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Volume 28 No.

1 2015

PARA UMA HISTÓRIA JÊ MERIDIONAL NA LONGA DURAÇÃO:


RESUMO DE TESES E DISSERTAÇÕES

O CONTEXTO EM ALFREDO WAGNER (SC)


E A SUA INSERÇÃO REGIONAL1
2
Lucas Bond Reis

A proposta desta pesquisa é contribuir para uma melhor compreensão da


trajetória histórica dos grupos Jê Meridionais em Santa Catarina a partir da
realização de pesquisas no município de Alfredo Wagner. Para tanto, realizamos
uma revisão na literatura arqueológica, antropológica e etnohistórica sobre os
grupos Jê Meridionais, bem como desenvolvemos prospecções e escavações,
além de análises tecnológicas de vestígios líticos e cerâmicos.
A fim de embasar teoricamente a construção de uma história Jê Meridional
de longa duração, lançamos mão da proposta de Zedeño (1997; 2008) acerca da
história de formação territorial, bem como das compreensões de Braudel
([1958] 2009) e de Sahlins ([1985] 1999) no que remete aos conceitos de duração
e de mudança, e, ainda, dos entendimentos de Barth ([1969] 1998) sobre
fronteiras sociais e grupos étnicos.
O primeiro capítulo consiste em uma discussão das propostas teóricas
supracitadas, as quais são utilizadas como base para uma revisão crítica da
bibliografia que trata dos grupos Jê Meridionais. Deste modo, no segundo
capítulo, apresentamos uma espécie de estado da arte, ou seja, como as
ocupações destes grupos indígenas tem sido pensadas e quais são as propostas
acerca das dinâmicas territoriais desenvolvidas por eles no decorrer do tempo.
Adiante, no terceiro e no quarto capítulo apresentamos dados referentes ao
contexto arqueológico regional em Alfredo Wagner, município situado em uma
área de serra, transição entre litoral e planalto, que dista, aproximadamente, 110
km em direção oeste de Florianópolis (capital de Santa Catarina).
Embasados em uma revisão bibliográfica preliminar, constatamos a
existência de mais de uma centena de sítios arqueológicos em Alfredo Wagner,
dentre os quais percebemos a presença de contextos compostos por estruturas
subterrâneas relacionados à ocupação Jê meridional, além de sítios líticos a céu
aberto, abrigos sob rochas e galerias subterrâneas – estas últimas sem evidências
de ocupação humana pretérita.

1
Dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós Graduação em História, linha de pesquisa História Indígena,
Etnohistória e Arqueologia, da Universidade Federal de Santa Catarina, sob orientação do prof. Dr. Lucas Bueno. Pesquisa
realizada com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
2
Mestre em Historia Cultural, pesquisador do Laboratório de Estudos Interdisciplinares em Arqueologia da Universidade
Federal de Santa Catarina (LEIA/UFSC). E-mail: lucasbondreis@gmail.com.
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Visando reconhecer o contexto arqueológico regional, visitamos: quatro


sítios de estruturas subterrâneas, sendo que no decorrer do campo registramos
outros dois; cinco abrigos sob rochas; e quatro sítios líticos a céu aberto, sendo
que identificamos mais uma ocorrência na prospecção. Vale destacar que no
decorrer desta atividade foi possível recadastrar o sítio SC-VI-13, lítico a céu
aberto, escavado por João Alfredo Rohr na década de 1960, com uma ocupação
mais recente datada em 3000 A. P., onde o pesquisador coletou artefatos
vegetais (madeiras e trançados) preservados de forma excepcional.
A partir da prospecção, selecionamos um contexto de estruturas
subterrâneas para ser objeto de escavações. Trata-se do sítio Tobias Wagner,
composto por dezoito concavidades arqueológicas – oito circulares e dez
elipsoidais - e vestígios líticos dispersos ou estruturados em feições ao longo da
superfície externa as depressões. O sítio possui uma área de cerca de 2000m²,
localizado na microbacia do Riozinho, em Lomba Alta, interior de Alfredo
Wagner.
No total, escavamos 10,25m² da superfície do sítio, atingindo profundidade
máxima variável entre 0,80 e 1,30m, em três etapas realizadas entre 2014 e
2015. Concentramos as atividades no interior de três estruturas subterrâneas
(E01, E02 e E03) e em uma feição composta por vestígios líticos que foi
identificada na área externa às concavidades (Área 1). As intervenções que
resultaram em maior número de dados sobre a ocupação do sítio foram
realizadas em E01 e na Área 1. A partir destas escavações, obtivemos
informações sobre tecnologia lítica e cerâmica, bem como sobre cronologia.
Acerca dos líticos, processamos 2082 peças em laboratório, destas apenas
822 apresentavam alguma evidência de transformação antrópica, seja as que
implicam em uma transformação direta no suporte por lascamento, polimento
e/ou picoteamento (230) ou aquelas relacionadas à transformação indireta por
meio da ação térmica (592). Pelo fato da coleção apresentar poucos artefatos
formais, sendo composta principalmente por fragmentos, resíduos e/ou
vestígios queimados, optamos por limitar a análise aos aspectos formais das
peças, agrupando conjuntos de peças conforme procedência, tamanho, matéria-
prima, técnica de transformação e alterações de superfície. Assim, os vestígios
com evidências de transformação direta foram agrupados em quatro conjuntos:
Lascados Pequenos, Lascados Grandes, Polidos e Picoteados.
Sobre os vestígios cerâmicos, somente encontramos este tipo de evidência
no interior de E01. No total, 45 fragmentos foram coletados. Destes, 39, maiores
que 1cm, foram analisados individualmente em laboratório sob uma perspectiva
tecnológica. Apenas um fragmento de borda foi identificado, os demais
consistem em fragmentos de parede. Em três peças de mesma proveniência
identificamos o acréscimo de uma camada na superfície externa, a qual foi
compreendida como uma resina – contudo, existe a possibilidade de que seja um
engobo adicionado sobre a pasta queimada. A partir da associação entre argila e
antiplástico, classificamos os vestígios em cinco conjuntos: A – argila branca e
mineral fino; B – argila vermelha e mineral fino; C – argila vermelha, mineral
fino e cinza/cariapé ou carvão; D – argila vermelha e mineral grosso; E – argila
vermelha, mineral grosso e cinza/cariapé ou carvão.

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Com uma amostra de carvão coletada no interior de uma estrutura de


combustão (EC01), identificada na Área 1, foi obtida uma data de 300 ± 30 A. P
(Beta-410430).
Além disso, amostras de carvão oriundas da estrutura de combustão (EC01)
e do seu entorno foram enviadas para o Laboratório de Anatomia e Qualidade
da Madeira da Universidade Federal do Paraná, aos cuidados da Prof. Dra.
Silvana Nisgoski, visando à identificação do material vegetal carbonizado. Duas
amostras provenientes de EC01 foram identificadas pelo gênero Magnolia,
enquanto que outras duas do entorno de EC01 foram identificadas como
Araucária angustifólia. Com estes resultados, procedemos uma busca em
bibliografia etnobotânica sobre usos destes vegetais por grupos Kaingáng e
Xokleng – ambos falantes de línguas Jê.
Os resultados obtidos por meio das intervenções realizadas no sítio Tobias
Wagner, bem como através das analises de materiais e da revisão na literatura
arqueológica, etnohistórica e antropológica, possibilitaram tecer inferências
acerca da ocupação Jê meridional em diferentes escalas: intrasítio, local e
microrregional. Esta discussão é apresentada ao final do quarto capítulo.
No quinto e último capítulo da dissertação, a fim de conciliar arcabouço
teórico, dados obtidos na revisão bibliográfica e produzidos de forma inédita
nas atividades campo, refletimos e problematizamos a ocupação Jê Meridional
sob uma perspectiva diacrônica e, mais uma vez, em diferentes escalas:
microrregional e regional.
A partir dos dados reunidos e das reflexões a partir deles, sugerimos a
existência de ocupações Jê Meridionais diferenciadas nas terras altas do planalto
(1) e na borda leste do planalto / serra (2). Na primeira área os grupos teriam
desenvolvido um tipo de sistema de ocupação sistemático ao longo de mais de
mil anos, enquanto que na segunda, conforme os dados disponíveis, os grupos
teriam desenvolvido uma dinâmica de ocupação territorial que implicava em
uma maior circulação se comparada à primeira.
Com esta diferenciação não tivemos por objetivo classificar a ocupação
desenvolvida por grupos do planalto como sedentária e a dos grupos da borda
leste/serra como nômades. Há que se relativizar este binarismo. Também não é
o caso de identificar grupos de uma ou outra área como ancestrais exclusivos
dos Kaingáng ou dos Xokleng. Parece-nos que para ambas as áreas os grupos
estabelecem um domínio territorial, evidenciado por vestígios arqueológicos e
por informações etnohistóricas que atestam a longa duração destas ocupações,
onde desenvolvem territorialidades específicas que resultam em formas
diferenciadas das práticas desenvolvidas em um território.
Tomando por base a proposta de história de formação territorial de
Zedeño (1997; 2008), apresentamos uma proposta acerca do processo histórico
de expansão Jê Meridional em Santa Catarina, considerando os dados
conhecidos atualmente de sítios relacionados a estes grupos, bem como as
informações disponíveis sobre grupos caçadores-coletores e horticultores
Guarani que indicam períodos de contemporaneidade entre estas diferentes
ocupações.

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Ao final, apresentamos uma reflexão acerca do presente dos povos


indígenas falantes de línguas Jê que vivem em Santa Catarina no sentido de
evidenciar o descompasso existente entre as áreas de concentração de sítios
arqueológicos relacionados a estes grupos frente às terras indígenas
demarcadas. Mediante esta situação, acreditamos que há que se construir uma
história de longa duração protagonizada por populações nativas que vá de
encontro às concepções que historicamente tem balizado a produção de
conhecimento sobre o passado. Assim, reforçamos a necessidade do
desenvolvimento de estudos que deem visibilidade à presença indígena na
História e chamamos a atenção dos arqueólogos acerca do comprometimento
social com os povos ameríndios.
Deste modo, ressaltamos que esta pesquisa foi conduzida sob um enfoque
que visa compreender as populações indígenas enquanto sujeitos históricos
plenos, agentes de sua própria história, e que acreditamos que a trajetória
histórica delas decorre de relações específicas estabelecidas com e em um
determinado território.

Palavras-chaves: Jê Meridional; Alfredo Wagner; História de Formação


Territorial.

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