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A Cabala Mística, contida nos dativamente por um estado de fan- parta de um arcabouço de fé pré-
fiseus livros de base, o Sepher tasia pura, ilógica e irreal. Pode-se estabelecido e irracional, quer da
Yetzirah e o Sepher Ha Zohar, é chegar a ele, quer pela emotividade, construção pela racionalidade, nos
habitualmente referida como o lado como já nos referimos, quer tam- pode levar a aceitar coisas, teorias,
oculto e místico da doutrina judai- bém pela racionalidade. ou situações absolutamente fanta-
ca, o que nos parece uma interpre- A fé, que é o mais freqüente siosas, como se verdades evidentes
tação bastante equivocada. Neste caminho a levar ao misticismo, é um fossem.
estudo não discutiremos, assim, a produto da pura emotividade, que Um livro sobre Cabala Mística
essência da Cabala Mística, mas nos leva a aceitar um modelo ideali- pode envolver o leitor a uma tal si-
apenas sua ligação com outra Caba- zado sem nenhum questionamento. tuação de emotividade, por vir de
Ia, a Judaica, iniciando com alguns Cremos e aceitamos. E uma vez en- encontro aos seus anseios mais ínti-
comentários acerca do fenômeno trado nesse compartimento estan- mos, que o seu conteúdo passará a
do misticismo. que que é a fé o progresso, em ser aceito como verdade insofismá-
Em um sentido mais amplo, qualquer sentido, fica totalmente vel, embora um mínimo de raciona-
pode o misticismo ser entendido co- frustrado. Exclusivamente passarão lidade pudesse evidenciar tratar-se
mo uma tendência natural e irresis- a ser consideradas, daí em diante, de matéria puramente fantasiosa.
tível do ser humano à sublimação adições informativas que possam vir Fez-se necessária essa introdu-
de muitos de seus atos, uma tendên- a confirmar ou intensificar essa ção prévia sobre a natureza do mis-
cia tão poderosa que nem mesmo mesma fé. Fatos outros que possam ticismo neste breve estudo sobre a
pessoas do mais alto grau de cultura eventualmente contradizê-Ia serão história da Cabala; porque esta está
conse$Uem vencê-Ia. sempre rejeitados de plano como habitualmente cercada de tantas
E suficiente que seja anteposta inconvenientes. A fé, como a emoti- afirmações sem base lógica ou de si-
a qualquer um apenas algum fato, vidade de que se origina, é ilógica tuações tão completamente irreais,
ou fator, carregado de forte emoti- por natureza. que sua aceitação somente poderá
vidade, como uma supos- ser explicada através do
ta epifania, um teor im- F'"C':.:-:C':.::.C':':.::.C':':.::~:::~:::~:::~::.C':.:.:.C':.:-::'"':.:.::'"':.:.:'"'::.:-:':"'::-:.~:-:.:~::.:':':'.::.:':':'.::.C':':.::.C':':.:::'"':.::':"'::-:.':"'::.:':':':-:.::':':'::.:':':'.::.C':':.::.C':':.::.~.::':"':::.~::::':':'::-::':':'::.:':':': -,'. '"':.::.C':':.::.~.::~:::~:::-~::::':':'::.C':.::-.C':':.::-.C':':.'I-:.. misticismo.
pressionante de um livro,f!64~ih61,4i6.d.4,·ij§i44*it6ih~ii.$~idG.b.6.id6) Há tantos e tão volu-
~:a,t~O:~tém::s::=~#m.#nYªIV}rg##i.ªM9t.qt#:#iftq:~4~nfffiA4§qp::<:-:::-: :~s~sc~~J!, ~~:i~~~es~~
irresistível ânsia por din-::J/4.#i?&/li{ijQiJ4ffkdiJ4t99mf!!t#.fjj:ijiijJlif.l.9.-::{·{ poderes ocultos a ela liga-
heiro ou posição social,::~fiiºfif!ªfilffiª1.lf4~W~íipfé.4.Wti~/çllijiº#4p(#:i/f!:}dos, que parece inverossí-

fe~~~~ep~:ti:;~e:~~~}}:i.i·:W4ff#cg#á':t~
se embote e deixe de co-::{:::·:}:}:·:-:
.• O.a.••.U.s.:.;•.•. ;:.m
.•:.:::.:.;
.•. ·.a.::.;.tiV.;.·.; •.~.::.~.: •.fiâ.·: .••. : .••. :r.: •... ;e.·.;.•. 1.·.~~~~frRf4K:}-:}
:m~~st~~e ~~~a;s~~~
de boa fé. Lemos, por
mandar os processos e :::::::::::::::-:::::::::-:::-:::-:::.:.:
.':.: ::.:.:.::.:.:.:.:.:.:.:::.:
..::::.:.:.:.:
.':: ::.::::.::.::::::::: :..... exemplo, que a Cabala te-
atos racionais. ria sido ditada pelo Anjo
Podemos, ainda, tra- Pode-se, ainda, chegar ao mis- Metraton a Adão, antes
duzir o misticismo como um envol- ticismo encontrando um modelo de ele ser expulso do Paraíso, e que
vimento total e uma identificação através de processos mentais espe- essa revelação secreta teria chegado
pessoal incondicional com algum culativos. E um caminho difícil e até nós ou por tradição oral, ou re-
modelo emotivo ideal que se apre- tortuoso através do livre pensamen- metida de livro a livro caba-lístico,
sente como capaz de satisfazer ex- to, mas que, ironicamente, pode le- como se realidade histórica fosse.
pectativas ou anseios pessoais var ao mesmo misticismo ilógico Mas tanto Adão, como o Eden, co-
frustrados, ou mesmo esperanças tanto quanto a emotividade. Um mo o Anjo Metraton, não passam
compensatórias de males sofridos. panteísta, por exemplo, pode, atra- de mitos fantásticos da criação.
Este modelo ideal pessoal tanto po- vés de sua busca da verdade, chegar Alhures lê-se que Deus teria
de ser antropomórfico como um a um ser essência universal, origem ditado a Moisés, no Monte Sinai,
simples estado de alma sublimado e princípio do cosmo, e se identifi- uma série de instruções secretas so-
para além de nossos sentidos corpo- car com ele de uma forma mística. bre o conhecimento de Deus para
rais comuns. Sua busca mental pode cessar aí. que ele a mantivesse secreta e como
Misticismo, assim, é na realida- Sua verdade pessoal foi achada, tradição oral entre os eleitos de seu
de, uma alienação mental em que a mas foi cercada pela proteção ilógi- povo.
racionalidade se deixa dominar ca da Fé. Mas, historiadores e comenta-
completamente pela emoção, a tal A tendência ao misticismo a dores sérios desse trecho bíblico,
ponto que vai sendo substituída gra- que no início nos referimos, quer se concordam em que Moisés prova-

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velmente se teria valido de alguma essa revelação, tanto quanto nos é judaísmo se consolidou e floresceu
atividade vulcânica de algum monte dado conhecer historicamente. como nunca tinha acontecido nos
da região do Sinai para encenar Moisés era um homem de vi- séculos anteriores em terras de Ju-
uma situação para impressionar o são, um líder, e ao descer do Sinai, dá. Nos cinqüenta anos aproxima-
povo descrente que conduzia e que já devia ter concebido e delineado dos do cativeiro, organizaram-se
queria tornar adepto e defensor de uma estratégia para convencer o escolas bíblicas e a própria Bíblia
um Monoteísmo Novo. seu povo de que aquela êra a verda- foi reescrita para sua forma atual e,
Tentaremos situar as origens de suprema vinda diretamente de evidentemente, a tradição oral da
da Cabala no contexto histórico oci- Javeh, de que aquela era a lei a que Torá foi revivida e confirmada a in-
dental, pensando escoimá-la de tan- deveriam obedecer cegamente para terpretação emanada das reuniões
tos acréscimos, às vezes quase o resto de seus dias, e para o resto do oásis de Kadesh. Fato importan-
infantis, que somente a deturpam. dos dias de todas as gerações he- te também é o abandono do idioma
Porém, parece, à primeira vista, evi- braicas vindouras. hebraico antigo como língua oficial,
dente que a Cabala Judaica, ou o Sabemos pela Bíblia que, ime- sendo substituído pelo aramaico fa-
Misticismo Judaico, nada têm a ver diatamente após os eventos do Si- lado pelos babilônicos.
com a Cabala Mística referida no nai, o povo hebreu foi conduzido ao Voltando à sua terra natal,
Zefer-Ha-Zohar. Esta última é que Oásis de Kadesh, onde Moisés se com permissão real de Ciro, seu
se teria enredado ao judaísmo, nu- apressou a reunir os anciãos para primeiro trabalho foi a reconstru-
ma agregação até prejudicial à pu- complementar e estudar a lei dada ção do templo e das muralhas de
reza do seu monoteísmo. por Deus e dar-lhe as necessárias Jerusalém, sua capital política e re-
interpretações. Algumas dessas re- ligiosa. Mas a reconstrução material
:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:-:.:-:-:.
soluções e interpretações devem, não trouxe consigo a indispensável
•••.••.·•
.•.••.•
{!ili>ildM~º:6iªi$· . possivelmente, ter sido mantidas se- reconstrução moral e religiosa, bem
·Jt~lfil~#t#::ç4iht6.hª#t:\:· cretas como ocorre ainda hoje,
quando muitas resoluções de man-
como não produziu a tão necessária
consciência de nacionalidade.
••Jêf4ijjpiff#.tiiJ4.ijjiÚ~.ttiij."'::: datários nacionais ou religiosos não
·:···:::·fk6jJ4iºª4i/iif#{ chegam ao conhecimento do grande
.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:-:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:

:uiftiifiiÔjófitéCil6:dfil.
j$tllleLrJ~~~i6. .....
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público, permanecendo como tradi-
ção oral transmitida entre os chefes
e seus conselheiros.
··M*#ç/j/p.i/4.~~ijt}6J#.~Hº
t~iti/rªiififª!ªls}iYilçªà}:
(i#l##êb.#m*#i.lA . No mesmo Oásis de Kadesh,
foi provavelmente iniciada a reda-
ção dos livros de Pentateuco, ou al-
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A evolução da tradição judaica guns deles, e criou-se uma tradição :iti#~toXiif[its.l.iiiiijJº&jijª~}
pode até ser acompanhada passo a
passo através de eventos literários
oral das interpretações da Lei Mo-
saica para orientação do povo, tra-
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correlatos desde o segundo milênio dição que os anciãos mantiveram
."lit..itC.ê:itocáíito.:vê,dfide.···
a.C. até final da Idade Média, numa sempre acesa daí por diante. Essa :···::::~9fi.##4k~t ..{:}<//
seqüência sem interrupções ou in- tradição oral, ou Cabala Judaica,
tervalos, porém sempre ligada ex- como a poderemos chamar, sempre Esdras, com permissão espe-
clusivamente a interpretações orais, existiu acompanhando a religião he- cial do rei Ciro, veio de Babilônia
por vezes mesmo secreta, da Tora braica como um complemento in- com a incumbência de decidir sobre
Escrita, ou Mosaica. terpretativo oficial da lei escrita, a essa reorganização, trazendo consi-
Assim, doranvante encaminha- Torá, e nada mais. go a "Lei", como nos relata a Bíblia.
remos nossas considerações em pri- Nesse procedimento inicial, Não se sabe ao certo que "Lei" era
meiro lugar para a trajetória his- Moisés foi fortemente motivado pe- essa, mas pode-se presumir que se
tórica da Mística Judaica, e a se- la necessidade de definir e firmar o tratava de uma redação revista dos
guir, em tomo da origem possível conceito de um Deus Único, cria- cinco livros legais básicos do judaís-
da Cabala Mística não judaica, que dor universal, protetor do povo es- mo, o Pentateuco.
tanto tem sido objeto de pensadores colhido, na mente desse povo Naturalmente, trouxe consigo
maçons e de muitos outros escrito- nômade semi-analfabeto. também os anciãos, os sábios e os
res a partir do século XII em dian- A partir daí, os hebreus va- escribas que haviam trabalhado in-
te. guearam pelo deserto, lutaram, cansavelmente na elaboração dos
Quando Moisés, com toda cresceram, foram vencidos e algu- textos legais durante o cativeiro. E
pompa, apresentou ao seu povo re- mas vezes venceram até que, no ano com a Torá Escrita veio, sem dúvi-
cém egresso do Egito as Tábuas da de 595 a.c., Nabucodonosor os de- da, a Torá Oral.
Lei, hipoteticamente gravadas por rrotou totalmente, destruiu seu tem- Uma das primeiras medidas de
Deus em duas lousas de pedra, co- plo sagrado e sua capital, e levou Esdras foi constituir uma Grande
mo manda a tradição, estava, na re- cerca de 80% de sua população pa- Assembléia composta exclusiva-
alidade, dando início à longa ra um desterro em Babilônia. So- mente por escribas, leigos não sa-
jornada de um povo heróico em bus- mente restaram no país os 20% cerdotes, a quem incumbiu da
ca da afirmação de um monoteísmo mais pobres e incultos. missão especial de reinterpretar a
puro e novo. Parece não ter havido Em Babilônia, por necessidade Torá Escrita para melhor definir o
nada escrito anteriormente sobre de preservação da nacionalidade, o seu sentido disciplinar. Voltando de

6 o PRUMO - Nº 80
Babilônia com um numeroso grupo Sua vitória foi completa com a que- Ser, ou antes do Tempo e do Espa-
de escribas, tantos que lhe foi possí- da de Jerusalém perante os solda- ço, e que essa emanação se deu
vel formar uma grande assembléia, dos de Tito em 70 d.C., pois a partir através de diversas etapas. Ainda
é nos lícito supor que, mesmo antes daí, o judaísmo rabínico de que mais que existem conhecimentos
do cativeiro, já havia uma atividade eram defensores, dominou total- ocultos ou cabalísticos, somente do
cultural interpretativa da Bíblia. A mente. conhecimento de alguns ilumina-
partir da Grande Assembléia, pas- Com a destruição do Tempo dos, que podem levar ao conheci-
saram os escribas a ser os intérpre- no ano 70 d.C., parecia que o ju- mento desse mesmo Deus.
tes oficiais da Lei, assumindo uma daísmo como nação estava total- Essa concepção se cada perfei-
posição que anteriormente perten- mente destruído e dissolvido. tamente com o Panteísmo ou até se
cia exclusivamente à classe sacerdo- Porém, a esperança em um Messias assemelha às concepções filosóficas
tal dos levitas. Ou já haveria antes ainda frutificava e, no início do se- orientais, mas não se enquadra com
do cativeiro um grupo de sábios não gundo século d.C., uma nova rebe- o Judaísmo e o seu Monoteísmo Pu-
sacerdotes intérpretes da Lei? Não lião chefiada por Bar Koshiba deu ro, com a crença em um Deus que
o sabemos. novo alento a esse Messianismo. age e cria personalmente através de
Bar Koshiba contou, entre seus co- atos de vontade.
........................................................................ Tanto é verdade que a Cabala
....................................................................
'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.' .' :: :: :::: :::::::::: :::: :: :::: ..
.'
.............................................................
.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.' .' .'.' laboradores, com grande incentiva-
.'.'.' .'

dor, o rabí Akiba Ben Joseph, um Judaica nada tem a ver com a Caba-
>M~#reçºi#t.í#çªQ} sábio eminente, que mantinha uma la Mística que Maimonides, em fins
«maiêfidtiiii6iiouxe::::
.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.' :.'.'.'.'
:.'.' .: .:::
::.'::: : ::.'.'
.'.'.'.'.'.'.'.'.'.'.' ::escola rabínica de doutores da Lei .
:.'::::: do século XII, em seu livro "Os 613
:.:.:.: •.•. :.:::çô1i.5ig'i):.:ii:.·tijClfSjjêji#liy~~}}:·:··.Quando Bar Koshiba foi derro- Mandamentos", reafirma e analisa
t~qº1i.5fiiiçttijii{ºtªr~}} tado e a última fortaleza de Betar pormenorizadamente todos os man-
caiu em poder dos romanos, Akiba damentos positivos e negativos da
•·•·.·.rª#gJi#YAp~mfq#té#qg·}
.•• foi morto e torturado. Simon Bem Torá escrita, e reconfirma a Torá

~2~'~f:r~1tIGii~k~}
{iíiiCi6iiéltiddd~~:.:::: .
Jochai, um de seus melhores discí-
pulos, se refugiou com seus alunos
em uma caverna, onde continuou
Oral jucaica como um conjunto de
interpretações de aplicação dos
mandamentos bíblicos, sem nenhu-
seus ensina- mentos. Consta que
r.::.:r.,:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.'.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:
ma referência a outros mandamen-
ele, com medo de ser interrompida tos ou conhecimentos ocultos.
Assim, a Cabala Judaica atra- a tradição, revelou toda a sabedoria ................................................................... .
vessou os tempos conturbados que da Torá Oral aos seus discípulos.
antecederam ao cativeiro de Babilô- Cerca do fmal do segundo sé-
culo, de nossa era, o extraordinário
:::Yi#WifiXq·P:qª4f414.iJkl?@
nia, foi revivida durante a Diáspora
e serviu de bálsamo vivificador da fé intelectual Iehyda Ben Nassi compi-
em um Deus Único, fé que renas- lou a Mischná, aproveitando um
::::::G~a.%.f#tld~:ÍI2t:!:·
ceu mais forte. conjunto de tradições antigas e pe- < <âiitecederi:i'ffi:iiÔàiiiVer,o
A Grande Assembléia de Es- quenos escritos esparsos. Essa com-
eiras trouxe uma nova fase à Torá pilação é considerada pelos judeus
:i!éiJ#k#~#W,/7óJf#fdA?ªq
Oral, que continuou seu desenvolvi- como a mais antiga obra escrita so-
::4~t.4iJt.lf:qQitfoj8>f4.~)
mento até cerca do 22 século antes bre a interpretação bíblica. »seiViúdêfitllSamO
de nossa era, provocando o início Essa Mischná, acrescida e PiVJftç#iiéh4.4f~~i##m)
da fase rabínica do judaísmo. Nessa
época, surgiram e começaram a se a constituir duas obras interpretati-
definir três facções religiosas co- vas mais completas, o Talmud de
nhecidas como os Essênios, os Sa- Babilônia e o Talmud de Jerusalém.
complementada pela Guemará, veio
~W~b.~ffi~Wfg6~.:
duceus e os Fariseus. Os Essênios O primeiro foi produzido cerca do E, ainda mais, já no século
pregavam uma vida ascética e con- sexto e o segundo cerca do quarto XVII, a comunidade judaica de
denavam os ofícios e sacrifícios do século de nossa era. Amsterdam expulsou solenemente
Templo do qual se afastaram. Os Como vimos, transparece cla- de sua congregação o filósofo -Ba-
Saduceus eram os mais nobres e ramente na história judaica uma ruch Spinoza, acusado unicamente
abastados e defendiam uma estrita Cabala como que emergindo desse de tentar perverter o judaísmo tra-
observância da Torá Escrita que, emaranhado de interpretações da dicional, introduzindo em suas sina-
segundo eles, devia ser interpretada lei básica do judaísmo, a Torá. Mas gogas o ensino do panteísmo,
literalmente. Ambos eram funda- . toda essa série de transmissões julgado totalmente contrário ao
mentalistas e condenavam qualquer orais não passa de interpretações Teísmo que surge da Bíblia como
especulação filosófica em tomo de práticas da aplicação do Pentateuco doutrina básica.
temas bíblicos. à vida diária dos judeus e nada Portanto, devemos procurar a
Já os Fariseus introduziram no mais. Cabala Mística e suas raízes à mar-
Judaísmo a crença na imortalidade Já a Cabala Mística, em sua gem da tradição oral judaica ou Ca-
da alma, usufruíram grande prestí- forma expositiva tradicional, traduz bala Judaica.
gio entre o povo mais simples e saí- a crença básica de que toda a maté- No século II a.C., a cultura he-
ram vitoriosos em sua luta contra os ria existente, em suas mais diversifi- lênica começou a dilatar sua in-
Saduceus e Essênios pela hegemo- cadas formas, emanou de um Ser fluência para a Ásia Menor e foi,
nia dentro da comunidade judaica. Supremo que existia antes do Não- provavelmente, ela que fez nascer a

o PRUMO - Nº 80 7

J-
crença na imortalidade da alma en- A convivência entre o judaísmo cura englobar a maior parte dos
tre os judeus, principalmente entre talmúdico e suas interpretações conhecimentos dos povos antigos
a facção dos Fariseus, pois até este práticas da Torá, ou seja, a Torá sobre esse assunto. Mas o que mui-
momento, a sobrevivência da alma Oral e o Cabalismo Místico, a partir to obviamente ressalta de seu con-
não era sequer questionada entre os dos séculos XII até o século XV, se teúdo é uma concepção panteísta a
hebreus, pois a Bíblia não se referia deve a uma fraqueza geral do ju- respeito da natureza do Universo.
e ela. daísmo provocada por massacres e Que a Cabala Mística tenha ti-
A nova filosofia grega introdu- perseguições de que foi alvo por do sua origem nos antigos povos
ziu esse elemento novo no pensa- parte da classe religiosa dominante. Caldeus, ou que tenha sido ditada
mento religioso e deve ter produ- Essa fraqueza não foi saudável para no Monte Sinai, ou por ocasião da
zido, entre outras alterações cultu- o teísmo bíblico, e dessa mescla que expulsão de Adão do Eden, ou mes-
rais, a modificação da crença judai- levou para dentro do judaísmo he- mo concebida por algum outro po-
ca na imortalidade do homem, e o resias não aceitáveis, restam resquí- vo da antiga Mesopotâmia, nos
aparecimento dos primeiros sinais cios até hoje, quando muitos mís- parece uma afirmação sem funda-
da Cabala Mística não judaica. ticos falam ainda de Cabala Mística mento histórico.
Seu desenvolvimento parece como se se tratasse de uma concep- A primeira manifestação da
ter ocorrido paralelamente ao ju- ção idêntica à Cabala Judaica. teoria panteísta de que se tem notí-
daísmo, enredando-se a ele a tal Também dessa época data uma cia historicamente se deu na antiga
ponto de prejudicar a pureza cen- excrescência ocorrida em outro Grécia, cerca do século IV a.C. e,
tral de sua doutrina monoteísta. grande sistema religioso, o Islamis- portanto, qualquer concepção pan-
mo. Por volta do século XII, alguns teísta dela derivada não pode ser
::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
escritores islâmicos esboçaram um anterior a esse século.
.··\•ç\ÚW$.·ywk#~.•
•• #4.i#p4r.~ç~
•••
•·•·•
•• movimento de introdução do misti-
cismo no sistema religioso islâmi-
O surgimento tardio entre os
hebreus da crença da imortalidade
Clariimentenàhtst6rià<
ji/4#i/(/4##{4G4hitI4 co, mas esse movimento foi de
curta duração, em parte porque a
da alma, ocorrida quase certamente
nos dois séculos anteriores à nossa
F/!ifiq4#~W1it~1ffj#44. doutrina explicitada no Corão é era entre os fariseus, se deve então,
désséêmiiranhâàôdé>
.............................................................................. simples e rudimentar, não dando certamente, à influência helenística
i#t~fi;i;i#iiÇ9~~44t~i margem a muitas interpretações
teológicas ou pensamentos místi-
que então se espalhava pela Ásia
Menor. Possivelmente essa crença
·f/4#"窪ªJ#ª4#.ifiq,@· cos. tenha sua origem no panteísmo gre-
·.·.><·.·.·'J'át4:Mii$.i6dacssa&é}je« Quanto à Cabala Mística, toda go concebido nos séculos anterio-
.··<.·dêitdiii.fffl{SsikiS··Ôftilsi:üüY··..•••• ·•• a sua exposição doutrinária está ba- res.
lii#i4il~i6tltfp1:~fqi;$eJ sicamente considerada nas duas Essa mesma influência helenís-
obras fundamentais: "Sepher Yezi- tica, provavelmente, lançou raízes
••••••
•••·•p• i4f!64#·444fo./.1t.Q4&é4§.···.········· rah" e "Sepher Ha Zohar". muito profundas entre os seguido-
•••••••• ·.·Piiiiti:iiiiUCQ.·âvidádlárià ••••••••• A Sepher Yezirah é uma com- res da doutrina cristã durante os
·.·.·..4J#J#4W4Y,~#4!!#_mq#.?····.····· posição literária que transmite uma
idéia bastante simples. Ás suas qua-
primeiros séculos de sua propaga-
ção, justamente quando se plasma-
tro primeiras Sefirot se referem à vam os seus princípios fundamen-
Nos séculos que se seguiram, teoria pré-científica de que toda a tais, que seriam condensados e
desde o século II a.C. até o século matéria se compõe de quatro ele- amalgamados no século IV por
XII d.C., a Cabala Mística teve um mentos básicos: o ar, a água, a terra Agostinho.
desenvolvimento paralelo à Cabala e o fogo, teoria que só recentemen- Sabe-se que nesses primeiros
Judaica, sendo, inclusive, adotada te foi desmentida pela ciência. As
por muitos judeus, na certa ávidos seis restantes são: para a direita, pa- ::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

de uma evolução filosófica do ju-


daísmo, proibido pelos ditames bí- te, para cima e para baixo ou, como
ra a esquerda, para trás, para fren- Q446t$#tra64i#}
M.w.i.ê}i;.t.(X4ªª~iiii}/
blicos. Quando o Sepher Ha Zohar querem alguns, os quatro pontos
teve origem, provavelmente escrito cardeais e os dois pólos terrestres. fiXi?:Qs}çtkj4i/at'rtntzf;ii:(;}/
por Moses Bem Shem Tov (ou Mo- Os comentários adicionais que itSi&fki.#ê..diiilúiili.}
ses de Leon), aos poucos a Cabala o livro traz a essas dez sefirot, inclu- dónsid~tdddiid&diid.s}
Mística foi tomando um caminho
próprio, desligando-se nos séculos hebraico, nos parecem apenas me-
seguintes definitivamente do Judaís-
mo.
sive quanto à origem do alfabeto

ras fantasias que nada têm a ver


com teorias metafísicas ou filosófi-
~l?~llg~~ll~~:
''$ep#@lI/t.$flhik(k>
Antes de ser escrito o Zohar, caso
houve um movimento de aglutina- Quanto à Sepher Ha Zohar, ou
ção das concepções cabalísticas não Zohar simplesmente como é mais séculos do Cristianismo surgiram
bíblicas e antes de Moses de Leon, conhecido, escrito no século XIII, inúmeras seitas para-cristãs, mes-
o rabino Nahamanides escreveu di- provavelmente por Moses de Leon, clando conceitos judaicos, relativos
versos tratados cabalísticos que de- contém um misto de teorias cosmo- à vida após a morte com a descren-
vem ser considerados os predeces- gônicas mal definidas e fantasiosas ça crescente no messianismo terre-
sores do Zohar. sobre a origem do Universo, e pro- no e fantasias ligadas a anjos e

8 o PRUMO - Nº 80

\
I

.,1-
!
demônios que estariam continua- parece definitivamente afastada
mente influenciando a vida terrena. qualquer hipótese de a Cabala Mís-
É muito provável que a Cabala tica ter ligações com qualquer dos
Mística se tenha firmado nesse te- grandes grupos religiosos do oci-
rreno fértil da evolução filosófica dente, o sistema judaico-cristão e o
ainda sem conceitos muito defini- islamismo, não se tratando de mais
dos e deitado suas raízes inde- do que especulação sobre um tema
pendentemente dos conceitos bási- muito fértil e do agrado de qual-
cos tradicionais judaicos, mas fora quer pessoa com tendências místi-
da Cristandade que conseguiu afas- co-religiosas e que cada geração
tar-se dessas concepções pseudo- mais vai enriquecendo com elemen-
místicas através da vigilância do seu tos novos, tomando-se cada vez
poder central e da ação de seus Pa- mais inverossímil.
dres. Não se quer, aqui, desmerecer
É natural aceitar que daí surgi- a Cabala Mística como instrumento
ram e se conservaram até os nossos de enriquecimento do espírito atra-
dias grupos isolados e secretos, vés, ou dos Três Pilares e a Descida
muito poucos naturalmente, mas da Força, ou dos Três Triângulos
que conseguiram manter e preser- Místicos, ou da Árvore da Vida e os
var seus conceitos sobre anjos e de- Trinta e Dois Caminhos, mas, sim-
mônios em segredo, até por medo plesmente, que deve ser encarada
de serem condenados e ex-comun- como um produto do saber huma-
gados. A primeira manifestação no, sem qualquer possível origem
mais evidente se deu no século XII, divina ou inspirada.
quando Nahamanides compilou as E mais, que não é de origem
crenças cabalísticas em um manus- judaica, mas apenas que cresceu ao
crito que deu origem em seguida ao lado do Judaísmo que, em certas
Sepher Ha Zohar, de Moses Bem épocas, tendeu à especulação fllo-
Shem Tov, ou Moses de Leon. sófica, aliás, proibida aos seus adep-
O mesmo ocorreu com a sacra- tos. Segundo os textos bíblicos,
lização das letras do alfabeto qua- Deus não pode ser conhecido, ele
drático judaico, que parece seguir deve apenas ser obedecido. •
uma lógica aparentemente evidente.
Se o nome de Javeh é sagrado, as REFERtNCIAS
letras em que é escrito são sagradas BIBLIOGRÁFICAS
e, se essas quatro letras são sagra-
das, todo o alfabeto deve, evidente- 1. GOLDBERG, David J. & RAY-
mente, ser sagrado. Em tomo dessa NER, John D. Os Judeus e o Ju-
lógica ou teoria, se criou uma série daísmo. Rio, Xenon, 1989.
de afirmações sobre a origem divina 2. JOHNSON, Paul. História dos
das letras judaicas. Judeus. Rio, Imago, 1989.
Ocorre, porém, que o penta- 3. RAMBAM, Moshe Ben Maimon
teuco foi escrito em hebraico anti-
Ha. Os 613 Mandamentos. São
go, idioma vigente entre os judeus
até o cativeiro, quando foi substituí- Paulo, Nova Stella, 1990.
do pelo aramaico falado pelos babi- 4. GIORDANI, Mário Curtis. Histó-
lônios. No retomo do cativeiro, os ria da Antigüidade Oriental. 6ª ed.
hebreus não voltaram a falar o idio- Petrôpolis, Vozes, 1983.
ma anterior e o hebraico antigo, 5. TRYON, Rene de & RUBY, Mon-
com o alfabeto quadrático criado talembert Kurt. A Cabala e a Tra-
pelos sacerdotes, passou a se consti- dição Judaica. Lisboa, Edições
tuir apenas em um idioma sacerdo- 70,1979.
tal. 6. FORTUNE, Dion. A Cabala Mís-
O hebraico antigo era simples- tica. São Paulo, Pensamento,
mente um dialeto fenício, o cana- 1984.
neu, que utilizava o alfabeto fenício 7. REHFELD, Walter. Introdução à
e que era falado e escrito na Terra Mística' Judaica. São Paulo, /co-
Prometida mesmo antes de os he-
ne,1986.
breus lá chegarem. Dessa forma, a
inspiração e origem divina do alfa- 8. KALISCH, Isidor. Sepher Yezirah
beto hebraico quadrático, como (versão). Rio, Rennes.
querem os manuais da Cabala, não 9. SCHOLEM, Gershom. Zoar, o
deve passar de pura fantasia. Livro do Esplendor. Rio, Rennes.
Com base nesses raciocínios,

o PRUMO - Nº 80

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