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Comportamento Humano e Democracia1

B. F. Skinner

“... que esta Nação com a graça de Deus venha gerar uma nova Liberdade,
e que o controle do povo, pelo povo e para o povo jamais desaparecerá da
face da terra”.

Abraham Lincoln? Não exatamente. Lincoln disse “governo do povo”, não


“controle”, e existe uma diferença. Governar já significou simplesmente guiar,
mas a palavra recentemente adquiriu um forte significado. Governos “compelem
obediência com autoridade”. Em outras palavras, eles tratam as pessoas de modo
aversivo-punitivo quando se comportam mal e relaxam a ameaça de punição
quando se comportam bem.
Quando eles são demasiado aversivos, as pessoas fogem ou os atacam e os
enfraquecem com violência, terrorismo, protestos, greves, boicotes, ou revolução.
Elas, portanto, impõem uma espécie de contracontrole sobre o poder punidor.
Algum tipo de equilíbrio pode ser alcançado, e então falamos de governo “com o
consentimento dos governados”, onde “consentimento” marca o limite para além
do qual uma autoridade não deve forçar obediência. Nota-se que o
contracontrole, assim como o controle, é aversivo. O valor presumido de um
“governo pelas pessoas2” é que quando as pessoas governam a elas mesmas, irão
usar medidas aversivas com limitações.
Mas por que os governos se limitam ao controle aversivo? Por que não usar
reforçamento positivo? Muitos governos possuem meios de fazê-lo; eles possuem
o poder para prover, assim como para punir. Uma possível resposta é que o
reforçamento positivo não é muito bem compreendido. Seus efeitos são
facilmente negligenciados; nós não sentimos o controle exercido quando nosso
1
Traduzido do original: Skinner, B. F. (1978). Human behavior and democracy. In B. F. Skinner,
Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall. Importante: essa tradução destina-se exclusivamente a uso
didático e acadêmico.
2
N. T. A expressão “for the people/by the people” contém diferentes possibilidades de tradução,
Optei por “pessoas” ao invés do mais tradicional “povo”, pois faz mais sentido à luz dos
argumentos de Skinner sobre controle face-a-face.
próprio comportamento é positivamente reforçado. O agir aversivo também
possui uma espécie de prioridade genética. Repertórios agressivos, bem como a
capacidade de adquirir comportamento agressivo prontamente, tiveram valor de
sobrevivência. É também fácil aprender a tratar os outros aversivamente por
conta de seus resultados especialmente rápidos. Não obstante, reforçamento
negativo e punição possuem sérias desvantagens as quais merecem atenção,
particularmente agora que a democracia como uma filosofia de governo está em
apuros. Existem apenas algumas poucas reais democracias no mundo de hoje, e o
desaparecimento do governo democrático tem sido amplamente previsto. Nações
emergentes tendem a adotar padrões de obediência à autoridade, tendo como
epítome as ditaduras militares, e muitas nações mais antigas caminham nessa
direção. Assim como a possibilidade de exercer contracontrole aversivo ao já
aversivo poder governamental, a democracia está perdendo terreno. Podemos
salvá-los, preservar e promover suas realizações, fazendo melhor uso de medidas
não-aversivas?
Pode-se argumentar que algo do tipo tem sido feito no estado de bem-
estar social. Nosso próprio governo é talvez tão preocupado com miséria quanto
com a segurança; considerando os serviços proporcionados em saúde, educação, e
bem-estar. Países Britânicos e Escandinavos têm ido muito mais longe, e claro, ao
menos em teoria, também os países comunistas. Mas é difícil encontrar
reforçamento positivo em qualquer destes. Estados de bem-estar social sustentam
a si mesmos com práticas aversivas. Eles adquirem os bens que distribuem
através de impostos (apoiados pela ameaça de punição) ou através de trabalho
forçado, e se distribuem bens “de acordo com a necessidade”, esta é largamente
baseada na possibilidade de protesto dos necessitados caso não o façam. Os
estados de bem-estar ou comunista também demonstram um equilíbrio instável
entre controle aversivo e contracontrole. Ademais, e este é o ponto central, não
fazem a distribuição de bens contingentes ao comportamento de seus cidadãos.
Não os utilizam como reforçadores, mas como apaziguadores, para reduzir a ação
contracontroladora. Na melhor das hipóteses, moderam certas condições que
poderiam de outra forma levar a comportamento passível de punição, uma vez
que as pessoas são presumivelmente mais propensas a se comportar melhor em
um mundo livre de pobreza, doenças, desemprego e ignorância. Mas mesmo
estados de bem-estar desenvolvidos continuam a punir mau comportamento, e
sanções fortemente punitivas certamente sobrevivem em países comunistas.
Não podemos evitar a conclusão de que algo que poderia contribuir para o
governo num sentido mais amplo está sendo negligenciado. Reforçamento
positivo, como o termo implica, é fortalecimento. Ele carece dos efeitos
supressivos e agressivos da punição, e é livre dos efeitos do reforçamento
negativo que associamos com ansiedade e medo. Comportamento reforçado
positivamente é participação ativa na vida, livre de tédio e depressão. Quando
nosso comportamento é positivamente reforçado, dizemos que desfrutamos do
que estamos fazendo; dizemos que estamos felizes. Certamente esses aspectos do
comportamento humano devem estar entre os objetivos de qualquer governo
“para o povo”, mas estão fora do alcance de governos que meramente forçam
obediência e são, na melhor das hipóteses, deixados ao acaso nos estados de bem-
estar social. Podem eles ser trazidos ao alcance da democracia?

Olhemos para dois problemas enfrentados por todas as formas de governo no


mundo de hoje, mas especialmente relevantes aqui por terem sido criados pelo
que certamente devem ser considerados os dois maiores triunfos de um modo de
vida democrático. Significativamente, são também produtos de processos
comportamentais básicos que estamos considerando. Para emprestar uma
expressão que é talvez muito familiar, as maneiras pelas quais as pessoas reagem
a reforçadores negativos e positivos levaram ao estabelecimento de direitos à vida
e à liberdade, e à busca da felicidade, respectivamente. Eles também levaram a
problemas. Não importa o quão essencial para a sobrevivência de uma espécie um
processo pode ter sido, ele pode se tornar problemático ou mesmo letal com
mudanças no ambiente, e isso aconteceu a ambos, reforçamento positivo e
negativo.
Os processos através dos quais organismos aprenderam a fugir ou se
esquivar de vários tipos de dano físico tiveram um óbvio valor de sobrevivência,
mas no que chamamos de ambiente civilizado eles se tornaram menos
importantes, e pode ter sido alcançado o ponto em que trabalham contra a
sobrevivência. Por exemplo, uma vasta tecnologia tem sido desenvolvida para
prevenir, reduzir e exterminar o trabalho exaustivo e danos físicos. Ele está agora
dedicado à produção das mais triviais conveniências e confortos. Não apenas não
sofremos extremos de frio e calor, como mantemos nossos prédios com uma
estreita faixa de temperaturas. Não só não trabalhamos próximos à exaustão,
como passeamos em escadas rolantes ao invés de subir escadas e apertamos
botões para abrir as janelas de nossos carros. A menos que elaboremos, então,
substitutos extenuantes e estressantes, nos encontramos vulneráveis a qualquer
forte demanda ambiental, assim como a pessoas mais fortes (o padrão
arquetípico da pessoa civilizada versus o bárbaro). Além disso, pelo fato da
tecnologia não poder ser disponibilizada para todos, nossos ganhos triviais
significam perdas dispendiosas para outros.
O paralelo social é muito mais importante. Ninguém questionaria a
importância de lutas históricas pela liberdade, através das quais pessoas
escaparam e enfraqueceram ou destruíram aqueles que os trataram
aversivamente, mas esse processo de estabelecimento de direitos à vida e à
liberdade atingiu o ponto no qual qualquer violação sobre a livre circulação do
indivíduo é desafiada. Pessoas reivindicam o direito a fazer o que quiserem –
apostar e perder uma fortuna, correr o risco de um perigo desnecessário por não
usar o cinto de segurança, morrer como alcoólatra, e consumir recursos e poluir o
meio ambiente sem restrições. Estudantes estão a desfrutar de salas de aula livres
e abertas, não é dito o que fazer a pessoas com problemas e sim que procurem
soluções dentro de si mesmas, negócios florescem em uma atmosfera de laissez-
faire, e a forma de comportamento mais sujeita a reclamação pelos pares é a
própria reclamação.
Talvez seja um equívoco natural supor que a abolição de controle social
aversivo leva ao fim deste tipo de permissividade, mas, como conveniência e
conforto, pequenas liberdades pessoais são obtidas a um grande custo social.
Todo mundo sofre quando pessoas são mal-educadas, analfabetas, e ignorantes,
quando leis são frequentemente quebradas, quando pessoas continuam a precisar
de ajuda, quando bens são distribuídos desigualmente, e quando assim chamados
crimes sem vítimas provam ter vítimas. Em resumo, o mundo mudou, e os
processos através dos quais nos livramos de estimulação aversiva, não social e
social, começaram a trabalhar contra a sobrevivência da cultura e possivelmente
da espécie.

Houve um comparável revés do processo de reforçamento positivo.


Jefferson tomou emprestada a frase “a busca da felicidade” de John Locke, mas
Locke havia dito “a busca da propriedade”. A tecnologia agora dedicada à
produção de bens reforçadores é muito mais extensa do que a preocupada com a
esquiva de trabalho exaustivo e danos físicos, e a menos que seja contida irá em
breve exaurir os recursos do mundo. Ela tem outro efeito grave, porque pessoas
diferem no alcance de adquirir propriedades e, consequentemente, na quantidade
que possuem, e uma vez que muitas posses facilitam o acesso a aquisições,
diferenças tornam-se cada vez mais acentuadas. Reforçamento positivo conduziu
não apenas a grande riqueza, mas a extrema pobreza. Quando o miserável se
torna numeroso o suficiente, ou mesmo poderoso o suficiente para protestar,
pode com ele ser compartilhada uma parte da riqueza, mas isso acarreta
problemas posteriores. Bem-estar – também como uma medida social ou uma
filosofia política – fomenta o problema dos reforçadores não contingentes, ao
qual retornarei.
Estas são, assim, duas questões básicas enfrentadas por todos os governos
modernos. Em algum lugar entre liberdade e despotismo e entre abundância e
pobreza existem pontos nos quais ganhos pessoais e sociais são equilibrados, mas
como podem ser tais pontos alcançados? A resposta mais plausível mostra a
preocupação tradicional com controle aversivo: devemos fazer cumprir as leis,
limitar o alcance das pessoas em adquirir bens (como tributar excessos), e fazer
as pessoas trabalharem pelo que elas recebem. Mas existem alternativas não
punitivas? Podemos planejar um ambiente no qual as pessoas irão tratar-se bem
umas às outras, manter o tamanho das populações dentro de limites, aprender a
trabalhar e de forma produtiva, preservar e realçar o caráter reforçador do
mundo, explorar e analisar o mundo, limitar o uso dos recursos e manter o meio
ambiente preservado para futuras gerações, e fazer tudo isso porque os resultados
são positivamente reforçadores?
Um ambiente social no qual pessoas, portanto, se comportam como elas
gostam, ao invés de como elas tem de se comportar, tem sido o sonho de muitos
políticos a reformadores sociais, mas é usualmente chamado de “utópico” no
sentido pejorativo de impossível. No entanto, já estamos em curso de
desenvolvimento de alternativas ao governo como o poder de forçar à obediência.
E isso pode levar a algo que é mais próximo ao governo do povo pelo povo do que
qualquer coisa já proposta em nome da democracia.
Pessoas são governadas, no sentido mais amplo, pelo mundo no qual
vivem, particularmente por seus ambientes sociais. A operação de tal ambiente é
mais evidente em um pequeno e homogêneo grupo, onde comportamento
injurioso aos outros é punido e comportamento que favorece aos outros é
reforçado, quer relaxando uma ameaça ou apresentando bens. Com a evolução de
um ambiente social, práticas de apoio aparecem. O grupo classifica
comportamento como bom, mau, direito e errado, e utiliza tais termos como
reforçadores condicionados no fortalecimento ou supressão de comportamento.
Ele descreve algumas das mais importantes contingências na forma de regras, e
ao seguir tais regras seus membros adaptam-se mais rapidamente e evitam
exposição direta às consequências punitivas. Indivíduos podem agir para manter
as muitas contingências as quais estão adaptados, e quando o fazem sem
supervisão, é dito que demonstram autocontrole ou a posse de um senso ético ou
moral. Tal ambiente social transmite-se ele mesmo conforme novos membros de
um grupo adquirem o comportamento de preservação das contingências.
Infelizmente, pessoas governam pessoas desta forma um tanto idealista
apenas quando todos possuem essencialmente o mesmo poder, e esse quase
nunca é o caso. Alguém emerge como um líder e, infelizmente, quase sempre
exercendo uma porção especial de poder para compelir à obediência.
Contracontrole pode limitar tal poder, mas o resultado não é uma sociedade
verdadeiramente igualitária. Algo do mesmo tipo se segue quando um grupo
delega controle a representantes, uma vez que delegação pode ter o mesmo efeito
de usurpação. Prevenir o mau uso do poder pelo próprio representante é apenas
uma moderada forma de luta pela liberdade da tirania. Nenhum dos processos
garante um governo equilibrado.
Foi prática usual dividir o ambiente social em três partes: (1) o regime (o
governo num sentido mais estrito, especializado em controle aversivo), (2) a
economia (especializada na produção e troca de bens reforçadores), e (3) a
cultura, ou todas as outras contingências de reforçamento mantidas pelo grupo –
em práticas familiares, rituais religiosos, artes, ofícios, e assim por diante. É
provavelmente impossível manter esses campos separados, e em seu uso
moderno o termo cultura cobre a todos. Uma cultura é um ambiente social
completo, no qual algumas contingências são mantidas por indivíduos e outras
por instituições. A divisão anterior foi útil, no entanto, porque cultura no sentido
mais antigo significava as contingências sociais não mantidas por agências
centralizadas. Democracia tem um significado especial quando aplicamos o
termo a uma cultura nesse sentido.
É mais óbvio, nessa altura, que o controle cabe às pessoas. Um ambiente
social existe apenas por causa do que as pessoas fazem para e com outras pessoas,
e nunca é mais do que isso mesmo quando o poder é usurpado por, ou delegado
para, uma agência especial, mas em uma cultura no sentido mais antigo o
controle é direto. Concentração de poder em uma agência é questionável não
apenas por causa de seu característico mau uso e desperdício, mas porque assola
contatos interpessoais. Se eu trabalho para uma companhia de fabricação de
sapatos e meu vizinho para uma companhia de fabricação de camisas, e se ambos
ganham o suficiente para que eu compre uma camisa e ele um par de sapatos,
estamos em um sentido produzindo algo de valor um para o outro, mas não
houve troca direta. Uma oportunidade especial para reforçar o comportamento
um do outro foi perdida. Companhias são sem dúvida necessárias para a
produção eficiente de sapatos e camisas, e precisamos ter uma economia ao invés
de simplesmente uma cultura no sentido mais antigo, mas algo foi abandonado.
Similarmente, se eu delegar a censura do meu vizinho à polícia, estarei menos
propenso a procurar por alternativas não punitivas do que se eu simplesmente
agir como um vizinho. Em um grupo amplo uma força policial é sem dúvida
necessária e continuaremos a ter governos punitivos, mas a chances de conseguir
melhores relações sociais se tornam reduzidas.
Quando entregamos o controle de pessoas a instituições políticas e
econômicas, renunciamos ao controle face-a-face de um governo equitativo de
pessoas pelas pessoas, e é um equívoco supor que o retomaremos restringindo o
alcance daqueles aos quais o delegamos. Uma estratégia melhor é fortalecer o
controle face-a-face. Um ambiente social, ou cultura, podem operar sem a ajuda
de governantes e empresários usurpadores ou delegados, e é mais claramente um
governo de pessoas por pessoas quando isso ocorre. Algo do tipo tem sido
proposto de tempos em tempos – por exemplo, na filosofia política da anarquia –
mas nada pode ilustrar melhor o fracasso em encontrar meios apropriados do que
o estereótipo público do anarquista como um homem com uma bomba. Estamos
em uma posição muito melhor hoje em dia. Começamos a entender como o
ambiente, particularmente o ambiente social, funciona, e já temos alguns
vislumbres de como de como pode ser feito para funcionar melhor.
Grande parte disso veio através da aplicação da análise experimental do
comportamento, ou do que veio a ser chamado modificação de comportamento.
Não se pode usar o termo hoje sem a adição de uma ressalva, ou uma definição.
Eu não me refiro à modificação de comportamento através da implantação de
eletrodos ou drogas psicotrópicas. Eu não me refiro ao condicionamento
Pavloviano com drogas indutoras de vômito ou choque elétrico. Por “modificação
de comportamento” eu me refiro ao que o termo foi introduzido para significar –
mudança de comportamento através de reforçamento positivo. Os processos
subjacentes são há muito conhecidos e ocasionalmente utilizados, mas agora
temos um melhor entendimento de seu papel no ambiente social e podemos,
portanto, fazer mudanças significativas no controle face-a-face de pessoas por
pessoas.

Muitas pessoas tiveram visões assustadoras da modificação de


comportamento nas mãos de governos poderosos ou ricas corporações, mas o
fato é que suas principais aplicações até o momento têm sido precisamente ao
nível do controle face-a-face de pessoas por pessoas – por professores que
encontram melhores meios de trabalhar com estudantes na sala de aula e que
utilizam materiais instrucionais que os possibilitam progredir tão rapidamente
quanto possível e com um mínimo de pressão aversiva, por atendentes em
hospitais e lares para psicóticos e retardados que arranjam condições sob as quais
aqueles em seus cuidados vivem vidas mais interessantes e dignas, por
psicoterapeutas em consultas face-a-face com aqueles que precisam de ajuda, por
parentes que descobrem como tornar uma família uma instituição mais calorosa
e prestativa, por empregadores que planejem sistemas de incentivo em que os
empregados não apenas trabalhem bem, mas desfrutem do que fazem, e por
indivíduos que descubram como manejar suas próprias vidas efetivamente
quando frente a frente consigo mesmos.
Mais do que uma centena de livros tem sido publicados sobre modificação
de comportamento nos últimos cinco anos e a taxa de publicações continua a
crescer. Não há indicação de que os princípios estão sendo sequestrados ou
monopolizados por indivíduos ou organizações empenhadas em controle
explorador. Pelo contrário, as práticas básicas estão achando seu caminho para
dentro da vida diária como parte de nossa cultura. É difícil prescrever práticas
apropriadas para uma dada situação. Não existem regras gerais que nos permitam
encobrir detalhes. Mas alguns dos princípios comumente observados na aplicação
de uma análise experimental para a vida diária são dignos de nota porque são
particularmente preocupados com o governo de pessoas pelas pessoas. De uma
forma ou de outra, eles possuem uma longa história.

A própria substituição de reforçamento positivo por controle aversivo está,


certamente, no coração das lutas por liberdade. Embora ainda tenhamos um
longo caminho a percorrer, passamos da escravidão para o pagamento de salários,
da palmatória para a escola livre, e do manicômio ao cuidado humano dos
psicóticos e retardados. Reforçamento positivo tem um efeito fortalecedor não
apenas sobre o comportamento do indivíduo, mas também sobre a cultura,
criando um mundo no qual as pessoas estão menos propensas a desertar e que
estão mais propensas a proteger, promover e aprimorar. Todos aqueles que agem
para fazer do mundo físico mais bonito – os ecologistas preocupados com a
beleza natural e os artistas, músicos, arquitetos, e outros que criam coisas bonitas
– todos aumentam as chances de a vida no mundo ser positivamente reforçada.
Aqueles que utilizam a modificação de comportamento, definida propriamente,
pode-se dizer que estão preocupados com a preservação e promoção da beleza do
ambiente social – ou, pedindo emprestada uma expressão de uma cultura em
desaparecimento, mais pessoas bonitas.
Um segundo princípio para o aprimoramento do controle de pessoas pelas
pessoas é a evitação de reforçadores arbritrários. Aqui, novamente, há uma longa
história. Todos vivemos em uma economia simbólica. Dinheiro foi inventado
como um reforçador condicionado porque tem muitas vantagens: é facilmente
dado e recebido; consumir os reforçadores arbitrários pelos quais é trocado pode
ser convenientemente postergado; valores reforçadores podem ser facilmente
comparados, e assim por diante. Mas comportamento é mais rapidamente
modelado e mantido por suas consequências naturais. O comportamento do
trabalhador da linha de produção que não possui consequências importantes
exceto um pagamento salarial sofre em comparação com o comportamento do
artesão que é reforçado pelas coisas por ele produzidas. A separação de
trabalhadores dos produtos naturais de seu trabalho foi, certamente, o que Marx
entendeu por “alienação”. Há um efeito similar quando sanções punitivas são
delegadas a autoridades, porque reforçadores negativos como multas ou
aprisionamento alienam cidadãos da censura direta de seus pares.
Não há nada de errado com reforçadores arbitrários como tais. Professores
e conselheiros precisam deles para modelar e fortalecer comportamento para o
qual o indivíduo encontrará utilidade nas contingências naturais da vida diária.
Mas reforçadores arbitrários precisam ser abandonados antes da preparação estar
completa. O estudante que continua a recorrer a um professor não foi
satisfatoriamente ensinado; o cliente que continua a consultar um conselheiro
não tem sido satisfatoriamente aconselhado. Os reforçadores arbitrários do
mundo em geral precisam assumir o controle. As práticas da indústria e governo
são diferentes. Trabalhadores devem continuar a receber reforçadores arbitrários
chamados salários, e cidadãos a serem ameaçados com as consequências
arbitrárias chamadas punição. Alienação é, então, o que provavelmente se segue.
Um terceiro princípio é bastante semelhante. Comportamento que
consiste em seguir regras é inferior ao comportamento modelado pelas
contingências descritas pelas regras. Portanto, nós podemos aprender a operar
uma peça de equipamento seguindo instruções, mas nós a operamos de forma
hábil apenas quando nosso comportamento foi modelado por seus efeitos no
equipamento. As instruções são logo esquecidas. De modo similar, aprendendo as
regras de uma cultura nós somos capazes de lidar com pessoas efetivamente, mas
nosso comportamento será mais sensível às contingências mantidas “pelas
pessoas” quando somos diretamente censurados e elogiados, e as regras de uma
cultura, como as instruções operatórias para uma peça do equipamento,
esquecidas. (Uma observação familiar em jurisprudência é de que leis sobrevivem
muito tempo após relacionamentos pessoais que descrevem terem mudado, e
então elas não representam o controle social prevalecente).
Um quarto princípio é não tão amplamente reconhecido. Controle de
pessoas pelas pessoas é suscetível a ser perturbado por reforçadores “não
contingentes”. Muitas coisas boas chegam até nós de forma independente – desde
um clima generoso, uma maré de sorte, a outras pessoas que se doam a nós ou
nos permitem levá-los sem resistência, ou uma reserva de bens previamente
acumulada. Consideramo-nos sortudos quando tais potenciais reforçadores
cruzam nosso caminho sem que tenhamos feito nada por eles, mas não devemos
negligenciar seus potenciais danos. Reforçadores não contingentes são
característicos da abundância e do bem-estar e possuem em ambos os mesmos
efeitos perturbadores. Ao reduzir o nível de privação, eles antecipam muitas
possibilidades de reforçamento, e reforçadores de uma menor importância
biológica assumem controle. Os resultados são algumas vezes produtivos. Nós
podemos transformá-los em arte, música, literatura, ciência ou outras grandes
conquistas da espécie humana. No entanto, eles são mais frequentemente
neutralizados e desperdiçados – como quando nos voltamos para o álcool ou
outras drogas, nos entregamos aos esquemas de razão variável explorados pelos
sistemas de aposta, vivemos as graves vidas alheias através de fofoca, literatura,
filmes, e assistindo esportes, ou nos voltamos para a violência como uma forma
de escapar do tédio. Uma política de “work not welfare” pode resolver os
problemas de reforçadores não contingentes para o desempregado, mas não para
o rico. Reforçadores não contingentes mantém o grupo distante de um pleno
desenvolvimento das capacidades de seus membros, ameaçam a força da cultura
e, presumivelmente, suas chances de sobrevivência.
Ainda outro princípio é a preocupação com o alcance de uma cultura ao
preparar seus membros para atender suas contingências. Um ambiente social é
extraordinariamente complexo, e novos membros de um grupo não chegam
preparados com comportamento apropriado. O indivíduo foi antes iniciado em
uma cultura por programas de instrução natural, na presença de modelos
favoráveis. Estas já não são partes importantes do crescimento, e controle mais
explícito é agora necessário. Sequências de contingências programadas pelas
mãos de habilidosos professores e conselheiros podem levar eficientemente aos
complexos repertórios demandados por um ambiente social.

Estes, portanto, são alguns dos princípios a serem observados na


promoção de controle efetivo de pessoas por pessoas. Por ocasião de uma coluna
no New York Times, James Reston citou o londrino Economist sobre a
contribuição que a América pode trazer neste seu terceiro século. Dependerá, de
acordo com Economist, de como se desenvolverão suas três instituições
principais. “Tais três instituições são, em ordem reversa de importância, suas
corporações de negócios, seu governo, e seus mecanismos de convivência” – em
outras palavras, a economia, a política, e a cultura no sentido mais antigo. Talvez
possamos deixas os negócios para os economistas e governos para os cientistas
políticos, mas a quem atribuiremos os “mecanismos de convivência”, colocados
pelo Economist no topo da lista? Sugiro que eles são apenas as contingências que
definem o ambiente social como uma cultura e, consequentemente, o campo de
uma tecnologia do comportamento.
“Mecanismos de convivência” constituem todo o campo da psicologia
social, mas isso não significa que possamos obter ajuda com todos os psicólogos
sociais. Um estruturalismo genuíno faz muito pouca diferença, e
desenvolvimentismo não vai muito adiante. A medição de sentimentos e atitudes
e outros estados mentais são raros estímulos para ação. Psicólogos em geral não
são notados por sua grande disposição para agir. Não apenas eles hesitam em
mudar o comportamento de outras pessoas, mas muitos se opõem fortemente a
qualquer esforço nessa direção. Isso restringe o campo ao olharmos para aqueles
que contribuirão para nosso terceiro século aprimorando nossos mecanismos de
convivência.

O problema é que qualquer alusão ao controle do comportamento


humano evoca o desafio: quem irá controlar? – Amiúde com a sugestão de que
uma tecnologia do comportamento irá naturalmente cair nas mãos de déspotas.
Isso poderia muito bem ocorrer, como ocorre com todas as fontes de poder,
especialmente se aqueles que não são déspotas recusam-se a agir. Mas a grande
ameaça do mau uso é a melhor razão para olhar o mais claramente possível para
como uma ciência do comportamento pode trabalhar “para as pessoas”.
Modificadores de comportamento que deixam de intervir quando seu trabalho é
finalizado certamente não são exemplos clássicos de governantes déspotas. Em
verdade, eles podem representar uma ameaça diferente. Talvez eles não sejam
mais propensos do que os físicos atômicos a se engajarem em controle despótico
para a conquista do mundo com armas nucleares, mas será que não emprestarão
suas habilidades a consultores potencialmente déspotas? Um Maquiavel que usa
sua perspicácia para aconselhar um príncipe é talvez mais perigoso do que o
próprio príncipe. Mas modificação de comportamento é primeiramente um meio
de tornar as pessoas mais efetivas, não de dominar os outros, e sim manter a
aprimorar os ambientes sociais nos quais elas vivem.
Frequentemente se diz que no final das contas a questão é quem irá
controlar os controladores? (Quis custodiet ipsos custodes?), mas a questão não é
Quem, e sim O que. Pessoas agem para aprimorar práticas culturais quando seus
ambientes sociais induzem-nas a fazê-lo. Culturas que produzem esse efeito e
que suportam ciências relevantes são mais propensas a resolver seus problemas e
sobreviver. É uma cultura em desenvolvimento, então, que mais provavelmente
controlará o controlador.
Infelizmente, ela não gera o mesmo efeito em todo mundo. Aqueles que
agem para aprimorar governos de pessoas por pessoas tem sido selecionados por
circunstâncias especiais, possivelmente acidentais. Uma vez selecionados, são a
elite, mas não são a elite exploradora que trouxe à palavra conotações tão ruins.
Sua tarefa não é controlar pessoas, mas colocá-las sob controle de ambientes
físicos e sociais mais efetivos. Eles operam sobre o ambiente, não sobre pessoas.
Tecnólogos físicos e biológicos trabalham com uma parte do ambiente, ao
construírem contingências que afetam o comportamento humano; e em sentido
algum permanecem no controle das pessoas afetadas por suas realizações.
Professores, terapeutas e outros tecnólogos comportamentais trabalham com
outra parte do ambiente – ao construir as contingências sob as quais pessoas
controlam pessoas. Mas eles próprios não continuam a intervir. Nós vemos isso
em menor escala em um campo como aconselhamento familiar. O conselheiro
altera certas práticas – por exemplo, ensinando aos membros da família a
elogiarem-se ao invés de reclamarem e criticarem uns aos outros – mas o projeto
não está finalizado até que a família funcione como um sistema mais efetivo sem
posteriores intervenções do conselheiro. Nenhuma prática cultural planejada
através da aplicação de uma análise experimental do comportamento envolve um
modificador de comportamento que permaneça no controle. O controle cabe “às
pessoas”.

Indubitavelmente continuarão a existir agências governamentais e


econômicas, organizações, e instituições, pois possuem funções próprias, mas não
lhes devem ser dados privilégios. Um ambiente social funciona com mais êxito
para o indivíduo, o grupo, e as espécies se, tanto quanto possível, pessoas
controlarem pessoas diretamente. O planejamento de um ambiente social no
qual elas o façam é uma de nossas necessidades mais urgentes. É claramente um
desafio especial para a psicologia como uma ciência do comportamento.

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