscita a imagem inicial do clássico clipe musical de
“Another Brick In The Wall”, da banda norte-americana Pink Floyd, quando as crianças são
mascaradas e moídas, perdendo toda sua singularidade por conta das definições impositivas
do sistema educacional, que dita o que pode ou não ser sabido ou pensado. Até que há uma
revolta contra o sistema, uma revolução. O problema, em “Laranja Mecânica” é que a reação
dos jovens não está direcionada ao sistema político e educacional, mas aos próprios sujeitos
da sociedade que também se configuram vítimas do mesmo sistema desumanizador e
banalizado. E dessa forma, chegamos a pensar se de fato não teria sido o sistema educacional
EFICIENTE em solidificar a apatia social e a falta de criticidade dos sujeitos.
Agora pensemos: que relação podemos estabelecer entre as quatro obras fictícias de
literatura distópica e os desafios da nossa sociedade contemporânea, sobretudo no âmbito
educacional?
Talvez devêssemos retornar ao título da minha fala para entender aonde chegamos ou
pretendíamos chegar. Primeiramente observemos o prenúncio desse texto: de uma consciência
distópica à uma utopia materializada. Tomar consciência de algo é tornar sabido um
determinado fato, fenômeno ou objeto, isto é, perceber que aquilo que se vê, estuda, sente,
ouve... nos afeta e é passível de ser conhecido. COM+CIÊNCIA= ter conhecimento de. Ora,
observando os textos que nos foram apresentados, não é difícil associar nossa realidade
societária atual, seja a nível local (cidade, estado e país), seja a nível global com as estruturas
distópicas da ficção: os governos totalitaristas e a corrupção denunciada por Orwell; o
fundamentalismo religioso e a exploração feminina abordada por Atwood; o fundamentalismo
ideológico e o desprezo pelo saber, discutido por Bradbury; e a banalização da violência e a
falência das instituições apresentadas por Burgess. Estaríamos nós numa sociedade distópica?
Para ajudar a tomar consciência, gostaria de ler alguns títulos de reportagens:
Exclusivo: “O Talibã está caçando e executando as pessoas LGBT”, denuncia ativista gay
afegão - em entrevista à Fórum, Artemis Akbari afirma que os membros do Talibã mentem à
comunidade Internacional quando dizem que mudaram e que “respeitam os direitos humanos”
– (Fórum – 08/outubro/2021).
Talibã diz que mulheres podem estudar em universidades, mas em salas segregadas - Ministro
do Ensino Superior Abdul Baqi Haqqani afirmou que alunas serão ensinadas por mulheres
sempre que possível e que código de vestimenta islâmico será obrigatório (CNN Brasil –
12/setembro/2021).
Mas vocês podem pensar: essa realidade ainda assim está longe de nós... Vamos a
outras reportagens...
Na ONU, Bolsonaro distorce dados sobre ambiente, economia e defende tratamento ineficaz
contra Covid - primeiro a discursar na abertura da Assembleia Geral, presidente se posicionou
contra o chamado passaporte sanitário para vacinados e afirmou que não há corrupção no
governo (G1 – 21/setembro/2021).
Após dizer na ONU não existir corrupção em seu governo, Bolsonaro admite 'problemas em
ministérios' - durante o evento da Caixa Econômica Federal, o presidente afirmou que desde
que tomou posse, a corrupção 'diminuiu muito', mas não foi eliminada de vez (Jornal Brasil –
28/setembro/2021).
Ministro da Saúde diz que é 'absolutamente contrário' à obrigatoriedade do uso de máscara
contra Covid - em visita às obras em Teresina, Queiroga disse que a exigência fere a liberdade
das pessoas. A posição do ministro contraria o Conselho Nacional de Secretários de Saúde,
que divulgou nota defendendo a manutenção da obrigatoriedade do uso de máscara (G1 –
08/outubro/2021).
Brasil registra 1.338 feminicídios na pandemia, com forte alta no Norte e no Centro-Oeste -
consolidação dos dados de 2020 mostra crescimento de 2% no país, em comparação com
2019 (Folha de São Paulo – 06/junho/2021);
Por dia, três mulheres são vítimas de feminicídio na pandemia - no total, 1.005 mulheres
foram vítimas de feminicídio entre os meses de março e dezembro de 2020 no país. Os dados
foram levantados pela AzMina em parceria com outros 6 veículos independentes
(Observatório do Terceiro Setor – 25/março/2021);
Bolsonaro sanciona programa de promoção da saúde menstrual, mas veta distribuição gratuita
de absorventes - texto publicado prevê apenas campanha informativa sobre saúde menstrual
(Agência Câmara de Notícias – 07/outubro/2021);
Bolsonaro diz a apoiadores que excesso de professores atrapalha (Uol Educação –
16/setembro/2021);
Ministro da Educação defende que universidade seja 'para poucos' - em entrevista à TV
Brasil, Milton Ribeiro afirma que as 'vedetes' do futuro serão os institutos federais, capazes de
formar técnicos. Universidades, segundo ele, não são tão úteis à sociedade (G1 –
10/agosto/2021).
Percebam que algumas situações são muito similares às que são narradas nos contos
distópicos e que nos causam tanta repulsa e estranheza. Por isso a necessidade de tornar tal
realidade consciente: para que ela nos incomode ao ponto de querermos fazer algo para mudá-
la. E esse fazer algo pode estar relacionado com a construção de utopias de bem-estar social,
de fraternidade, de solidariedade, de respeito às diferenças de crença, credo, gênero,
orientação sexual que não podem ficar apenas no âmbito do “nenhum lugar”, mas devem ser
mobilizadas por ações reais a se concretizarem. Talvez aqui resida um dos desafios da
educação: apresentar ferramentas para que essas utopias se materializem.
Respeitar as diferenças, por exemplo, não demanda só uma aceitação passiva, como
quem diz que “tudo bem ele ser diferente, desde que esteja longe”. Isso, no máximo, é tolerar
a diversidade. Respeitar as diferenças pressupõe conhecimento e empatia: conhecimento de
condicionantes históricos, culturais, geográficos, filosóficos, antropológicos ampliam nossa
visão sobre os grupos sociais que muitas vezes são invisibilizados e excluídos socialmente. E
veja que não estou falando apenas de obter informações. Conhecer é algo mais profundo, pois
provoca mudança de ação. Se eu conheço uma determinada de técnica contagem, posso me
utilizar dela para operar algum problema matemático. Se eu tenho a informação dessa mesma
técnica, posso no máximo, considerá-la como uma possibilidade, mas como não aprendi como
utilizá-la, minha ação está limitada ao que já sei.
Um dos maiores desafios contemporâneos da escola é lidar com o universo de
informações e não-conhecimentos ao mesmo tempo que tenta desenvolver nos e com os
alunos, as ferramentas necessárias para romper com as distopias e materializar utopias
coerentes com princípios da dignidade humana, da responsabilidade ambiental, do respeito, da
solidariedade, da cidadania, de uma economia responsável, de uma política no sentido literal
da palavra (como a busca pelo bem-estar da cidade e de seus cidadãos)...
Mais do que respostas, quis trazer essas questões reflexivas para nos ajudar a enxergar
nossas distopias e escolher bem nossas utopias. Agradeço a possibilidade.

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