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TIKELLY:

O MEU DESEJO
A um jovem poeta guimaraenseNa hora em que vibrou a mais
sensívelCorda de tu’alma ─ a da saudade,Deus mandou-te, poeta, um
alaúde,E disse: Canta amor na soledade.
Escuta a voz do céu, ─ eia, cantor,Desfere um canto de infinito
amor.Canta os extremos d’uma mãe querida,Que te idolatra, que te
adora tanto!Canta das meigas, das gentis irmãs,O ledo riso de
celeste encanto;E ao velho pai, que tanto amor te deu,Grato oferece-
lhe o alaúde teu.
E a liberdade, ─ oh! poeta, ─ canta,Que fora o mundo a continuar nas
trevas?Sem ela as letras não teriam vida,Menos seriam que no chão as
relvas:Toma por timbre liberdade, e glória,Teu nome um dia viverá na
história.C
anta, poeta, no alaúde teu,Ternos suspiros da chorosa amante;Canta
teu berço de saudade infinda,Funda lembrança de quem está
distante:Afina as cordas de gentis primores,Dá-nos teus cantos
trescalando odores.
Canta do exílio com melífluo acento,Como Davi a recordar
saudade;Embora ao riso se misture o pranto;Embora gemas em cruel
saudade…Canta, poeta, ─ teu cantar assim,Há de ser belo, enlevador,
enfim.
Nos teus harpejos, juvenil poeta,Canta as grandezas que se encerram
em Deus,Do sol o disco, ─ a merencória lua,Mimosos astros a fulgir
nos céus;Canta o Cordeiro, que gemeu na Cruz,Raio infinito de
esplendente luz.
Canta, poeta, teu cantar singelo,Meigo, sereno como um riso
d’anjos;Canta a natura, a primavera, as flores,Canta a mulher a
semelhar arcanjos,Que Deus envia à desolada terra,Bálsamo santo, que
em seu seio encerra.
Canta, poeta, a liberdade, ─ canta.Que fora o mundo sem fanal tão
grato…Anjo baixado da celeste altura,Que espanca as trevas deste
mundo ingrato.
Oh! sim, poeta, liberdade, e glóriaToma por timbre, e viverás na
história.Eu não te ordeno, te peço,Não é querer, é desejo;São estes
meus votos ─ sim.Nem outra coisa eu almejo.E que mais posso eu
querer? Ver-te Camões, Dante ou Milton,Ver-te poeta ─ e morrer.
SETE: A DOR, QUE NÃO TEM CURA“O que mais dói na vida não é ver-seMal
pago um benefício,Nem ouvir dura voz dos que nos devemAgradecidos
votos.Nem ter as mãos mordidas pelo ingratoQue as devera beijar.”
G. DiasDe tudo o que mais dói, de quanto é dorQue não valem nem
prantos, nem gemidos,São afetos imensos, puros, santosDesprezados –
ou mal compreendidos
.É essa a que mais dói a um’alma nobre.Que desconhece do interesse a
lei;Rica de extremos, não mendiga afetos,Que é mais altiva que um
potente rei.
É essa a dor, que mais nos dói na vida;É essa a dor, que dilacera a
alma:É essa a dor, que martiriza, e mata.Que rouba as crenças, o
sossego, a calma.
Não sei, se todos no volver dos anosSentem-na funda cruciante,
atrozComo eu a sinto… Oh! é martírio – ou vele,Ou sonhe, – ou vague
mediante a sós.
Eu vi fugir-me como foge a vidaAfeto santo de extremosos
pais:Roubou-mos crua, impiedosa morte,Sem que a movessem meus
doridos ais.Vi nos espasmos de agonia lentaMorrer aquele, que eu
amei na vida…Trêmulos lábios soluçando – adeus!Ouviu-lhe esta alma
de aflição transida.
Dores são estas, que renascem vivasA cada hora – que jamais
esquecem;Enchem de luto da existência o livro,Conosco à campa
silenciosa descem.Ah! quantas vezes, recordando-as hoje,Dos roxos
olhos se me verte o pranto!Ah! quantas vezes, dedilhando a
lira,Rebelde o peito, não soluça um canto…Mas, se essas dores
despedaçam a alma,O pranto em baga nos consola a dor:Numa outra
esfera, num perene gozo,Vivem, partilham divinal amor.Mas ah! de
quanto nos aflige, e mataÉ esta a dor, que mais nos dói
sofrer;Cobrar frieza em recompensa a afetos,No peito amigo
estrebuchar, – morrer!- In: Úrsula e outras obras. Brasília: Câmara
dosDeputados, Edições Câmara, 2018. p. 265-266.
Leia mais: Diário de Bitita (Carolina Maria de Jesus) e a memória de uma mulher às
margens

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