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Universidade Federal de Goiás – Regional Goiás

Unidade Acadêmica Especial de Ciências Sociais Aplicadas


Teorias e Histórias da Arquitetura e Urbanismo III

Beatriz Vieira dos Santos


Isadora Souza Medeiros
Thaiz Amorim Tomaz

RESUMO EXPANDIDO: AS EXPANSÕES URBANAS OCORRIDAS NA CIDADE DO


RIO DE JANEIRO NO SÉCULO XIX

Goiás/2021
A Cidade do Rio de Janeiro, cenário de importantes livros da literatura brasileira do
século XIX, como Dom Casmurro de Machado de Assis, A luneta mágica de Joaquim Manuel
de Macedo, O cortiço de Aluísio Azevedo e tantas outras histórias, momentos e paisagens foi
fundada segundo Andreatta, (2006, p.24) no ano de 1567 em uma região estratégica para a
criação de cidades coloniais, já que se encontrava protegida por grandes escarpas, que a
separava do mar aberto. Ali se desenvolveu uma cidade portuária e fortificada, na qual se
exportava os principais produtos da economia colonial brasileira, o café, ouro e açúcar. Dessa
forma, não era apenas centro das decisões políticas, mas também o principal porto de
exportação e importação do país, o que consequentemente atraia os olhares para a vida na
cidade. (PEREIRA, 1995, p. 70)
A cidade sofreu um grande crescimento populacional a partir da chegada da família
real, no ano de 1808, quando fugia das invasões de Napoleão Bonaparte, sendo, portanto, até
1821 sede da monarquia portuguesa. A vinda da família real reorganiza os modos de se pensar
a cidade, dando início a sua transformação. (CARVALHO, 2014, p. 56).
A população cresceu de maneira significativa neste período; em
1808 contava com 60.000 habitantes; em 1817, 110.000; em 1821, 112.000;
em 1817, 110.000; em 1821, 112.000; em 1835, 137.000, até apresentar no
recenseamento de 1849, feito por Haddock Lobo, 226.196 habitantes, sendo
60.290 nas paróquias rurais e 205.906 nas oito paroquias urbanas. Na
população urbana, 51,2% correspondiam à população livre (127.051
habitantes) e 48,8% à população escrava (78.855 habitantes), enquanto na
população rural 52,2% correspondiam à população escrava (31.477
habitantes) e 47,8% à população livre (28.813 habitantes). (PEREIRA, 1995,
p. 70)

Com o crescimento demográfico a cidade se expandiu. Nesse sentido, Andreatta


(2006, p. 24) relata que entre as cadeias montanhosas que circundavam a cidade, o espaço era
quase que completamente pantanoso, o que ocasionou a dessecação dos pântanos e
manguezais, localizados a oeste da cidade. Já em 1808, algumas dessas lagoas e pântanos já
haviam desaparecido.
"As realizações da Época imperial supuseram um salto de escala na
cidade e significaram a introdução das infra-estruturas próprias do novo tipo
de cidade configurado com a revolução industrial. A expansão do Rio se deu
principalmente em direção ao Campo de Santana e à Cidade Nova, ocupando
pouco a pouco todo o espaço pantanoso limitado pela serra da Carioca e o
mar; e saltando, mais adiante, até o Campo de São Cristóvão e à Quinta da
Boa Vista, até chegar aos terrenos do Engenho Velho, onde começou a se
formar o bairro da Tijuca. A cidade também se estendeu pela costa para o sul,
sobre os bairros de Glória, Laranjeiras e Botafogo." (ANDREATTA, V.
2006, p. 28)

Segundo Andreatta (2006), nenhuma transformação significativa nos aspectos


urbanísticos se observou até a primeira metade do século 19, principalmente devido às
tribulações ocorridas pela vinda da Família Real e os movimentos separatistas vivenciados no
período de mudança da capital do império. Além de aspectos internacionais ocorridos no
mesmo período, tais como a revolução inglesa, independência dos Estados Unidos, auge da
revolução Francesa e independência de alguns países latino americanos. Assim, Andreatta
(2006) ainda explicita que até a consolidação do Rio de Janeiro moderno por D. Pedro
Segundo e da nova classe burguesa, as mudanças observadas na capital se detiveram aos
aspectos externos das edificações, no incremento na quantidade e qualidade do comércio, e ao
início da expansão desordenada da cidade.    
Contudo, ainda sobre a primeira metade do século 19, é importante salientar que
segundo Pereira (1995), o Rio de Janeiro teve dois vetores de expansão, um no sentido norte,
em direção a Freguesia do Engenho Velho, pelo fato de abrigar a família real e os principais
equipamentos públicos e administrativos do período. E outro no sentido sul em direção a
Botafogo, na qual abrigava uma elite que possuía o poder de mobilidade e se deslocava do
centro para a região sul, evidenciando o movimento de valorização da natureza iniciada pelo
romantismo e que “adquire a conotação de signo de qualificação social”.
Em 1843, o Visconde de Beaurepaire-Rohan apresenta na Câmara Municipal o livro
“O relatório de Obras” que programava a abertura e pavimentação de cerca de 50 ruas e
praças planejadas de acordo com uma estrutura urbana que deveria servir para a expansão ao
oeste, para além do Campo do Santana, um dos pontos de centralidade da cidade
(ANDREATTA, 2006).
Segundo Carvalho (2014), o relatório de Beaurepaire era dividido em duas partes,
sendo elas, “salubridade e aformoseamento da cidade” e entre suas principais propostas estava
“a solução para a questão do esgotamento sanitário através da adoção do padrão europeu,
construção de encanamentos para abastecimento de água, canal de navegação e desmonte do
morro do Castelo”. Para as questões vinculadas ao “aformoseamento”, dedica-se a Cidade-
Velha, com propostas de extensão dos quarteirões e altura das edificações, além de propor
também o adequado caimento das calçadas, que possibilitaria o adequado escoamento da
água.
Este é considerado o primeiro plano do Rio de Janeiro, e contava com surpreendente
projeto de drenagem, além de uma preocupação com a saúde e higiene pública dos usuários.
Apesar de não ter sido consolidado, o plano possui como influência as malhas renascentistas
das cidades hispano-americanas e o movimento higienista e de saúde pública que se
perpetuava pela Europa (ANDREATTA, 2006).
A cidade do Rio de Janeiro era considerada insalubre, muito devido ao esgoto que era
despejado a céu aberto. Ademais, a classe trabalhadora, se adensava nas freguesias urbanas
centrais, onde moravam e trabalhavam. Nesse cenário, surge em 1850 a primeira grande
epidemia de febre amarela. Nesse período de grandes transformações sociais devido a
introdução do bonde de burro, do trem a vapor e da crescente influencia da opinião pública
que era favorável aos diversos tipos de melhoria, que pudesse transformar a capital do
império, que era insalubre em um local salubre e moderno surge a Comissão de
Melhoramento da Cidade do Rio de Janeiro, composta por Francisco Pereira Passos, Jeronimo
Rodrigues e Marcelino Ramos. (CARVALHO, 2014, p. 61)
Segundo Andreatta, (2006) foi somente em 1875 e 1876 com a publicação dos dois
relatórios dessa comissão que as novas técnicas urbanísticas elaboradas por Hausmann foram
de fato incorporadas, possuindo três blocos temáticos principais: saneamento, estrutura viária,
e valorização de áreas de expansão.  Outros dois aspectos desse plano que se assemelham a
Hausmann e as tendências europeias são o alinhamento e normatização das edificações
construídas, e a programação de grandes operações urbanas a cargo do setor privado pelo
regime de concessão, com desapropriação de imóveis privados em prol do planejamento.  
Devido também à influência francesa de Hausmann, as preocupações com espaços
livres, circulação e ventilação começaram a fazer parte da expansão do tecido urbano do Rio
de Janeiro no século 19, contudo tal fato gerou um enfraquecimento da relação centro - cidade
pré estabelecida, criando, portanto, a necessidade dos subcentros na cidade. Esses núcleos
subsequentes derivaram em suma dos marcos cívicos e religiosos, importantes vetores de
expansão urbana. 
As igrejas e construções de cunho religioso, apresentavam um forte domínio na
paisagem urbana devido a sua quantidade em relação aos prédios estatais e cívicos do período,
o que refletia a estrutura social vigente onde a Igreja tinha uma função de poder muito forte
em relação ao Estado recém influenciado pelos ideais iluministas, pois a estrutura social
permanece a mesma (PEREIRA, 1995). Entre as construções religiosas desse período podem
se citar a Capela dos Terceiros do Carmo, Nossa Senhora Mãe dos Homens e o Santo
Francisco da Penitência. São Francisco de Paula, São Gonçalo Coreia, Senhor dos Passos,
Nossa Senhora da Conceição do Cônego, Santana, Santa Teresa, e o Seminário São Joaquim.
As igrejas em suma possuíam um estilo Barroco e Rococó em sua arquitetura, característico
do século 18, o que evidencia um importante revivalismo presente durante o século 19.
(PEREIRA, 1995)
Com a acentuação da presença da Família Real e da coroa portuguesa, a quantidade de
prédios civis aumentou gradativamente no cenário urbano do Rio de Janeiro. Entre eles é
importante ressaltar “a nova Santa Casa de Misericórdia, construída por Domingos Monteiro.
Joaquim Cândido Guilhobel e José Mário Jacinto Rabelo... de 1840 a 1852; o Teatro São
Pedro de Alcântara; o Teatro São Januário; os Correios.: a segunda Praça do Comércio,
construída por Grandjean de Montigny; o Mercado; a Escola Militar, projeto de Pierre Joseph
Pézerat de 1826; o Hotel Pharoux” (PEREIRA, 1995). Devido principalmente à Academia
Imperial de Belas Artes, tais exemplares construtivos seguram um estilo arquitetônico
neoclássico, com algumas referências do período colonial ainda muito marcante. 

Se a arquitetura religiosa continuava praticamente a mesma do


século anterior, os prédios civis continuaram também fiéis a uma tradição de
despojamento que vinha dos tempos coloniais. A preferência por volumetrias
simples e por planos integrados será agora acrescida por um vocabulário
mais ortodoxo, tirado dos cânones neoclássicos. (PEREIRA, 1995, p.78)

O estilo Neoclássico teve uma predominância durante o século 19, enquanto os outros
estilos de revivalismo, ecletismo e o movimento Art Nouveau surgiram no final do século.
Essa mudança de estilo na metade do século se deve principalmente ao desejo de romper
definitivamente a ligação com Portugal, alguns exemplares são o Copacabana Palace e o
Teatro Municipal. Logo essa variedade de estilos e as tipologias arquitetônicas, eram
determinados e escolhidos devido a adequação dos programas.    
 
Assim, cabe melhor aos prédios públicos o estilo neoclássico ou
neorenascentista; aos prédios militares ou com funções de fiscalização
correspondem os estilos medievais; pode inclusive ser possível que nesta
época o Barroco Rococó tenha sido visto como um estilo próprio para igrejas
- uma vez que essa era a nossa tradição arquitetônica. (PEREIRA, 1995, p.
78)

Tendo em vista a adequação tipológica as funções, é importante ressaltar os principais


nomes da arquitetura desse período, Pedro José Pézerat, que projetou o pavilhão do Palácio
Imperial na Quinta da Boa Vista em 1828; Carlos Rivière que esteve ligado ao projeto da
Igreja Matriz Nossa Senhora da Glória e Grandjean de Montigny que projetou a Academia
Imperial de Belas Artes, (1816/1820), Paço do Senado, Biblioteca Imperial, edifício da Praça
do Comércio, (1819/1820) e a Casa do Arquiteto(1819/1828). (PEREIRA, 1995)
Portanto, a cidade do Rio de Janeiro, se configura como papel importante para se
entender a história do Brasil e traz consigo, desde o século XIX, questionamentos essenciais
para se pensar a cidade, suas relações, arquiteturas e urbanismo. Os planos urbanísticos aqui
apresentados (mesmo os projetos que não foram implantados) abriram portas para se pensar
os problemas de cidades que em plena evolução e adensamento ainda se esbarravam em
questões de infraestrutura, salubridade, mobilidade, e qualidade de vida. Possibilitando que
nos anos seguintes houvessem cada vez mais propostas que pensavam a cidade como um
organismo vivo que necessita de intervenções e melhorias com o fito de se tornar um lugar
que proporcione de forma geral, qualidade de vida em sua mais pura forma cotidiana.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, A. L. S. O Rio de Janeiro a partir da chegada da Corte Portuguesa: Planos,


intenções e intervenções no século XIX. Projetos urbanos e formação da cidade
oitocentista. Paranoá, Brasilia, nº 13, 2014.

PEREIRA, S. G. Mudança e Permanência no Urbanismo e na Arquitetura: O Rio de Janeiro


na Primeira Metade do Século XIX. UFRJ, Escola de Belas Artes, Revista Interfaces v. 1,
1995.

ANDREATTO, V. Cidades quadradas, Paraísos circulares: Os planos urbanísticos do


Rio de Janeiro no século XIX. Apresentação Manuel Herce Vallejo – Rio de Janeiro: Mauad
X, 206 d: 2006

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