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GiulianaBrunelliCrestana(1)
Jorge Henrique da Silva(2)

 
Fármacos residuais têm sido encontrados em águas residuárias de estações de tratamento
de efluentes, em águas de abastecimento e em outras matrizes ambientais. Tais substâncias
químicas não são removidas pelos tratamentos de água convencionais, já que suas
propriedades químicas são persistentes, tem alto potencial para bioacumulação e baixa
biodegradabilidade. Estas podem ter efeitos adversos, na maioria dos casos desconhecidos,
aliando-se a este quadro uma legislação deficiente. Este trabalho objetivou trazer o
conhecimento da dimensão da exposição da população a tais compostos e sugerir algumas
ações que poderiam auxiliar no gerenciamento destes resíduos e evidenciar lacunas na
legislação vigente, assim como a ausência de legislação específica.
 Fármacos residuais, gerenciamento de resíduos da saúde, tratamentos de
efluentes químicos.


Residual pharmaceuticals have been found in waste waters from sewage treatment plants,
water supplies and other environmental matrices. These chemicals are not removed by
conventional water treatments,as their chemical properties are persistent, have high
potential for bioaccumulation and low biodegradability.They may have adverse effects, which
are unknown in most cases, allying to this scenario a bad law.This study aimed to bring the
knowledge of the size of population exposure to these compounds and suggest some actions
that could help on such residues management and bring attention to some vacuities in
current legislation, as well as lack of specific legislation.
 
 Pharmaceuticals, healthcarewaste management, effluenttreatment.

   
 

Durante séculos a água foi considerada um bem público de quantidade infinita, à disposição
do homem por se tratar de um recurso natural auto-sustentável pela sua capacidade de
autodepuração. Porém o crescimento das cidades aumentou de tal forma que tal capacidade
foi superada pela carga poluidora dos efluentes (Philippi e MARTINS, 2005).

Recursos Naturais são elementos da natureza a que o homem atribui determinado valor ou
confere determinada utilidade, objeto de apropriação humana (DERANI, 1997).

Neste contexto incluem-se ar, solo e água, um recurso natural essencial, seja como
componente de seres vivos,seja como meio de vida de várias espécies vegetais e animais,
como elemento representativo de valores sócio-culturais e como fator de bens de consumo e
produtos agrícolas. É o constituinte inorgânico mais abundante nos organismos vivos. No
homem representa 60% de sua massa, nas plantas, cerca de 90% e em certos animais
aquáticos essa proporção pode chegar a 98% (Bassoi e GUAZELLI, 2004).

Desde os seus primórdios, os povos antigos desenvolveram estratégias para garantir água
de boa qualidade para o consumo. Diversos códigos prescreviam severas penalidades à
pessoa que danificasse poços, nascentes e outras fontes de água utilizadas para
abastecimento da população e recomendavam práticas higiênicas, muitas das quais são,
ainda, consideradas apropriadas. Dentre os documentos mais famosos, destacam-se o
Código de Manu, na Índia; o Código do Rei Amurabi, da Babilônia, 1792-1750 a.C.; o
Talmud, dos hebreus; o Alcorão, dos mulçumanos (REBOUÇAS, 1999).

A escassez e a poluição dos recursos hídricos têm conseqüências sociais, econômicas e


ambientais negativas, uma vez que:
não contribuem com a diluição de poluentes, comprometendo o equilíbrio dos ecossistemas,
dificultando a preservação da biodiversidade;
provocam doenças devido à falta ou má qualidade da água;
prejudicando as propostas paisagísticas, assim como as atividades de recreação e lazer;
comprometem desenvolvimento industrial, da agricultura e da pesca (Philippi e MARTINS,
2005).

O crescimento demográfico e a expansão industrial trouxeram como conseqüência quadros


de contaminação atmosférica, do solo e dos recursos hídricos em todo o mundo.
Os primeiros estudos sobre a presença de fármacos(3) no ambiente datam da década de 70.
Garrisonet al (1976) e Hignite e Azarnoff (1977analisaram águas residuárias de Estações de
Tratamento de Esgotos (ETEs), nos Estados Unidos, e detectaram a presença de ácido clo-
fíbrico, metabólito(4) dos antilipêmicos(5) clofibrato e etofibrato.

Desde então, diversos estudos têm sido realizados e revelam a presença de resíduos de
fármacos em corpos hídricos, em várias partes do mundo (BILA e DEZOTTI, 2003).

Essa contaminação resulta da excreção de metabólitos de fármacos, tanto por seres


humanos quanto por animais(6) e do descarte indevido destes compostos diretamente na
rede de esgoto (ZUCCATO et al, 2005; ZUCCATO et al, 2006 apud Eickhoff, HEINECK e
SEIXAS, 2009).

Este quadro é agravado uma vez que os fármacos são desenvolvidos para serem
persistentes, mantendo suas propriedades químicas o bastante para servir a um propósito
terapêutico. Assim, tais compostos, não são eliminados durante o processo convencional de
tratamento dos esgotos (BILA e DEZOTTI, 2003).

Questões relacionadas à qualidade das águas têm sido extensivamente discutidas, tendo em
vista que se trata de um recurso natural imprescindível a um largo espectro de atividades
humanas, onde se destacam, entre outros, o abastecimento público e industrial, a irrigação
agrícola, a produção de energia elétrica, as atividades de lazer e recreação e a preservação
da biota aquática (BILA e DEZOTTI, 2003).
De acordo com Ponezi, Duarte e Claudino (2007), o consumo mundial de fármacos é
bastante significativo, um exemplo disso pode ser visto na União Européia (EU) onde
aproximadamente 3.000 diferentes substâncias são usadas em medicamento para consumo
humano como analgésicos e antiinflamatórios, anticoncepcionais, antibióticos, c-
bloqueadores, reguladores de lipídios, e muitos outros. Também, um número expressivo
dessas substâncias é utilizado em medicamentos de uso veterinário, entre eles antibióticos e
antiinflamatórios e hormônios.

Independente da fonte geradora do resíduos de fármacos, medicina humana ou veterinária


ou indústrias, estes resíduos acabarão, em algum momento, se depositando no solo e nas
águas., podendo influenciar na qualidades destas matrizes e na saúde ambiental como um
todo (BILA e DEZOTTI, 2003).

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A integridade da saúde humana e ambiental é profundamente relacionada às boas condições


de saneamento e salubridade das águas. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS),
cerca de 85 % das doenças conhecidas são de veiculação hídrica, ou seja, estão relacionadas
à água, dentre as mais comuns destacam-se: amebíase, giardíase, criptosporidíase,
gastroenterite, febre amarela, febre tifóide, malária, hepatite, cólera, dengue, ascaridíase,
entre outras.

Diante do cenário apresentado, temas como coleta e tratamento de resíduos e/ou efluentes
vêm ganhando cada vez mais importância. Dentre as ações de saneamento, destacam-se
aquelas consideradas como básicas, compreendendo o abastecimento de água tratada, a
drenagem de águas pluviais, a coleta e o tratamento do esgoto sanitário, a coleta de
resíduos sólidos e a limpeza pública em geral (OMS, 2010).

Segundo estudos recentes, realizados pela OMS, a falta de saneamento básico,


principalmente o fornecimento de água potável, causa a morte de 1,5 milhão de crianças no
mundo anualmente. Apesar dos avanços em relação à distribuição de água potável, os
números ainda são preocupantes, mais de 2,6 milhões pessoas, 39% da população mundial,
não tem acesso a esse recurso (OMS, 2010).
No Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ainda há
muita carência de serviços de saneamento básico, como indicam os dados seguintes (ARCE,
2002 apud MOTA, 2005):

24% da população não têm abastecimento de água potável;


56 % da população não dispõem de coleta de esgoto;
24% da população não têm coleta de lixo.
Muito há que ser feito em termos de saneamento básico, os residuais químicos, como os
fármacos, ainda não são considerados, pela legislação, como sendo poluentes. Porém, seu
monitoramento, no meio ambiente, vem ganhando grande interesse devido ao fato de
muitas dessas substâncias serem freqüentemente encontradas, mesmo que em baixas
concentrações, em efluentes de ETEs e águas naturais (BILA e DEZOTTI, 2003).

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Em todo mundo, fármacos, tais como antibióticos, hormônios, anestésicos, antilipêmicos,


meios de contraste de raios-X, antiinflamatórios entre outros, tem sido detectados no esgoto
doméstico, em águas superficiais e de subsolo. Kolpinet al (2002) detectaram antibióticos,
como tetraciclinas, sulfonamidas, macrolídeos, lincomicina, trimetoprim e tilosina, em
amostras de águas superficiais nos Estados Unidos.

Sacher et al (2001) reportaram a ocorrência de sulfametoxazol em amostras de águas de


subsolo na Alemanha.

De acordo com Kummerer (2001) alguns grupos de fármacos residuais merecem uma
atenção especial, dentre eles estão os antibióticos e os estrógenos(7). Os antibióticos têm
sido amplamente discutidos na literatura, devido ao seu potencial de seleção artificial de
bactérias resistentes e por serem usados em grandes quantidades, tanto na medicina
humana, quanto na medicina veterinária(8).

Ainda de acordo com este autor, a importância dos estrógenos resid e no seu potencial de
afetar adversamente o sistema reprodutivo de organismos aquáticos como, por exemplo, a
feminização de machos de algumas espécies de peixes e répteis presentes em rios
contaminados pelo descarte de efluentes de ETEs. A presença desses fármacos residuais na
água pode causar o desenvolvimento de vários tipos de cânceres, e outros efeitos nocivos(9)
em organismos presentes nas águas, como os peixes, algas e bactérias.

Conseqüências da interação do ser humano com estrógenos ambientais foram apresentadas


em diversos estudos, desde 1984, citados por Pryor (2000). Estes estudos envolveram 242
crianças, recém-nascidas, cujas mães consumiram peixes, do Lago Michigan, nos Estados
Unidos, por mais de seis anos. Os estudos revelaram que os peixes estavam contaminados
com quantidades moderadas de PCBs(10).

As crianças demonstraram, ao nascer, uma média de 190g a menos do que outras crianças
saudáveis, do grupo controle, além de apresentarem menores circunferências de seus
crânios e exibirem retardamento em sua maturidade neuromuscular. O mais preocupante foi
se constatar que estas mães consumiram não mais do que dois salmões ou duas trutas por
mês (PRYOR, 2000).

Estes estudos indicaram também que, entre o sexto e o sétimo, as crianças, contaminadas,
demonstraram baixo desenvolvimento psicomotor e capacidade visual era mais pobre
quando comparadas com as crianças que formavam o grupo controle. Já aos quatro anos, as
mesmas passaram a apresentar problemas nas atividades de memória de curto prazo
(PRYOR, 2000).

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Estratégias adotadas por diversos países para o gerenciamento de medicamentos em


desuso, vencidos ou não, são a reutilização e o descarte responsável, com controle. Nos
Estados Unidos, muitas farmácias, funcionam como centre de coleta de medicamentos
vencidos ou em desuso (EICKHOFF, HEINECK e SEIXAS, 2009).

O Órgão Governamental Norte Americano que regula e controla a qualidade de alimentos e


medicamentos, FoodandDrugAdministration (FDA), não proíbe a reutilização de
medicamentos e permite que esta ação seja regulamentada, particularmente, em cada
Estado. Trinta e seis Estados permitem alguma forma de reutilização ou revenda, 17
permitem ambas as práticas e 12 proíbem qualquer uma das formas (DAUGHTON, 2003).

Existem controvérsias sobre a reutilização de medicamentos, pois, em algumas situações,


não se conhecem as condições anteriores de cuidados no armazenamento (DAUGHTON,
2003).

O Canadá é um dos países que tem mostrado grande preocupação em relação a esse tema.
Na Colúmbia Britânica, foi estabelecido, em 1996, voluntariamente pelas indústrias
farmacêuticas, o Programa EnviRX que tinha por objetivo orientar o consumidor. Em 1997, o
Governo dessa Província, ampliou o seu programa de manejo de resíduos(11), que se
destinava a aceitar todos os medicamentos vencidos de venda livre e alguns de venda sob
prescrição, sem aceitar amostras-grátis (DRIEDGER, 2002 apud DAUGHTON, 2003).

Atualmente, a maioria das farmácias da Colúmbia Britânica participa de um programa de


recolhimento de medicamentos(12) instituído em 2001, que foi adotado pela Associação
Nacional de Autoridades Regulatórias de Farmácia do Canadá(13). Dentre as justificativas
para a adoção do programa, citam a redução de envenenamentos acidentaisde crianças por
medicamentos vencidos, redução de custos, de automedicação imprópria e do potencial dano
ambiental (DAUGHTON, 2003).

Paterson e Anderson (2002) relatam a experiência de um projeto que envolve a triagem de


prescrições em farmácias públicas e privadas, onde o farmacêutico dispensa uma quantidade
inicial e, se o medicamento é tolerado, dispensa o restante do medicamento prescrito. Essa
medida procura evitar o desperdício de medicamentos causado pela interrupção ou mudança
de tratamento.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou, em 1999, um guia de recomendações
sobre manejo seguro de resíduos gerados pelas atividades de saúde(14) e outro que trata
especificamente de medicamentos, em decorrência do grande volume de vencidos gerados
na Guerra da Bósnia, originados de doações dirigidas à população atingida. (WHO, 2010a).

Esta Organização, ainda, publicou outro Guia que apresenta orientações para o descarte
seguro de fármacos utilizados durante e após emergências(15). Este último é destinado a
autoridades de países com o objetivo de implantação de uma política de gerenciamento e
destinação final de medicamentos (WHO, 2010b).

Segundo Daughton (2003), os métodos de descarte apresentados nos Guias, são vários:
retorno à indústria;
disposição em aterro;
incineração em contêineres fechados;
incineração em média temperatura e;
decomposição química.

Este autor ressalta que este Guia é mais apropriado para grandes volumes e em situações de
emergência.

Segundo Paim et al (2002), este panorama se agrava, uma vez que no Brasil, se observa
que, nos laboratórios de diversas Universidades, a geração de resíduos químicos não é
gerenciada e o descarte inadequado continua a ser praticado. Ainda, os estas Instituições
armazenam uma grande quantidade de resíduos, sem identificação nos frascos e sem suas
respectivas fichas técnicas do produto. Quando rotulam, a maioria dos frascos, a etiqueta
apresenta apenas a inscrição ³resíduo químico´.

Uma possível solução para a minimização do problema seria a adoção dos programas de
recolhimento de medicamentos em desuso, ações já praticadas em por diversos países como
Estados Unidos, Canadá, Itália, Alemanha e França.

No Brasil poucas ações podem ser consideradas exemplos de iniciativas que trouxeram
resultados positivos. Neste sentido pode se citar alguns programas educativos e campanhas
de arrecadação de medicamentos em desuso tem tido bons resultados aqui no Brasil, como o
realizado pela Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em
Porto Alegre, juntamente com o Laboratório Pró-Ambiente. Em junho de 2006, apenas uma
campanha arrecadou 1.219 itens provenientes de domicílios e farmácias e que foram
encaminhados à Central de Resíduos da Pró-Ambiente, do município de Gravataí-RS, para
adequada destinação final.

Ainda no Sul do País, algumas redes de drogarias do Estado do Paraná, vêm sendo
reconhecidas por suas louváveis iniciativas, que refletem gradativa tomada de consciência a
respeito de seu verdadeiro papel junto aos consumidores e ao ambiente.
   


  
 
      

Os processos químicos convencionais baseiam-se na oxidação dos contaminantes pela reação


com oxidantes fortes, como peróxido de hidrogênio (H2O2), gás cloro (Cl2), dióxido de cloro
(ClO2) e permanganato (MnO4-). Na maioria dos casos, no entanto, a utilização deste tipo
de tratamento não promove a mineralização completa dos contaminantes a CO2, havendo a
formação de uma grande variedade de subprodutos de degradação, em geral, ácidos
orgânicos(16). No caso da utilização do Cl2, há a formação de compostos organoclorados,
que podem ser mais tóxicos que o contaminante inicial, sendo este o principal inconveniente
quanto ao uso deste oxidante (MELO et al, 2009).
Neste sentido, devido à preocupação quanto à preservação dos ecossistemas aquáticos e ao
risco potencial de contaminação da água de abastecimento público, tem-se incentivado, em
todo o mundo, estudos com o objetivo de identificar e quantificar esses resíduos para que se
possa minimizar o descarte e desenvolver processos eficientes para removê-los, assim como
estão sendo realizados estudos de biodegradação de fármacos(17) (PONEZI, DUARTE e
CLAUDINO, 2007).

A remoção de poluentes orgânicos persistentes, como os fármacos, na água e em efluentes,


pode ser obtida utilizando-se tecnologias avançadas de tratamento, tais como Biorreatores
com membranas, Processos Oxidativos Avançados e Adsorção em carvão ativado (TAMBOSI,
2008).
Dentre os citados métodos, um grande destaque tem sido dado ao uso de filtros de carvão
ativado biologicamente(18). Este processo combina adsorção e biodegradação minimizando a
flutuação da qualidade da água tratada, pois uma grande concentração de poluentes na água
causa um crescimento na taxa de adsorção, mas quando a concentração decai, a
biodegradação toma lugar (Speitelet al, 1989 e Sobecka et al., 2006).

Os Processos Oxidativos Avançados também têm sido extensivamente estudados devido ao


seu potencial como alternativas ou complementos aos processos convencionais de
tratamento de efluentes, uma vez que os radicais hidroxila(19) gerados são altamente
reativos e pouco seletivos, podendo atuar na oxidação química de uma vasta gama de
substâncias (MELO et al, 2009).

Melo et al (2009) avaliaram vários processos(20) para a oxidação de substâncias complexas


de diversas classes de fármacos. Estes autores concluíram que apesar da complexidade das
moléculas dos princípios ativos dos fármacos, as baixas concentrações encontradas
permitem a utilização destes processos, que atingem alta eficiência de degradação como
relatado em diversos trabalhos.

Fentet al. (2006), em seus estudos, evidenciaram que os processos convencionais de


tratamento de esgoto, águas servidas, não se mostram eficientes para a remoção de vários
resíduos de fármacos.

Ressalta-se que, ainda são escassas as informações sobre a toxicidade das amostras após
tratamento, informações estas fundamentais para garantir a efetividade e segurança da
aplicação de tais processos no tratamento de efluentes contendo resíduos de fármacos.

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O Artigo 225 da Constituição Federal de 1988 declara terem todos direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado(21), bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida.
Segundo Machado (2002),

³a água, como bem de uso comum do povo, não pode ser apropriada por uma só pessoa,
física ou jurídica, com exclusão absoluta de outros usuários em potencial; o uso da água não
pode significar a poluição ou a agressão desse bem; o uso da água não pode esgotar o
próprio bem utilizado; e a concessão ou autorização (ou qualquer tipo de outorga) do uso da
água deve ser motivada ou fundamentada pelo gestor público. A existência do ser humano,
por si só, garante-lhe o direito de consumir água ou ar. O direito à vida antecede os outros
direitos´.

E justamente por ser o direito de acesso à água um direito fundamental, não se pode
compreender o domínio da União e dos Estados como direito de propriedade nos moldes do
Código Civil. Cabe a estas entidades estatais, na verdade, a responsabilidade pela guarda e
gestão dos recursos hídricos, como o direito de usar e dispor como bem entender, mas como
um dever-poder de gestão para que sejam atendidas as necessidades da população.
(LEUZINGER, 2004).

Não se incluem, portanto, os recursos hídricos entre os bens dominiais, ou seja, entre
aqueles bens que integram o patrimônio privado das entidades públicas, na medida em que
sua principal característica é a inalienabilidade. Domínio hídrico significa, assim, ser esse
recurso bem administrado pelo Estado, no interesse coletivo. E, registre-se, a outorga de
direito de uso e conseqüente cobrança não significam alienação parcial, mas tão-somente
direito de usar o bem, não sendo admitida sua venda (LEUZINGER, 2004).
Ramos e Sparenberger (2010) analisaram a relação existente entre a crise hídrica, a Política
Nacional de Recursos Hídricos e a Sociedade de risco. Esta última como característica da
civilização moderna, a qual persegue o desenvolvimento a qualquer preço. O enfoque
principal do estudo está no efeito bumerang de Beck (2002), o qual analisa a questão
ambiental tendo em vista as consequências da modernidade sobre a própria política de
mercado. O que se vê é uma grande crise de controle e gestão das águas, dentro de uma
enorme crise ambiental que coloca em risco o abastecimento hídrico, de qualidade, às
populações, em especial das grandes cidades.

De acordo com a Legislação Brasileira, os serviços de saúde são os responsáveis pelo correto
gerenciamento de todos os Resíduos Sólidos dos Serviços de Saúde (RSSS) por eles(22)
gerados, devendo atender às Normas e exigências legais, desde o momento de sua geração
até a sua destinação final (Eickhoff, HEINECK e SEIXAS, 2009).

Estes autores consideram que a segregação dos RSSS, no momento e local de sua geração,
permite reduzir o volume de resíduos perigosos e a incidência de acidentes ocupacionais
dentre outros benefícios à saúde pública e ao meio ambiente (BRASIL, 2010).

Quando não tratados, os RSSS devem ser dispostos em Aterro Classe I(23). Os resíduos de
produtos ou de insumos farmacêuticos que, em função de seu princípio ativo e forma
farmacêutica, não oferecem risco à saúde e ao meio ambiente, constantes em listagem junto
à Gerência Geral de Medicamentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA),
quando descartados por serviços assistenciais de saúde, farmácias, drogarias e distribuidores
de medicamentos ou apreendidos, podem ser descartados em sistemas de disposição final
licenciados e na rede coletora de esgoto ou em corpo receptor (Eickhoff, HEINECK e SEIXAS,
2009).

Quanto ao processo de disposição final de RSSS, a Resolução Conselho Nacional do Meio


Ambiente (CONAMA) no 358, de 2005, diz que a disposição dos resíduos deve ser
diretamente sobre o fundo do local; a acomodação dos resíduos deve ser sem compactação
direta; deve haver cobertura diária com solo, admitindo-se disposição em camadas;
cobertura final e plano de encerramento (Eickhoff, HEINECK e SEIXAS, 2009).

O gerenciamento eficiente de RSSS é um assunto que, ainda, necessita de uma legislação e


diretrizes mais específicas. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), através da
Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) no 306, de 7 de dezembro de 2004, que dispõe
sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde e, pela
Resolução no 358, de 29 de abril de 2005, apresenta algumas diretrizes para o tratamento e
à disposição final dos resíduos dos serviços de saúde (Eickhoff, HEINECK e SEIXAS, 2009).

O Ministério da Saúde publicou, em 2006, um Manual de Gerenciamento dos Resíduos de


Serviços de Saúde, o qual mostra a necessidade da adoção de um Plano de Gerenciamento
de Resíduos de Serviços de Saúde.

Porém, este Manual não traz diretriz e nem aponta soluções para o gerenciamento e
destinação final de medicamentos (BRASIL,2010).

De acordo com a Lei no 9.605 de 1998(24) que dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, o lançamento
de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em
desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos, é crime ambiental, com
pena de reclusão de um a cinco anos (Eickhoff, HEINECK e SEIXAS, 2009).
Assim sendo, a legislação se apresenta deficiente por não mencionar a destinação final
adequada para destes resíduos, é direcionada para os estabelecimentos de saúde e não
engloba a população em geral. No Brasil, não existe um sistema de coleta, transporte e
destinação adequada desses resíduos por parte das gestões públicas municipais, logo, a
legislação de nada adianta se não for aplicada.

E, mesmo que a contaminação do meio ambiente por resíduos seja considerada crime
ambiental, não há fiscalização adequada e nem a aplicação de punição a todos os poluidores
(Eickhoff, HEINECK e SEIXAS, 2009).

2
%  

Diante deste panorama, é imprescindível que se tome conhecimento que a responsabilidade


por zelar pela manutenção e equilíbrio dos recursos naturais e pela defesa do bem estar
social e dos direitos difusos, é de todos, inclusive da União(25).

Assim, para que a iniciativa privada possa praticar ações de preservação e saúde ambiental é
necessária uma nova postura, adotando-se políticas de responsabilidade sócio-ambiental. A
população em geral, como consumidores desses produtos, deve se buscar e ter acesso à
informações sobre consumo consciente e descarte responsável. Dessa forma não só os
produtores devem ser responsabilizados, mas também todos os atores da cadeia, desde a
produção a te o consumidor final.

O conhecimento da população sobre a dimensão da exposição a compostos químicos


persistentes e suas conseqüências à saúde ambiental é de fundamental importância para
nortear as ações de controle, coleta e descarte seguro destas substâncias. È sugerido, ainda,
revisar e restabelecer limites de concentrações para o descarte seguro de efluentes tratados
em corpos hídricos, atualmente regidos pela Resolução CONAMA no 357 de 2005, assim
como os padrões de potabilidade da água para consumo humano, orientados pela Portaria
518 de 2004, do Ministério da Saúde, deverão ser também revisados, uma vez que não
contém em si limites estabelecidos para fármacos nas águas de abastecimento.

É altamente preocupante o fato de que ainda não existe no Brasil legislação que trate os
fármacos como poluentes, e os possíveis efeitos dos seus resíduos para a saúde ainda não
foram avaliados pela OMS.

Também é preciso que exista vontade política dos dirigentes para fazer valer as normas e
recomendações sanitárias, apoiando aos que já estão conscientizados quanto à importância
da adoção desse comportamento e propiciando condições para a compreensão dos que ainda
não as conhecem (TAKAYANAGUI, 1993).

Promover a execução do fracionamento de medicamentos não só por parte do Sistema Único


de Saúde (SUS), mas também, em farmácias e drogarias privadas representaria também
uma medida importante, já que minimizaria o desperdício e descarte indevido. Muitas
indústrias ainda não adequaram as embalagens de seus produtos às condições constantes no
Decreto no 5.775 de 2006, que dispõe sobre o fracionamento de medicamentos.

Há também a necessidade de um olhar mais crítico para a propaganda exacerbada, que


acaba por estimular a compra excessiva e desnecessária de medicamentos. Além de destas
sugestões, a efetiva participação do profissional farmacêutico é de grande importância no
controle da dispensação(26) dos medicamentos em estabelecimentos públicos e privados, já
que este pode informar o usuário sobre os riscos da automedicação e também sobre o
potencial poluidor dos medicamentos.

Até que haja a implantação deste sistema de gerenciamento das sobras de medicamentos,
os profissionais de saúde devem investir na minimização da geração desses resíduos através
do gerenciamento e programação de estoques, evitando vencimentos; na avaliação de
prescrições no momento da dispensação; na orientação do uso racional de medicamentos e
no acompanhamento dos pacientes durante o tratamento, objetivando evitar o desperdício e
consequente contaminação do meio ambiente.

 &  '   


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Acesso em: 8 jun. 2010.
_______. Resolução 358, 29 de abril de 2005. Dispõe sobre o tratamento e a disposição final
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_______. RDC No 306, Brasília, 7 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o Regulamento
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