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Wilson Martins

História do livro,
da imprensa
e da biblioteca

(I}
f'ditora áti"8
lemas

Volume 49

/\ história do livro e suas técnicas, inclusive no que se refere t\ 1tHh'INtlllldi


pllp\.lI IH) Brasil e à legislação de direitos autorais, passou por profundus IlIIlIMlll
.I;':'\"'
,0, IIIUÇt1CM desde a criação do primeiro curo de Biblioteconomia em Curltibu, no qu
tN 1\11\11'1111 bibliotecárias Ruth Feigl e Teresa Amorim taquigrafaram as HlIla~ li\,) qtll
Editor
IIIIVIO resultaria. Teresa Arnorim organizou ainda os índices de nomes C 1111111111111
Nelson dos Reis
1'111'11 11 primeira edição.
nC"'Li /\os agradecimentos que Ihes devo, junta-se nesta o reconhecimento plllI
Coordenação da edição m~I'OSll cooperação que recebi por parte do professor John A. Colcmun (Nl'V
;:f:S, Sônia Scoss Nicolai 111 ~ University), Luciana Villas-Boas e Cláudio Figueiredo (Jornal do /Jm,\'lI)
l/dMol! Ncry da Fonseca, Dolores M. Martin, editora do Handbook 0/ /"Ulll
\ unvrlran Studies (Biblioteca do Congresso), Peter T. Johnson (PrincCIIII
l () 2.>D b Preparação dos originais
\ huverxity Libraries), Lídia Setsumi Furuta (Biblioteca Mário de Andradc), /\11,'1
Nelson Nicolai
YWlltMugU c Cláudia Montanino (Biblioteca Pública do Paraná), Olímpin JOMt
(huvtu Murqucs (Biblioteca Nacional), T. A. Queiroz, Gilberto Barbosa 8ulglldo
Projeto gráfico, capa e
/\dl't hnl Fortes de Sã, Nancy Westphalen Corrêa, Pretextato Taborda .J ÚII101
editoração eletrônica
Ildlll"do Rocha Virmond, Flávio Bettega, Aramis Chain e Eleutério de Ollveh
Processo de Criação
(I Iv1'111 iu Chain, Curitiba), além do IBGE de Curitiba, na pessoa de Ornar Fodllllll
( 'I 1\.\ I\' do Setor de Documentação e Disseminação de Informações; da Associuçlk
Nm'jollltl uns Fabricantes de Papel e Celulose (ANFPC), da INPACEL - IndúslllIl
~o~~~ d(l 1'11(1\,)1 Arapoti S.A., e da Umuarama Comunicações.
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~:ESI>~
I)ovo especial assistência à Fundação Biblioteca Nacional, muito além dI
'I"U exlgfn o simples dever funcional, nas pessoas do então presidente A n'onM(
.u>OC'M;AO ••••.••••••• DI •••• JIOIotrooc·Alocoo

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EDITORA AFILIADA
ItllllllllW do Sant' Anna, e de Lícia Carvalho Medeiros (Assessoria Técnica), Suei
1>111/4 (Depurtamcnto de Referência e Difusão), Eliane Perez (Chefe da Divisão ti
1111011 IIIIÇÜODocumental) e Regina Souza (Pesquisadora). *

Impressão:
Gráfica Palas Alhena

ISBN 850805757 1

2002

Todos os direitos reservados pela Editora Ática


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10
COIJltulo5 - A Impronln /11111111 1I
Primeira parte - O livro manuscrito
O livro xilogr MieI! I
As impressOollluhlll1if I
Capitulo 1 - Pré-história do livro 17
Os caracteros ll1óvula 11/1hllprllllllll I
A linguagem 19
Os caracteros ll1óvuln /1111"1dll (111111111111111
I~I
A linguagem e as línguas 28
• A escrita 33
4A pictografia 36
Segunda parte - O livro Impr
A escrita mnemônica 39
t A escrita fonética 40
Copltulo 6 - A tipografia 139
• A escrita ideográfica 41
A história de Coster 142
, Os cuneiformes 43
A história de João Brito 144
I Os hieróglifos 46
Gutenberg 144
• O alfabeto 49
Os processos de Gutenberg 148
, Tipos de letras 53
Os últimos anos 150
Materiais e instrumentos primitivos empregados na escrita 59
O impressor Gutenberg 151
O papiro 61
Começa a história da tipografia 156
O pergaminho 65
Os instrumentos da escrita 68
CnlJltulo 7 - A difusão da imprensa 157
Os incunábulos 157
Capítulo 2 - As bibliotecas na Antiguidade e na Idade Média 71
Como reconhecer um incunábulo 159
As grandes bibliotecas da Antiguidade 74
As edições princeps 164
As bibliotecas medievais 82
O milagre se torna cotidiano 165
As bibliotecas bizantinas 86
l' O impresso imita o manuscrito 167
As bibliotecas universitárias 89
As abreviaturas 169
Um paradoxo 174
Capítulo 3 - Os manuscritos medievais 93
A difusão da imprensa 176
A Idade Média 94
A Impronsa na Itália 179
Aspecto material 100
A Imprensa na França 181
Tipos de ilustração 102
UII1 novo mundo começa 187
A encadernação 108
uncru/líhada decisiva 187
1111111
11111111111(:0
cio história 193
Capítulo 4 - O papel 111
Fabricação na Antiguidade 111.
Introdução na Europa 113
Fabricação moderna 115
Fontes da celulose 117
Transformação da celulose em pasta de papel 117
ransformação da pasta em papel 118
1/
Os formatos 119
As grondos fllbricas brasiloiras 124
Capitulo 9 - O século XX e as técnicas modernas 225 Capitulo 12 - As blbliotoone lIIodllllne 323
A era industrial 225 A biblioteca públlcu 32U
Como a tipografia se transformou em indústria 236 O livre acesso 328
Os resultados 241 Quem freqüenta a biblioteca 331
O livro é também espírito 242 O bibliotecário 331
O livro moderno 245
Os defeitos das qualidades 332
As técnicas de impressão 248
A missão do bibliotecário 334
O tipo e a caixa 249
A formação do bibliotecário 336
A composição mecânica 255
A formação do bibliotecário no Brasil 339
A telecomposição 256
As diversas espécies de biblioteca 342
A lumitipo 257
Natureza administrativa das bibliotecas 343
A civilização eletrônica 258
As bibliotecas modernas 343
As metamorfoses do livro 261
As máquinas de imprimir 263 ,; As grandes bibliotecas: I - a Nacional, de Paris 344
A estereotipia 263 As grandes bibliotecas: 11- a British Library 347
A rotativa 265 As grandes bibliotecas: 111- a Biblioteca do Congresso 349
As "provas" 266 As grandes bibliotecas: IV -Itália 350
A gravura 269 As grandes bibliotecas: V - a Biblioteca de Berlim 352
A gravura artesanal: 1- Xilogravura 271 As grandes bibliotecas: VI - Moscou e São Petersburgo 354
A gravura artesanal: II - Gravura metálica 272 As grandes bibliotecas: VII - Buenos Aires 355
A gravura artesanal: III - Litogravura 274
As "provas" 276 , Capítulo 13 - Bibliotecas brasileiras 357
A gravura mecânica: 1- Similigravura 277 t A Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro 357
A gravura mecânica: II - Heliogravura 278 Salvador 365
Terminologia 280 São Paulo 366
Curitiba 368
~ Capítulo 10 - A imprensa na América 287 A biblioteca no Brasil 377
México 290
Peru 290 Capitulo 14 - A censura 381
Estados Unidos 290 França 389
Um parêntese 291 Inglaterra 390
Rio da Prata 293
Outros países 294 Cnpltulo 15 - Direitos autorais 391
Portugal e Brasil 295 A crise econômica 391
Os direitos autorais 392
9 Capítulo 11 - A imprensa no Brasil 299 I\ntiguidade e Idade Média 393
A Metrópole e a tipografia 302 Dopois da Renascença 394
A Impressão Régia 306 floconhecimento da propriedade literária 395
Multiplicação das tipografias 312 I uulalElção moderna: Alemanha 399
O periodismo 313 Ifluleloção moderna: França 401
A história de um acordo 315 I Dlllllnçno moderna: Inglaterra 402
Os primoiros jornais 316 IIIul1lnçDo moderna: Itália 402
Situnçao do poriodlsmo no Brasil 11111111 (Iramlltlcos o mualcnls 403
Proteção internacional 403
A União de Berna 406
As convenções americanas 406
A Convenção Universal 407
A lei interna brasileira 410
O depósito legal 413

11)ltulo 16 - O livro contemporâneo 415


A crise da civilização 415
A palavra e a imagem 418
As histórias em quadrinhos 421
Em favor da imagem 425
A crise do livro 426
O prestígio da imagem 427
A palavra escrita contra o livro 428

Obrns consultadas 431

Apêndices
I - Convenção Universal sobre o Direito de Autor 453
11- Fé de errata 463

Indica das ilustrações 497


~
lndlce de assuntos e títulos 501

Indice onomástico 505

o livro
manuscrito
upilulo 1
Pré-história do livro
o que antes
de mais nada e acima de tudo distingue o homem é
a sua capacidade de abstração. É por ela e graças a ela que o ser huma-
no se libertou da escravidão ao mundo material a que vivem presos
todos os outros animais; é na abstração que encontramos a fonte de
todo o seu desenvolvimento espiritual. Não é a vida do espírito que ori-
ginou a abstração; é a abstração que originou a vida do espírito. Tudo
indica que o homem pré-histórico possuía a mesma inteligência redu-
zida dos animais de grande porte e talvez menor ainda que a deles: o
homem se diferenciou espiritualmente no momento em que vitalizou
essa centelha no primeiro fulgor abstrativo e a fez multiplicar-se infi-
nitamente sobre si mesma. Nesse instante é que se criou o homem: nele
nascia a sua qualidade mais alta e mais nobre, a que verdadeiramente
o define. Para não sair estritamente do nosso tema, foi a abstração que
permitiu o aparecimento da linguagem; ora, a linguagem é o segredo e
a explicação do homem. A linguagem, por absurdo que pareça, é que
vai permitir a invenção da mão: na mão e na linguagem está contida
toda a história do homem. É o que dizia com grande agudeza Henri
Bcrr no prefácio do conhecido livro de Vendryés sobre a linguagem:
A linguagem, a princípio emotiva e ativa, a seguir sintética, à medida que
se diferencia para distinguir os objetos, as propriedades, os estados, que se
, flexibiliza para exprimir as relações mais variadas do real por meio de
palavras, esvaziadas de seu sentido particular, que adquirem um valor abs-
trato e geral de categorias gramaticais, a linguagem pouco a pouco eleva-
da a uma potência extraordinária, constitui emfunção a faculdade de dis-
cernir o semelhante e o diferente, em seguida de abstrair e de generalizar,
que é imanente à vida como a de sentir o agradável e o penoso; e ela per-
mite uma tomada de posse mais penetrante e mais extensa das coisas. É
por ser homo faber, mas muito mais por ser homo loquens que o homem é
homo sapiens. Parece que o desenvolvimento da linguagem seguiu de
perto o desenvolvimento da aparelhagem artificial. .. '.

(2 que a mão começou a sentir os objetos quando os primeiros


1I01I1CS começaram a lhes dar uma existência, se não autônoma, pelo
i'II~I1()S dcsligável do conjunto indistinto em que antes disso se per-
dinm, Mas, justamente, essa possibilidade de abstração como que se

I, I VIIIHII y6M. III /tllllllll/I" 11. xx.

I
~1t\NII';( IH I Cl ~_

em suas infinitas possib] I idudes , A purtir desse


revcluvu 11 si I11l:SI11U AHsi 111. O homem da caverna ut iIizundo os nulos IlUSpli 11 wi I'IIS
momento, a mão vai também criar o espírito, Ú siguificutivo que os 1\'lIll1livlIstil: íulhur u pedra, exercia na realidade um prodigimm l:slhr
poetas hajam percebido essas relações, exprimindo-as pOI' meio de 1,0 de ubstrucão, trabalhava rncntalmcntc, na sua rudeza bronca, Illuis
imagens subconscientes. Assim Horácio, que aconselhava aos poetas qm' () gr'ullde sábio moderno, precedido de toda uma civi Iizacão prcpu-
do seu tempo volver aos modelos gregos com mão noturna e diurna, nnóriu: 11 mão, fazendo a coisa, graças ao comando de um csptrito
assimilando o trabalho criador com o gesto manual de virar as páginas. uudn obscuro c pesado, ia, por seu lado, permitir o aparecimento da
Em carta de 27/5/ J 867, Mallarmé escreveu ao amigo Eugéne Lefébure f IlIgllUgcl1l,e mesmo provocá-lo. Que seja o nome' ou o grito, a frase
sobre a sua tentativa de transferir o pensamento do cérebro para a mão, OU 11 pulnvra que tenham aparecido inicialmente, a linguagem rcprcscn-
cabendo observar, a propósito, que o poema entre todos paradigmático (uvu O princípio da grande dominação do homem sobre as coisas. O
do "lance de dados" (publicado pela primeira vez na revista que os /'ilósofos chamaram de razão não é senão o conjunto da capa-
"osmopolis em 1897) sugere, antes de mais nada, um gesto manual cidndc ubstrativa do homem: e se ele se pode definir como um "animal
(não só do jogador, mas também do semeador). Wyndham Lewis, para sm:ial" é que a definição essencial está em ser um animal abstrativo. É
citar apenas mais um exemplo, via James Joyce essencialmente como () que escrevia Louis Couturat, citado por Remi Berr: "O homem não
artesão, mais executante que inventor: "o que o estimula é a maneira tl.!l11a razão por ser um animal social ou 'político", como dizia
defazer as coisas, os processos técnicos, e não as coisas que devem ser Aristótclcs; ele é um animal social porque possui a razão" .
feitas [ ... ] pouco lhe importava o que escrevia ou a idéia a transmitir,
desde que exercitasse a mão desta au daquela forma",
!\ linguagem
Num "Elogio da mão" que seria preciso citar por inteiro, Henri
Focillon escrevia que I 'esprit fait Ia main, Ia main fait I 'esprit, Mais t A linguagem él assim, do ponto de vista psicológico, como_a
tarde, num salto vertiginoso pelos séculos, encontraremos a mesma definia Ve~dryes,~ibwçãode-u~alor sim~ ao~maIJ-{p~o-
obscura colaboração na obra dos maiores artistas, na qual não se pode cesso que se funda, antes de mais nada, na abstração .e que, por isso
. em verdade distinguir o que nasceu no espírito e o que proveio da mão. mcsrno.vse distingue da "linguagem" de todos os outros animaislEsta
Na fonte dessa maravilhosa autonomia da mão - que não poderia última seria uma linguagem "natural", enquanto a linguagem do
existir se alguns milênios antes não se tivesse manifestado a autonomia homem é "artificial" e "convencional":
do espírito - está o processo de libertação do homem, que, com o
espírito e com a mão, se liberava pouco a pouco do mundo material. E l a linguagem humana não é menos natural que a do animal, mas se situa
num grau superior, porque o homem, tendo dado aos sinais um valor obje-
assim, como lembrava ainda Henri Focillon,
tivo, pôde fazê-Io variar por convenção infinitamente) A diferença entre a
é pelas mãos que se modelou a linguagem, a princípio vivida pelo corpo linguagem animal e a humana está na apreciação da natureza do sinal. (05 L//VI ••.,,j/'
todo inteiro e mimada pelas danças. Para os usos correntes da vida, os ges- cão, o macaco, a ave, fazem-se compreender dos seus semelhantes; eles
tos da mão lhe deram impulso, contribuíram a articulá-Ia, a separar-lhe os emitem gritos, gestos, cantos, que correspondem a certos estados psíqui-
elementos, a isolá-los num vasto sincretismo sonoro, a ritmá-Ia e, mesmo, cos de alegria, de terror, de desejo, de apetitejalguns desses gritos são tão
a colori-Ia de sutis inflexões. Dessa mímica da palavra, dessas trocas entre bem apropriados a necessidades particulares que se poderia quase traduzi-
a voz e as mãos, resta alguma coisa no que os antigos chamavam a ação los por uma frase em linguagem humana.[Entretanto; os animais não for-
oratória. A diferenciação psicológica especializou os órgãos e as funções. mam frases;(eles são incapazes de fazer variar os elementos dos seus gri-
Eles quase não colaboram mais. Falando com a boca, calamo-nos com as tos, por mais complexos que estes sejam, como nós fazemos variar as nos-
mãos, e, em alguns lugares, é de mau gosto exprimir-se ao mesmo tempo
sas palavras.jque são, na frase, elementos de substituição. Para eles, a frase
com a voz e com o gesto; outros, ao contrário, conservaram com vivacida-
não se distingue da palavra. Ainda mais: essa palavra mesmo, grito ou
de essa dupla poética: mesmo quando os seus efeitos são um pouco vulga-
sinal, como se quiser chamá-Ia, não tem um valor objetivo independente.
res, ela traduz com exatidão um estado antigo do homem, a recordação dos
Dessa forma, não é objeto de convenção, e, por conseqüência, a linguagem
seus esforços para inventar um modo inédito-.
animal não é suscetível de transformações nem de progressos; não existe
aparência de que o grito dos animais tenha sido outrora diferente do que é
"'0'"1 ",,\'111011, /'", rI"1 /')/'''11''', p. 104.
hoje. A ave que solta um grito para chamar a mão portadora duma folha
de nlüicc não tem conaclência do seu grito conto MIIIU!. A IInl!ltlllgenr 11111- nretcndtu tiO resumlrnutnr CO!l1a todo o problema, sua hubltunl ugude

rnul implica uma aderência do sinal com a coisa signilielldn. lIol'll que li zu, numa únlca frase: "toda linguagem 6 clipsc", O que se comprccn
aderência cesse e o sinal adquira um valor independente do objeto, é de melhor com o desenvolvimento que ele dá ao lema:
necessária uma operação psicológica, que está no ponto de partida da lin-
guagem hurnana". Se quero advertir o meu vizinho de que uma vespa entrou pela janela, 11!1()
necessito de longos discursos. "Atenção!" ou "lá!" - uma palavra bast«,
E Edward Sapir, escrevendo o artigo "Language" na um gesto - desde que ele a veja tudo está feito. Supondo que um disco
Encyclopcedia of the Social Sciences, chegava à mesma conclusão, ao reproduzisse sem comentários as conversas quotidianas de um casal de

observar que a Jinwg~m_ é Aue é não por causa do .seu admirável Provins ou de Angoulême, não compreenderíamos nada: faltar-nos-ia O
contexto, isto é, as lembranças comuns e as percepções comuns, a situação
poder expressivo, mas a despeito dele: "a linguagem em si mesma é
do casal e seus empreendimentos, em suma o mundo tal como cada um cios
uma complexa e maravilhosa mistura de dois sístemas.de.padrões, o
interlocutores sabe que ele aparece ao outro ... 6
simbólico e o expresiivo, nenhum dos quais poder-se-ia desenvolver
até à sua atual perfeição sem a interferência do outro". Tudo na língua é psicológico, na conclusão de Saussure,
Nada mais natural e lógico, portanto, que o pensamento, anterior "mesmo as suas manifestações materiais e mecânicas, como as mudan-
e superior às classificações gramaticais (que surgem de um imperativo ças de sons". Ora, quem diz psicológico, nesses domínios, diz, na ver-
racional não sabemos quantos milênios depois), tenha se realizado na dade, emotivo: a linguagem que exprime as idéias, exprime, antes de
linguagem por meio de blocos complexos e de sentido complexo, e não mais nada, os sentimentos71Daí o fato de a linguagem, ao contrário do
fragmentariamente, pela criação de palavra por palavra, como por tanto que se pensa comumente, não ter "nenhuma conexão direta com a rea-
tempo se pensou. É a lição de Vendryês, que Henri Berr resume ao lidade'": ela é, na verdade, um duplo reflexo, visto que o homem
dizer que "a frase é anterior à palavra e que a palavra é anterior à síla- somente percebe os objetos exteriores através dos sentidos, e a impres-
ba". Com efeito, a palavra já representa um esforço complementar de são assim envolvida é que se reflete na linguagem.~ natureza psicoló-
abstração com relação à frase, da mesma forma por que a sílaba repre- gica da linguagem já tinha sido realçada num livro célebre de Arséne
senta um esforço de abstração com relação à palavra e a letra será outro Darmesteter, para quem a semântica faz parte da história da psicologia
esforço de abstração com relação à sílaba. Dessa maneira, poderíamos e não da gramática", Outra não é a conclusão dos estudiosos modernos,
resumir esquematicamente toda a evolução da linguagem nessa evolu- de tal forma que Henri Berr pôde dizer que a linguagem é, desde as
ção do concreto para o abstrato, ou do menos abstrato para o cada vez suas origens, psicologia em ato. E emjaneiro de 1898, comentando no
mais abstrato. Obtido o ponto de partida, que era o de atribuir ao sinal Mercure de France o livro, então recente, de Michel Bréal, La séman-
um valor simbólico, pode-se dizer que todo o resto era apenas questão tique, Paul Valéry já mostrava que uma verdadeira teoria da linguagem
de tempo: o impulso inicial estava dado. deveria consistir no estabelecimento das suas relações fundamentais
Não pode haver, por conseqüência, nenhuma dúvida quanto à com o que se chama, por hipótese, o espírito, pela simples determina-
natureza da linguagem: trata-se, como dizia Richards-, de um fenôme- ção das "propriedades" que não são afetadas pelas diversas transforma-
no emotivo. Se ela, "como exteriorização direta do pensamento se ções lingüísticas. Essa posição é facilmente corroborada pela verdadei-
caracteriza pelo fato de que os seus elementos, as palavras, têm tanto ra identidade que existe entre a linguagem e o pensamento. Não há
um significado intuitivo-sensível quanto lógico-conceptual, sem que pensamento sem expressão, e a chamada "linguagem mental" não
nunca se possa determinar de um modo claro e inequívoco a relação poderia existir se não fosse precedida da linguagem propriamente dita.
que existe entre ambos esses grupos de valores">, a verdade é que os Nós pensamos "frases", não pensamos pensamentos: assim, a contra-
aspectos "intuitivo-sensíveis" são, não apenas historicamente anterio- prova demonstra que, se a linguagem é psicológica, o pensamento, por
res, como parecem dominar funcionalmente os demais. É o que Sartre
6Silllalions li, p. 117.
J Vcndryés, op. cit., p. 14-5. C 1".Bally, Traité de stylisüque française, t. I, p. 6, 8 e 286.
4 Prlnciples of llterary criticism, p. 273. Xl'li/llhcth Sewell, The structure ofpoetry, p. 4.
5 IImil Erl11t1tingcr, "Lu Icy en Ia ciencia literária", na obra coletiva Filosofía de Ia ciencia literaria, p. 381. tl( 'I' /,11 vie des mots, p. 88.

()
SlIlI vez, 6 verbal, uindu que não se exprima OI'UIIlH,Hlle, 1'\li conclusão 1i 1IIII/.IIIIKUIll humunn nQo pode. s()/,il1hu, torncccr li chuve de HlIlI ollfll'lll
1'(Ill'cessól'io suir do quadro que ti limita pura dominá-lu e ubruçn-ln: é pu
lique parece chegar um dos mais conceituados filósol'os contempo-
slvcl que o estudo compurutivo da linguugcm do homem e do quo su pod
râneos da linguagem: "A consciência existe, é incontestável, e atrás
reconhecer, sob diversas aparências, em diferentes espécies unimul«, ti
dela nada existe que possamos perceber. Mas ela não existe senão 111l11'llpologiue li zoologia combinadas, permitirão a obtenção de reHulllldos
acasalada à Iinguagem, e não é a primeira que aparece, é a segunda. novos em um estudo que ató agora não saiu dos domínios da mctaüslcn!'.
Sua função é a de se perder nesta última, obscuramente. Ela não pode
nem se contemplar a si mesma sem passar pela linguagem"!". Outro Um dos balanços do assunto, o que Sapir escreveu para li
II'I/(~l'('/()I)a'di" ofthe Social Sciences, afirma que a maior parte das tco-
grande ensaísta dos nossos dias, G. Morpurgo Tagliabue, escreve
I 111M que se têm erigido a respeito das origens da linguagem não passa
igualmente:
do "excrclcios de imaginação especulativa". Na sua opinião, os lingi.iis-
No momento em que me ponho a formular mentalmente um discurso, já
1111'1. em conjunto, desinteressaram-se do problema e isso por duas
não se tratará mais de uma intuição mental mas de um discurso fisico, no
III/'(ks:
qual os motores da laringe e da língua já estão interessados, no qual o pro-
cesso vocaljá está esboçado, e que é tão pouco intuição quanto as palavras I\111primeiro lugar, constatou-se que não existem verdadeiramente lingua-
que pronuncio em voz alta: não ideais mas reais. Se penso, exasperado: gens primitivas no sentido psicológico da expressão; que as modernas pes-
Cão! Canalha! sem abrir a boca, estai seguros de que não se trata de uma quisas arqueológicas prolongaram indefinidamente o tempo do passado
intuição, mas de uma invectiva realmente pronunciada com a boca fecha- cultural do homem e que por isso é vão atirar-se demasiadamente pelas
da. Trata-se de um discurso mimético, como posso mimar uma dança sem perspectivas abertas pelo estudo das linguagens atuais. Em segundo lugar,
me mexer, e que nem por isso será simples imaginação!'. nossos conhecimentos de psicologia, particularmente dos processos sim-
bólicos em geral, não são suficientemente completos ou não alcançam
Enfim, para Jean Hankiss, a "linguagem é o instrumento de aná-
suficientemente longe para nos ajudar no problema do aparecimento da
lise do pensamento", o que dá com rara justeza e concisão a idéia de
sua natureza específica e, ao mesmo tempo, demonstra ser correta a
linguagem. y
teoria acima exposta a respeito do processo pelo qual ela se formou 12. E Sapir retoma a velha conclusão, acima transcrita, de ,
E isso nos conduz ao problema entre todos insolúvel da origem da I)lIl'mesteter: "É provável que a origem da linguagem não seja um pro> \ )
linguagem. hlcma que possa ser resolvido apenas com os recursos da lingüística, \LS
O que fica dito é suficiente para discordar da hipótese de mlls que seja essencialmente um caso particular de um problema muito
Vendryês segundo a qual a linguagem teria começado por ser "um sim- muis amplo, o da gênese do comportamento simbólico e da especiali-
ples canto ritmando a marcha ou o trabalho das mãos, um grito como znção desse comportamento na região laríngea, que somente com ela
o do animal exprimindo a dor ou a alegria, manifestando o medo ou o tcrla dado início às suas funções expressivas". E como Darmesteter,
apetite". E isso porque é pouco provável, segundo vimos, que o grito Supir acredita que algum auxílio subsidiário nos poderia vir do estudo ~ "

tenha sido efetivamente o núcleo em torno do qual a linguagem veio a <111 linguagem infantil. ~ ~ ')
se formar por "diferenciações sucessivas". Admitir essa teoria é Seja como for, é inegável, como diz Vendryês, que um "elemen-
regressar às explicações onomatopaicas que são de todo em todo to racional" se desenvolve pouco a pouco na mentalidade mística do
insatisfatórias. É que as hipóteses puramente lingüísticas são insufi- primitivo e termina por predominar, Dessa forma, a linguagem cami-
cientes por completo, o que, de resto, o próprio Vendryés admite na nha do concreto para o abstrato e do místico para o racional.
inspiração que, em conjunto, preside o seu livro. Arséne Darmesteter, Racionalizar o real é, ao mesmo tempo, sujeitá-lo à norma do conven-
mesmo se recusando a escolher qualquer das teorias correntes ou a cional: de emotiva que deveria ter sido em seus primórdios, a lingua-
levantar uma nova, parece-me em melhor terreno ao pensar que gem alcançaria o plano convencional em que já a encontramos por
mais antigas que sejam as línguas tomadas para estudo. Racionalizar a
11I1ll'icc Paruin, eu. por M.-J. Lefebvre, Jean Paulhan, p. 245-6.
1i1/ ('OIlCel/1I dello stile, p. 240. I I()I' ,'li .• p, 5.
12( T. 1.(/ I/lIh,(I/III'(' et la vil', 1'. 26-7. ~ c-
"I, ,
.' 'o -"I""i o
C' rr: ~
I J J
I~ ~i•
:xprl.~HSn()omotivu é, igualmente, submeta-lu ti umu regru: ti uel'iniçl\o Todo esse mugnlf'ico ensaio 6 pUItl S(,)I lido, pois 010 rortutccc li
muis gerul que se possa dar à linguagem, segundo vcndryes, é ti de ser xinclusão li que Hrunctiórc iria chegar num outro livro: "[pode-se]
um s/,\'((,I/1U de sinais. Ponto da maior importância para o nosso tema, dizer que Moliõrc teria escrito menos bem se tivesse escrito melhor;
porque(n cscritajdc onde nascerá o livro, é, da mesma forrna.jurn si..§- que o seu esti 10seria menos essencialmente cômico se se apresentasse
rema de sinais) ela 6, como a mímica, na feliz expressão do mesmo com maior compostura e unidade, se não fosse, antes de mais nada, um
Yendrycs,~lma linguagem visual) São esses sinais que Bally preferiu csu'1OjCl,a
f' I d o "16 .

denominar "símbolos de expressão", para acentuar, provavelmente, o O mesmo Brunetiére observava que, numa sociedade que já
HCU caráter convencional e emotivo. Assim encarada/a Iinguagem pos- era homogênea, na qual as condições se confundiam cada vez mais
sui como função suprema a comunicação e resulta dos contactos "sob a uniformidade da aparência exterior", que em tudo caminha-
sociais: ela é "o fato social por excelência"l'y A sociedade permitiu e va para uma estandardização cada vez maior, apenas uma coisa
mesmo obrigou o aparecimento da linguagem, mas é a linguagem que
colocava alguma diferença entre os homens e era precisamente a
possibilitará à sociedade o seu estabelecimento propriamente dito, que
Ii nguagem,
transformará as relações transitórias do encontro nas relações duradou-
ras da convivência. Assim, a linguagem variará de acordo com os gru- a maneira diversa de traduzir os mesmos pensamentos. O próprio tom que
pos sociais, porque os exprimirá em sua mais funda realidade: a lingua- se dá às banalidades da conversação corrente é uma declaração do estado
gem, como dizia uma frase célebre a propósito da literatura, é a das pessoas, mas, as palavras, por maioria de razões, e a maneira de asso-
ciá-Ias, são reveladoras da educação, dos hábitos, do meio. Quando os
"expressão da sociedade", como a sociedade é, em grande parte, uma
comediógrafos querem obter um efeito certo de riso grosseiro, fazem falar
expressão da sua linguagem.
as duquesas do Palais-Royal como se fossem cozinheiras, e os criados de
Os grandes escritores, em particular os grandes escritores de
quarto das Variedades como se fossem embaixadores.
teatro, graças às faculdades divinatórias dos gênios, compreenderam-
no, por assim dizer, instintivamente. Moliére, entre outros, é conheci- A linguagem continua refletindo, por conseqüência, uma reali-
do pelo extraordinário poder que possuía de criar cada personagem dade psicológica: assim, por exemplo, se o homem do povo emprega
com a linguagem característica do seu meio, da sua profissão, das suas palavrões e blasfêmias em sua linguagem corrente, é que eles não lhe
origens sociais ou das suas pretensões. Albert Dauzat observa que nas são senão um sinal ou uma tradução habitual das suas emoções. O que
suas comédias em prosa ele se mostra um escritor admirável: "não
já não acontece com o burguês, para quem os palavrões ainda conser-
somente faz com que cada personagem fale a linguagem da sua condi-
vam o seu sentido original e despertam imagens desagradáveis ou
ção, mas ainda possui o estilo mais vivo de sua época [... ] um verda-
deiro estilo de teatro'">. E Brunetiêre, num admirável estudo sobre a -grosseiras que nem de longe ocorrem ao espírito do indivíduo rude que
língua de Moliere, afirma que todos os personagens não poderiam os repete dez vezes por dia!".
falar a mesma língua: Um grande especialista moderno escreve a esse propósito que
Alceste ou Célimene exprimirem-se como Martine ou George Dandin, e .) (a linguagem é ainda e acima de tudo um fato social porque classifica de
. ---------._------ --_._----- -_._--.~_.- - _._- ._', -~~--
que, se isso é evidente quando se trata de "criados" ou de "campônios" que , uma maneira ou de outra o sujeito que fala.jSem dúvida, ela o classifica
se escutam, já o é menos, embora nem por isso pouco exato, quando se individual~~nte antes declassificá-lc socidlmente; além disso, quando o
trata das "mulheres sabichonas", ou dos seus "burgueses" ou dos seus classifica num grupo, esse grupo é uma realidade mal definida, não possui
"gentis-homens". Poderemos censurar-lhe ter falado em algum lugar de a rigidez de uma classe social no sentido estrito da palavra: é apenas um
um vinho "à sêve veloutée, armé d'un vert qui n 'est point trop com-
meio ... o meio em que vive ou de onde provém o indivíduo com exclusão
mandant? Evidentemente, era o jargão dos gastrônomos da época ...
de outros ... Assim acontece, por exemplo, com quem fala gíria ...

14Vcndryes, op. cit., p. 13. É igualmente a constatação de Sapir: "The primary function oflanguage is gen-
crully suid to be communication. There can be no quarrell with this " [Diz-se comumente que a função prin- 16Cr. lillldes critiques SUl' l'histoire de Ia littérature française, V. VII, p. 85 e s., e Histoíre de Ia littérature
/;'(111(''';''(' classique, t. lI, p. 439, 442 e 453.
C~'111du linguagem é a comunicação. Não se pode discordar disso ], op. e loc. cit,
171l1't1l1clicrc.l.e roman naturaliste, p. 285-337.
I Préc!s d 'liistoire de Ia langue et du vocabulairefrançais, p. 35.
dude, '\'0111'1(1(111 cntrctunto un: dOM Hl'\II'lllIllm~s tllllis illlpmllltllllH, dl'ltll
o meio scriu, pois, nu ccncchuução
LillgUisLit;ullll.:nl(;, de Bally, o
que se pode nl'irmur que 'vndu hlioruu possui umu Iht'IlHlCHpl
l1111tH,'I\'lI
conjunto de pessoas para as quais cada tipo de expressão 6 familiar, e o ritunl peculiar'. Llt11l1 'linguagem' diferente". (~o que cosfUt11IlI1WS chn
conjunto dc circunstâncias que lhe determinam a criação c a conservação. I11UI'
cumurncntc com a expressão vagu c indcf'inlvcl de "espírito du 1111
I ... ] Assim, o que entendemos por meio não implica nenhum caráter geo- gua". Todos os que praticam mais de um idioma "sentem" a t'esislCII
gráfico ou topográfico; não nos devemos representar os indivíduos como cia de cada um a certas formas de linguagem que, embora grumuricul
submetidos à ação de um meio como se formassem uma sociedade orga- mente corretas, não pertencem ao seu "espírito". É que cada ltnguu,
nizada, uma espécie de corporação; ainda que isso ocorra freqüentemente, antes de ser propriamente uma língua, é uma linguagem, isto 6, obcde
essa condição não é de forma nenhuma necessária. Longe de se justapo- ce talvez mais a reflexos de ordem afetiva que a reflexos de ordem inte-
rem sob a forma de agrupamentos de pessoas, os meios imbricam uns nos lectual. A língua, gramaticalmente falando, é uma espécie de racionn
outros e se penetram reciprocamente. Como as malhas trançadas de redes lização da linguagem, e, como tal, circunscrita em limites que não
diferentes, os fios tensos dessas influências muitas vezes contraditórias abrangem a totalidade da sua esfera de ação. Por isso mesmo 6 impos-
podem se encontrar num mesmo indivíduo, que será, por conseqüência, sível distinguir, nos fatos de linguagem, o que pertence ao domínio do
uma resultante 18. afetivo e o que pertence ao domínio do intelectual: ambos se contami-
Meillet, citado por Henri Berr, chegou mesmo a fazer desse nam mutuamente de maneira inextricável, mas sempre é certo que 6 o
fenômeno uma espécie de lei lingüística: "O princípio da maior parte racional que dá a "ordem", a "organização" da linguagem; é o afetivo
das modificações de sentido reside na repartição dos sujeitos falantes que lhe dá a "coloração", a "expressividade", Eis porque, como obser-
entre os diversos grupos sociais e na passagem das palavras de um vava Bally,
grupo social para outro". um estudo da linguagem que não se guie senão pela lógica é um estudo
r Como veículo de comunicação, a linguagem desempenha simul- incompleto; todo um domínio da expressão lingüística permanece inaccs-
sível aos processos puramente intelectuais em que até agora se resumiu
taneamente várias funções, entre as quais Richards distinguia quatro
toda a ciência da linguagem; entre esses dois pontos de vista extremos, a
principais: o sentido, o sentimento, o tom e a intençãQ~ É que, embora gramática de um lado, que é apenas a lógica aplicada à linguagem, e o
sempre se fale para dizer alguma coisa, vários elementos complemen- estudo da expressão literária de outro lado, há lugar, segundo cremos, para
tares do sentido propriamente dito podem afetar, e em geral afetam, o uma disciplina distinta: a observação puramente científica dos caracteres
alcance, o efeito ou a eficácia do que se diz. O que exprimimos, não é afetivos da linguagem organizada ...
expresso neutramente: nós nos colocamos em face das coisas com uma
Bally lembra, ainda, que as palavras mais comuns, como calor;
certa atitude, com uma coloração própria, que a linguagem não deixa frio, andar, correr, etc., evocam sentimentos antes de despertar idéias:
de refletir. Da mesma forma, quem fala adota uma atitude com relação "pode-se ter quase certeza que, segundo as pessoas ou as circunstân-
a quem ouve. Escolhemos ou arranjamos as nossas palavras de acordo cias, a frase: 'está chovendo' fará surgir uma impressão de prazer ou
com o interlocutor, e isso marca, justamente, o tom da linguagem. de desagrado antes de fazer conceber a idéia de chuva". Isso é particu-
Enfim, além do sentido, do sentimento e do tom, existe a intenção de larmente visível no emprego dos adjetivos: depois do substantivo, eles
quem fala, que pode ser consciente ou inconsciente, e que dá à lingua- tendem a se revestir de um valor intelectual, determinado, definicional,
gem o último sinal que a distingue!''. ao passo que o seu valor será mais diretamente sensível, vago e evoca-
Pode-se ir até mais longe e dizer que se há uma linguagem para tivo quando precedem o nome. Basta recordar expressões como "a
cada grupo, uma linguagem para cada indivíduo e, mesmo, uma lin- Grécia antiga" e "à antiga Grécia" para senti-lo; "uma verde campina"
guagem para cada interlocutor, existe igualmente uma linguagem para não significa, nem para quem fala nem para quem ouve, o mesmo que
cada povo, visto em seu conjunto. Hermann Gumbel observava a esse "uma campina verde". Bally me parece, por conseqüência, irrefutável
propósito-v que a linguagem, não sendo nem constituindo a nacional i- quando escreve que não existem na linguagem, em que tudo se funda
numa irnensa síntese, dois sistemas distintos, um de valores lógicos,
IXOally, 01'. cit., t. I, p. 10,218 e 220. outro de valores afetivos: "somente uma abstração necessária do espí-
191. 1\. Richards, Practical criticism, p. 180 e s. rito pode separar essas duas ordens de valores".
20No j,\ citado 1,'i/o.\'Ojia de Ia ciencia literária, p. 80 e s.

~
!\ I inguugem C as línguas tl11llplll' III0do HI11IllXpleHHIIH 1'lIlllll"lIl1ll1dlll~till pIl'dHIlO I' 1'11111111,1 11t[1! I
II~'VlIllCdlldll de leClIl'SOH,I'()I'I.'IIIINIIIIIIHIll'IIHIlllpllcul;l\IlH IOIIIIlIiMtllI jlIIIII
Quanto à sua natureza intrínseca, as línguas formas concrc- vru em si I11CSIIHI,U scntcncu tende u não Hcr tllo ultumento 1.'1I~IUIUll 11111.
tas c cspccí ficas da linguagem - podem ser classi l'icadas, segundo nada quanto nos tipos untcriorrucntc citados, EI1IiI11,llH IfIlHlItlHPOllllNlllh
Supir, ou estrutural ou geneticamente: ticus juntam à complexidade formal do tratamento dus idéltlH ICllldollllhl
tundarncntais li possibilidade de arranjar um certo número de id~illH III~I
Uma adequada análise estrutural é um intrincado problema, e nenhuma das carncntc distintas, concretas, dentro de um conjunto ordenado 110il1tcl itll
classificações até agora sugeridas parece abranger a complexa varie- mesmo da própria palavra. O esquimó e o algonquino são OH l'Il'lHHilll
dade das formas conhecidas. Distinguem-se geralmente três eritérios de exemplos deste tipo.
classificação: o relativo grau de síntese ou de elaboração das palavras da Do ponto de vista da coesão mecânica com que os elementos do pllhlVl1I "li
língua; o grau em que as várias partes de uma palavra estejam fundidas unem entre si, as línguas podem ser grupadas em quatro tipos, () plll1ll,)lllI
entre si; e a extensão na qual os conceitos fundamentais de relação da lin- deles, no qual não existe esse processo de combinação, é o tipo isohrnrc i
guagem são diretamente expressos como tais. Com relação à síntese, as referido. Ao segundo pertencem todas as línguas em que a palavra pod
línguas percorrem todos os graus, desde o tipo isolante, no qual a palavra ser adequadamente analisada em uma soma mecânica de elementos, cndu
sozinha é essencialmente não-analisável, até o tipo representado por mui- um dos quais tem um sentido mais ou menos claramente estabelecido c
tas línguas indígenas americanas, nas quais a palavra isolada é funcional- pode ser regularmente empregado em todas as outras palavras em que
mente muitas vezes o equivalente de uma sentença com vários sentidos entrem as noções associadas por eles representadas. São as chamadas Iln-
concretos que na maioria das línguas exigiria o emprego de grande núme- guas aglutinativas. A maior parte das línguas parece valer-se da técnica
ro de palavras. aglutinativa, que apresenta a grande vantagem de combinar a análise lógi-
Quatro estágios de síntese podem ser convenientemente reconhecidos: o ca com a economia de meios. As línguas altaicas, das quais o turco é um
I tipo isolante,l o tipo sintético fraco,\~ipo sintético pr~meE!~ d~d e o bom exemplo, e as línguas bantu são formalmente aglutinativas. No tercei-
tipo polissintéticoi O exemplo clás~ico do primeiro é o chinês, o qual1não ro tipo, as chamadas línguas inflexivas, o grau de união entre o radical e
-admite-que- as palavras sejam modificadas por mudanças internas ou pela os prefixos e sufixos modificativos é maior do que nas aglutinativas, e
adição de sufixos ou de prefixos para exprimir conceitos como os de assim é muitas vezes dificil isolar o radical e distingui-lo dos elementos
número, tempo, modo, caso e outros semelhantes. Segundo parece, é um acrescentados. Mais importante do que isso, entretanto, é a inexistência de
dos mais incomuns tipos de linguagem, representado por diversas línguas uma correspondência completa entre o elemento lingüístico e a noção por
da Ásia oriental. Além do próprio chinês, o siamês, o birmanês, o tibetano ele representada nas línguas aglutinativas. No latim, por exemplo, a noção
moderno, o anamita e o khmer, ou cambojiano, podem ser apontados de pluralidade é expressa através de uma grande variedade de recursos que
como exemplos. As velhas teorias que encaravam essas línguas como parecem ter pouca relação fonética uns com os outros. Por exemplo, a
representativas de um estágio peculiarmente primitivo na evolução lin- vogal ou ditongo final de equi (cavalos), dona (dons), mensce (mesas) e a
güística estão praticamente abandonadas como antiquadas, De toda evi- última vogal ou consoante de hastes (inimigos) são elementos funcional-
dência, ao contrário, tais línguas serão o extremo lógico do desenvolvi- mente equivalentes cuja distribuição depende de fatores puramente for-
mento analítico de línguas mais sintéticas, que, por força de processos de mais e históricos sem nenhum relevo lógico. Além disso, no verbo a noção
desintegração fonética, tiveram de reexprimir, por meios analíticos, com- de pluralidade é expressa de maneira completamente diferente, como nas
binações-de.idéias originalmente expressas através de simples palavras. O duas últimas consoantes de amant (eles amam), Contrapõem-se favoravel-
(tiRO sintético ~ representado pelos mais familiares dentre os idiomas mente, com freqüência, as qualidades "químicas" dessas línguas inflexí-
m;&fii()'fôàcü-fõt,a, como o inglês, o francês, o espanhol, o italiano, o veis como o latim e o grego às sóbrias qualidades mecânicas de línguas
alemão, o holandês e o dinamarquês. Essas línguas modificam as palavras como o turco. Mas essas avaliações podem ser abandonadas como anti-
em certa extensão, mas dispõem apenas de uma moderada elaboração for- quadas e subjetivas. Elas se devem, obviamente, ao fato de estudiosos que
mal da palavra. A forrriação do plural em inglês e em francês, por exem- escreviam em inglês, francês ou alemão terem encarado estruturas lingüís-
plo, é relativamente simples, e os sistemas de tempo e modo em todas as ticas que mais se aproximavam das suas próprias como se representassem
línguas deste tipo tendem ao emprego de métodos analíticos como suple- uma vantagem ideal. Como um prolongamento das línguas inflexivas pode
mento ao velho método sintético. O terceiro grupo é representado por l{n- ser considerado um quarto grupo, no qual os processos de solda, devidos
guas como o árabe e as primitivas línguas indo-européias, como o sânscri- à operação de complexas leis fonéticas, foram tão longe que resultaram na
to, o latim e o grego. São todas línguas de uma grande complexidade for- criação de padrões de mudança interna nos elementos nucleares da língua.
mal, nas quais as idéias classificativas, como as de gênero, número, caso, Alguns exemplos familiares em inglês, como as palavras sing, sang, sung,

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,\'rJlI~ SCIVilll0 purn dnr UI1H1idéiu dll 11111UI'C/II
deNNlIN~'Hlltlltll'(lSque se ~II\IIIIIIII()IIlIIIllH, como os tll~IIIIIJIIIIIII
pndcm chumur "simbollsticas". Às espécies de IIH)dilklIÇIIOintcrnu que se NOIIC, cspolhllll1 SI: pOI ItllllooN1111111'11111\ li
podem reconhecer são mudanças na qualidade vocállcu, I1I1Sconsoantes, dos Illl11l1iuslingOlslícus c do IlIIlltllhll 1I1111~1""il llll!liill'l
nu quantidade, vários tipos de rcduplicação ou repetição, mudanças de ÇllCSentre us llnguus nelas incluklux ~ 111111 Illh IIlItI~1',1111~CI li'illfH1nÍI
acento e, no chinês e em muitas das línguas africanas, mudanças de diapa- momento. Hustu dizer que UCOll1pOI(I~'i1() 1"111111111111
1111,",,111111''I 1,,1i
são. O exemplo clássico desse tipo de linguagem é o árabe, no qual, como
VI'HSÓ de pequena importância. À cxp\lllem'llI d\'IIIIIIINIIIIIIIIIII1111111111 '111
nas outras línguas semíticas, o sentido nuclear é expresso por seqüências
íonérlcos muito precisos podem se est!lh~'Il'eel ~'IIII~'11M1l111'i"I~til ""1
de consoantes, que têm, contudo, de ser ligadas a vogais significativas
grupo e que no conjunto fundamental dos tlspeelos IlHlIlolóllll'O~ II'IIIh-11l1I
cujos padrões de seqüência representam funções fixas independentemente
se preservar por longos períodos ele tempo. Assim, () lilllIIlHlIIHlIkIIHI~, /111
dos sentidos expressos pelo enquadramento consonantal. [.,.]
estrutura, no vocabulário e, em grande parte, até nos pudrôeH li)llCllll~'O~,11
A classificação genética das línguas funda-se no seu arranjo em grupos
língua que melhor pode se apresentar como o protótipo de lodus IISIlngulIH
e subgrupos de acordo com as linhas principais de conexão histórica,
indo-européias em seu conjunto. A despeito de que as classi ficucõc» esuu
identificadas ou pela evidência documental ou por uma cuidadosa com-
rurais não se relacionam, em teoria, com as genéticas, e apesar de Sl.l
paração das línguas estudadas. Por força dos efeitos longínquos das len-
conhecerem as influências mútuas entre as línguas, não somente I1Uíoné-
tas mudanças fonéticas e de outras causas, línguas que não eram origi-
I ica e no vocabulário, mas também em larga mediela na estrutura, nUI) Ó
nalmente senão dialetos de uma mesma forma lingüística divergiram
tanto que não mais parece serem desenvolvimentos particulares de um lrcqiicnte encontrarem-se línguas de um grupo genético que apresentem
único protótipo. Uma enorme soma de trabalho já foi empregada na clas- estruturas irremediavelmente irreconciliáveis. Assim o inglês, que 6 urna
sificação e subclassificação genética das línguas, mas inúmeros proble- das últimas línguas conservadoras indo-européias, tem muito mais pontos
mas ainda esperam pesquisa e solução. Atualmente, o que se sabe com de contacto com um idioma remoto, como o sânscrito, por exemplo, do
segurança é que existem largos grupos lingüísticos, ou famílias como que com o basco ou com o finlandês. Da mesma forma, por diferentes que
são freqüentemente chamados, cujos membros, grosseiramente falando, sejam o assírio, o árabe moderno e as línguas semíticas da Abissínia, apre-
podem ser tidos como descendentes lineares de línguas que se podem sentam numerosos pontos de semelhança em fonética, vocabulário e estru-
reconstituir teoricamente em suas principais configurações fonéticas e tura que os distinguem, digamos, do turco ou das línguas negras das nas-
estruturais. É óbvio, entretanto, que as línguas podem divergir ao ponto centes do Nil021.
de perder qualquer traço de suas relações originais. Além disso, é muito
Esses tipos de classificação estrutural e genética de Sapir cor-
perigoso pretender que as línguas não são senão membros analíticos
divergentes de um único grupo genético, simplesmente porque todas as Iespondcm aos tipos denominados, respectivamente, racional e natural

evidências respondem pela negativa. por Vcndryes, em seu artigo para o Larousse du xxe siêcle. Eis, entr.e-
A única oposição admissível é a que se pode estabelecer entre línguas tunto, a crítica que ele lhes faz:
cujas relações históricas são conhecidas e línguas cujas relações históricas
Uma das classificações racionais consiste em distinguir as línguas sintéti-
são desconhecidas. Línguas sabidamente relacionadas não podem ser legi-
timamente comparadas com línguas sabidamente não relacionadas. Pelo cas e as línguas analíticas, mas essa distinção tem o grave defeito de não
fato de que as línguas se diferenciaram em diferentes graus e por causa dos estar de acordo com a classificação genealôgica, classificação natural e,
importantes efeitos da difusão cultural, o que fez com que idiomas estra- portanto, mais objetiva: o latim e o francês, que pertencem à mesma famí-
tegicamente situados, como o árabe, o latim e o inglês, tenham dominado Iia, são, o primeiro, sintético, o segundo, analítico. Propôs-se, outrora, a
grandes superficies do mundo em detrimento de outros, as condições mais divisão de todos os idiomas em três tipos: o tipo isolante ou monossilábi-
variadas prevaleceram no que concerne à distribuição das famílias lingüís- co, o tipo aglutinador e o tipo flexional. Essa classificação desperta as
ticas. Na Europa, por exemplo, existem apenas duas famílias lingüísticas seguintes objeções: 1) há línguas cuja estrutura morfológica dificilmente
de importância atualmente representadas, as do indo-europeu e as do ugro- se enquadra em qualquer desses tipos; 2) é raro não encontrar em cada lín-
finês, das quais o finlandês e o húngaro são exemplos. Os dialetos bascos gua e na mesma época processos que respondam aos três tipos de estrutu-
do sul da França e do norte da Espanha são sobreviventes de um outro ra; 3) é falso que as três formas lingüísticas representem os três estágios
grupo, aparentemente isolado. Por outro lado, entre os aborígenes da da evolução da linguagem, e que toda língua tenha sido monossilábica,
América a diferenciação lingüística é extrema, e um número surpreenden- para se tornar em seguida do tipo aglutinador e t1exional. ',: _ \f)
temente grande de famílias lingüísticas não relacionadas pode ser reconhe-
cido. Algumas dessas famílias ocupam áreas extremamente pequenas, 11dw,"d Sapir, artigo "Language", na Encyclopiedia of the Social Sciences.

<~
 termlnologlu de Saplr, em purtlcular no que H\,) relere uo grupo indo UIIUIIIIH; IlngulIs it'Ul1iullus: IlIkllllllllll, 1110
métíco, corre o risco de provocar um mal-entendido dos muis graves: IlngllllH ilúlicHH C românicas; IlngUIIH l'I"lIll 1111
6 que "nada existe de comum entre o 'parentesco' das línguas e a filia- 1I11S bálticas e estavas; arrnênio, albulI"",
cão ou a geração, no sentido fisiológico desses termos". É que, dife-
rentemente da geração propriamente dita - que subentende necessa- 'V I\. cscri ta
riamente a sucessão no tempo - o estudo do parentesco lingüístico
01110 e em que momento a linguagem se dlvcralrlcou \.'11\ 111111
exige a combinação dos dois aspectos simultâneos pelos quais as lín-
guas evoluem, o aspecto sucessivo e o aspecto sincrônico. Mesmo esse mas, como e em que momento a linguagem auditiva se transformou cru
famoso indo-europeu, portantotempo considerado a "mãe" de uma linguagem visual, com a invenção dos primeiros sistemas de cscritn,
infinidade de línguas, são problemas até agora não resolvidos e que, segundo toda probabi I i-
dade, continuarão para sempre insolúveis. O que é certo é que a "his-
não tem nenhuma realidade concreta: ele não passa, como já se disse, de
tória da escrita é em essência uma longa tentativa para desenvolver um
um "sistema de correspondências". Do que decorre que o maior conhece-
dor do indo-europeu seria incapaz de exprimir nessa língua uma frase tão simbolismo independente com base na representação gráfica seguida
simples como "o cavalo corre" ou "a casa é grande". O que sabem os mais da lenta e amargurada constatação de que a linguagem falada é de um
hábeis se reduz aos princípios da estrutura gramatical: ninguém pode falar simbolismo mais poderoso do que qualquer esp~cie de gráfico e que
o indo-europeu, mas um lingüista deve ser capaz de dizer quais eram as verdadeiro progresso na arte da escrita repousa no abandono virtual do
categorias dessa língua e como se exprimiam, que valor tinham os sufixos princípio de que originalmente partiu"23.(A escrita é apenas um - pro-
e as desinências-", '
vavelmente o mais perfeito e o menos obscuro - entre inúmeros
Seja como for, os lingüistas costumam distribuir as principais outros sistemas de linguagem visual: a essa mesma categoria perten-
línguas atualmente existentes nos seguintes grupos: cem os desenhos, a mímica, os códigos de sinais marinhos e terrestres,
1. Línguas monossilábicas: Chinês e seus dialetos; siamês, birma- luminosos ou não, os gestos, em particular a linguagem por gestos dos
nês, tibetano e algumas línguas himalaias; o anamita, o cambojiano, etc. surdos-mudos, etcj)A razão nos levaria a pensar que tais sistemas são
2. Línguas aglutinantes: I. Família malaio-polinésia (malaio, posteriores à linguagem auditiva, mas nada se sabe a esse respeito, e
javanês, maori, etc.); 11. Família dravidiana (tamul, canarês, etc.); não seria desarrazoado, igualmente, supor que alguns desses rudimen-
Ill. Idiomas colarianos; IV. Família uralo-altaica (finlandês, lapão, fures recursos de linguagem visual tenham mesmo precedido a lingua-
húngaro, samoieda, turco, mongol, calmuque, mandchu, etc.); V. gem auditiva. Ou que haja entre eles certa simultaneidade, como quer
Japonês (talvez uralo-altaico); VI. Coreano; VII. Grupo bantu Vcndrycs. Seja como for - e é o próprio Vendryês quem o observa-
(cafre, zulu, etc.); VIII. Línguas dos negros da África (uolofe, haus- u maior parte das linguagens visuais de que hoje dispomos deriva-se da
sa, etc.); IX. Línguas africanas de consoantes explosivas (hotentote, I inguagern auditiva. Isso é particularmente verdadeiro da escrita, e por
boximane, etc.); X. Línguas do Cáucaso (georgiano, laze, etc.); XI. III nos colocamos em cheio no centro do problema que nos preocupa.
Línguas hiperborianas (aleúte, esquimó, etc.); XII. Línguas austra- James G. Févrierjno admirável livro que consagrou à história da
lianas; XIII. Línguas dos negritos; XlV. Línguas dos papus; xv. ;sl:rità,~àsSím-resuIDíü,'"panoramicamente, as etapas essenciais doseu '
Línguas americanas (algonquino, iroquês, delauar, araucânio, etc.); desenvolvimento:
XVI. Basco.
1.°)O homem primitivo dispõe de uma multiplicidade de meios de expres-
3. Línguas flexionais: I. Família camito-semítica, compreenden- são, que vão da linguagem oral ao desenho, passando peJo gesto, pelos
do, por um lado, o egípcio antigo, o copta, o berbere e as línguas etió- nós, pelos entalhes sobre matéria dura, etc. Desses meios de expressão,
picas; por outro lado, o assírio, o hebreu, o fenício, o caldaico, o siría- uns são transitórios, outros são duráveis. Apenas subsistirão os que forem
co e o árabe; 11. Família indo-européia: sânscrito, prácrito e línguas suscetíveis de maior aperfeiçoamento, ou seja, entre os primeiros, a lin-

22CI'. Vcndryés, op. cit., p. 349 e s. '\~"I'Io. "I'. c loc. cit.


Mi\NIISt'1(11() -:--,::======~---- 1'10

guugcrn, sob a forma de linguagem articulada, e, entre os segundos, fi do. IlUIUI'IIlIlH.:ntu. O rompo nuccSS(1I 10 pnrn O "lIpcII'cic,:OIlI1lCIl10" dl
escrita propriamente dita. Nesse primeiro estágio, as formas embrionárias 1111111 um d(;lus, pode-se aflrrnur, no l'ollln'lI io, que cudu SiStUlllll 10
de escrita podem ser ditas autônomas. "ruvcntndo" de uma só vez e que nenhum dclcs "produziu" o segllilll"
v 2.") Durante um segundo período, a escrita tende a coincidir com a lingua- 1\ "evolucão'' da escrita 6 uma vista puramente teórica e lógicu qu
gem articulada, mas não se trata ainda senão de uma correspondência
IIIII~'IIsobre episódios muitas vezes contemporâneos, mas dcsligado
aproximativa; um sinal escrito ou um grupo de sinais visa sugerir - não
lllll~' si. Nada indica, com efeito, que a ~scrita idcográf'ica tenha sido
dizemos anotar - toda uma frase. Disso resulta que o sistema gráfico, por
mais engenhosamente que tenha sido concebido, permanece em perpétuo IIIVl'llllIlI1Ipor homens que não mais se satisfaziam com a escrita picro
devenir, porque o número de pensamentos e por conseguinte de frases pos- li'IIkll. U menos ainda que a escrita fonética tenha nascido de umn
síveis é praticamente infinito. Os esboços dessa espécie de escrita podem 10ll/oll'i~llçju da insuficiência dos sistemas ideográficos, Não há, entre
ser qualificados de sintéticos. Os alemães chamam-nos de Idee~rchrifi, MMIIH sislel11us, nenhuma sucessão necessária no tempo, sendo que
"escrita de idéias". 1'III11'IIIIIllOStender ao pensamento de que/são antes razões de ordem
3.°) Nesse momento, um novo progresso se realiza: o sinal não evoca mais l'Ogn'lf'icll que devem ter predominado, ao lado de outras, mais com-
uma frase, mas anota uma palavra. Progresso de uma importância incal- I'IUIIIII'I.II~ ordem social] E a prova é que, até hoje, sistemas pictográfi-
culável. Daí em diante a elaboração dos sinais da escrita escapa ao arbitrá-
\ WI 11 ideográficos se perpetuam, em círculos restritos no espaço,
rio: o número de palavras sendo finito, o das palavras usuais sendo restri-
1111111)1'11. muitas vezes, numericamente importantes: no mesmo instan-
to, pode-se ter um só sinal, e sempre o mesmo, para cada palavra. Assim
se constitui um estoque de sinais de valor constante. Por outro lado, o texto 11 "111que o poeta de Oxford ou de Paris aplica em seu poema os mais
exato da frase se conserva, visto que essa frase é decomposta em seus ele- Il'Ifllillllldos recursos da escrita fonética, qualquer selvagem da
mentos constitutivos, isto é, as palavras, e que cada um destes últimos pos- \II/clnílill ou qualquer iroquês pode se estar comunicando com os seus
sui sua notação própria. De sintética, a escrita se toma analítica ou ideo- 1I11,IIII1IlI~Spor meio da mais rudimentar "escrita" mnemônica.( t
gráfica. Os alemães dizem, nesse caso, Wortschrifi, "escrita de palavras". 11I1"lIllIllle. por conseqüência, abandonar de uma vez para sempre a
_ \ 4.°) Enfim, uma nova e decisiva simplificação aparece. Da mesma manei- di 111dI' umn "evolução" da escrita: há "evolução" dentro de cada sis-
ra por que há menos palavras que frases, o número de sons ou de elemen-
IUIIII. 11111101' ou menor conforme os casos, mas não de um sistema para
tos fonéticos contidos nas palavras é muito menor que o das próprias pala-
t'mllo Nl10 hú "passagem" entre eles, e tudo indica que a sua invenção
vras. Se se anotarem, por conseqüência, não mais essas palavras, mas as
sílabas ou as letras, poder-nos-emos contentar com um volume de sinais 11111111 111"pondido, para cada um, a intenções completamente diferentes)
incomparavelmente mais restrito do que se recorrermos ao processo pre- ( '11110,sendo praticamente irresistível nesse caso a tentação do
cedente. A escrita será dita, então,jonética, porque ela não registra senão fllI hlllllio cvolucionista, é comum encontrá-Io entre os tratadistas anti-
os sons. Ela poderá ser qualificada de silábica ou de alfabética, conforme li' 11IIltldi!1'110S, sem excluir os que implicitamente o desautorizarn,
o trabalho de análise que implica seja levado mais ou menos longe-+. 1\11111 III1UIIlveremos. Na obra clássica que serviu de fonte para muitas
1111111114 ('/'l/t' ulphubet, 2 v., I 883)(Tsaac Taylor afirmava que o princí-
( Essa evolução demonstra que a idéia da escrita não se cristali-
zou de um só golpe no espírito humano. Longas etapas - que não são 1'IIII'\IIII1l'iollislu era "o guia mais seguro na investigação histórica": na
, , ....•.\ ..,. ,J.J ~ .-

sucessivas, nem no espaço nem no tempo - marcam, de um ponto de "I 1I(l11l1i11l. os hicróglifoscram a fonte de todos os alfabetos cxistcn-
It i. 1111114 11110percebia a contradição ao afirmar que havia nada menos
vista teórico, a sua evolução) Longe de confirmar a impressão de
tltl I 111I1l~l'IIl1des sistemas de escrita "inventados independentemente":
Lecoy de Ia Marche, segundo a qual "a escrita, como todas as grandes
descobertas, não foi inventada de uma vez só, mas empregou longos 111'1"11110. o cunciforrnc, o chinês, o mexicarnre o hitita) Tais sistemas,
1I-ll·NII·lIlt1VII."podem ser chamados de transicionais,lrepresentando o
séculos para se produzir, se completar, se aperfeiçoar">, os fatos pare-
I 'Hhl 111.'pussugcm da escrita puramente ideográfica para o sistema
cem demonstrar que cada sistema de escrita é independente dos demais
111111111\1 puro". 1
c não constitui um "aperfeiçoamento" dos anteriores. Assim, reserva-
HltI, uunbérn, o que pensava Edward Clodd, num livro de 190()
\(tllI' (!/'I"/, alphabet, rccditado em 1938), que, aliás, não recuava
24JllIt1CN Ci. Fév";cr, t tlstoirc de l'écriture, p, 10. Cr.; também, O. Weise, La escritura y e/libro, p. 9 e s.
~I tI\ 111111/11\'('1'11,\'rtla tnlnlature, p. 49. lilt dllllhslIrdo: "tudo indica que os sinais sonoros derivam dos pte-
nMi\NIIS('I{II'() -

tográficos". Esse tipo de dedução "lógica" reaparece num tratadista


mais recente, para quem a descoberta da escrita cuneiforme "mostrou
que o alfabeto (sic) era usado pelo menos desde 1500 a.C," (H. A.
Innis, Empire and communication, 1950). Marshall McLuhan reafir-
maria, entretanto, a verdade elementar: "a peculiaridade do alfabeto fi turubém /1\.:1<1 explicação rnüicu que H~ illlllllll 1111111
fonético consiste em que o som das letras nada tem com o sentido". 1111'"ll~'VI.'I'qU\.:("\.:l1lr\.:os primitivos as ronnUH 0l1lbllOlll'l11/1111 di llll 1111
'1111111111
~'oislI completamente diferente da 'notuçdu' PlIl'lIl'ltilllph'lf d"
A pictografia 1'11l'l1l111~'lllo"lEmtodos os casos por ele expostos, tI'llIU·HC,Jjl'lIl 1111\I
llll, ,h, IHm'~·dil11\.:ntosmágicos:
Assim, por exemplo, a escrita pictográfica parece responder a
necessidades ideológicas completamente diferentes das que iriam pro- III'II'M 111'10 scriu possível ver apenas uma mani('cSluçt10 UlilsllCII, 1>" 1l'~III,
IIH IlIlIllIlivos utuuis consideram "mágica" mesmo ti 110SSUescrhn IlHHk'1
vocar o nascimento do sistema fonético, estranhas a estas últimas e
1111No ('0111-10,certos mensageiros furam Com a lunçu ti cunu d(,) ~llIlJ 11011
muitas vezes antagônicas em seu espírito. Os nossos erros de visão 11I1I111I101U/I, "li tlrn de que ela não lhcs possa raiar", Em cenas tlihoM 11\1
provêm do fato de que, utilizando sistemas fonéticos de escrita, toma- 11111111111111, carregam-se as cartas dos europeus na ponta de um buslllo 11m
rno-los inconscientemente como termo de comparação, quando nenhu- "f"", cspéclc de isolante. O mesmo uso existe na Abissíniu: I11l1isuindn: IIll
ma comparação é possível. O que pedimos à escrita não é o que o pri- 11\'111111""'1' de ser assassinado o mensageiro em caminho, a cartu é rUNlwil1l
mitivo pedia aos recursos que convencionalmente também chamamos dll Mllilo muis carregados ainda de cflúvios misteriosos deveriam pllr(,)l'UI
1IIIIIIhlNSOSunccsírais da idade da pedra os desenhos gravados ou pintlldoH
de escrita. Tanto quanto se pode saber, as pinturas e esculturas das gro-
11111 qualquer n.:iliceiro!27.
tas pré-históricas não respondiam nem a uma intenção estética, isto é,
desinteressada, tendo em vista exclusivamente a beleza, nem a uma V\'lldlyl:S sugere a maneira pela qual começaram a se introduzir
intenção racional, isto é, lógica, tendo em vista a fixação e a transmis- 11I1'lIllIllduduprimitiva, que vive normalmente no estado mlstico, os
I\.t
são do pensamento: IIIIIIII'III)Melementos racionais:

observou-se que as decorações se situam a grandes distâncias subterrâ- I (I 1'"1110 de punida roi sem dúvida o fato de que o sinal cornportavn
neas, nas partes mais profundas e mais obscuras das cavernas, em recan- HllIlUllllneulllcnlc diversas interpretações e se prestava a diversos fins)
tos escondidos onde não se percebe nenhum traço, nenhum detrito que SI'lIdo crnboru () tulismã carregado de virtudes mágicas, o sinal upurcciu
possa fazer crer tenham sido regularmente habitados. Em Cabrerets \11111011reprodução material do objeto e, como tal, impunha-se ao cspl-
(França), para se chegar à sala das pinturas, é necessário rastejar em túneis 11111POIICO U pouco eliminam-se os caractercs mágicos do sinal, subor-
estreitos, e o explorador que a descobriu não encontrou senão um buril de dllllllllllC tlS representações subjetivas e místicas às rcprcscntuçêoa
sílex. Em Niaux, as pinturas estão a oitocentos metros da entrada. IIhll·i/vIIH C rucionuis, e, finalmente, substituem-se as primeiras pelus
_I'I'llIl(llIS,
Encontram-se igualmente nas paredes esboços bizarros, cabeças, másca-
ras, silhuetas, órgãos sexuais, todos reunidos de estranha maneira. Ou !\ 1'11111'1,:11
do leopardo gravada na madeira da lança foi efetivamente f'cilll
ainda desenhos de mãos muito numerosos, obtidos pela aplicação da mão 1111111 cuulcrir-lln, UIl1U virtude m{'gica; mas ela permite, igualmente, 110
contra a rocha, em seguida delineada a cores. Ora, entre os selvagens do 1"INNllld(1I encontrar ti sua arma, se a arma dos vizinhos não tiver O mesmo
nosso tempo, a mão ainda fornece quase tantos símbolos quantos servi- ~IIIIII, ('111SI' 1I'IIIlSlorma, assim, em marca de propriedade, O ramo dl.:ixlido
ços ... Por isso, muitos sábios pensam que todas essas produções, mesmo
as mais caprichadas, não respondem somente a uma necessidade estética 1'1.-1" "H,,"II,~, 111\/1111 t' d,'\ ','/tll/rlll\. t. I, p. I X.I),

mas também a práticas de magia. Algumas representações seriam, talvez, ' 1'1\1111"I' ,11 I' I,' 12 ('I'., 1~'lIIllIlenle.Vcndryés:"Sabemos que, 1H1ICS de escreverIISpIlIIlVIIIS,
IIN
ti! '''1111'''"11111
plll I'NI''''VI'I'<léIlIN,
/I princlpin, 1\il1111gCI11
foi cmprcgadncomosil1nldos""lei os,MIIH,
as do animal emblemático da tribo, o totem, que a protegia e que era con-
I!iililhl" II ""lpll~"lI 111111101 l,.'II\.'(lIlll1ldo de umu só velo pois impticu que u homem 10111111'11COIINI.'jOIl\.'lu do
sidcrado como um ancestral sagrado. Outros animais, ao contrário, são illl 1.1.11111111
do .111111
~IMko, ()III, llindll hojc existem SClvlIgCI1S que idcl1lil1ol1l1' cOlllplclnll1l'"lll11/1111111\1111
representados feridos, marcados de sinais, de mãos, ameaçados de flechas. 1011I '011 11111111111,'11\'1\0,
uuc1\(IN ruuece1110 cSI,"nhn,I1noprovém dc umnilllsnnou COllnISnlllllll ••,'h,l,
Tratar-se-ia de animais reservados à morte, diante dos quais o feiticeiro ,1101,111(111'
o ••'lvl1l4l'lIll'nlll',",WIOdllNIINCII'NI1N de 1\lIl1lllllllslicII,1III11nIIN1Il11114CIIN 'IlIIllIln".lIhl~lII.
"11100,11111111111,,
,'XI,'lInl,'IIIISIIIIIIN~pnl 11111 "lIl'lIdclllllclllnd,' ","(iIll~IIII., <lIIIIIIln.<I~""IIIIII"lnll,'.
dunçu c prnticn os ritos mágicos que favorecem as caçadas da tribo? Na '11".1..111\0".
11'l11l1l1~IIN
11011 SIIHllhlll,'ll'll11101IIIIIvlplndn\""l1ll1,lI~nll"()(I ,'li, li I(I~')
IW MANWl<'I~IT() --

no chão por um motivo mágico pode servir, muito utilmente, para lembrar (1ll1Colltrll11l0S
ncssu épocu e 111611{l111111111I1I1r11l11
o caminho; ele se transforma então, se for necessário, em sinal mnernôni- I'ochedos} 1I1gUIllUSrepresentando Cl'IIIIHri, "m, I1
co. Introduz-se, assim, no ato místico um elemento racional, que se desen- ler muito mnis enigmólico, Nu 11(,Ii(l,l~H""H P,III\II'II_11'1'1IfíJN /('tl!!!I
volve pouco a pouco e acaba por dominar-s. cohertux em grande número: citcrnoa, 1'1111'111111 111111,
'" 11" I"!li
Mnruvilhas e do vale Camonicn: 111 li H ulns 1\\111111
1"1111111111111
1111IlIílijlil
(' É nesse sentido que se pode dizer, com Vendryés e Février, que
em (lol'ILlgul,na cosia dalrnática, nu RliS!llu, ctc, pmu dl"l HlllllllltiJil~ jh,
nesses desenhos ou nessas marcas já existe o germe de alguma coisa
Ellf'oplI(Mas 6 sem dúvida na Escandinávin que NU\l11~'lIl1tl"lllllll" 111"11111
parecida com um rudimento de escrita, mas sempre com a condição de Illções mais variadas, e 6 também lá que elas íornm IlHlullllllllH\11111 111111111
1 não encará-los neles mesmos como um sistema de escrita, e muito pl'ccisuo,!O. Alrngrcn divide-as em dois grupos, O pl'illlllilO,I'"HI11111111111 11
menos para afirmar que foram o ponto de partida histórico da escrita Ic ueollrico, compreende gravuras c pinturas rupcstres de (1111111111/4 MI'lvlI
propriamente dita. ellS, em particular dc caça; encontram-se nas costus do N()IlIIl~II,I'IIII~
- E isso porque, antes de mais nada, os "petróglifos" (desenhos Nnrvik e Oslo, c também em certas localidades do norte du Suécln. (),,""III
) gravados na pedra) jamais chegaram a constituir um sistema regular de 110segundo grupo, muito mais variado, 6 caracterizado untes de I1llli~11111111
pOI'imagens de navios, e também por outros símbolos: árvores, lIlIlmlllH,
notação da linguagem. Seja como for, encontram-se sinais geométricos
churruus, rodas, cruzes, círculos, sinais geométricos, ele, Mais recente qu
ou estilizados ao lado das imagens propriamente ditas, isto é, figuras () untcrior, deve ser situado na idade do bronze c na primeira idndll 110
de homens, de animais ou de plantas. Tais desenhos datam dos primei- Ibl'1'()29,j
ros tempos da humanidade, mas ainda agora, conforme observei
Outrus gravuras teriam servido para as cerimônias do culto dos
acima, são praticados pelos povos que, por comodidade de linguagem,
tlllIIIIIS, Os pctrógl ifos encontrados fora da Europa parecem pertencer
vimos chamando aqui de primitivos. Na gruta de Niaux (época magda-
11111\período muito mais recente, não havendo, praticamente, nenhum
liana), o desenho colocado na entrada de um corredor parece constituir
Pilhe dll mundo em que, por isso mesmo, eles não sejam encontrados,
uma indicação; é claro que se devem ter perdido inúmeros desses dese-
nhos, os que foram feitos ao ar livre. Com efeito, expostos às condi-
ções atmosféricas da superfície, apenas as gravuras subsistiram. Por scrita mnernônica
outro lado, um problema que ainda não vi levantado por nenhum autor Ao lado elas espécies pictográficas de escrita, e passíveis dos
é o que se refere à verdadeira situação das "grutas" no momento em IIIIIIUIIIIHinconvenientes e das mesmas críticas, podemos colocar os
que tais inscrições foram feitas. Testemunhos muito posteriores da 1IIIIIIIIIdos sistemas mnernônicos, abundantes c variados, de que los
existência humana - os que representam as ruínas das velhas civiliza- 1'1111\Ipuis seriam os quipos e os wampuns. Os quipos) para empregar ti
ções assíria, egípcia, grega ou romana - ao serem desenterrados pelo .11IlIli\'Oo de Vendryés,(são cordões formados por fios de lã de cores
homem estavam completamente desaparecidos sob espessas camadas ,11\. 111111'1,1l0s quais se colocam, a alturas diferentes, nós mais ou menos
de terra, depois do pequeno período de quatro ou cinco mil anos que 1lIlllplklldos: "combinando ao mesmo tempo a cor dos cordões, a
nos separam de sua desaparição. Não será temerário pensar que, para )11111"111"11I.:ti posição dos nós, amarrando os cordéis uns aos outros de
um período cuja duração e distância é impossível fixar, mas que será, 111111111 cunvcncional, obtém-se uma representação simbólica elas idéias
pelo menos, quatro ou cinco vezes maior, muitas das "cavernas" e dll 11\'\1cucndcumcnto". Quanto aos wampuns. são colares de conchas
"grutas" poderiam ter tido outra situação topográfica, tanto mais que Illlrillll"INIIIS,cujas combinações formam figuras gcométricas) Alguns
são anteriores às grandes convulsões geológicas. /Sem complicar, I" 11111 I "1\1~1I111 ti empregar seis ou sete mil conchas.(Os quipos eram ()
entretanto, demasiadamente o nosso tema com al discussão desse 1111111 tiL' comunicação elos incas, enquanto os wampuns pertencem
ponto, contentemo-nos de saber que gravuras e pinturas rupestres 1\1 1IIIIIIIl'SI.:S,/O "principio" do wampum 6 o mesmo do cios quipos:
1,

datando certamente do paleolítico recente (aurignaciano, magdaliano), 1111III~IIII l\:lIc,:no repousa nus cores das conchas c nas figuras formadas:
persistiram no neolítico: ) 11111exemplo, um machado significa a guerra. 1\16m disso, "ns

XO,1. ch , 11, 171. "I' r ll , li IX


I Mi\NIJS('RI'I'O

cores brilhantes são reservadas aos objetos agradáveis, as sombrias às S"


coisas tristes: o negro e o violeta indicam perigo; o branco, a paz; o
vermelho, a guerra'w. É bem de ver, entretanto, que por mais aperfei-
çoados que sejam, os quipos e os wampuns não passam de recursos
rnnernônicos: mesmo que possam sugerir algumas idéias, observava
Vcndryés, não se comparam a um sistema de escrita, cuja função é a
ele exprimir todas as idéias.
\! ,
A escrita fonética ( I.tl)t) sistema idcográfico, no' quai a palavra 6 rcprcsentudn 1'01 11111 "111111
'<r único c estranho aos sons de que ela se compõe. Esse sinal so Icl\)IU 1111
Um passo de conseqüências incalculáveis foi dado(guando o .onjunro da palavra e por ai, indiretamente, à idéia que exprime, () exeu:
homem) na tarefa de fixar e de transmitir o pensamentdfpercebeu que pio clássico desse sistema é a escrita chinesa;
lhe era possível substituir a imagem visual pela sonora) colocar o som ,ti) () sistema dito comumente "fonético", que visa reproduzi I' li SlICCHs110
onde até então tinha obstinadamente colocado a figura. Dessa forma, de SOI1S de Lima palavra. As escritas fonéticas são ora silábicas, ora tllIl\b~·
o sinal se libertaria completamente do objeto e a linguagem readqui- t iClIS, isto 6, baseadas nos elementos irredutiveis da palavra!'.
riria a sua verdadeira natureza, que é oral. "Decompondo" o som das
palavras, o homem percebeu que ele se reduzia a unidades justapos-
tas, mais ou menos independentes uma das outras (enquanto som) e
1\ escrita idcográfica ,
nitidamente diferenciáveis.)Daí surgiram os dois tipos de escrita que !\ idcografia começou por representar os objetos por um sinal
marcam essa grande revolução decisiva: a escrita silábica, na qual o IJlIl' os interpretasse graficamente e as idéias por outros sinais adequa-
sistema se funda em "grupos de sons'Lrepresentados por um sinal, e 111114 Os tipos clássicos de escrita ideográfica são o chinês, os caractc-
a escrita alfabética, em que cada sinal corresponde a uma letra}l(\ 11\1« cunel formes c os hieróglifos.
segunda representa" por conseqüência, um progresso com relação '1, Févricr distingue na evolução da escrita chinesa três etapas e1ife-
~êÍrãJpo~~ting~-o limite da a~ ~e~eratinha~. ~ 1~lIll'1'~: "li dinastia elos Yin, a que pertencem os mais antigos documcn-
ASSIm, paIS, pode-se dizer que a escnta alfabética representa, com 111M 1I1~' t1HOI'U descobertos (XII-XI séc. a.C.); a dinastia dos Ts 'in (111
relação à silábica, uma complexidade maior de ordem ideológica, mas l 11,(',), que opera a unificação política e cultural do império chinês;
uma inestimável simplificação técnica. De posse da letra, o homem 11 Iim <111 dinastia elos Han orientais (começo do 1lI século da nossa
adquiriu um instrumento de uma docilidade, de uma flexibilidade 111), tiOh os quuis aparece o k'ai chou, forma moderna da escrita chi-
infinita{Todos os caminhos da linguagem escrita lhe estavam abertos 1\"'111" I'~ulnda () mesmo autor quem dá o seguinte quadro das difercn-
daí por diant)J- inclusive, o que anteriormente seria inimaginável, o 11.11 1I11111l1S que a escrita chinesa adotou, cronologicamente:
ela escrita, ou interpretação de línguas desconhecidas. A letra, sem I.") os kia-wen, inscrições em carapaça de tartaruga, da época
existir por si mesma no interior da linguagem, é indispensável para a dlllc VIII;
existência da sílaba, que seria, no fundo, a "unidade" da linguagem. A li) os kin-wen, inscrições em bronze da época dos Tchcu (IX-
invenção da letra é, pois, p,e u~ arrojo extraordinário, e representa, VIII Nl~l\11.( ',I;
nessa ordem de idéias, o pi;;-~cftl~aquela capacidade de abstração a \.'1) os tcheu-wen ou Ia tchuan, escrita utilizada na época dos
quenos referíamos no início destas páginas. Sem "significar nada", a 11,1111111Combatentes (403-247 a,C.) nas regiões ocidentais (reino Ts'in);
Ictra permitiu a escrita, e permitiu, sobretudo, o mais simples(e o mais l." Mo\') os kuo-wen (conservadas no livro Chuo wen) em uso nu
perfeito de todos os sistemas de escrita, que é o fonético.\Em lugar de iW~1I111 épocu que as tcheu-wen, mas nas regiões setentrionais;
/

\()I'~Vlll'l. IlP, di" I), 4(), ,li


1111,11111 NIlIINNIII e, ('""" ,,,./1111/""'''/11/' J.j,II/,',I/I,., P 1i
n MANIIS( 'RITO _0:==========
4.°) a hsiao-tchuan (dinastia dos Ts'in, no III séc. a.c.);
5.°) a k'ai chu (I1I séc.), nascida da escrita curialli chu.
Gabriel Ledos, escrevendo a parte histórica do Larousse du XXe
siêcle, no que se refere à escrita chinesa, assim resumiu os seus aspec-
tos essenciais:
Os chineses começaram por desenhar os próprios objetos que queriam
representar. Como os primeiros caracteres fossem insuficientes, combina-
ram-nos entre eles para representar as idéias abstratas. Mas, em vista da
complicação daí resultante, imaginaram em seguida considerar os caracte-
() novo alfabeto roi conscientemente aplicado como 1111111 \.IXp
res como sinais, não mais de certas idéias, mas de certos sons. O inconve-
I WIIl'III e não se destinava a substituir imediatamente () trudiclolllll
niente desse sistema fonético era que cada caráter podia ter muitos senti-
dos diferentes. Para indicar o verdadeiro sentido, faz-se acompanhar o
im, Ibi ensinado em apenas algumas escolas, havendo, igllullnenlu,
sinal fonético de um sinal complementar ideográfico, chamado "chave", 111111111/4 publicados nos dois caracteres. Ainda segundo as informuçõUH
cada um reservado a uma categoria do pensamento. dl' 11,,~lI(,:sl'ouras (que, ele próprio, se fundava em csclarcchncntos
plll"tlldos por Li Tchc-l lua, assistente da Escola de Línguas Oricntnis
Assim, todo caráter chinês é composto de dois elementos, a dl' 1'111 Is), "o novo alfabeto compreende 31 letras. O v latino dcsupure-
"chave" e o "elemento fonético", embora essa regra não se aplique 11\ Ik'h:gunuo seus poderes ao w nórdico. Seis novas Ictras entram no
num pequeno número de caracteres mais usuais. O traçado desses 111111,,111: o (', o 11, o S C o z com cedilha na terminação da letra, o y sem
caracteres por meio dos pincéis, ensina Février, dllhn e o i sem ponto, que se pronuncia o". A reforma foi puramcn-
é submetido a regras estritas. A forma e o número dos "traços" são cuida- 111 tll~l'linea, permanecendo intactas a fonologia e a gramática,
dosamente delimitados. Há teoricamente nove traços, mas alguns dentre 11 1'11111VII , evidentemente, o problema mais grave dos dialetos, que as
eles comportam diversas variantes; certos gramáticas chineses afirmam, 1111111 illlldes chinesas pensavam resolver com a uniformização das falas
entretanto, que só existem oito. Os chineses dão enorme importância à cali- ,,'lIvlm'llIis e com a oficialização do dialeto de Pequim como língua
grafia. A observação rigorosa do número e da forma dos traços é o único 11111 11111111.
meio de evitar toda confusão entre dezenas de milhares de caracteres dife-
I \111 abri I de 1958, os jornais noticiaram que numerosos profcs-
rentes utilizados na escrita [...]. Com exceção de alguns casos particulares
IIII!II inm voltur às universidades, durante as férias de verão, para se
(placas de comerciantes, por exemplo), os caracteres chineses são sempre
111111111," Iznrcm COm a notação alfabética dos caracteres f-fan e com o
dispostos em linhas verticais, indo de alto a baixo e da direita para a esquer-
da. Em outras palavras, a primeira palavra do texto está no alto e à direita, 111111111 dn línguu rnandarim, destinada a adotar-se como língua única
a última à esquerda e embaixo. Todos os caracteres devem se inscrever, " 1 ( '1111111. 1\1111976, a agência Nova China anunciou que a primeira uti-
com a sua chave, num quadrado ideal, sempre da mesma dimensão v. 1I '1I1,'1l1l uí'iciul do alfabeto latino foi 'feita numa das 29 regiões adrni-
1111411111IVIIN do puls. Inicialmente, a substituição ocorreu na escrita dos
Desde fevereiro de 1956, os chineses viveram uma das mais
.11\111 ~I IIpON mais numerosos, o uigur e o cazaque, num total de
importantes experiências da sua história intelectual. Com efeito, deci-
00 ()()() hubituutcs. Como tantas outras, a experiência parece ter sido
diram seus dirigentes, numa paradoxal mas, de qualquer forma, bem-
111111111111111<111,
vinda guinada à ocidente, a adoção do alfabeto latino. Não se trata,
aliás, de uma idéia nova. Essa reforma, que tem sido objeto de estudos
há, pelo menos, três séculos, ganhou corpo sobretudo a partir dos fins cunei 1()rJl1CS
do século XIX. Segundo relata Hugues Fouras, houve, entre as duas 1\ l1Hl'rilucunci forme tira o seu nome, como se sabe, do aspcc-
zucrras, duas tentativas análogas: til illI' dos si nais, que se apresentam em forma de cunhas.) 1~HS"
pOtl1l "l' deve ti um fator de ordem material, o caniço tulhudo ooli-
l~()ll. cu., p, fI'l o H. tliijjH IIli'. ompunhudn como ll)l' pilão, c com o qunl o cscrtbn tulhuvn
('lU I () PRc'(.IIISTÓRIA 1)0 IIVI

rupidarncntc tablete de argila fresca.


UI11 0.
"página" era em seguida Nichuhr. lislc hanovcriuno CSIllVlIlIOHeivlço do l'rcdcrico I da Dinamarca.
cozida ao forno, como uma telha comum/ Ainda no caso da escrita Do 1760 li 1767 ele viajou com outros sóhios puru () Oriente. No espaço de
cunci forme, os documentos arqueológicos demonstraram que, ao con- UI11 uno morreram todos os membros du expedição, exceto Niebuhr.
lnubalávcl, Nicbuhr continuou suas viagens, voltou são e salvo e publicou
trário do que se pensou por muitos anos (digamos, por muitos milê-
li sua Descrição de viagens na Arábia e terras adjacentes, livro que
11 ios, visto que os próprios babilônios acreditavam nisso), não há
Nupolcão conservou constantemente consigo durante a sua expedição ao
nenhuma ligação histórica entre esse sistema e os processos pictográ-
I':uilo.
ricos. Os limites cronológicos da questão seriam os seguintes, segun-
do Février: Dul até aos trabalhos de Botta, pelos meados do século XIX, a
o começo do período histórico coincide mais ou menos em Babilônia .~Ml'I'itu cunci forme parece não ter despertado maior curiosidade nem
com o do terceiro milênio a.C., entre três mil e dois mil e novecentos anos IIIIM especialistas nem dos amadores, tanto mais que o seu aspecto
antes de nossa era. O quarto milênio se divide em três períodos, que os I'
11111111, primeira vista, razão ao orientalista inglês Hyde que a julgava
arqueólogos designam pelos nomes dos lugares típicos: EI'Obeid (perto 11110uma escrita, mas simples ornamentos em pedra.
da antiga Ur), Warka (a antiga Uruk) e Djemdet Nasr (perto de Kish). O
A glória da sua decifração cabe a um modesto professor de
período de EI'Obeid é o mais antigo e o de Djemdet Nasr o mais recente,
precedendo imediatamente o período histórico, chamado dinástico. (É l-utukfurt, Gcorg Friedrich Grotefend, que, em 1802, com 27 anos de
durante o período dito de Warka IV, que começa aproximadamente nos ilhHk•• uprcscntava à Academia de Ciências de Gõttingen os primeiros
meados do quarto milênio a.C., que a escrita aparece na Mesopotâmia) 1III'IIIIIlIdos dos seus estudos, fruto de uma aposta que fizera com alguns
Essa inovação, que coincide com a introdução do selo real e com as novas IIlIiuos numa ocasião em que com eles bebia:
formas arquitetônicas, parece resultar de uma civilização diferente da
anterior. Precisemos melhor. As camadas, que correspondem aos níveis « jJ'Olclcnd estabeleceu primeiro que os caracteres cuneiformes eram uma
sucessivos de civilização, foram numeradas em Warka a começar da 1\11mu de escrita e não um omamento)Depois raciocinou, diante da ausên-
superficie, isto é, na ordem inversa da sua antiguidade (assim, Warka I é :111 completa de linhas curvas, que aqueles caracteres não eram próprios
a mais recente); é na camada Warka IV b, mais antiga que Warka IV a, num serem "escritos" e sim gravados em algum material sólido. [ ... y
mas mais recente que Warka IV c/que foram encontrados até agora os HIll seguida, Grotefend verificou que as cunhas apontavam em diversas
documentos mais antigos, sob a forma de pequenas tabletas retangulares dI! ecõcs, mas sempre as suas pontas se dirigiam para baixo ou para a direi-
de argila.JA seguir vem o período de Djerndet Nasr, que coincide com 111,Os ângulos formados pelo encontro de duas cunhas abriam sempre para
Warka III e Warka lI, seguido do período dinástico arcaico, durante o I dlr'oilll. I~sle indício aparentemente simples deu-lhe uma idéia de como as
qual a documentação se toma cada vez mais abundante, graças aos resul-
IIIMl'l leões deviam ser lidas: "Devem ser tomadas de tal modo que as pon-
tados das escavações de Ur (cemitério real e templo de Sin), de Fara, de
IIIHtllIs cunhas verticais apontem para baixo, as das cunhas oblíquas para a
Warka I, etc. É durante os três primeiros períodos que a escrita sumeria-
dllollll c 11101
aberturas dos ângulos fiquem sempre voltadas para a direita. Se
na se constitui com suas características essenciais que, ulteriormente,
Nlo fhl' observado, verificar-se-à que nenhuma inscrição é escrita no senti-
apenas se desenvolverão=.
dll veuicul, mas sempre no sentido horizontal, e que, além disso, as figuras
O nosso conhecimento da existência de inscrições cuneiformes 11111I'Klllllis
dos selos e cilindros não constituem base para a direção da escri-
data, segundo C. W. Ceram, do século XVII, 111"Ao mesmo tempo concluiu que a escrita devia ser lida da esquerda para

quando o viajante italiano Pietro della Vali e enviou as primeiras cópias


11dilcilll o que s6 ocidentais dão como coisa estabelecida. [... ]

para a Europa. Aston incluiu duas linhas no livro Philosophical () que se seguiu foram aperfeiçoamentos. Extraordinário é que mais de
Transactions, em 1693, copiadas por um certo Flower, agente da IIilllll Ul10Sdecorressem antes de se tornarem a fazer quaisquer descobcr-
Companhia das Índias Orientais na Pérsia. As notícias mais sensacionais 111M
ieuhucntc decisivas. Os progressos que se fizeram a seguir foram devi-
que tivemos, não só sobre as inscrições e os monumentos, mas também dOM uo Iruncôs Emilc Burnouf c ao norueguês Christian Lasscn, eujos cstu-
sobre a terra e os povos dessas regiões, foram-nos fomecidas por Karsten tlllH "lill'11I11ambos a lume em 183634.

"(lI) di" P 11)I ~2 I~"IIII,/ll'II'n, II'lIlItlI/" I' MIMOI, p. 1117,


2UIe 2()~,
(',{, I'() ==---_----- PRÉ-1-I1STORIA D() 1 IVIU

Os hieróglifos
Que significa, exatamente, escrita hieroglifica? Clemente de
A lexandria, escrevendo no segundo século da nossa era, distinguia três
espécies deLescritas egípcias: ;'a hieroglifica, isto é, a escrita gravada
sagrada; a hierática, ou seja, a escrita reservada aos sacerdotes, e a
('fJ isto lográfica , destinada à redação de cartas.) Modernamente, essa
distinção é ainda aceita, apenas com a diferença que ao terceiro tipo se
dá o nome de ~,já empregado por Heródoto. Février define-as
rapidamente dizendo que "a escrita hieroglífica é a escrita monumen-
tal, que se prolonga até ao terceiro século da nossa era, tendo sofrido
poucas modificações em sua longa existência, superior a três milênios.
(A escrita hierática é uma cursiva, grafada à tinta sobre papiro, e é
somente no último estágio de sua evolução que foi reservada aos usos
lilúrgicos)A demótica, enfim, não é senão uma forma diferente da cur-
siva egípcia, que se substituiu à primeira no uso corrente depois do
século VII a.c.".{ç>s hieróglifos egípcios começam por ser, em tempos
remotos, puramente ideográficos, mas se enriquecem e se transformam
pouco a pouco em escrita fonética e até alfabética, fase, esta última,
que seria como que o pináculo do seu desenvolvimento) É o que ensi-
Um mistério que ainda persiste é o do tempo necessário para Escribas egfpcl08, iDo
na James Février: livro de McMulllln.
\'/lsns transformações, as quais, ao contrário do que poderia parecer, Tho book.l
A escrita egípcia, como a escrita sumeriana, possuía, basicamente, um dcvcrn-se a conjeturas lógicas, visto que nos faltam os documentos
importante estoque de ideogramas, comportando representações figuradas nlermcdiários. Février imagina, a esse propósito, duas hipóteses pos-
que sempre continuaram facilmente reconhecíveis, pelo menos sob a Ivcis: ou a escrita hieroglífica se constituiu no próprio país e será ape-
forma hieroglífica. Mas a língua egípcia não se parecia nem com o chinês
111111 por uma singular infelicidade dos pesquisadores que ainda não se
antigo nem com o sumeriano: ela não possui elementos monossilábicos
ucontrararn os testemunhos dessa evolução progressiva, ou ela se rea-
imutáveis, justapostos segundo certas fórmulas, como o chinês, nem junta
11/011 de um s6 golpe, mas, nesse caso, imitando qualquer modelo
a uma raiz dada um jogo de sufixos, como o sumeriano. Sua estrutura
aproxima-a antes das línguas semíticas, JlO sentido de que é em parte pelas ""tlllllgeiro.
modificações do vocalismo interior de cada raiz que ela distingue, não (Ao lado dos hieróglifos egípcios, cujas particularidades não nos
somente os substantivos dos verbos, mas freqüentemente, por exemplo, os IIIIll' examinar aqui, costumam-se mencionar, por uma dupla impro-
tempos c os modos dos verbos, e até as pessoas. [... ] Essa particularidade li' h'lIude de expressão, os hieróglifos hititas, constituídos, igualmente,
tendia a facilitar os enigmas e os sentidos imprecisos. [... ](0 desenvolvi- ,Ir' Mlllllisidcográficos e de sinais fonéticos silábicos.)Pouco se sabe
mento do fonetismo na escrita egípcia se deve principalmente à aplicação uluv eles, li sua decifração estando ainda incompleta, e menos ainda
do princípio dos "enigmas figurados" às raizes que não contivessem mais
""llI.' du língua que fixavam. Mas as pesquisas continuam. Segundo
de duas consoantes} Nesses casos, as substituições eram fáceis. [... ]
ufurmacõcs de Ceram,
Assim, quase desde o começo do período histórico (3 000 anos a.Ci), a
escrita cglpcia dispõe de todo um estoque de sinais figurados, cada um dos
quuis podo ter um valor NOjO do idcograrna, seja de elemento fonético: é o
ntcno "cull1lc do "eolumn I1J.1.l"'lIdo"1~.

I'II'~IItI. "I' 111


NI IS(,I~IT() I)R(!-IIIS'l'()I~IA D() II

Woolley, o grande descobridor de Ur, dedicou-se ao estudo das relíquias Em conjunto. os hicrógfifo« hititas estão mais próximos da escri-
de Alalakh (a atual Atchana, na Turquia). Escavou de 1937 a 1939, depois lu egípcia, quanto ao seu aspecto, que da cuneiforme; mas pelo seu
a partir de 1946. E em 1947 comunicou uma grande descoberta: o túmulo caráter si lábico se aparentam de perto com esta última. E, como a maior
do rei Yarim-Lim, com perto de 4 000 anoslw.
parte dos sistemas ideográficos, os hieróglifos hititas compreendem, ao
Os hieróglifos hititas aparecem desde o XIV século a.c. - e tal- mesmo tempo, ideogramas e sinais fonéticos. Com efeito, observava
vez ainda mais cedo - e seu uso se manteve, Vcndryes, "nenhuma dessas escritas se conservou puramente ideográfi-
eu", as próprias insuficiências do sistema tendo obrigado todas elas,
em particular na região de Karkémisch, durante o começo do I milenário
desde tempos remotos, a apelar para os recursos do fonetismo.
a.C. até o século VIII a.C. Durante o Ir milenário a.C., foram oficialmen-
te empregados no império hitita, juntamente com a escrita sumério-acadia-
na. É dificil determinar se e em que medida cada uma dessas escritas cor-
respondia a uma língua distinta; em todo caso, tratava-se de línguas vizi-
o alfabeto
nhas. De aspecto mais decorativo, mais pitoresco, os hieróglifos hititas E assim verificamos que uma evolução natural - sempre de
prestavam-se melhor às inscrições monumentais, à gravura dos selos ofi- ordem lógica, nunca de ordem histórica - conduz a escrita para o
ciais, etc., enquanto a escrita cuneiforme sumério-acadiana, de um empre- Ionctismo, único sistema que a aproxima de sua função natural que é a
go mais fácil, convinha melhor ao uso corrente. Entretanto, o aspecto cur- de interpretar a língua falada, a língua oral, a língua considerada como
sivo apresentado pelos hieróglifos hititas encontrados nas tabletas de som. Ora, partindo do som, é natural que as escritas fonéticas tenham
chumbo descobertas em Assur, mostra que eles, como os caracteres da sido inicialmente silábicas: já observamos anteriormente que, de um
escrita sumério-acadiana, eram empregados nas necessidades ordinárias-".
ponto de vista sonoro, na decomposição da palavra, a sílaba é a unida-
Quanto aos trabalhos de decifração, é sobretudo a partir de de, e não a letra. Na decomposição da palavra cavalo, por exemplo,
1923, quando Hrozny encontra a chave do hitita cuneiforme, que se não podemos ouvir c, a, v, a, etc., que corresponderia ao nosso esfor-
contam progressos substanciais. Outro pesquisador, Bossert, introduz ço lógico de soletração, mas ca, va, 10.' Dessa forma, os sistemas ideo-
no seu estudo métodos filológicos mais rigorosos. As suas principais grMicos se valeram todos do silabismo, ainda que em um ou outro caso
características são assim resumidas por Février: :xemplos de alfabetismo tenham sido encontrados. Mas, o fato mesmo
de se não terem estabelecido como sistema, demonstra a natureza pura-
Os sinais da escrita hieroglífica "hitita" conservaram, na maior parte dos
casos, os traços da representação original. São, por exemplo, cabeças de
mente oral dessas representações.
homens ou de animais, membros do corpo humano ou animal, vegetais, Dessa forma, pode-se dizer, com Vendryés, que "o alfabetismo
volutas, objetos diversos facilmente reconhecíveis; nisso, essa escrita lem- ; o último aperfeiçoamento da escrita". Durante muito tempo teve-se
bra os hieróglifos egípcios, mas também os hieróglifos cretenses ou ainda ~'()1110certo que essa criação de extraordinário arrojo se devia aos feni-
os do disco de Phaestos. Os caracteres são, ou gravados na pedra ou no :ios, ou, mais vagamente, aos semitas, como escrevia Renan. Mas,
metal, ou esculpidos em relevo; encontram-se também selos de argila e hoje em dia, segundo Vendryés, dúvidas bem fundadas existem a esse
mesmo um em prata. À semelhança dos hieróglifos egípcios, são dispos- respeito. Já se atribuiu a invenção do alfabeto à civilização egéia, de
tos em linhas horizontais, mas freqüentemente - como acontece, de resto, rcsro muito mal conhecida: seria, então, dos egeus que tanto os gregos
com estes últimos - encontram-se muitos colocados uns por cima dos
quanto os fenícios teriam recebido o alfabeto. Seja como for,
outros. A escrita pode ser traçada da direita para a esquerda ou da esquer-
da para a direita, diferindo, por conseqüência, a orientaçã~s figuras con- o alfabeto fenício exerceu uma influência inegável sobre o alfabeto grego,
forme o caso; mas a grafia bustrofédon (boustrophédon) e muito emprega- como o provam os nomes das letras gregas. [... ] O alfabeto grego, aper-
da: o sentido da escrita, nesse caso, muda no fim de cada linha, imitando Icicoado pelos iônios, estendeu-se rapidamente por todo o mundo grego de
os animais de uma charrua que voltam sobre os próprios passos no termo uma maneira uniforme. Os gregos o transportaram para o Ocidente. Na
de cada sulco-". ltúlia, 6 de Cumes, colônia dos eubeus de Cálcis, que o alfabeto passou
pura os latinos e para os etruscos. No vale do Ródano, o alfabeto grego
1()Op. cu., p. 357, penetrou por ocasião da fundação de Marselha; e aí se encontram ainda no
\7f.'6vdcr. op. di" (1, 155, Cf', sobre II civilização hilila c seu sistema de escrita, Margarere Riernschneider, Le
começo da era cristã inscrições gaulesas em caractcrcs gregos.
llllilll/('t/IWilllIll,·,\', Nu dirccão do oriente, 6 o 11I'l1l"trico-q~desempenhou o papel de propagador
IHOI1 \'11.. p, 1~7 do 111fubeto; pupl.ll COilHltll.lróvl.ll, jWlli It,ndo potus circunHI0nciUH hiHIÓ,icIIH.
".,••••••••••••••••••••••••
----
••~~~~~====~~ -- - 1'lIfldll"4lt'lIll,\ IIIIIIVIW

Mus, esse papel roi favorecido por uma transformação da escrita. Da mesma 'lunto quanto se pode SUpOl', o IIllhhllttl 11I1Idtl I~111\dll'j\lIdtl
lonnu por que a escrita hicroglífica, graças ao uso do papiro e às necessida- (iréciu cerca de novecentos anos antes do ('risto, Hlllldu qllu 111) '11111110
des de uma grafia rápida, se tinha transformado no Egito em escrita hieráti- século H.C.a unificação dos alfabetos gregos esl(, J')llIlicIlIIlUllh.: renllzudu ..
eu, depois dcmótica, a escrita fenícia ganhou no aramaico uma forma cursi- Se nos colocarmos unicamente no ponto de vista da forma das
vu c prática; os ângulos se arredondaram, as cabeças das letras desaparece-
h.:lrus, deixando de lado as questões de pronúncia, veremos que exis-
111m,os traços passaram a terminar em espécie de caudas viradas sobre si
11:111 no nosso alfabeto, segundo Lecoy de Ia Marche,
mesmas, O alfabeto aramaico se estendeu à Índia, dele derivando a maior
parte dos sistemas de escrita empregados na Ásia Central. Enfim, ele atingiu quinze delas que são comuns ao alfabeto calcidiano, variedade já aperfei-
o Extremo Oriente, visto que o encontramos ainda hoje na escrita coreana. çoada do alfabeto grego, e ao alfabeto latino. São elas: A, B, E, F, H, I, K,
A escrita alfabética, última etapa da evolução da escrita, espalhou-se na M, N, O, Q, S, T, Y, X. Cinco outras sofreram modificações insignifican-
Europa a partir da era cristã, graças aos gregos e romanos. É uma causa tes ao passar do primeiro para o segundo. Com efeito, no calcidiano o r,
histórica que explica esse acontecimento, isto é, a propagação do cristia- o Ó, o A são colocados de lado ou virados ( < [>'v); os latinos simplesmen-
nismo. Os apóstolos que ensinaram a religião cristã aos povos pagãos, te os arredondaram, fazendo o C, o D e o L. O P é a forma calcidiana do
ensinaram-nos ao mesmo tempo a ler as Escrituras Sagradas e para isso 11 (r), igualmente arredondada e fechada em cima. O R é o rho grego
foram obrigados a constituir alfabetos tomando por modelo o alfabeto pelo maiúsculo tal como é visto em muitos monumentos antigos, isto é, com
qual eles próprios liam. O alfabeto grego serviu assim de modelo ao alfa- um pequeno traço oblíquo (p), que foi ligeiramente prolongado. Em suma,
beto gótico graças a Wulfila e ao alfabeto eslavo graças a Cirilo e Método. () alfabeto latino limitou-se a suprimir três sinais representando as aspira-
Ao contrário, é do alfabeto latino que derivaram o do velho-alemão, o do ções ch, ph, th, estranhas aos órgãos vocais dos habitantes da Itália; as
velho-inglês e o do velho-irlandês-v. outras diferenças que o separam do grego comum já se encontram no cal-
Essa adoção do alfabeto fenício pelos gregos não se pôde fazer, cidiano. Mais tarde, os romanos sentiram, por diversas razões, a necessi-
.ntrctanto, sem consideráveis adaptações, e isso pelas duas razões men- dade de juntar a essas letras o Y e o Z, imitando a respectiva forma dos
gregos. Enfim, inventaram o G para substituir o r, que se transformara em
.ionadas por Février: l.") o sistema consonântico grego diferia profunda- Alfabeto encontrado na
C. Assim se completou o alfabeto de vinte-e-cinco letras de que nos servi-
mente do sistema fenício; 2.°) o grego não podia dispensar o uso das chamada "pedra
mos, salvo as superfetações modernas do J e do U, que representam um moabitica". (Do livro de
vogais. Nada sabemos das etapas dessa transformação porque, à época
desdobramento do T e do y41. McMurtrie, The book.)
dos docwnentos mais antigos que possuímos (VIII séc. a.C.), ela já se
nchava realizada em suas linhas essenciais. Como hipótese de trabalho, -
I'évricr sugere que essa adaptação poderia ter sido facilitada por uma pos-
slvcl escrita silábica em que teria sido inicialmente notada a língua grega, ~ ~ ,...p~y.%'"83 ~~" :Po~.J1"f W'X
, que se teria derivado da escrita cretense. Assim, o que se pode supor
A B C D E F Z H Th I K L M N S O P T~ Q R Sh T
6 que certos gregos tenham utilizado, anteriormente ao alfabeto fenício,
para a escrita de sua própria língua, um silabário de tipo cretense; de forma
semelhante à adotada pelos aqueus, mais ou menos na mesma época (XII
---_ .. ""'- ""- ~.--~_.-
- .....

séc. a. C.), com relação a um silabário vizinho. [ ... ] Suponhamos agora que II()I' ,'11. p. 5~-9. Albcrt Cim registra, nesse particular, que "as letras minúsculas} e li se confundiam outrora
um escriba, habituado a uma escrita dessa espécie, substitua os caracteres ""1"'\ tlvmucntc com O ic O v. Foi Louis Elzevir que, estabelecido em Leyde em 1580, introduziu na tipografia
silábicos pelos caracteres consonantais do alfabeto semítico. Ele terá de °
li .1I.lllIçR" 011.,'0o i c o}, e entre li C o v minúsculos. Quanto às maiúsculasJ e Usubstituindo I e o V, foram°
criar, em primeiro lugar, os sinais vocálicos, porque está habituado a , 1IIIIIu•• ~II' 1619, pelo impressor estrasburguês Lázaro Zetner. Os pontos sobre os i datam, segundo parece, do
'OII111'Çll d(l .éclllo Xl. Foi então que "se percebeu que seria bom, para facilitar a leitura dos manuscritos, empre-
crnpregá-los nas iniciais e nos ditongos ... Em seguida, não tardará a per-
WII !.--"MI..I ponto, 11 fim de não confundir um m com um in ou um ni", mas é somente depois de 1350 que esse uso
ceber que a transposição mecânica da escrita silábica em escrita alfabética 'I' ~\'m',ulil,l)lI. "Foram pois necessários dois séculos para vulgarizar essa reforma. [... ] Joseph Scaliger pre-
conduz, conforme o caso, ora a grafias defectivas, ora a grafias plenas. Io',,,h' que ,,1,111Manúcio foi o primeiro a introduzir a vírgula no latim, bem como o ponto e vírgula e o acento
I...] Bastaria que se generalizassem as grafias plenas à custa das defecti- WIIV". I' 11"0 untes dele ninguém tinha feito uso de tais sinais. Tal assertiva exige uma explicação, porque ela dá
vas, para que a adaptação do alfabeto fenício à notação da língua grega se 11"lIh'IHI1.1r que untes de Aldo não existiam nem a vírgula nem o acento, o que seria inexato. A vírgula foi inven-
tUlh, "" '~I'III" VIII, e o ponto c vírgula no IX; os outros sinais de repouso apareceram mais tarde. [ ... ] Dessa
realizasse de maneira quase automáticaw.
10111111. vorltlcu-sc que os sinais de pontuação são mais antigos que a imprensa; mas a sua designação atual, isto
~ " VII"" que Ihcs damos é assaz moderno, [... ] Quanto às reticências, 'são de invenção moderna', observa
1'lVr'HiI yCH. up. clt .. p, 3M3. I III\'NII 1'lIollv6. que UR ehnmu sempre 'pequenos pontos'. "Não encontraremos nenhum exemplo untes do sécu-
U()\I \'11•• \1. 'X2·)' C'f. li/l('ycloJl",dia o/tire Social Sciences, artigo "Writing". I" )( VIII I •. 1" ("lhe'l ('irn. 1,(' 11,,1'('. V. III. p. 138 o R.).

I
IINC'IW'() ------==== I'H(\·IIIS'l'()I~Ii\ I)() IIVII(

Quanto à indicação das pausas de leitura, Rouveyre esclarece que segundo invertido) dcsignuvam as j')1'o!1osl<;I)CM incidentes estranhas ao dis-
curso, ou que lhe não estivessem ncccssuriumcntc ligadas. Os asteriscos já
os gregos e romanos separavam eada palavra por um ponto nas inserições
eram conhecidos nos tempos dc Aristófancs, de Orígenes, de São
e nas moedas. Distinguiam as pausas e o sentido completo ou incompleto
Jcrônirno e de São Gregório, nos manuscritos gregos e latinos. Eram repre-
da mesma maneira, e, originariamente, por um espaço em branco. Crê-se
sentados por uma pequena estrela, ou um X cantonado por quatro pontos.
que a pontuação dos manuscritos é tão antiga quanto Aristófanes; é,
Serviam para diferentes finalidades; era, às vezes, uma marca de omissão
mesmo, a esse gramático que se atribui a invenção dos respectivos sinais.
ou de restituição de um texto; ora o sinal de um sentido truncado, ou de
Era apenas o ponto, colocado às vezes no alto, às vezes embaixo, às vezes
(rases baralhadas; ora um índice de máximas, das sentenças mais notáveis
no meio do espaço que seguia a.última letra que marcava as três espécies
de uma obra, ou o de qualquer adição ao texto [... ]42.
de distinção. A primeira era uma pequena pausa chamada komma entre os
gregos, incisum entre os latinos, e que é a nossa vírgula. Nas edições do Assim se constituiu a chamada "escrita latina", adotada por todos
século XV ela é representada por uma linha oblíqua. A segunda era uma Os povos civilizados do Ocidente, e que existe ao lado dos outros gran-
pausa um pouco maior, mas que ainda deixava o espírito em suspenso;
c1\:s tipos praticados: a escrita chinesa, a escrita árabe, as escritas da
chamava-se kolon em grego, membrum, em latim, sendo notada por dois
pontos perpendiculares. O "meio-membrum" ou semi-kolon correspondia
[ndiu, a escrita grega, a escrita russa e a escrita germânica (esta última a
ao ponto e vírgula. A última pausa terrnina o sentido completo do discur- cnminho de ser substituída pela latina). Abandonando a escrita chamada
so e se marcava por um ponto colocado embaixo da palavra; nos impres- hustrofédon, isto é, que alternava o sentido da grafia a cada linha, ora da
sos do século XV, tem a aparência de uma estrela. Carlos Magno, sentin- direita para a esquerda, ora da esquerda para a direita, os gregos passa-
do a necessidade da pontuação para a inteligência dos textos, fê-Ia resta- ItIIl1 a escrever somente neste último sentido; os chineses e japoneses (a
belecer por meio de regras tiradas da versão latina da Bíblia, por São .scrira destes últimos é derivada da chinesa e simplificada) escrevem de
Jerônimo, Isso constitui mesmo um dos parágrafos mais importantes das
d10 ti baixo, mas os chineses da direita para a esquerda e os japoneses
suas Capitulares. Alcuíno as fez rigorosamente executar em todas as esco-
(111 esquerda para a direita; nas outras línguas a escrita se faz em linhas
las das cidades e dos mosteiros, colocando esta inscrição sobre os bancos
em que se copiavam os livros: horizontais, mas o hebreu, o caldaico, o samaritano, o sírio, o turco, o
pcrsu, o árabe, o tártaro, etc., se escrevem da direita para a esquerda-s,
Hic sedant sacree scribentes flamina legis ...
Per cola distinguant proprios et commata sensus,
Et punctosa ponant ordine quisque suo. Ti pos de letras
Demóstenes, Cícero e São Jerônimo introduziram os stiques, ou divisões Se passarmos a considerar a escrita, tal como existe atualmente,
em versículos e meios-versículos, nos manuscritos gregos e latinos. As alí-
veri ficaremos, com Saussure:
neas foram a princípio designadas por um branco no corpo do texto;
depois por uma letra inicial maiúscula, que indicava o começo do discur- I.") os sinais da escrita são arbitrários; nenhuma relação existe, por exem-
so; enfim, introduziram-se, no mesmo discurso, três espécies de alíneas, plo, entre a letra t e o som que ela designa;
que se encontram nas edições do século XV e dos seguintes; são as alíneas 2.") o valor das letras é puramente negativo e diferencial; assim, uma
alinhadas, ao nível das outras linhas da página; as alíneas salientes, que mesma pessoa pode escrever o t com as maiores variantes:
ultrapassam de algumas letras as outras linhas; as alíneas reentrantes, que
deixam um espaço vazio no começo da linha, como se vê nas edições
modernas. Os traços-de-união foram inventados pelos antigos gramáticos
t - t ~-r
para marcar a junção das letras de uma mesma palavra. Eram assinalados Á única coisa essencial é que esse sinal não se confunda com o de I, de d, etc.;
por um simples traço horizontal ou por um duplo =, algumas vezes por 3.") os valores da escrita não agem senão por sua oposição recíproca no
uma espécie de c deitadon. Encontramo-los nos primeiros livros de ima- seio de um sistema definido, composto de um número determinado de
gens, nos primeiros impressos de Mogúncia, e geralmente nos do século letras. Este caráter, sem ser idêntico ao segundo, está com ele estreitarnen-
XV designados por duas pequenas linhas oblíquas I; , algumas vezes por
te I igado, porque ambos dependem do primeiro. O sinal gráfico sendo
uma s6. O mesmo acontece com as aspas, que já aparecem nos antigos
manuscritos para distinguir as citações: eram conhecidas pelo nome de
antllambtla, [... 1 Os antigos serviam-se dos mesmos sinais que os moder- 1,'1(11111/")'10. ("Ull/uN\III/(',·\, 1I(~('(',\',\'(lJr(I,\'. v, n, 11, I~' e M.
nos purll exprimir os parênteses, Dois c (o primeiro em sentido natural, o 111',,11411111, /)/,'/1"""1111" ri,· "'''''fI/nu/,', cll 1111r I'IHII 1l1l110tll,lIjxlfI/lI' ",'/'II,,/,,·/,,"·,Ir., v I, P 7.
encontru orlgcm du letra latina, assim chumudu neto seu diruinulu
1111
minúscula compreende "maiúsculas" c "mil1l1SClIIIIH").
'~\
..'
~ U •••.••••fJ ., rp O'P
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•• --,...o V C"O
• -,
0'"J.4 I "TO
\.
e ~
N "'TO
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JI c CJ' -;o \.TO
• 1111111111110 (ti
HHSI.!Stipos gregos de letras passaram intactos para os romanos, mUH 111'1
J " ,- L ....,... .1 ' . pormenores que convém rclcmbrar:
r\ ~ -rrEp''''' (,'P'f1"l' 0"P •• IE.(LC~.u.M.o"N''1r
I ':...~ •

• Nos séculos da decadência, [a capitalj torna-sc menos regular, I11CI10H ele


.•••.-
_'-.Lt..L oI
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A.~
I
I'""'t)
•• TÚr ~f
"..'
~(1L ~ u c..f<' ~ I &,..l
."\:
gantc, e chama-se então capital rústica. Mas, ela se apresenta sempre CIlIII
essa amplidão, com essa espécie de majestade que se reflete em toda ti cscll
ta do povo-rei, ao contrário da dos gregos, geralmente finas c dclicadus;
C0l110 se o caráter das duas raças tivesse influído até na sua maneira de CSCIC
ver. Existem manuscritos latinos escritos inteiramente em capitais. l ... 1
1..0111/1111 uoo da Idade arbitrário, sua forma pouco importa, ou antes não tem importância senão Os dois célebres Virgilio do Vaticano conservaram dela espécimes admi-
Mh,lIn sõculo XII. 100
dentro dos limites impostos pelo sistema; ráveis, datando dos séculos III e IV: suas elegantes maiúsculas lembram us
IIVIII ,I" I ucoy cio Ia
MnllJliu, los 4.°) o meio de produção do sinal é totalmente indiferente, visto que ele não das inscrições lapidares dos primeiros tempos do império; dessa forma, li
/llII/IIINI:lIls 01111 interessa ao sistema (o que também decorre do primeiro caráter). Que se arte caligráfica se manteve quase sem alteração até ao fim da dominação
/IIllIllIluru.1 escrevam as letras em branco ou em preto, em baixo ou em alto-relevo, romana. [ ... ]
com a pena ou com o cinzel, isso nada influi em sua significação+'. A uncial nos legou a forma arredondada do V, transformado em U moderno.
Ela se apresenta com menos elegância e menor regularidade que a rnaiúscu-
Entretanto, há historicamente certos tipos de letras que marca-
Ia quadrada. Ela é às vezes mais alta que larga, às vezes o contrário. [... ]
ram um período na evolução da escrita ocidental. Nela, Lecoy de Ia
Seu reino nos manuscritos se estende desde o IV século até ao IX; os limi-
Marche distingue, em grosso, três períodos de diferente duração:
tes extremos são marcados, de um lado, pelo famoso I palimpsesto da
1.°) o período greco-romano, que se estende a partir de um tempo imemo- República de Cícero e o Tifo Livio de Verona; de outro, por diversos evan-
rial até ao estabelecimento do império carolingiano, e que se caracteriza geliários ou missais carolíngios, entre os quais se distinguem o esplêndido
pelo emprego simultaneo, nos manuscritos, da capital, da uncial, da exemplar de São Lucas copiado por Godescalc, em 781 ou 782, para o pró-
minúscula e da cursiva; prio Carlos Magno, e uma coletânea de evangelhos mais. ou menos con-
2.°) o período romano, que compreende os séculos IX, X e XI, durante os temporânea, provinda da abadia de Fécamp e notável por seus caracteres
quais uma nova minúscula, a carolina, reina praticamente sozinha; largos e quadrados. Encontram-se, porém, exemplos isolados de letras
3.°) o período gótico, cuja maneira é suficientemente caracterizada pelo unciais até ao fim do século XII, como o belo E inicial que Delisle assina-
próprio nome, e que compreende o resto da Idade Média, depois do qual a lou em um livro executado no norte da França em 1183. A minúscula
escrita deixa de ser uma arte->. romana [ ... ] constitui uma redução e uma degenerescência da uncial, mas
com as letras mais aproximadas, embora não ligadas entre si. [... ]
A capital era a letra geral-
A cursiva romana nasceu da escrita popular, com a qual os transeuntes

rrecrwpos IO~(JS mente empregada nas inscrições


e nas iniciais, a uncial é também
uma maiúscula, mais arredonda-
lambuzavam as paredes e que se encontra em certas inscrições de Pompéia,
ou ainda da que os notários e escrivães introduziram na prática para redi-
gir os seus documentos de uma forma expedita. Seus caracteres mais evi-
Õ\ÔROCDÀNOS da e menor (o seu nome viria de dentes são a rapidez e a ligação das letras entre si. Entretanto, esta última
"unha"), já encontrada em certos particularidade não se nota nos monumentos mais antigos: ela apenas se
papiros do Egito e de Herculano; observa em um dos mais curiosos papiros do Louvre, um fragmento de
glossário greco-Iatino datando do IV ou do V século, e escrito, segundo se
llnnlnls romanas. a cursiva, empregada desde uns duzentos anos a.c., nasceu, como o
IDo Ilvl o cio McMurtrie, diz, para o seu próprio uso, por um soldado romano que se encontrava no
11/1/ IlOok.1 próprio nome o indica, das exigências de uma escrita mais rápida e cor-
Egito e que não conhecia o grego, o que dificultava enormemente as suas
rentia; enfim, a minúscula é o tipo que vai predominar ou que se. relações quotidianas com os nativos. As ligações já são mais numerosas nas
famosas cartas de Ravena, publicadas por Mabillon e por Champollion-
Figeac; mas a sua escrita, larga e alonga da ao mesmo tempo, responde mal
440p. cit., p. 165-6.
450p. cit., p, 83.
à definição do gênero cursivo, que é a economia do tempo. [... ]

5 ~
o U\"RO MANUSCRITO

I L A B C D :E F G H I L MN O r QR STVX
• H. À B· C D 1 r G :te 1 L A\ N o 2 Q.R. .s r v X
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a b c dõ e f ~ h t t 1 m TI o p q r i f s t u X
Unciais e minúsculas Todas essas variedades de escrita romana cedem lugar, desde o começo do
latinas. (Do livro de
período carolíngio, a uma recém-vinda destinada a brilhante futuro: a
Isaac Taylor,
The alphabet.)
minúscula dita carolina, e mais justamente qualificada por um julgador
competente com o epíteto de romana, [... ]
O primeiro exemplo datável dessa nova letra pertence ao ano 778, mas para
encontrá-Ia em sua verdadeira maturidade é necessário descer até à Bíblia
de Carlos, o Calvo, oferecida por Viviano, abade de Saint-Martin de Tours,
e provavelmente caligrafada pelos seus monges. No século X, constata-se
na carolina uma decidida inclinação no sentido das formas modemas+ê.

)...~c.L.t1.-e~ ~~ UOcemCCM'Cn!t1p"'pU Lt· CX1"


~~ ~"d-rllf[,.'\rl1l'tt1" pltl"d ,it· U!d'l:r-,,~ 1'Q.nn::
( ~I r &
c->-c:1. ll",\, L 1t~\. 1>1" )"'Cm er-<.un:u;1.J,. d cna b.lf'
Carolina primitiva -
Mas, da elegância e da simplidade da carolina ia nascer um tipo
século IX. (Do livro de
lecoy de Ia Marche, de letra que é, por assim dizer, o seu contrário: é que desde o século XI
Les r-anuscrits et
1ólIAÍa1lIre.) constata-se uma tendência a quebrar o traçado das letras, isto é, a formá-
Ias não de uma só linha contínua, de curvas harmoniosas, mas de diversos
traços plenos, justapostos, reunidos por pequenos traços finos. É a escrita

46Lecoy de Ia Marche, op. cit., p. 60 e s. Cf., igualmente, Février, op. cit., p. 478 e s.

56
-=-===-----.. PRÉ-JDSTÓRIA DO LIVRO

~~G~~r«l.lt1tt't
tet.iwn.tlt ...a ~lWnaar1"",l1ttÍ
ê~i tttltb!.e~~1i? Wtcnt
~"tqi~/~~lldtUt"n:~
,~: ~futt'~.Ctffil$
Gótica primitiva - século XIII.

chamada gótica ou quebrada, que não se deve confundir com o alfabeto


gótico de Wulfila, [ ... ] Alguns autores distinguem a escrita quebrada
(Bruchschrifi) da gótica propriamente dita. A primeira correspondia a um
estágio inicial que vai aproximadamente do Xl ao XlII séculos: os traços
curvos são freqüentemente substituídos por traços retos, justapostos em
ângulos obtusos ou agudos, mas não desapareceram de todo. A segunda,
que se elabora progressivamente a partir do fim do século XII, é uma
minúscula gorda, de factura cuidada, utilizada em particular nos saltérios,
Ela triunfa no século XIV, época em que recebe o nome de letra defôrma.
Nesse momento, a complicação aumentou; os traços verticais têm, na base
e no cimo, uma espécie de projeção angulosa; as hastes das letras mostram
menos tendência a ultrapassar a linha, seja em cima, seja embaixo+",
Capital carolíngia,
século IX. 100 livro de
Lecoy de Ia Marche,
Les manuscrits et Ia

47Février, op. cit., p. 493.

5
1'ltl"\II!'i'ln
li IIVIW M/\NIIS(,\HI'O
retrato que us mesmas continham, c como ainda lhe sobrasse espaço
Ao lado desses tipos principais de letras, outros muitos existem, transcreveu vários trechos da terceira página. O trabalho era de umn
cujo exame não é, entretanto, essencial em nosso tema. Seria talvez grande nitidez e podia ser lido a olho nu. Outro concorrente enviou quu-
aqui o lugar de mencionar as curiosidades que alegram a história da tro paralclograrnos de 3,5 em por 9, nos quais reproduziu uma novela
escrita, as da micrografia, por exemplo. Rouveyre menciona o caso de de About, Os gêmeos do Hotel CorneilLe e uma biografia do contista,
um calígrafo que traçava versos de Homero num grão de milhete. ou seja, 16 258 palavras com 71 300 letras. Receberam-se ainda ovos
Cícero, segundo Plínio, teria declarado ter visto a Ilíada escrita num C\11 que se escrevera a história do navegador que descobriu a América,
pergaminho que cabia dentro de uma casca de noz: "In nuce inclusarn ou seja, o ovo de Colornbo, e caroços de pêssego que contavam lendas,
I1iada Homeri carmen, in membrana scriptum". Diante da incredulida- c até caroços de cereja também "escritos". Um dos concorrentes pensou
de dos seus contemporâneos, Huet (1630-1721) demonstrou que um que seria banal demais escrever na superficie da folha: resolveu, então,
pedaço de velino bem fino, com 27 centímetros de altura por 21 e meio escrever nas bordas do papel, e o fez de forma perfeitamente lisível.
de largura, podia conter, dos dois lados, 15 000 versos e caber dentro Corno se vê, nada é impossível para os "micrógrafos'vs.
de uma casca de noz de tamanho médio. No Colégio de São João, em
Oxford, existia, e talvez exista ainda hoje, um desenho da cabeça de
Carlos I feito com letras, as quais, vistas de pequena distância, dão a Materiais e instrumentos primitivos
impressão de efeitos de buril; mas os traços da figura e do colar con- empregados na escrita I,
têm os Salmos, o Credo e o Padre-nosso. No Museu Britânico, há um O homem já empregou, e continua empregando, na escrita mate-
riais provenientes dos três reinos da natureza. O reino mineral já lhe
forneceu a pedra em que, segundo o Velho Testamento, foi gravada a
0 T 7 Z '2 primeira lei dos hebreus, revelada no Monte Sinai; forneceu igualmcn-
te o mármore, utilizado nas inscrições tumulares e cívicas, e até em

5< rx 4
I\lgul11DS fases da calendários, como o que foi descoberto nas ruínas de Pornpéia; forne-
IIVIIllIQnO dos tllgarisrnos ~ ~ ceu, ainda, a argila que, esculpida e cozida, iria constituir as famosas
, o 4.100 livro de
McMllltrie. Th« book.)
bibliotecas da Mesopotâmia. Era igualmente em edifícios de pedra que
os maias "escreviam" os seus admiráveis calendários, enquanto os grc-
desenho do tamanho de uma mão, representando o retrato da rainha gos e romanos, mesmo depois da invenção do livro, gostavam de repro-
Ana; esse desenho é coberto de linhas de escrita, e, cada vez em que se duzir em suas muralhas as narrativas de certos fatos de maior impor-
o exige, mostra-se igualmente um grande volume in-fólio cujo conteú- tância. Ainda do reino mineral provieram e continuam provindo os
do nele está exatamente transcrito. Um célebre calígrafo inglês, P. Bales, metais aos quais se confiavam os textos importantes ou tocados ele
apresentou em 1575 à rainha Elizabeth um anel cujo engaste, do tama- sacralidade. Era no bronze que os romanos escreviam os seus tratados
nho de um meio-penny, continha escritos de maneira bem legível o de paz e, acima de tudo, a sua famosa Lei das Doze Tábuas. No tempo
Padre-nosso, o Credo, os Dez Mandamentos, duas curtas orações lati- dos macabeus, os esparciatas escreviam aos judeus em tabletas ele
nas, seu nome, um dístico, o dia do mês, o ano da era cristã, e o do rei- bronze. Certos discursos, como o do imperador Cláudio, conservado
nado de Elizabeth. Na Biblioteca Imperial de Viena há uma folha l:111 Lyon, eram também perpetuados nesse metal. Também o chumbo
manuscrita, com mais ou menos 58 em de altura por 44 de largura, foi empregado na escrita e deveria oferecer, em compensação ela sua
contendo num só lado cinco livros do Antigo Testamento: Ruth, em malcabilidade, pouca resistência ao trabalho do estilete. Sentenças de
alemão; o Eclesiastes, em hebreu; o Cântico dos cânticos, em latim; l lcslodo, gravadas em chumbo, eram encontradas no século l1 em um
Ester, em siríaco, e o Deuteronômio, em francês. Em 1892, o jornal templo da Beócia. Os chamados "metais nobres", o ouro c a prata, tarn-
'Éclair, de Paris, instituiu um concurso micrográfico. O vencedor bem serviram excepcionalmente para a escrita, mas todos os metais
(medalha de ouro) foi um sr. Caille que, numa superficie menor que a
de um cartão-postal, reproduziu, respeitando o tamanho proporcional IH( 'r, ""nUIII'" ROIIVCY"C,op, cit .. v, 11, p, 7K c M,
dos tipos e a sua forma tipográfica, duas páginas desse jornal com um

8
o LIVRO MANUSCRITO

parecem ter sido abandonados desde os primeiros tempos nas necessi-


dades ordinárias. Mas, conservam o seu emprego até hoje nas placas
dos monumentos e das ruas, nas inscrições comemorativas, nas home-
nagens murais.
Do reino vegetal, a madeira, como espécie que já se apresenta-
va por assim dizer pronta, foi a primeira a ser empregada na escrita.
Os egípcios a usavam desde
tempos imemoriais, e nós a
empregamos ainda hoje, é ver-
dade que transformada em
papel, como veremos a seu
tempo. Lecoy de Ia Marche
menciona a tradição segundo a
qual os gregos cozinhavam os
seus legumes com as leis de
Sólon e de Drácon, isto é, quei-
mando velhas tabletas em que
as mesmas estavam escritas. Os
judeus conheciam igualmente
as tabletas de madeira no
momento em que o Livro dos
Reis foi redigido, mas o povo
que as celebrizou, pelo largo
emprego que delas fez, foi o
romano. Recobertas ou não de
uma leve camada de cera,
Tabletas de cera sobre a qual se escrevia com o estilete, elas serviam para os mais
de 1256, do palácio
de São Luís. (Do livro
variados fins: correspondência, cadernos de estudos, contas, anota-
de Lecoy de Ia Marche, ções, e ofereciam a vantagem de servir indefinidamente, quando
Les manuscrits et Ia
miniature.)
enceradas, bastando raspar a cera e substituí-Ia por outra. Encontram-
se dessas tabletas até ao fim da Idade Média, até nas mãos de Carlos
Magno. Este último apenas iniciava um costume que foi o de muitos
reis franceses, o de estabelecer em tabletas enceradas o "orçamento"
do palácio. Em geral, todos os produtos do reino vegetal, como todos
os do reino mineral e todos os do reino animal, serviram ou servem
para a escrita. Folhas de palmeiras ou de oliveiras, panos, papiro. Era
em pedaços de pano que os romanos reproduziam os oráculos, alguns
contratos particulares, e até as leis. Na Pérsia e na China a seda foi um
material muito empregado na escrita: é mesmo daí que sairá a inven-
ção do papel.

60
PRÉ-HISTÓRJA DO UVRO

o papiro
Mas, sem a menor dúvida, o mais célebre de todos os produtos
vegetais empregados na escrita é o papiro, de tanta importância histórica
em si mesmo e pelos textos que conteve. Segundo parece, quando
Moisés, aconchegado na sua barquinha de vime, foi largado a vogar sobre
o Nilo, sua mãe, querendo evitar que as correntes o carregassem, enca-
lhou-o entre os caules de papiro que cobriam as margens. Era essa e foi
essa a região histórica do papiro, mas ele se encontrava igualmente no
lago Tiberíades, na Síria, e nas águas do Eufrates. Nada se sabe do
momento em que se transformou o papiro em material de escrita, mas
tudo indica que se trate de época extraordinariamente longinqua. Plínio
cita como escritas em papiro obras do tempo de Numa e de Tarqüínio, e
até uma carta de Sarpédon, contemporâneo da guerra de Tróia. O Museu
Um papiro de
do Louvre possui um papiro que data de 273 anos a.C., escrito em hieró- Herculano.
glifos demóticos, que, como vimos, são a última transformação da escri- (Do livro de
Lecoy de Ia Marche,
ta egípcia. Pensa-se que os mais velhos papiros datem de 3500 anos, o Les manuscrits
que está de acordo com o que hoje se sabe da civilização egípcia. et Ia miniature.)
Plínio deixou, igualmente, uma descri-
ção histórica da maneira pela qual o papiro era
preparado:
Divide-se com uma agulha a haste do papiro,
cuja grossura é mais ou menos a de um braço,
em folhas bem delgadas, mas tão largas quanto
possível. A melhor folha é a do interior do tron- • " •• o 0_ •• \..{)" N ~
co e assim sucessivamente, na ordem das cama- »:
das superpostas. Moldam-se as diferentes espé-
........,,~L' fVOV I

cies sobre uma mesa umedecida com água do ( UM' f('[,,..


......
Nilo. Esse líquido turvo exerce o papel de cola.
Sobre essa mesa inclinada colam-se primeira-
.....-rú/z,J· 'Nlf'}I......
mente as folhas em todo o comprimento do
papiro, aparando-as apenas em cada extremida-
.....)~._ \. n à [1....
de, e em seguida colocam-se transversalmente ~ t rrt >--17' -""1"- ..
outras camadas em forma de trama. A seguir,
prensa-se o conjunto, obtendo-se uma folha que ... ) '" N/V r~O ...
é secada ao sol. As folhas são reunidas entre si, , r;ért )...01'4- ,... ,
colocando-se em primeiro lugar as melhores e
assim sucessivamente. A reunião dessas folhas ~/l)-..f- ~ l.,t "-
forma um scapus (mão) ... As desigualdades, os
defeitos do papiro, são polidos com um dente ou
...... d .... ~-rr
com uma concha, sem o que os caracteres pode- '.' C<JMC~'"
riam desaparecer. Polido, ele é mais brilhante
mas não pega a tinta satisfatoriamente. Depois

61
Plt (I IIIHI(II
IlIIVI(() MAN\JSt'ltl'J'O .. c

de juntá-to com cola de farinha ou com miolo de pão cozido, de forma ti ,0) Papiros gregos e latinos encontrados nas escavações U"
ter o menos possível camadas secas interpostas, e de torná-lo mais macio 1lerruluno e que compunham outrora a biblioteca de um Iilósofo dessa
que o próprio linho, adelgaça-se-o com um malho, põe-se nova camada 1IIIIIde, Formam mais de I 700 volumes que se conservam no Museu
de cola, desfazem-se as dobras que se formaram e bate-se-o de novo com li,. Nápoles. Esses papiros distinguem-se dos demais por uma caractc-
o malhos".
tlMllcnprópria: é que estão meio calcinados, o que torna o trabalho de
Assim preparado, e com o nome de chartce, é que o papiro podia I, II\lnI extraordinariamente dificil. Puderam-se identificar, entretanto,
ser utilizado na escrita. Sobre cada folha, o texto era escrito em colu- ""\lIIS versos de Rabírio, alguns trechos de Epicuro e os escritos de
nas e cada uma delas se colava, em seguida, pela extremidade à folha l tlódcrno, filósofo do tempo de Cícero.
seguinte, de forma que se obtinham fitas de papiro com, às vezes, 3.") Manuscritos e diplomas que nos foram transmitidos pelos
dezoito metros de comprimento. Enroladas em torno de um bastonete uquivos e pelas bibliotecas antigas, dos quais os mais velhos datam
chamado umbilicus, constituíam os primeiros rolos, antepassados dos dll" primeiros séculos da Idade Média. Entre os mais notáveis, contam-
de pergaminho e, por conseqüência, do próprio livro. I 111'1 Antiguidades judaicas, de Josefo, traduzi das em latim por Rufino
Lecoy de Ia Marche divide os papiros conhecidos em três clas- th Aquiléia, e que se encontram na Biblioteca Ambrosiana, de Milão;
ses distintas: it1 l4l'rmões e as cartas de Santo Agostinho, em uncial do VI ou do VII
1.0) Os monumentos em diversas línguas, de proveniência egíp- I ,,10, hoje nas bibliotecas de Paris e de Genebra, e a coleção única

cia, copta ou fenícia. Encontram-se hoje nos museus e bibliotecas de li 'li curtas de Ravena e dos diplomas merovingianos, conservados nos
Roma, Turim, Viena, Paris, Londres, Leyde, etc. Foi com esse tipo de \I"uivos Nacionais da França.
papiro que Champollion trabalhou e solidificou a sua interpretação dos Essa divisão de Lecoy de Ia Marche poderia ser perfeitamente
hieróglifos. Consistem sobretudo em atos públicos ou particulares, em 1I'IIIIzida a duas, visto que os acidentes materiais dos papiros de
correspondências, em documentos artísticos e em alguns fragmentos 111 u uluno não lhes alteram o caráter essencial que é o de serem, como
de obras científicas e literárias, entre as quais algumas passagens da .n ti" primeira divisão, papiros da Antiguidade; a segunda espécie seria
llíada, três discursos do orador grego Hiperides, e o famoso ritual , IImlpapiros da Idade Média, que, de resto, começam a desaparecer a
funerário ou Livro dos Mortos, que é o mais importante. 1'111111 do século VII. Na Itália, ainda se encontram papiros até ao sécu-
lo \11, mas na França eles desaparecem completamente no século VfII.
1'11110do um rolo de
li' porque os escribas de Carlos Magno e seus descendentes se viam
pllpilo. contendo a
111111111. do Homero. 11I1~lIdosa raspar papiros merovingianos, a cortá-Ios e a coser os
(IIollvlIl do Svond Dahl.
Il(·tlllçosainda em branco, para atender às suas necessidades de papel.
tltstoiro du livre.)
í "I, '.1411
forma, existem palimpsestos de papiro, ao contrário do que por
I 111111 tempo se afirmou.
A escassez natural do papiro, vieram juntar-se as guerras, que
11I11I,'dium a sua importação. E como as invenções nascem da ncccssi-
II,leI,,,o homem teve de recorrer a qualquer outro material que substi-
IIII"H~'o papiro. Uma invenção bastante anterior ao período de dcsapa-
II;,IIII\.:nlofoi então aproveitada em todas as suas possibilidades. Mas,
1'11" nos conduz a tratar dos materiais com que o reino animal concor-
ti \I plll'll ti escrita.
'lumbóm aqui todas as experiências foram feitas. Inscrições em
iil/lIlllll, 011'1 osso e at6 em intestinos de certos animais, como () dragão,
41)(,1! Ilur t.ccoy de 111Murche, op, cü .• r, 20, 11111 exemplo Uó se vê que IIU "histórin do livro" existem IUl'gos cupltu-
L'III 111

PRÚ·IIISTÚRIA !l() IIVIHI


los que seriam apenas o "romance do livro"). É, entretanto, ti pelu
!lIrlidu que substituirá, em forma de pergaminho, o papiro raro e curo, o pcrgnminho
Mus, ti pele de carneiro ou de terneiro foi apenas o material muis Seja como for, o grande material do reino animal empregado na
;OI1lUI11empregado no manuscrito. Certos bibliófilos chegam ao ponto escrita foi o pergaminho. Sob a fé de Plínio, o Antigo (responsável por
de afirmar que há livros feitos com pele humana. Assim, por exemplo, tantas inexatidões de graves historiadores!), as histórias do livro costu-
() bem informado Rouveyre, que é taxativo: "As obras encadernadas mam repetir que Ptolomeu Epifânio, desejando combater a biblioteca de
!1Ilpele humana não são muito raras e existem realmente, embora já se Pérgamo, criada por Eumênio 11(197-158 a.C}, que se mostrava perigo-
o lenha ncgado'w Mesma certeza em Albert Cim, que informa existi. sa rival da de Alexandria, proibiu a exportação do papiro. Com isso, teria Pergaminho
contendo o texto
rem "numerosos espécimes destas encardenações, e a pele humana for- obrigado os engenhosos habitantes de Pérgamo a inventar um novo de uma obra de
nece, segundo dizem, um couro sólido, espesso e granulado", material de escrita, extraído de peles animais, donde o nome de membra- Eurípides.
(Da Histoire
I\ntn:lanto, Marcellin Pellet esclarece que "a pele humana não é bela na pergamena, pergamenum, pergaminho, que se lhe deu, depois de pre- du livre, de
im encadernação; é muito dificil, se não impossível, desengordurá-Ia parado, e cuja primeira menção se encontra num édito de Diocleciano, Svend Dahl.)

;ompletamente". Ao que parece, no período do Terror, na Revolução De pretiis rerum venalium, do ano 301.
Francesa, curtiram-se muitas peles humanas para os mais diversos fins, Maurice Prou afirma taxativamente
'01110 culottes, botas, chinelas e livros. Tanto Rouveyre como Albcrt que essa história maravilhosa do pergami-
'irn mencionam os nomes de livros encadernados em pele humana, nho não passa de uma lenda: "o uso de
:01110,por exemplo, na Inglaterra, um Tratado de anatomia, que o peles como substratum da escrita é muito
dr, Antônio Askew (1722-1775) encadernou com esse material, "a antigo na Ásia, e tudo o que se pode ter
I'irn, sem dúvida, de que o exterior da obra correspondesse ao inte- feito em Pérgamo é melhorar-lhe a prepa-
rior"; e dois volumes cuja capa provém da pele duma feiticeira do ração". Os mais antigos monumentos em
Yorkshirc, Mary Ratman, executada por assassinato nos primeiros pergaminho, atualmente existentes, datam
unos do século XIX. Inúmeros outros livros são assim citados como do III século de nossa era: são uma
lendo sido encadernados em pele humana, de forma que é dificil República, de Cícero, e um Virgilio, ambos
ndmiur que se trate de pura lenda. du Biblioteca Vaticana. Do IV ao XVI
Mas, esse capítulo das encadernações ainda não é o nosso. éculos, informa, ainda, Maurice Prou, o
l lú livros escritos em pergaminho humano. Assim, a biblioteca de IIl'rgaminho foi o material mais comumen-
I)resde possui, entre os seus manuscritos, um calendário mexicano 1(' empregado na escrita; na França, do IX
»n pele humana. E o nosso conhecido Lecoy de Ia Marche enrique- 1111 XII séculos, é apenas o pergaminho que
.e o assunto com as seguintes observações: "Um antigo bibliotecá- t' emprega nos livros e atos.
do da Sorbonne, o digno Gayet de Sansale, assinala um exemplar Para a fabricação do pergaminho,
dos Decretais executado em pele humana. Em um outro dos seus 1I~Ii\n Lecoy de Ia Marche, tomava-se
manuscritos, uma Biblia latina do século XIII, ele pensou reconhe- uultuuriurncnte a pele do carneiro,
cer () cordci ro da Irianda, mas tal é a brancura e a pureza do vel ino IIlOSa epiderme era deixada de lado: utilizavam-se apenas as películas
que um outro crítico, o padre Rive, afirmou tratar-se de pele de 11l\!1l0Srudes, situadas entre a epiderme e a carne. Um pergaminho d(
I11l1lher".5I. IiIXO, mais fino e mais alvo, fez-se desde os primeiros tempos com pele~_
d~' tcrnciro, por isso mesmo denominado vélin (francês veau, lat. vitel-
~1IC111.l'lI.. V. IV, p, 17. 1/1,1'), Produtos de finura ainda maior foram obtidos com a pele de car-
~I('I IllIllVCylC, IIp. cir., v. IV. p. 14 c s.: Dupont, op. cir., v. li, p. 157 e S.; Cimo op. cit., v. 111. p, 293 C M,; II~'II'OSnatirnortos. [ ... ] Escolhida a pele e bem limpa, afina-se-a com
I "('!Iy li(' lu Murche, op, di" p. 2R. Nu exposição "Résislance. Déporlalion. Libéruuon", realizada no MUNéc IIIIHInuvulha, lira-se-lhe a gordura, polindo-se-a com o auxílio de uma
1'~"lIlIlIlIllJ"c de ",,!'IN, em 1954, ""1'/1 comemore- o décimo IIllivCI'SI\I'io da Resistência Francesa, roi exposto um
11I'1I"II-pol11eOLIde LI/TIdente de animal, de maneira a não deixar nem
IIvIII "11"1111011111110 Jl~I()~ "Icm"c~ em pelo '''''11''1111 (cf 1.(' fo'11I{/m /.III(./'{/II'(,. 13/1 1//954).
p~loN, 11(.:mI11l1l1Chus,l1e/11 rugosidadcs. Cada uma dessas operações

).~
PRÉ-HISTÓRIA DO LIVRO
jSt 'I( 11() --
mo do tecido ia às vezes até à inconsistência e à transparência; eis porque
extremamente delicadas exigia trabalhadores especializados. Mas, em certos manuscritos interpolava-se um pergaminho mais forte, da
havia artistas universais que, a exemplo do decano de que fala a crôni- mesma forma por que se reforçavam as folhas de papiro, interpelando-se
ca de Saint- Trond, tomavam de uma simples pele de carneiro e a trans- um pergaminho ordinário. Mas, a partir do século XIII a fabricação alcan-
formavam em um missal iluminado e anotado, sem o concurso de çou progressos consideráveis, atestados pelo vélin unido e aveludado dos
nenhum auxiliar. Os mosteiros eram, com efeito, na Idade Média, as livros de horas da nobreza.
grandes usinas em que se confeccionava o livro. Cluny, entre outros,
tinha uma fábrica de pergaminho grandemente próspera no século XII.
o pergaminho foi sempre material de preço elevado. Essa cir-
Um dos principais ofícios, nos conventos, era o de pergamenarius, cunstância explicaria, segundo os autores, o fenômeno dos palimp-
encarregado de preparar para os copistas as folhas de que se serviam. sestas, isto é, manuscritos em que o texto primitivo foi raspado, a fim
Mas, a Universidade de Paris, nos belos dias de seu predomínio, fez de servir novamente para a escrita (palimpsesto significa "raspado de
aos estabelecimentos monásticos uma concorrência temível e seculari- novo"). Pensou-se durante muito tempo que esse hábito resultava das
zou em parte a fabricação do pergaminho. Sua numerosa população de intenções piedosas dos monges copistas, que apagavam textos pagãos
professores e estudantes consumia tal quantidade que dentro em pouco para inscrever em lugar deles orações e meditações religiosas. Mas,
foi necessário produzi-lo autonomamente e regulamentar-lhe a produ- verificou-se posteriormente que não só o palimpsesto existe desde a
ção. Daí a importância adquirida na capital pela indústria e pelo comér-
mais remota antiguidade, como ainda inúmeras orações e trechos
cio do pergaminho, a ponto de ter dado o nome a uma das suasruas. Os
religiosos tinham sido raspados em benefício da literatura profana ...
pergaminhistas jurados de Paris, em número de quatorze (reduzidos a
quatro em 1488, em virtude da vulgarização do papel), examinavam as Em qualquer dos casos, é possível ler, com o auxílio de recursos
peles, aprovavam-nas ou rejeitavam-nas e fiscalizavam a sua prepara- modernos, O texto primitivo, que se destaca com maior ou menor cla-
ção. Submetiam-se a um juramento perante o reitor e pagavam-lhe uma reza sob a ação de reagentes químicos. É a mesma necessidade de
renda de 16 sols parisis a cada maço de pergaminho trazido à cidade. economizar pergaminho que dará nascimento ao que hoje constitui a
O monopólio, a especulação e a retenção Ihes estavam interditos. tortura dos paleógrafos, isto é, o sistema de abreviações da Idade
Gozavam do direito de fiscalizar a famosa feira do Lendit, o grande Média. Conhecem-se as diversas histórias que ilustram esse fato: em
mercado do pergaminho, onde todos os anos, no dia seguinte ào da 1120, um monge inglês, encarregado de copiar a Bíblia, não pôde
festa de São Barnabé, compareciam em procissão, numa fila interminá- recolher em toda a Inglaterra a quantidade necessária de pergaminho.
vel, estudantes e professores, advogados e comerciantes. O reitor abria
Mais ou menos pela mesma época, tendo o conde de Nevers ofereci-
as operações com uma bênção solene; os pergaminhistas do rei, os
do a um convento de cartuxos alguns vasos de prata, os monges agra-
membros da Universidade escolhiam antes de todos as suas partes e
deceram e pediram que ele trocasse o presente por alguns maços de Um palimpsesto do
somente depois deles é que os compradores comuns eram admitidos. século IV, tirado da
Mais de um processo surgiu entre o reitor e a abadia de Saint-Denis, pergaminho. Da mesma forma, as informações sobre o preço do per- República de Cícero.
entre a Universidade e os comerciantes, por causa desses privilégios, e gaminho, embora dificilmente avaliável em moeda atual, demons- 100 livro de Lecoy
de Ia Marche,
mais de uma vez os turbulentos estudantes transformaram em desor- t ram que era elevadíssimo em comparação com os de outros bens de Les manuscrits et Ia
dem a festa do pergaminho, de tal maneira que ela acabou por ser consumo. miniature.)
supri m ida52.

o pergaminho fabricado na Idade Média distingue-se do que o


iru nu Antiguidade por qualidades e defeitos. Lecoy de Ia Marche rcsu-
me l:SSUS di (crenças da seguinte maneira: o pergaminho medieval
é menos igual, menos isento de fibras c de raias, menos bem batido; nem
j\l~~:~JQ"Z1(f~ ~7~OlbrOl,JP
sempre uprescntu umu coloração uni forme c exibe fendas ou buracos gros-
aclrnrnentc corrigldo«. 11mcomncnsação, é mais lortc, mais durável c Num-
~01 I
U~Q'ltj ,~;fo~ ~

pIe do '''11(1 ccun CSpUHH\lni, cnquunto nos rolll(1I10S o udclguçnmento U)(II'"


1'''1 111~Hl
'RO
liI\ ti" t'I.\'I/(' os ,"('IIS proprios caniços. Reuchlin ficou tão cncan-
t'
o pergaminho foi escrito, como o papiro, de um lado só, até que
'''11 111111 os presentes que pretendia tê-los o seu amigo tirado de
se descobriu ser perfeitamente possível fazê-Ia nas duas faces,
( IIldll 1111 do Egito. Erasmo, que já 'devia' a Reuchlin três caniços de
I':nquunto a escrita era realizada apenas no reto, o pergaminho era cnro- , ,','/', pede-lhe que envie em seu nome, a um amigo comum resi-
ludo, como o papiro, para constituir O volumen. A escrita no reto e no 111111 1111 Inglaterra, lodos os que pudesse encontrar?».
verso vai dar nascimento ao codex, isto é, ao antepassado imediato do /\ pena de ave substitui, entretanto, o
livro, Com ele revoluciona-se o aspecto da matéria escrita e o das ,1"",,,,,,, e ela já figura nas colunas Trajana e
bibliotecas. Códex (pl. códices), na definição de Rouveyre, "é o nome 111111111111, sendo igualmente mencionada por
lindo aos manuscritos cujas folhas eram reunidas entre si pelo dorso e 111110 de Sevilha, Beda, etc. A pena de pato,
recobcrtas de uma capa semelhante à das encadernações modernas. É, 111 pllI ticular, prestou aos calígrafos e aos escri-
em suma, o livro quadrado e chato, tal como ainda hoje o possuímos". 11111'11 os mais assinalados serviços. Eram esco-
/\ di fcrcnça é que o livro moderno apresenta-se em tamanhos reduzi- IlIhlw;, C0l110 se sabe, as penas da asa, chamadas
dos, graças ao corte das folhas de impressão, ao passo que o pergami- IIIIII)././(/,\', o que provavelmente deveria facilitar
nho não era dobrado nem cortado em folhas pequenas, o que significa lU vôos da imaginação. Eram preparadas por
que os códices são livros grandes, "in-fólio", quer dizer, "em folha", 1111'10 de UI11 mergulho em cinzas quentes; os
no tamanho da folha. Embora escritas dos dois lados as folhas do per- lmlnndcscs, que aperfeiçoaram o processo, pro-
urninho, conservou-se, até ao fim da Idade Média, o hábito de apenas 1Il'lIl'l1l11 a celebridade das "penas holandadas".
numerá-Ias no reto, o que significa que a noção de página somente I l'\.'OY de Ia Marche informa que desde o século
uparccc no fim desse período. \ IV começaram-se a fabricar as penas de ferro
Cálamo com estojo,
1111 de bronze e, com efeito, Sainte-Beuve afirma que em Port-Royal
segundo uma pintura
'-111111 empregadas penas metálicas. Mas a história ainda não se encon-
Os instrumentos da escrita de Pompéia. IDo livro de
11'11 esclarecida, e as informações dos autores são contraditórias: o Lecoy de Ia Marche,
Les manuscrits et /a
É claro que o instrumento apropriado para a escrita diferia segun- l urousse du XXe siêcle (artigo "Plume"), mencionando, embora, a miniature.)
do ti matéria empregada. Assim, se os caldeus, como vimos, faziam uso PIo'IlU metálica descoberta em Pompéia, assinala que o seu uso somen-
de uma espécie de cinzel para gravar as tabletas de argila, os romanos tl' se generalizou no século XIX, o que é prudente e deixa o problema
cmpregavam o graphium ou stylus nas tabuinhas enceradas: O estilete 1111 como foi encontrado. Se dermos crédito à revista científica
era uma haste de metal ou de osso, pontuda de um lado, achatada de C '0,\'11/08, citada por Albert Cim, a pena metálica moderna foi inventa-
outro, o que permitia escrever e apagar, em caso de erro. São Jerônimo dn em 1800 por um ourives americano, Pellegreno Williamson, que,
afirma que o estilete escrevia sobre a cera e o caniço sobre o papiro ou hcqücntando um curso noturno e não se dando bem com a pena de
sobre o pergaminho. Esse caniço, chamado comumente calamus, foi, por puro, teria fabricado, para seu uso pessoal, uma pena de aço. Como
conseguinte, o antepassado direto da nossa pena. Os calami eram con- l'ssa pena, de ponta inteiriça, não o satisfizesse, ele a fendeu, para dar-
servados em estojos apropriados, que muitas vezes se carregavam pen- 11\\.: maior elasticidade. O lápis, por sua vez, seria um pouco mais velho
durados na cintura, junto com os recipientes de tinta. Os romanos che- nu um pouco mais moço que a pena metálica: sua invenção data do fim
garam a fabricar calami de bronze, que foram, assim, um prenúncio da dn Idade Média, dos primeiros anos do século XV54. Como instrumen-
pena metálica, dela separados pelo reinado da pena propriamente dita, a
pena das aves. Entretanto, o uso do calamus se prolongou até ao VI ou
los auxiliares, os romanos empregavam a esponja e o raspador. A pri-
mcira servia para apagar as linhas escritas, tanto novas quanto velhas,
(
VII século da nossa era, e mesmo, segundo Albert Cim, até bem mais provavelmente com a sua diluição na água da esponja; outro uso fre-
tarde, visto que "diversas passagens das cartas do sábio Reuchlin e de
1~l'lIstnOprovam que os 'caniços para escrever' eram ainda empregados ~ t()p. cil •. v. V, p. 29X.
',1('1', uouveyre. on. cli .. v. I, p, 11 c H •• C v VII, p. 5 c S.; I.ccoy de Ia Murche. ar. cit., p. 41 c S.; Cim, op.
no século XVI. Em 1520, Reuchlin estando reduzido à mais extrema ,11., v. I, p, 70 c H•. C v v, p, 2')H c H,; 1'11111", /1/1/11/1'(' ",,1/"1(', p. 162 c s,
misériu, Pirkhcimcr lhe envia, entre outros objetos, papel, canivetes,
'11.
o LIVRO MANUSCRITO • . -=--
qüente era a limpeza do caniço. O raspador ou canivete (raso ria, scal-
pra) eram de um emprego evidente. A facilidade com que a tinta desa-
parecia com o uso da esponja explica-se pelo fato de sua composição
não conter nenhum fixador poderoso: a tinta romana era feita com
negro-de-fumo, goma e água. Plínio informa que a adição de um pouco
de vinagre daria maior tenacidade à tinta. Mas, em conjunto, a tinta é,
entre os materiais empregados na escrita, um dos mais antigos e, com
certeza, um dos mais preciosos.
A escrita está, como vemos, na fonte de todo progresso humano,
e já no século XVIII Diderot poderia resumir-lhe a importância ao
observar, na Encyclopédie, que "sem a escrita, privilégio do homem,
cada indivíduo, reduzido à sua própria experiência, seria forçado a reco-
meçar a carreira que o seu antecessor teria percorrido, e a história dos
conhecimentos do homem seria quase a da ciência da humanidade".

Gótica florida, cerca de


1400. (Do livro de Lecoy de
Ia Marche, Les manuscrits
et Ia miniature.)

-,

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