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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA – UESB

JOÃO HENRIQUE SILVA PINTO

VITÓRIA DA CONQUISTA – BA
2021
JOÃO HENRIQUE SILVA PINTO

Texto apresentado à disciplina Psicologia Geral, do


Curso de Licenciatura Plena em Filosofia, da
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB),
como requisito total para a avaliação da I Unidade.

Orientadora: Profa. Me. Brenda Luara dos Santos de


Souza

VITÓRIA DA CONQUISTA – BA
2021
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I. INTRODUÇÃO

Com a publicação do Discurso sobre o Método, de autoria do filósofo racionalista


francês, René Descartes, inicia-se, assim, tradicionalmente, a era a qual é conhecida como
Filosofia Moderna. As contribuições de Descartes e de diversos outros filósofos modernos
pavimentaram o caminho que levou definitivamente à bifurcação entre Filosofia e Ciências,
opondo, consequentemente, duas formas de apreender a realidade. Credita-se a essa bifurcação
a consolidação das Ciências Naturais, com método científico próprio, que, posteriormente, seria
transladado para as Ciências Humanas e Sociais, cujo desenvolvimento se desenrolaria
significativamente ao longo do século XIX. Na esteira das Ciências Humanas e Sociais que
buscavam autonomia em relação à Filosofia, encontrava-se a Psicologia.
Neste pequeno texto, almeja-se apresentar algumas reflexões sobre a constituição da
Psicologia enquanto ciência, com método próprio, e analisar as idiossincrasias pertinentes a
essa constituição. Tendo isso em mente, optou-se por trabalhar com a pesquisa bibliográfica,
de caráter analítico, a fim de abordar o tema proposto.
Estruturalmente, este texto se divide em três seções, a contar com esta seção
introdutória. Na segunda seção, apresentam-se brevemente o momento histórico da constituição
da Psicologia enquanto ciência e as particularidades dessa ciência e de seu método de estudo.
A última seção foi reservada para delinear algumas considerações finais.
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II. DESENVOLVIMENTO

Ao analisar a história da Psicologia, Rosie Spielman (2017) afirma que essa disciplina
é relativamente jovem, se comparada à Fisiologia, por exemplo. Ainda de acordo com a autora,
qualquer abordagem da mente humana realizada antes do século XIX estava englobada nas
abordagens filosóficas. Ela cita, então, Wilhelm Wundt e William James como os fundadores
da Psicologia como uma ciência distinta, isto é, distinta da Filosofia, e também como uma
disciplina acadêmica.
Wundt e James fundam a Psicologia sob diferentes paradigmas. Ainda seguindo a
análise de Spielman (2017), Wundt compreende a Psicologia como “o estudo científico da
experiência consciente” (p. 8), objetivando “identificar os componentes da consciência e como
eles se combinam para resultar na experiência consciente” (p. 8). A abordagem de Wundt utiliza
a introspecção ou percepção interna para “examinar a própria consciência tão objetivamente
quanto fosse possível” (p. 8). Tal abordagem, argumenta a autora, permite que Wundt conceba
a mente humana como qualquer outro aspecto da natureza, isto é, que pode ser observado pelos
cientistas. Além disso, Wundt está interessado em revelar as estruturas e as características da
mente, o que faz com sua abordagem seja conhecida como estruturalismo. Ainda que buscasse
a objetividade a qualquer custo, Wundt acabou caindo no subjetivismo, com seu processo da
introspecção.
Segundo Spielman (2017), James enveredou por outros caminhos na tentativa de
posicionar a Psicologia como ciência e disciplina acadêmica. A sua perspectiva é fortemente
influenciada pela teoria da evolução de Darwin, principalmente com o conceito de adaptação,
que “significa que uma característica de um organismo tem uma função para a sobrevivência e
a reprodução do indivíduo porque foi selecionada naturalmente” (p. 9). Então, para James,
“estudar a função do comportamento no mundo” (p. 9) era o grande objetivo da Psicologia.
Assim, sua abordagem ficou conhecida como funcionalismo, cujo primeiro objetivo era
“estudar como as atividades mentais ajudaram um organismo a se adaptar ao ambiente” (p. 9).
Ainda de acordo com a autora, o funcionalismo ainda tinha um segundo objetivo arguto, que
era o interesse maior “na operação da mente inteira do que nas suas partes, que era o foco do
estruturalismo” (p. 9). Assim como Wundt, James também reconhecia a importância da
introspecção para compreender as atividades da mente humana. No entanto, ele defendia que
outras medidas mais objetivas também pudessem ser utilizadas para o estudo da mente.
As duas abordagens brevemente apresentadas acima demonstram os dois passos iniciais
dado pela Psicologia na grande caminhada de se tornar uma ciência autônoma e também uma
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disciplina acadêmica. Ao longo deste caminho, a Psicologia encontrará diversos obstáculos que
a fará refletir sobre seu próprio método científico e também sobre seu objeto de estudo. Como
qualquer ciência que almejava seu status de autonomia, a Psicologia recorreu ao método das
Ciências Naturais, o qual postulava a existência e a separação completa de um sujeito
(observador) e de um objeto (observável). Do mesmo modo que as Ciências Humanas e Sociais,
o objeto da Psicologia é o próprio ser humano e o método das Ciências Naturais não abarca as
especificidades, particularidades e contradições desse ser. Nos parágrafos seguintes, far-se-á
uma brevíssima análise desses problemas.
Maria da Graça Marchina Gonçalves (2015a) assevera que o momento de constituição
da disciplina científica Psicologia é o mesmo em que o homem ainda está se afirmando como
sujeito. Naquelas condições de profundas transformações econômicas, políticas e sociais, está
sendo construída a própria noção de subjetividade, principalmente com os filósofos
contemporâneos pós-hegelianos, que recusam a proposição do espírito absoluto e passam a
conceber o homem a partir de suas especificidades singulares. Para Gonçalves (2015a), aquele
momento também encerrava uma série de contradições, uma vez que havia, de um lado, a
proposição do individual, racional e natural, e, por outro, o social, ativo e histórico.
Dessa forma, a Psicologia também não poderia apreender seu objeto a partir de um ponto
de vista puramente sincrônico e estático. Por essa razão, a autora defende que a Psicologia
empreenda uma abordagem materialista e histórica do homem, a fim de compreendê-lo dentro
da história, pois “a história é a produção da ação do homem” (p. 48). Portanto, sua
epistemologia e sua metodologia precisam amparar-se no princípio dialético da contradição,
concebendo o sujeito e o objeto a partir da perspectiva materialista. Ainda segundo a autora,
essa é a saída para que aconteça a superação da dicotomia da relação entre sujeito-objeto, bem
como entender de forma mais abrangente essa relação.
Essa nova abordagem da Psicologia permite que a disciplina se aproxime de seu objeto
de estudo observando as contradições engendradas pela própria história e as condições sociais.
No entanto, a concepção de homem não pode ser pautada apenas por constrangimentos
históricos e sociais. Para elencar a problemática que o debate da modernidade versus pós-
modernidade provoca, Goncalves (2015b) pontua que o conceito de subjetividade na pós-
modernidade também terá implicações significativas para a Psicologia. Segundo a autora, é
preciso compreender o conceito de sujeito da modernidade e da pós-modernidade para entender
a sua importância para a Psicologia.
Escreve Gonçalves (2015b) que o sujeito da modernidade se baseia na produção
fordista, voltado para o trabalho. Logo, as teorias da Psicologia construídas davam conta das
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especificidades daquele sujeito. Entretanto, o sujeito pós-moderno, ressalta a autora, carece de


teorias que respeitem suas idiossincrasias, pois este já não é mais formado para o trabalho,
porque o trabalho também se modificou, sublinhando seu caráter tecnológico. Tal caráter,
destaca a autora, “implica um desemprego estrutural, implica exclusão, o sujeito deve estar apto
a trabalhar em várias coisas, deve ter conhecimentos gerais, deve ser generalista” (2015b, p.
85). Ainda de acordo com Gonçalves (2015b), o sujeito da modernidade é o sujeito do trabalho;
o sujeito da pós-modernidade é o sujeito do símbolo, isto é, forjado pelo símbolo, que tem valor.
Nessa perspectiva, com a mudança da concepção de subjetividade, modificam também
os enfoques da Psicologia, isto é, essa ciência também começa a aperceber o homem nas novas
realidades engendradas como produto das mudanças em diversos aspectos da vida humana.
Assim, a Psicologia pode colocar uma lente aumentativa e debruçar seu arcabouço teórico-
metodológico sobre questões macro, a exemplo das instituições sociais. Jacyara C. Rachael
Nasciutti (1996) afirma que a psicossociologia tem particular interesse nas instituições sociais
por razões diversas.
Nasciutti (1996) pontua que as instituições possuem uma significativa importância para
a sociedade, porque elas já apresentam previamente um papel a ser desempenhado. Essas
instituições também apresentam as regras e as exigências com as quais os indivíduos devem
conviver. Paralelamente a isso, assevera a autora que as instituições são os lugares onde os seres
humanos querem ser reconhecidos singularmente. Portanto, a instituição, como lócus
privilegiado da Psicologia, se torna relevante porque é “o espaço socialmente organizado no
qual se dão as articulações entre os elementos sociais [...] e os elementos psicológicos” (p. 83).
Essa tentativa de entender o funcionamento da mente humana a partir de um horizonte
mais amplo só corrobora a complexidade do sujeito-objeto da Psicologia. Tal complexidade
também se repete nas demais Ciências Humanas e Sociais, com as particularidades próprias de
cada disciplina. Assim, a Psicologia amplia seu referencial teórico-metodológico com o intuito
de abarcar o homem e suas contradições da existência que vai se desabrochando. No entanto, a
curvatura forçosa da Psicologia ao método científico das Ciências Naturais fez com que a
Psicologia Clínica passasse a padronizar os indivíduos de acordo com aquilo que era
medianamente aceitável nos testes.
Sobre essa questão, Alfredo Naffah Neto (1984) discute que até a década 1960 a
Psicologia Clínica se resumia a aplicação, análise e interpretação de testes (psicometria). No
entanto, esses testes apenas padronizavam os indivíduos de acordo com o que era padrão,
relevando os desvios. Essa padronização e o uso de estatística, segundo o autor, eram um
atestado de cientificidade da Psicologia. Todavia, não havia uma dimensão crítica da utilização
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desses testes. Se se considerar o ser humano, com todos os aspectos de sua existência, cada um
possui sua dimensão da singularidade e da unicidade. Logo, tenta adequar e enformar os
indivíduos nas réguas previamente estabelecidas se configura como ato violento frente a
existência individual e coletiva. Como forma de superação, a Psicologia busca na Psicanálise
uma forma de entender o homem para além da dimensão histórica e material, entrando também
em cena as questões do inconsciente.
A história da Psicologia é marcada por diversas reflexões sobre seu próprio objeto de
estudo, que vem a ser o próprio homem. As condições históricas e materiais de uma
determinada época possibilitam a construção de novos sentidos, significados e ressignificados
para os conceitos utilizados. Quando essas condições mudam, os conceitos também precisam
ser (re)adaptados às novas realidades que despontam no horizonte. Por o homem ser um ser
singular e único, sujeito e produtor da história, existente, qualquer disciplina que o tem como
objeto enfrentará as dificuldades relacionado ao método científico para aperceber seu objeto, e
tais dificuldades mostram como o próprio pensamento humano move e emprega os conceitos a
fim de explicar a realidade e seus componentes. Assim, por um momento, parece que as
Ciências, de modo geral, ainda compartilham com a Filosofia o caráter dialético de movimento
dos conceitos, com a diferença única de que as Ciências ainda têm compromissos consigo
mesmas; a Filosofia, bem, a Filosofia...
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III. CONCLUSÃO

Neste texto, abordou-se brevemente algumas questões pertinentes a alguns problemas


enfrentados pela Psicologia ao longo de sua história. Esses problemas estão relacionados com
o método científico empregado pela Psicologia, seu sujeito-objeto e as mudanças das condições
sociais, econômicas e históricas que modificam os conceitos empregados por essa ciência, por
exemplo, subjetividade, homem, entre outros. Assim, conclui-se que a Psicologia, assim como
as demais Ciências Humanas e Sociais, dispõe de particularidades específicas porque seu objeto
de estudo é o próprio homem desabrochando na sua existência. O movimento científico dentro
da disciplina tenta a todo custo modificar os conceitos e os métodos para conseguir abordar e
abarcar seu sujeito-objeto, pois a Psicologia precisa explicar o homem moderno e o pós-
moderno, que estão em condições sumariamente diferentes.
Com o percurso delineado neste trabalho, cumpre-se os objetivos propostos de
apresentar breves reflexos sobre a constituição histórica da Psicologia e também a análise das
particularidades dessa disciplina. Esse tema é de suma relevância porque permite a reflexão do
processo histórico de constituição de uma disciplina, o que pode fomentar debates e discussões
mais profícuas tanto na Psicologia quanto na Filosofia, Filosofia da Ciência e na Sociologia da
Ciência.
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REFERÊNCIAS

GONÇALVES, M. G. M. A Psicologia como ciência do sujeito e da subjetividade: o debate


pós-moderno. In: BOCK, A. M. B.; GONÇALVES, M. G. M.; FURTADO, O. Psicologia
sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez, 2015b.

GONÇALVES, M. G. M. A Psicologia como ciência do sujeito e da subjetividade: a


historicidade como noção básica. In: BOCK, A. M. B.; GONÇALVES, M. G. M.;
FURTADO, O. Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo:
Cortez, 2015a.

NAFFAH NETO, A. O psicólogo clínico. In: LANE, S. T. M.; CODO, W. (orgs.). Psicologia
social: o homem em movimento. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.

NASCIUTI, J. C. R. A instituição como via de acesso à comunidade. In: CAMPOS, R. H. F.


(org.). Psicologia social comunitária. Petrópolis: Vozes, 1996.

SPIELMAN, R. M. Psychology. Houston: OpenStax/Rice University, 2017.

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