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8 | junho DE 2012
vanessa vieira
Uso de ferrament as por macacos-prego (Sapajus libidinosus) do parque nacional Serra da ca…
T iago Falót ico
Ramificações
ancestrais
Divergência de macacos-prego,
tão antiga quanto a de seres
humanos e chimpanzés, se reflete
em ecologia e comportamento
Maria Guimarães
18 | JUNHO DE 2012
O
s macacos-prego e caiararas existem sobre esses macacos num congresso em 2010
na América Central, na Amazônia no Japão. Reunindo os pesquisadores que mais
inteira, no cerrado, na caatinga e estavam trazendo novidades ao conhecimento
em toda a mata atlântica, chegan- sobre esses primatas, o encontro deu origem a
do até a Argentina. Nessa extensão um volume especial da revista American Jour-
variam muito em forma, cor, tamanho, preferên- nal of Primatology, publicado em abril deste ano.
cias alimentares e comportamento. São primatas Quando estudava o comportamento desses ma-
marcantes, com um sistema social complexo e cacos em Caratinga, Minas Gerais, Jessica via di-
capazes de usar ferramentas, uma habilidade ferenças entre eles e os de outros lugares, mas
rara. Mesmo diante da grande variação entre não tinha contexto evolutivo para avaliar de onde COMPORTAMENTO
espécies, até recentemente os especialistas clas- elas vinham. “Não sabíamos há quanto tempo os
sificavam macacos-prego e caiararas no mesmo grupos estavam separados ou qual o parentesco
gênero, Cebus, e boa parte deles respondia nos entre eles”, conta. Agora o animal que ela estuda-
registros científicos pelo nome Cebus apella. Nos va se chama Sapajus nigritus, diferente de como
ECOLOGIA
últimos 10 anos, a classificação desses primatas era conhecido tanto em gênero como espécie. O
vem passando por uma revolução, com base no pontapé inicial da mudança foi sugerido por José
trabalho de pesquisadores brasileiros e de fora. de Sousa e Silva Júnior em seu doutorado, conclu-
“A taxonomia deles ainda seguia o trabalho dos ído em 2001 pela Universidade Federal do Rio de
naturalistas”, diz o primatólogo brasileiro Jean- Janeiro. Ele propôs dois subgêneros: Cebus para
-Philippe Boubli. “A era da tecnologia molecular os caiararas, mais esguios, distribuídos da Amazô-
está permitindo toda uma reorganização.” Jun- nia para o norte, e Sapajus para os macacos-prego,
to com a colega norte-americana Jessica Lynch mais robustos e muitas vezes caracterizados por
Alfaro, da Universidade da Califórnia em Los um topete na cabeça, espalhados da Amazônia para
Angeles, ele – à época pesquisador na Wildlife o sul. “Ele foi corajoso em propor a divisão”, avalia GENÉTICA
1 Sapajus libidinosus
escala paredão na serra
2 Os esguios Cebus
mostram que capucinus, habitantes da
América Central
macacos-prego
1
que uma repartição exagerada pode criar espécies diversificação de espécies. Há cerca de 700 mil
raras que angariam mais recursos para conserva- anos a expansão ao sul chegou até a Argentina,
ção, mesmo que não se justifique do ponto de vista próximo às cataratas do Iguaçu, e rumou para o
científico. A discussão envereda mais para o cam- norte ocupando o cerrado, na região central do
po filosófico, com base na fluidez do conceito de Brasil. Em seguida, por volta de 400 mil anos
espécie, que não tem fronteiras definidas. atrás, eles chegaram de volta à Amazônia, onde
Jessica está convicta de suas conclusões. Por tornaram a se encontrar com seus parentes mais
meio de sequenciamento genético e de técnicas delicados, que se tinham espalhado pela região
que permitem estimar quando aconteceram as norte, em torno dos Andes, e chegado até a Costa
ramificações na árvore genealógica desses prima- Rica, na América Central.
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Andanças evolutivas
Recursos de análises genéticas permitiram retraçar a trajetória dos Cebus e Sapajus ao longo dos milhões de anos (esquerda) e entender como
surgiu a diversidade que agora começa a ser revelada. À direita, a distribuição dos gêneros agora propostos, com sobreposição na Amazônia
5
1 O primata que
deu origem aos
6
macacos-prego e
caiararas vivia no
8
ILUSTRAÇÃO MACACOS AMISHA GADANI
oeste da Amazônia 7
Sapajus
há mais de
6 milhões de anos 1 Sapajus
macrocephalus
2 Sapajus apella
3 Sapajus
3 Os Sapajus libidinosus
tiveram origem 4 Sapajus flavius
Cebus num ancestral que 5 Sapajus
INFOGRÁFICO LAURA DAVIÑA
Cebus
Sapajus chegou à mata xanthosternos
atlântica, onde 1 Cebus albifrons 6 Sapajus
2 Cebus capucinus robustus
se diversificaram
antes de reinvadir 3 Cebus olivaceus 7 Sapajus nigritus
6,1 2,1 1,1 0,5 0,125 4 Cebus kaapori 8 Sapajus cay
a Amazônia
Milhões de anos atrás
Essa reinvasão relativamente recente da Ama- Purus e outros separam populações que podem
zônia pelos macacos-prego explica sua baixa di- ficar isoladas tempo suficiente para se tornarem
Mas a criatividade para por aí em Gilbués, en- tro de caixas de acrílico em plataformas numa
quanto os grupos da serra da Capivara, que não propriedade privada em Porto Alegre. Criado
têm cocos para quebrar (mas abrem castanhas pelo antropólogo Paul Garber, da Universidade
de caju a pedradas), usam o mesmo tipo de fer- de Illinois e coautor do artigo, o experimento teve
ramenta para cavar o solo arenoso em busca de resultados semelhantes aos obtidos pelo norte-
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-americano com Cebus capucinus na no Peru, os Sapajus não se esfregam e os Cebus
Costa Rica. Numa primeira versão do sim”, exemplifica Jessica.
desafio, os macacos precisavam puxar Os macacos-prego da mata atlântica têm uma
“A diferença de uma vareta para derrubar a banana e preferência marcada por formigas, como mos-
deixá-la ao alcance das mãos. Os dois traram Tiago Falótico e sua colega Michele Ver-
comportamento machos do grupo aprenderam o tru- derane em estudo feito no Parque Ecológico do
que com facilidade. Mas quando o ex- Tietê, em São Paulo, e publicado em 2007. Princi-
entre grupos perimento mudou, e a vareta passou a palmente na estação seca, quando há mais carra-
indica que eles precisar ser empurrada, o sucesso não patos, os primatas pegam punhados de formigas
se repetiu. Não por falta de capacidade e esfregam meticulosamente pelo corpo. “Elas
podem ter na solução de problemas, na opinião do liberam ácido fórmico, que tem ação repelente
pesquisador gaúcho. “A associação foi para carrapatos”, conta o pesquisador da USP.
tradições muito fácil, mas eles parecem precisar Ele e Michele comprovaram o efeito passando
de mais tempo para extinguir o apren- a substância no dedo e inserindo num frasco de
transmitidas por dizado”, explica. Numa próxima opor- carrapatos, num experimento em que contavam
aprendizagem”, tunidade, ele pretende começar o teste quanto tempo os parasitas caminhavam sobre o
pela segunda versão, para comprovar dedo e que distância percorriam. Falótico viu o
diz Falótico sua hipótese. mesmo comportamento no Piauí, onde os maca-
Outro tipo de ferramenta, muito di- cos também esfregam piolhos-de-cobra, fonte de
ferente, é o hábito de esfregar produ- benzoquinona, um repelente contra pernilongos.
tos diversos, como frutos ou insetos, na Outras observações recolhidas por Jessica per-
pelagem. Até recentemente esse costume tinha mitiram mapear a esfregação por macacos-prego
sido observado muito mais em Cebus do que em e mostrar que o procedimento não se limita a uma
Sapajus. “Como é um comportamento observado preferência cosmética e tem uso prático e até me-
esporadicamente em Sapajus, quase ninguém ti- dicinal. Um caso curioso é o dos Cebus albifrons
nha dados suficientes para publicar”, conta Jessica que vivem no meio de um vilarejo da Amazônia
Lynch Alfaro, que reuniu as informações recolhi- equatoriana e costumam roubar o sabão de lavar
das por diversos pesquisadores em uma revisão. roupa, que usam para tomar banho.
De maneira geral, o trabalho mostrou que os Há muito de novo no reino dos macacos-prego,
Cebus têm uma tendência maior do que seus pri- mas os especialistas estão longe de satisfeitos.
mos a esfregar no pelo quase tudo que encon- Para Jessica e Boubli, eles apenas revelaram a
tram, com uma preferência por material vegetal, ponta do iceberg, uma indicação do quanto ainda
como frutos cítricos e folhas. O comportamento há por descobrir. Na Amazônia, onde o compor-
é mais raro em Sapajus, que, sobretudo na mata tamento e a ecologia são praticamente desconhe-
atlântica, restringem o uso a insetos. A escolha de cidos, as informações genéticas são uma pista
Na caatinga do material para besuntar-se não deixa de ter uma de que talvez haja espécies às quais ninguém dá
Piauí, pedras tão influência ecológica – o que estiver disponível importância. “Espero que as novas populações
pesadas quanto
–, mas uma diferença intrínseca entre os dois e espécies descobertas ajudem a tomar decisões
os macacos
servem para gêneros é decisiva. “No Parque Nacional Manu, de conservação”, diz Jessica. n
quebrar cocos
Artigos científicos
LYNCH ALFARO, J.W. et al. Explosive Pleistocene range
expansion leads to widespread Amazonian sympatry
between robust and gracile capuchin monkeys. Journal
of Biogeography. v. 39, n. 2, p. 272-88. fev. 2012.
BOUBLI, J.P. et al. Cebus phylogenetic relationships:
a preliminary reassessment of the diversity of the untufted
capuchin monkeys. American Journal of Primatology.
v. 74, n. 4, p. 381-93. abr. 2012.
IZAR, P. et al. Flexible and conservative features of social
systems in tufted capuchin monkeys: comparing the
socioecology of Sapajus libidinosus and Sapajus nigritus.
American Journal of Primatology. v. 74, n. 4, p. 315-31. abr. 2012.
GARBER, P.A. et al. Experimental field study of problem-
solving using tools in free-ranging capuchins (Sapajus
nigritus, formerly Cebus nigritus). American Journal
of Primatology. v. 74, n. 4, p. 344-58. abr. 2012.
LYNCH ALFARO, J.W. et al. Anointing variation across
wild capuchin populations: a review of material
preferences, bout frequency and anointing sociality
in Cebus and Sapajus. American Journal of Primatology.
v. 74, n. 4, p. 299-314. abr. 2012.