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Multiletramentos,

Letramentos e
participação social

SEA

Profa. Dra. Claudia L. Vóvio

PPGE - Unifesp
Qual o tema/objeto de estudo?
Quais as motivações?
Quais expectativas?

Apresentação dos participantes da SEA


Eixos centrais da disciplina
Linguagem escrita e
usos sociais na sua
relação com o
impresso e TDIC

Relações de poder Desigualdades


e hierarquias sociais e
sociais educacionais
Conformação do campo de estudo da
Escrita
Visão dicotômica em relação às sociedades e aos atores sociais frente à posse (ou não)
da escrita.

Polo positivo
Polo negativo
Determinam posições para sociedades, Culturas letradas/Escrita
Culturas orais/Fala
produções culturais e atores sociais Presença/uso da escrita
Ágrafas/ausência de escrita
Escrita alfabética
Escrita não alfabética
Letrados (recente)
Analfabetas
Alfabetizados +
Literacy (1660) – falta de
Evolucionista capacidades advindas do
capacidade de ler e
Mítica aprendizado da escrita
escrever
Homogeneizador
Déficits e faltas
a
Arte rupestre na caverna Cueva de Las Manos,
na Argentina.
Sociedades ágrafas, Sociedades grafocêntricas,
culturas e tradições culturas e tradições do
mundo da oralidade mundo no papel
Escrita alfabética
x
Outros sistemas
Rota para modernidade, para a ciência, a
justiça, a literatura e a democracia;
Escrita
Motor de transformação da mente e da
Com alfabética
sociedade.

Sem escrita
VERSUS
escrita
Símbolos, Marcas, Logotipos, Ícones,
Sistemas de comunicação
vernaculares/situados etc.;

Multimodalidade (hibridismo de modalidades Grafocentrismo como base para analisar e tecer


que se coloca para a construção de sentidos:
fala, escrita, imagens, grafismos, melodias, compreensões sobre a criação, domínio e usos de
sonoridades, performance gestual etc.)
outros sistemas de comunicação
Pensamento abstrato;
Raciocínio lógico;
Atividade tecnológica;

Culturas
Inovação constante;
Reflexividade;
Saberes objetivados
Armazenamento em larga escala, reflexividade e
preservação documental;
Metalinguagem;
letradas
Formas especializadas de discurso (especialização e e
diferenciação das instituições sociais).

Culturas
Pensamento concreto;
Raciocínio prático ou pré-lógico;
Atividade tradicional;

orais
Cultivo da tradição;
Ritualística;
Esquemas práticos;
Saber fazer;
Limites da memorização e dependência do contexto;
Por oposição, sem tradição escrita; sem metalinguagem;
sem formas especializadas de discurso.
Modalidades oral e escrita em oposição:
um olho por um ouvido (Olson, 1991)

Retirado de TERRA (2013)


Modalidades oral e escrita em oposição:
um olho por um ouvido (Olson, 1991)

Retirado de TERRA (2013)


Crença no poder modificador da
escrita alfabética e da alfabetização
• Binômio: Alfabetização e Mudança

 Dicotomia entre alfabetizados e não alfabetizados (analfabetos, não escolarizados,


incultos...);
 Supervalorização da alfabetização ou alfabetização com motor de desenvolvimento
social e individual (como redentora de problemas de ordem social, econômica e
política);
 Fator imperativo de mobilidade social, de aquisição de certas operações de
pensamento, de qualificação profissional, de acesso e cuidado com a saúde, de
mudanças de ordem comportamental etc..

VERSUS
• Reflexão sobre crenças implícitas ou explícitas sobre a escrita com e a
partir dos participantes/atores para os quais se dirigem projetos e
ações.
Escrita como Risco
• Prestígio da escrita = a comunidade escrita como à frente
de qualquer outra;
• Produção vigorosa de estudos na História, Sociologia,
Linguística, Educação, tratando de oposições ora como
prestígio e poderosa per si, ora como risco.
 Em Platão, risco em relação à capacidade de memorização (almas
esquecidas), possibilidade de adquirir sabedoria (em vez de sábios,
parece-lo-ão);
 Em Luria, a possibilidade de desenvolvimento cognitivo...
Parada para reflexão

Discurso para abertura da Feira Frankfurt, 08/10/2013 – Luiz Ruffato


• No dia 8 de outubro de 2013, a 65ª edição da Feira do Livro de Frankfurt
(FLF), na qual o Brasil foi o país homenageado, contou com o discurso de
abertura proferido pelo escritor brasileiro Luiz Ruffato:
 Caráter da Feira (Editorial e Comercial);
 Contexto nacional de eleições presidenciais, em 2014, anterior à Copa de Futebol;
 Gênero Manifesto, estilo e conteúdo:
 Instaura uma grande polêmica. Alguns advogando que o escritor envergonhou o país
(preocupação com o mercado e a imagem nacional). Outros defendendo que o escrito mostrou
ao mundo o Brasil de fato.
 Seu discurso que carrega seu posicionamento quanto a questões como o não pertencimento
ou a não normalidade, as brechas sociais, as utopias fora do campo da esquerda tradicional
ou partidária.

 Busquem no texto as relações entre Língua Escrita e Sociedade, especialmente sobre


valores em relação à literatura e ao papel do escritor e relacionem aos textos lidos!
Desigualdade social e
Língua escrita
Desigualdade ou diferença
• Quando uma diferença social/cultural transforma-se em
desigualdade?
• Nem toda diferença social/cultural produz desigualdade!

 "Para que uma diferença produza desigualdades, é necessário que


todos (ou pelo menos a maioria dos "privilegiados" e dos "lesados")
considerem que a privação de uma actividade, de um saber,
do acesso a um determinado bem cultural ou a um dado
serviço constitui uma falha, um handicap ou uma injustiça
inaceitável" (LAHIRE, 2008, p. 18)
Desigualdade ou diferença
Crenças coletivas que
edificaram certos bens,
Desigualdade práticas culturais e
saberes como
necessários e altamente
desejáveis;

Altamente desejável Produzem categorias


por todos, incluindo que permitem
aqui tantos os que classificações e
são privilegiados qualificações dos modos
como os privados de fazer, de objetos a
desses bens, saberes Grau de consumir, das
e práticas culturais. Crença de
"desejabilidade" disposições, de hábitos
legitimidade
coletiva e gostos (Lahire, 2002,
2006)
Lahire (2008 e 2003)
Desigualdade ou diferença?
Escola, mobilidade social e
mundo do trabalho

Escrita como objeto a ser


Legitimidade aprendido por todos porque dá
acesso ao conhecimento

Domínio sobre conhecimentos,


práticas, modos de operação...

Desigualdade
Elevada escolarização

Escrita de acordo com a norma,


Desejabilidade homogeneizante/homogeneizada

Participação em certas práticas da


leitura e da escrita
Qual o papel da escola quanto à
participação nos letramentos?
• Há modos de se relacionar com a modalidade escrita da língua e suas produções culturais
consideradas legítimas e altamente desejáveis a todos

• Moeda de troca, com valor elevado!

 Lugar social ocupado pela escrita e pelas produções culturais deste universo;
 Instâncias e intuições [agências sociais] que ensinam e/ou possibilitam a circulação do escrito: família,
escola, religião [em alguns casos], por ex.. E aquelas que permitem a difusão e circulação do escrito: trabalho, o
Estado, o comércio, a escola, bibliotecas, associações de moradores etc.;
 Objetos e suportes nos quais são produzidos e circulam;
 Sujeitos em suas experiências no mundo social: tanto os estabelecidos [os herdeiros do capital cultural] como os de
primeira geração a construir relações com a leitura e escrita;
 Processos de apropriação, de transmissão e dos meios de produção [modos de ler predominantes,
práticas de escrita e usos da escrita em determinando grupos sociais].
Escolarização no Brasil
A. Difusão tardia da escolarização: alijamento de grandes segmentos da
população de escola:
 Analfabetismo (Ver Ferraro, 2009);
 Média de anos de estudo inferior ao EF (8 anos);
 Analfabetismo Funcional (ver Ribeiro, 2003 e Ribeiro, Lima e Batista, 2015).

B. Correlação positiva entre realizações educacionais dos alunos e a de seus


pais (especialmente a escolaridade materna):
 Renda (capital econômico) e escolarização;
 Capital social e capital cultural;
 Escolaridade materna e trajetória escolar.
Escolarização no Brasil
C. Desigualdade na distribuição de oportunidades educacionais;
 Maus resultados em avaliações de desempenho nacionais e internacionais;
 Taxa de matrículas na Educação Básica: os que ainda estão fora
 Distribuição da população entre níveis de escolarização;
 Defasagem idade-série.

D. Disparidades no atendimento, qualidade e desempenho dos alunos.


 Enorme variação em relação às oportunidades educacionais entre sistemas de
ensino: privado e público;
 Enorme variação em relação às oportunidades educacionais no interior de sistemas
públicos (estaduais e municipais) e entre regiões.
Saber ou não usar a língua escrita?
• O fenômeno da legitimidade é o que possibilita reconhecer de modo amplo o
valor de dominar e saber usar a língua escrita em variadas práticas
culturais, inclusive por aqueles que não tiveram acesso a essas práticas: os
que não sabem ler e escrever, por exemplo.

 Há os poucos que se identificam como usuários plenos da língua escrita e que


trabalham em prol da manutenção de uma única língua e norma;

 Há aqueles muitos que se ressentem, resistem, renegam, rompem e que se veem


estigmatizados, estereotipados.
Participação na cultura escrita
• Escola principal agência responsável pelo desenvolvimento de capacidades,
conhecimentos e disposições em relação às práticas de uso social da escrita.

 Além da preocupação com o analfabetismo, problema social que ainda persiste no


Brasil, tem-se o analfabetismo funcional, a falta de capacidades para fazer uso
efetivo da leitura e da escrita nas diferentes esferas da vida social, após alguns anos
de escolarização e com os resultados da escolarização de longa duração.

 O que as pessoas são capazes ou não de fazer com a modalidade escrita da língua?
Quais fatores intervêm para que consigam participar da cultura escrita?
Participação na cultura escrita
• Práticas de uso da língua escrita: produzidas nas/pelas relações entre
grupos humanos, em tempos e espaços sociais específicos, sendo,
portanto, variável.

• Ter domínio e saber usar a língua escrita implicam abarcar relações


operadas entre e no interior de classes sociais e grupos, que
evidenciam:
 Fenômeno da legitimidade — de crenças coletivas que edificaram certas práticas de
uso da escrita necessárias e altamente desejáveis a todos, e que criaram categorias
que permitem (des)classificações e (des)qualificações dos modos de fazer, de objetos
a consumir, das disposições, de hábitos e gostos (Lahire, 2002, 2006).
 Fenômeno da desigualdade — diz respeito à distribuição de oportunidades de
consumo, à difusão de práticas, competências e objetos, que também traz em seu
bojo a necessidade de saber usar a escrita, como altamente desejável.
Escola e participação na cultura
escrita
• “Se a educação escolar tem sido considerada como principal instância para o
desenvolvimento de tal conjunto de capacidades [de falar, escutar, ler,
escrever e refletir sobre a língua] e para o compartilhamento de práticas
sociais de uso da escrita, é necessário compreender a razão da permanência
de um número tão expressivo de brasileiros excluídos do compartilhamento
dessas práticas altamente valorizadas e com consequências para atribuição e
ocupação de lugares sociais por esses sujeitos. Tratam-se de capacidades
tomadas como fundamentais que são focalizadas no processo de ensino e
aprendizagem escolar e que, como dito, condicionam as possibilidades de
continuar aprendendo ao longo da vida e de participação autônoma e crítica.”
(Vóvio, 2014, s/n)
Problematizações
Para além da teoria da
Será que a escola reprodução social, quais
oferece a todos as nexos se pode estabelecer
mesmas oportunidades entre escola, letramento e
de aprender? certos grupos sociais? Quais
Acesso a
práticas possibilidades?
culturais O que seria necessário para que a
valorizada escola possa constituir-se na
s principal agência responsável por
Em contextos de aguda
distribuir oportunidades para o
desigualdade social, a escola
desenvolvimento individual, para
pode fazer a diferença? Escolariz incrementar "níveis de proficiência e
ação
diminuir o impacto da posição social
no sucesso escolar" (SOARES, 2008,
“Para desenvolver uma competência ou Desigualdade p. 10)?
apropriar um conhecimento, é preciso Sociais
beneficiar-se de ocasiões de aprendizagem”
(Crahay, 2000, p. 212). De que letramento a
escola se ocupa e quais pesquisas informam
essa análise?
A disciplina em perspectiva
Conceitos
• Letramento, letramentos, multiletramentos;

• Alfabetismo e alfabetismo funcional;

• Cultura Escrita;

• Culturas do Escrito.

 Diferentes termos para nomear diferentes fenômenos;


 Diferentes significados para um mesmo termo, quando este se encontra do em
contextos distintos

 Polissemia: assume diferentes significados de acordo com o campo que o mobiliza


(educacional, linguístico, antropológico, psicológico, histórico etc.)
Tematizações
• Conceitos: letramento, letramentos, Culturas do escrito, alfabetismo e Multiletramentos

• NEL e os Estudos do Letramento no Brasil

• A etnografia e os estudos do letramento

• Letramentos e escolarização

• Letramentos acadêmicos

• Multiletramentos e escolarização

• Letramentos e reexistência

• Letramentos e literatura

• Literatura periférica
Referências
• CRAHAY, M. Poderá a escola ser justa e eficaz? Lisboa: Instituto Piaget,
2002.
• GNERRE, M. Considerações sobre o campo de estudo da escrita. In:
__________. Linguagem, Escrita e Poder. 1° reimpressão. 3° edição. São
Paulo: Martins Fontes, 1994. P. 35- 94
• LAHIRE, B. Diferenças ou desigualdades: que condições sócio históricas
para a produção de capital cultural? Fórum Sociológico (Online), 18, 2008.
• KLEIMAN, A. B. (Org.). (1995) Os significados do letramento: uma nova
perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado das Letras.
• SOARES, M. Práticas de letramento e implicações para a pesquisa e para
políticas de alfabetização e letramento. In: MARINHO, M.; CARVALHO, G.
T. (Orgs.) Cultura escrita e letramento. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2011.

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