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Da Autora:
Sei Lá
Não Há Coincidências
As Crónicas da Margarida
Alma de Pássaro
Artista de Circo
I'm in Love With a Pop Star
Nazarenas e Matrioskas
Pessoas Como Nós
Diário da Tua Ausência
Vou Contar-te Um Segredo
A Rapariga que Perdeu o Coração
Português Suave
Gugui, o Dragão Azul
Onde Reside o Amor
O Dia em que Te Esqueci
A Minha Casa é o Teu Coração
Minha Querida Inês
O Amor é Outra Coisa
Há Sempre uma Primeira Vez
Os Milagres Acontecem Devagar
Margarida Rebelo Pinto
MARIANA,
MEU AMOR
À descoberta de Mariana Alcoforado,
a freira portuguesa que conquistou o mundo
com as suas cartas apaixonadas
Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor.
Reprodução proibida por todos e quaisquer meios.
ISBN: 978-989-724-268-7
Depósito legal: 399497/15
1.ª edição: Novembro, 2015
www.clubedoautor.pt
Para a Teresinha, Paula, Patrícia, Titi, Holly, Maha e Jaqueline.
V
em, minha noviça Benedita, senta-te à secretária e
prepara-te para cumprir aquela que será porventura
a mais audaciosa e importante missão da tua vida. A
partir de hoje estás dispensada das orações vespertinas.
Sei que és devota fiel a Nosso Senhor Jesus Cristo, mas
a partir deste dia tens outra missão, e quem a decide sou
eu, que já fui abadessa deste convento, a minha morada
desde os 16 anos, idade em que meu pai, por vontade
dele e a mesma expressa em testamento por minha mãe,
determinou que aqui fosse vivida a minha vida, quer assim
o quisesse ou não.
Completo neste dia de fria Primavera 75 anos de vida.
Vê bem como é irónica a existência: afinal sobrevivi.
Imaginei-me a morrer de tristeza, de desgosto, de solidão
e de desespero. Mas a vida é sempre outra coisa. Quis o
Altíssimo que não partisse quando o que eu mais queria
era falecer, e nem sequer padeci de doenças crónicas ao
longo da vida. Pulmões, estômago, rins, fígado e intesti-
nos, nada me dá cuidado. Tampouco o coração, a quem
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S abes tu o que é amor? Pois, não podes saber. És muito
nova para isso e nunca saíste deste lugar. Tens 16
anos, a mesma idade que eu tinha quando aqui entrei.
Ao contrário de mim, não te obrigaram; vieste por tua
livre vontade, já que sentiste dentro de ti o Chamamento
do Senhor, ainda eras pequenina, tinhas quantos anos?
Mostras-me as duas mãos espalmadas. Dez anos tinhas
tu, minha menina. E já te sentias próxima de Deus. Apontas
para o teu terço para me dizeres que conheces o amor ao
Altíssimo. Mas tens mesmo a certeza de que é Ele quem
amas, ou não pudeste escolher outro caminho? Tal como
eu e tantas outras raparigas e senhoras que vêm para
este convento, és filha da alta nobreza, cresceste por isso
confinada a um palácio e jardins murados. Imagina que
tinhas sido criada ao deus-dará, que os teus pais eram
feirantes e viajavam de terra em terra; acreditas que ama-
rias o Senhor com igual fervor e paixão? Amamos aquilo
que conhecemos, minha criança inocente. Só os mais
aventureiros se arriscam por caminhos desconhecidos.
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sentes um ser alado, uma fonte que jorra das pedras, uma
árvore que abraça o mundo. Chegar a esse lugar no corpo
é um privilégio raro. A grande tragédia é que nunca mais
queres deixar de o alcançar. Por isso, quando Noël partiu,
aprendi a fazer tudo sozinha, mas faltava-me o peso do
seu corpo, o odor suado da sua pele, o leite derramado
do seu prazer misturado com o meu. Faltava-me o sal
da sua presença, mas como deixara de me amar e com o
tempo percebi que nunca iria voltar, ao contrário do que
me prometera, aprendi a viver com isso o melhor possível.
E acredita, querida Benedita, que o prazer carnal pode
ajudar-nos a lutar contra a morte. Até ao dia em que o teu
corpo já não te pede mais que lhe toques, e sabes então
que estás finalmente livre dos teus demónios. Mas isso
pode suceder-te antes de envelheceres, ou apenas no dia
em que morres. Nunca ninguém sabe bem de si, muito
menos dos outros, e este é um dos mais tristes mistérios
da condição humana.
O amor carnal é o céu e o inferno ao mesmo tempo,
porque quando o teu amado te deixa, o seu espírito e o
seu corpo já se colaram à tua pele e já te marcaram nas
entranhas. Acordas noites e mais noites cuidando que
ele voltou, que está a possuir-te, sentes o seu membro
dentro do teu corpo, agarras os seus cabelos no vazio e
a tua imaginação faz-te sentir a boca dele, molhada, ávi-
da, presa na tua, como se fosse verdade, como se o que
imaginas está a suceder-te de facto, entendes? Abanas
a cabeça, o que quer dizer que não, e ainda bem. Não
queiras experimentar tal prisão, querida irmã, porque nela
me fechei durante muitos e longos anos, e se porventura
dela me consegui libertar, foi mais por cansaço do que por
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que precisas. 2 — A tua vida não podia ter sido outra e tudo
o que te aconteceu não podia ter ocorrido de forma dife-
rente. 3 — As coisas acontecem-te quando estás preparado
para as viver e as aceitar. 4 — Tudo tem um fim e por isso
é preciso saber aceitar que tudo acaba e que aquilo que vi-
vemos é um caminho para a libertação porque nos ensinou
a ver mais claro, a ser pessoas melhores.
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brigada pelos mimos, minha doce Benedita. Sabes
que nunca fui dada às artes da culinária nem da
doçaria, mas nos últimos anos tenho descoberto novos
prazeres no paladar. Agora, sempre que posso, regalo-
-me com um docinho, e quando os trazes às escondidas,
ainda me sabem melhor. És uma boa menina, afinal não te
custa nada, e lá nas cozinhas todas as irmãs já conhecem
o meu vício, que não chega a ser pecado, se for praticado
com parcimónia e em perfeito juízo dos riscos em que
me meto. Não me sinto pesada, sou demasiado inquieta
para acumular gorduras nas carnes. Queres um para ti?
Come, filha, não te acanhes. Assim escreves o que te vou
ditar com o estômago mais consolado. Bendito açúcar,
essa raridade que o povo nunca provou e que por aqui
vai havendo em quantidades suficientes para agradar ao
governador e aos juízes de fora. Em havendo ovos com
fartura, que os temos, graças a Deus, ninguém ganha ao
Convento da Nossa Senhora da Conceição nos doces
conventuais.
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peito. Não era alto, nem bonito, embora o seu sorriso ale-
gre e os seus olhos azuis brilhassem como duas estrelas.
A beleza pode ser uma forma de desgraça, e os homens
não se querem belos. Põe tento em el-rei D. Sebastião,
que possuía uma beleza frágil e feminina; perdeu-se nas
brumas de Alcácer Quibir e com ele sumiram tantos e tão
valentes nobres, que a casa de Habsburgo pela mão de
el-rei Filipe logo deitou mão ao nosso reino. E foram pre-
cisos 60 anos e mais quase 30 de guerra para voltarmos
a ser Portugal na paz com Deus e com o mundo.
A beleza só afecta os homens, já de si fracos e vaido-
sos, sempre prontos a mostrar ao mundo tudo aquilo de
que são capazes. Uns pavões emproados, com os seus
leques em arco. Não se lhes pode dar confiança, pois é
certo que se desinteressam. Claro que para ti nada disto
tem mister, não entendo porque arregalas os olhos sem-
pre que te falo deles. Será que a minha desventura des-
perta em ti alguma luxúria? Não te deixes levar pelo que te
conto, Benedita, não te metas em trabalhos, põe cuidado
no que te digo. Vale mais encharcares-te em doces das
nossas cozinhas — reconhecidos em todo o reino como
dos melhores que há, não só do nosso Alentejo, como de
todo o território: queijadas, tortilhas de mel, ovos reais,
queijinhos do céu, lampreias de ovos e outras habilida-
des — do que entregares o corpo aos prazeres da carne.
Come e dorme, reza e canta, e escreve o que te digo. Vale
mais meia dúzia de trouxas-de-ovos ou de papos-de-anjo
do que um beijo de homem que te promete o mundo e
depois desaparece. Contenta-te com o que a vida te dá e
não queiras sonhar com o mundo, ou viverás prisioneira
dentro da tua revolta como uma condenada.
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— Era casado.
— Deixa lá. Acontece a todas. Faz parte. Vêm mais a
seguir. Vêm sempre.
Engraçado, a Mirna disse o mesmo. O mundo está cheio
de gente, talvez tenha chegado o momento de inverter o
funil e começar a viver outra vez.
O Bruno volta da casa de banho. Olha-me de alto a bai-
xo. Olha-me assim desde que me viu, é um sedutor pro-
fissional. O Caio chega com cervejas para todos. Depois o
Bruno paga a terceira rodada e encomendamos uns petis-
cos. Passamos a noite a rir e a conversar como velhos ami-
gos. Gosto deste afecto fácil e solto, tão diferente do nosso.
É tudo sem peso, sem culpa, sem medo de perder. Perder
o quê? Aqui ninguém quer conquistar nada, as pessoas que-
rem curtir numa boa, e se for isso, já foi ótchimo, com um
ligeiro ch aspirado depois do t, como eles dizem.
Olho para o relógio, são 11 e meia. Com o jetlag, para
mim é uma e meia, por isso alego cansaço e informo que
vou para casa.
— Eu levo você, gata — dispara o Bruno, com um sor-
riso que faz lembrar o teclado de um piano. Giro que se
farta, raio do miúdo. E sabe. E sabe que eu sei. Sabes muito,
penso, mas não digo. Ninguém anda aqui a brincar, quando
é para ir a jogo, é a sério. OK, vamos ver até onde te esticas,
menino do Rio.
A Luísa e o Caio dão as mãos e riem-se, cúmplices.
— Moro a três quadras daqui, querida. Vamos a pé para
casa — diz-me a Luísa, piscando-me o olho. Ela está a que-
rer dizer-me vai com ele, aproveita, não sejas parva.
— Você mora longe? — pergunta o Bruno.
— Não, estou em São Conrado, mesmo no início.
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ieste mais cedo hoje, Maria Benedita. Ainda bem,
pois tenho em meu discernimento que te contarei
mais sobre as minhas aventuras com Noël do que jamais
o fiz com outro ser terreno, já que ao Divino nada preciso
de relatar, pois em Sua Omnisciência, tudo sabe do que
se passa em nossas vidas e nossas almas.
Quero que registes todas as minhas palavras e os
meus pensamentos, pois o que tenho para contar pode
ajudar muitas mulheres no mundo a entender melhor o
seu próprio sofrimento, e, como tal, é minha obrigação
deixar-lhes este legado.
O amor nasce na tua imaginação. Este é o lugar onde
se semeiam os ideais amorosos que atravessam a tua
alma e a tua vida até ao fim dos teus dias, ainda que a
má sorte te conduza a que deles sejas vítima. O meu era
o de um cavaleiro loiro, montado no seu cavalo branco,
brilhando em sua armadura de prata, atravessando a pla-
nície à hora do poente rubro. Amas uma ideia, um sonho
que te alimenta a vida. Amas todos os dias o futuro que
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ias voltar, Pedro, era impossível negar isto, por ser tão sério,
tão profundo, tão perfeito, tão tudo.
Passa mais de uma hora até terminarmos, exaustos, en-
charcados, o teu cabelo desalinhado, o meu num caos. A
minha pele a brilhar, a tua respiração ofegante, e ainda bei-
jos e abraços, muitos beijos como se fossem esgotar, até à
recta final. E depois desacelerar, o coração aos pulos, vejo-o
a bater no peito, como se fosse saltar. Agarro na tua mão
para o acalmar e ficamos quietos, entrelaçados, as pernas
presas umas nas outras, a tua cara encostada na almofada
do meu lado e a minha mão a afagar-te o cabelo. Quero per-
guntar-te se recebeste o meu presente de anos, se gostaste,
porque demoraste tanto tempo a voltar, mas de repente
os teus olhos perdem expressão, transformam-se em duas
bolas de vidro. Quando pergunto como estão os miúdos,
respondes evasivamente: Estão bem, agora acabou o frio
e por isso já não se constipam. Não queres falar deles, não
queres falar de nada. Só queres prolongar um pouco mais
o êxtase, o prazer, a bolha. Morri de saudades, dizes com
um ar triste. Eu também, mas agora estamos aqui, querido.
Aproveita e saboreia, está cá tudo e é tão bom…
Não me respondes. O teu olhar já está a afastar-se. Ainda
sinto o teu corpo ligado ao meu, mas já me escapas a cada se-
gundo que passa. Dez minutos depois saímos de casa. Guias
pela cidade, o olhar cada vez mais vago, de mão dada comigo,
em silêncio. Deixas-me na porta do Jockey para ir buscar o
meu carro. Dás-me um beijo imenso, fazes-me uma festa na
cara, dizes com um sorriso largo e feliz, até já.
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— Quem é o Dramático?
— É aquele meu ex que ficou todo lixado quando me
casei com o Sérgio. O encenador.
— Sim, prefiro ficar em casa de uma mulher. Posso pe-
dir para ficar em casa de uma amiga nova, um actriz querida
que conheci, a Mirna.
— Então fala com ela e vai — diz a Inês. — Quanto
mais longe, melhor. Um lugar onde esse teu ex não te apa-
nhe. Londres ou Paris estão muito perto. O ideal era Kuala
Lumpur. Quanto mais longe, melhor.
— Mas vai sem pensar quando voltas. É a melhor ma-
neira de ir. Para ficar. E quando tiveres o livro pronto e o
coração curado, voltas e publicamos isso. Tens de trabalhar
no livro, por amor de Deus!
— Claro que sim. Aqui é que não posso ficar. O dia de
hoje foi a gota de água.
— É o fim de um ciclo — conclui a Laura.
— E o início de outro — acrescento, tentando conven-
cer-me de que é o melhor para mim.
— Isso mesmo. Atira-te à vida, miúda, já passaste por
pior — diz a Patrícia.
— Por muito pior. E estás aqui, inteira. Por isso põe-te a
andar, mulher — remata a Inês.
O empregado aproxima-se da mesa e expulsa educada-
mente a Laura, que se levanta e vai fumar para a rua com
a Inês. A Patrícia pega-me na mão. Começo a chorar. Não
chorei há dois dias, quando soube da notícia, nem hoje no
enterro, em algum momento a tristeza iria explodir.
— Tens de deixar de atrair esses homens inseguros, ou
dependentes, ou jogadores, querida. O teu coração está
cansado. E mereces melhor.
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— E há outros?
— Claro que há. Se a Inês e eu encontrámos, tu tam-
bém vais encontrar. Mas o segredo é não procurar. E sobre-
tudo não dar corda aos gajos errados. Como esse.
— Eu sei. Só não me posso esquecer. Senão ainda me
espeto outra vez.
— Não podes. Nem agora nem nunca. Chega. Esse tipo
foi desastroso. Não podes cair numa destas outra vez, per-
cebes, querida?
— Percebo. Não fales comigo como se eu tivesse quinze
anos.
— Falo, porque às vezes tens. Nunca te casaste nem
tens filhos, há uma parte da vida que não conheces, porque
nunca a viveste. Tens uma visão demasiado romântica do
amor. Criaste um mito de perfeição com esse homem, mas
a perfeição não existe. Larga isso, Açúcar. Deixa cair. Atira
a toalha ao chão. Não vai dar. Não deu até agora, a tua vida
é outra. Aproveita a liberdade e vai-te embora o mais de-
pressa possível.
— Já fui uma vez e quando voltei ainda foi pior…
— Mas agora vais conseguir, porque agora não sabes
quando voltas. Tens de ir com isso na cabeça, sem pensar no
regresso. Deixar a vida fluir, decidir por ti. Ficar é morrer.
Não és a Mariana Alcoforado, usa tudo o que estás a sentir
para o teu livro. Vais ajudar outras mulheres que passaram
pelo mesmo. Tu és forte, querida. És livre porque podes
ser livre. Aproveita. Ficas lá até te sentires forte. E quando
voltares, cá estamos para te receber.
A Laura e a Inês regressam e pedimos a conta. Sinto-
-me sem forças, quero ir para casa, mas hoje não quero ficar
sozinha.
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— E teve a criança?
— Sim. Uma menina, linda. Queria muito ser mãe.
Quando a garota nasceu, não tinha condição para cuidar dela.
— E o que é que fez?
— Pedi ajuda à minha mãe e ela veio buscá-la e criou-a
como filha.
Em uma semana o meu pai morre, decido ir para o Brasil
e descubro que tenho uma meia-irmã. Se ela me diz que a
minha meia-irmã vive no Rio, corto os pulsos. A Patrícia
acertou. Mais uma vez. Acerta sempre. Sibila encartada. É
das que nunca falham.
— Você gostaria de conhecer ela? — pergunta-me a
Josiane, impávida, com um sorriso plástico.
— Não sei… acho que sim.
— Ela usa o mesmo sobrenome, vocês aqui chamam
apelido. Jaqueline Mendonça. Se procurar no Face, você
vai achar.
Senhoras e senhores, bem-vindos ao admirável mundo
novo, com toda e qualquer informação à distância de um
clic. Em dois minutos fico a saber que tenho uma irmã e
que a posso encontrar no Facebook. Até lhe posso pedir
amizade, sei lá. Envio um inbox a dizer: Olá, como vai?
Sou a sua irmã portuguesa, me adicione por favor. Isto está
bonito. O Pedro Almodóvar ia adorar este enredo de novela
das seis. Foda-se, o que mais me irá acontecer? O Brasil a
cruzar-se com o meu futuro, com a minha vida profissional
e agora com a minha vida pessoal, e tudo ao mesmo tem-
po. Respiro fundo e tento articular um discurso racional e
convincente.
— Bem, Josiane, agradeço a sua simpatia em me passar
esta informação, mas tenho de digerir o que me contou.
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m criança, talvez por ter lido romances de cavalaria,
como Tristão e Isolda, dei em cismar que no amor
iria encontrar respostas para tudo e nele descobrir o sen-
tido para a minha existência. E esse terá sido porventura
o meu erro primordial. Para a Igreja, esta ilusão de que
sabemos mais do que os outros chama-se soberba. Uma
alma acreditar que sabe mais, que sente melhor, que é
maior do que as outras, só porque ama, quando na ver-
dade o amor é uma calamidade. Quantas guerras foram
provocadas por histórias de amor? E quanto sangue foi
derramado em causa alheia por histórias de amor mal
resolvidas? Uma só paixão já arruinou muitos reinos. A
paixão é um veneno que cega e dá cabo dos homens. Mas
nem é de paixão que te quero falar, é de amor. Juntos, são
o Céu e o Inferno; há por isso que aprender a separá-los.
O senhor meu pai possui uma vasta biblioteca, que foi
enriquecida com livros raros oferecidos por um senhor
seu tio. Esses livros, entre eles muitos franceses, ficaram
amontoados no sótão, onde cresci a lê-los. Eram livros
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— Eu sei. É terrível.
Conto-lhe o que se passou, a última vez que te vi, como
me senti depois e depois e depois, até perceber que não ias
voltar. E a nossa conversa por telefone.
— Eu tenho uma solução para isso, querida.
— Então chuta.
— Você sabe que eu também escrevo livros para crian-
ças, certo?
— Sei.
— Então vamos inventar um super-herói baseado nesse
seu Pedro. É um cara que quer voar, mas tem medo de te
amar. Ou não sabe, ou não usa o coração para você. Homem
que tem medo, o que é?
— Sei lá. É egoísta? É um fraco?
— Isso. Tá chegando lá. Fraquinho.
— Tadinho — respondo sem pensar.
— Pensa o seguinte: você tem de se ligar nas pessoas
e nas coisas que te fazem feliz e leve, por isso veio para o
Brasil, certo?
— Certo.
— Esse homem te ama? Te deseja? Até pode ser que
sim. Mas ele te dá o que você precisa e merece? Ele te
satisfaz e te faz feliz?
— Não. Pelo contrário.
— Isso é o que mais importa, Alicinha, o nosso bem-
-estar. Por muito louca que seja a viagem, entende? Ele
pode ter muita química contigo, pode ser gostoso, pode
ser um príncipe. Até pode ser um bom homem. Mas não
tem nada que ver contigo nem com a frequência da energia
que te faz feliz de verdade. Não tem maturidade para uma
mulher como você, que voa alto, ele não te apanha. Ele
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A resposta é rápida.
Olá, querida, bem-vinda. Tou com saudade. Queria muito
te ver .
Quando?
Agora.
E a seguir manda aquele boneco de cabeça tapada que
quer sempre dizer malandrice e que eu nunca consigo en-
contrar no meio de tantos ícones. Respondo sem pensar,
porque se pensar, a resposta vai ser outra.
De repente, até que pode rolar
Você quer vir ter comigo agora?
Como agora?
Estou em casa, sozinho, pensando em você. Vem…
Ele nem deve acreditar que posso mesmo ir, mas arrisca
e atira o barro à parede; manda a morada, no Bairro das
Laranjeiras, onde mora o Gustavo.
Respiro fundo. O corpo acorda. Antes de te rever, esti-
ve meses sem ninguém e depois foi o que se sabe. Já passou
um mês. Tenho de acabar com o luto, já vou na segunda vol-
ta, na segunda viagem, isto está a dar-me demasiado traba-
lho. Milhões de células agitam-se em festa dentro de mim.
Então me aguarde. Vou pegar um táxi e vou-te ver, sim
Vem, querida, que eu vou-te fazer muito feliz, responde
o Bruno.
Ainda me lembro dos beijos que me deu. Maravilhosos.
E das mãos em volta da minha cintura, a puxar-me para ele.
Do momento em que podia ter dito que sim e disse não.
E do último beijo no carro com um sorriso de predador que
não engana ninguém.
Lavo os dentes, escovo o cabelo, retoco a cara com uma
maquilhagem leve, pego em três notas de 50 reais e saio de
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V
ens aqui há quatro dias e só agora me apercebo de
que não te confidenciei o que diziam as famosas
cartas que levaram o meu desgosto aos quatro cantos do
mundo. Na verdade, cuidei que nunca mais as leria, pois
delas não fiz cópias, e tive o cuidado de enviar de volta
todas as que recebera de Noël, excepto as duas últimas,
bem como os presentes que me ofereceu juntamente com
o envio da minha última missiva, que em muito difere das
anteriores. Os objectos possuem um valor mágico, po-
dem prender-te como um laço que não consegues desfa-
zer, achei por bem de tudo me libertar, renegando assim
aquele que tanto amara.
Quis o destino, cruel e castigador, que as palavras
que me ajudaram a lavar a alma nas cinco cartas que lhe
escrevi retornassem a mim, impressas em livros, primeiro
em francês, depois em outras línguas. Não tenho pala-
vras para te explicar o susto que dá ver as tuas palavras
mais íntimas nas mãos do mundo, à mercê do julga-
mento alheio, ainda que ninguém saiba quem é a freira
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Você devia viver aqui, diz-me o Márcio cada vez que nos
encontramos para beber uma água de coco na praia, junto
ao Forte, no final de Copacabana, que fica perto da casa
dele. Esta cidade cura as pessoas. A Mirna concorda com
ele. E a Jaque também diz o mesmo. Cada dia me sinto
melhor: mais forte, mais equilibrada, mais acompanhada,
mais feliz.
Os dias voam porque são cheios, tão diferentes dos meus
de Lisboa, apenas povoados por idas a casa da Laura e pou-
co mais. De vez em quando o Rodrigo aparece no Facebook
a perguntar como estão a correr as coisas. Que simpático.
Deve ser bom tipo. De Portugal chegam diariamente várias
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— É. Pergunta se já jantei.
— Esse cara é muito louco, meu Deus — diz a Mirna.
— Olhe, querida, para um louco, só mesmo uma resposta
de louco. Fale que está no Stuzzi. Ele não faz a menor ideia
onde é, por isso é igual o que você disser.
Estou no Stuzzi a jantar com a minha irmã e uma amiga.
Mas afinal o que se passa?
Nada, Açúcar.
Até já.
O sangue começa a gelar-me nas veias. Nem consigo fa-
lar. Mostro a mensagem às duas. As sobrancelhas da Mirna
arqueiam-se até ao infinito. A Jaqueline está de boca aberta,
como se tivesse acabado de engolir uma bola de golfe.
— Até já??? Ele está no Rio, querida. Ele pegou o avião e
veio ter com você — diz finalmente a minha irmã.
— Não pode ser! Ele nem sequer sabia quando é que eu
voltava para Portugal…
— Tem a certeza? Você não publicou no Facebook que
iria passar o seu aniversário aqui, no Rio?
— Sim, mas fiz com acesso restrito, só para os amigos
mais próximos. Ele não está nessa lista.
— Mas encontrou uma forma de descobrir. Vamos
pedir esse jantar ou não? — diz a Mirna, chamando o em-
pregado com o braço no ar.
Peço uma salada qualquer, de repente fiquei sem fome.
O meu estômago está cheio de borboletas a voar em todas
as direcções.
— Vamos beber um vinho? — sugere a Jaque. — Estou
sentindo muita tensão no ar. Querida, tenta relaxar. O cara
não vai te aparecer do nada, ele não é o David Copperfield,
pois não?
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