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18° volume

VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA

ALBERTO XAVIER
ALCIDES JORGE COSTA
BETINA TREIGER GRUPENMACHER
CAIO AUGUSTO TAKANO
EDUARDO JUNQUEIRA COELHO
FABIO PALLARETTI CALCINI
FERNANDO FACURY SCAFF
GABRIEL LACERDA TROIANELLI
GUILHERME CEZAROTI
HELENO TAVEIRA TORRES
HUGO DE BRITO MACHADO
HUGO DE BRITO MACHADO SEGUNDO
IVES GANDRADASILVA MARTINS
JOSE EDUARDO SOARES DE MELO
LUIS EDUARDO SCHOUERI
MARCIANO SEABRA DE GODOI
MISABEL ABREU MACHADO DERZI
PAULO AYRES BARRETO
PAULO ROBERTO LYRIO PIMENTA
RENATO LOPES BECHO
ROBERTO FERRAZ .
SACHA CALMON NAVARRO COELHO
SERGIO ANDRE ROCHA
VALTER DE SOUZA LOBATO

DIAL/ZTICA
GRANDES GUESTOES ATUAS
DO DIREITO TRIBUTARIO
182 volume
Coordenador
VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA
Autores
ALBERTO XAVIER
ALCIDES JORGE COSTA
BETINA TREIGER GRUPENMACHER
CAIO AUGUSTO TAKANO
EDUARDO JUNQUEIRA COELHO
FABIO PALLARETTI CALCINI
FERNANDO FACURY SCAFF
GABRIEL LACERDA TROIANELLI
GUILHERME CEZAROTI
HELENO TAVEIRA TORRES
HUGO DE BRITO MACHADO
HUGO DE BRITO MACHADO SEGUNDO
IVES GANDRA DASILVA MARTINS
JOSE EDUARDO SOARES DE MELO
LUIS EDUARDO SCHOUERI
MARCIANO SEABRADE GODOI
MISABEL ABREU MACHADO DERZI
PAULO AYRES BARRETO
PAULO ROBERTO LYRIO PIMENTA
RENATO LOPES BECHO
ROBERTO FERRAZ
SACHA CALMON NAVARRO COELHO
SERGIO ANDRE ROCHA
VALTER DE SOUZA LOBATO

Sao Paulo - 2014


Be re

© varios autores

DIALZMICA] € marca registrada de


Oliveira Rocha - Comércio e Servicos Lida.

Todos os direitos desta edigao reservados a


Oliveira Rocha - Comércio e Servigos Ltda.
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CEP 04021-000 - Sao Paulo - SP
e-mail: atendimento@dialetica.com.br
Fone/Fax (11) 5084-4544

www.dialetica.com.br

ISBN n® 978-85-7500-252-0

Revisao de texto: Camila da Silva Oliveira, Leticia Pataquine levenes e


Sabrina Dupim Moriki.

Editoragao: nsm

DadosInternacionais de Catalogagao na Publicagao (CIP)


(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Grandes questées atuais do direito tributario,


18° volume / coordenador Valdir de Oliveira
Rocha. -- Sao Paulo Dialética, 2014.

Varios autores.
ISBN 978-85-7500-252-0

1. Direito tributario 2. Direito tributario -


Brasil |. Rocha, Valdir de Oliveira

14-07540 CDU-34:336.2(81)

indices para catélogo sistematico:


1, Brasil : Direito tributario 34:336.2(81)
Sumario

ALBERTO XAVIER
A Lei n° 12.973, de 13 de Maio de 2014, em Matéria de Lucros
no Exterior: Objetivos e Caracteristicas Essenciais
A) Sociedades Controladas. B) Sociedades Equiparadas 4 Con-
troladora. C) Sociedades Coligadas. ll

ALCIDES JORGE COSTA


Substituicao Tributaria 24

BETINA TREIGER GRUPENMACHER


Tratamento Tributario das Subvencdes para Investimento nas
Parcerias Publico-privadas. Isengaéo ou Imunidade?
1. Introdugaio. 2. Natureza Juridica das Subvenc6es e Subsidios. 3.
Imunidades e Isengées. 4. O Tratamento Tributario das Subvyen-
¢6es nas Parcerias Publico-privadas. 27

FABIO PALLARETTI CALCINI


Obrigacao Tributaria Acesséria e Legalidade. Desdobramentos
1. Introdugao. 2. Obrigacdo Tributaria Acess6ria. 3. Legalidade,
Reserva Legal e Regulamento. Aspectos Gerais. 4. Obrigacdes
Tributarias Acess6rias: Legalidade, Reserva Legal e Densidade
Normativa. 55

FERNANDO FACURY SCAFF


Guerra Fiscal e Stimula Vinculante: entre o Formalismo e o
Realismo
1. Contextualizagao da Guerra Fiscal. 2. Encaminhamento de So-
lugdes. 3. Conclusées. 90

GABRIEL LACERDA TROIANELLI


Repercussdes Intertemporais das Novas Regras de Agio Pre-
vistas na Lei n° 12.973/2014
1. Introdugao. 2. Os Efeitos Prospectivos do Novo Regime Ju-
ridico do Agio. 3. A Vedacao ao “Agio Interno” nfo tem Natureza
Interpretativa. 4. Especificamente quanto ao “Laudo Intempesti-
vo”. 116
6 Granpes Questoes ATuais 00 Dire!to TRIBUTARIO

GUILHERME CEZAROTI
A Transferéncia da Responsabilidade por Débitos Tributarios
de Empresas para Assessores (Contadores e Advogados)
I - Introdugao.II - A Transferéncia da Responsabilidade para As-
sessores. IIT - Conclusdes. 129

HELENO TAVEIRA TORRES


Imunidade de Entidades sem Fins Lucrativos e Remuneragao
de Diretores e Conselheiros
1. A Imunidade doArt. 195, Pardgrafo 7°, da CF - Consideragdes
Propedéuticas. 2. A Remuneragao de Diretores por Servigos efe-
tivamente Prestados e a Diferenga entre Distribuicao de Lucros.
3. A Seguranga Juridica do Direito de remunerar Dirigentes de
Entidades Imunes conforme a Lei n° 12.868/2013. 4. Sintese Con-
clusiva. 148

HUGO DE BRITO MACHADO


Obrigac4o Tributdria Acesséria e o Principio da Legalidade
1. Introdugdo. 2. A Importancia dos Conceitos nos Estudos Juri-
dicos. 3. O que € uma Obrigagao Tributaria Acesséria. 4. O Prin-
cipio da Legalidade e os Regulamentos. 191

HUGO DE BRITO MACHADO SEGUNDO


Notas sobre a Responsabilidade Tributaria de Terceiros
Introdugao. 1. Responsabilidade no CTNe SituagGesali, em Prin-
cipio, nao expressamente Previstas. 2. Relagées entre Responsa-
bilidade Tributaria, Competéncia Tributdria e Capacidade Contri-
butiva. 3. Aspectos Processuais. Conclusdes. 201

IVES GANDRADASILVA MARTINS


Planejamento Tributario e Legalidade 218

JOSE EDUARDO SOARES DE MELO


ICMS. Negocios Societarios. Consignagaéo. Doagao. Salvados
de Sinistro
I. Incidéncia. II. Nao Incidéncia - Negécios Societarios. III. Nao
Incidéncia - Consignagio. IV. Nao Incidéncia - Doagao. V. Nao
Incidéncia - Alienagao de Bens Sinistrados. 228

LUIS EDUARDO SCHOUERI


Domicilio Fiscal, Notificagéo Eletrénica e Devido Processo
Legal
- Granves Questoes Atuals Do Direito TRIBUTARIO 7

1. Introducao. 2. O Domicflio Eletré6nico do Contribuinte (DEC)


no Estado de Sao Paulo. 3. O Domicilio na Lei Privada e na Lei
Tributaria. 4. A Notificagao do Langamento no CTN. 5. O Direito
Fundamental ao Devido Processo Administrativo. 6. A Notifica-
) cao Eletrénica e a Citag%o no Processo Judicial. 7. Um Desdobra-
mento Pratico: a Inconsisténcia na Utilizagao do DEC pelo Fisco.
8. Conclusao. 249

MARCIANOSEABRADE GODOI
A Nova Legislac&o sobre Tributagao de Lucros Auferidos no
Exterior (Lei 12.973/2014) como Resultado do DidlogoInstitu-
cional Estabelecido entre 0 STF e os Poderes Executivo e Le-
gislativo da Unido
3 1. Introducfo. 2. Breve Histérico sobre a Tributagao Brasileira
dos Lucros Auferidos no Exterior. 3. Os Regimes de Transparén-
cia Fiscal Internacional e os Problemas da Sistematica Estabele-
cida pelo Art. 74 da MP 2.158-35/2001. 4. A Decisio do STF na
ADI 2.588. 5. Ultima Palavra, Didlogo Institucional e a Resposta
dos Poderes Executivo e Legislativo 4 Deciséo do STF na ADI
[ 2.588: MP 627/2013 e Lei 12.973/2014. 6. Criticas que se levan-
tam contra a Nova Sistematica de Tributagao dos Lucros no Exte-
rior. 7. Conclusao. 277

MISABEL ABREU MACHADO DERZI, SACHA CALMON


NAVARRO COELHO, EDUARDO JUNQUEIRA COELHO e
VALTER DE SOUZA LOBATO
Da Imunidade das Subvengées para Investimento nas Parcerias
Ptiblico-privadas
1. Delimitagao do Objeto. 2. A Imunidade Reciproca e a Preva-
léncia do Elemento Teleoldgico de Interpretagao. 3. As Parcerias
Ptiblico-privadas. Aproximagao. 4. A Natureza da Parcela Fixa,
como Transferéncia de Capital para Investimento, a Titulo de
Subvengiio (Lei n° 4.320/1964). 5. Os Bens Ptiblicos Disponibili-
zados para a Prestagao dos Servicos Concedidos e a chamada Re-
versao. 6. A Intributabilidade da Parcela Fixada como Decorrén-
cia da Regra Constitucional da Imunidade Tributdria Reciproca.
3 7. Conclusao. 315

PAULO AYRES BARRETO e CAIO AUGUSTO TAKANO


Tributacao do Resultado de Coligadas e Controladas no Exte-
rior, em face da Lei n° 12.973/2014
8 Granbes Questoes Atuals D0 Diretro TRIBUTARIO

I - Introito. Il - A Evolugao do Tema- 0 Contexto da Publicacao


da Lei n° 12.973/2014. III - As Alteragdes Promovidaspela Lei n°
12.973/2014 e a sua nao Caracterizagao como uma Legislacao
“CFC”. IV - A Tributagao dos Ajustes Positivos do Investimento
pelo Métodode Equivaléncia Patrimonial. V - A Prevaléncia dos
Tratados Internacionais que visam evitar a Dupla Tributagao e a
Impossibilidade de se tributar os Lucros Auferidos no Exterior
pelo Método Aditivo, em Virtude do Art. 7° da Convencao Mode-
lo da OCDE. VI - Os Deveres Instrumentais Exigidos pelo Art.
76 da Lei n° 12.973/2014. VII - ConsideragéesFinais. 352

PAULO ROBERTO LYRIO PIMENTA


Stimula Vinculante e Guerra Fiscal
1 - Delimitaco da Abordagem.2 - Os Grandes Sistemasde Direi-
to. 3 - O Precedente no Common Law.4 - O Stare Decisis. 5- A
Jurisprudéncia Dominante no Sistema Romano-germanico. 6 -
As Stimulas no OrdenamentoBrasileiro. 7 - Simula Vinculante e
NormaJuridica. 8 - A Simula Vinculante em Matéria Tributdria:
Cabimento e Problematica. 9 - Guerra Fiscal. 10 - Descabimento
da Simula com Efeito Vinculante para coibir a Guerra Fiscal. 11
- ConclusGes. 379

RENATO LOPES BECHO


Problemas Estruturais das Execugées Fiscais e Caminhos para
Solugio
I - Introducao. II - Primeiro Problema: Duas Leis sobre a Mesma
Matéria, com Excessos em Favor da Administragdo Tributdria.
III - Segundo Problema: Ajuizamento Tardio das ExecucéesFis-
cais. IV - Terceiro Problema: Interrupgao da Prescrigéo pelo
Ajuizamento ou pelo Despacho Judicial determinando a Citacao.
V - Quarto Problema: Interpretag6es Literais que nao auxiliam o
Tramite Processual ou a Recuperacao de Créditos. VI - Propostas
para melhorar o Processamento das Execugdes Fiscais, dando-
lhes Maior Efetividade. 394

ROBERTO FERRAZ
Responsabilizagdo de Consultores Externos por Débitos Tribu-
tarios Decorrentes de Planejamentos Fiscais Impugnados- Im-
possibilidade Legal e Racional
Introdugao. 1. Alguns Casos Concretos, 2. A Legislagao Brasilei-
ra e a Impossibilidade de se responsabilizar Consultores Externos
por Tributos Entendidos Devidos pela Impugnacio de Planeja-
Granbes Questées Atuals Do Direito TRIBUTARIO 9

mentos Fiscais. 3. Do Completo Incabimento, por Absoluta Irra-


cionalidade e Abusividade, da Responsabilizagdo Generalizada
de Consultores Externos por Tributos ou Multas em Virtude da
Impugnacio de Planejamentos Fiscais por eles Orientados, total
ou parcialmente. 4. Do Ambito Préprio de Responsabilizagao de
Maus Profissionais que atuam sem Capacidade ou sem Etica. 404

SACHA CALMON NAVARRO COELHO


A Integridade da Base de Calculo dos Tributos
1) O Sentido do Artigo Inaugural quanto 4 Repartigao das Com-
peténcias Tributarias entre as Pessoas Politicas da Federagao. 2)
A Reparti¢ao das Competéncias Tributdrias - os seus Trés Aspec-
tos Relevantes. 3) O Fundamento do Poder de tributar - As Pes-
soas Politicas Titulares. 4) O Tributo e suas Espécies - como re-
parti-los. 5) A Reparticgao das Competéncias pela Natureza dos
Fatos Jurigenos. 6) Competéncia Comum e Privativa - as Técni-
cas de Repartigao. 7) Os Insumos Doutrinarios do Constituinte - a
Teoria dos Fatos Geradores Vinculados e nio Vinculados. 8) A
Teoria dos Fatos Geradores Vinculados e nao Vinculados enquan-
to Suporte do Trabalho do Constituinte. 9) O Art. 145, Paraégrafo
2°, ou o Papel Controlador da Base de Calculodos Tributos. 10) A
Capacidade Contributiva e a Base de Calculo dos Impostos. 11) A
Base de Calculo dos Impostos. Capacidade Contributiva, Justic¢a,
Equidade e Deformagées. 12) Base Imponivel - Precisdo Termi-
nolégica e Material - a Voz da Doutrina. 13) Definigdo de Base
Imponivel. 14) O Cipoal Legislativo da Base de Calculo - 0 Es-
drtixulo ICMS “por dentro”- o Papel da Suprema Corte. 419

SERGIO ANDRE ROCHA


As Novas Regras do Agio e suas Repercuss6es Intertemporais
1. Introdugao. 2. Principais Caracteristicas do Novo Regime de
AproveitamentoFiscal da “Mais-valia” e do “Agio por Rentabili-
dade Futura (Goodwill)’. 3. Aplicacao das Regras da Lei 12.973
no Tempo. 4. Conclusao. 438
90

Guerra Fiscal e Simula Vinculante:


entre o Formalismo e o Realismo
FERNANDO FACURY SCAFF.
Advogado. Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Sao Paulo
e da Universidade Federal do Para. Livre-Docente e Doutor em Direito
pela Universidade de Sao Paulo.

1. Contextualizacgaéo da Guerra Fiscal


1.1. Notas tedricas sobre federalismo fiscal
Ol. A melhor forma de compreender um
problema € colocé-lo em perspectiva histérica
a fim de que seja possivel visualizar todos os
aspectos envolvidos. Tratar de guerra fiscal e
da Sémula Vinculante 69 que esta porvir vi-
sando coibi-la nao foge a esta regra'.
Entendo que a génese deste problema en-
contra-se em uma err6nea perspectiva adotada pela Constituigao de
1988 quanto ao federalismofiscal.
02. O federalismofiscal é uma formula financeira para melhor
distribuir os recursos piblicos em um territério politicamente con-
siderado,pois sobre 0 espacgo geografico superpdem-se os desdobra-
mentos politico-administrativos. Assim, uma coisa € 0 poderde tri-
butar que incumbe aos Estados nacionais; outra é dar conta da distri-
buigao desse recurso entre diversos entes federativos, qualquer que
seja seu nomen juris (Unido, Estados, municipios, provincias, re-
gides, comunidades aut6nomasetc.). Na definigao de Regis Fernan-
des de Oliveira:
“significa a partilha dostributos pelos diversos entes federa-
tivos, de forma a assegurar-lhes meios para atendimento de
seus fins (...). Nao s6 dos tributos, no entanto, mas também
das receitas nfo tributarias, como as decorrentes da explora-
¢4o de seu patrim6nio (preco), da prestagdo de servicgos de-
correntes da concessao ou dapartilha do produto da produ-
cao, de energia elétrica e da produgao mineral, na forma do
pardégrafo 1°, do art. 20, da Constituigao Federal.”?

1 Este textofoi finalizado nos tiltimosdias de julho de 2014.


Regis Fernandes de Oliveira, Curso de Direito Financeiro. 3° ed. Sio Paulo: RT,
2010, p. 42.
FeRNaANbo Facury Scarr 91

Dentro dessa linha, o estudo do federalismofiscal pode ser di-


vidido em duas grandes areas: o federalismofiscal tributdrio, que
diz respeito ao rateio da arrecadagao advinda dessa espécie de recei-
ta e seus acréscimos, e 0 federalismofiscal patrimonial, que trata do
rateio das receitas originarias, que envolvem a exploracdo dopatri-
ménio ptiblico, seja o que advém da exploragdo de recursos natu-
rais*, seja o das receitas dos programas de desestatizagao ou de fon-
tes semelhantes.
Os mecanismos mais comunsde divisdo dos recursos arrecada-
dos sao através da*:
a) Reparticdo dasfontes de receita, denominagao utilizada
por Mauricio Conti’, que Antonio Roberto Sampaio Doria
intitula de discriminagdopela fonte®. Podeser estipulada de
duas formasdiferentes:
1. Atribuindo competéncia impositiva privativa a wm ente
subnacional, como € 0 caso, no Brasil, da atribuigdo de com-
peténciatributaria propria aos Municipios para cobrar certos
impostos e 4 Unido e aos Estados para a cobranga de outros.
2. Ou por meio de competéncia impositiva compartilhada entre
diferentes entes subnacionais, sendo atribuida umaparte da ali-
quota a um ente federado e outra parte a outro. No Brasil isso
foi realizado pela Constituigdo de 1988 com a criagao do Adicio-
nal estadual do Imposto sobre a Renda’,ao lado dausualatribui-
cao 4 Unido para a cobrancga do mesmotributo. Fernando Rezen-
de lembra que, na federagdo canadense,a alfquota do IVA - Im-
posto sobre o Valor Acrescido, imposto sobre 0 consumo, €
compartilhada entre a Unido e a Provincia de Quebec’.

3 Para este assunto ver Royalties do petréleo, minério e energia - aspectos constitu-
cionais, financeiros e tributdrios, de Fernando Facury Scaff (Sao Paulo: RT, 2014).
Tramita no Senado Federal uma Proposta de Emenda Constitucional para introduzir
“o art. 251 na Constituicao, para dispor sobre as bases do federalismo fiscal, estru-
turado por meio do Cédigo do Federalismo Fiscal e outras leis complementares es-
pecificas”, no qual se busca regularestas transferéncias, incluindo a dosroyalties.
José Mauricio Conti, Federalismo fiscal e fundos de participagao. Sao Paulo: Jua-
rez de Freitas, 2001, p. 36.
Antonio Roberto Sampaio Doria, Discriminagdo de rendastributdrias. Sao Paulo:
José Bushatsky, 1972, p. 19.
Art. 155, II, na redacao original. Esse adicional foi extinto pela Emenda Constitu-
cional 3/1993.
Fernando Rezende, “Os desafios do federalismo fiscal”. Jn: Fernando Rezende
(coord.). Desafios do federalismo fiscal. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 16.
Granpdes QuesToes Atuals Do Diretro TRIBUTARIO

b) A repartig¢do do produto da arrecadagado, denominagao


adotada por Mauricio Conti’, e que Sampaio Déria’® intitula
de discriminagdo pelo produto, que ocorre quandoha obri-
gatoriedade de transferéncia do valor arrecadado, ou de par-
te dele, de uma unidade federada a outra. Pode ocorrer de
duas formas:
1. Direta, quando o produto arrecadado, ou parte dele, é
transferido de uma unidade federada para outra, em face de
direta correlagdéo com o evento econédmico nela ocorrido.
Bom exemplo pode ser visto no caso brasileiro do [PVA -
Imposto sobre a Propriedade de Veiculos Automotores, em
que 50% do quetiver sido arrecadadoretorna diretamente ao
Municipio ondeestiverregistrado 0 veiculo automotor;
2. Ouindireta, quando existe uma formula de divisdo dos
valores arrecadados, sem uma exata correlagéo com o evento
econémico ocorrido na unidade subnacional recebedora dos
valores. Um exemplo podeser visto nos fundos federativos
brasileiros, o FPE - Fundo de Participagaéo dos Estados e 0
FPM - Fundo de Participagao dos Municipios, onde a distri-
buigdo decorre de critérios politicos, que envolvemterritério
e populacao.
03. Ainda sob a 6tica da divisGo do produto da arrecadacao,
po de haver cooperacdo vertical e horizontal. Essa expresso advém
da ideia de federalismo cooperativo. Cooperagio, consoante o ensi-
na mento de Tercio Sampaio Ferraz Jr."':
“exige concorréncia como fator de desenvolvimento. Nao a
concorréncia predatéria, que visa a eliminar ou impedir o
concorrente, mas a concorréncia da interdependéncia, na
qual aos concorrentes devem ser asseguradas condigdes ba-
sicas para competir. Daf o fomento comoatividade capaz de
remover desigualdades basicas geradas por condigées eco-
ndmicas adversas, numa regiao ou numsetor, que, entao, de-
vem ser compensadas por incentivos num regime de equili-
brio ponderado.”

José Mauricio Conti, Federalismofiscal e fundos de participagdo. Obcit., p. 37.


Antonio Roberto Sampaio Doria, Discriminagaode rendastributdrias. Ob. cit., p.
19.
Tercio Sampaio Ferraz Jr., Revista Férum de Direito Tributdrio - RFDT v. 59, ano
10. Belo Horizonte: Forum, setembro-outubro de 2012, p. 9 da versaodigital.
FerNanpo Facury ScAFF 93

Assim, a logica de federalismo cooperativo deve ter por escopo


o desenvolvimento conjunto das unidades federadas, de modo que
todos tenhamiguais condig6es de participar das oportunidades apre-
sentadas no jogo econémico e de poder, e nao de concorréncia pre-
dat6ria, 0 que pode descambar em guerrafiscal. Incumbe ao federa-
lismo cooperativo a reducdo das desigualdades regionais, a fim de
que as pessoas possam efetivamente ter maiores oportunidades para
o desenvolvimento de suas capacidades'*, morem no Estado de Per-
nambuco ou no de Mato Grosso. Com melhordistribuigdo geografi-
ca desses recursos financeiros, pressup6e-se que os entes federados
tenham a possibilidade de utilizar essa receita piblica em prol da
populacado que reside em seu territ6rio, permitindo-lhes exercitar
suas aptiddes e ter melhor qualidade de vida.
Desta forma, a légica de um federalismo cooperativo visa per-
mitir melhor distribuigdo dos recursos ptblicos buscando a redugao
das desigualdades regionais e sociais dentro de um determinado
pais, independentemente deele ser ou nao organizado sob a forma de
uma federagao (como no caso da Espanha, que mesmo sendo for-
malmente um Estado unitario, hé acentuado debate sobre a distribui-
¢ao dos recursos publicos entre suas regides auténomas). No Brasil,
a reducdo dessas desigualdades € um dos Objetivos Fundamentais
da Repiiblica, como podeser visto noart. 3°, IIL, da CF.

1.2. O federalismofiscal do ICMSe osresquiciosautoritdrios na CF


04. A luz do acima exposto, foi adotada na Constituigdo de
1988 e em sua regulamentagao, a seguinte sistemdtica para o ICMS,
inserida dentro de um escopo maior, de realizagao de um verdadeiro
federalismo cooperativo no Brasil:
1. Foi atribuida competéncia aos Estados para instituir o
ICMS, que € um tributo sobre a circulagio de mercadorias, €
nele ainda foram incluidas outras incidéncias anteriormente
tributadaspelo sistema de impostos tinicos (IUM, IUEEetc.,
que foram extintos em 1988).
2. Nao foi atribufda toda a receita do ICMS ao Estado de
origem, pois isso transformaria os Estados menos desenvol-
vidos em verdadeiros feudos dos Estados mais desenvolvi-

Ver Amartya Sen, Desenvolvimento comoliberdade. Sio Paulo: Companhia das


Letras, 1999,
94 Granves Questoes ATuals Do DirEITo TRIBUTARIO

dos. Em face da desigualdade existente entre as regides do


pais, o Senado Federal (art. 155, paragrafo 2°, IV, da CF)
editou a Resolugdo 22/1989, na qual foram determinadasas
seguintes aliquotas para as operagGes interestaduais de
ICMS, nas quais, como podeser visto abaixo, foram estabe-
lecidos critérios diferenciados de apropriagao da receita a
partir da origem das mercadorias:
a) Regra geral: o Estado de origem fica com 12% e o de
destino com 5%;
b) Regra dos desiguais: mercadorias oriundas do Sul e Su-
deste (exceto Espirito Santo) para as demais regides do pais
= 0 Estado de origem fica com 7% e 0 de destino com 10%.
Assim, a regra geral é que nas transag6es interestaduais a
maiorparte do ICMS fique no Estado de origem, onde esta
localizado o vendedor (12%), e a menor no Estado de desti-
no, onde esta localizado 0 comprador (5%).
Todavia, partindo-se da constatagao de que a maior parte da
produgao brasileira ocorre nos Estados das Regides Sul e
Sudeste, excetuado o Estado do Espirito Santo, nas vendas
que forem realizadasa partir destes para compradores loca-
lizados nas Regides Norte, Nordeste e Centro Oeste, e in-
cluindo o Estado do Espirito Santo, a regra geral acima €
modificada, adotando o que se denomina de regrados desi-
guais: o Estado do Sul e do Sudeste (menos o do Espirito
Santo) de onde sao originadas as mercadorias, ficara com a
menorparte, (7%), enquanto que o do destino das mercado-
rias ficaré com a maior parte (10%).
3. Mantendo viva uma legislacéo do periodo autoritario, a
Lei Complementar 24/1975(art. 34, paragrafo 8°, do ADCT),
foi colocado nas maos de um 6rgao fazendario, o Confaz, a
harmonizagao do sistema (“regular provisoriamente a maté-
ria’) - porém esse 6rgao nao entendeu muito bem o que quer
dizer “harmonizagao do sistema’ e acabou por se tornar um
legislador positivo, muitas vezes criando incidéncias - 0 que
é inconstitucional -, em especial nos primordios de sua atua-
cdo pds-1988.
4. Ainda decorrente desse processo de aproveitamento da le-
gislagio do perfodo anterior, incorporou-se 4 legislagao de-
mocratica que deveria advir com a Constituigéo de 1988 um
Fernanpo Facury ScaFF

contrabando normativo autoritdrio da Lei Complementar


24/1975, que previa a unanimidade das deliberacées do
Confaz referente as rentincias fiscais'>.
A consequéncia do descumprimento da regra acima infor-
mada seria, de forma cumulativa"*:
I- a nulidade do ato e a ineficacia do crédito fiscal atribuido
ao estabelecimento recebedor da mercadoria;
Il - a exigibilidade do imposto nao pago ou devolvido e a
ineficacia da lei ou ato que conceda remissao do débito cor-
respondente.
05. Desta forma, o que deveria ser a organizacao de um sis-
tematributdrio nacional acabouporse tornar uma colchade
retalhos, com o aproveitamento de diversas normas de um
periodoanterior, que nao se coadunava com 0 espirito demo-
cratico e a nova conformagao de federalismo fiscal que se
pretendia. Afinal, a ideia de federalismo cooperativo nao
tem nenhumavinculagao com asistematica impositiva com
que eram tratados Estados e Municfpios sob a égide do regi-
me militar que deveria ter se encerrado normativamente com
o advento da Constituigao de 1988. Porém, como visto, per-
maneceram resquicios daquele sistema autoritdrio dentro
de um regime democratico, tal como o contrabando norma-
tivo autoritdrio da unanimidade deciséria no Contaz.

1.3. A faléncia daspoliticas de desenvolvimento regional


06. A realidade nao é estanque, como fazem crer as normas
juridicas e grande parte dos doutrinadores, que s6 enxergam o sub-
sistema com que trabalham, sem analisar 0 conjunto de relagGes so-
cioeconémicas existentes. Os sistemas econdmico, financeiroe tri-
butario, dentre varios outros, se relacionam entre si gerando proble-
mas sem conta que devem ser considerados em seu contexto, sob
pena de uma andlise apartada da realizada, meramente formalista.

Conforme 0 texto da norma: isengdes, reducao da base de calculo; devolugaototal


ouparcial, direta ou indireta, condicionada ou nao, dotributo, ao contribuinte, ao
responsavel oua terceiros; a concessao de créditos presumidos; e a concessao de
quaisqueroutros incentiyos oufavoresfiscais ou financeiro-fiscais dos quais resulte |
redugdoou eliminacao, direta ou indireta, do respectivo 6nus fiscal. Arts 1° e 2° da
LC 24/1975.
8 Art. 8° da LC 24/1975.
A

96 Granpes Questoes Atuals D0 DirEtTo TRIBUTARIO

Nos primeiros anos de vigéncia da CF/1988 a economia estava


um caos, tendo havido inflacgéo mensal de cerca de 80% ao més -
isso mesmo, ao més! E havia enorme descontrole das contas ptbli-
cas, em todos os niveis da Federacgéo. A Unio simplesmente aban-
donousuas politicas de desenvolvimento regional, consubstanciadas
nos 6rgaos Sudam, Sudene e Sudeco, o que impactou fortemente os
Estados menos desenvolvidos da Federagao. Alémdisso, alguns Es-
tados pobres, mas fortemente exportadores de bens primdrios, viram
cessaroutra fonte de receita propria, que era a do ICMS-exportagao,
com 0 advento da Lei Complementar 87/1996, conhecida por Lei
Kandir, que estipulou um ressarcimento intergovernamental decor-
rente da perda dessa receita através de um sistema de fundos, que
nem sempre funcionoua contento!.
O que restou aos Estados, que tinham que obter receita para
fazer frente a seus compromissos politicos? Usar da sua principal
fonte de receita, o ICMS, para atragéio de investimentos, através de
agressiva politica de rentincias fiscais. Todavia, isso esbarrava no
Confaz e sua regra de unanimidade.
07. Ocorre que ciclo eleitoral se renova a cada quatro anos, e
sem a possibilidade de reeleigao até a EC 16/1997, quando isso pas-
sou a ser permitido. Desta forma, os Governadores de Estado nao
hesitavam em concederrentincias fiscais de ICMS como um instru-
mento de atragao ou de manutengao de empreendimentos econdmi-
cos noterrit6rio do seu Estado. Isso era rotineiro, inclusive com a
publicagao de lei estaduais nesse sentido nos Didrios Oficiais dos
Estados. Usualmente eram “leis quadro”, pois permitiam a adequa-
¢ao das desonerages a bel-prazer do Poder Executivo, ficando o
Poder Legislativo estadual a reboque das decisées.
Acontece que as empresas prejudicadas pela concorréncia des-
leal no 4mbito tributario comegaram a se sentir importunadas com
esse desajuste no Ambito da composigao dos pregos. Quandoa poli-
tica de reduc4o das desigualdades regionais ocorria de forma centra-
lizada, pelo Governo federal, havia certa uniformidade de procedi-

Is Ver FernandoFacuryScaff, “A responsabilidade tributéria e a inconstitucionalidade


da guerra fiscal”. In: Valdir de Oliveira Rocha (coord.). Grandes questdes atuais do
Direito Tributdrio, vol. 15. Sao Paulo: Dialética, 2011. E também Fernando Facury
Scaff, “A desoneragaodas exportagédes e o fundo da Lei Kandir”. Revista Forum de
Direito Financeiro e Econémicovol. 01. Belo Horizonte: Férum, margo/agosto de
2012.
FerNANDO Facury ScaFF 97

mentos, inclusive geografica, o que reduzia sobremaneira o impacto


concorrencial desta desoneragiio. Todavia, havendo desoneragao no
Ambito estadual, a questao concorrencial empresarial tornou-se bas-
tante afetada, pois passou a ocorrerentre “vizinhos nalinha imagi-
ndria de fronteira’”. Assim, se uma empresa estava localizada em
Pernambuco, mas as desonerag6es eram maiores no vizinho Estado
da Paraiba, passou a haver forte interesse das empresas em mudar
sua planta industrial ou de distribuigdo para este Estado. Outra alter-
nativa era pressionar o governador do Estado de Pernambuco - ape-
nas para manter 0 exemplo - em conceder as mesmas vantagens fis-
cais que 0 da Paraiba estava concedendo, ou ainda maiores. Desta
forma, as empresas reduziam seus custos fiscais sem nem mesmoter
custos com a mudangade instalagGes, pessoaletc.
Foi desta forma que se iniciou e foi ampliada a guerrafiscal
estadual do ICMS.
08. Certamente os governadores se preocupavam com as con-
sequéncias legais de seus atos, pois sabiam que estavam descum-
prindo uma norma da Lei Complementar 24/1975, a que estabelecia
a necessidade de aprovagao unanime do Confaz para a concessao de
desonerag6esfiscais.
Apresentavam-se diante desses gestores as seguintes possibili-
dades concretas: (a) poderiam nao concederunilateralmente vanta-
gens fiscais 4s empresas e teriam grandeparte do eleitorado contra
si (empresdrios, meios de comunicagaoetc.), sob 0 argumento de
perda da importancia econdmica do Estado, da perda dos empregos
etc. Isso nao acontecia apenasnas dreas mais afastadas do centro do
Pais, mesmo emSaoPaulo esse discurso grassou; (b) poderiam sub-
meterseus pleitos ao Confaz, que deliberaria acerca do assunto du-
rante longo tempo e certamente nao concederia as rentinciasfiscais
pleiteadas, muitas vezes em razdo de um unico voto de um governa-
dor de outro Estado, politicamente desafeto; (c) ou concederiam as
vantagens fiscais e seguiriam para sua propria reeleig4o, ou se seu
grupo politico, com maiores chances de éxito. Haveria ainda uma
Ultima op¢ao, (d) que seria discutir perante 0 STF a exigéncia de
unanimidade do Confaz, mas certamente isso nfo interessava aos
governadores, pois, além do tempo enorme queseria gasto até a ob-
tencao de uma decisao da Corte, isso colocaria seu proprio poder de
bloqueio das pretenses dos demais Estados sob xeque, 0 que nao
lhe interessaria.
98 Granpes Questoes ATuais Do Direiro TriBuTARIO

Nao ha a menordtivida de que a opgiio (c) foi a que predominou


e ainda predomina. Nocalculo politico da op¢ao (c) entraram segu-
ramente as seguintes varidveis: a lentidao do STF em julgarestas
demandas; a responsabilizagéo do Estado por eventuais irregulari-
dades, e nao a responsabilidade pessoal, sobre a pessoafisica do
politico; e a constatagéo verdadeira de que, “se todos fazem, € por-
que naoé irregular” - para manter o exemplo acima, se fossem con-
denar o governador de Pernambucoteriam antes que condenar o da
Paraiba, e assim sucessivamente...'®
Assim, com risco calculado, os governadores de Estado, bem
comotodoseustaffpolitico, adentraram no jogo de perde-perde nas
finangas ptblicas, que caracteriza a guerra fiscal e transforma fe-
deralismo cooperativo acima descrito em um federalismofratrici-
da, onde um Estado quer conceder mais vantagens que seus vizinhos
para atracéo e manutengao de investimentos privados.
Existem Estados, cujo melhor exemplo € 0 do Rio de Janeiro
que, a despeito de adotar umapolitica bastante arrojada de rentincias
fiscais de ICMS, briga em qualquer trincheira para manter sua arre-
cadagaode royalties do petrdleo, como pode servisto na ADI 4.917".

1.4. A posicdo do STF e a Proposta de Stimula Vinculante


09. No ambito do STF,a posigao sempre foi de coibir, de forma
sistematica e sem tergiversagdo, todos os casos que Ihe chegou as
maos. Os exemplos sao fartos e se originam desde tempos remotos
até os atuais. Podem-se localizar decis6es pontuais contra a guerra
fiscal desde 1989'*, sendo que um lote de decisGes causou grande
comogio em [° de junho de 2011, quando em apenas uma sessao de
julgamento sete Estadostiveram suasleis de incentivos fiscais decla-
radas inconstitucionais’®.

E bemverdade que o STF jamais acatoueste tipo de argumento, que ataca denomi-
nandode “igualdadeno ilicito”, cf. ADI 2.548, Gilmar Mendes.
Para este assunto ver Royalties do petréleo, minério e energia - aspectos constitu-
cionais, financeiros e tributdrios, de Fernando Facury Scaff (Sao Paulo: RT,2014).
18 Ver, por todas, a ADI 84-MC/MG, Rel. Min. Sydney Sanches, de 27.9.1989.
' A despeito de seremsete os Estados, tratam-se de 14 ADINs: ADI 3.794 (Mato
Grosso doSul; Joaquim Barbosa); ADI 2.906 (Rio de Janeiro; Marco Aurélio); ADI
2.376 (Rio de Janeiro; Marco Aurélio); ADI 3.674 (Rio de Janeiro; Marco Aurélio);
ADI 3.413 (Rio de Janeiro; Marco Aurélio); ADI 4.457 (Rio de Janeiro; Marco
Aurélio); ADI 3.664 (Rio de Janeiro; Cezar Peluso); ADI 3.803 (Parana; Cezar Pe-
luso); ADI 2.688 (Parana; Joaquim Barbosa); ADI 4.152 (Sao Paulo; Cezar Peluso);
FeRNANDO Facury SCAFF 99

O ritmo do STF e do Poder Judiciario nao segue o dapolitica e


da economia - nao havendo nenhuma novidade emafirmarisso. O
STF usualmente decidia sobre assuntos relacionados 4 guerra fiscal
quando a lei néo mais estava vigorando, pois era revogadatao logo
submetida ao crivo jurisdicional, e outra norma era editada, com re-
dacfio semelhante, para que nao cessassem os efeitos tributdrios.
Comoa andlise do STF era rigorosamente formalista, a ADI perdia
o objeto, pois a normahavia sido revogada.
O primeiro caso cuja decisdo de mérito do STF ocorreu quando
a lei estadual ainda permanecia em vigor é a ADIn 3.246, do Estado
do Para, cujo Relator foi o Ministro Carlos Brito, julgamento ocorri-
do em 19 de abril de 2006, mas que até a data de hoje nao transitou
em julgado, em razao de Embargos de Declaragao. A questao da
modulagao dos efeitos do julgamento foi bastante discutida na oca-
sido e € 0 ponto central dos Embargos”, que remanescem aguardan-
do decisao”!. O atual relator é o Ministro Teori Zavascki. Registre-se
que a decisio sobre modulacao sera juridicamente inécua para as
partes diretamente atingidas, pois o Confaz, através do Convénio
ICMS02, de 20 de janeiro de 2010, publicado no DOU de 21 de ja-
neiro de 2010, autorizou o Estado do Para a “nao exigir débitos fis-
cais decorrentes da utilizagdo de incentivos e beneficios fiscais pre-
vistos nos atos a seguir relacionados, desconstituidos judicialmente
por nao atendero disposto no art. 155, § 2°, XII, ‘g’, da Constituigao
Federal: IJ - art. 5°, inciso I, da Lei n° 6.489, de 27 de setembro de
2002, do Estado do Para”*. Com isso, a eventual cobrangade crédi-
tos retroativos foi “anistiada” através de deciséo unanime do Confaz,
independentemente de apreciagdo do STF acerca da modulagao dos
efeitos de sua decisado. Esse caso mais uma vez comprova quea poli-

ADI 3.702 (Espirito Santo; Dias Toffoli); ADI 2.352 (Espirito Santo; Dias Toffoli);
ADI 1.247 (Par, Dias Toffoli) e ADI 2.549 (Distrito Federal; Ricardo Lewandowski).
Ver Fernando Facury Scaff, “A responsabilidade tributaria e a inconstitucionalidade
daguerra fiscal”, In: Valdir de Oliveira Rocha (coord.). Grandes quest6es atuais do
Direito Tributdrio, vol. 15. S40 Paulo: Dialética, 2011.
0 Ver Fernando FacuryScaff, “A responsabilidade tributdria e a inconstitucionalidade
da guerra fiscal”. In: Valdir de Oliveira Rocha (coord.). Grandes questées atuais de
Direito Tributdrio, vol. 15. Sio Paulo: Dialética, 2011.
2!Registra-se que a mais recente consulta aosite do STFacerca do tramite desta ADI
ocorreu em31 de julho de 2014.
2 Esta norma tambémfoi aplicada ao Estado de Rond6nia, que se encontrava em si-
tuacao semelhante.
100 Granves Questoes Atuais Do Diretto TRIBUTARIO

tica e a economia sdo mais ageis que o ritmo jurisdicional - e que


isso nao poderia ser diferente, pela propria natureza das funcées.
Existem indicios de que este procedimento va mudar no STF,
que passara a julgar até mesmoas leis ja revogadas, em face dos
efeitos concretos ocorridos durante sua vigéncia**. Aguardemos.
10. Por outro lado, o STF ja repeliu veementemente as tentati-
vas realizadas por alguns Estados da Federacao de efetuar retalia-
g6es diretas a concessao de beneficios fiscais por outros Estados, em
nomede alegada autonomiafederativa.
O exemplo mais patente desse tipo de retaliagado encontra-se no
Estado de Sao Paulo, no Comunicado da Coordenadoria de Admi-
nistragdo Tributaria - CAT 36/2004, amparada noart. 36, pardgrafo
3°, da Lei estadual 6.374/1989, editada a pretexto de esclarecer os
contribuintes paulistas e orientar a fiscalizag4o tributaria sobre a im-
possibilidade de aproveitamento de créditos de ICMS provenientes
de operagdes amparadas porbeneficios fiscais sem obediéncia a for-
mula da Lei Complementar 24/1975.
O STFja afirmouqueeste tipo de autonomia nao existe, e que
“inconstitucionalidades nao se compensam’’,felicissima expressaio
utilizada por Septilveda Pertence na ADI 2.377-MC, DJ de 7 de no-
vembro de 2003, em cuja ementa é encontrado o seguinte trecho:
“2. As normasconstitucionais, que impdemdisciplina nacio-
nal ao ICMS, sao preceitos contra os quais nao se pode opor
a autonomia do Estado, na medida em que s4o explicitas li-
mitagGes.
3. O propésito de retaliar preceito de outro Estado, inquina-
do da mesma balda, nao valida a retaliagao: inconstituciona-
lidades néo se compensam.”
Esta posic¢ao do STFfoi reafirmada no julgamento da AC 2.61 1/
MG,Relatora Ministra Ellen Gracie, e vem sendo seguida pelo STJ
em diversos casos. O proprio Tribunal de Justiga do Estado de Sao
Paulo ja declarou inconstitucional 0 Comunicado CAT 36/2004,
através de controle difuso, na Apelagéo Civel 017.385-5/3 e na
529.218-5/0, dentre outras.

23 Noticia-se que este procedimento nao mais sera adotado, devendoser julgadas até
mesmo as normas que j4 haviam sido revogadas. Jornal Valor econédmico de
8.8.2011, “STF aplica novatese e julga leis j4 revogadas”.
FERNANDO Facury ScaFF 1017

Assim,a via retaliatoria direta, amparada sob alegado pretexto


de autonomia federativa, foi rechagada pelo Poder Judicidrio em va-
rios niveis, ndo servindo de base para a atuacdo dos entes federati-
vos. A forma adequada dos Estados discutirem os incentivos fiscais
concedidos por outro ente federativo é através do PoderJudiciario,
jamais pela via aut6noma, naojudicial.
11. Mais recentemente, o STF incluiu em sua pauta a delibera-
cao sobre a Proposta de Simula Vinculante 69, que pretende acabar
coma guerrafiscal do ICMS em nosso Pais. Ja existe Parecer do
Ministério Publico federal a favor da edig4o da Simula.
Entrementes, debate-se o Projeto de Lei Complementar
130/2014, de autoria da Senadora Lucia Vania (PSDB/GO), cujo re-
lator é o Senador Ricardo Ferrago (PMDB-ES), queelimina a neces-
sidade de unanimidade do Confaz para decidir sobre beneficios fis-
cais. Todavia, todos os prazospoliticos concedidos para uma solugdo
legislativa jd foram esgotadosaté a presente data.
A redacao da Proposta de Simula Vinculante 69 tem o seguin-
te teor:
“Qualquer isencdo,incentivo, redugéo de aliquota ou de base
de calculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou ou-
tro beneficio fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia
aprovagdo em convénio celebrado no ambito do Confaz, é
inconstitucional.”
A aprovagdo dessa Simula Vinculante pelo STF tornara a
questdo ainda mais complexa, coma introdugao de uma decisao que
tera efeito vinculante em relacéo aos demais 6rgaios do Poder Judi-
ciario e 4 Administragao Publica direta e indireta, nas esferas fede- |
ral, estadual e municipal. Certamente aumentard exponencialmente
o numero de reclamagées perante o STF (art. 103-A, paragrafo 3°,
da CF).
Afinal, quem acredita que a edicgéo dessa Simula Vinculante
acabara com a guerra fiscal? Quer-me parecer que entraremos ape-
nas em outra fase da disputa. Se hoje ela existe as escancaras, através
de atos normativos publicados nos jornais, esta nova fase, pds-St-
mula, sera do reinado dos regimes especiais. Regime especial € uma
daquelas palavras-bonde, nas quais cabe tudo que se pretende que
seja alterado do regime normal do ICMS. Assim,hoje, para fins de
reduc4o dacargafiscal, uma norma é publicada com um minimo de
generalidade, a fim de evitar favorecimentos indevidos entre contri-
102 Granpes Questoes ATuals 00 Direrro TRIBUTARIO

buintes que se encontram no mesmo Estado. Com os regimes espe-


ciais 0 beneficiofiscal podera nao ser concedido de forma isondmi-
ca ou com publicidade, pois esta espécie de regime fiscal especial
nem sempresai publicada no Didrio Oficial e muitas vezes € indivi-
dualizada para cada empresa. Assim, 0 que est ruim corre 0 risco
de piorar, como foi advertido por Renato Silveira em texto que escre-
vemos a quatro maos**. Ao invés de termos o primado da transpa-
rénciafiscal, teremoso da opacidadefiscal. As quest6es envolven-
do a nova Lei de Compliance (Lei 12.846/2013) serao igualmente
ampliadas.
Seria melhor que o ICMSinterestadual fosse integralmente co-
brado no Estado de destino da mercadoria? Certamente que sim,
obedecido certo prazo de transigao, pois economicamente pretende-
se que o ICMSseja um tributo que incida sobre o consumo da mer-
cadoria, o que ocorre no Estado de destino, e nao naquele de origem
do bem. Porém isso jé vem sendo debatido no Congressoe no Planal-
to ha quase duas décadas, em varias propostas de reformatributdria,
mas nao consegue aprovacaopolitica. Ao invés de tentarmos aproxi-
mar economicamente os Estados, como a Uniao Europeia fez com os
paises, trilhamos rumo contrario.

2. Encaminhamento de Solucées
12. Quais os pontos centrais que devemser analisados nesse
imbréglio que envolve todos os Estados da Federagao e os Poderes
da Reptblica?
A meuversaotrés os aspectos principais, que se desdobram em
diferentes posigdes de andlise, que podem permitir ao STF fazer o
trem voltarparaos trilhos, isto é, fazer com que o Brasil retorne ao
sistema de federalismo cooperativo inserido da Constituigaéo de
1988, e n&o permitir que, a pretexto de combaté-lo com a adogao da
Stmula Vinculante 69 seja o mesmo aprofundado, aumentando o
carater fratricida hoje verificado.
a) Em primeiro lugar deve-se analisarse 0 art. 2°, pardgrafo
2°, da Lei Complementar 24/1975 que determina a unanimi-
dade das deliberagdes do Confaz sobre rentincias fiscais é
constitucional. A unanimidade é 0 requisito central dos Con-

™ Revista eletrénica Consultor juridico, http://www.conjur.com.br/2014-mai-21/


guerra-fiscal-estadual-decorre-falencia-politica-tributacao.
FerNanpo Facury Scarr 103

vénios e sua verdadeira pedrade toque. Caso esta especifica


norma seja declarada inconstitucional, a andlise juridica da
Stmula nao deve prosseguir, pois o fundamento em que se
sustenta a irregularidade da concessio dos incentivos, que é
a inexisténcia de convénios nos moldes da Lei Complemen-
tar 24/1975, terd sido invalidada.
b) Se for declarada constitucional, deve-se prosseguir na
andlise da Proposta de Simula Vinculante que, se for apro-
vada, necessariamente devera ter seus efeitos modulados, em
especial em favor das empresas que foram as beneficidrias
dos incentivos entado contestados.
c) De todo modo, nao se deve perderde vista que, sob certo
ponto de vista bastante relevante, a rentincia fiscal realizada
pelos Estados apenas decorreu de rentincia de receita pré-
pria, nado havendo nenhuma irregularidade a ser apenada,
exceto o descumprimento formal da sistematica de Convé-
nios Confaz. E a questéo da autonomia dos Estadosfocali-
zada sob 6tica diversa daquela que fez surgir o famigerado
Comunicado CAT 36/2004 no Estado de Sao Paulo, ja ex-
purgado pelo STF conforme acima exposto.
Analisemosadiante os aspectos apontados.

2.1. A unanimidade do Confaz é inconstitucional - o contrabando


normativo autoritdrio na LC 24/1975
13. Sera constitucional a exigéncia de unanimidade pelo Con-
faz?
A pergunta é direta e especifica. Nao se busca saber se a Lei
Complementarfoi recepcionada pela CF/1988 - disso nao restam du-
vidas, até mesmo pelo texto da Carta, que a essa lei faz referéncia
expressa(art. 34, pardgrafo 8°, do ADCT).
O que se buscasaber é se norma constante doart. 2°, pardgrafo
2°, da Lei Complementar 24/1975 € constitucional. O texto € 0 se-
guinte:
“Art. 2° Os convénios a que alude o art. 1°, serao celebrados
em reunides para as quais tenham sido convocados represen-
tantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presi-
| déncia de representantes do Governo federal.
§ 2° A concessGo de beneficios dependeré sempre de deci-
sdo undnime dos Estados representados; a sua revogacao
104 Granpes Questoes ATuals bo Direito TriBUTARIO

total ou parcial dependera de aprovagio de quatro quintos,


pelo menos, dos representantes presentes.”
Analisando as incontaveis decisées do STF sobre guerrafiscal
do ICMSsao encontradas varias deliberagées sobre a constituciona-
lidade da exigéncia de prévios convénios no 4mbito do Confaz para
validar a concessao de rentincias fiscais. Porém nao foram vislum-
brados debates sobre a peculiaridade dessa exigéncia, que é a da re-
gra de unanimidade.
Observe-se que a exigéncia de unanimidade nao existe nem
mesmopara alterar a Constituigéo. As propostas de emendaconsti-
tucional devem ser aprovadas portrés quintos dos votos dos mem-
bros do Congresso Nacional. Todo o processo legislativo possui re-
gras de aprovagaoinferiores a esta propor¢ao de trés quintos, sendo
aregra geral a de metade mais um dos membros das Casas Legisla-
tivas (art. 47 da CF).
Mesmoa aprovagdo de Simulas Vinculantes pelo STF exige a
concordancia de apenas dois tergos de seus membros (art. 103-A,
caput, da CF).
Logo, sera constitucional esta exigéncia estabelecida em Lei
Complementar? Trata-se da tinica regra de aprovacdo undnime
existente em todoo sistema politico brasileiro!
Um grupo de especialistas do qual faziam parte Paulo de Bar-
ros Carvalho, Ives Gandra da Silva Martins, Everardo Maciel e Mar-
co Marrafon recomendou a manutengao da regra da unanimidade
nas deliberagdes do Confaz, arguindo inclusive que sua alteracgio
feriria a Constituigao.
Nao concordo com esse entendimento. Encontro-me mais pr6-
ximo da opiniado de Regis Fernandes de Oliveira, para quem a regra
da unanimidadenaofoi recepcionada pela Constituicgo de 1988. Diz
ele que “o 6rgao representativo da federacao é 0 Senado(...). Para as
deliberacdes do Senado objetivando a manuten¢ao da unidade da
federagdaoem relagio ao podertributario, hé necessidade de decisio
por dois tercos de seus membros. Dai a incongruéncia nao admitida
pela Constituig’o Federal de que as decisdes do Confaz se fagam por
unanimidade. Ora, se 0 6rgio de representagio politica dos estados
pode e deve decidir por maioria absoluta ou de dois tergos, (...) ne-
nhumaI6gica estrutural ou sentido juridico tem a exigéncia de una-
nimidadeprevista para as deliberagdes do Confaz, em relagdo a ou-
torga de beneficios. Nao se deduz, com todo respeito a vozes diver-
Fernanpo Facury ScarF 105

gentes, da arquitetura constitucional que possa lei ou mesmolei


complementar (cuja diferenga é apenas de contetido e nao de hierar-
quia) estabelecer a exigéncia de unanimidade para deliberagao de
6rgdo administrativo, 0 que pode resultar em prejuizo a qualquer
unidadefederativa que é ente federativo e politico. A regra da unani-
midade & incompativel com o Estado federativo que pressupée, até
mesmo por decorréncia histérica, a desigualdade de seus integran-
tes. Daf se conclui a absolutainconstitucionalidade do paragrafo 2°
do artigo 2° da Lei Complementar 24/75."5
Pela ldgica da unanimidade, 0 Confaz se torna o dono do
ICMS e ndo cada Estado individualmente considerado. O Confaz
tem um papel de harmonizacdofiscal em um Estado Democratico
de Direito, e ndéo de Coagao Fiscal, propria do periodo em que foi
criado. Durante o autoritarismo a regra da unanimidade possuia
umalégica interna ao sistema; durante o periodo democratico esta
norma ndo pode prosperar, pois ndo encontra amparo em nenhuma
norma constitucional.
Esta exigéncia de unanimidade do Confaz ndo é inconstitucio-
nal, ela simplesmente ndo foi recepcionada. A referéncia efetuada
pelo art, 34, pardgrafo 8°, do ADCT a Lei Complementar 24/1975
realizou a recep¢do da norma, mas ndo emsuainteireza. A regra da
unanimidade simplesmente ndo foi recepcionada porfalta de nor-
ma que a ampare sob a égide da ConstituigGo de 1988.
Nemas decisdes mais relevantes da Reptiblica, comoa altera-
cao constitucional, pedem a unanimidade. Mesmo as deliberagdes
do Senado Federal ndo so unadnimes, considerando que nesse 6rgao
politico reside a isonomia federativa brasileira, pois sao eleitos trés
senadores por cada Estado e o Distrito Federal, independente da
quantidade de pessoas que neles residem.,
Entendo que o art. 2°, paragrafo 2°, da LC 24/1975 nao foi re-
cepcionado pela atual Constituicéo em face do Principio Federativo
e do Principio Democratico, pois, da forma comose encontra estru-
turado, € possivel a um Unico Estado da Federagio bloguear uma

*5 Regis Fernandes de Oliveira, “Exigéncia da unanimidadena concessaoe estimulos


fiscais e a constitucionalidade da LC 24/75 (Sangdes para quem descumpre a glosa
de créditos).” In: Alcides Jorge Costa et al. Congresso Nacional de estudostributd-
rios - sistema tributdrio nacional e a estabilidade da Federacdo brasileira. Sao
Paulo: Noeses, 2012, pp. 848/849.
106 Granpes Questoes Atuais 00 Direito TRiBUTARIO

deliberagao que seja relevante para o conjunto dos demais entes fe-
derados. Isso nao estd auxiliando ou permitindo o desenvolvimento
federativo, ao contrario, esta matando a Federacdo. Nem mesmo
uma proposta de Emenda Constitucional que contivesse este tipo de
obrigatoriedade poderia ser analisada, por ferir clausula pétrea de
nossa Constituigdo (art. 60, paragrafo 4°, I, da CF).
O STF esta analisando a constitucionalidade da LC 24/1975
como um todo, até mesmo porque nao foi chamadoa analisar espe-
cificamente a norma do art. 2°, paragrafo 2°, da LC 24/1975, que é
onde se encontra o problema a ser enfrentado. O ponto central da
discérdia nfo é 0 sistema de Convénios, mas a exigéncia de unanimi-
dade do Confaz. Como as ADI que foram propostas pedema invali-
dade de normas estaduais que descumpriram o tramite da LC
24/1975, o debate judicial esta circunscrito a esta andlise, nao obser-
vando que o problema é pontual - e que este especifico ponto naio
esta sendo analisadoe reside noart. 2°, paragrafo 2°, da LC 24/1975,
e nao na totalidade dareferida lei.
Para resumir: entendo que a exigéncia de unanimidade do
Confaz para que ocorra a rentincia fiscal, constante do art. 2°, para-
grafo 2°, da LC 24/1975, nao foi recepcionada pela Constituicao de
1988, por nao se coadunar com o Principio Federativo e o Principio
Democratico, e que este especifico ponto nao foi analisado adequa-
damente pelo STF, que esta recebendo demandas onde tal debate
nao € colocado as escAncaras.
Espera-se que este tipo de quest&o seja devidamente analisada
pelo STF para aprovacgao de uma Simula Vinculante com tal alcan-
ce. Convalidar a regra da unanimidade sem discuti-la sera aprofun-
dara fratura do sistema de federalismo cooperativo brasileiro.

2.2. A necessdria modulacdo dos efeitos da Stimula Vinculante


15. Suponhamos que o STF aprove a Simula Vinculante tal
qual proposta.
Suponhamosainda que o STF nao venha a modularseus efeitos,
e nem os Estados, através do Confaz, concedam anistias semelhantes
4 acima relatada para o Estado do Para. Poderd ser cobradopelos
Estados das empresas beneficiadas todo o valor desonerado através
de beneficios fiscais declarados inconstitucionais pelo STF?
Embora a pergunta veicule uma possibilidade (“podera”), na
verdade, insito a esta expresso, consta o poder-dever do Estado de
FeRNANDO Facury ScarF 107

agir na seara tributaria, através de atos administrativos vinculados,


com praticamente nenhuma margem de discricionariedade. Logo,
caso haja a compreensao de que estes valores sao devidos, os Esta-
dos deverdo cobra-los, sob penade serem eles proprios responsabili-
zados administrativa e financeiramente, na forma da Lei de Respon-
sabilidade Fiscal(art. 11). Assim, nao se trata de umafacultas agen-
di, mas de uma obrigagdo vinculada de agir coativamente cobrando
tais créditos tributdrios - isto é, se houver amparojuridico para tanto.
Por outro lado, nao se discute aqui o efeito imediato dessas
decisées. Uma vez declarada a inconstitucionalidade do beneficio
fiscal estadual concedido, ele, de regra, deve ter seus efeitos cessa-
dos desde logo, néo sendo constitucional sua manutencdo para as
operag6es futuras. O debate aqui em curso diz respeito eminente-
mente a retroacdo desta cobranga e, lateralmente, a seus efeitos ime-
diatos, e nfo aos seus efeitos futuros.
Entendo que necessariamente deva haver modulagdo de seus
efeitos, pois, caso contrario, os Estados sero obrigados a cobrar o
ICMS das empresas que tiverem gozado dos beneficios com amplo
espectro retroativo, e isso acarretard a insolvéncia ou a faléncia de
um contingente enorme delas, com reflexos trabalhistas, societarios,
fiscais e na balanca de comercio exterior brasileira - neste ultimo
caso envolvendo as empresas cotadas em bolsa de valores estrangei-
ras.
16. Existe uma regra de ouro no que tange 4 andlise da Segu-
ran¢a Juridica e ao Principio da Legalidade: as leis sdo vdlidas e
eficazes até que sejam retiradas do ordenamentojuridico, seja por
outra norma juridica de igual status, seja através da declaracdo de
sua inconstitucionalidade.
NoBrasil, onde temos um sistema misto de controle de consti-
tucionalidade”® - pois mescla 0 controle difuso, que tem base nosis-
tema norte-americano, e o controle concentrado, cujo amparo teéri-
co € 0 sistema austriaco -, a retirada de uma norma do sistemajuri-
dico pode se dar de duas formas, pelo menos:
a) Caso declarada sua inconstitucionalidade através do siste-
ma difuso, pela via do Senado Federal, na forma doart. 52,

6 Sobre este assunto, ver Fernando Facury Scaff e Antonio Maués, Justig¢a constitu-
cional e tributagGo. Sao Paulo: Dialética, 2005.
108 Granpes Questoes ATuals 00 Direito TRIBUTARIO

X, da CF/1988, a despeito do STF vir mitigando este enten-


dimento”’.
b) Caso declarada pela via do controle concentrado, pelo
transito em julgado da acao.
Logo, no Brasil, até que a norma seja retirada do ordenamento
juridico seus efeitos se projetam sobre a sociedade.E isto é um fator
primordial para a seguranga juridica das relagdes sociais. A despeito }
de estarmos defronte de uma Simula Vinculante, que nao é propria- .
mente uma acao de controle de constitucionalidade, os efeitos vincu-
lantes e quase legislativos sdo até mais amplos. |
Na dicgao de José Afonsoda Silva, “uma importante condigio |
da seguranga juridica esta na relativa certeza de que os individuos
tém de que as relacGes realizadas sob 0 império de uma norma de-
vem perdurar ainda quandotal normadeva ser substitufda’”*.
Os efeitos da declaragao de inconstitucionalidade devem res-
peitar a seguranc¢a juridica das relagdes havidas com terceiros de |
boa-fé. A retroagao, fruto da declaragao de inconstitucionalidade de
uma norma, nao pode desfazeros efeitos juridicos concretizados ao
longo do tempo, sob pena de instaurar absoluta inseguranga juridica
nas relag6es sociais.
Observe-se que nadose esta a arguir a inconstitucionalidade do
art. 27 da Lei 9.868/1999, mas de afirmar que seus efeitos retroativos
nao podem atingir situagdes consolidadas ha longo tempo com ter-
ceiros que tenham obedecido ao que manda a lei, apenas posterior-
mente declarada inconstitucional. Em alguns casos, a retroagao pode
se revestir da mais absoluta inconstitucionalidade, mormente quan-
do for longo o interregno de tempo entre a vigéncia da norma e a
declaragio de sua invalidade. Quanto mais dilargado este prazo,
maior a chance de existirem situagdes consolidadas cuja reversibili-
dade se tornara mais dificil e injusta.
A Stimula Vinculante, que consolida posigéo do STFnas diver-
sas lides julgadas, nao é contra os beneficidrios dos incentivos, pois
se trata de lides interfederativas. Afinal, 0 individuo (terceiro) que
apenas cumpriu o quea lei ordenava, nao pode ser penalizadoporter |

*1 Sobre este assunto, ver Fernando Facury Scaff, “Novas dimensées do controle de
constitucionalidade no Brasil: prevaléncia do concentrado e ocaso do difuso”. Re-
vista Dialética de Direito Processual n° 50, Sao Paulo: Dialética, maio de 2007.
* Curso de Direito Constitucional positivo, 33* ed. Sio Paulo: Malhciros, p. 433.
Fernanoo Facury Scarr 109

cumprido 0 que a lei ordenava, uma vez que ela estava em pleno vi-
gor e projetando seus efeitos sobre a sociedade. Caso os 6rgios de
controle (os legitimados para arguir sua inconstitucionalidade e 0
PoderJudiciario) tivessem entendido que a normaera inconstitucio-
nal, deveriamté-la arguido de imediato, nao permitindo que vigesse
por tanto tempo, produzindo situagdes plenamente consolidadas,
que se tornaramirreversiveis.
17. Mauro Cappelletti®, com sua proverbial precisao, formula a
seguinte hipétese, que cabe 4 fiveleta na andlise do tema aqui sob
andlise:
“Esta doutrina parte, comofoi dito, do pressuposto de que a
lei inconstitucionalseja, ab origine, nula e ineficaz. Isto sig-
nifica que todoato - privado, como por exemplo, um ato ad-
ministrativo ou uma sentenga - que tenha se fundado nessa
lei (que, repito, é uma lei nula e ineficaz), esta destituido de
umavalida base legal.
Pode acontecer, porém, que uma lei tenha sido, por muito
tempo, pacificamente aplicada por todos, drgaos ptiblicos e
sujeitos privados; por exemplo, pode acontecer que um fun-
cionario, eleito ou nomeado com base em umalei muito tem-
po depois declarada inconstitucional, tenha longamente
atuado em sua fungao; ou que o Estado, por muitos anos,
tenha arrecadado um certo tributo ou, também, que uma
pessoa tenha recebido uma pensao ou celebrado determina-
dos contratos, sempre com base em uma lei posteriormente
declarada inconstitucional, e assim por diante.
Quid, entao, se em um certo momento, uma lei, por muitos
anos pacificamente aplicada, vem a ser depois, considerada
e declarada inconstitucional, com pronunciamento que te-
nha, segundo a doutrina aqui pressuposta, efeitos retroati-
vos?”
Observa-se que a situacgéo acima descrita por Cappelletti é a
mesma que nos defrontamosno Brasil, no caso em aprego. Os bene-
ficios fiscais foram concedidos pelos Estados desde ha muitos anos,
e muitas relac6es socioeconémicas foram criadas e consolidadas ao

29 O controle judicial de constitucionalidade dasleis no Direito comparado. Porto


Alegre: Sergio Fabris Editor, 1984, pp. 122/124.
110 Granves Questoes Atuals 00 Direito TRIBUTARIO

longo desse periodo. Repetindo a pergunta porele formulada, o que


deve serfeito, caso aplicada integralmentea teoria dosefeitos retroa-
tivos em situagdes comoestas?
A resposta nos é fornecida pelo proprio Cappelletti:
“A resposta a esta pergunta tem sido, especialmente na re-
cente jurisprudéncia das cortes norte-americanas - também
pelo eficaz estimulo do realismo juridico que demonstrou
que a Constituigaéo é um living document, sujeito 4 evolugdes
de significado, pelo que aquilo que em um certo momento de
tal evolugado pode ser conforme ou contrario 4 Constituigao,
pode nao sé-lo ou ainda nao sé-lo mais em umafase diversa
da prépria evolucdo - inspirada em critérios de grande, e, a
meuver, em geral oportuno pragmatismoe elasticidade, e
critérios praticamente nao muito dessemelhantes, pelo me-
nos em parte, tém sido seguidos, agora, pela lei ou pela juris-
prudéncia, quer na Italia, quer na Alemanha. (...)
Em matéria civil, ao invés, e, 4s vezes, também em matéria
administrativa, se tem preferido respeitarcertos efeitos con-
solidados, produzidos por atos fundados em leis depois de-
claradas contrarias 4 Constitui¢ao; e isto em consideragdo ao
fato de que, de outra maneira, se teriam mais graves reper-
cuss6es sobre a paz social, ou seja, sobre a exigéncia de um
minimode certeza e de estabilidade das relagdes e situagdes
juridicas.”
Ouseja, em apertada sintese, pode haver retroagao, mas é ade-
quado, em nomeda seguranga juridica - ou, como usa 0 autor, da paz
social -, que certos efeitos consolidados nao sejam afetados poresta
retroacao.
Nao se esta aqui a advogar a existéncia de direitos adquiridos
contra a Constituigaio. Nao. A tese é outra. E a da limitagaoda retroa-
co as situagdes juridicas consolidadas, onde deve haverrespeito a
seguran¢a juridica em prolda estabilidade das relagdes sociais.
Trata-se da imposicGo de um 6nus a sociedade para tolerar
situac6es individuais consolidadas, que podem levar a quebra de
relag6es socioeconémicas duradouras. Nao se trata de advogar a
irretroatividade geral, em todos os casos; mas de advogara irre-
troatividade em situacées pontuais, cujos efeitos consolidados das
situag6es concretas possam levar a uma injustica maior do que a
singela e genérica retroacdo.
Fernanpo Facury Scarr 711

Ouainda, nas precisas e abalizadas palavras de Elival da Silva


Ramos:
“Nao se cuida aqui da atenuagdo da nulidade cominada ou
de convalidagao parcial do ato legislativo contraventor e sim
da manutencao de situagdes consolidadas sob o império des-
sa legislagao que se presumia constitucional e, portanto,apli-
cavel.
Isso ndo importa no reconhecimento de alguma eficdcia a
lei inconstitucional: continua ela destituida dos efeitos que
se propunha a gerar; contudo, de sua indevida aplicacao
advém alterac6es no plano fatico cuja preservacdo se im-
pée, consubstanciando o que se poderia chamarde efeitos
impréprios.”*
Estes efeitos imprdprios ja foram acatados pelo STF em varias
ocasides, destaca-se, por sua profundidade, o vetusto caso relatado
pelo Ministro Leitao de Abreu, que 4 época compunha a 2* Turma
juntamente com os Ministros Xavier de Albuquerque, Cordeiro
Guerra e Moreira Alves. Nele, asseverou o Ministro relator:
“A lei inconstitucional é um fato eficaz, ao menos antes da
determinacao de inconstitucionalidade, podendo ter conse-
quéncias que nao licito ignorar.
A tutela da boa fé exige que, em determinadas circunstan-
cias, notadamente quando,sob lei ainda nao declarada in-
constitucional, se estabeleceram relacées entre o particulare
0 poder publico, se apure, prudencialmente, até que ponto a
retroatividade da decisao, que decreta a inconstitucionalida-
de, pode atingir, prejudicando-o, o agente que teve porlegi-
timo 0 ato e, fundado nele, operou na presungdo de que esta-
va procedendo sob o amparo dodireito objetivo.”*!
Ou seja, protege-se aquele que agiu acreditandona legitimida-
de da legislagao que se encontrava vigente 4 época da fruigao de seus
efeitos. Quanto mais tiver demoradoa retirada da norma do sistema
juridico, maior sua possibilidade de gerar efeitos concretos perma-
nentes, de dificil reversibilidade.

“” Controle de constitucionalidade no Brasil e perspectivas de evolucdo. Sio Paulo:


Saraiva, 2010, pp. 297-298.
3! RE 79.343-BA, 31.5.1977.
112 Granpes Questoes Atuais 00 Direito TRIBUTARIO

Enfim, dentre os direitos fundamentais esta o da seguranga


juridica, que protege aquele que obedeceu aos ditames dalei que
estava vigente, e que s6 posteriormente foi declaradainconstitucio-
nal. A existéncia de efeitos concretos advindos da época em que a
lei estava vigente é umlimite & retroatividade das normasdeclara-
das inconstitucionais.
18. Sera que as empresas beneficidrias desses incentivos fiscais
deverao devolver aos cofres estaduais 0 beneficio fiscal recebido?
Entende-se que nao, nos casos em que estiverem presentes efeitos
concretos, surgidos quando a lei declarada inconstitucional estava
plenamente vigente. Os direitos fundamentais, dentre eles o da segu-
ranga juridica, limitam a retroatividade da declaracdo de inconstitu-
cionalidade. Isto decorre do carater principiolégico de nossa Consti-
tuigao, que consagra, ao lado da segurangajuridica enquanto garan-
tia, os principios da proibigéo de excesso, da proporcionalidade, da
acessibilidade, da proibigao de retrocesso e da confianga legitima.
Nao havendo valor de principal a pagar, nao existirao acréscimos
legais penalizadores ou moratorios. Por outro lado, sequera cogita-
cao sobretais incidéncia seria correta, pois quem estiver nessasitua-
cao tera agido na mais completa obediéncia aos ditames dalei que s6
posteriormente foi declarada inconstitucional. Logo, nao ha mora (o
que afasta a multa e os juros dessa modalidade) e nao se ha de falar
em penalidade pela inadimpl€éncia, pois inadimpléncia nao ha (0 que
afasta a multa de oficio).
Ademais, as empresas s6 deverao incluir estes valores em seus
balangos, e analisar eventuais provisées de créditos, na hipdtese de
vir a ser langado um auto de infragaoe a defesa administrativa sogo-
brar, apenas restando via judicial a ser enfrentada. Nessa ocasiao,
tais valores deverao vir a ser apresentados no balango e provisiona-
dos.
19, Desta forma, na hipétese de o Supremo Tribunal Federal
decidir pela edicéo da Stiimula Vinculante 69, sugere-se que module
largamente seus efeitos para o futuro, tendo emvista raz6esde se-
guranca juridica.
Umapossibilidade seria adotar a seguinte regra de vigéncia:
a partir do primeiro dia do primeiro més posterior a 12 meses de
sua edigdo. Isto permitira 4s empresas afetadas organizarsua ativi-
dade empresarial, rever sua estrutura de custos e a estratégia das
decis6es de investir.
Fernanpo Facury Scarr 113

Enem se diga que nao ha norma que permita modularos efeitos


da Declaragao de Inconstitucionalidade em sede de Simula Vincu-
lante. Também nao existe normapara ser efetuada esta modulagao
no controle difuso pelo STF, mastal efeito ja foi aceito (leading
case, RE 197.917, Mauricio Corréa). Também nao existe norma que
permita a modulac4o pelos demais Tribunais, 0 que igualmentejé foi
aceito (MCRcl 11.476, Luiz Fux). Logo, nao ha dificuldade em mo-
dular para fins de Simula Vinculante, ainda mais quando se busca
com esta Simula obter a tao almejada seguran¢a juridica encerrando
a guerra fiscal.

2.3. Os Estados renunciaramreceita propria de ICMS


20. Um ultimo argumento ainda deve ser analisado, pois pre-
sente nos empolgantes debates que vém ocorrendo sobre a matéria,e
que envolve um principio de autonomia federativa dos Estados.
Conforme acima exposto, a estrutura do ICMS devido nas ope-
rag6es interestaduais faz com que umapartedo tributo se configure
como uma receita propria dos Estados dos quais a mercadoria se
origina. Apenas para recordar, a regra geral é que o Estado de onde
se originam as mercadorias fique com 12% do tributo, e que o Esta-
do para onde se destina a mercadoria cobre os demais 5%. A regra
dos desiguais segue 0 mesmo parametro, apenas dividindo o bolo de
forma desigual, em favor dos menos desenvolvidos.
Pois bem, isso possibilita que os Estados de onde se origina a
mercadoria concedamincentivos fiscais 4 margem dos Convénios
do Confaz, tenham ou nao deciséo unanime, pois o Estado de ori-
gem renuncia ao recebimento do ICMSquelhe € devido,isto é, 0 faz
com referéncia a suas prépriasreceitas, e ndo a de outros; logo, onde
estaria o problema?
Adotada esta dtica, nao haveria nenhum problemaa ser consi-
derado,afinal, os Estados renunciam aquilo que é sua propria recei-
ta, e isso se insere dentro de sua autonomia. De certo modo, esse
argumento ressuscita o que foi desenvolvido pelo Estado de Sao Pau-
lo ao editar o famigerado Comunicado CAT 36/2004, s6 que em
outro sentido. A autonomia aqui exposta nao seria a de um Estado
poderglosar unilateralmente os créditos langados pelos outros, caso
houvesse suspeita de que teria havido concessio indevida de benefi-
cios. Sob essa nova 6tica, a autonomia teria por fungao permitir que
o Estado concedesse unilateralmente rentnciasfiscais do que é seu,
114 Granpes Questoes Atuais Do Direito TRIBUTARIO

o que nao influenciaria em nem um centavo do que pode ser cobrado


por outro Estado. Assim, nao haveria motivo para a impugnagao de
sua conduta, pois a exigéncia de Convénio so teria funcao quando
ocorresse uma ac¢&o que envolvesse rentincia fiscal de mais de uma
unidade federativa, 0 que naoseria o caso do exemplo.
Trata-se de um argumento que parte de outra Gtica, diversa da
que vem sendo exposta neste trabalho. E um argumentoindividualis-
ta, quase privado,pois se utiliza da légica da patrimonialidade pri-
vada aplicando-a aos Estados. Através dele, os Estados sao proprie-
tdrios de recursos ptiblicos, o que equivaleria ao patrimdnio indivi-
dual de pessoasfisicas ou jurfdicas privadas. E comose fosse possi-
vel aplicar o Direito privado a situagdes envolvendo entes publicos,
em disputas federativas.
O problema comeste argumento é que a guerrafiscal reside
na disputa geogrdfica pela atracdo de mais investimentos. Nao se
trata de um problema eminentemente tributdrio, mas financeiro e
politico. O contribuinte continuara a pagar o tributo embutido no
preco das mercadorias, mas os Estados se digladiam pela atragéo
dos investimentos privados, o que gera disttirbios no “status quo”
federativo. Na “efetiva operagao em si” 0 que o Estado de origem
renuncia faz parte de sua receita propria.
Assim, se o STF nao entender que sob o debate da guerrafiscal
existe um problema maiorque é 0 dafissura do federalismo coope-
rativo, que o esta transformando em umadisputa fratricida, este ar-
gumento individualista, de Direito privado, pode muito bem surgir e
se fazer presente - embora nao seja a Otica prioritaria que adotaria.
Masse naofor efetivamente analisado o problema de forma macro,
eo STFentenderquese trata apenas de uma disputa entre os Estados
AeB, ou Ce D, como vemtratando a matéria, de forma atomizada,
é melhorseguir esta linha privatistica do que tentar colocar a camisa
de forca da Simula Vinculante 69 na Federagao.

3. Conclusées
21. Pelo exposto, verifica-se que o STF nao analisou diretamen-
te a exigéncia de unanimidade pelo Confaz, constante do art. 2°,
pardgrafo 2°, da Lei Complementar 24/1975. Entende-se que esta
norma nao foi recepcionada pela Constituicao de 1988 em face do
Principio Federativo e do Principio Democratico, que regem a atual
FERNANDO Facury ScarF

Carta. A referida norma tinha funcdo e lugar em umsistema autori-


tdrio de governo, como o que presidiuo Pais até 1988.
Observa-se que nao se discute a recepcao da Lei Complementar
24/1975 pela Constituigado de 1988, até mesmo porforga doart. 34,
pardgrafo 8°, do ADCT. O que se afirma é que especificamente o
art. 2°, pardgrafo 2°, da Lei Complementar 24/1975 ndo foi recep-
cionado pela Constituicgdo de 1988. Trata-se de um resquicio auto-
ritdrio que foi importado como contrabando no bojo da norma, e
sobre 0 qual o STF jamais se pronunciou especificamente, até mes-
mo porque nao foi instado isso.
Firme nessa posi¢ao, entende-se que o STF nao pode aprovar a
Stmula Vinculante 69 sem discutir esse especifico aspecto normati-
vo, sob pena de convalidar indevidamente 0 contrabando normativo
autoritdrio que € 0 art. 2°, pardgrafo 2°, da Lei Complementar
24/1975.
Caso seja ultrapassado este debate, o que realmente nao se cré
que venha a ocorrer, e venha a ser aprovada a Simula Vinculante 69
tal qual proposta, prevé-se 0 aumento exponencial de reclamagées
constitucionais para os préximos anos, entulhando ainda mais os
escaninhos do STF, além de outros problemas.
E, além disso, sera sumamente importante que sejam modula-
dos os efeitos da Stimula, atribuindo-lhe efeitos futuros. Como su-
gestao propGe-se a seguinte regra de vigéncia: “a partir do 1° dia do
I° més posterior a 12 meses de sua edigdo”, pois isso permitira as
empresas afetadas organizar sua atividade empresarial, rever sua es-
trutura de custos e a estratégia das decisées de investir.
Por fim, se o STF nao entenderque se trata de um problema que
envolve o cerne do sistema de federalismo fiscal cooperativo,criado
a partir da Constituicgdo de 1988, é melhor que aceite a compreensdo
privatistica e individualista, que considera a renincia de receitas
proprias feitas por cada Estado comodentro de sua autonomia, o que
afasta o Ambito de incidéncia dos Convénios do Confaz, que teria seu
ambito de validade aplicado apenas quando a rentncia fiscal gerasse
impacto financeiro em mais de um ente federativo. Dos males, o
menor, pois isso afasta a edicao da Sumula Vinculante 69.
E preciso que os operadores do Direito voltem a ser engenhei-
ros de solugées, a luz das reais e complexas relagdes socioeconémi-
cas existentes, ao invés de se ater ao exagerado formalismojuridico.

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