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Por amar-te tanto

Que culpa terei eu de amar-te assim?


Que culpa terás tu de o não saberes?
Quem adivinha o que se passa em mim?
Como hei-de adivinhar o que tu queres?

Oh! Corações secretos de mulheres.


Oh! Minhas ilusões, mágoas sem fim!
Porque hei-de ter só mágoas, não prazeres,
Por tanto te querer, doce jasmim?

Tudo que sob a luz do sol existe,


Alegre é num momento e noutro triste
Só eu herdei apenas dor e pranto...
O mais humilde verme que rasteja,
Um outro tem que o ama, afaga e beija
- E eu nada tenho, por amar-te tanto...

Rui de Noronha

Amor

Amor é fogo que arde sem se ver;


É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente:
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer,


É um andar solitário por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder,

É querer estar preso por vontade;


É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade:

Mas como causar pode seu favor


Nos corações humanos amizade;
Se tão contrário a si é o amor?

Luís de Camões
Aqui tass

( ... )
Tipo as Lundas ancoraram
Camangas não estão a morar
Petróleo não estão a faltar
Mas sei que em Cabinda manda
Ineré baza bazando
Água mesmo só comprando
Muita fome a dar no osso
Gente desligado a grosso

Meu irmão se estás a sofrer não treme


É mesmo verdade você sabe que aqui vive-se pá ché

Com nossa guerra, com probulema


Tamos se entender mesmo assim
Com nossa fome falta de sumo
Tamos a engordar mesmo assim
Com bwé de sol, com bwé de lixo
Tamos bonitos mesmo assim
Com Teresinha nossa sobrinha
Tamos se quê mesmo assim
Bwé de Kazukuta nas veias
Tamos a subir mesmo assim
Vender terreno do vizinho wé
Tamos enriquecer mesmo assim
Com nossa roupa amarrotada
Tamos a viajar mesmo assim
( ... )

Aqui mbora estamos bem!!!

Dog Murras
Precocemente na vida

A minha idade
Conta-se pelos dedos das mãos
E mais dois

De bonecas
Ouvi falar um dia
Hoje
De pouco ou nada servirão.

Os grandes.
Apressaram-se em encurtar
A minha infância,

Agora,
Levo a vida Deambulando pejas ruas
Com outras meninas,
Da minha idade

De dia violento o meu corpo


Com a brisa do mar.
Contra as árvores
Escondida num canto
Onde ninguém me descubra.

À noite
Sou forçada a lembrar-me
Que o amanhã existe,
Tenho fome.
Que a minha família
Desapareceu ou morreu
Não sei bem.

E então...
Deixo-me violentar pelo apetite
Dos grandes
Aqueles que nos procuram
Na calada da noite
E preferem bonecas
Com a minha idade.
Ana M. de Oliveira
Monangamba

Naquela roça grande não tem chuva


é o suor do meu rosto que rega as plantações:

Naquela roca grande tem café maduro e aquele verrnelho-cereja


são gotas do meu sangue feitas seiva

o café vai ser torrado


pisado, torturado,
vai ficar negro, negro da cor do contratado.

Negro da cor do contratado!

Perguntem às aves que cantam,


aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:

Quem se levanta cedo? quem vai à tonga?


Quem traz pela estrada longa
A tipóia ou o cacho de dendém?
capina e em paga recebe desdém?
fuba podre, peixe podre, .
panos ruins, cinquenta angolares
“porrada se refilares”? .

Quem?

Quem faz o milho crescer


e os laranjais florescer
- Quem?

Quem dá dinheiro para o patrão comprar máquinas, carros, senhoras


e cabeças de pretos para os motores?

Quem faz o branco prosperar,


ter barriga grande - ter dinheiro?
- Quem?

E as aves que cantam,


os regatos de alegre serpentear
o forte do sertão responderão:

- “Monangambééé…”

Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras

Deixem-me beber maruvo, maruvo


E esquecer diluído nas minhas bebedeiras.

- “Monangambéé…”

António Jacinto

Carta dum contratado

Eu queria escrever-te uma carta


amor,
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio
de te perder
deste mais que bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue…

Eu queria escrever-te uma carta


amor,
uma carta de confidências íntimas,
uma carta de lembranças de ti,
de ti
dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como dilôa
dos teus olhos doces como macongue
dos teus seios duros como maboque
do teu andar de onça
e dos teus carinhos
que maiores não encontrei por ai…

Eu queria escrever-te uma carta


amor,
que recordasse nossos dias na capôpa
nossas noites perdidas no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
da nossa paixão
e a amargura da nossa separação…

Eu queria escrever-te uma carta


amor,
que a não lesses sem suspirar
que a escondesses de papai Bombo
que a sonegasses a mamãe Kiesa
que a relesses sem a frieza
do esquecimento
uma carta que em todo kilombo
outra a ela não teria merecimento…

Eu queria escrever-te uma carta


amor,
uma carta que ta levasse o vento que se passa
uma carta que os cajus e cafeeiros
que as hienas e palancas
que os jacarés e bagres
pudessem entender
para que se o vento a perdesse no caminho
os bichos e as plantas
compadecidos de nosso pungente sofrer
de canto em canto
de lamento em lamento
de farfalhar em farfalhar
te levassem puras e quentes
as palavras ardentes
as palavras magoadas da minha carta
que eu queria escrever-te, amor…

Eu queria escrever-te uma carta…

Mas, ah, meu amor, eu não sei compreender


por que é, por que é, por que é, meu bem
que tu não sabes ler
e eu – oh! Desespero – não sei escrever também!

António Jacinto

Dois anos de distância


Saudades – dizes na carta de ontem
quando nos veremos
breve ou tarde?
Diz amor!

Nos silêncios e
estão as conversas que não tivemos
os beijos não trocados
e as palavras que não dissemos
nas cartas censuradas

Contra o dilema de hoje


viver submisso ou perseguido
são os nossos dias de sacrifício
e audácia
pelo direito
de viver pensando viver agindo
livremente humanamente

Entre o sonho e o desejo


quando nos veremos
tarde ou cedo?
diz amor!
cresce com mais justiça ainda
a ânsia de sermos
com os nossos povos
hoje sempre e cada vez mais
livres livres livres
António Jacinto

Adeus à hora da largada


Minha Mãe
(todas as mães negras
cujos filhos partiram)
tu me ensinaste a esperar
como esperaste nas horas difíceis

Mas a vida
matou em mim essa mística esperança

Eu já não espero
sou aquele por quem se espera

Sou eu minha Mãe


a esperança somos nós
os teus filhos
partidos para uma fé que alimenta a vida

Hoje
somos as crianças nuas das sanzalas do mato
os garotos sem escola a jogar a bola de trapos
nos areais ao meio-dia
somos nós mesmos
os contratados a queimar vidas nos cafezais
os homens negros ignorantes
que devem respeitar o homem branco
e temer o rico
somos os teus filhos
dos bairros de pretos
além aonde não chega a luz eléctrica
os homens bêbedos a cair
abandonados ao ritmo dum batuque de morte teus filhos
com fome
com sede
com vergonha de te chamarmos Mãe com medo de atravessar as ruas
com medo dos homens
nós mesmos

Amanhã
entoaremos hinos à liberdade
quando comemorarmos
a data da abolição desta escravatura

Nós vamos em busca de luz


os teus filhos Mãe
(todas as mães negras
cujos filhos partiram)
vão em busca de vida

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