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Wilson Martins
História do livro,
da imprensa
e da biblioteca
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f'ditora áti"8
lemas
Volume 49
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EDITORA AFILIADA
ItllllllllW do Sant' Anna, e de Lícia Carvalho Medeiros (Assessoria Técnica), Suei
1>111/4 (Depurtamcnto de Referência e Difusão), Eliane Perez (Chefe da Divisão ti
1111011 IIIIÇÜODocumental) e Regina Souza (Pesquisadora). *
Impressão:
Gráfica Palas Alhena
ISBN 850805757 1
2002
Apêndices
I - Convenção Universal sobre o Direito de Autor 453
11- Fé de errata 463
o livro
manuscrito
upilulo 1
Pré-história do livro
o que antes
de mais nada e acima de tudo distingue o homem é
a sua capacidade de abstração. É por ela e graças a ela que o ser huma-
no se libertou da escravidão ao mundo material a que vivem presos
todos os outros animais; é na abstração que encontramos a fonte de
todo o seu desenvolvimento espiritual. Não é a vida do espírito que ori-
ginou a abstração; é a abstração que originou a vida do espírito. Tudo
indica que o homem pré-histórico possuía a mesma inteligência redu-
zida dos animais de grande porte e talvez menor ainda que a deles: o
homem se diferenciou espiritualmente no momento em que vitalizou
essa centelha no primeiro fulgor abstrativo e a fez multiplicar-se infi-
nitamente sobre si mesma. Nesse instante é que se criou o homem: nele
nascia a sua qualidade mais alta e mais nobre, a que verdadeiramente
o define. Para não sair estritamente do nosso tema, foi a abstração que
permitiu o aparecimento da linguagem; ora, a linguagem é o segredo e
a explicação do homem. A linguagem, por absurdo que pareça, é que
vai permitir a invenção da mão: na mão e na linguagem está contida
toda a história do homem. É o que dizia com grande agudeza Henri
Bcrr no prefácio do conhecido livro de Vendryés sobre a linguagem:
A linguagem, a princípio emotiva e ativa, a seguir sintética, à medida que
se diferencia para distinguir os objetos, as propriedades, os estados, que se
, flexibiliza para exprimir as relações mais variadas do real por meio de
palavras, esvaziadas de seu sentido particular, que adquirem um valor abs-
trato e geral de categorias gramaticais, a linguagem pouco a pouco eleva-
da a uma potência extraordinária, constitui emfunção a faculdade de dis-
cernir o semelhante e o diferente, em seguida de abstrair e de generalizar,
que é imanente à vida como a de sentir o agradável e o penoso; e ela per-
mite uma tomada de posse mais penetrante e mais extensa das coisas. É
por ser homo faber, mas muito mais por ser homo loquens que o homem é
homo sapiens. Parece que o desenvolvimento da linguagem seguiu de
perto o desenvolvimento da aparelhagem artificial. .. '.
I
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rnul implica uma aderência do sinal com a coisa signilielldn. lIol'll que li zu, numa únlca frase: "toda linguagem 6 clipsc", O que se comprccn
aderência cesse e o sinal adquira um valor independente do objeto, é de melhor com o desenvolvimento que ele dá ao lema:
necessária uma operação psicológica, que está no ponto de partida da lin-
guagem hurnana". Se quero advertir o meu vizinho de que uma vespa entrou pela janela, 11!1()
necessito de longos discursos. "Atenção!" ou "lá!" - uma palavra bast«,
E Edward Sapir, escrevendo o artigo "Language" na um gesto - desde que ele a veja tudo está feito. Supondo que um disco
Encyclopcedia of the Social Sciences, chegava à mesma conclusão, ao reproduzisse sem comentários as conversas quotidianas de um casal de
-º
observar que a Jinwg~m_ é Aue é não por causa do .seu admirável Provins ou de Angoulême, não compreenderíamos nada: faltar-nos-ia O
contexto, isto é, as lembranças comuns e as percepções comuns, a situação
poder expressivo, mas a despeito dele: "a linguagem em si mesma é
do casal e seus empreendimentos, em suma o mundo tal como cada um cios
uma complexa e maravilhosa mistura de dois sístemas.de.padrões, o
interlocutores sabe que ele aparece ao outro ... 6
simbólico e o expresiivo, nenhum dos quais poder-se-ia desenvolver
até à sua atual perfeição sem a interferência do outro". Tudo na língua é psicológico, na conclusão de Saussure,
Nada mais natural e lógico, portanto, que o pensamento, anterior "mesmo as suas manifestações materiais e mecânicas, como as mudan-
e superior às classificações gramaticais (que surgem de um imperativo ças de sons". Ora, quem diz psicológico, nesses domínios, diz, na ver-
racional não sabemos quantos milênios depois), tenha se realizado na dade, emotivo: a linguagem que exprime as idéias, exprime, antes de
linguagem por meio de blocos complexos e de sentido complexo, e não mais nada, os sentimentos71Daí o fato de a linguagem, ao contrário do
fragmentariamente, pela criação de palavra por palavra, como por tanto que se pensa comumente, não ter "nenhuma conexão direta com a rea-
tempo se pensou. É a lição de Vendryês, que Henri Berr resume ao lidade'": ela é, na verdade, um duplo reflexo, visto que o homem
dizer que "a frase é anterior à palavra e que a palavra é anterior à síla- somente percebe os objetos exteriores através dos sentidos, e a impres-
ba". Com efeito, a palavra já representa um esforço complementar de são assim envolvida é que se reflete na linguagem.~ natureza psicoló-
abstração com relação à frase, da mesma forma por que a sílaba repre- gica da linguagem já tinha sido realçada num livro célebre de Arséne
senta um esforço de abstração com relação à palavra e a letra será outro Darmesteter, para quem a semântica faz parte da história da psicologia
esforço de abstração com relação à sílaba. Dessa maneira, poderíamos e não da gramática", Outra não é a conclusão dos estudiosos modernos,
resumir esquematicamente toda a evolução da linguagem nessa evolu- de tal forma que Henri Berr pôde dizer que a linguagem é, desde as
ção do concreto para o abstrato, ou do menos abstrato para o cada vez suas origens, psicologia em ato. E emjaneiro de 1898, comentando no
mais abstrato. Obtido o ponto de partida, que era o de atribuir ao sinal Mercure de France o livro, então recente, de Michel Bréal, La séman-
um valor simbólico, pode-se dizer que todo o resto era apenas questão tique, Paul Valéry já mostrava que uma verdadeira teoria da linguagem
de tempo: o impulso inicial estava dado. deveria consistir no estabelecimento das suas relações fundamentais
Não pode haver, por conseqüência, nenhuma dúvida quanto à com o que se chama, por hipótese, o espírito, pela simples determina-
natureza da linguagem: trata-se, como dizia Richards-, de um fenôme- ção das "propriedades" que não são afetadas pelas diversas transforma-
no emotivo. Se ela, "como exteriorização direta do pensamento se ções lingüísticas. Essa posição é facilmente corroborada pela verdadei-
caracteriza pelo fato de que os seus elementos, as palavras, têm tanto ra identidade que existe entre a linguagem e o pensamento. Não há
um significado intuitivo-sensível quanto lógico-conceptual, sem que pensamento sem expressão, e a chamada "linguagem mental" não
nunca se possa determinar de um modo claro e inequívoco a relação poderia existir se não fosse precedida da linguagem propriamente dita.
que existe entre ambos esses grupos de valores">, a verdade é que os Nós pensamos "frases", não pensamos pensamentos: assim, a contra-
aspectos "intuitivo-sensíveis" são, não apenas historicamente anterio- prova demonstra que, se a linguagem é psicológica, o pensamento, por
res, como parecem dominar funcionalmente os demais. É o que Sartre
6Silllalions li, p. 117.
J Vcndryés, op. cit., p. 14-5. C 1".Bally, Traité de stylisüque française, t. I, p. 6, 8 e 286.
4 Prlnciples of llterary criticism, p. 273. Xl'li/llhcth Sewell, The structure ofpoetry, p. 4.
5 IImil Erl11t1tingcr, "Lu Icy en Ia ciencia literária", na obra coletiva Filosofía de Ia ciencia literaria, p. 381. tl( 'I' /,11 vie des mots, p. 88.
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SlIlI vez, 6 verbal, uindu que não se exprima OI'UIIlH,Hlle, 1'\li conclusão 1i 1IIII/.IIIIKUIll humunn nQo pode. s()/,il1hu, torncccr li chuve de HlIlI ollfll'lll
1'(Ill'cessól'io suir do quadro que ti limita pura dominá-lu e ubruçn-ln: é pu
lique parece chegar um dos mais conceituados filósol'os contempo-
slvcl que o estudo compurutivo da linguugcm do homem e do quo su pod
râneos da linguagem: "A consciência existe, é incontestável, e atrás
reconhecer, sob diversas aparências, em diferentes espécies unimul«, ti
dela nada existe que possamos perceber. Mas ela não existe senão 111l11'llpologiue li zoologia combinadas, permitirão a obtenção de reHulllldos
acasalada à Iinguagem, e não é a primeira que aparece, é a segunda. novos em um estudo que ató agora não saiu dos domínios da mctaüslcn!'.
Sua função é a de se perder nesta última, obscuramente. Ela não pode
nem se contemplar a si mesma sem passar pela linguagem"!". Outro Um dos balanços do assunto, o que Sapir escreveu para li
II'I/(~l'('/()I)a'di" ofthe Social Sciences, afirma que a maior parte das tco-
grande ensaísta dos nossos dias, G. Morpurgo Tagliabue, escreve
I 111M que se têm erigido a respeito das origens da linguagem não passa
igualmente:
do "excrclcios de imaginação especulativa". Na sua opinião, os lingi.iis-
No momento em que me ponho a formular mentalmente um discurso, já
1111'1. em conjunto, desinteressaram-se do problema e isso por duas
não se tratará mais de uma intuição mental mas de um discurso fisico, no
III/'(ks:
qual os motores da laringe e da língua já estão interessados, no qual o pro-
cesso vocaljá está esboçado, e que é tão pouco intuição quanto as palavras I\111primeiro lugar, constatou-se que não existem verdadeiramente lingua-
que pronuncio em voz alta: não ideais mas reais. Se penso, exasperado: gens primitivas no sentido psicológico da expressão; que as modernas pes-
Cão! Canalha! sem abrir a boca, estai seguros de que não se trata de uma quisas arqueológicas prolongaram indefinidamente o tempo do passado
intuição, mas de uma invectiva realmente pronunciada com a boca fecha- cultural do homem e que por isso é vão atirar-se demasiadamente pelas
da. Trata-se de um discurso mimético, como posso mimar uma dança sem perspectivas abertas pelo estudo das linguagens atuais. Em segundo lugar,
me mexer, e que nem por isso será simples imaginação!'. nossos conhecimentos de psicologia, particularmente dos processos sim-
bólicos em geral, não são suficientemente completos ou não alcançam
Enfim, para Jean Hankiss, a "linguagem é o instrumento de aná-
suficientemente longe para nos ajudar no problema do aparecimento da
lise do pensamento", o que dá com rara justeza e concisão a idéia de
sua natureza específica e, ao mesmo tempo, demonstra ser correta a
linguagem. y
teoria acima exposta a respeito do processo pelo qual ela se formou 12. E Sapir retoma a velha conclusão, acima transcrita, de ,
E isso nos conduz ao problema entre todos insolúvel da origem da I)lIl'mesteter: "É provável que a origem da linguagem não seja um pro> \ )
linguagem. hlcma que possa ser resolvido apenas com os recursos da lingüística, \LS
O que fica dito é suficiente para discordar da hipótese de mlls que seja essencialmente um caso particular de um problema muito
Vendryês segundo a qual a linguagem teria começado por ser "um sim- muis amplo, o da gênese do comportamento simbólico e da especiali-
ples canto ritmando a marcha ou o trabalho das mãos, um grito como znção desse comportamento na região laríngea, que somente com ela
o do animal exprimindo a dor ou a alegria, manifestando o medo ou o tcrla dado início às suas funções expressivas". E como Darmesteter,
apetite". E isso porque é pouco provável, segundo vimos, que o grito Supir acredita que algum auxílio subsidiário nos poderia vir do estudo ~ "
tenha sido efetivamente o núcleo em torno do qual a linguagem veio a <111 linguagem infantil. ~ ~ ')
se formar por "diferenciações sucessivas". Admitir essa teoria é Seja como for, é inegável, como diz Vendryês, que um "elemen-
regressar às explicações onomatopaicas que são de todo em todo to racional" se desenvolve pouco a pouco na mentalidade mística do
insatisfatórias. É que as hipóteses puramente lingüísticas são insufi- primitivo e termina por predominar, Dessa forma, a linguagem cami-
cientes por completo, o que, de resto, o próprio Vendryés admite na nha do concreto para o abstrato e do místico para o racional.
inspiração que, em conjunto, preside o seu livro. Arséne Darmesteter, Racionalizar o real é, ao mesmo tempo, sujeitá-lo à norma do conven-
mesmo se recusando a escolher qualquer das teorias correntes ou a cional: de emotiva que deveria ter sido em seus primórdios, a lingua-
levantar uma nova, parece-me em melhor terreno ao pensar que gem alcançaria o plano convencional em que já a encontramos por
mais antigas que sejam as línguas tomadas para estudo. Racionalizar a
11I1ll'icc Paruin, eu. por M.-J. Lefebvre, Jean Paulhan, p. 245-6.
1i1/ ('OIlCel/1I dello stile, p. 240. I I()I' ,'li .• p, 5.
12( T. 1.(/ I/lIh,(I/III'(' et la vil', 1'. 26-7. ~ c-
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C' rr: ~
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:xprl.~HSn()omotivu é, igualmente, submeta-lu ti umu regru: ti uel'iniçl\o Todo esse mugnlf'ico ensaio 6 pUItl S(,)I lido, pois 010 rortutccc li
muis gerul que se possa dar à linguagem, segundo vcndryes, é ti de ser xinclusão li que Hrunctiórc iria chegar num outro livro: "[pode-se]
um s/,\'((,I/1U de sinais. Ponto da maior importância para o nosso tema, dizer que Moliõrc teria escrito menos bem se tivesse escrito melhor;
porque(n cscritajdc onde nascerá o livro, é, da mesma forrna.jurn si..§- que o seu esti 10seria menos essencialmente cômico se se apresentasse
rema de sinais) ela 6, como a mímica, na feliz expressão do mesmo com maior compostura e unidade, se não fosse, antes de mais nada, um
Yendrycs,~lma linguagem visual) São esses sinais que Bally preferiu csu'1OjCl,a
f' I d o "16 .
denominar "símbolos de expressão", para acentuar, provavelmente, o O mesmo Brunetiére observava que, numa sociedade que já
HCU caráter convencional e emotivo. Assim encarada/a Iinguagem pos- era homogênea, na qual as condições se confundiam cada vez mais
sui como função suprema a comunicação e resulta dos contactos "sob a uniformidade da aparência exterior", que em tudo caminha-
sociais: ela é "o fato social por excelência"l'y A sociedade permitiu e va para uma estandardização cada vez maior, apenas uma coisa
mesmo obrigou o aparecimento da linguagem, mas é a linguagem que
colocava alguma diferença entre os homens e era precisamente a
possibilitará à sociedade o seu estabelecimento propriamente dito, que
Ii nguagem,
transformará as relações transitórias do encontro nas relações duradou-
ras da convivência. Assim, a linguagem variará de acordo com os gru- a maneira diversa de traduzir os mesmos pensamentos. O próprio tom que
pos sociais, porque os exprimirá em sua mais funda realidade: a lingua- se dá às banalidades da conversação corrente é uma declaração do estado
gem, como dizia uma frase célebre a propósito da literatura, é a das pessoas, mas, as palavras, por maioria de razões, e a maneira de asso-
ciá-Ias, são reveladoras da educação, dos hábitos, do meio. Quando os
"expressão da sociedade", como a sociedade é, em grande parte, uma
comediógrafos querem obter um efeito certo de riso grosseiro, fazem falar
expressão da sua linguagem.
as duquesas do Palais-Royal como se fossem cozinheiras, e os criados de
Os grandes escritores, em particular os grandes escritores de
quarto das Variedades como se fossem embaixadores.
teatro, graças às faculdades divinatórias dos gênios, compreenderam-
no, por assim dizer, instintivamente. Moliére, entre outros, é conheci- A linguagem continua refletindo, por conseqüência, uma reali-
do pelo extraordinário poder que possuía de criar cada personagem dade psicológica: assim, por exemplo, se o homem do povo emprega
com a linguagem característica do seu meio, da sua profissão, das suas palavrões e blasfêmias em sua linguagem corrente, é que eles não lhe
origens sociais ou das suas pretensões. Albert Dauzat observa que nas são senão um sinal ou uma tradução habitual das suas emoções. O que
suas comédias em prosa ele se mostra um escritor admirável: "não
já não acontece com o burguês, para quem os palavrões ainda conser-
somente faz com que cada personagem fale a linguagem da sua condi-
vam o seu sentido original e despertam imagens desagradáveis ou
ção, mas ainda possui o estilo mais vivo de sua época [... ] um verda-
deiro estilo de teatro'">. E Brunetiêre, num admirável estudo sobre a -grosseiras que nem de longe ocorrem ao espírito do indivíduo rude que
língua de Moliere, afirma que todos os personagens não poderiam os repete dez vezes por dia!".
falar a mesma língua: Um grande especialista moderno escreve a esse propósito que
Alceste ou Célimene exprimirem-se como Martine ou George Dandin, e .) (a linguagem é ainda e acima de tudo um fato social porque classifica de
. ---------._------ --_._----- -_._--.~_.- - _._- ._', -~~--
que, se isso é evidente quando se trata de "criados" ou de "campônios" que , uma maneira ou de outra o sujeito que fala.jSem dúvida, ela o classifica
se escutam, já o é menos, embora nem por isso pouco exato, quando se individual~~nte antes declassificá-lc socidlmente; além disso, quando o
trata das "mulheres sabichonas", ou dos seus "burgueses" ou dos seus classifica num grupo, esse grupo é uma realidade mal definida, não possui
"gentis-homens". Poderemos censurar-lhe ter falado em algum lugar de a rigidez de uma classe social no sentido estrito da palavra: é apenas um
um vinho "à sêve veloutée, armé d'un vert qui n 'est point trop com-
meio ... o meio em que vive ou de onde provém o indivíduo com exclusão
mandant? Evidentemente, era o jargão dos gastrônomos da época ...
de outros ... Assim acontece, por exemplo, com quem fala gíria ...
14Vcndryes, op. cit., p. 13. É igualmente a constatação de Sapir: "The primary function oflanguage is gen-
crully suid to be communication. There can be no quarrell with this " [Diz-se comumente que a função prin- 16Cr. lillldes critiques SUl' l'histoire de Ia littérature française, V. VII, p. 85 e s., e Histoíre de Ia littérature
/;'(111(''';''(' classique, t. lI, p. 439, 442 e 453.
C~'111du linguagem é a comunicação. Não se pode discordar disso ], op. e loc. cit,
171l1't1l1clicrc.l.e roman naturaliste, p. 285-337.
I Préc!s d 'liistoire de Ia langue et du vocabulairefrançais, p. 35.
dude, '\'0111'1(1(111 cntrctunto un: dOM Hl'\II'lllIllm~s tllllis illlpmllltllllH, dl'ltll
o meio scriu, pois, nu ccncchuução
LillgUisLit;ullll.:nl(;, de Bally, o
que se pode nl'irmur que 'vndu hlioruu possui umu Iht'IlHlCHpl
l1111tH,'I\'lI
conjunto de pessoas para as quais cada tipo de expressão 6 familiar, e o ritunl peculiar'. Llt11l1 'linguagem' diferente". (~o que cosfUt11IlI1WS chn
conjunto dc circunstâncias que lhe determinam a criação c a conservação. I11UI'
cumurncntc com a expressão vagu c indcf'inlvcl de "espírito du 1111
I ... ] Assim, o que entendemos por meio não implica nenhum caráter geo- gua". Todos os que praticam mais de um idioma "sentem" a t'esislCII
gráfico ou topográfico; não nos devemos representar os indivíduos como cia de cada um a certas formas de linguagem que, embora grumuricul
submetidos à ação de um meio como se formassem uma sociedade orga- mente corretas, não pertencem ao seu "espírito". É que cada ltnguu,
nizada, uma espécie de corporação; ainda que isso ocorra freqüentemente, antes de ser propriamente uma língua, é uma linguagem, isto 6, obcde
essa condição não é de forma nenhuma necessária. Longe de se justapo- ce talvez mais a reflexos de ordem afetiva que a reflexos de ordem inte-
rem sob a forma de agrupamentos de pessoas, os meios imbricam uns nos lectual. A língua, gramaticalmente falando, é uma espécie de racionn
outros e se penetram reciprocamente. Como as malhas trançadas de redes lização da linguagem, e, como tal, circunscrita em limites que não
diferentes, os fios tensos dessas influências muitas vezes contraditórias abrangem a totalidade da sua esfera de ação. Por isso mesmo 6 impos-
podem se encontrar num mesmo indivíduo, que será, por conseqüência, sível distinguir, nos fatos de linguagem, o que pertence ao domínio do
uma resultante 18. afetivo e o que pertence ao domínio do intelectual: ambos se contami-
Meillet, citado por Henri Berr, chegou mesmo a fazer desse nam mutuamente de maneira inextricável, mas sempre é certo que 6 o
fenômeno uma espécie de lei lingüística: "O princípio da maior parte racional que dá a "ordem", a "organização" da linguagem; é o afetivo
das modificações de sentido reside na repartição dos sujeitos falantes que lhe dá a "coloração", a "expressividade", Eis porque, como obser-
entre os diversos grupos sociais e na passagem das palavras de um vava Bally,
grupo social para outro". um estudo da linguagem que não se guie senão pela lógica é um estudo
r Como veículo de comunicação, a linguagem desempenha simul- incompleto; todo um domínio da expressão lingüística permanece inaccs-
sível aos processos puramente intelectuais em que até agora se resumiu
taneamente várias funções, entre as quais Richards distinguia quatro
toda a ciência da linguagem; entre esses dois pontos de vista extremos, a
principais: o sentido, o sentimento, o tom e a intençãQ~ É que, embora gramática de um lado, que é apenas a lógica aplicada à linguagem, e o
sempre se fale para dizer alguma coisa, vários elementos complemen- estudo da expressão literária de outro lado, há lugar, segundo cremos, para
tares do sentido propriamente dito podem afetar, e em geral afetam, o uma disciplina distinta: a observação puramente científica dos caracteres
alcance, o efeito ou a eficácia do que se diz. O que exprimimos, não é afetivos da linguagem organizada ...
expresso neutramente: nós nos colocamos em face das coisas com uma
Bally lembra, ainda, que as palavras mais comuns, como calor;
certa atitude, com uma coloração própria, que a linguagem não deixa frio, andar, correr, etc., evocam sentimentos antes de despertar idéias:
de refletir. Da mesma forma, quem fala adota uma atitude com relação "pode-se ter quase certeza que, segundo as pessoas ou as circunstân-
a quem ouve. Escolhemos ou arranjamos as nossas palavras de acordo cias, a frase: 'está chovendo' fará surgir uma impressão de prazer ou
com o interlocutor, e isso marca, justamente, o tom da linguagem. de desagrado antes de fazer conceber a idéia de chuva". Isso é particu-
Enfim, além do sentido, do sentimento e do tom, existe a intenção de larmente visível no emprego dos adjetivos: depois do substantivo, eles
quem fala, que pode ser consciente ou inconsciente, e que dá à lingua- tendem a se revestir de um valor intelectual, determinado, definicional,
gem o último sinal que a distingue!''. ao passo que o seu valor será mais diretamente sensível, vago e evoca-
Pode-se ir até mais longe e dizer que se há uma linguagem para tivo quando precedem o nome. Basta recordar expressões como "a
cada grupo, uma linguagem para cada indivíduo e, mesmo, uma lin- Grécia antiga" e "à antiga Grécia" para senti-lo; "uma verde campina"
guagem para cada interlocutor, existe igualmente uma linguagem para não significa, nem para quem fala nem para quem ouve, o mesmo que
cada povo, visto em seu conjunto. Hermann Gumbel observava a esse "uma campina verde". Bally me parece, por conseqüência, irrefutável
propósito-v que a linguagem, não sendo nem constituindo a nacional i- quando escreve que não existem na linguagem, em que tudo se funda
numa irnensa síntese, dois sistemas distintos, um de valores lógicos,
IXOally, 01'. cit., t. I, p. 10,218 e 220. outro de valores afetivos: "somente uma abstração necessária do espí-
191. 1\. Richards, Practical criticism, p. 180 e s. rito pode separar essas duas ordens de valores".
20No j,\ citado 1,'i/o.\'Ojia de Ia ciencia literária, p. 80 e s.
~
!\ I inguugem C as línguas tl11llplll' III0do HI11IllXpleHHIIH 1'lIlllll"lIl1ll1dlll~till pIl'dHIlO I' 1'11111111,1 11t[1! I
II~'VlIllCdlldll de leClIl'SOH,I'()I'I.'IIIINIIIIIIHIll'IIHIlllpllcul;l\IlH IOIIIIlIiMtllI jlIIIII
Quanto à sua natureza intrínseca, as línguas formas concrc- vru em si I11CSIIHI,U scntcncu tende u não Hcr tllo ultumento 1.'1I~IUIUll 11111.
tas c cspccí ficas da linguagem - podem ser classi l'icadas, segundo nada quanto nos tipos untcriorrucntc citados, EI1IiI11,llH IfIlHlItlHPOllllNlllh
Supir, ou estrutural ou geneticamente: ticus juntam à complexidade formal do tratamento dus idéltlH ICllldollllhl
tundarncntais li possibilidade de arranjar um certo número de id~illH III~I
Uma adequada análise estrutural é um intrincado problema, e nenhuma das carncntc distintas, concretas, dentro de um conjunto ordenado 110il1tcl itll
classificações até agora sugeridas parece abranger a complexa varie- mesmo da própria palavra. O esquimó e o algonquino são OH l'Il'lHHilll
dade das formas conhecidas. Distinguem-se geralmente três eritérios de exemplos deste tipo.
classificação: o relativo grau de síntese ou de elaboração das palavras da Do ponto de vista da coesão mecânica com que os elementos do pllhlVl1I "li
língua; o grau em que as várias partes de uma palavra estejam fundidas unem entre si, as línguas podem ser grupadas em quatro tipos, () plll1ll,)lllI
entre si; e a extensão na qual os conceitos fundamentais de relação da lin- deles, no qual não existe esse processo de combinação, é o tipo isohrnrc i
guagem são diretamente expressos como tais. Com relação à síntese, as referido. Ao segundo pertencem todas as línguas em que a palavra pod
línguas percorrem todos os graus, desde o tipo isolante, no qual a palavra ser adequadamente analisada em uma soma mecânica de elementos, cndu
sozinha é essencialmente não-analisável, até o tipo representado por mui- um dos quais tem um sentido mais ou menos claramente estabelecido c
tas línguas indígenas americanas, nas quais a palavra isolada é funcional- pode ser regularmente empregado em todas as outras palavras em que
mente muitas vezes o equivalente de uma sentença com vários sentidos entrem as noções associadas por eles representadas. São as chamadas Iln-
concretos que na maioria das línguas exigiria o emprego de grande núme- guas aglutinativas. A maior parte das línguas parece valer-se da técnica
ro de palavras. aglutinativa, que apresenta a grande vantagem de combinar a análise lógi-
Quatro estágios de síntese podem ser convenientemente reconhecidos: o ca com a economia de meios. As línguas altaicas, das quais o turco é um
I tipo isolante,l o tipo sintético fraco,\~ipo sintético pr~meE!~ d~d e o bom exemplo, e as línguas bantu são formalmente aglutinativas. No tercei-
tipo polissintéticoi O exemplo clás~ico do primeiro é o chinês, o qual1não ro tipo, as chamadas línguas inflexivas, o grau de união entre o radical e
-admite-que- as palavras sejam modificadas por mudanças internas ou pela os prefixos e sufixos modificativos é maior do que nas aglutinativas, e
adição de sufixos ou de prefixos para exprimir conceitos como os de assim é muitas vezes dificil isolar o radical e distingui-lo dos elementos
número, tempo, modo, caso e outros semelhantes. Segundo parece, é um acrescentados. Mais importante do que isso, entretanto, é a inexistência de
dos mais incomuns tipos de linguagem, representado por diversas línguas uma correspondência completa entre o elemento lingüístico e a noção por
da Ásia oriental. Além do próprio chinês, o siamês, o birmanês, o tibetano ele representada nas línguas aglutinativas. No latim, por exemplo, a noção
moderno, o anamita e o khmer, ou cambojiano, podem ser apontados de pluralidade é expressa através de uma grande variedade de recursos que
como exemplos. As velhas teorias que encaravam essas línguas como parecem ter pouca relação fonética uns com os outros. Por exemplo, a
representativas de um estágio peculiarmente primitivo na evolução lin- vogal ou ditongo final de equi (cavalos), dona (dons), mensce (mesas) e a
güística estão praticamente abandonadas como antiquadas, De toda evi- última vogal ou consoante de hastes (inimigos) são elementos funcional-
dência, ao contrário, tais línguas serão o extremo lógico do desenvolvi- mente equivalentes cuja distribuição depende de fatores puramente for-
mento analítico de línguas mais sintéticas, que, por força de processos de mais e históricos sem nenhum relevo lógico. Além disso, no verbo a noção
desintegração fonética, tiveram de reexprimir, por meios analíticos, com- de pluralidade é expressa de maneira completamente diferente, como nas
binações-de.idéias originalmente expressas através de simples palavras. O duas últimas consoantes de amant (eles amam), Contrapõem-se favoravel-
(tiRO sintético ~ representado pelos mais familiares dentre os idiomas mente, com freqüência, as qualidades "químicas" dessas línguas inflexí-
m;&fii()'fôàcü-fõt,a, como o inglês, o francês, o espanhol, o italiano, o veis como o latim e o grego às sóbrias qualidades mecânicas de línguas
alemão, o holandês e o dinamarquês. Essas línguas modificam as palavras como o turco. Mas essas avaliações podem ser abandonadas como anti-
em certa extensão, mas dispõem apenas de uma moderada elaboração for- quadas e subjetivas. Elas se devem, obviamente, ao fato de estudiosos que
mal da palavra. A forrriação do plural em inglês e em francês, por exem- escreviam em inglês, francês ou alemão terem encarado estruturas lingüís-
plo, é relativamente simples, e os sistemas de tempo e modo em todas as ticas que mais se aproximavam das suas próprias como se representassem
línguas deste tipo tendem ao emprego de métodos analíticos como suple- uma vantagem ideal. Como um prolongamento das línguas inflexivas pode
mento ao velho método sintético. O terceiro grupo é representado por l{n- ser considerado um quarto grupo, no qual os processos de solda, devidos
guas como o árabe e as primitivas línguas indo-européias, como o sânscri- à operação de complexas leis fonéticas, foram tão longe que resultaram na
to, o latim e o grego. São todas línguas de uma grande complexidade for- criação de padrões de mudança interna nos elementos nucleares da língua.
mal, nas quais as idéias classificativas, como as de gênero, número, caso, Alguns exemplos familiares em inglês, como as palavras sing, sang, sung,
i
.:'
X
,\'rJlI~ SCIVilll0 purn dnr UI1H1idéiu dll 11111UI'C/II
deNNlIN~'Hlltlltll'(lSque se ~II\IIIIIIII()IIlIIIllH, como os tll~IIIIIJIIIIIII
pndcm chumur "simbollsticas". Às espécies de IIH)dilklIÇIIOintcrnu que se NOIIC, cspolhllll1 SI: pOI ItllllooN1111111'11111\ li
podem reconhecer são mudanças na qualidade vocállcu, I1I1Sconsoantes, dos Illl11l1iuslingOlslícus c do IlIIlltllhll 1I1111~1""il llll!liill'l
nu quantidade, vários tipos de rcduplicação ou repetição, mudanças de ÇllCSentre us llnguus nelas incluklux ~ 111111 Illh IIlItI~1',1111~CI li'illfH1nÍI
acento e, no chinês e em muitas das línguas africanas, mudanças de diapa- momento. Hustu dizer que UCOll1pOI(I~'i1() 1"111111111111
1111,",,111111''I 1,,1i
são. O exemplo clássico desse tipo de linguagem é o árabe, no qual, como
VI'HSÓ de pequena importância. À cxp\lllem'llI d\'IIIIIIINIIIIIIIIIII1111111111 '111
nas outras línguas semíticas, o sentido nuclear é expresso por seqüências
íonérlcos muito precisos podem se est!lh~'Il'eel ~'IIII~'11M1l111'i"I~til ""1
de consoantes, que têm, contudo, de ser ligadas a vogais significativas
grupo e que no conjunto fundamental dos tlspeelos IlHlIlolóllll'O~ II'IIIh-11l1I
cujos padrões de seqüência representam funções fixas independentemente
se preservar por longos períodos ele tempo. Assim, () lilllIIlHlIIHlIkIIHI~, /111
dos sentidos expressos pelo enquadramento consonantal. [.,.]
estrutura, no vocabulário e, em grande parte, até nos pudrôeH li)llCllll~'O~,11
A classificação genética das línguas funda-se no seu arranjo em grupos
língua que melhor pode se apresentar como o protótipo de lodus IISIlngulIH
e subgrupos de acordo com as linhas principais de conexão histórica,
indo-européias em seu conjunto. A despeito de que as classi ficucõc» esuu
identificadas ou pela evidência documental ou por uma cuidadosa com-
rurais não se relacionam, em teoria, com as genéticas, e apesar de Sl.l
paração das línguas estudadas. Por força dos efeitos longínquos das len-
conhecerem as influências mútuas entre as línguas, não somente I1Uíoné-
tas mudanças fonéticas e de outras causas, línguas que não eram origi-
I ica e no vocabulário, mas também em larga mediela na estrutura, nUI) Ó
nalmente senão dialetos de uma mesma forma lingüística divergiram
tanto que não mais parece serem desenvolvimentos particulares de um lrcqiicnte encontrarem-se línguas de um grupo genético que apresentem
único protótipo. Uma enorme soma de trabalho já foi empregada na clas- estruturas irremediavelmente irreconciliáveis. Assim o inglês, que 6 urna
sificação e subclassificação genética das línguas, mas inúmeros proble- das últimas línguas conservadoras indo-européias, tem muito mais pontos
mas ainda esperam pesquisa e solução. Atualmente, o que se sabe com de contacto com um idioma remoto, como o sânscrito, por exemplo, do
segurança é que existem largos grupos lingüísticos, ou famílias como que com o basco ou com o finlandês. Da mesma forma, por diferentes que
são freqüentemente chamados, cujos membros, grosseiramente falando, sejam o assírio, o árabe moderno e as línguas semíticas da Abissínia, apre-
podem ser tidos como descendentes lineares de línguas que se podem sentam numerosos pontos de semelhança em fonética, vocabulário e estru-
reconstituir teoricamente em suas principais configurações fonéticas e tura que os distinguem, digamos, do turco ou das línguas negras das nas-
estruturais. É óbvio, entretanto, que as línguas podem divergir ao ponto centes do Nil021.
de perder qualquer traço de suas relações originais. Além disso, é muito
Esses tipos de classificação estrutural e genética de Sapir cor-
perigoso pretender que as línguas não são senão membros analíticos
divergentes de um único grupo genético, simplesmente porque todas as Iespondcm aos tipos denominados, respectivamente, racional e natural
evidências respondem pela negativa. por Vcndryes, em seu artigo para o Larousse du xxe siêcle. Eis, entr.e-
A única oposição admissível é a que se pode estabelecer entre línguas tunto, a crítica que ele lhes faz:
cujas relações históricas são conhecidas e línguas cujas relações históricas
Uma das classificações racionais consiste em distinguir as línguas sintéti-
são desconhecidas. Línguas sabidamente relacionadas não podem ser legi-
timamente comparadas com línguas sabidamente não relacionadas. Pelo cas e as línguas analíticas, mas essa distinção tem o grave defeito de não
fato de que as línguas se diferenciaram em diferentes graus e por causa dos estar de acordo com a classificação genealôgica, classificação natural e,
importantes efeitos da difusão cultural, o que fez com que idiomas estra- portanto, mais objetiva: o latim e o francês, que pertencem à mesma famí-
tegicamente situados, como o árabe, o latim e o inglês, tenham dominado Iia, são, o primeiro, sintético, o segundo, analítico. Propôs-se, outrora, a
grandes superficies do mundo em detrimento de outros, as condições mais divisão de todos os idiomas em três tipos: o tipo isolante ou monossilábi-
variadas prevaleceram no que concerne à distribuição das famílias lingüís- co, o tipo aglutinador e o tipo flexional. Essa classificação desperta as
ticas. Na Europa, por exemplo, existem apenas duas famílias lingüísticas seguintes objeções: 1) há línguas cuja estrutura morfológica dificilmente
de importância atualmente representadas, as do indo-europeu e as do ugro- se enquadra em qualquer desses tipos; 2) é raro não encontrar em cada lín-
finês, das quais o finlandês e o húngaro são exemplos. Os dialetos bascos gua e na mesma época processos que respondam aos três tipos de estrutu-
do sul da França e do norte da Espanha são sobreviventes de um outro ra; 3) é falso que as três formas lingüísticas representem os três estágios
grupo, aparentemente isolado. Por outro lado, entre os aborígenes da da evolução da linguagem, e que toda língua tenha sido monossilábica,
América a diferenciação lingüística é extrema, e um número surpreenden- para se tornar em seguida do tipo aglutinador e t1exional. ',: _ \f)
temente grande de famílias lingüísticas não relacionadas pode ser reconhe-
cido. Algumas dessas famílias ocupam áreas extremamente pequenas, 11dw,"d Sapir, artigo "Language", na Encyclopiedia of the Social Sciences.
<~
 termlnologlu de Saplr, em purtlcular no que H\,) relere uo grupo indo UIIUIIIIH; IlngulIs it'Ul1iullus: IlIkllllllllll, 1110
métíco, corre o risco de provocar um mal-entendido dos muis graves: IlngllllH ilúlicHH C românicas; IlngUIIH l'I"lIll 1111
6 que "nada existe de comum entre o 'parentesco' das línguas e a filia- 1I11S bálticas e estavas; arrnênio, albulI"",
cão ou a geração, no sentido fisiológico desses termos". É que, dife-
rentemente da geração propriamente dita - que subentende necessa- 'V I\. cscri ta
riamente a sucessão no tempo - o estudo do parentesco lingüístico
01110 e em que momento a linguagem se dlvcralrlcou \.'11\ 111111
exige a combinação dos dois aspectos simultâneos pelos quais as lín-
guas evoluem, o aspecto sucessivo e o aspecto sincrônico. Mesmo esse mas, como e em que momento a linguagem auditiva se transformou cru
famoso indo-europeu, portantotempo considerado a "mãe" de uma linguagem visual, com a invenção dos primeiros sistemas de cscritn,
infinidade de línguas, são problemas até agora não resolvidos e que, segundo toda probabi I i-
dade, continuarão para sempre insolúveis. O que é certo é que a "his-
não tem nenhuma realidade concreta: ele não passa, como já se disse, de
tória da escrita é em essência uma longa tentativa para desenvolver um
um "sistema de correspondências". Do que decorre que o maior conhece-
dor do indo-europeu seria incapaz de exprimir nessa língua uma frase tão simbolismo independente com base na representação gráfica seguida
simples como "o cavalo corre" ou "a casa é grande". O que sabem os mais da lenta e amargurada constatação de que a linguagem falada é de um
hábeis se reduz aos princípios da estrutura gramatical: ninguém pode falar simbolismo mais poderoso do que qualquer esp~cie de gráfico e que
o indo-europeu, mas um lingüista deve ser capaz de dizer quais eram as verdadeiro progresso na arte da escrita repousa no abandono virtual do
categorias dessa língua e como se exprimiam, que valor tinham os sufixos princípio de que originalmente partiu"23.(A escrita é apenas um - pro-
e as desinências-", '
vavelmente o mais perfeito e o menos obscuro - entre inúmeros
Seja como for, os lingüistas costumam distribuir as principais outros sistemas de linguagem visual: a essa mesma categoria perten-
línguas atualmente existentes nos seguintes grupos: cem os desenhos, a mímica, os códigos de sinais marinhos e terrestres,
1. Línguas monossilábicas: Chinês e seus dialetos; siamês, birma- luminosos ou não, os gestos, em particular a linguagem por gestos dos
nês, tibetano e algumas línguas himalaias; o anamita, o cambojiano, etc. surdos-mudos, etcj)A razão nos levaria a pensar que tais sistemas são
2. Línguas aglutinantes: I. Família malaio-polinésia (malaio, posteriores à linguagem auditiva, mas nada se sabe a esse respeito, e
javanês, maori, etc.); 11. Família dravidiana (tamul, canarês, etc.); não seria desarrazoado, igualmente, supor que alguns desses rudimen-
Ill. Idiomas colarianos; IV. Família uralo-altaica (finlandês, lapão, fures recursos de linguagem visual tenham mesmo precedido a lingua-
húngaro, samoieda, turco, mongol, calmuque, mandchu, etc.); V. gem auditiva. Ou que haja entre eles certa simultaneidade, como quer
Japonês (talvez uralo-altaico); VI. Coreano; VII. Grupo bantu Vcndrycs. Seja como for - e é o próprio Vendryês quem o observa-
(cafre, zulu, etc.); VIII. Línguas dos negros da África (uolofe, haus- u maior parte das linguagens visuais de que hoje dispomos deriva-se da
sa, etc.); IX. Línguas africanas de consoantes explosivas (hotentote, I inguagern auditiva. Isso é particularmente verdadeiro da escrita, e por
boximane, etc.); X. Línguas do Cáucaso (georgiano, laze, etc.); XI. III nos colocamos em cheio no centro do problema que nos preocupa.
Línguas hiperborianas (aleúte, esquimó, etc.); XII. Línguas austra- James G. Févrierjno admirável livro que consagrou à história da
lianas; XIII. Línguas dos negritos; XlV. Línguas dos papus; xv. ;sl:rità,~àsSím-resuIDíü,'"panoramicamente, as etapas essenciais doseu '
Línguas americanas (algonquino, iroquês, delauar, araucânio, etc.); desenvolvimento:
XVI. Basco.
1.°)O homem primitivo dispõe de uma multiplicidade de meios de expres-
3. Línguas flexionais: I. Família camito-semítica, compreenden- são, que vão da linguagem oral ao desenho, passando peJo gesto, pelos
do, por um lado, o egípcio antigo, o copta, o berbere e as línguas etió- nós, pelos entalhes sobre matéria dura, etc. Desses meios de expressão,
picas; por outro lado, o assírio, o hebreu, o fenício, o caldaico, o siría- uns são transitórios, outros são duráveis. Apenas subsistirão os que forem
co e o árabe; 11. Família indo-européia: sânscrito, prácrito e línguas suscetíveis de maior aperfeiçoamento, ou seja, entre os primeiros, a lin-
guugcrn, sob a forma de linguagem articulada, e, entre os segundos, fi do. IlUIUI'IIlIlH.:ntu. O rompo nuccSS(1I 10 pnrn O "lIpcII'cic,:OIlI1lCIl10" dl
escrita propriamente dita. Nesse primeiro estágio, as formas embrionárias 1111111 um d(;lus, pode-se aflrrnur, no l'ollln'lI io, que cudu SiStUlllll 10
de escrita podem ser ditas autônomas. "ruvcntndo" de uma só vez e que nenhum dclcs "produziu" o segllilll"
v 2.") Durante um segundo período, a escrita tende a coincidir com a lingua- 1\ "evolucão'' da escrita 6 uma vista puramente teórica e lógicu qu
gem articulada, mas não se trata ainda senão de uma correspondência
IIIII~'IIsobre episódios muitas vezes contemporâneos, mas dcsligado
aproximativa; um sinal escrito ou um grupo de sinais visa sugerir - não
lllll~' si. Nada indica, com efeito, que a ~scrita idcográf'ica tenha sido
dizemos anotar - toda uma frase. Disso resulta que o sistema gráfico, por
mais engenhosamente que tenha sido concebido, permanece em perpétuo IIIVl'llllIlI1Ipor homens que não mais se satisfaziam com a escrita picro
devenir, porque o número de pensamentos e por conseguinte de frases pos- li'IIkll. U menos ainda que a escrita fonética tenha nascido de umn
síveis é praticamente infinito. Os esboços dessa espécie de escrita podem 10ll/oll'i~llçju da insuficiência dos sistemas ideográficos, Não há, entre
ser qualificados de sintéticos. Os alemães chamam-nos de Idee~rchrifi, MMIIH sislel11us, nenhuma sucessão necessária no tempo, sendo que
"escrita de idéias". 1'III11'IIIIIllOStender ao pensamento de que/são antes razões de ordem
3.°) Nesse momento, um novo progresso se realiza: o sinal não evoca mais l'Ogn'lf'icll que devem ter predominado, ao lado de outras, mais com-
uma frase, mas anota uma palavra. Progresso de uma importância incal- I'IUIIIII'I.II~ ordem social] E a prova é que, até hoje, sistemas pictográfi-
culável. Daí em diante a elaboração dos sinais da escrita escapa ao arbitrá-
\ WI 11 ideográficos se perpetuam, em círculos restritos no espaço,
rio: o número de palavras sendo finito, o das palavras usuais sendo restri-
1111111)1'11. muitas vezes, numericamente importantes: no mesmo instan-
to, pode-se ter um só sinal, e sempre o mesmo, para cada palavra. Assim
se constitui um estoque de sinais de valor constante. Por outro lado, o texto 11 "111que o poeta de Oxford ou de Paris aplica em seu poema os mais
exato da frase se conserva, visto que essa frase é decomposta em seus ele- Il'Ifllillllldos recursos da escrita fonética, qualquer selvagem da
mentos constitutivos, isto é, as palavras, e que cada um destes últimos pos- \II/clnílill ou qualquer iroquês pode se estar comunicando com os seus
sui sua notação própria. De sintética, a escrita se toma analítica ou ideo- 1I11,IIII1IlI~Spor meio da mais rudimentar "escrita" mnemônica.( t
gráfica. Os alemães dizem, nesse caso, Wortschrifi, "escrita de palavras". 11I1"lIllIllle. por conseqüência, abandonar de uma vez para sempre a
_ \ 4.°) Enfim, uma nova e decisiva simplificação aparece. Da mesma manei- di 111dI' umn "evolução" da escrita: há "evolução" dentro de cada sis-
ra por que há menos palavras que frases, o número de sons ou de elemen-
IUIIII. 11111101' ou menor conforme os casos, mas não de um sistema para
tos fonéticos contidos nas palavras é muito menor que o das próprias pala-
t'mllo Nl10 hú "passagem" entre eles, e tudo indica que a sua invenção
vras. Se se anotarem, por conseqüência, não mais essas palavras, mas as
sílabas ou as letras, poder-nos-emos contentar com um volume de sinais 11111111 111"pondido, para cada um, a intenções completamente diferentes)
incomparavelmente mais restrito do que se recorrermos ao processo pre- ( '11110,sendo praticamente irresistível nesse caso a tentação do
cedente. A escrita será dita, então,jonética, porque ela não registra senão fllI hlllllio cvolucionista, é comum encontrá-Io entre os tratadistas anti-
os sons. Ela poderá ser qualificada de silábica ou de alfabética, conforme li' 11IIltldi!1'110S, sem excluir os que implicitamente o desautorizarn,
o trabalho de análise que implica seja levado mais ou menos longe-+. 1\11111 III1UIIlveremos. Na obra clássica que serviu de fonte para muitas
1111111114 ('/'l/t' ulphubet, 2 v., I 883)(Tsaac Taylor afirmava que o princí-
( Essa evolução demonstra que a idéia da escrita não se cristali-
zou de um só golpe no espírito humano. Longas etapas - que não são 1'IIII'\IIII1l'iollislu era "o guia mais seguro na investigação histórica": na
, , ....•.\ ..,. ,J.J ~ .-
sucessivas, nem no espaço nem no tempo - marcam, de um ponto de "I 1I(l11l1i11l. os hicróglifoscram a fonte de todos os alfabetos cxistcn-
It i. 1111114 11110percebia a contradição ao afirmar que havia nada menos
vista teórico, a sua evolução) Longe de confirmar a impressão de
tltl I 111I1l~l'IIl1des sistemas de escrita "inventados independentemente":
Lecoy de Ia Marche, segundo a qual "a escrita, como todas as grandes
descobertas, não foi inventada de uma vez só, mas empregou longos 111'1"11110. o cunciforrnc, o chinês, o mexicarnre o hitita) Tais sistemas,
1I-ll·NII·lIlt1VII."podem ser chamados de transicionais,lrepresentando o
séculos para se produzir, se completar, se aperfeiçoar">, os fatos pare-
I 'Hhl 111.'pussugcm da escrita puramente ideográfica para o sistema
cem demonstrar que cada sistema de escrita é independente dos demais
111111111\1 puro". 1
c não constitui um "aperfeiçoamento" dos anteriores. Assim, reserva-
HltI, uunbérn, o que pensava Edward Clodd, num livro de 190()
\(tllI' (!/'I"/, alphabet, rccditado em 1938), que, aliás, não recuava
24JllIt1CN Ci. Fév";cr, t tlstoirc de l'écriture, p, 10. Cr.; também, O. Weise, La escritura y e/libro, p. 9 e s.
~I tI\ 111111/11\'('1'11,\'rtla tnlnlature, p. 49. lilt dllllhslIrdo: "tudo indica que os sinais sonoros derivam dos pte-
nMi\NIIS('I{II'() -
observou-se que as decorações se situam a grandes distâncias subterrâ- I (I 1'"1110 de punida roi sem dúvida o fato de que o sinal cornportavn
neas, nas partes mais profundas e mais obscuras das cavernas, em recan- HllIlUllllneulllcnlc diversas interpretações e se prestava a diversos fins)
tos escondidos onde não se percebe nenhum traço, nenhum detrito que SI'lIdo crnboru () tulismã carregado de virtudes mágicas, o sinal upurcciu
possa fazer crer tenham sido regularmente habitados. Em Cabrerets \11111011reprodução material do objeto e, como tal, impunha-se ao cspl-
(França), para se chegar à sala das pinturas, é necessário rastejar em túneis 11111POIICO U pouco eliminam-se os caractercs mágicos do sinal, subor-
estreitos, e o explorador que a descobriu não encontrou senão um buril de dllllllllllC tlS representações subjetivas e místicas às rcprcscntuçêoa
sílex. Em Niaux, as pinturas estão a oitocentos metros da entrada. IIhll·i/vIIH C rucionuis, e, finalmente, substituem-se as primeiras pelus
_I'I'llIl(llIS,
Encontram-se igualmente nas paredes esboços bizarros, cabeças, másca-
ras, silhuetas, órgãos sexuais, todos reunidos de estranha maneira. Ou !\ 1'11111'1,:11
do leopardo gravada na madeira da lança foi efetivamente f'cilll
ainda desenhos de mãos muito numerosos, obtidos pela aplicação da mão 1111111 cuulcrir-lln, UIl1U virtude m{'gica; mas ela permite, igualmente, 110
contra a rocha, em seguida delineada a cores. Ora, entre os selvagens do 1"INNllld(1I encontrar ti sua arma, se a arma dos vizinhos não tiver O mesmo
nosso tempo, a mão ainda fornece quase tantos símbolos quantos servi- ~IIIIII, ('111SI' 1I'IIIlSlorma, assim, em marca de propriedade, O ramo dl.:ixlido
ços ... Por isso, muitos sábios pensam que todas essas produções, mesmo
as mais caprichadas, não respondem somente a uma necessidade estética 1'1.-1" "H,,"II,~, 111\/1111 t' d,'\ ','/tll/rlll\. t. I, p. I X.I),
mas também a práticas de magia. Algumas representações seriam, talvez, ' 1'1\1111"I' ,11 I' I,' 12 ('I'., 1~'lIIllIlenle.Vcndryés:"Sabemos que, 1H1ICS de escreverIISpIlIIlVIIIS,
IIN
ti! '''1111'''"11111
plll I'NI''''VI'I'<léIlIN,
/I princlpin, 1\il1111gCI11
foi cmprcgadncomosil1nldos""lei os,MIIH,
as do animal emblemático da tribo, o totem, que a protegia e que era con-
I!iililhl" II ""lpll~"lI 111111101 l,.'II\.'(lIlll1ldo de umu só velo pois impticu que u homem 10111111'11COIINI.'jOIl\.'lu do
sidcrado como um ancestral sagrado. Outros animais, ao contrário, são illl 1.1.11111111
do .111111
~IMko, ()III, llindll hojc existem SClvlIgCI1S que idcl1lil1ol1l1' cOlllplclnll1l'"lll11/1111111\1111
representados feridos, marcados de sinais, de mãos, ameaçados de flechas. 1011I '011 11111111111,'11\'1\0,
uuc1\(IN ruuece1110 cSI,"nhn,I1noprovém dc umnilllsnnou COllnISnlllllll ••,'h,l,
Tratar-se-ia de animais reservados à morte, diante dos quais o feiticeiro ,1101,111(111'
o ••'lvl1l4l'lIll'nlll',",WIOdllNIINCII'NI1N de 1\lIl1lllllllslicII,1III11nIIN1Il11114CIIN 'IlIIllIln".lIhl~lII.
"11100,11111111111,,
,'XI,'lInl,'IIIISIIIIIIN~pnl 11111 "lIl'lIdclllllclllnd,' ","(iIll~IIII., <lIIIIIIln.<I~""IIIIII"lnll,'.
dunçu c prnticn os ritos mágicos que favorecem as caçadas da tribo? Na '11".1..111\0".
11'l11l1l1~IIN
11011 SIIHllhlll,'ll'll11101IIIIIvlplndn\""l1ll1,lI~nll"()(I ,'li, li I(I~')
IW MANWl<'I~IT() --
no chão por um motivo mágico pode servir, muito utilmente, para lembrar (1ll1Colltrll11l0S
ncssu épocu e 111611{l111111111I1I1r11l11
o caminho; ele se transforma então, se for necessário, em sinal mnernôni- I'ochedos} 1I1gUIllUSrepresentando Cl'IIIIHri, "m, I1
co. Introduz-se, assim, no ato místico um elemento racional, que se desen- ler muito mnis enigmólico, Nu 11(,Ii(l,l~H""H P,III\II'II_11'1'1IfíJN /('tl!!!I
volve pouco a pouco e acaba por dominar-s. cohertux em grande número: citcrnoa, 1'1111'111111 111111,
'" 11" I"!li
Mnruvilhas e do vale Camonicn: 111 li H ulns 1\\111111
1"1111111111111
1111IlIílijlil
(' É nesse sentido que se pode dizer, com Vendryés e Février, que
em (lol'ILlgul,na cosia dalrnática, nu RliS!llu, ctc, pmu dl"l HlllllllltiJil~ jh,
nesses desenhos ou nessas marcas já existe o germe de alguma coisa
Ellf'oplI(Mas 6 sem dúvida na Escandinávin que NU\l11~'lIl1tl"lllllll" 111"11111
parecida com um rudimento de escrita, mas sempre com a condição de Illções mais variadas, e 6 também lá que elas íornm IlHlullllllllH\11111 111111111
1 não encará-los neles mesmos como um sistema de escrita, e muito pl'ccisuo,!O. Alrngrcn divide-as em dois grupos, O pl'illlllilO,I'"HI11111111111 11
menos para afirmar que foram o ponto de partida histórico da escrita Ic ueollrico, compreende gravuras c pinturas rupcstres de (1111111111/4 MI'lvlI
propriamente dita. ellS, em particular dc caça; encontram-se nas costus do N()IlIIl~II,I'IIII~
- E isso porque, antes de mais nada, os "petróglifos" (desenhos Nnrvik e Oslo, c também em certas localidades do norte du Suécln. (),,""III
) gravados na pedra) jamais chegaram a constituir um sistema regular de 110segundo grupo, muito mais variado, 6 caracterizado untes de I1llli~11111111
pOI'imagens de navios, e também por outros símbolos: árvores, lIlIlmlllH,
notação da linguagem. Seja como for, encontram-se sinais geométricos
churruus, rodas, cruzes, círculos, sinais geométricos, ele, Mais recente qu
ou estilizados ao lado das imagens propriamente ditas, isto é, figuras () untcrior, deve ser situado na idade do bronze c na primeira idndll 110
de homens, de animais ou de plantas. Tais desenhos datam dos primei- Ibl'1'()29,j
ros tempos da humanidade, mas ainda agora, conforme observei
Outrus gravuras teriam servido para as cerimônias do culto dos
acima, são praticados pelos povos que, por comodidade de linguagem,
tlllIIIIIS, Os pctrógl ifos encontrados fora da Europa parecem pertencer
vimos chamando aqui de primitivos. Na gruta de Niaux (época magda-
11111\período muito mais recente, não havendo, praticamente, nenhum
liana), o desenho colocado na entrada de um corredor parece constituir
Pilhe dll mundo em que, por isso mesmo, eles não sejam encontrados,
uma indicação; é claro que se devem ter perdido inúmeros desses dese-
nhos, os que foram feitos ao ar livre. Com efeito, expostos às condi-
ções atmosféricas da superfície, apenas as gravuras subsistiram. Por scrita mnernônica
outro lado, um problema que ainda não vi levantado por nenhum autor Ao lado elas espécies pictográficas de escrita, e passíveis dos
é o que se refere à verdadeira situação das "grutas" no momento em IIIIIIUIIIIHinconvenientes e das mesmas críticas, podemos colocar os
que tais inscrições foram feitas. Testemunhos muito posteriores da 1IIIIIIIIIdos sistemas mnernônicos, abundantes c variados, de que los
existência humana - os que representam as ruínas das velhas civiliza- 1'1111\Ipuis seriam os quipos e os wampuns. Os quipos) para empregar ti
ções assíria, egípcia, grega ou romana - ao serem desenterrados pelo .11IlIli\'Oo de Vendryés,(são cordões formados por fios de lã de cores
homem estavam completamente desaparecidos sob espessas camadas ,11\. 111111'1,1l0s quais se colocam, a alturas diferentes, nós mais ou menos
de terra, depois do pequeno período de quatro ou cinco mil anos que 1lIlllplklldos: "combinando ao mesmo tempo a cor dos cordões, a
nos separam de sua desaparição. Não será temerário pensar que, para )11111"111"11I.:ti posição dos nós, amarrando os cordéis uns aos outros de
um período cuja duração e distância é impossível fixar, mas que será, 111111111 cunvcncional, obtém-se uma representação simbólica elas idéias
pelo menos, quatro ou cinco vezes maior, muitas das "cavernas" e dll 11\'\1cucndcumcnto". Quanto aos wampuns. são colares de conchas
"grutas" poderiam ter tido outra situação topográfica, tanto mais que Illlrillll"INIIIS,cujas combinações formam figuras gcométricas) Alguns
são anteriores às grandes convulsões geológicas. /Sem complicar, I" 11111 I "1\1~1I111 ti empregar seis ou sete mil conchas.(Os quipos eram ()
entretanto, demasiadamente o nosso tema com al discussão desse 1111111 tiL' comunicação elos incas, enquanto os wampuns pertencem
ponto, contentemo-nos de saber que gravuras e pinturas rupestres 1\1 1IIIIIIIl'SI.:S,/O "principio" do wampum 6 o mesmo do cios quipos:
1,
datando certamente do paleolítico recente (aurignaciano, magdaliano), 1111III~IIII l\:lIc,:no repousa nus cores das conchas c nas figuras formadas:
persistiram no neolítico: ) 11111exemplo, um machado significa a guerra. 1\16m disso, "ns
para a Europa. Aston incluiu duas linhas no livro Philosophical () que se seguiu foram aperfeiçoamentos. Extraordinário é que mais de
Transactions, em 1693, copiadas por um certo Flower, agente da IIilllll Ul10Sdecorressem antes de se tornarem a fazer quaisquer descobcr-
Companhia das Índias Orientais na Pérsia. As notícias mais sensacionais 111M
ieuhucntc decisivas. Os progressos que se fizeram a seguir foram devi-
que tivemos, não só sobre as inscrições e os monumentos, mas também dOM uo Iruncôs Emilc Burnouf c ao norueguês Christian Lasscn, eujos cstu-
sobre a terra e os povos dessas regiões, foram-nos fomecidas por Karsten tlllH "lill'11I11ambos a lume em 183634.
Os hieróglifos
Que significa, exatamente, escrita hieroglifica? Clemente de
A lexandria, escrevendo no segundo século da nossa era, distinguia três
espécies deLescritas egípcias: ;'a hieroglifica, isto é, a escrita gravada
sagrada; a hierática, ou seja, a escrita reservada aos sacerdotes, e a
('fJ isto lográfica , destinada à redação de cartas.) Modernamente, essa
distinção é ainda aceita, apenas com a diferença que ao terceiro tipo se
dá o nome de ~,já empregado por Heródoto. Février define-as
rapidamente dizendo que "a escrita hieroglífica é a escrita monumen-
tal, que se prolonga até ao terceiro século da nossa era, tendo sofrido
poucas modificações em sua longa existência, superior a três milênios.
(A escrita hierática é uma cursiva, grafada à tinta sobre papiro, e é
somente no último estágio de sua evolução que foi reservada aos usos
lilúrgicos)A demótica, enfim, não é senão uma forma diferente da cur-
siva egípcia, que se substituiu à primeira no uso corrente depois do
século VII a.c.".{ç>s hieróglifos egípcios começam por ser, em tempos
remotos, puramente ideográficos, mas se enriquecem e se transformam
pouco a pouco em escrita fonética e até alfabética, fase, esta última,
que seria como que o pináculo do seu desenvolvimento) É o que ensi-
Um mistério que ainda persiste é o do tempo necessário para Escribas egfpcl08, iDo
na James Février: livro de McMulllln.
\'/lsns transformações, as quais, ao contrário do que poderia parecer, Tho book.l
A escrita egípcia, como a escrita sumeriana, possuía, basicamente, um dcvcrn-se a conjeturas lógicas, visto que nos faltam os documentos
importante estoque de ideogramas, comportando representações figuradas nlermcdiários. Février imagina, a esse propósito, duas hipóteses pos-
que sempre continuaram facilmente reconhecíveis, pelo menos sob a Ivcis: ou a escrita hieroglífica se constituiu no próprio país e será ape-
forma hieroglífica. Mas a língua egípcia não se parecia nem com o chinês
111111 por uma singular infelicidade dos pesquisadores que ainda não se
antigo nem com o sumeriano: ela não possui elementos monossilábicos
ucontrararn os testemunhos dessa evolução progressiva, ou ela se rea-
imutáveis, justapostos segundo certas fórmulas, como o chinês, nem junta
11/011 de um s6 golpe, mas, nesse caso, imitando qualquer modelo
a uma raiz dada um jogo de sufixos, como o sumeriano. Sua estrutura
aproxima-a antes das línguas semíticas, JlO sentido de que é em parte pelas ""tlllllgeiro.
modificações do vocalismo interior de cada raiz que ela distingue, não (Ao lado dos hieróglifos egípcios, cujas particularidades não nos
somente os substantivos dos verbos, mas freqüentemente, por exemplo, os IIIIll' examinar aqui, costumam-se mencionar, por uma dupla impro-
tempos c os modos dos verbos, e até as pessoas. [... ] Essa particularidade li' h'lIude de expressão, os hieróglifos hititas, constituídos, igualmente,
tendia a facilitar os enigmas e os sentidos imprecisos. [... ](0 desenvolvi- ,Ir' Mlllllisidcográficos e de sinais fonéticos silábicos.)Pouco se sabe
mento do fonetismo na escrita egípcia se deve principalmente à aplicação uluv eles, li sua decifração estando ainda incompleta, e menos ainda
do princípio dos "enigmas figurados" às raizes que não contivessem mais
""llI.' du língua que fixavam. Mas as pesquisas continuam. Segundo
de duas consoantes} Nesses casos, as substituições eram fáceis. [... ]
ufurmacõcs de Ceram,
Assim, quase desde o começo do período histórico (3 000 anos a.Ci), a
escrita cglpcia dispõe de todo um estoque de sinais figurados, cada um dos
quuis podo ter um valor NOjO do idcograrna, seja de elemento fonético: é o
ntcno "cull1lc do "eolumn I1J.1.l"'lIdo"1~.
Woolley, o grande descobridor de Ur, dedicou-se ao estudo das relíquias Em conjunto. os hicrógfifo« hititas estão mais próximos da escri-
de Alalakh (a atual Atchana, na Turquia). Escavou de 1937 a 1939, depois lu egípcia, quanto ao seu aspecto, que da cuneiforme; mas pelo seu
a partir de 1946. E em 1947 comunicou uma grande descoberta: o túmulo caráter si lábico se aparentam de perto com esta última. E, como a maior
do rei Yarim-Lim, com perto de 4 000 anoslw.
parte dos sistemas ideográficos, os hieróglifos hititas compreendem, ao
Os hieróglifos hititas aparecem desde o XIV século a.c. - e tal- mesmo tempo, ideogramas e sinais fonéticos. Com efeito, observava
vez ainda mais cedo - e seu uso se manteve, Vcndryes, "nenhuma dessas escritas se conservou puramente ideográfi-
eu", as próprias insuficiências do sistema tendo obrigado todas elas,
em particular na região de Karkémisch, durante o começo do I milenário
desde tempos remotos, a apelar para os recursos do fonetismo.
a.C. até o século VIII a.C. Durante o Ir milenário a.C., foram oficialmen-
te empregados no império hitita, juntamente com a escrita sumério-acadia-
na. É dificil determinar se e em que medida cada uma dessas escritas cor-
respondia a uma língua distinta; em todo caso, tratava-se de línguas vizi-
o alfabeto
nhas. De aspecto mais decorativo, mais pitoresco, os hieróglifos hititas E assim verificamos que uma evolução natural - sempre de
prestavam-se melhor às inscrições monumentais, à gravura dos selos ofi- ordem lógica, nunca de ordem histórica - conduz a escrita para o
ciais, etc., enquanto a escrita cuneiforme sumério-acadiana, de um empre- Ionctismo, único sistema que a aproxima de sua função natural que é a
go mais fácil, convinha melhor ao uso corrente. Entretanto, o aspecto cur- de interpretar a língua falada, a língua oral, a língua considerada como
sivo apresentado pelos hieróglifos hititas encontrados nas tabletas de som. Ora, partindo do som, é natural que as escritas fonéticas tenham
chumbo descobertas em Assur, mostra que eles, como os caracteres da sido inicialmente silábicas: já observamos anteriormente que, de um
escrita sumério-acadiana, eram empregados nas necessidades ordinárias-".
ponto de vista sonoro, na decomposição da palavra, a sílaba é a unida-
Quanto aos trabalhos de decifração, é sobretudo a partir de de, e não a letra. Na decomposição da palavra cavalo, por exemplo,
1923, quando Hrozny encontra a chave do hitita cuneiforme, que se não podemos ouvir c, a, v, a, etc., que corresponderia ao nosso esfor-
contam progressos substanciais. Outro pesquisador, Bossert, introduz ço lógico de soletração, mas ca, va, 10.' Dessa forma, os sistemas ideo-
no seu estudo métodos filológicos mais rigorosos. As suas principais grMicos se valeram todos do silabismo, ainda que em um ou outro caso
características são assim resumidas por Février: :xemplos de alfabetismo tenham sido encontrados. Mas, o fato mesmo
de se não terem estabelecido como sistema, demonstra a natureza pura-
Os sinais da escrita hieroglífica "hitita" conservaram, na maior parte dos
casos, os traços da representação original. São, por exemplo, cabeças de
mente oral dessas representações.
homens ou de animais, membros do corpo humano ou animal, vegetais, Dessa forma, pode-se dizer, com Vendryés, que "o alfabetismo
volutas, objetos diversos facilmente reconhecíveis; nisso, essa escrita lem- ; o último aperfeiçoamento da escrita". Durante muito tempo teve-se
bra os hieróglifos egípcios, mas também os hieróglifos cretenses ou ainda ~'()1110certo que essa criação de extraordinário arrojo se devia aos feni-
os do disco de Phaestos. Os caracteres são, ou gravados na pedra ou no :ios, ou, mais vagamente, aos semitas, como escrevia Renan. Mas,
metal, ou esculpidos em relevo; encontram-se também selos de argila e hoje em dia, segundo Vendryés, dúvidas bem fundadas existem a esse
mesmo um em prata. À semelhança dos hieróglifos egípcios, são dispos- respeito. Já se atribuiu a invenção do alfabeto à civilização egéia, de
tos em linhas horizontais, mas freqüentemente - como acontece, de resto, rcsro muito mal conhecida: seria, então, dos egeus que tanto os gregos
com estes últimos - encontram-se muitos colocados uns por cima dos
quanto os fenícios teriam recebido o alfabeto. Seja como for,
outros. A escrita pode ser traçada da direita para a esquerda ou da esquer-
da para a direita, diferindo, por conseqüência, a orientaçã~s figuras con- o alfabeto fenício exerceu uma influência inegável sobre o alfabeto grego,
forme o caso; mas a grafia bustrofédon (boustrophédon) e muito emprega- como o provam os nomes das letras gregas. [... ] O alfabeto grego, aper-
da: o sentido da escrita, nesse caso, muda no fim de cada linha, imitando Icicoado pelos iônios, estendeu-se rapidamente por todo o mundo grego de
os animais de uma charrua que voltam sobre os próprios passos no termo uma maneira uniforme. Os gregos o transportaram para o Ocidente. Na
de cada sulco-". ltúlia, 6 de Cumes, colônia dos eubeus de Cálcis, que o alfabeto passou
pura os latinos e para os etruscos. No vale do Ródano, o alfabeto grego
1()Op. cu., p. 357, penetrou por ocasião da fundação de Marselha; e aí se encontram ainda no
\7f.'6vdcr. op. di" (1, 155, Cf', sobre II civilização hilila c seu sistema de escrita, Margarere Riernschneider, Le
começo da era cristã inscrições gaulesas em caractcrcs gregos.
llllilll/('t/IWilllIll,·,\', Nu dirccão do oriente, 6 o 11I'l1l"trico-q~desempenhou o papel de propagador
IHOI1 \'11.. p, 1~7 do 111fubeto; pupl.ll COilHltll.lróvl.ll, jWlli It,ndo potus circunHI0nciUH hiHIÓ,icIIH.
".,••••••••••••••••••••••••
----
••~~~~~====~~ -- - 1'lIfldll"4lt'lIll,\ IIIIIIVIW
Mus, esse papel roi favorecido por uma transformação da escrita. Da mesma 'lunto quanto se pode SUpOl', o IIllhhllttl 11I1Idtl I~111\dll'j\lIdtl
lonnu por que a escrita hicroglífica, graças ao uso do papiro e às necessida- (iréciu cerca de novecentos anos antes do ('risto, Hlllldu qllu 111) '11111110
des de uma grafia rápida, se tinha transformado no Egito em escrita hieráti- século H.C.a unificação dos alfabetos gregos esl(, J')llIlicIlIIlUllh.: renllzudu ..
eu, depois dcmótica, a escrita fenícia ganhou no aramaico uma forma cursi- Se nos colocarmos unicamente no ponto de vista da forma das
vu c prática; os ângulos se arredondaram, as cabeças das letras desaparece-
h.:lrus, deixando de lado as questões de pronúncia, veremos que exis-
111m,os traços passaram a terminar em espécie de caudas viradas sobre si
11:111 no nosso alfabeto, segundo Lecoy de Ia Marche,
mesmas, O alfabeto aramaico se estendeu à Índia, dele derivando a maior
parte dos sistemas de escrita empregados na Ásia Central. Enfim, ele atingiu quinze delas que são comuns ao alfabeto calcidiano, variedade já aperfei-
o Extremo Oriente, visto que o encontramos ainda hoje na escrita coreana. çoada do alfabeto grego, e ao alfabeto latino. São elas: A, B, E, F, H, I, K,
A escrita alfabética, última etapa da evolução da escrita, espalhou-se na M, N, O, Q, S, T, Y, X. Cinco outras sofreram modificações insignifican-
Europa a partir da era cristã, graças aos gregos e romanos. É uma causa tes ao passar do primeiro para o segundo. Com efeito, no calcidiano o r,
histórica que explica esse acontecimento, isto é, a propagação do cristia- o Ó, o A são colocados de lado ou virados ( < [>'v); os latinos simplesmen-
nismo. Os apóstolos que ensinaram a religião cristã aos povos pagãos, te os arredondaram, fazendo o C, o D e o L. O P é a forma calcidiana do
ensinaram-nos ao mesmo tempo a ler as Escrituras Sagradas e para isso 11 (r), igualmente arredondada e fechada em cima. O R é o rho grego
foram obrigados a constituir alfabetos tomando por modelo o alfabeto pelo maiúsculo tal como é visto em muitos monumentos antigos, isto é, com
qual eles próprios liam. O alfabeto grego serviu assim de modelo ao alfa- um pequeno traço oblíquo (p), que foi ligeiramente prolongado. Em suma,
beto gótico graças a Wulfila e ao alfabeto eslavo graças a Cirilo e Método. () alfabeto latino limitou-se a suprimir três sinais representando as aspira-
Ao contrário, é do alfabeto latino que derivaram o do velho-alemão, o do ções ch, ph, th, estranhas aos órgãos vocais dos habitantes da Itália; as
velho-inglês e o do velho-irlandês-v. outras diferenças que o separam do grego comum já se encontram no cal-
Essa adoção do alfabeto fenício pelos gregos não se pôde fazer, cidiano. Mais tarde, os romanos sentiram, por diversas razões, a necessi-
.ntrctanto, sem consideráveis adaptações, e isso pelas duas razões men- dade de juntar a essas letras o Y e o Z, imitando a respectiva forma dos
gregos. Enfim, inventaram o G para substituir o r, que se transformara em
.ionadas por Février: l.") o sistema consonântico grego diferia profunda- Alfabeto encontrado na
C. Assim se completou o alfabeto de vinte-e-cinco letras de que nos servi-
mente do sistema fenício; 2.°) o grego não podia dispensar o uso das chamada "pedra
mos, salvo as superfetações modernas do J e do U, que representam um moabitica". (Do livro de
vogais. Nada sabemos das etapas dessa transformação porque, à época
desdobramento do T e do y41. McMurtrie, The book.)
dos docwnentos mais antigos que possuímos (VIII séc. a.C.), ela já se
nchava realizada em suas linhas essenciais. Como hipótese de trabalho, -
I'évricr sugere que essa adaptação poderia ter sido facilitada por uma pos-
slvcl escrita silábica em que teria sido inicialmente notada a língua grega, ~ ~ ,...p~y.%'"83 ~~" :Po~.J1"f W'X
, que se teria derivado da escrita cretense. Assim, o que se pode supor
A B C D E F Z H Th I K L M N S O P T~ Q R Sh T
6 que certos gregos tenham utilizado, anteriormente ao alfabeto fenício,
para a escrita de sua própria língua, um silabário de tipo cretense; de forma
semelhante à adotada pelos aqueus, mais ou menos na mesma época (XII
---_ .. ""'- ""- ~.--~_.-
- .....
séc. a. C.), com relação a um silabário vizinho. [ ... ] Suponhamos agora que II()I' ,'11. p. 5~-9. Albcrt Cim registra, nesse particular, que "as letras minúsculas} e li se confundiam outrora
um escriba, habituado a uma escrita dessa espécie, substitua os caracteres ""1"'\ tlvmucntc com O ic O v. Foi Louis Elzevir que, estabelecido em Leyde em 1580, introduziu na tipografia
silábicos pelos caracteres consonantais do alfabeto semítico. Ele terá de °
li .1I.lllIçR" 011.,'0o i c o}, e entre li C o v minúsculos. Quanto às maiúsculasJ e Usubstituindo I e o V, foram°
criar, em primeiro lugar, os sinais vocálicos, porque está habituado a , 1IIIIIu•• ~II' 1619, pelo impressor estrasburguês Lázaro Zetner. Os pontos sobre os i datam, segundo parece, do
'OII111'Çll d(l .éclllo Xl. Foi então que "se percebeu que seria bom, para facilitar a leitura dos manuscritos, empre-
crnpregá-los nas iniciais e nos ditongos ... Em seguida, não tardará a per-
WII !.--"MI..I ponto, 11 fim de não confundir um m com um in ou um ni", mas é somente depois de 1350 que esse uso
ceber que a transposição mecânica da escrita silábica em escrita alfabética 'I' ~\'m',ulil,l)lI. "Foram pois necessários dois séculos para vulgarizar essa reforma. [... ] Joseph Scaliger pre-
conduz, conforme o caso, ora a grafias defectivas, ora a grafias plenas. Io',,,h' que ,,1,111Manúcio foi o primeiro a introduzir a vírgula no latim, bem como o ponto e vírgula e o acento
I...] Bastaria que se generalizassem as grafias plenas à custa das defecti- WIIV". I' 11"0 untes dele ninguém tinha feito uso de tais sinais. Tal assertiva exige uma explicação, porque ela dá
vas, para que a adaptação do alfabeto fenício à notação da língua grega se 11"lIh'IHI1.1r que untes de Aldo não existiam nem a vírgula nem o acento, o que seria inexato. A vírgula foi inven-
tUlh, "" '~I'III" VIII, e o ponto c vírgula no IX; os outros sinais de repouso apareceram mais tarde. [ ... ] Dessa
realizasse de maneira quase automáticaw.
10111111. vorltlcu-sc que os sinais de pontuação são mais antigos que a imprensa; mas a sua designação atual, isto
~ " VII"" que Ihcs damos é assaz moderno, [... ] Quanto às reticências, 'são de invenção moderna', observa
1'lVr'HiI yCH. up. clt .. p, 3M3. I III\'NII 1'lIollv6. que UR ehnmu sempre 'pequenos pontos'. "Não encontraremos nenhum exemplo untes do sécu-
U()\I \'11•• \1. 'X2·)' C'f. li/l('ycloJl",dia o/tire Social Sciences, artigo "Writing". I" )( VIII I •. 1" ("lhe'l ('irn. 1,(' 11,,1'('. V. III. p. 138 o R.).
I
IINC'IW'() ------==== I'H(\·IIIS'l'()I~Ii\ I)() IIVII(
Quanto à indicação das pausas de leitura, Rouveyre esclarece que segundo invertido) dcsignuvam as j')1'o!1osl<;I)CM incidentes estranhas ao dis-
curso, ou que lhe não estivessem ncccssuriumcntc ligadas. Os asteriscos já
os gregos e romanos separavam eada palavra por um ponto nas inserições
eram conhecidos nos tempos dc Aristófancs, de Orígenes, de São
e nas moedas. Distinguiam as pausas e o sentido completo ou incompleto
Jcrônirno e de São Gregório, nos manuscritos gregos e latinos. Eram repre-
da mesma maneira, e, originariamente, por um espaço em branco. Crê-se
sentados por uma pequena estrela, ou um X cantonado por quatro pontos.
que a pontuação dos manuscritos é tão antiga quanto Aristófanes; é,
Serviam para diferentes finalidades; era, às vezes, uma marca de omissão
mesmo, a esse gramático que se atribui a invenção dos respectivos sinais.
ou de restituição de um texto; ora o sinal de um sentido truncado, ou de
Era apenas o ponto, colocado às vezes no alto, às vezes embaixo, às vezes
(rases baralhadas; ora um índice de máximas, das sentenças mais notáveis
no meio do espaço que seguia a.última letra que marcava as três espécies
de uma obra, ou o de qualquer adição ao texto [... ]42.
de distinção. A primeira era uma pequena pausa chamada komma entre os
gregos, incisum entre os latinos, e que é a nossa vírgula. Nas edições do Assim se constituiu a chamada "escrita latina", adotada por todos
século XV ela é representada por uma linha oblíqua. A segunda era uma Os povos civilizados do Ocidente, e que existe ao lado dos outros gran-
pausa um pouco maior, mas que ainda deixava o espírito em suspenso;
c1\:s tipos praticados: a escrita chinesa, a escrita árabe, as escritas da
chamava-se kolon em grego, membrum, em latim, sendo notada por dois
pontos perpendiculares. O "meio-membrum" ou semi-kolon correspondia
[ndiu, a escrita grega, a escrita russa e a escrita germânica (esta última a
ao ponto e vírgula. A última pausa terrnina o sentido completo do discur- cnminho de ser substituída pela latina). Abandonando a escrita chamada
so e se marcava por um ponto colocado embaixo da palavra; nos impres- hustrofédon, isto é, que alternava o sentido da grafia a cada linha, ora da
sos do século XV, tem a aparência de uma estrela. Carlos Magno, sentin- direita para a esquerda, ora da esquerda para a direita, os gregos passa-
do a necessidade da pontuação para a inteligência dos textos, fê-Ia resta- ItIIl1 a escrever somente neste último sentido; os chineses e japoneses (a
belecer por meio de regras tiradas da versão latina da Bíblia, por São .scrira destes últimos é derivada da chinesa e simplificada) escrevem de
Jerônimo, Isso constitui mesmo um dos parágrafos mais importantes das
d10 ti baixo, mas os chineses da direita para a esquerda e os japoneses
suas Capitulares. Alcuíno as fez rigorosamente executar em todas as esco-
(111 esquerda para a direita; nas outras línguas a escrita se faz em linhas
las das cidades e dos mosteiros, colocando esta inscrição sobre os bancos
em que se copiavam os livros: horizontais, mas o hebreu, o caldaico, o samaritano, o sírio, o turco, o
pcrsu, o árabe, o tártaro, etc., se escrevem da direita para a esquerda-s,
Hic sedant sacree scribentes flamina legis ...
Per cola distinguant proprios et commata sensus,
Et punctosa ponant ordine quisque suo. Ti pos de letras
Demóstenes, Cícero e São Jerônimo introduziram os stiques, ou divisões Se passarmos a considerar a escrita, tal como existe atualmente,
em versículos e meios-versículos, nos manuscritos gregos e latinos. As alí-
veri ficaremos, com Saussure:
neas foram a princípio designadas por um branco no corpo do texto;
depois por uma letra inicial maiúscula, que indicava o começo do discur- I.") os sinais da escrita são arbitrários; nenhuma relação existe, por exem-
so; enfim, introduziram-se, no mesmo discurso, três espécies de alíneas, plo, entre a letra t e o som que ela designa;
que se encontram nas edições do século XV e dos seguintes; são as alíneas 2.") o valor das letras é puramente negativo e diferencial; assim, uma
alinhadas, ao nível das outras linhas da página; as alíneas salientes, que mesma pessoa pode escrever o t com as maiores variantes:
ultrapassam de algumas letras as outras linhas; as alíneas reentrantes, que
deixam um espaço vazio no começo da linha, como se vê nas edições
modernas. Os traços-de-união foram inventados pelos antigos gramáticos
t - t ~-r
para marcar a junção das letras de uma mesma palavra. Eram assinalados Á única coisa essencial é que esse sinal não se confunda com o de I, de d, etc.;
por um simples traço horizontal ou por um duplo =, algumas vezes por 3.") os valores da escrita não agem senão por sua oposição recíproca no
uma espécie de c deitadon. Encontramo-los nos primeiros livros de ima- seio de um sistema definido, composto de um número determinado de
gens, nos primeiros impressos de Mogúncia, e geralmente nos do século letras. Este caráter, sem ser idêntico ao segundo, está com ele estreitarnen-
XV designados por duas pequenas linhas oblíquas I; , algumas vezes por
te I igado, porque ambos dependem do primeiro. O sinal gráfico sendo
uma s6. O mesmo acontece com as aspas, que já aparecem nos antigos
manuscritos para distinguir as citações: eram conhecidas pelo nome de
antllambtla, [... 1 Os antigos serviam-se dos mesmos sinais que os moder- 1,'1(11111/")'10. ("Ull/uN\III/(',·\, 1I(~('(',\',\'(lJr(I,\'. v, n, 11, I~' e M.
nos purll exprimir os parênteses, Dois c (o primeiro em sentido natural, o 111',,11411111, /)/,'/1"""1111" ri,· "'''''fI/nu/,', cll 1111r I'IHII 1l1l110tll,lIjxlfI/lI' ",'/'II,,/,,·/,,"·,Ir., v I, P 7.
encontru orlgcm du letra latina, assim chumudu neto seu diruinulu
1111
minúscula compreende "maiúsculas" c "mil1l1SClIIIIH").
'~\
..'
~ U •••.••••fJ ., rp O'P
l'
•• --,...o V C"O
• -,
0'"J.4 I "TO
\.
e ~
N "'TO
'01
JI c CJ' -;o \.TO
• 1111111111110 (ti
HHSI.!Stipos gregos de letras passaram intactos para os romanos, mUH 111'1
J " ,- L ....,... .1 ' . pormenores que convém rclcmbrar:
r\ ~ -rrEp''''' (,'P'f1"l' 0"P •• IE.(LC~.u.M.o"N''1r
I ':...~ •
5 ~
o U\"RO MANUSCRITO
I L A B C D :E F G H I L MN O r QR STVX
• H. À B· C D 1 r G :te 1 L A\ N o 2 Q.R. .s r v X
p-.BcoeJchl t ro x o r qjtstux
~BCOeFçbJLmNopq~sTu~
Y. a L c J e f:?;h t L m11 opq'>"'1'ruX
46Lecoy de Ia Marche, op. cit., p. 60 e s. Cf., igualmente, Février, op. cit., p. 478 e s.
56
-=-===-----.. PRÉ-JDSTÓRIA DO LIVRO
~~G~~r«l.lt1tt't
tet.iwn.tlt ...a ~lWnaar1"",l1ttÍ
ê~i tttltb!.e~~1i? Wtcnt
~"tqi~/~~lldtUt"n:~
,~: ~futt'~.Ctffil$
Gótica primitiva - século XIII.
5
1'ltl"\II!'i'ln
li IIVIW M/\NIIS(,\HI'O
retrato que us mesmas continham, c como ainda lhe sobrasse espaço
Ao lado desses tipos principais de letras, outros muitos existem, transcreveu vários trechos da terceira página. O trabalho era de umn
cujo exame não é, entretanto, essencial em nosso tema. Seria talvez grande nitidez e podia ser lido a olho nu. Outro concorrente enviou quu-
aqui o lugar de mencionar as curiosidades que alegram a história da tro paralclograrnos de 3,5 em por 9, nos quais reproduziu uma novela
escrita, as da micrografia, por exemplo. Rouveyre menciona o caso de de About, Os gêmeos do Hotel CorneilLe e uma biografia do contista,
um calígrafo que traçava versos de Homero num grão de milhete. ou seja, 16 258 palavras com 71 300 letras. Receberam-se ainda ovos
Cícero, segundo Plínio, teria declarado ter visto a Ilíada escrita num C\11 que se escrevera a história do navegador que descobriu a América,
pergaminho que cabia dentro de uma casca de noz: "In nuce inclusarn ou seja, o ovo de Colornbo, e caroços de pêssego que contavam lendas,
I1iada Homeri carmen, in membrana scriptum". Diante da incredulida- c até caroços de cereja também "escritos". Um dos concorrentes pensou
de dos seus contemporâneos, Huet (1630-1721) demonstrou que um que seria banal demais escrever na superficie da folha: resolveu, então,
pedaço de velino bem fino, com 27 centímetros de altura por 21 e meio escrever nas bordas do papel, e o fez de forma perfeitamente lisível.
de largura, podia conter, dos dois lados, 15 000 versos e caber dentro Corno se vê, nada é impossível para os "micrógrafos'vs.
de uma casca de noz de tamanho médio. No Colégio de São João, em
Oxford, existia, e talvez exista ainda hoje, um desenho da cabeça de
Carlos I feito com letras, as quais, vistas de pequena distância, dão a Materiais e instrumentos primitivos
impressão de efeitos de buril; mas os traços da figura e do colar con- empregados na escrita I,
têm os Salmos, o Credo e o Padre-nosso. No Museu Britânico, há um O homem já empregou, e continua empregando, na escrita mate-
riais provenientes dos três reinos da natureza. O reino mineral já lhe
forneceu a pedra em que, segundo o Velho Testamento, foi gravada a
0 T 7 Z '2 primeira lei dos hebreus, revelada no Monte Sinai; forneceu igualmcn-
te o mármore, utilizado nas inscrições tumulares e cívicas, e até em
5< rx 4
I\lgul11DS fases da calendários, como o que foi descoberto nas ruínas de Pornpéia; forne-
IIVIIllIQnO dos tllgarisrnos ~ ~ ceu, ainda, a argila que, esculpida e cozida, iria constituir as famosas
, o 4.100 livro de
McMllltrie. Th« book.)
bibliotecas da Mesopotâmia. Era igualmente em edifícios de pedra que
os maias "escreviam" os seus admiráveis calendários, enquanto os grc-
desenho do tamanho de uma mão, representando o retrato da rainha gos e romanos, mesmo depois da invenção do livro, gostavam de repro-
Ana; esse desenho é coberto de linhas de escrita, e, cada vez em que se duzir em suas muralhas as narrativas de certos fatos de maior impor-
o exige, mostra-se igualmente um grande volume in-fólio cujo conteú- tância. Ainda do reino mineral provieram e continuam provindo os
do nele está exatamente transcrito. Um célebre calígrafo inglês, P. Bales, metais aos quais se confiavam os textos importantes ou tocados ele
apresentou em 1575 à rainha Elizabeth um anel cujo engaste, do tama- sacralidade. Era no bronze que os romanos escreviam os seus tratados
nho de um meio-penny, continha escritos de maneira bem legível o de paz e, acima de tudo, a sua famosa Lei das Doze Tábuas. No tempo
Padre-nosso, o Credo, os Dez Mandamentos, duas curtas orações lati- dos macabeus, os esparciatas escreviam aos judeus em tabletas ele
nas, seu nome, um dístico, o dia do mês, o ano da era cristã, e o do rei- bronze. Certos discursos, como o do imperador Cláudio, conservado
nado de Elizabeth. Na Biblioteca Imperial de Viena há uma folha l:111 Lyon, eram também perpetuados nesse metal. Também o chumbo
manuscrita, com mais ou menos 58 em de altura por 44 de largura, foi empregado na escrita e deveria oferecer, em compensação ela sua
contendo num só lado cinco livros do Antigo Testamento: Ruth, em malcabilidade, pouca resistência ao trabalho do estilete. Sentenças de
alemão; o Eclesiastes, em hebreu; o Cântico dos cânticos, em latim; l lcslodo, gravadas em chumbo, eram encontradas no século l1 em um
Ester, em siríaco, e o Deuteronômio, em francês. Em 1892, o jornal templo da Beócia. Os chamados "metais nobres", o ouro c a prata, tarn-
'Éclair, de Paris, instituiu um concurso micrográfico. O vencedor bem serviram excepcionalmente para a escrita, mas todos os metais
(medalha de ouro) foi um sr. Caille que, numa superficie menor que a
de um cartão-postal, reproduziu, respeitando o tamanho proporcional IH( 'r, ""nUIII'" ROIIVCY"C,op, cit .. v, 11, p, 7K c M,
dos tipos e a sua forma tipográfica, duas páginas desse jornal com um
8
o LIVRO MANUSCRITO
60
PRÉ-HISTÓRJA DO UVRO
o papiro
Mas, sem a menor dúvida, o mais célebre de todos os produtos
vegetais empregados na escrita é o papiro, de tanta importância histórica
em si mesmo e pelos textos que conteve. Segundo parece, quando
Moisés, aconchegado na sua barquinha de vime, foi largado a vogar sobre
o Nilo, sua mãe, querendo evitar que as correntes o carregassem, enca-
lhou-o entre os caules de papiro que cobriam as margens. Era essa e foi
essa a região histórica do papiro, mas ele se encontrava igualmente no
lago Tiberíades, na Síria, e nas águas do Eufrates. Nada se sabe do
momento em que se transformou o papiro em material de escrita, mas
tudo indica que se trate de época extraordinariamente longinqua. Plínio
cita como escritas em papiro obras do tempo de Numa e de Tarqüínio, e
até uma carta de Sarpédon, contemporâneo da guerra de Tróia. O Museu
Um papiro de
do Louvre possui um papiro que data de 273 anos a.C., escrito em hieró- Herculano.
glifos demóticos, que, como vimos, são a última transformação da escri- (Do livro de
Lecoy de Ia Marche,
ta egípcia. Pensa-se que os mais velhos papiros datem de 3500 anos, o Les manuscrits
que está de acordo com o que hoje se sabe da civilização egípcia. et Ia miniature.)
Plínio deixou, igualmente, uma descri-
ção histórica da maneira pela qual o papiro era
preparado:
Divide-se com uma agulha a haste do papiro,
cuja grossura é mais ou menos a de um braço,
em folhas bem delgadas, mas tão largas quanto
possível. A melhor folha é a do interior do tron- • " •• o 0_ •• \..{)" N ~
co e assim sucessivamente, na ordem das cama- »:
das superpostas. Moldam-se as diferentes espé-
........,,~L' fVOV I
61
Plt (I IIIHI(II
IlIIVI(() MAN\JSt'ltl'J'O .. c
de juntá-to com cola de farinha ou com miolo de pão cozido, de forma ti ,0) Papiros gregos e latinos encontrados nas escavações U"
ter o menos possível camadas secas interpostas, e de torná-lo mais macio 1lerruluno e que compunham outrora a biblioteca de um Iilósofo dessa
que o próprio linho, adelgaça-se-o com um malho, põe-se nova camada 1IIIIIde, Formam mais de I 700 volumes que se conservam no Museu
de cola, desfazem-se as dobras que se formaram e bate-se-o de novo com li,. Nápoles. Esses papiros distinguem-se dos demais por uma caractc-
o malhos".
tlMllcnprópria: é que estão meio calcinados, o que torna o trabalho de
Assim preparado, e com o nome de chartce, é que o papiro podia I, II\lnI extraordinariamente dificil. Puderam-se identificar, entretanto,
ser utilizado na escrita. Sobre cada folha, o texto era escrito em colu- ""\lIIS versos de Rabírio, alguns trechos de Epicuro e os escritos de
nas e cada uma delas se colava, em seguida, pela extremidade à folha l tlódcrno, filósofo do tempo de Cícero.
seguinte, de forma que se obtinham fitas de papiro com, às vezes, 3.") Manuscritos e diplomas que nos foram transmitidos pelos
dezoito metros de comprimento. Enroladas em torno de um bastonete uquivos e pelas bibliotecas antigas, dos quais os mais velhos datam
chamado umbilicus, constituíam os primeiros rolos, antepassados dos dll" primeiros séculos da Idade Média. Entre os mais notáveis, contam-
de pergaminho e, por conseqüência, do próprio livro. I 111'1 Antiguidades judaicas, de Josefo, traduzi das em latim por Rufino
Lecoy de Ia Marche divide os papiros conhecidos em três clas- th Aquiléia, e que se encontram na Biblioteca Ambrosiana, de Milão;
ses distintas: it1 l4l'rmões e as cartas de Santo Agostinho, em uncial do VI ou do VII
1.0) Os monumentos em diversas línguas, de proveniência egíp- I ,,10, hoje nas bibliotecas de Paris e de Genebra, e a coleção única
cia, copta ou fenícia. Encontram-se hoje nos museus e bibliotecas de li 'li curtas de Ravena e dos diplomas merovingianos, conservados nos
Roma, Turim, Viena, Paris, Londres, Leyde, etc. Foi com esse tipo de \I"uivos Nacionais da França.
papiro que Champollion trabalhou e solidificou a sua interpretação dos Essa divisão de Lecoy de Ia Marche poderia ser perfeitamente
hieróglifos. Consistem sobretudo em atos públicos ou particulares, em 1I'IIIIzida a duas, visto que os acidentes materiais dos papiros de
correspondências, em documentos artísticos e em alguns fragmentos 111 u uluno não lhes alteram o caráter essencial que é o de serem, como
de obras científicas e literárias, entre as quais algumas passagens da .n ti" primeira divisão, papiros da Antiguidade; a segunda espécie seria
llíada, três discursos do orador grego Hiperides, e o famoso ritual , IImlpapiros da Idade Média, que, de resto, começam a desaparecer a
funerário ou Livro dos Mortos, que é o mais importante. 1'111111 do século VII. Na Itália, ainda se encontram papiros até ao sécu-
lo \11, mas na França eles desaparecem completamente no século VfII.
1'11110do um rolo de
li' porque os escribas de Carlos Magno e seus descendentes se viam
pllpilo. contendo a
111111111. do Homero. 11I1~lIdosa raspar papiros merovingianos, a cortá-Ios e a coser os
(IIollvlIl do Svond Dahl.
Il(·tlllçosainda em branco, para atender às suas necessidades de papel.
tltstoiro du livre.)
í "I, '.1411
forma, existem palimpsestos de papiro, ao contrário do que por
I 111111 tempo se afirmou.
A escassez natural do papiro, vieram juntar-se as guerras, que
11I11I,'dium a sua importação. E como as invenções nascem da ncccssi-
II,leI,,,o homem teve de recorrer a qualquer outro material que substi-
IIII"H~'o papiro. Uma invenção bastante anterior ao período de dcsapa-
II;,IIII\.:nlofoi então aproveitada em todas as suas possibilidades. Mas,
1'11" nos conduz a tratar dos materiais com que o reino animal concor-
ti \I plll'll ti escrita.
'lumbóm aqui todas as experiências foram feitas. Inscrições em
iil/lIlllll, 011'1 osso e at6 em intestinos de certos animais, como () dragão,
41)(,1! Ilur t.ccoy de 111Murche, op, cü .• r, 20, 11111 exemplo Uó se vê que IIU "histórin do livro" existem IUl'gos cupltu-
L'III 111
;ompletamente". Ao que parece, no período do Terror, na Revolução De pretiis rerum venalium, do ano 301.
Francesa, curtiram-se muitas peles humanas para os mais diversos fins, Maurice Prou afirma taxativamente
'01110 culottes, botas, chinelas e livros. Tanto Rouveyre como Albcrt que essa história maravilhosa do pergami-
'irn mencionam os nomes de livros encadernados em pele humana, nho não passa de uma lenda: "o uso de
:01110,por exemplo, na Inglaterra, um Tratado de anatomia, que o peles como substratum da escrita é muito
dr, Antônio Askew (1722-1775) encadernou com esse material, "a antigo na Ásia, e tudo o que se pode ter
I'irn, sem dúvida, de que o exterior da obra correspondesse ao inte- feito em Pérgamo é melhorar-lhe a prepa-
rior"; e dois volumes cuja capa provém da pele duma feiticeira do ração". Os mais antigos monumentos em
Yorkshirc, Mary Ratman, executada por assassinato nos primeiros pergaminho, atualmente existentes, datam
unos do século XIX. Inúmeros outros livros são assim citados como do III século de nossa era: são uma
lendo sido encadernados em pele humana, de forma que é dificil República, de Cícero, e um Virgilio, ambos
ndmiur que se trate de pura lenda. du Biblioteca Vaticana. Do IV ao XVI
Mas, esse capítulo das encadernações ainda não é o nosso. éculos, informa, ainda, Maurice Prou, o
l lú livros escritos em pergaminho humano. Assim, a biblioteca de IIl'rgaminho foi o material mais comumen-
I)resde possui, entre os seus manuscritos, um calendário mexicano 1(' empregado na escrita; na França, do IX
»n pele humana. E o nosso conhecido Lecoy de Ia Marche enrique- 1111 XII séculos, é apenas o pergaminho que
.e o assunto com as seguintes observações: "Um antigo bibliotecá- t' emprega nos livros e atos.
do da Sorbonne, o digno Gayet de Sansale, assinala um exemplar Para a fabricação do pergaminho,
dos Decretais executado em pele humana. Em um outro dos seus 1I~Ii\n Lecoy de Ia Marche, tomava-se
manuscritos, uma Biblia latina do século XIII, ele pensou reconhe- uultuuriurncnte a pele do carneiro,
cer () cordci ro da Irianda, mas tal é a brancura e a pureza do vel ino IIlOSa epiderme era deixada de lado: utilizavam-se apenas as películas
que um outro crítico, o padre Rive, afirmou tratar-se de pele de 11l\!1l0Srudes, situadas entre a epiderme e a carne. Um pergaminho d(
I11l1lher".5I. IiIXO, mais fino e mais alvo, fez-se desde os primeiros tempos com pele~_
d~' tcrnciro, por isso mesmo denominado vélin (francês veau, lat. vitel-
~1IC111.l'lI.. V. IV, p, 17. 1/1,1'), Produtos de finura ainda maior foram obtidos com a pele de car-
~I('I IllIllVCylC, IIp. cir., v. IV. p. 14 c s.: Dupont, op. cir., v. li, p. 157 e S.; Cimo op. cit., v. 111. p, 293 C M,; II~'II'OSnatirnortos. [ ... ] Escolhida a pele e bem limpa, afina-se-a com
I "('!Iy li(' lu Murche, op, di" p. 2R. Nu exposição "Résislance. Déporlalion. Libéruuon", realizada no MUNéc IIIIHInuvulha, lira-se-lhe a gordura, polindo-se-a com o auxílio de uma
1'~"lIlIlIlIllJ"c de ",,!'IN, em 1954, ""1'/1 comemore- o décimo IIllivCI'SI\I'io da Resistência Francesa, roi exposto um
11I'1I"II-pol11eOLIde LI/TIdente de animal, de maneira a não deixar nem
IIvIII "11"1111011111110 Jl~I()~ "Icm"c~ em pelo '''''11''1111 (cf 1.(' fo'11I{/m /.III(./'{/II'(,. 13/1 1//954).
p~loN, 11(.:mI11l1l1Chus,l1e/11 rugosidadcs. Cada uma dessas operações
).~
PRÉ-HISTÓRIA DO LIVRO
jSt 'I( 11() --
mo do tecido ia às vezes até à inconsistência e à transparência; eis porque
extremamente delicadas exigia trabalhadores especializados. Mas, em certos manuscritos interpolava-se um pergaminho mais forte, da
havia artistas universais que, a exemplo do decano de que fala a crôni- mesma forma por que se reforçavam as folhas de papiro, interpelando-se
ca de Saint- Trond, tomavam de uma simples pele de carneiro e a trans- um pergaminho ordinário. Mas, a partir do século XIII a fabricação alcan-
formavam em um missal iluminado e anotado, sem o concurso de çou progressos consideráveis, atestados pelo vélin unido e aveludado dos
nenhum auxiliar. Os mosteiros eram, com efeito, na Idade Média, as livros de horas da nobreza.
grandes usinas em que se confeccionava o livro. Cluny, entre outros,
tinha uma fábrica de pergaminho grandemente próspera no século XII.
o pergaminho foi sempre material de preço elevado. Essa cir-
Um dos principais ofícios, nos conventos, era o de pergamenarius, cunstância explicaria, segundo os autores, o fenômeno dos palimp-
encarregado de preparar para os copistas as folhas de que se serviam. sestas, isto é, manuscritos em que o texto primitivo foi raspado, a fim
Mas, a Universidade de Paris, nos belos dias de seu predomínio, fez de servir novamente para a escrita (palimpsesto significa "raspado de
aos estabelecimentos monásticos uma concorrência temível e seculari- novo"). Pensou-se durante muito tempo que esse hábito resultava das
zou em parte a fabricação do pergaminho. Sua numerosa população de intenções piedosas dos monges copistas, que apagavam textos pagãos
professores e estudantes consumia tal quantidade que dentro em pouco para inscrever em lugar deles orações e meditações religiosas. Mas,
foi necessário produzi-lo autonomamente e regulamentar-lhe a produ- verificou-se posteriormente que não só o palimpsesto existe desde a
ção. Daí a importância adquirida na capital pela indústria e pelo comér-
mais remota antiguidade, como ainda inúmeras orações e trechos
cio do pergaminho, a ponto de ter dado o nome a uma das suasruas. Os
religiosos tinham sido raspados em benefício da literatura profana ...
pergaminhistas jurados de Paris, em número de quatorze (reduzidos a
quatro em 1488, em virtude da vulgarização do papel), examinavam as Em qualquer dos casos, é possível ler, com o auxílio de recursos
peles, aprovavam-nas ou rejeitavam-nas e fiscalizavam a sua prepara- modernos, O texto primitivo, que se destaca com maior ou menor cla-
ção. Submetiam-se a um juramento perante o reitor e pagavam-lhe uma reza sob a ação de reagentes químicos. É a mesma necessidade de
renda de 16 sols parisis a cada maço de pergaminho trazido à cidade. economizar pergaminho que dará nascimento ao que hoje constitui a
O monopólio, a especulação e a retenção Ihes estavam interditos. tortura dos paleógrafos, isto é, o sistema de abreviações da Idade
Gozavam do direito de fiscalizar a famosa feira do Lendit, o grande Média. Conhecem-se as diversas histórias que ilustram esse fato: em
mercado do pergaminho, onde todos os anos, no dia seguinte ào da 1120, um monge inglês, encarregado de copiar a Bíblia, não pôde
festa de São Barnabé, compareciam em procissão, numa fila interminá- recolher em toda a Inglaterra a quantidade necessária de pergaminho.
vel, estudantes e professores, advogados e comerciantes. O reitor abria
Mais ou menos pela mesma época, tendo o conde de Nevers ofereci-
as operações com uma bênção solene; os pergaminhistas do rei, os
do a um convento de cartuxos alguns vasos de prata, os monges agra-
membros da Universidade escolhiam antes de todos as suas partes e
deceram e pediram que ele trocasse o presente por alguns maços de Um palimpsesto do
somente depois deles é que os compradores comuns eram admitidos. século IV, tirado da
Mais de um processo surgiu entre o reitor e a abadia de Saint-Denis, pergaminho. Da mesma forma, as informações sobre o preço do per- República de Cícero.
entre a Universidade e os comerciantes, por causa desses privilégios, e gaminho, embora dificilmente avaliável em moeda atual, demons- 100 livro de Lecoy
de Ia Marche,
mais de uma vez os turbulentos estudantes transformaram em desor- t ram que era elevadíssimo em comparação com os de outros bens de Les manuscrits et Ia
dem a festa do pergaminho, de tal maneira que ela acabou por ser consumo. miniature.)
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