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Sandra Mara Corazza

Currículos alternativos/oficiais:
o(s) risco(s) do hibridismo*

Sandra Mara Corazza


Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

O número 21 da revista Contexto & Educação, direita, “triunfante em tantos países”, colocara a edu-
da Unijuí, de janeiro/março de 1991, trazia como cação e o currículo “no centro de reestruturação da
temática geral a questão: “Experiências alternativas”. sociedade ao longo de critérios baseados no funciona-
Em seu Editorial, encontrava-se escrito: “As políticas mento do mercado”. O plano desta “aliança ou combi-
educacionais não podem impor-se como se válidas para nação de neoliberalismo (econômico) com neo-
todos em toda parte; e as propostas pedagógicas só conservadorismo (moral)” parecia, então, “muito
valem como propostas de sujeitos concretos em con- claro”, qual fosse: introduzir, na educação institucio-
textos determinados de vida e ação”. Políticas e pro- nalizada, “mecanismos de controle e regulação pró-
postas “que devem ser tidas sempre como [...] alter- prios da esfera da produção e do mercado”, objetivando
nativas”, isto é, como “distintas e específicas”, “não “produzir resultados educacionais”, ajustados às “de-
podendo elas decorrer de alguns princípios gerais, mandas e especificações empresariais”.
nem arvorar-se em panacéia para quaisquer situa- Nesse cenário, era importante que os/as educado-
ções” (p. 7). res/as começassem “a entender as novas configurações
Em 1995, em seu texto “Os novos mapas cultu- econômicas, políticas e sociais”, por meio de “uma
rais e o lugar do currículo numa paisagem pós-moder- nova ótica”, que focalizasse “as dinâmicas culturais
na”, Tomaz Tadeu da Silva argumentava que a nova em jogo na luta por hegemonia e predomínio político”.
A partir deste entendimento, sugeria Silva, os/as edu-
cadores/as poderiam começar sua luta pela considera-
ção e afirmação de “discursos, narrativas e saberes
* Trabalho apresentado na sessão especial “Propostas curri-
culares: entre o oficial e o alternativo”, promovida pelos Grupos de
[...] ‘alternativos’, que contassem outras histórias. His-
Trabalho Currículo, Educação Popular e Educação Fundamental, tórias que, por serem ‘alternativas’, minassem ‘a
na 23ª Reunião Anual da ANPEd, realizada em Caxambu (MG), inevitabilidade’ e ‘naturalidade’ das narrativas domi-
de 24 a 28 de setembro de 2000. nantes” (p. 185-186).

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Currículos alternativos/oficiais

Passada quase uma década de contestação, con- Nossas ações e concepções funcionavam, então,
flitos e processos de negociação, vou argumentar, nes- pela via de um modelo espacial no sentido tópico, em
te trabalho, que não conseguimos realizar nem uma cima/embaixo, dentro/fora, ou no sentido métrico, per-
coisa nem outra, ou seja, que não conseguimos legiti- to/longe... do poder dominante da burguesia, proprie-
mar nem consolidar políticas, currículos, propostas tária dos meios de produção. Existiam “eles”, nossos
pedagógicas ou discursos “alternativos”. Por um mo- inimigos capitalistas, claramente identificáveis, e
tivo bem simples: não que tenhamos fracassado, mas, “nós”. “Eles” ocupavam o centro de poder, que for-
porque, em função de muitos fatores (pertinentes à mava e consolidava a ordem social dividida em clas-
nossa condição histórica, profissional e subjetiva), per- ses antagônicas. Dentre outros aparelhos ideológicos
demos o rumo, os limites e o diferencial, que nos per- de Estado, tal centro usava a escola para inculcar va-
mitiam distinguir o que era “oficial” do que era “alter- lores, condutas, modos de vida e conhecimentos a in-
nativo”. divíduos destinados à proletarização. Contra o centro
“deles”, opúnhamos a nossa insubordinação de domi-
Tempos “fáceis” aqueles! nados/as críticos/as. Após o necessário suicídio de clas-
se pequeno-burguesa, propúnhamos as “nossas” pe-
Desde o final dos anos de 1960, vivíamos, no cam- dagogias, didáticas, metodologias, planejamentos,
po educacional crítico, uma “explosão” de teorias e avaliações, utopias. Trabalhávamos pela escola
práticas. Teorias da reprodução econômica. Nova so- conscientizadora que queríamos e pelos sujeitos
ciologia da educação e do currículo. Oposição à polí- contestadores que desejávamos formar.
tica dos governos militares. Pedagogia libertadora e Do centro de seu poder, “eles” propunham e
dos conteúdos. Teorias da resistência. Práticas de edu- implementavam o “currículo oficial”: burocrático, ideo-
cação para a cidadania. Pesquisa-ação. Planejamento logicamente tecnicista, hegemonicamente explorador,
participativo. Movimento de reconceptualização do reprodutor de privilégios, produtor de desigualdades.
currículo. Educação, trabalho e democracia. Desvela- Contra sua autoridade, produzíamos os “nossos currí-
mento da ideologia. Caça ao oculto do currículo. culos”: alternativos, marginais, paralelos, nascidos das
Pedagogia radical, dialética, subversiva. Conhe- bases. Estes sim, currículos arduamente produzidos
cimento escolar e poder. Lutas contra a educação ca- como populares, emancipatórios, revolucionários, so-
pitalista excludente, e por acesso, permanência, sucesso cialistas. Currículos que davam sustentação às lutas
no sistema escolar. Aliança de intelectuais orgânicos com políticas dos movimentos sociais, às identidades dos
sindicatos e movimentos sociais latino-americanos. novos sujeitos da história e aos sonhos progressistas
Novas formas de agência, organização política e pro- de uma futura sociedade democrática, mais justa e igua-
fissional. Pedagogia do oprimido. Educação popular. litária.
Emergindo da articulação entre mudanças estru- Essa diferenciação entre “eles” e “nós” (que hoje
turais, políticas, demográficas e epistemológicas, toda parece tão “fácil”) se, de um lado, nos dotava de for-
essa “explosão” redundou em ruptura radical dos/as ças para produzir teorias e práticas alternativas ao
educadores/as de esquerda com o elitismo conserva- poder central, de outro, não permitia que nos libertás-
dor e com o populismo reformista. Embora, por um semos da oposição “oficial x alternativo”, pois, o má-
lado, a luta pela democratização da sociedade e da ximo que conseguíamos, então, como educadoras/es
educação fosse bem “difícil”, por um só ângulo (que é críticas/os, era, simplesmente, inverter a valorização
o que me interessa enfocar neste trabalho, a coisa toda hierárquica dos termos binários. Ao invés de privile-
parecia ser mais “fácil”. Fácil, porque nós, ainda, con- giar o termo “oficial”, o desvalorizávamos, como um
seguíamos dividir o mundo, o sistema e nosso trabalho “mal”, elegendo o “alternativo”. A este, atribuíamos o
entre os “deles” e os “nossos”. caráter de “verdade”, de “bem”, de “autenticidade”.

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Entortávamos a tal “vara de Lenin” (como dizia marginalizações ancestrais, mudanças em nossa eco-
alguém da época) para o lado de “nossos” currículos logia física, cognitiva, afetiva, ética. De apogeu do
alternativos. “Legítimos” eram somente aqueles que localismo, da descentralização, da pura abstração co-
vinham de baixo para cima, de fora para dentro, de dificada, da mestiçagem subjetiva. De simulação de
longe para perto do poder, que queríamos fortalecer mundos, simulacros de imagens, pastiches objetais,
nas classes exploradas da sociedade. Com este movi- virtualização das realidades, simbiose entre máquina
mento, o que não fazíamos era desconstruir a oposi- e organismo.
ção “alternativo x oficial”. Por quê? Porque ainda po- Neste tempo de “eus” saturados, monstros e
díamos, tínhamos condições de essencializar tanto um ciborgues, manipulações genéticas, identidades
quanto o outro termo, e assim acreditar que existiam, clônicas do antigo humano moderno, Frankenstein não
em si mesmos, um currículo “oficial” e um ou vários nos mete mais medo. Neste mundo pós-humano, tam-
“alternativos”. Se esta era uma limitação de nossa ló- bém o Big Brother e o Panopticon não podem mais
gica binária, ao menos ela impedia que fôssemos colo- representar o poder. Este poder de agora é menos visí-
cados/as, como hoje, diante do(s) risco(s) da dissolu- vel, mais insidioso, sem centro fixo. Nem por isto, é
ção de fronteiras. menos duro e implacável. Nem por isto, deixa de ser
eficaz e eficiente em seus privilegiamentos, abjeções
Tempos “difíceis” estes! e forclusões. Este é o tempo que nos é próprio e co-
mum. De nosso mundo pós-industrializado, que todas/
Hoje, nestes tempos da nova ordem mundial, de os ajudamos a produzir e cujo ápice de super-produ-
capitalismo tardio em escala global, de neoliberalis- ção e hiper-consumo do Norte encontra correspondên-
mo governamental e de soberania do mercado cia na hiper-pauperização do Sul (cf. Gergen, 1992;
transnacional, não há mais um centro fixo: seja ele de Piscitelli, 1995; Sarup, 1995; Silva, 2000).
poder, de produção e trabalho, de capital e cultura, de Porque somos sujeitos desta época e de nenhuma
formação dos sujeitos. O conceito de “centro” é pen- outra, não conseguimos experienciar mais a Educação
sado como em modificação constante, como local não e a Pedagogia do mesmo jeito que antes. Por isso, as
fixo, como um não-lugar. Não existe mais nenhuma praticamos, enquanto os novos seres híbridos que so-
dinâmica central, que explique todo o funcionamento mos. Seres que, dentre outras características, possuem,
da vida social. Não há um único eixo dos processos em seus fazeres, pensares e dizeres, uma porção de
culturais, porque os eixos estão em toda parte, ou não currículo “oficial” e outra porção de currículo “alter-
existem. Não há explicações causais, radicadas nos nativo”. Ao perdermos os fatores distintivos, entre
processos econômicos, que justifiquem os resultados “oficial” e “alternativo”, nossos currículos passam a
educacionais. Não há mais enraizamento, nem raízes, ser representados pelo traço de união que liga, agora,
só rizomas, só redes de poder que movem o mundo. as duas palavras.
Redes do capital financeiro, de controle ao ar livre, do Se isso que acabo de escrever merece o crédito
ciberespaço como o nosso atual laboratório metafísico. de, minimamente, parecer plausível, o que este traba-
Este é um tempo de reciclagens de ideologias, lho deverá fazer, daqui até o seu final, é demonstrar
conhecimentos, comunicação. De novas tecnologias, alguma manifestação desse sinal diacrítico, encarar
hipertextos, tecnocultura, dispositivos interativos, am- esse risco à risca e avaliar os riscos de tal traçado.
bientes telemáticos, luta de classes no silício. Tempo
de reconfiguração e abolição de fronteiras entre ciên- Dor do hífen: PCN-Constituinte Escolar/RS
cia e ficção, público e privado, material e imaterial,
humano e sobre-humano, natural e sobrenatural. De Por mais que isto me doa (e “dói”) realizarei o
fomento de novas linhas divisórias, repetição de exercício analítico de buscar similaridades discursi-

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Currículos alternativos/oficiais

vas entre o Currículo Nacional, expresso nos PCNs, e dos de identificação. Procedi deste modo, pretendendo
o “Movimento Constituinte Escolar”, movimento de convidá-los/as para um “jogo”. O jogo consiste em
“construção da Escola Democrática e Popular”, que identificar qual proposta educacional é de quem. Qual
“visa a definição de princípios e diretrizes para a edu- é a do Governo FHC, e qual é a do Governo Olívio
cação da rede pública estadual”, do governo petista do Dutra? (Ver Anexo II: 2 – Educação inclusiva; 3 –
Rio Grande do Sul (Estado/RS, 2000a, s.p.). Esta es- Educação de qualidade; 4 – Democracia; 5 – Cidada-
colha da Constituinte Escolar do Rio Grande do Sul nia; 6 – Participação; 7 – Movimentos sociais; 8 –
foi feita por sua proximidade geográfica, partidária e Pluralidade cultural; 9 – Direitos humanos, valores
política. Embora, de meu ponto de vista, possa funcio- humanistas; 10 – O sujeito da educação; 11 – Cons-
nar como “exemplar”, não por ser um “modelo”, mas trução do conhecimento; 12 – Recursos tecnológicos;
por conter a possibilidade de representar outras pro- 13 – Professores/as).
postas educacionais e curriculares que se propõem a
ser de esquerda, democráticas, populares, participati- Tudo errado? Arrisco
vas, cidadãs: numa palavra, “alternativas”.
De modo intencional, vou enfatizar as similari- Muitas objeções poderão ser levantadas contra
dades encontradas no texto dessas duas propostas, não este modo de análise. Eu não posso dar conta de todas,
para negar as suas diferenças, pois elas existem. Mas e nem quero, pois não é esta a minha tarefa. Indico
para fornecer alguns elementos que nos permitam re- apenas aquelas que, penso, poderão nos ajudar a
fletir sobre o que vem acontecendo com nossos currí- elucidar melhor o trabalho realizado.
culos de educadores/as críticos/as que fazem oposição 1.º Pra não dizer que não vi diferenças. Embora
à política social, econômica e curricular do Governo sejam poucas as diferenças (ou eu não as procurei, por
Federal, e que acabam propondo quase a mesma Edu- uma questão de “método”), no texto dos PCNs há re-
cação que a deste Governo. Além das dificuldades, ferências aos “valores sociais do trabalho e da livre
bem concretas, relativas à formação e valorização dos/ iniciativa”. Aparece também a natureza econômica da
as professores/as, ao financiamento e à gestão pública educação e da cultura: “Em função de uma economia
da Educação, ao marcar as semelhanças dos discur- dependente, não se desenvolveu [na sociedade brasi-
sos, buscarei diagnosticar mais esta dificuldade que leira] uma cultura e um sistema educacional que pu-
enfrentamos, hoje, no campo educacional: o amálgama dessem fortalecer a economia, fazendo-a caminhar para
entre o currículo oficial e os nossos, alternativos. a auto-suficiência” (Brasil, 1998b, p. 19). Ambos os
Em primeiro lugar, examino duas cartas de Apre- tópicos não são encontrados no texto da Constituinte
sentação aos/às professores/as, escritas, respectivamen- Escolar/RS.
te, pela secretária de Educação do Rio Grande do Sul Assim como não constam dos PCNs os seguintes
e pelo ministro da Educação e do Desporto do Brasil “pressupostos” da Constituinte Escolar do Rio Gran-
(cf. Estado/RS, 1999, p.4; Brasil, 1998b, p.5). Neste de do Sul: 1. “Radicalização da democracia como ob-
momento, identifico estas cartas; agrupo os seus pará- jetivo estratégico de um governo de esquerda, com-
grafos, sob títulos que deles extraí; e destaco, em itáli- prometido com os interesses da maioria (as classes
co, aquilo que considerei suas similaridades discursi- populares) estimulando a co-gestão da esfera pública
vas (Ver Anexo II: 1 – Duas cartas). na direção da soberania e controle popular sobre o
Em seguida, apresento alguns fragmentos das pro- Estado.”; 2. “Utopia como sonho impulsionador da edu-
postas curriculares dos PCNs e da Constituinte Esco- cação e da escola que queremos e também do projeto
lar do Rio Grande do Sul. Para organizá-los, selecio- de desenvolvimento socioeconômico sustentável, pos-
nei enunciados dos dois currículos, reuni-os em sível e necessário para a imensa maioria de marginali-
temáticas sob um título comum e suprimi os seus da- zados e explorados do sistema capitalista. A utopia

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enquanto força impulsionadora da sociedade que que- do Sul, embora estatal, propõe-se a ser “alternativa”,
remos construir” (Estado/RS, 2000a, s.p.). no sentido de fazer oposição à política do MEC. A
2.º As duas propostas são “oficiais”. Poderá ser Constituinte Escolar do Rio Grande do Sul faz uma
objetado: ora, ela não pôde demonstrar nenhum “hí- opção declarada pelas classes populares, como pôde
fen”, porque não examinou nenhuma proposta “alter- ser constatado pelos “pressupostos” de “radicalização
nativa”. As duas propostas são oficiais, no sentido de da democracia” e de “utopia”. Então, como a Consti-
“estatais”, uma, do Estado-União, outra de um Esta- tuinte usa quase o mesmo discurso que o Currículo
do-Unidade da Federação. Ambas ocorrem dentro de Nacional, com que antagoniza? O dos PCNs não in-
instituições que servem aos interesses do Estado. São tegra a tradição neoliberal em políticas da Educa-
constituídas por práticas da esfera pública que, numa ção? Ou também se destina aos grupos explorados
sociedade globalizada, como a nossa, não têm como da sociedade brasileira? Ou também é de um “gover-
se distinguir. Ambas as propostas dependem de finan- no de esquerda, comprometido com os interesses da
ciamentos públicos e privados, pautados por critérios maioria”?
únicos de mercado. Ambas têm como legislação a cum- 3.º Semânticas diferentes de um mesmo vocabu-
prir a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio- lário. Poderá ser dito: o que o currículo nacional con-
nal, que estabeleceu, em 1996, que a “educação, de- cebe como “cidadania”, “democracia”, “participação”,
ver da família e do Estado, inspirada nos princípios de “professor”, “currículo”, não é, de modo algum, a mes-
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem ma coisa que um governo de esquerda concebe. Se os
por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, vocábulos são os mesmos, suas significações diferem.
seu preparo para o exercício da cidadania e sua quali- Então, nada daquela organização (temáticas, títulos,
ficação para o trabalho”. A Secretaria de Educação destaques) é válido.
do Rio Grande do Sul, assim como todas as secretari- A questão é que, sim, pode ser isto: conceitos con-
as estaduais e municipais de Educação do Brasil, tam- cebidos de modos diferentes. O problema é que as pa-
bém está implicada no Plano Decenal de Educação para lavras têm história e, por ela, são dotadas de significa-
Todos (1993-2003), que formulou um conjunto de di- ções que, se são fluidas e negociadas, também fixam
retrizes políticas voltado para a recuperação da escola determinada realidade, modos de ser, pensar e agir. As
fundamental do país. palavras constróem, controlam e regulam as coisas e
No plano internacional, ambas as propostas estão os indivíduos de um modo específico, e não de outros.
atreladas à UNESCO, ao UNICEF, ao PNUD, ao Ban- Nos “ditos” dos dois textos, encontrei uma dissipação
co Mundial. Subordinam-se ao compromisso assumi- da diferença. As mesmas palavras são enunciadas pe-
do pelo Brasil, na Conferência Mundial de Educação los dois governos. Então, pergunto: se são opositores
para Todos, realizada na Tailândia, em 1990, que exi- políticos, um do outro, não deveriam ter, cada um, o
giu: “tornar universal a educação fundamental e am- seu próprio vocabulário?
pliar as oportunidades de aprendizagem para crianças, 4.º Processos diferentes. Alguém poderá lembrar:
jovens e adultos”. Ambas são signatárias da Declara- Uma das críticas mais recorrentemente feitas aos PCNs
ção de Nova Delhi, assinada pelos nove países “em referia-se à ausência de um processo democrático e
desenvolvimento” de maior contingente populacional participativo em sua elaboração, que ficou restrita a
do mundo, e que reconheceu “a educação como instru- um grupo limitado de especialistas e consultores. Já
mento proeminente da promoção dos valores humanos no processo da Constituinte Escolar/RS, está haven-
universais, da qualidade dos recursos humanos e do res- do, desde abril de 1999, “um processo de ampla parti-
peito pela diversidade cultural” (Brasil, 1998b, p. 19). cipação popular de todos os segmentos da comunidade
Isso pode estar certo. O que ainda contraponho a escolar e representações da sociedade civil”. Neste ano,
esta objeção é que a política educacional do Rio Grande a Constituinte Escolar do Rio Grande do Sul realizou

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o “Estudo da Realidade” e o “Resgate de Práticas Pe- 5.º Não disse nada do currículo efetivo. Poderá
dagógicas”. Este “2º Momento” propiciou que “cada ser formulada uma quinta objeção: Ela trabalhou “ape-
comunidade” refletisse “o seu fazer cotidiano e histó- nas” com o discurso escrito dos dois currículos. Ape-
rico” e visualizasse “os principais conflitos e dificul- nas com o currículo formal, manifesto, explícito, ofi-
dades nele existentes”. Foram escolhidos então “25 cial, com aquele que é dito que se faz, ou que deve ser
Temas”, que se articularam a “4 Temáticas para serem feito. Não pesquisou o currículo oculto, o real, em ação,
aprofundados”. o implícito, aquele que costuma estabelecer distâncias
Em 2000, a Secretaria de Educação do Rio Gran- entre o pretendido pela burocracia educacional e o que
de do Sul implementou o “3º Momento da Constituin- ocorre nas escolas. Ela não desceu ao nível da prática
te Escolar”, denominado “Aprofundamento das curricular das salas de aula, nem foi às práticas coleti-
Temáticas”. Nele, houve “a devolução da sistematiza- vas da comunidade escolar do Rio Grande do Sul, que
ção do 2º Momento e discussão dos Temas e realiza a “democracia participativa” em seu Movimen-
Temáticas”, por meio do texto-base para as pré-confe- to Constituinte.
rências municipais/microrregionais da Educação (Es- Desta vez, eu confirmarei: é isto mesmo. Fiz esta
tado/RS, 2000c). Tal documento é “fruto da sistemati- “opção de método”, porque concebo “discurso”, ao
zação do ‘Aprofundamento [...]’, realizado pelas modo da teorização social e cultural contemporânea:
escolas, passando por 31 Seminários Regionais de como prática objetivadora e construcionista, disposta
Sistematização nas Delegacias de Educação e na Se- por técnicas de poder, modos de saber e efeitos de ver-
cretaria da Educação/RS e por uma sistematização em dade. Entendi o discurso curricular como tendo fun-
nível estadual”. Este texto buscou contemplar “o con- ção governamental, que inscreve formas calculadas de
junto das elaborações e proposições da comunidade ação sobre as condutas e relações de cada indivíduo e
escolar em todo o Estado” e foi discutido nas pré-con- da população, para atingir certos objetivos sociais e
ferências municipais, microrregionais e regionais. políticos. Um discurso vinculado a tecnologias de go-
O “4º Momento da CE/RS” foi o de “Definição verno, que habilitam os indivíduos a viverem tipos par-
dos Princípios e Diretrizes”, desenvolvido na “Confe- ticulares de experiências e a se tornarem determinados
rência Estadual de Educação”, realizada em Porto Ale- tipos de sujeitos. Trabalhei com tal discurso como um
gre, de 24 a 26 de agosto. Conforme o seu Regimento, dispositivo da governamentalização (neo)liberal, que
desta conferência participaram “integrantes da comu- vem transformando o campo do currículo numa nova,
nidade escolar (pais, alunos, professores e funcioná- abrangente e eficaz tática de governo do Estado, dos/as
rios), dos movimentos popular e sindical, das institui- outros/as e de cada um/a (cf. Corazza, 2000).
ções de ensino, dos órgãos públicos, das organizações 6.º Tudo errado. Por fim, um espírito mais “agu-
não-governamentais, dos fóruns setoriais, demais seg- do” poderá afirmar: está tudo errado! Não é nada dis-
mentos da sociedade civil, autoridades, convidados so. Nunca foi. Só parece que é. Ela se enganou, redon-
oficiais e observadores” (Estado/RS, 2000b, p. 8). damente. Eu só poderei retrucar: tudo bem. Apesar da
Claro que, visivelmente, os processos de formu- ênfase categórica nas semelhanças das duas propostas
lação dos PCNs e da CE/RS são diferenciados em ter- curriculares, como toda pesquisa educacional, a que
mos de representação e de participação. Mas, por isto subsidiou esta analítica também está sujeita ao
mesmo, ainda posso insistir um pouco mais ao redor questionamento e à desconstrução. De qualquer modo,
do ponto que moveu este trabalho e problematizar: (não acredito que ela possa ser uma contribuição, dentre
é, no mínimo, “estranho” que, mesmo vivendo proces- tantas possíveis, sobre sua temática e método de aná-
sos de elaboração tão distintos, os resultados lise. E, se for este o caso, que possa ser útil para um
discursivos das duas propostas apresentem tantas si- debate que, diante do que descreveu, talvez se faça
milaridades? necessário.

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O risco à risca rística do pensamento do seu aluno sobre os objetos de


aprendizagem escolar, não poderá planejar uma atua-
Mesmo em face dessas objeções, e de outras que ção adequada” (cf. Sanchez, 1997). Quem, nas facul-
nem pude imaginar, prossigo argumentando que nos- dades de educação, não acreditou ou ensinou isto al-
sas propostas curriculares atuais não estão “entre” o gum dia?
oficial e o alternativo. Estão no meio, no traço de união, Não partilho da posição que postula que fomos
no hífen de ligação. Que elas são fusão, associação, “nós”, educadores/as críticos/as, quem elaboramos os
combinação. Que nossos currículos “alternativos”, “fundamentos psicopedagógicos, socioantropológicos
produzidos em quase trinta anos de trabalho nas orga- e epistemológicos”, presentes nos PCNs. Fundamen-
nizações não-governamentais, sindicatos, movimentos tos, que nos foram expropriados. Que “elas/es” nos
sociais, escolas, vilas, universidades, estão lá, presen- tiraram, apropriaram-se, assimilaram os resultados de
tes e encravados no Currículo Nacional. E que este, nosso trabalho e acúmulos críticos. Também não é
“oficial”, está também aqui, nos currículos que orga- possível aceitar que foram “elas/es” que elaboraram e
nizamos e implementamos, e que ensinamos a organi- estabeleceram tais fundamentos no currículo oficial.
zar e a implementar. Afinal, não podem tanto. Todos/as nós fizemos, man-
Quando a equipe “que coordenou a elaboração tivemos, perpetuamos. Este é o “horror” do hibridismo
dos PCNs”, comentou “algumas das restrições feitas educacional e pedagógico, que nos constitui atualmente.
a seu trabalho”, disse que a Fundação Carlos Chagas, Este é o nosso “horror” político: descobrir que aque-
a serviço do MEC, analisou “propostas curriculares les currículos, que considerávamos “nossos”, estão
oficiais existentes em todos os Estados do Brasil, além também “capitalizados”, “globalizados”, “neolibera-
de algumas municipais” e que encontrou “uma grande lizados”. Que eles dizem a mesma coisa que aqueles
identidade entre vários currículos”, a qual foi incorpo- currículos contra os quais lutamos. Que, talvez, já te-
rada aos PCNs. Isto, conforme a equipe do MEC, re- nha chegado o tempo em que a dissipação das diferen-
futaria a crítica de que o currículo nacional não aco- ças nos leva a não saber mais quem somos, o que que-
lheu nem refletiu “movimentos ou experiências”, que remos, o que propomos. Em que a dispersão dos limites
já estavam “acontecendo na sociedade brasileira”. nos leva a não identificar mais pelo que educamos e
A equipe não se enganou. Quem, como nós, for- estudamos, pesquisamos e escrevemos, lutamos e vi-
madores de docentes para a educação fundamental, vemos.
pode negar que, neste trabalho, durante a década de
1980 e boa parte da década de 1990, não adotava, “por Avaliar o traçado
influência de uma perspectiva social e política”, uma
“proposta curricular voltada para a formação da cida- Para des-montar, des-fazer, dis-juntar o que está
dania plena”? Ou, quem pode negar que educava as/os aí, representado pelo traço de união entre currículo
educadoras/es desde “uma proposta psicopedagógica”, alternativo – currículo oficial, penso que podemos ava-
que considerava “o aluno como ser pensante” e defen- liar, no sentido nietzscheano de “criar”. Duvidar de
dia “a idéia de trabalhar com a criança, desde peque- pretensos valores educacionais em si. Questionar o
na”, com o objetivo de que ela fosse “capaz de cons- absolutismo dos valores de toda tradição educacional
truir sua autonomia”? (como a equipe do MEC afirmou. crítica, que nos formou. Afirmar a relatividade de va-
As “bases psicologizantes e cognitivistas” dos PCNs lores, tais como direitos humanos, democracia, cida-
não estavam também presentes em nossas aulas? Por dania, escolarização. Avaliar o valor de nossas ações
isso, a equipe pôde afirmar que era “verdadeira a crí- e convicções, pautadas por estes valores. Suspeitar que
tica” sobre tais bases, pois, acrescentava, se “o pro- a autonomia e a liberdade não têm valor por sua natu-
fessor não buscar compreender a natureza e a caracte- reza, mas que receberam valor um dia, e que fomos

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Currículos alternativos/oficiais

nós as/os doadoras/es. Doadores/as que forneceram Referências bibliográficas


valor e sentido às palavras que estão tanto no currícu-
lo nacional quanto na Constituinte Escolar do Rio BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental, (1997a). Parâme-
Grande do Sul; que foi nossa avaliação que atribuiu tros curriculares nacionais: apresentação dos temas transver-
valor a esses valores, e que, portanto, ao pô-los em sais, ética (1ª à 4ª série). Brasília: MEC/SEF, v. 8.
questão, poderemos propor novos princípios de ava-
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental, (1997b). Parâme-
liação.
tros curriculares nacionais: meio ambiente, saúde (1ª à 4ª sé-
Fazendo isto (por mais que doa, e “dói”), estare-
rie). Brasília: MEC/SEF, v. 9.
mos, primeiro, aceitando que estamos implicadas/os,
sim, nesse risco/traço, e correndo os riscos do BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental, (1997c). Parâme-

hibridismo político-educacional. Em segundo lugar, tros curriculares nacionais: pluralidade cultural, orientação

estaremos mais aptos/as para exercitar nossa força cria- sexual (1ª à 4ª série). Brasília: MEC/SEF, v. 10.

tiva e produzir currículos que ainda não existem, para BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental, (1998a). Parâme-
apontar nossas flechas e anseios a outras linguagens e tros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresenta-
teorias, diferentes conceitos e perspectivas, outros per- ção dos temas transversais (5ª à 8ª série). Brasília: MEC/SEF.
sonagens e planos de imanência, novos modos de fa-
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental, (1998b). Parâme-
zer pesquisa, de realizar a formação docente, de prati-
tros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino
car o currículo.
fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais
Ao exercer nossa vontade criadora, justamente
(5ª à 8ª série). Brasília: MEC/SEF.
naquilo que nos é mais difícil de superar, poderemos,
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de
quem sabe, inventar, mais uma vez, a diferença, en-
Educação Fundamental, (1998c). Referencial curricular nacio-
tão, desfazer o risco de ligação, que fez com que nos-
nal para a educação infantil. Brasília: MEC/SEF (Carta de
sos currículos deixassem de ser não-oficiais. Para isto,
Fernando Henrique Cardoso, Presidente da República).
importa perguntar se tudo o que vimos, até agora, nas
propostas curriculares, é tudo o que pode ser visto, e CORAZZA, Sandra M., (2000). Governamentalidade moral do
se tudo o que dissemos é tudo o que pode ser dito. currículo brasileiro. Porto Alegre, PPGEDU-UFRGS. 17p. (Ar-
Fabricar outros óculos e outra linguagem para ver e tigo integrante de Projeto de Pesquisa, desenvolvido com apoio
dizer as coisas e as palavras de “nossos” currículos. da PROPESQ-UFRGS e FAPERGS.) Mimeografado.
Sabendo que, se o seu traçado chegou até aqui, assim, ESTADO do Rio Grande do Sul. Secretaria da Educação, (1999).
é porque, como tal, foi criado. Se foi criado assim, Seminário estadual de sistematização. Constituinte Escolar (a
poderá ser traçado de outros modos. construção da escola democrática e popular. Atividade III, IV e
V. Esteio/RS, dez. 5p. Mimeografado.
SANDRA MARA CORAZZA é professora adjunta do De- ESTADO do Rio Grande do Sul. Secretaria da Educação, (2000a).
partamento de Ensino e Currículo e do programa de pós-gradua-
Caderno 4 da Constituinte Escolar. Sistematização do 2º Mo-
ção em educação, da Faculdade de Educação da Universidade Fe-
mento (Estudo da realidade e resgate de práticas pedagógicas).
deral do Rio Grande do Sul. Pesquisadora na área temática de pós-
Porto Alegre, abr. s.p.
currículo, diferença e subjetivação de infantis, realiza e orienta in-
vestigações que articulam as teorizações sociais e culturais con- ESTADO do Rio Grande do Sul. Secretaria de Estado da Educa-
temporâneas com os estudos de currículo, principalmente a partir ção, (2000b). Regimento da Conferência Estadual da Educa-
das filosofias da diferença. Recentemente, publicou História da ção. Porto Alegre, jun. 16p.
infância sem fim, IJUI: Ed. Unijuí, 2000; e está no prelo O que
ESTADO do Rio Grande do Sul. Secretaria de Estado da Educa-
quer um currículo? pesquisas pós-críticas em educação, Petrópolis,
ção, (2000c). Texto-base das pré-conferências municipais e
Vozes, 2001. E-mail: sandracorazza@uol.com.br
micro-regionais da Educação. Porto Alegre, jul. 22p.

Revista Brasileira de Educação 107


Sandra Mara Corazza

GERGEN, Kenneth J., (1992). El yo saturado: dilemas de la Madri: Morata. p.262-280, v.1, Congreso Internacional de
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SARUP, Madan, (1995). Hogar, identidad y educación. In: Vários.
rigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica.
Volver a pensar la educación: política, educación y sociedad.

108 Maio/Jun/Jul/Ago 2001 Nº 17


Currículos alternativos/oficiais

ANEXO I “Esperamos que os Parâmetros sirvam de apoio às


discussões e ao desenvolvimento do projeto educativo de
sua escola, à reflexão sobre a prática pedagógica, ao plane-
1 – Duas cartas jamento de suas aulas, à análise e seleção de materiais di-
dáticos e de recursos tecnológicos e, em especial, que pos-
Importância do currículo sam contribuir para sua formação e atualização profissional”
(Brasil, 1998b, p. 5).
“A Secretaria de Estado da Educação, através deste
documento, propõe à comunidade educacional gaúcha o Processo de avanços
debate, o aprofundamento e a reflexão em torno de um tema
de indiscutível importância para a educação brasileira e “Na busca deste Padrão Referencial de Currículo,
riograndense: o currículo escolar” (Estado/RS, 1999, p. 4). muitos passos foram dados. Dentre eles, destaca-se a pro-
“O papel fundamental da educação no desenvolvimen- posta de Reconstrução Curricular [...]. Esta caminhada pro-
to das pessoas e das sociedades amplia-se [...] e aponta para duziu avanços na prática pedagógica de muitos professo-
a necessidade de se construir uma escola voltada para a res, avanços estes que se deseja estendidos a todas as escolas.
formação de cidadãos. [...] Tal demanda impõe uma revi- Além disso, é de considerar as produções realizadas nos últi-
são dos currículos, que orientam o trabalho cotidianamente mos anos, no que se refere a conteúdos mínimos, seja de âmbi-
realizado pelos professores e especialistas em educação do to estadual, municipal ou privado” (Estado/RS, 1999, p. 4).
nosso país” (Brasil, 1998b, p. 5). “Os documentos apresentados são o resultado de um
longo trabalho que contou com a participação de muitos
Entrega do ponto de partida educadores brasileiros e tem a marca de suas experiências
e de seus estudos, permitindo assim que fossem produzidos
“Ao submeter, agora, à comunidade educacional gaú- no contexto das discussões pedagógicas atuais” (Brasil,
cha e, em especial, aos nossos educadores, o resultado des- 1998b, p. 5).
se trabalho, ressaltamos, por oportuno, ainda, a circunstân-
cia de ser ele, na verdade, um ponto de partida para que, Revisão periódica do todo
juntos, possamos construir um novo tempo para a educa-
ção no Rio Grande do Sul” (Estado/RS, 1999, p. 4). “Enfatiza-se, ainda, que na formalização deste docu-
“[...] é com imensa satisfação que entregamos aos pro- mento, esta Secretaria teve como propósito reunir, resgatar
fessores [...] os Parâmetros Curriculares Nacionais, com a e recompor num todo, harmônico e objetivo, não só os pas-
intenção de ampliar e aprofundar um debate educacional sos de muitos que nos precederam nesta jornada, mas tam-
que envolva escolas, pais, governos e sociedade e dê ori- bém os estudos e formulações pertinentes às áreas de edu-
gem a uma transformação positiva no sistema educativo cação e currículo produzidos por seu Departamento
brasileiro” (Brasil, 1998b, p. 5). Pedagógico” (Estado/RS, 1999, p. 4).
“As críticas e sugestões apresentadas contribuíram
Esperanças para a elaboração da atual versão, que deverá ser revista
periodicamente, com base no acompanhamento e na ava-
“Espera-se que o mesmo se constitua num instrumen- liação de sua implementação” (Brasil, 1998b, p. 5).
to de encontro, a partir do qual, professores, alunos, espe-
cialistas possam construir, coletiva e democraticamente, a Esforços do MEC
educação que queremos, e cuja consecução passa hoje, ne-
cessariamente, pelo estabelecimento de um Padrão Refe- “Salienta-se, também, o esforço do Ministério da Edu-
rencial de Currículo” (Estado-RS, 1999, p. 4). cação e do Desporto para o estabelecimento dos Parâme-

Revista Brasileira de Educação 109


Sandra Mara Corazza

tros Curriculares Nacionais, com o intuito de subsidiar to- garantia de permanência e aprendizagem, na Escola Públi-
das as escolas brasileiras, no que se refere a um programa ca, independente da faixa etária, etnia, gênero, opção se-
básico comum de conhecimentos, como a própria denomi- xual ou condição social” (Estado/RS, 2000c, p. 11).
nação caracteriza” (Estado/RS, 1999, p. 4). “Essa escola deve garantir a qualidade social da edu-
“Inicialmente foram elaborados documentos, em ver- cação, assegurando a aprendizagem para todos, [...] (Esta-
sões preliminares, para serem analisados e debatidos por pro- do/RS, 1999, p. 2).
fessores que atuam em diferentes graus de ensino, por espe- “[...], cabe ao Poder Público garantir ensino de quali-
cialistas da educação e de outras áreas, além de instituições dade para todos” (Estado/RS, 2000a, s.p.).
governamentais e não governamentais” (Brasil, 1998b, p. 5). “[...] meta de qualidade orientará o objetivo de contri-
buir para tornar a instituição educacional um espaço dinâ-
2 – Educação inclusiva mico e vivo, no qual as crianças alcancem o desenvolvi-
mento integral de suas personalidades, crescendo como
“Até hoje é uma sociedade [...] marcada por relações cidadãos cujos direitos são reconhecidos e respeitados”
sociais hierarquizadas e por privilégios que reproduzem um (Brasil, 1998c, Carta).
altíssimo nível de desigualdade, injustiça e exclusão social. “[...] uma educação básica voltada para a cidadania.
Na medida em que boa parte da população [...] não tem Isso não se resolve apenas garantindo a oferta de vagas,
acesso a condições de vida digna, encontra-se excluída da mas sim oferecendo-se um ensino de qualidade, ministrado
plena participação nas decisões que determinam os rumos por professores capazes de incorporar ao seu trabalho os
da vida social [...]. É nesse sentido que se fala de ausência avanços das pesquisas nas diferentes áreas de conhecimen-
de cidadania, cidadania excludente ou regulada, [...] (Bra- tos e de estar atentos às dinâmicas sociais e suas implica-
sil, 1997a, p. 21). ções no âmbito escolar” (Brasil, 1998b, p. 9).
“[que] a educação se posicione na linha de frente da “[...] uma educação de qualidade, que garanta as apren-
luta contra as exclusões, contribuindo para a promoção e dizagens essenciais para a formação de cidadãos autôno-
integração de todos os brasileiros, voltando-se à construção mos, críticos e participativos” (Brasil, 1998b, p. 21).
da cidadania, não como meta a ser atingida num futuro dis-
tante, mas como prática efetiva” (Brasil, 1998b, p. 21). 4 – Democracia
“[...] o aprofundamento do Capitalismo [...] e com o
avanço e a concentração tecnológica, com a especulação “[...] a democracia é uma forma de sociabilidade que
financeira, a exploração e o desrespeito aos direitos, [...], penetra em todos os espaços sociais” (Brasil, 1997a, p. 20).
levaram a uma situação de miserabilidade setores tão sig- “[É] responsabilidade de todos a construção e a am-
nificativos da população, que o modelo de regulação social pliação da democracia no Brasil” (Brasil, 1997a, p. 23).
não mais sustenta e mantém a submissão do conjunto da “[...] a Democracia em nível político e social [...] deve
população” (Estado/RS, 2000a, s.p.) ser um regime político em que há condições efetivas de so-
“Educação como um direito de todos os cidadãos e cialização do poder” (Estado/RS, 2000a, s.p.).
cidadãs, enfatizando principalmente a situação daqueles que, “[...] que tem na democratização da escola seu eixo
ao longo da história, tiveram este direito negado, não con- central, do qual deriva o compromisso político com a
seguindo sequer entrar na escola ou que foram dela excluí- viabilização de um intenso projeto participativo para con-
dos” (Estado/RS, 2000c, p. 5). cretizar um ensino de qualidade social, vinculado à realida-
de e articulado com o projeto de desenvolvimento para o
3 – Educação de qualidade Brasil” (Estado/RS, 2000a, s.p.).
“Democratizar o ensino significa [...] assumir a edu-
“A educação de qualidade social, direito de todos e cação pública como um direito de todos os cidadãos e um
dever do Estado, passa pela democratização do acesso e dever do Estado” (Estado/RS, 2000a, s.p.).

110 Maio/Jun/Jul/Ago 2001 Nº 17


Currículos alternativos/oficiais

“Democratizar é construir participativamente um pro- “[...] necessidade de garantir a todos a mesma digni-
jeto de educação de Qualidade Social” [...] (Estado/RS, dade e possibilidade de exercício de cidadania” (Brasil,
2000a, s.p.). 1997b, p. 22).

5 – Cidadania 6 – Participação

“Durante décadas, as camadas populares tiveram sua “[...] cidadão [...], criador de direitos, condição que
participação reduzida à eleição de representantes políticos lhe possibilita participar da gestão pública” (Brasil, 1997a,
[...]. Consolidou-se assim a Democracia Representativa, p. 21).
cujo exercício do poder é delegado a algumas pessoas elei- “[...] partilhar com os poderes públicos e diferentes
tas, [...] entendemos que a ampliação e o aprofundamento grupos sociais, organizados ou não, a responsabilidade pe-
da Democracia exigem que todos participem efetivamente los destinos da vida coletiva” (Brasil, 1997a, p. 23).
das decisões tomadas para o conjunto da sociedade” (Esta- “Participação. Como princípio democrático, traz a
do/RS, 2000a, s.p.). noção de cidadania ativa, [...]. É, nesse sentido, responsa-
[Propõe-se] “a construção de uma escola voltada para bilidade de todos a construção e a ampliação da democra-
o exercício pleno da cidadania em todos os níveis e modali- cia no Brasil” (Brasil, 1998a, p. 21).
dades de ensino” (Estado/RS, 1999, p. 2). “[...] compreender a cidadania como participação so-
“O compromisso com a construção da cidadania [...], cial e política, assim como exercício de direitos e deveres
eixo vertebrador da educação escolar” (Brasil, 1997a, p. 15). políticos, civis e sociais [...]” (Brasil, 1997a, p. 7).
“Como princípio democrático, traz a noção de cidada- “[...] mostrar a importância da participação da co-
nia ativa, isto é, da complementaridade entre a representa- munidade na escola, de forma que o conhecimento apren-
ção política tradicional e a participação popular no espaço dido gere maior compreensão, integração e inserção no
público [...]” (Brasil, 1997a, p. 22). mundo; a prática escolar comprometida com a interde-
“[...] noção de cidadania ativa, que tem como ponto pendência escola-sociedade tem como objetivo situar
de partida a compreensão do cidadão como portador de di- as pessoas como participantes da sociedade (cidadãos)
reitos e deveres, mas que também o vê como criador de desde o primeiro dia de sua escolaridade” (Brasil, 1998b,
direitos participando na gestão pública” (Brasil, 1997a, p. 10).
p. 21). “As políticas públicas educacionais [...] devem ser
“O exercício da cidadania, que pressupõe a participa- construídas com a participação da comunidade escolar”
ção política de todos na definição de rumos que serão assu- (Estado/RS, 2000c, p. 11).
midos [...], e que se expressa na escolha de representantes “Fortalecimento da participação da comunidade na
políticos e governantes, mas também na participação em escola e da escola na comunidade, qualificando a integra-
movimentos sociais, no envolvimento com temas e ques- ção escola-família-sociedade” (Estado-RS, 2000c, p. 8).
tões [...] em todos os níveis da vida cotidiana [...]” (Brasil, “Construção de um processo participativo de tomada
1998a, p. 21). de decisões administrativas, financeiras e pedagógicas [...]”
“O papel fundamental da educação no desenvolvimen- (Estado/RS, 2000c, p. 8).
to das pessoas e das sociedades [...] aponta para a necessi- “Escola como espaço coletivo de construção de direi-
dade de se construir uma escola voltada para a formação de tos e deveres (ética, valores, cidadania, responsabilidade),
cidadãos” (Brasil, 1998b, p. 5). de exercício de democracia participativa, diálogo, justiça e
“[...] plenitude da cidadania para todos” (Brasil, 1997c, igualdade” (Estado-RS, 2000c, p. 8).
p. 21). “Educação como processo participativo de construção
“[...] o exercício da cidadania numa sociedade demo- e apropriação do conhecimento e de tecnologias para trans-
crática” (Brasil, 1997a, p. 65). formação da sociedade” (Estado/RS, 2000c, p. 13).

Revista Brasileira de Educação 111


Sandra Mara Corazza

“Participação da comunidade na construção de uma “A conquista de significativos direitos sociais, nas re-
educação e escola comprometidas com o desenvolvimento lações de trabalho, previdência social, saúde, educação e
social” (Estado/RS, 2000c, p. 13). moradia, amplia a concepção restrita de cidadania. Os mo-
“Participação popular como método de gestão das vimentos sociais revelam as tensões que expressam a desi-
políticas públicas na área de educação, estimulando e ga- gualdade social e a luta pela crescente eqüidade na partici-
rantindo condições para a construção coletiva da educação pação ou ampliação dos direitos, assim como da relação
que queremos” (Estado-RS, 2000a, s.p.). entre os direitos individuais e os coletivos e da relação en-
tre os direitos civis, políticos, sociais e econômicos com os
7 – Movimentos sociais Direitos Humanos” (Brasil, 1998a, p. 20).

“[...] novos sujeitos políticos se constróem, enquanto 8 – Pluralidade cultural


agentes de pressão por mudança: os sujeitos coletivos, que
passam a buscar o direito de reivindicar direitos, que se “[...] conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio
propõem a construir uma sociedade que responda aos inte- sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais
resses dos trabalhadores. Esses sujeitos são os Movimen- de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer
tos Sociais Populares” (Estado/RS, 2000a, s.p.). discriminação baseada em diferenças culturais, de classe
“A própria luta por Educação, por escolas, por exem- social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras característi-
plo, o exercício desse direito de reivindicar direitos, cons- cas individuais e sociais” (Brasil, 1997a, p. 7).
trói nos sujeitos nova visão de sociedade, novas formas de “[...] aprender a viver com os outros, que consiste em
relação entre si, uma cultura política onde os trabalhadores desenvolver a compreensão do outro e a percepção das
se identificam, efetivamente, enquanto sujeitos históricos” interdependências, na realização de projetos comuns, pre-
(Estado/RS, 2000a, s.p.). parando-se para gerir conflitos, fortalecendo sua identidade
“[...] a cidadania deve ser compreendida como produ- e respeitando a dos outros, respeitando valores de pluralis-
to de histórias sociais protagonizadas pelos grupos sociais, mo, de compreensão mútua e de busca da paz” (Brasil,
sendo, nesse processo, constituída por diferentes tipos de 1998b, p. 17).
direitos e instituições” (Brasil, 1998a, p. 19). “Respeito à diversidade cultural, étnica, de gênero e
“Novos atores, novos direitos, novas mediações e no- opção sexual, religiosa e política” (Estado/RS, 2000c, p. 8).
vas instituições redefinem o espaço das práticas cidadãs, “A educação de qualidade social, direito de todos e
propondo o desafio da superação da marcante desigualda- dever do Estado, passa pela democratização do acesso e
de social e econômica da sociedade brasileira, com sua con- garantia de permanência e aprendizagem, na Escola Públi-
seqüência de exclusão de grande parte da população na ca, independente da faixa etária, etnia, gênero, opção se-
participação dos direitos e deveres” (Brasil, 1998a, p. 20). xual ou condição social” (Estado/RS, 2000c, p. 11).
“Igualdade de direitos [...]. Para tanto há que se consi-
derar o princípio da eqüidade, isto é, que existem diferen- 9 – Direitos humanos, valores humanistas
ças (étnicas, culturais, regionais, de gênero, etárias, reli-
giosas, etc.) e desigualdades (socio-econômicas) que “Educação como base do desenvolvimento social, que
necessitam ser levadas em conta para que a igualdade seja tem como centro o ser humano” (Estado/RS, 2000c, p. 13).
efetivamente alcançada” (Brasil, 1997a, p. 22). “Valorização da vida com qualidade social e condição
“Co-responsabilidade pela vida social. Implica parti- digna de existência para todos” (Estado/RS, 2000c, p. 13).
lhar com os poderes públicos e diferentes grupos sociais, “Educação fundada em valores humanistas (solidarie-
organizados ou não, a responsabilidade pelos destinos da dade, justiça social, honestidade, responsabilidade e res-
vida coletiva” (Brasil, 1997a, p. 23). peito), como condição da construção social do conhecimen-
to” (Estado/RS, 2000c, p. 9).

112 Maio/Jun/Jul/Ago 2001 Nº 17


Currículos alternativos/oficiais

“Dialogicidade como um princípio ético-existencial de “Educação libertadora, formadora de sujeitos críticos


um projeto humanista e solidário, respeitador das diferen- e transformadores da realidade na perspectiva da construção
ças e da pluralidade de visões de mundo, porém crítico e de uma sociedade mais justa” (Estado/RS, 2000c, p. 8).
propositivo perante as desigualdades e injustiças sociais” “[...] formar sujeitos que façam da prática da justiça,
(Estado/RS, 2000a, s.p.). da liberdade, do respeito humano, das relações fraternas
“Nessa prática de luta por direitos, de organização e entre homens e mulheres e da convivência harmônica com
mobilização dos trabalhadores, encontramos uma nova for- a natureza, o centro de suas preocupações” (Estado/RS,
ma de relação entre a Educação e a construção do ser hu- 2000a, s.p.).
mano” Estado/RS, 2000a, s.p.). “[que a escola] seja um espaço de práticas, de exercí-
“Possibilita [...] que seja resgatado o papel de cada cio e de conquista de direitos, de formação de sujeitos his-
um enquanto sujeito do mundo que construímos a cada dia, tóricos, autônomos, críticos e criativos, cidadãos plenos,
e a partir do nosso dia-a-dia” (Estado/RS, 2000a, s.p.). identificados com os valores éticos e voltados à construção
“[...] reafirmamos o nosso compromisso com o apro- de um projeto social solidário” (Estado/RS, 2000a, s.p.).
fundamento do caráter humanista da escola, [...]” (Estado/ “Concebemos a educação como um processo de for-
RS, 2000a, s.p.). mação e desenvolvimento da pessoa, que interage indivi-
“Dignidade da pessoa humana. Implica em respeito aos dual e coletivamente, [...]” (Estado/RS, 2000a, s.p.).
direitos humanos, repúdio à discriminação de qualquer tipo,
acesso a condições de vida digna, respeito mútuo nas relações 11 – Construção do conhecimento
interpessoais, públicas e privadas” (Brasil, 1998a, p. 21).
“[...] adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidarieda- “[...] participação efetiva das camadas populares como
de, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro sujeitos de um processo de produção de conhecimento e, ao
e exigindo para si o mesmo respeito” (Brasil, 1997a, p. 5). mesmo tempo, de definições de políticas públicas” (Esta-
do/RS, 2000a, s.p.).
10 – O sujeito da educação “Conhecimento universal compreendido como um di-
reito de todos, construído coletivamente como processo de
“[...] demanda uma educação de qualidade, que ga- desvelamento, apreensão e transformação da realidade e
ranta as aprendizagens essenciais para a formação de cida- mediado pelo contexto histórico-social” (Estado/RS, 2000c,
dãos autônomos, críticos e participativos, capazes de atuar p. 9).
com competência, dignidade e responsabilidade na socie- “Construção do conhecimento comprometido com a
dade em que vivem e na qual esperam ver atendidas suas transformação social, referenciado na realidade histórica,
necessidades individuais, sociais, políticas e econômicas” em interação com os diferentes saberes e valorização da
(Brasil, 1998b, p. 21). cultura popular” (Estado-RS, 2000c, p. 9).
“Aprender a ser, para melhor desenvolver sua perso- “Prática educativa democrática, participativa e dialó-
nalidade e poder agir com autonomia, expressando opiniões gica como pressuposto do processo de construção social do
e assumindo as responsabilidades sociais” (Brasil, 1998b, conhecimento” (Estado/RS, 2000c, p. 9).
p. 17). “Questionar a realidade formulando-se problemas e
“Posicionar-se de maneira crítica, responsável e cons- tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento
trutiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálo- lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise
go como forma de mediar conflitos e de tomar decisões co- crítica, selecionando procedimentos e verificando sua ade-
letivas” (Brasil, 1997a, p. 7). quação” (Brasil, 1997a, p. 8).
“Educação como processo permanente de formação “ O compromisso com a construção da cidadania pede
de sujeitos autônomos, com posição crítica frente às desi- necessariamente uma prática educacional voltada para a
gualdades e injustiças sociais” (Estado/RS, 2000c, p. 13). compreensão da realidade social e dos direitos e responsa-

Revista Brasileira de Educação 113


Sandra Mara Corazza

bilidades em relação à vida pessoal, coletiva e ambiental” formação e qualificação, ingresso exclusivamente por con-
(Brasil, 1997a, p. 15). curso público e garantia de condições dignas de trabalho,
“Aprender a conhecer, que supõe saber selecionar, remuneração e carreira” (Estado/RS, 2000a, s.p.).
acessar e integrar os elementos de uma cultura geral, [...], com “A construção do conhecimento como processo cole-
o trabalho em profundidade de alguns assuntos, com espírito tivo e constante pressupõe a formação permanente dos/as
investigativo e visão crítica [...]” (Brasil, 1998b, p. 17). trabalhadores/as em educação” (Estado/RS, 2000c, p. 9).
“Qualificação e formação de trabalhadores em educa-
12 – Recursos tecnológicos ção para o atendimento às diversidades, democratizando o
acesso à educação” (Estado/RS, 2000c, p. 11).
“[...] apontar a necessidade do desenvolvimento de tra- “[...] valorizar os trabalhos dos docentes como produ-
balhos que contemplem o uso das tecnologias da comuni- tores, articuladores, planejadores das práticas educativas e
cação e da informação, para que todos, alunos e professo- como mediadores do conhecimento socialmente produzi-
res, possam delas se apropriar e participar, bem como do; destacar a importância de que os docentes possam atuar
criticá-las e/ou delas usufruir” (Brasil, 1998b, p. 11). com a diversidade existente entre os alunos e com seus co-
“[...] saber utilizar diferentes fontes de informação e nhecimentos prévios, como fonte de aprendizagem de con-
recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimen- vívio social e como meio para a aprendizagem de conteú-
tos” (Brasil, 1997a, p. 8). dos específicos” (Brasil, 1998b, p. 11).
“O acesso às tecnologias [...] deve possibilitar a qua- “Para desenvolver sua prática os professores precisam
lificação e inclusão social” (Estado-RS, 2000c, p. 11). [...] desenvolver-se como profissionais e como sujeitos crí-
“Políticas públicas que garantam recursos tecnológi- ticos na realidade em que estão, isto é, precisam poder si-
cos, humanos e financeiros para o enriquecimento e quali- tuar-se como educadores e cidadãos, e, como tais, partici-
ficação do processo ensino-aprendizagem” (Estado/RS, pantes do processo de construção da cidadania, de
2000c, p. 11). reconhecimento de seus direitos e deveres, de valorização
“Educação como processo participativo de construção profissional” (Brasil, 1997a, p. 52).
e apropriação do conhecimento e de tecnologias para trans- “Para o professor a escola [...] é lugar de possibilida-
formação da sociedade” (Estado/RS, 2000c, p. 13). de de construção de relações de autonomia, de criação e
recriação de seu próprio trabalho, de reconhecimento de si,
13 – Professores/as que possibilita redefinir sua relação com a instituição, com
o Estado, com os alunos, suas famílias e comunidades”
“[...] é fundamental a valorização profissional dos tra- (Brasil, 1997a, p. 53).
balhadores em educação, o que implica [...] em política de

114 Maio/Jun/Jul/Ago 2001 Nº 17


Resumos/Abstracts

The appropriations of Pierre movida pelo governo do estado do Rio


Sandra Mara Corazza
Bourdieu’s work in the brazilian Grande do Sul (BR). Traz contribui-
educational field Currículos alternativos/oficiais: o(s) ções de pesquisadores em educação
Based on research carried out in 20 risco(s) do hibridismo popular para interpelar os sujeitos (em
specialised educational periodicals, O artigo enfatiza similaridades discur- particular os movimentos sociais po-
published between 1971 and 2000, the sivas entre os PCNs do Ministério da pulares e as instituições estatais) e
present text analyses the forms of Educação do Brasil, tidos como currícu- discutir a metodologia utilizada neste
appropriation from Pierre Bourdieu’s lo oficial, e o Movimento Constituinte processo de reformulação curricular.
work in the field of Brazilian Escolar do governo petista do Rio Enfatiza a importância da perspectiva
education. The set of 355 articles Grande do Sul, proposto como currículo complexa para se compreender os li-
published in those periodicals that alternativo. Reflete sobre o que vem mites e as possibilidades de um pro-
make reference to the sociologist acontecendo com nossos currículos al- cesso oficial que pretende promover,
constitutes the basic corpus for the ternativos críticos, que acabam propon- paradoxalmente, a inserção dos movi-
analysis of the peculiarities of the do quase a mesma educação que a do mentos sociais alternativos na formu-
Brazilian interpretations of this Governo Federal. Argumenta que, em lação e no controle das diretrizes cur-
author. função desse hibridismo, precisamos riculares da escola pública.
desfazer o risco de ligação, produzir e
Between the official and the
praticar currículos que ainda não exis-
Marcus Vinicius da Cunha alternative in curricular proposals:
tem, inventar mais uma vez a diferença.
John Dewey e o pensamento educa- beyond hybridism
Alternative-official curricula: the The text discusses the relationship
cional brasileiro: a centralidade da
risk(s) of hybridism between the official and the
noção de movimento
The article stresses the discursive alternative discourse used in the
O trabalho analisa artigos publicados
similarities between the National School Assembly (1999-2000),
em periódicos educacionais brasileiros
Curricula Parameters (PCN) sponsored by the state government of
entre 1930 e 1960, cujos temas são
established by the Brazilian Ministry Rio Grande do Sul, in the south of
educação, democracia, filosofia, ciên-
of Education, considered the official Brazil. It presents contributions from
cia e verdade, entre outros, desenvol-
curriculum, and the School Assembly researchers in the field of Popular
vidos segundo concepções de Dewey.
Movement inspired by the Workers’ Education with the purpose of inciting
Em todos, ocupam posição central as
Party state government in Rio Grande the subjects (specifically the popular
noções de mudança e transformação,
do Sul, proposed as an alternative social movements and state
em oposição a estabilidade, fixidez e
curriculum. It discusses what has been institutions) to reflect upon their
permanência. O objetivo é mostrar a
happening with our critical practices and to discuss the
relevância da noção de mundo em mo-
alternative curricula which end up methodology employed in this process
vimento, tanto para os brasileiros
proposing almost the same education of curriculum reform. It also
quanto para Dewey.
as that of the Federal Government. It emphasizes the significance of the
John Dewey and the brazilian forwards the argument that, as a complex perspective for understanding
educational thinking: the main consequence of this hybridism, we the limits and possibilities of an
position of the concept of change need to dispel the ambiguity, by official process aimed at promoting,
This paper analyses some articles producing and putting into practice paradoxically, the participation of the
published by educational journals in curricula which do not yet exist and to alternative social movements in the
Brazil between 1930 and 1960, whose invent once more the difference. formulation and control of curricular
subjects are education, democracy,
guidelines for the state school.
philosophy, science, truth and others,
Reinaldo Matias Fleuri
developed according to Dewey’s ideas.
In all of them, the main concept is the Entre o oficial e o alternativo em Creso Franco
transformation of things, in propostas curriculares: para além O SAEB - Sistema de Avaliação da
opposition to steady. The central do hibridismo Educação Básica: potencialidades,
intent is to show the change of world O texto discute a relação entre o ofi- problemas e desafios
like a key concept to the brazilian cial e o alternativo no discurso da Baseado em contribuição preparada no
authors, as such as to Dewey. Constituinte Escolar (1999-2000), pro- contexto da Comissão de Especialistas,

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