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Paulo Herkenhoff
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MERLEAU-PONTY, Maurice. L’oeil et l’esprit. Paris, Gallimard, 1986, p.
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DELEUZE, Gilles; GUATTARI Félix. Anti-Oedipus: capitalism and schizophrenia. Transl Robert Hurley,
Mark Seem and Helen R. Lane. Minneapolis, Minneapolis University Press, 1998.
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Não há o imencionável, o socialmente indizível por recato, privacidade ou
moralidade, mas também não há auto-exposição egótica: isto é o próprio
território da fantasmática que não vem em imagens mentais nem verbais, mas
se encarna como pintura. O que se vê é a emergência do possível. Surge com
uma violência avassaladora, com uma urgência de visibilidade capaz de
construir afasia em resposta ao olhar. Despida de estratégias de dissimulação
(a robe mouillée da Vênus de Milo seria o oposto dessa estratégia de
enunciação). Um quadro expande as possibilidades visíveis do íntimo.
Diante do canibalismo melancólico de Pierre Fédida — o luto antecipado
decorrente da vontade de devoração do parceiro no coito3 - conclui-se ser
preciso expulsar a morte. É necessário espancar o esqueleto e não dançar com
ele como em Ensor e em toda Todtanz da cultura europeia nórdica. A batalha de
tesouras e a linguagem das lâminas, entre a castração e o rompimento do
hímen. Sem culpa e sem qualquer vergonha, como se personagens de Georges
Bataille se tornassem vivos4. Os sentimentos de culpa, vergonha ou repulsa
transferem-se para cada espectador, se for o caso. Não há estratégias de
choque, mas de presentificação da cena.
Fundamentalmente, Martins de Melo pinta dípticos. A separação entre duas
telas não decorre da intenção ingênua de produzir um díptico em que duas
partes se conjugam na formação de uma imagem, nem provém da penúria (não
dispor de uma tela maior). Isto é corte. Daí ser a cisão da superfície uma
operação indissociável. A linha orgânica de Lygia Clark reitera a separação do
que se deseja unido e uno no quadro, o abismo da falta e fenda da
incompletude. Pulsões de vida, movimentos da libido, fantasmas de desejo - o
signo pictórico é trabalho libidinal, como na escultura de Bourgeois. O esforço
do pintor é manter a imbricação entre o inconsciente — um possível projeto de
uma escrita na linguagem do inconsciente e não sua ilustração - e a
experiência pulsional do pictórico, do inescapável confronto com o signo
material da linguagem. Essa relação mantém a coesão tramada entre
significante, significado e significação.
3
FÉDIDA, Pierre. Le cannibale mélancholique in Destins du cannibalisme de Nouvelle Revue de
Psychanalyse. Paris, Gallimard, 1978, vol. 6, pp. 123-127.
4
BATAILLE, Georges. Guilty. Trad. Bruce Boone. Venice, The Lapis Press, 1988, p. 13.
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