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Automedicação responsável e os
medicamentos isentos de prescrição
Introdução
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Farmacoterapêutica Ano XXIV - Números 01 e 02 ‑ Jan‑Jun/2020
Artigo Principal
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Benefícios
• Ajuda a prevenir e a tratar sinais, sintomas e doenças que não exigem intervenção médica;
• Reduz a demanda por serviços de saúde, o que é especialmente importante onde estes estão
indisponíveis ou insuficientes;
• É opção de cuidado à saúde em áreas rurais ou remotas;
• Ajuda os pacientes a melhorar o controle sobre doenças crônicas;
• Melhora o bem-estar e a produtividade das pessoas;
• Beneficia economicamente o empregador;
• Economiza tempo e recursos das pessoas nos cuidados de saúde.
Problemas
• Muitas pessoas usam analgésicos por longo prazo para tratar cefaleia, por exemplo, sem sa-
ber a causa e sem buscar orientação de um médico;
• O paracetamol pode causar graves danos hepáticos quando usado em doses elevadas, por
longo prazo, ou associado ao consumo de bebida alcoólica;
• Surgimento de resistência microbiana, particularmente em países em desenvolvimento, onde
os antimicrobianos são frequentemente usados sem prescrição;
• Seu uso irracional aumenta o risco de reações adversas, pode desenvolver resistência micro-
biana, além de hipersensibilidade, sinais/sintomas de abstinência e mascaramento temporá-
rio de doença, protelando o adequado diagnóstico.
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Quadro 2. Informações que devem acompanhar os medicamentos isentos de prescrição para pro-
mover o uso apropriado
Regulação dos MIPs no Brasil mativa (IN) n° 11, que instituiu a lista de medi-
camentos isentos de prescrição - LMIP. A lista
O enquadramento de um medicamento apresenta os grupos terapêuticos e respectivas
como isento de prescrição está previsto na Re- indicações terapêuticas que se enquadram na
solução da Diretoria Colegiada (RDC) no 98/2016, definição de MIP12.
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (An-
Há algumas questões relativas ao en-
visa)10. A avaliação do enquadramento de um
quadramento de medicamentos como MIP,
MIP é feita com base na documentação sub-
pelo órgão regulador, que merecem consi-
metida pelo detentor do registro, a qual deve
deração, especialmente, o princípio de que
comprovar os critérios estabelecidos na referi-
nenhum medicamento é absolutamente se-
da norma. As principais características de um
guro e o fato de que, na maioria dos casos,
MIP são 10,11:
a automedicação ocorre sem supervisão de
• Ser indicado para o tratamento de doen- profissional habilitado. Somado a isso, em
ças não graves e com evolução inexisten- certa medida, são pouco conhecidas as inte-
te ou muito lenta; rações e as consequências do uso dos MIPs
• Desencadear reações adversas com cau- em situações especiais como gravidez, lacta-
salidades conhecidas, baixo potencial de ção, pediatria e geriatria, condução veicular,
toxicidade e de interações com medica- condições de trabalho, uso concomitante de
mentos e alimentos; álcool ou alimento, diferentemente do con-
texto mais controlado dos medicamentos de
• Ser utilizado por curto período de tempo
prescrição 4.
ou por tempo previsto em bula;
• Ser de fácil manejo pelo paciente, cuida- Países com sistema de vigilância sanitá-
dor ou mediante orientação do farma- ria bem estabelecido recebem notificações de
cêutico; suspeitas de reações adversas a medicamentos
(RAMs) diretamente de pacientes e consumi-
• Apresentar baixo potencial de dano ao
dores, além das enviadas por profissionais da
paciente;
saúde. Todavia, muitos países ainda não pos-
• Não possuir potencial de gerar depen-
suem um canal para receber notificações que
dência química ou psíquica.
incluam os MIPs, pois seus programas de far-
Em 2016, a Anvisa editou a Instrução Nor- macovigilância operam apenas com profissio-
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nais de serviços hospitalaresa. Outro aspecto e de estudantes, e com normas rígidas para li-
relevante é que os resultados de ensaios clí- mitar a compra de medicamentos que não se-
nicos para medicamentos de prescrição não jam MIPs, sem apresentar prescrição 6.
necessariamente são válidos em contexto de
automedicação4,13. Atuação dos farmacêuticos
Além disso, os usuários podem desconhe-
O farmacêutico tem competência para
cer que muitos produtos com diferentes nomes
atuar na promoção, proteção e recuperação da
de marca e para diferentes indicações podem
saúde, bem como na prevenção de doenças e
conter ingredientes ativos comuns 4.
de seus agravos, com potencial para agregar
Por fim, os usuários precisam receber infor- resultados positivos aos sistemas de saúde, es-
mação apropriada que favoreça o uso seguro, pecialmente no que se refere à morbimortali-
efetivo e racional de medicamentos por auto- dade associada à farmacoterapia14. Em 2013, o
medicação. As orientações ao usuário/paciente Conselho Federal de Farmácia (CFF) editou as
devem incluir uma descrição de como usar o resoluções n° 58515 e n° 58616, que regulamen-
produto sem supervisão de profissional habi- tam as atribuições clínicas do farmacêutico e
litado e as circunstâncias que exigem a busca a prescrição farmacêutica no Brasil, respectiva-
por orientação profissional (v. Quadro 2). Em mente. No ano seguinte, a Lei no 13.02117 mudou
muitos casos, os MIPs são confundidos com o conceito de farmácia no Brasil e reconheceu
medicamentos alternativos, suplementos ali- a autoridade técnica do farmacêutico nesses
mentares, vitaminas, plantas ou outras subs- estabelecimentos, ao instituir obrigações legais
tâncias contidas em produtos disponíveis no voltadas à prestação de cuidado direto ao pa-
comércio. Muitos produtos comercializados em ciente.
farmácias ou em lojas de suplementos nutricio- Os farmacêuticos devem estar atentos à
nais não foram submetidos a testes clínicos e legislação sanitária, à legalidade das matérias
não há base científica para sua recomendação midiáticas, à lei de defesa do consumidor e aos
para fim terapêutico. Alguns desses produtos direitos humanos relativos à automedicação.
podem até causar graves problemas à saúde do Além disso, devem melhorar a comunicação e
usuário. Por isso, os farmacêuticos e outros pro- melhorar o processo de encaminhamento de
fissionais da saúde que indicam medicamentos pacientes aos serviços de saúde6.
alternativos podem cometer atos impróprios e
Na esteira das novas regulamentações, e
passíveis de sanções de responsabilidade, caso
tendo em vista a necessidade de atualizar os
um paciente sofra algum dano ou protele de
farmacêuticos no Brasil quanto às condutas clí-
forma inadequada um tratamento como resul-
nicas apropriadas nos atendimentos a usuários
tado das indicações recebidas4.
com queixas de problemas de saúde autolimi-
É importante que as autoridades regulado- tados, o CFF lançou, em 2016, o Programa de
ras busquem, avaliem [e apliquem] meios para Suporte ao Cuidado Farmacêutico na Atenção
sensibilizar a população sobre os prós e contras à Saúde (PROFAR). Este incluiu a realização do
da automedicação responsável, para que me- curso de ensino a distância “Prescrição Farma-
lhorem suas atitudes em relação a essa prática. cêutica no Manejo de Problemas de Saúde Au-
Isso pode ser feito pela inclusão do tema nos tolimitados”, sob coordenação de Josélia Pena
currículos escolares, envolvendo farmacêuticos Frade, e a publicação de material de suporte
na educação em saúde da população em geral e de uma coleção de guias de prática clínica.
“a”: No Brasil, existe o sistema VigiMed, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que recebe notificações de suspeitas de rea-
ções adversas a medicamentos de leigos e de profissionais da saúde.
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Referências
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