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Scintilla
REVISTA DE FILOSOFIA E MÍSTICA MEDIEVAL
ISSN 1806-6526
Scintilla, Curitiba, vol. 9, n. 2, p. 1-190
jul./dez. 2012
Curitiba PR
2012
Copyright © 2004 by autores
Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.
FAE – Centro Universitário
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Editor: Dr. Enio Paulo Giachini
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Catalogação na fonte
Scintilla – revista de filosofia e mística medieval. Curitiba: Instituto de Filosofia São Boaventura,
Sociedade Brasileira de Filosofia Medieval, Centro Universitário Franciscano, v.1, n.1, 2004-
Semestral
ISSN 1806-6526
1. Filosofia - Periódicos 2. Medievalística – Periódicos.
3. Mística – Periódicos.
CDD (20. ed.) 105
189
189.5
Sumário
Editorial ................................................................................7
Enio Paulo Giachini
Artigos. ..................................................................................11
O universal e o singular............................................................13
Alain de Liberá
Trabalhar honestamente...........................................................113
Hermógenes Harada
Caros leitores,
Montamos um número de Scintilla com algumas indicações,
reflexões, voltadas ao tema da disciplina, estudo e método na me-
dievalidade.
A maioria dos artigos está referida a essa temática, inclusive o
texto da tradução de Hugo de S. Vitor, ao final do volume.
Esses três conceitos não devem ser compreendidos inicialmente
como conceitos contemporâneos, com teor próprio da ciência atual.
Tampouco se restringem ao estudo no sentido de compreender que
o estudo implicaria método e disciplina para seu progresso, ou seja,
para que haja progresso na aquisição e progresso dos estudos, são
necessários disciplina e método. É que, via de regra, hoje, compreen-
demos estudo, método, disciplina como conceitos isolados, campos
semânticos, como partes da composição de um todo. De um lado
ciência, do outro, práxis.
Essa confusão é tão intensa em nossas “academias”, que hoje
compreendemos formação quase que incondicionalmente como
formação profissional; para adquirir essa formação profissional, é
necessário, estudo, método e disciplina; hoje, formamos técnicos,
funcionários, agentes; se exagerarmos um pouco, caricaturizando
essa realidade, podemos dizer que formamos agenciadores, robôs,
peças de engrenagem. As grandes corporações industriais, técnicas
Não se pode, com efeito, propor outra divisão mais simples que esta”. A divisão
“mais extensa” é aquela dos dez gêneros categoriais, a tétrade, as “dez categorias”:
“substância, quantidades, qualidades, relativos, produção, afeição, momento, lo-
calização, ordem, posicionamento”. À questão de saber “porque a divisão mais
simples comporta quatro gêneros”, Porfírio responde (Busse, p.71, 28-71, 37;
Bodéus, p.153-155): “É que a subdivisão no mais alto nível, quer dizer a primei-
ra, comporta dois: a substância e o acidente. Mas é isso. Não podemos exprimi-
-las sem fazer menção seja do universal, seja do particular. As substâncias, com
efeito, devem se exprimir seja universalmente (como quando dizemos ‘animal’,
‘cachorro’, ‘homem’) seja no particular (como quando dizemos ‘Sócrates’, ‘Bucé-
falo’). E os acidentes são também universais ou particulares. A ciência com efeito
é um acidente universal, enquanto a ciência de Aristarco é um acidente particular.
Ora, visto que não exprimimos simplesmente a substância (mas o fazemos seja
de modo universal [ou] particular), isto é individualmente, nem o acidente (mas
o fazemos também seja de modo universal, [ou] particular), a divisão resulta em
quatro gêneros, enquanto que em princípio, ela não compreende a substância e
o acidente”. Temos portanto: Sócrates, a substância particular ou “primeira” no
léxico de Aristóteles, definido por ¬ IS (não inerente de um sujeito) e ¬ DS (não
dita de um sujeito); o Homem, a substância universal ou “segunda”, definido por
¬ IS & DS (homem se diz de Sócrates, animal se diz de homem [e de Sócrates]); a
ciência, acidente universal, definido por IS & DS; a ciência de Aristarco, acidente
particular, definido por IS & ¬DS.
5. G. W. F. Hegel, Esthétique, I, trad. C. Bénard, Paris, Livro de Bolso (Clássicos
da filosofia), 1997, p. 174.
7. É sobre o conflito entre essas três posições que está centrado o programa da His-
tória da filosofia escolástica anunciada naquele ano pela Academia, o prêmio foi
ganho por Barthélemy Hauréau. Sobre esse ponto, cf. A. de Libera, La Querelle
des universaux, Paris, Éd. du Seuil, 1996, p. 11-12.
8. Porphyre, Isagoge, 1. 2, trad. A. de Libera & A. Ph. Segonds, Paris, Vrin (Sic
et Non), 1998, p. 1.
9. Após ter esquivado seu próprio problema, que não se enquadra com o skopos
(objetivo, propósito, tema), das Categorias. Porfírio declara sem ambiguidade que
o ponto de vista do Isagoge é lógico e peripatético: “… eis as questões das quais
eu evitarei de falar […]; por outro lado, concernente aos gêneros e espécies e aos
outros [termos] em questão, como os Antigos, e mais particularmente aqueles do
Peripatos, trataram de uma maneira mais lógica, é o que eu vou me esforçar em
te mostrar.
10. Cf. Porfírio, Sentenze sugli Intelligibili. Testo greco a fronte, a cura di G. Gir-
genti, Milan, Rusconi, 1996, p. 158-159. Ver, no mesmo sentido, a sentença 19,
éd. -trad. Girgenti, p. 96-97.
tive natural class view): A classe de todas as coisas brancas constitui uma classe
natural que apresenta um grau suficiente de naturalidade (a class with a reasonable
degree of naturalness). Isso é tudo o que podemos dizer a propósito do que faz
que uma coisa branca seja branca (that is all that can be said about what makes
a white thing white). 2. NOMINALISMO fundado sobre a SEMELHANÇA
(Resemblance Nominalism): As coisas brancas constituem uma classe natural em
virtude do fato objetivo de que todas elas se assemelham em um certo grau. A
semelhança é um fato objetivo mas não analisável. 3. Admissão de UNIVERSAIS
(Universals): Todas as coisas brancas têm em comum uma propriedade idêntica
(ou um conjunto de propriedades ligeiramente diferentes que correspondem às
diversas nuances do branco. 4. Teoria das CLASSES NATURAIS DE TROPOS
(Natural classes of tropes): Cada coisa branca tem sua própria propriedade de
brancura inteiramente distinta [das outras brancuras] (its own, entirely distinct,
property of whiteness). A classe das brancuras constitui uma classe natural primi-
tiva. 5. Teoria das CLASSES DE TROPOS fundadas sobre a SEMELHANÇA
(Resemblance classes of tropes): Cada coisa branca tem sua própria propriedade de
brancura, mas os membros da classe das brancuras se assemelham todos mais ou
menos estritamente, sendo a semelhança um elemento primitivo (inderivablel). 6.
Admissão do TROPOS e de UNIVERSAIS (Tropes plus universals): Cada coisa
branca tem sua própria propriedade de brancura, mas essas propriedades particu-
lares elas mesmas tem cada qual uma propriedade universal de brancura (but these
particular properties themselves each have a universal property of whiteness)”.
12. Sobre essa síntese das três posições, cf. Ph. Hoffmann, “Catégories et langage
selon Simplicius. La question du “skopos” du traité aristotélicien des Catégories”,
in I. Hadot (éd. ), Simplicius. Sa vie, son oeuvre, sa survie. Actes du colloque
international de Paris, 28 sept. -1 oct. 1985 Berlin-New York, W. de Gruyter
(Peripatoi, 15), 1987, p. 68 et 72-73. O lugar de Porfírio no dispositivo é difícil
de apreciar: segundo Olympiodoro, ele é partidário da tese peri fônon; segundo
Philopon e Elias, ele sustenta a tese peri noématón; segundo Simplício, ele é o
primeiro exegeta à exprimir a “boa” interpretação do skopos das Categorias, a
interpretação “completa”, quer dizer sintética, que atribui como objeto no livro
“os termos predicados” (peri tón katégoroumenón), quer dizer “as palavras simples
que significam as realidades, na qualidade de que elas são significantes, e não pura
e simplesmente como elementos léxicos”.
18. Cf. sobre esse ponto L. Cesalli, Le Réalisme propositionnel. Sémantique et on-
tologie des propositions chez Jean Duns Scot, Gauthier Burley, Richard Brinkley
et Jean Wyclif, Paris, Vrin (Sic et Non), 2007.
19. “… a espécie que não é senão espécie, [se diz] de todos os indivíduos, e enfim,
o indivíduo, de um único entre os particulares. Chamamos “indivíduo” Sócra-
tes, este branco, e o filho de Sofronisco (desde a condição que Sofronisco não
tenha além de Sócrates como filho) e este que vem lá. Esses [seres] são portanto
chamados “indivíduos”, porque cada um dentre eles é constituído por caracteres
próprios, cujo agrupamento não poderia jamais se produzir identicamente em
um outro: com efeito, os caracteres próprios de Sócrates não poderiam jamais ser
os mesmos no caso de um outro ser particular, ao passo que estes do homem, eu
quero dizer do homem comum, podem ser os mesmos no caso de muitos homens,
ou melhor, mesmo no caso de todos os homens particulares, enquanto homens.”
20. Cf. o artigo “Merkmal” (A. de Libera), no Vocabulaire Européen des Philoso-
phies, sob a dir. de B. Cassin, Paris, Le Robert-Éd. du Seuil, 2004. Ver também
sobre esse ponto (como sobre o número de problemas evocados aqui) I. Angelelli,
Études sur Frege et la philosophie traditionnelle, trad. por J. -F. Courtine, A. de
Libera, J. -B. Rauzy & J. Schmutz, Paris, Vrin (Problèmes & Controverses), 2007.
25. Sobre esse texto e sua visão antiporfiriana, cf. P. Hadot, Porphyre et Victori-
nus, II, Paris, Etudes Augustiniennes, 1968, p. 99, n. 4 e R. Chiaradonna, “La
teoria dell’individuo in Porfirio e l’idiôs poion stoico”, Elenchos, XXI (2000), p.
303-331 (esp. p. 317-328).
26. J. Barnes, Porphyry…, p. 345.
27. J. Barnes, Porphyry…, p. 151.
28. In Cat., Busse, p. 129, 9-10; Bodéüs, p. 427, n. 1: “A diferença entre as subs-
tâncias primeiras não é portanto em procurar em uma qualidade essencial, comum
a vários, mas [...] em um “concurso de qualidades”, aparentemente acidentais. A
palavra “qualidade”, na ocorrência não deve ser tomada no senso estrito, porque
as propriedades visadas incluem outras determinações acidentais (o tamanho etc.).
Esta visão das coisas, ainda que não aristotélica, permite certamente enunciar um
princípio de individualização na ordem substancial, onde os indivíduos são pre-
cisamente sujeitos de múltiplas propriedades não essenciais; mas como explicar a
individualidade das realidades não substanciais? Como tal branco, por exemplo,
difere-se de tal outro branco?” A moderna teoria dos tropes ou “particulares abs-
tratos” é uma tentativa de resposta a esta questão. Para a introdução dos tropes na
filosofia contemporânea, cf. D. C. Williams, “On the Elements of Being”, Review
of Metaphysics, 7 (1953), p. 3-18 et 171-192.
29. Sobre os tropos na Idade Média, cf. C. Martin, “The Logic of the Nominales,
or, The Rise and Fall of Impossible Positio”, Vivarium, 30 (1992), p. 110-126; J.
Marenbon, The Philosophy of Peter Abelard, Cambridge, CUP, 1997, p.119-30;
A. de Libera, “Des accidents aux tropes. Pierre Abélard”, Revue de métaphysique
et de morale, 4 (2002), p.509-530; La Référence vide. Théories de la proposition,
Paris; PUF, 2002, p. 122-126 et 269-297; “Aliquid, aliqua, aliqualiter. Signifiable
complexe et théorie des tropes aux XIVe siècle”, in Paul J. J. M. Bakker (éd. ), Che-
mins de la pensée médiévale. Études offertes à Zénon Kaluza, Turnhout, Brepols,
2002, p. 27-45; J. Marenbon, “Was Abelard a Trope Theorist?”, in C. Erismann
& A. Schniewind (éd. ), Compléments de substance…, p. 85-101. Sur les tropes,
cf. D. M. Armstrong, Universals…, p. 114-115, 127-188 et 136; K. Mulligan, P.
Simons & B. Smith, “Truth-makers”, Philosophy and PhenomenoLogical Rese-
arch, 44 (1984), p. 287-321; K. Campbell, Abstract Particulars, Oxford – Cam-
bridge (Mass. ), Blackwell, 1990; P. Simons, “Particulars in Particular Clothing:
three trope theories of substance”, Philosophy and Phenomenological Research,
54 (1994), p. 553-575; A. Chrudzimski, “Two Concepts of Trope”, Grazer Philo-
sophische Studien, 64 (2002), p. 137-155.
30. Um extraordinário esclarecimento sobre as teorias realistas do século XII em
J. Brumberg-Chaumont, “Le problème du substrat des accidents constitutifs dans
les commentaires à l’Isagoge d’Abélard et du Pseudo-Raban (P3)”, in C. Erismann
& A. Schniewind (éd. ), Compléments de substance…, p. 67-84 (com p.82 e
neias 7, 17a38-b3, ele explica (1) que certas “qualidades”, como (a)
humanidade, que são “comunicadas a várias [coisas]” apresentam-se
ao mesmo tempo ‘como um todo para cada um e “como um todo
para todas [tomadas em particular, mas “a todos/as aqueles/aquelas
que participam da definição da humanidade”. Por outro lado, (3)
um nome como ‘Platão’ remete o espírito “a uma só pessoa e a uma
substância particular”, porque a proprietas (característica) de Platão
é uma “qualidade singular, a platonidade (platonitas), incomunicável
a qualquer outra substância”: “Plato enim unam ac definitam subs-
tantiam proprietatemque demonstrat quae convenire in alium non
potest” (Platão, com efeito, mostra uma só substancia e propriedade
bem definida que não se pode encontrar em outro”).
A tese de Boécio é simples: um termo universal tomado parti-
cularmente, como homo em aliquis homo, não tem relação com o
um termo singular, como Plato. Tomado particularmente o univer-
sal continua o universal. Platão, ao contrário, “não será jamais um
universal”, porque “ele indica uma substância definida e uma pro-
prietas” que não se pode encontrar senão em Platão. Vários homens
podem portanto receber o nome de ‘Platão’ por “imposição”, isso
não faz deste nome um universal. Neste caso, o nome é “comum” a
vários, mas “a propriedade ou natureza” que ele designa, a saber, a de
Platão-o-mestre-de-Sócrates, não o é. A humanidade é um universal,
a platonidade não38. A oposição aqui introduzida é claramente on-
summa prudentia, multa etiam doctrina, plurimo rerum usu, addo urbanitatem,
quae est virtus, ut Stoici rectissime putant? ullam Appietatem aut Lentulitatem
valere apud me plus quam ornamenta virtutis existimas?”. Th. Hobbes (que teve
que procurar muito!) retoma dos dois em seus Elements of philosophy, Part 1. Of
logic, chap. 3, Of proposition.
38. Boécio, In Librum Aristotelis Peri Hermeneias II, ed. C. Meiser, Leipzig,
1880, p. 136, 1-137, 25: “Alia est enim qualitas singularis, ut Platonis uel Socratis,
alia est quae communicata cum pluribus totam se singulis et omnibus praebet, ut
est ipsa humanitas. est enim quaedam huiusmodi qualitas, quae et in singulis tota
sit et in omnibus tota. Quotienscumque enim aliquid tale animo speculamur; non
in unam quamcumque personam per nomen hoc mentis cogitatione deducimur,
sed in omnes eos quicumque humanitatis definitione participant. unde fit ut haec
quidem sit communis omnibus, illa uero prior incommunicabilis quidem cunc-
tis, uni tamen propria. nam si nomen fingere liceret, illam singularem quandam
qualitatem et incommunicabilem alicui alii subsistentiae suo ficto nomine nun-
cuparem, ut clarior fieret forma propositi. age enim incommunicabilis Platonis
illa proprietas Platonitas appelletur. eo enim modo qualitatem hanc Platonitatem
ficto uocabulo nuncupare possimus, quomodo hominis qualitatem dicimus hu-
manitatem. haec ergo Platonitas solius unius est hominis et hoc non cuiuslibet sed
solius Platonis, humanitas uero et Platonis et caeterorum quicumque hoc uoca-
bulo continentur. unde fit ut, quoniam Platonitas in unum conuenit Platonem,
audientis animus Platonis uocabulum ad unam personam unamque particularem
substantiam referat; cum autem audit hominem, ad plures quosque intellectum
referat quoscumque humanitate contineri nouit. atque ideo quoniam humanitas
et omnibus hominibus communis est et in singulis tota est (aequaliter enim cuncti
homines retinent humanitatem sicut unus homo: si enim id ita non esset, nu-
mquam specialis hominis definitio particularis hominis substantiae conueniret):
quoniam igitur haec ita sunt, idcirco homo quidem dicitur uniuersale quiddam,
ipsa uero Platonitas et Plato particulare.”
for all determined personal identity. Instead she is something like a plurality or ag-
gregate of ‘identities’, which are temporally determined by the actual tropes which
constitute the complex that is identical with ‘her’. Whenever a trope is gained, or
a trope is lost (which is due to a certain sub-relation of ontological dependency –
namely – causality), Mary changes her personal identity. All that she is depends on
the tropes which constitute her, including eventually the tropes she memorises or
anticipates.” Sobre este ponto, cf. A. de Libera, Archéologie du sujet, II, La Quête
de l’identité, Paris, Vrin (Bibliothèque d’histoire de la philosophie), 2008.
41. Na teoria discutida por Abelardo, os acidentes têm quase o mesmo status
que uma sombra individual, são, de alguma forma, propriedades intermitentes.
O problema é que Sócrates não é um objeto intermitente, e que ele é, além disso,
um objeto completo. A particularidade desta teoria é de constituir, sob a chefia da
“socracidade” o objeto completo Sócrates a partir de um conjunto de propriedades
que, sendo todas acidentais, são todas intermitentes ou suscetíveis de intermi-
tências. Neste sentido, talvez não baste dizer que a socratidade é um “indivíduo
composto”. A verdadeira questão é saber se o próprio Sócrates não se torna, por
sua vez, um objeto intermitente. O que resta, de fato, de Sócrates, se a substancia-
lidade se reduz, aliás, à essencialidade de uma só essência material, substância una
e absoluta que a cada instante acidentam complexos individuais de propriedades
intermitentes (a socracidade, a planonidade etc.)?
ponde a “o que cada um chama de ‘si’”. Espera-se que o ponto (2) su-
prima o escândalo ontológico / linguístico introduzido por (1). A noção
da coleção total mereceria portanto uma investigação a parte tendo
em vista este papel e...sua posteridade: um fio tênue liga o indivíduo
segundo esta teoria leibniziana do individuum entendido como su-
jeito que possui uma noção individual completamente determinada,
capaz de fornecer por análise a razão de todos os seus atributos42.
Está na hora de concluir. Dizíamos ao começar: “universal e singu-
lar são contrários, mesmo contraditórios. Uma coisa, digamos uma
substância, é universal ou singular. Ela não pode ser os dois ao mes-
mo tempo. O particular não passa pelo universal. O universal não
passa pelo particular”. Um simples sobrevôo da literatura filosófica
do século XII mostra totalmente o contrário. Em razão disso, a fonte
principal de todas as discussões da Alta Idade Média sobre os uni-
versais, Boécio, sustenta uma teoria do “sujeito único” do particular
e do universal (PL 64, 85C4-D4), afirmando que é uma mesma coisa
x particular e universal, esta própria teoria completada por uma te-
oria do “sujeito único” da sensação e da intelecção, que afirma que a
mesma coisa x é ao mesmo tempo o sujeito da sensação, que percebe
x com as condições sensíveis que fazem de x uma coisa particular (i.e.
um x: x1 ou x2 ou x3...ou xn) e o sujeito do pensamento que percebe
x sem estas condições, i.e. como o que é predicável de todos os ‘x’.
Uma das duas teorias criticadas no De Generibus et Speciebus
suscita a ideia de sujeito único até a afirmação de que não há es-
sências universais, e que os indivíduos diversamente considerados
são eles próprios as espécies, os gêneros subordinados e os gêneros
mais gerais. Esta teoria, conhecida sob o título de “segunda teoria da
coleção”, atribuída hoje a Gauthier de Mortagne († 1174), é aspe-
ramente discutida por Abelardo. Jean de Salisbury descreve assim a
tese dos partidários de Gauthier:
47. “Est autem primo sciendum quod ‘singulare’ dupliciter accipitur. Uno modo
hoc nomen ‘singulare’ significat omne illud quod est unum et non plura. Et isto
modo tenentes quod uniuersale est quaedam qualitas mentis praedicabilis de pluri-
bus, non tamen pro se sed pro illis pluribus, dicere habent quod quodlibet uniuersa-
le est uere et realiter singulare: quia sicut quaelibet uox, quantumcumque communis
per institutionem, est uere et realiter singularis et una numero quia est una et non
plures, ita intentio animae, significans plures res extra, est uere et realiter singularis et
una numero, quia est una et non plures res, quamuis significet plures res”.
48. Guillaume d’Ockham, Summa logicae (Suma sobre a lógica), trad. J. Biard,
Mauvezin, Edições T. E. R, 1988, p. 50: “Aliter accipitur hoc nomen ‘singulare’
pro omni illo quod est unum et non plura, nec est natum esse signum plurium. Et
sic accipiendo ‘singulare’ nullum uniuersale est singulare, quia quodlibet uniuer-
sale natum est esse signum plurium et natum est praedicari de pluribus. Unde
uocando uniuersale aliquid quod non est unum numero, – quam acceptionem
multi attribuunt uniuersali –, dico quod nihil est uniuersale nisi forte abuteris isto
uocabulo, dicendo populum esse unum uniuersale, quia non est unum sed multa;
sed illud puerile esset”.
sal significa nada existe que não seja numericamente um – o que torna
a dizer que tudo o que é é singular. Tese que se verifica para o uni-
versal que existe: todo universal é uma coisa singular: somente existe
universal semântico, por significação, no sentido preciso de que o
universal é um signo, um signo de vários: “Dicendum est igitur quod
quodlibet uniuersale est una res singularis, et ideo non est uniuersale
nisi per significationem, quia est signum plurium”.
Esta teoria, Ockham a situa sob a autoridade de um filósofo. Não
Aristóteles, nem Boécio. Mas Avicena. Uma forma mental, uma for-
ma na alma, está ligada a uma multiplicidade, neste sentido ela é um
universal, porque o universal é uma intenção no intelecto, cuja com-
paração, isto é, a relação a seus “relata”, não varia, qualquer que seja o
que consideremos entre eles”; uma tal forma, que é universal compara-
da aos seus indivíduos, é individual quando à alma singular onde está
impressa, uma vez que faz parte das formas imanentes ao intelecto49.
A tese de Avicena é assim apresentada por Ockham como estri-
tamente equivalente à sua. O que o filósofo quer dizer, que se diz na
época “árabe”, é que o universal é uma “intenção singular da alma”,
naturalmente apta a ser predicada de muitos, e que do fato de ela
ser naturalmente apta a ser predicada de muitos ela é dita universal,
enquanto que do fato de ser uma forma existente realmente no inte-
lecto ela é dita singular. E é assim, portanto, que “singular!” dito no
primeiro sentido se predica do universal, mas não no segundo.
Vult dicere quod uniuersale est una intentio singularis ipsius ani-
mae, nata praedicari de pluribus, ita quod propter hoc quod est
nata praedicari de pluribus, non pro se sed pro illis pluribus, ipsa
dicitur uniuersalis; propter hoc autem quod est una forma, exsis-
49. « Et hoc est quod dicit Auicenna, V Metaphysicae: “Una forma apud intel-
lectum est relata ad multitudinem, et secundum hunc respectum est uniuersa-
le, quoniam ipsum est intentio in intellectu, cuius comparatio non uariatur ad
quodcumque acceperis”. Et sequitur: “Haec forma, quamuis in comparatione
indiuiduorum sit uniuersalis, tamen in comparatione animae singularis, in qua
imprimitur, est indiuidua. Ipsa enim est una ex formis quae sunt in intellectu”.
50. E Ockham prossegue: “… ad modum quo dicimus quod sol est causa uniuer-
salis, et tamen uere est res particularis et singularis, et per consequens uere est
causa singularis et particularis. Dicitur enim sol causa uniuersalis, quia est causa
plurium, scilicet omnium istorum inferiorum generabilium et corruptibilium. Di-
citur autem causa particularis, quia est una causa et non plures causae. Sic intentio
animae dicitur uniuersalis, quia est signum praedicabile de pluribus; et dicitur
etiam singularis, quia est una res et non plures res”. O universal é portanto duplo:
natural e convencional, mas, nos dois casos, trata-se de um símbolo. “Verumta-
men sciendum quod uniuersale duplex est. Quoddam est uniuersale naturaliter,
quod scilicet naturaliter est signum praedicabile de pluribus, ad modum, propor-
tionaliter, quo fumus naturaliter significat ignem et gemitus infirmi dolorem et
risus interiorem laetitiam. Et tale uniuersale non est nisi intentio animae, ita quod
nulla substantia extra animam nec aliquod accidens extra animam est tale uniuer-
sale. Et de tali uniuersali loquar in sequentibus capitulis. Aliud est uniuersale per
uoluntariam institutionem. Et sic uox prolata, quae est uere una qualitas numero,
est uniuersalis, quia scilicet est signum uoluntarie institutum ad significandum
plura. Unde sicut uox dicitur communis, ita potest dici uniuersalis; sed hoc non
habet ex natura rei sed ex placito instituentium tantum”.
Introdução
A possibilidade de uma demonstração filosófica da noção pro-
priamente tomista de ser (esse) tem sido objeto de controvérsias en-
tre os tomistas. Contextos como o do capítulo quarto do De Ente
et Essentia, bem como o do primeiro artigo da segunda questão
do De Potentia favorecem a interpretação apriorística da distinção
entre essentia e esse nos entes finitos, já que as premissas dos argu-
mentos propostos por Tomás de Aquino são estruturadas a partir
da comparação entre o ser, cuja essência é idêntica ao seu próprio
ser (ou seja, Deus), e os demais entes, nos quais o ato de ser não
é idêntico à essência. Ao supor em termos comparativos a dis-
tinção que, em princípio, deveria ser objeto de demonstração, o
argumento proposto pelo Aquinate parece ser problemático.
Dentre os principais intérpretes da metafísica de Tomás de Aqui-
no, Étienne Gilson1 procurou evitar a problemática demonstração da
distinção entre ser e essência nos entes, defendendo a indemonstra-
bilidade da noção tomista de ser (esse). Com efeito, segundo Gilson,
a metafísica de Tomás “pressupõe a presença ao espírito da noção
primeira do ser como tal, ipsum esse, ipsum purum esse”2.
O autor de L’être et l’essence observa, aliás, que a maioria dos
teólogos e filósofos medievais recusaram a composição do ser finito,
que resulta da noção tomista de ser como ato em relação à essência.
A título de exemplo, cita João Duns Escoto que nega absolutamen-
te a diversidade de ser e essência nos entes finitos, com as seguintes
palavras: “simpliciter falsum est quod esse sit aliud ab essentia”3. A
partir da ponderação sobre a histórica controvérsia em torno da
8. “Penser l’esse pur, c’est penser Dieu. (...) Tout dépend donc ici de la notion
thomiste de Dieu” (GILSON. Introduction a la philosophie chrétienne, 1960, p.
103, 108).
9. GILSON. Introduction a la philosophie chrétienne, p. 109-110.
10. “La métaphysique est donc science, à partir du point où, s’étant saisie du prin-
cipe, elle commence d’en déduire les conséquences” (GILSON. Introduction a la
philosophie chrétienne, 1960, p. 103).
11. Sobre a natureza resolutiva e compositiva do método metafísico de Tomás
de Aquino, confira: SALLES, Sergio S. Análise e síntese em Tomás de Aquino.
Petrópolis: UCP, 2009.
20. “(...) nisi forte sit aliqua res cuius quidditas sit ipsum suum esse. Et haec
res non potest esse nisi una et prima (...)” (TOMÁS DE AQUINO. De ente et
essentia, c. 4, n. 52-53).
21. “(…) quia impossibile est ut fiat plurificatio alicuius, nisi per additionem ali-
cuius differentiae, sicut multiplicatur natura generis in species, vel per hoc quod
forma recipitur in diversis materiis, sicut multiplicatur natura speciei in diversis
individuis; vel per hoc quod unum est absolutum et aliud in aliquo receptum:
sicut, si esset quidam calor separatus, esset alius a calore non separato, ex ipsa sua
separatione” (TOMÁS DE AQUINO. De ente et essentia, c. 4, n. 53).
22. O acréscimo de qualquer forma ou de qualquer outro princípio ao esse tan-
tum implicaria necessariamente que o que é acrescido é essencialmente diverso do
próprio esse.
23. “Si autem ponatur aliqua res quae sit esse tantum, ita ut ipsum esse sit sub-
sistens, hoc esse non recipiet additionem differentiae, quia iam non esset esse
tantum, sed esse et praeter hoc forma aliqua” (TOMÁS DE AQUINO. De ente
et essentia, c. 4, n. 53).
24. “(…) et multo minus recipiet additionem materiae, quia iam esset esse non
subistens sed materiale” (TOMÁS DE AQUINO. De ente et essentia, c. 4, n. 53).
25. WIPPEL, J. The Metaphysical Thought of Thomas Aquinas: from finite being
to uncreated being. Washington: The Catholic University of America Press, p.
146-147, 2000.
26. “Omne autem quod recipit aliquod ab alio, est in potentia respectu illius; et
hoc quod receptum est in eo, est actus eius” (TOMÁS DE AQUINO. De ente et
essentia, c. 4 , n. 56).
mas o ser (esse) não pode ser concebido senão como perfeição real,
atual e intensiva, raiz de qualquer outra perfeição do ente. Tudo o
que tem ser (id quod habet esse) tem sua fonte de realidade, perfeição
e sustentação intrínseca no ato de ser (actus essendi).
Mesmo se considerada na ordem do possível, a noção de qual-
quer realidade depende do ato de ser. Como o ser subordina a si não
só as perfeições constitutivas, como a forma do ente em ato (ens in
actus) que depende do ser tanto para ser quanto para ser concebida
em ato, mas também os atos enquanto operações e ações dos en-
tes, o próprio ato de intelecção e seus efeitos se fundam em última
instância no ato de ser.
Por isso, a afirmação da dependência da intelecção da forma em
relação ao ser pode ser complementada pela resolução das operações
do cognoscente no ato de ser. Em suma, a resolução secundum ra-
tionem desvela o caráter fundante do ser em relação à forma do ente
em ato, à forma inteligível (ratio) e ao próprio ato de intelecção,
completando, assim, o processo instaurado pelo juízo de separatio
em relação à ratio entis, objeto formal da metafísica. Por isso, não se
deve confundir a noção de ser ou ente comum (ens commune) com
a de ser enquanto ato de ser (esse ut actus essendi).
Ao afirmar que o ser é o ato de todos os atos e a perfeição de
todas as perfeições, Tomás de Aquino sintetiza de modo definitivo
o caráter intensivo e absoluto do ipsum esse face às demais perfeições
constitutivas e operativas dos entes, que dependem intrinsecamen-
te do ato de ser (actus essendi).
A síntese de todas as perfeições e de todos os atos no ato de ser
responde tanto pela exigência de um termo último para a resolução
secundum rationem (pois, é impossível proceder aqui ao infinito já
que para além do ser não há absolutamente nada), quanto pela
necessidade de encontrar um princípio primeiríssimo de derivação
dos princípios constitutivos (ordem de composição) e dinâmi-
cos (ordem de causalidade) dos entes.
Considerações finais
Embora Deus seja primeiro quanto ao ser, não o é em relação ao
conhecimento humano (principium nostrae cognitionis est a sensu29).
Essa afirmação, tão cara a Tomás de Aquino, deve ser recordada
toda vez que se questiona a autenticidade da ordem das demons-
trações filosóficas no corpus thomisticum. Com efeito, o que é
primeiro na cognição humana não é primeiro quanto ao ser, mas
o que é primeiro quanto ao ser pode ser conhecido filosoficamente
pela via de resolução dos efeitos na causa.
Para Tomás de Aquino, a metafísica parte do ente como
primum cognitum, no qual se resolve toda outra intelecção, pois
o ente está implícito em toda e qualquer noção (ratio) e realidade
(res). Mas, partir do ente (ens) não é partir do ser (esse), quer esse
último seja entendido como actus essendi, quer ainda como ipsum
esse subsistens.
O esse não nos é dado imediatamente na intelecção do ente, se-
não como esse commune, conteúdo inteligível necessário e irredu-
tível da ratio entis. O esse só se torna conhecido como ato do ente
na dependência da resolução (secundum rationem) das composições
do ente na composição de essentia et esse, que são distintos realmen-
te. Trata-se de um processo gradativo de formulação de juízos e
raciocínios que resolvem as potências dos entes em seus respectivos
atos, bem como os atos imperfeitos dos entes no ato imanente
perfeito que é o ato de ser (esse ut actus essendi).
A via de resolução é uma via de fundação – para utilizar a ex-
pressão de Cornélio Fabro – e não uma via de dedução, sustentada
num pressuposto indemonstrável. Com efeito, transitar dos atos
mais superficiais e instáveis aos mais constitutivos e permanentes e
destes ao ato de todos os atos é propriamente resolver todos os atos
e todas as perfeições dos entes no ato de ser (esse ut actus essen-
di). E alcançar o ser como actus essendi é, sem dúvida, base de toda
ulterior investigação analógica do ipsum esse subsistens.
Se há uma circularidade entre a descoberta do esse ut actus es-
sendi pela via de resolução pelas causas intrínsecas (secundum
rationem) e a descoberta do esse ut ipsum esse subsistens pela via
de resolução pelas causas extrínsecas (secundum rem), não se trata
de uma circularidade viciosa. É o próprio Tomás de Aquino que
oferece essa chave de leitura quando, inspirado na tradição neo-
platônica de Dionísio Areopagita, ressalta que: “a circularidade [da
razão] observa-se nisto: que a razão chega às conclusões a partir dos
princípios na via de invenção, e examina as conclusões desco-
bertas de acordo com a via do juízo, resolvendo-as nos princípios”30.
Referências
DE FINANCE, Joseph. Être et Agir. Roma: Librairie Éditrice
de l’Université Grégorienne, 1960.
FABRO, Cornélio. Un Itinéraire de Saint Thomas - L’établissement
de la distinction réelle entre essence et existence. Revue de Phi-
losophie. 1938.
FABRO, Cornélio. Actualité et originalité de l’esse thomiste. Re-
vue Thomiste. v. 56, n. 2, p. 240-270, 1956.
FABRO, Cornélio. Actualité et originalité de l’esse thomiste. Revue
Thomiste. v. 56, n. 3, p. 480-507, 1956.
FABRO, Cornélio. Participation et causalité selon S. Thomas
d’Aquin. Paris-Louvain: Publications Universitaires de Louvain,
1960.
GILSON, Étienne. Introduction a la philosophie chrétienne. Paris:
Librairie Philosophique J. Vrin, 1960.
Resumo
O presente artigo investiga o método dialético em Pedro Abe-
lardo a partir da concepção desse pensador acerca do problema dos
universais, o qual marcou toda a discussão acerca do método no
século XII. Abelardo é crítico do realismo e defensor da ideia de que
os universais são palavras (voces) dotadas de significação (significatio)
que designam a coisa individual. Como exemplo do emprego do
método dialético na análise das questões teológicas, é tomada a obra
Sic et non, na qual evidencia-se a dialética como busca da verdade no
discurso, examinando atentamente os significados dos termos utili-
zados e observando a temporalidade e a causalidade do que é dito.
Palavras-chave: método, dialética, problema dos universais, Sic
et non.
Introdução
Pedro Abelardo (1079-1142) destaca-se no período medieval
por suas várias contribuições no campo da lógica, da ética, da teo-
logia, entre outros. Em seus escritos é característico o emprego do
* pedrofernandes28@hotmail.com
sopro de ar ou a sua medida. Sermo, por sua vez, deve sua origem
à convenção humana - sermo é uma palavra portadora de significa-
do (significatio). As palavras transmitem significados porque certo
grupo de sons é aceito por convenção (seguindo um ato original de
imposição), como o nome dado para as coisas de uma espécie22.
O que Abelardo não analisa é que há algo de verdadeiro entre o
que é uma entidade física e o que foi estabelecido com um significa-
do de acordo com as convenções humanas.
Embora a compreensão de Abelardo sobre os universais fosse
muito influente, pelo menos por algumas décadas a sua tentativa
de introduzir sermo como um termo técnico teve pouco sucesso.
Quando da revisão da Theologia Sumi Boni para escrever a Theologia
Christiana, Abelardo substituiu devidamente sermones por voces em
uma passagem onde ele explicitamente contrastou o enunciado das
palavras com a sua função de significante23.
Mas, mesmo nas Glosas, Abelardo não tende a usar a palavra ser-
mo após a sua primeira discussão sobre tal assunto. Ele prefere usar
os termos mais comuns entre os lógicos, tais como vocabulum e no-
mem, para significar palavras impostas que comportam um sentido
(em contraste com voces). Desse modo, não é de admirar, então, que
aqueles que adotaram a leitura de Abelardo sobre os universais e so-
bre muitas outras questões, ficaram conhecidos na segunda metade
do século XII não como “sermonalistas”, mas como “nominalistas”.
Do exposto, segue que Abelardo, ao negar a existência real dos
universais, postula a noção de que o universal é uma vox ou um
sermo. Resta entender de que modo ocorre essa imposição de um
universal a um conjunto de coisas. Certamente que não é do mesmo
33. ABELARDO, 2005b, p. 116-7. Além desse texto que é uma tradução elabora-
da por Luís Alberto de Boni a partir de: PETER ABAILARD. Sic et Non. A Crit-
ical Edition. Chicago, 1976; utilizar-se-á a edição Ed. J.-P Migne. Paris: Migne,
1855. Sic et non. Patrologia latina. Vol. 178.
34. JOLIVET, 1994, p. 83.
que isso implicaria em perigo para si mesmo, pois se sabe que o livro
era suficiente para comprometer o autor que se encontrava por essa
época acusado no Concílio de Soissons, em 1121, o qual condenara
por heresia a obra Theologia Summi Boni.
Gilson exalta a importância histórica do Sic et non e acresce o
seguinte comentário:
Essa obra reúne os testemunhos aparentemente contraditórios da
Escritura e dos Padres da Igreja sobre um grande número de ques-
tões. Abelardo erige em princípio que não se devem utilizar arbitra-
riamente as autoridades em matéria de teologia. Quanto à intenção
que determinou a composição da obra, nada permite ver nela, como
por vezes se obstina a fazer, o desejo de arruinar o princípio da au-
toridade, opondo-se os Padres da Igreja uns aos outros. Abelardo
declara expressamente, ao contrário, que reuniu essas contradições
aparentes para levantar questões e suscitar nos espíritos o desejo de
resolvê-las. O método do Sic et non é inteiramente incorporado à
Suma teológica de Santo Tomás, em que cada questão opõe as auto-
ridades a favor às autoridades contra, mas desenlaça essa oposição
escolhendo, determinando e provando a solução35.
Carvalho36 observa que essa obra colige mais de duas mil cita-
ções devidamente classificadas, o que suporia um trabalho em equi-
pe e um rico acervo bibliográfico ou a utilização de um ou vários
florilégios.
De fato, o período em que a obra foi escrita, tomando por refe-
rência a datação proposta por Mews37, corresponde a onze anos de
trabalho intercalados com a redação de outras obras, dentre as quais
o Dialogus e a Historia Calamitatum, bem como a experiência como
abade em São Gildas e o retorno a Paris ao monte de Santa Geno-
veva onde fundou escola. Nesse ínterim, Abelardo tomou contato
com uma variada gama de textos e foi auxiliado por alunos que o
Conclusão
A filosofia de Pedro Abelardo, fundamentando-se na noção ló-
gica de singularidade, caracteriza o método dialético como a busca
da verdade no discurso, examinando atentamente os significados dos
termos utilizados e observando a temporalidade e a causalidade do
que é dito. Assim, a dialética prima pela busca da verdade no singu-
lar, realidade última de toda existência e de todo discurso.
A verdade não pode ser buscada fora da singularidade, pois nesta
é que se pode observar as condições reais de existência. Da mesma
forma, a dialética na análise do discurso deve considerar o signifi-
cado dos termos em seu contexto, fora do qual poderia assumir a
universalidade e implicar em equívocos.
No Sic et non Abelardo investiga em 158 questões relativas à
fé, aos sacramentos e à caridade, constando de várias passagens da
escritura e dos santos padres que são confrontadas porque inspiram
Referências
Obras de Abelardo
ABELARDO, Pedro. Lógica para principiantes. Tradução do original
em latim de Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento. 2ª ed. São Pau-
lo: UNESP, 2005a.
ABELARDO, Pedro. Sic et Non. In: DE BONI, Luís Alberto. Filosofia
Medieval – Textos. 2ª edição: Porto Alegre, 2005b.
ABELARDS, Peter. Die Philosophischen Schriften Peter Abelards. B.
Geyer. 4 vol. Münster: 1919, 1921, 1927 e 1933.
ABAELARDUS. Petrus. Petri Abaelardi Sic et non. J. P. MIGNE. Pa-
trologiae Cursus Completus, Series latina, Tomus CLXXVIII. Pari-
siis: 1885, col. 1329-1610.
Demais obras
ARISTÓTELES. De Interpretatione. (Tricot). Paris: Vrin, 1959.
ARISTOTELES. Metafísica. Ensaio introdutório, texto grego com
tradução e comentário de Giovanni Reale. Tradução brasileira de
Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 2001.
BEAUJOUAN, Guy. A ciência no Ocidente medieval cristão. In: TA-
TON, René (dir.). A ciência antiga e medieval (A Idade Média).
São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1959. v. 3.
BOEHNER, Philotheus & GILSON, Etienne. História da filosofia
cristã: Desde as Origens até Nicolau de Cusa. Tradução e nota in-
trodutória de Raimundo Vier, O. F. M. 7ª edição. Petrópolis/RJ:
Vozes, 2000.
BROWER, J. E. e GUILFOY, K. (Eds.) The Cambridge Companion
to Abelard. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.
CARVALHO, Mario Santiago de. Lógica e paixão: Abelardo e os Uni-
versais. Coimbra: Minerva Coimbra, 2001.
CHENU, Marie-Dominique. O despertar da consciência na civiliza-
ção medieval. Tradução de Juvenal Savian Filho. São Paulo: Loyola,
2006.
DE BONI, Luís Alberto. Filosofia medieval – Textos. 2ª edição: Porto
Alegre, 2005.
ESTÊVÃO, J. C. A ética de Abelardo e o indivíduo. São Paulo, 1990.
Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Pontifícia Universidade Ca-
tólica de São Paulo.
FUMAGALLI, Maria T. Beonio Brocchieri. La logica di Abelardo. Fi-
renze: La Nuova Italia, 1969.
KENNY, Anthony. Uma nova história da filosofia ocidental. Vol II: Fi-
losofia Medieval. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Loyola, 2008.
4. VOEGELIN, Eric. A era ecumênica. Ordem e História, volume IV. Trad. Ed-
son Bini, da versão em língua inglesa. São Paulo: Edições Loyola, 2010, p. 311.
5. Cf. VILLEY, Michel. La Formation de la pensée juridique moderne. Paris:
Quadrige/PUF, 2003, p. 181-200. Ou, para o polêmico debate travado com este
último acerca da invenção dos direitos naturais, v. TIENEY, Brian. The Idea of
Natural Rights: Studies on Natural Rights, Natural Law and Church Law (1150-
1650). Michigan: W. B. Eerdmans Publishing Co., 1997, p. 13-42.
6. KANTOROWICZ, Ernst H. Segretos de Estado. (Un concepto absolutista y
sus tardíos orígenes medievales.) Trad. L. Rodríguez Aranda. Revista de Estudios
Políticos, nº 104, Madrid, 1959, p. 45.
7. Esta determinação geográfica recebeu alguma ênfase historiográfica que a quis
sempre justificada; entretanto, esta originalidade hoje se mostra menos restrita,
problematizada pelas investigações que matizaram essa interpretação, passando
a considerá-la também no restante da península. Tomadas suas variações locais,
nelas se veriam estimular a formulação dos ideais de civismo político, presos pela
recuperação de discursos clássicos acerca do governo ideal e o interesse do bem
comum. Dentro da multidinária bibliografia que trata do assunto, pode-se con-
sultar uma síntese mais recente, in: GILLI, Patrick. Cidades e sociedades urbanas
na Itália medieval. Séculos XII-XIV. Trad. Marcelo Cândido da Silva. São Paulo/
Belo Horizonte: Ed. Unicamp/ Ed. UFMG, 2011.
8. Cf. CORRAO, Pietro. Fra città e corte. Circolazione die ceti dirigenti nel regno
di Sicilia fra Trecento e Quattrocento. In: ROMANO, A. (a cura di). Istituzio-
ni politiche e giuridiche e strutture del potere politico ed economico nelle città
dell’Europa mediterranea medievale e moderna. La Sicilia. Messina: Accademia
peloritana dei Pericolanti, 1992, p. 13-42. Disponível em: <www.retimedievali.it>.
9. TOSTES, Rogério Ribeiro. O nascimento do purgatório como preparação do
burguês: espaços citadinos, teologia social medieval. Revista Vernáculo, nº 17-18,
2006, p. 126-137.
14. SABATÉ, Flocel. La civiltà comunale del medioevo nella historiografia spag-
nola: affinità e divergenze. In: I Convegno Internazionale di Studi. La civiltà co-
munale italiana nella storiografia internazionale (Pistoia, 2005). Centro di studi
sulla civiltà comunale, Pistoia-Firenze, 2008, p. 117-162.
15. Francesc Eiximenis. Terç del Crestià, cap. CIII. Lo Crestià. Ed. Albert Hauf.
Barcelona: Edicions 62-La Caixa, 1983, p. 114.
16. Francesc Eiximenis. “La lletra que l’actor del llibre tramet, endreçat aquell, als
jurats de la ciutat de València”. In: Regiment de la Cosa Pública. Ed. Daniel Mo-
lins del Rei. “Els Nostres Classics” vol. XIII. Barcelona: Editorial Barcino, 1927,
p. 37.
17. Tomàs de Mières. Apparatus super constitutionibus curiarum generalium
Cathaloniae. Barcelona, 1621, vol. I, p. 110 cit. in: SABATÉ, Flocel. La civiltà
comunale..., p. 119.
18. BUC, Philippe. ‘Principes gentium dominantur eorum’: Princely Power Be-
tween Legitimacy and Illegitimacy in Twelfth-Century Exegesis. In: BISSON,
Thomas N. (org.). Cultures of power: lordship, status, and process in twelfth cen-
tury Europe. Philadelphia: University oh Pennsylvania Press, 1995, p. 316-319.
19. Esta máxima foi divulgada através da aplicação analógica dada pelas decretais
pontifícias de um texto de direito privado justiniano (Codex, V, 59, 5). Ele foi
repetido nas decretais de Inocêncio III e de Gregório IX, manifestado também
em Bonifácio VIII (Liber Sextus 5, 12, 29), servindo de antecedente para os con-
ciliaristas dos períodos seguintes. Sua presença na tradição textual hispânica tem
larga precedência, incluído pelas Partidas do rei castelhano Alfonso X (Lib. II,
t. XVI, l. V), e retomado pelo tratado de espelho de príncipes do infante frade
Pere de Aragão, contemporâneo de Eiximenis. Nestes últimos exemplos, há uma
interpretação limitada ao decisionismo dos súditos sobre questões militares. (Pere
d’Aragó. Tractatus de vita, moribus et regimine principum. Ed. Alexandra Bea-
champ. Biblioteca Electrònica Narpan, dec. 2005. Disponível em: <http://www.
narpan.net/ben/>).
Cf. MARAVALL, José Antonio. La corriente democrática medieval en España y la
formula “quod omnes tangit”. In: Estudios de Historia del Pensamiento Español.
Serie primera. Edad Media. Madrid: Ed. Cultura Hispánica, 2001, p. 153-167.
20. Regiment de la Cosa Pública, cap. I.
24. HAUF, Albert G. Eiximenis, Joan de Salisbury i Fr. Joan de Gal×les, OFM.
Miscel·lània Sanchis Guarner, vol. I. Quaderns de Filologia. Universitat de Valèn-
cia, 1984, p. 167-174.
25. A 3 de agosto de 1373, o rei Pere III expede uma ordem ao tesoureiro-mor,
Pere de Vallo, para que envie a quantidade de 50 florins de ouro ao frade Eixime-
nis, quos nos sibi in sustentacione sumptuum per eum fiedorum pro obtinendo
magisterium in sacra pagina, ad quod habendum in Studio Tolosano noviter. In:
Rubió Y LLUCH, Antoni (ed.). Documents per l’història de la cultura catalana
mig-eval, vol. II. Barcelona: Institut d’Estudis Catalans, 1908-1921 (Ed. facsím.
de 2000), doc. CLXXVI, p. 168. Em nota, Antoni Rubió menciona outra carta,
dada pela rainha Eleonor, de 5 de agosto de 1372, que também visava cobrir seus
estudos naquele primeiro ano mediante a concessão de 25 florins aragoneses.
26. Francesc Eiximenis. Vita Christi. Biblioteca Universitària de València, ms. 209.
36. WEBSTER, Jill R. Els Menorets: The Franciscans in the Realms of Aragon
From St. Francis to the Black Death. Toronto: Pontifical Institute for Medieval
Studies, 1993.
37. Dotzè del Crestià, cap. CDLXVI.
38. Delumeau, Jean. Mil Anos de Felicidade. Uma História do Paraíso. Trad. Pau-
lo Neves. São Paulo: Cia das Letras, 1997, p. 42.
39. JASPERT, Nikolas. El perfil transcendental de los reyes aragoneses, siglos XIII
al XV: santidad, franciscanismo y profecias. In: La Corona de Aragón en el Centro
de su Historia (1208-1458). La Monarquía aragonesa y los reinos de la Corona.
Colección Actas, vol. 74. Zaragoza y Monzón, 1 al 4 de diciembre de 2008, p.
183-218.
40. A respeito da controversa questão desta autoria, pode-se retomar dois tra-
balhos especializados, cf.: Hauf, Albert G. D’Eiximenis a sor Isabel de Villena.
Aportació a l’estudi de la nostra cultura medieval. Institut de Filologia Valencia-
na/Publicacions de l’Abadia de Montserrat, 1990. Perarnau, Josep. Documents i
precisions entorn de Francesc Eiximenis (c.1330-1409). Arxiu de Textos Catalans
Antics, I, 1982, p. 191-215.
41. Sobre a presença da tradição escatológica nas terras catalano-aragonesas, cf.
Toldrà, Albert. Mestre Vicent ho diu per spantar. El més enllà medieval. Tesi Doc-
toral en Història, Facultat de Geografia i Història, Universitat de València, 2006,
p. 335-3375. Aurell, Martin. Escathologie, spiritualité et politique dans la confé-
dération catalano-aragonaise (1282-1412). Cahiers de Fanjeaux, “Fins du monde
et signe des temps. Visionnaires et prophètes en France méridionale (fin XIIIe-
-debutXVe siècle)”, nº 27. Toulouse: Privet, 1992, p. 191-235.
nária da igreja “segons diverssos temps passats del començament del món
ençà sots tres lleys justes e sanctes” – as leis da natureza, das escrituras e
da graça42. Todas elas a se consumarem com a parousia, a iminência
apocalíptica do reinado milenar cristão, no qual viriam em sucessão
a conversão dos judeus, a extinção da “seita maometana”, a recupe-
ração de Jerusalém pela cristandade latina e, finalmente, o apareci-
mento do Anticristo místico deste tempo.
Esses dados seguiriam bem ajustados aos termos adventícios do
messianismo joaquimita e ao impacto adicional de um acontecimen-
to coevo a Eiximenis, o chamado “cativeiro de Avignon”, uma crise
no seio da Igreja provocada com a disputa de duas sés apostólicas
sobre o primado de São Pedro. Tal acontecimento fora interpreta-
do pelo menorita e por outros franciscanos, como um destino da
purificação provada pela Igreja dos últimos dias, o que abriria um
momento decisivo na transformação universal do mundo: “E açò
farà la purgació dels ecclesiàstichs e del món aprés, que ja és a les portes.
Emperò, jatsia que la dita terra sia presa, per poch temps durarà e estarà
en mans de crestians, e açò fins a la fi del món”43.
Sendo Eiximenis um homem reconhecido pela sua ortodoxia,
talvez seja de causar surpresa que alguns dos pontos fundamentais de
sua doutrina caminhem tão próximos de concepções escatológicas
imersas em teor herético. Porém, sem nenhum risco de achar nisto
uma verdadeira incongruência, o visionário eiximeniano não neces-
sita que o salvemos da apostasia44.
“És evident que ací la font d’on Eiximenis recull aquesta profecia, o potser el
mateix Eiximenis, identifiquen l’Emperador restaurador del poder cristià amb
l’Emperador d’Alemanya. Per tant sí que ha fet un canvi llavors en el seu sistema
escatològic, car ara ja no encomana aquesta tasca a un Emperador eixit de la casa
de França, com feia al capítol 466.” Brines, Lluís. La filosofia social i política de
Francesc Eiximenis. Sevilla: Novaedició, Grupo Nacional de Editores, 2004, p.
203, nota 668.
46. Idem, ibidem, p. 397-459.
47. Libânio, João B. Bingemer, Maria Clara L. Escatologia Cristã. O novo céu e a
nova terra. Série III: A Libertação na História. Col. Teologia e Libertação. Petró-
polis: Ed. Vozes, 1985, p. 59-64.
48. EVANGELISTI, Paolo. Credere nel marcato, credere nella res publica. La
comunità catalano-aragonese nelle proposte e nell’azione política di un esponen-
te del francescanesimo mediterraneo: Francesc Eiximenis. Anuario de Estudios
Medievales, pp. 73-78. TODESCHINI, Giacomo. Guardiani della soglia. I Frati
Minori como garanti del perímetro sociale (XIII secolo). Reti Medievali, nº 8,
Firenze, 2007. Disponível em: <www.retimedievali.it>.
49. “A quanto ci è noto, l’opera del lettore francescano ebbe scarsa diffusione, ma
costituisce un valido esempio del fatto che agli autori era aperto un ventaglio di
possibilità nell’utilizzo di materiali linguistichi ed argomentativi precedentemente
elaborati, che si poteva estendere dalla semplice ripresa strumentale alle proprie
tesi fino ad una rielaborazione ulteriore, di modo che l’uso stesso produceva un
arrichiamento del patrimonio [i.e., un patrimonio de argomentos a favor da mo-
narquia universal].” LAMBERTINI, Roberto. Governo ideale..., p. 265-266.
50. EVANGELISTI, Paolo, op. cit., p. 75.
51. Dotzè del Crestià, cap. DCCCXXXIII:
“Sobiranament és necessari al príncep que aprés que ha ates al regiment damunt dit
de la col×ligació natural, qui és un dels fonaments de la cosa públic, que après atena
al bon regiment del segon fonament [
], lo qual fonament s’apella col×ligació legal.
E deus saber així, primerament, que legal col×ligació no és sinó ajustament de
diverses persones faents una comunitat, volents viure sots unes mateixes lleis, furs
e regidors; [
] mas per raó quants tots són units en voler viure principalment sots
unes mateixes lleis, per tal són dits en unitat e lligament legal, així com dit és. [
]
E nota ací que... la col×ligació legal està fundada principalment en los fonaments
següents, als quals lo príncep, sib é vol regir, deu molt atendre, ço és: en religiositat
de fe, en aprovada ordinació d’estaments, en justícia de vida, en defensió de la
comunitat, en disposició de costumes, en temprament de fortunes, en varietat de
facultats e de possessions, en treballants ociosos e reposats
dels quals direm per
orde davall, si a Déu plau.”
52. Cf. RIBAGORÇA, Pere de. Tractatus de vita, moribus et regimine principum,
cap. XXIV, especialmente, no qual determina noções pragmáticas para os assuntos
bélicos e discute a necessidade do acordos estamentais.
53. BEUCHAMP, Alexandra. De l’action à l’écriture: Le De Regimine Principum
de l’infant Pierre D’Aragon (V. 1357-1358). Anuario de Estudios Medievales, nº
35/1, Madrid, 2005, pp. 266-269. Também, cf. nota 19 supra.
54. PACHECO, Francisco Luis. “Non obstante”. “Ex certa scientia”. “Ex plenitu-
dine potestatis”. Los reyes de la Corona de Aragón y el principio “princeps a legibus
solutus est”. El Dret Comú i Catalunya. “Actes del VII Simposi Internacional” (Bar-
celona, 23-24 de maig de 1997). Barcelona: Fundació Noguera, 1998, p. 91-127.
55. SABATÉ, Flocel. Discurs i estratègies del poder reial a Catalunya al segle XIV.
Anuario de Estudios Medievales, nº 25/2, Barcelona, 1995, p. 639-641.
56. Dotzè del Crestià, caps. DCLXXIX-DCCL.
59. Cort General de Montsó: 1382-1384. Text en català i llatí. SANS I TRAVÉ,
Josep Maria et alii (ed.). Barcelona: Departament de Justícia de la Generalitat de
Catalunya, 1992, p. 160-161.
60. KANTOROWICZ, Ernst H. Pro patria mori in Medieval Political Thought.
American Historical Review, nº 56, New York, 1951, pp. 472-492.
História da macieira
Há uma velha história que pode ilustrar essa questão do trabalho
dos frutos.
Havia uma aldeia pobre, muito pobre. Para ela, sempre vinha
um negociante de maçãs, vender maçãs. Certo dia, como de costu-
me, chegou à aldeia com uma carroça cheia de belas maçãs... mas,
na carroça, já estava a inscrição: não vendo fiado! E vendia caro, e
daqueles pobrezinhos, coitados, ninguém conseguia comprar. Então
vinham aqueles meninos pobres, famintos, e por ali também passou
um monge velho, pobre, magrinho, e pediu, pelo amor de Deus, uma
maça. O vendedor disse: Não! Não sou assistente social. Compra
quem pode, fiado também não vendo. O monge velhinho chorava
de tristeza. Então passou um rico, viu o monge chorando, ficou com
pena e comprou uma maça para ele. O velho monge tinha tanta fome
que não repartiu com as crianças, devorou a maçã. Mas a semente,
ele não comeu, cuspiu a semente. A semente caiu no chão e, quando
olharam, brotou na hora uma macieira; cresceu num instante; flo-
resceu e deu maçãs, uma mais bonita do que a outra. A criançada,
que assistia a tudo aquilo, caiu em cima e comeu até não ter mais; o
monge comeu. O dono também comeu e disse: Que maçã gostosa!
E disse para criançada: ajunta a semente, e dá pra mim. A criançada
ajuntou e deu a ele: Toma tio, toma tio. Ele ficou contente, satisfeito.
A criançada foi embora, o monge também sumiu, o dono olhou para
carroça ... estava vazia?! O monge havia hipnotizado todo mundo,
fez pressentir que a carroça era a macieira e a criançada comeu tudo.
Qual a moral da história? Quem é dono das maças? A macieira.
É ela que diz a todo mundo: por favor, comam! Ora, o vendedor
honesto tem que saber dessa lógica. Se não conhece essa lógica, não
é vendedor de maçãs, é explorador de maçãs.
O homem medieval compreende a natureza, Deus, a proprie-
dade... assim, e o trabalho também. Mas quando uma pessoa, por
exemplo, diz “eu não sou mais capitalista, para mim não tem mais
propriedade. O que tem é trabalho” etc. Todavia, pode compreender
o trabalho como sendo propriedade. E a coisa continua na mesma.
De novo, entra uma hierarquia de eliminação. No socialismo acon-
tece isso.
Com essa concepção, podemos compreender melhor o que segue
no texto. “És feliz e será bem a ti”. Ser feliz é ser honesto desse jeito. É
bem a ti significa isso lhe fará bem. Isso lhe dará saúde de alma.
experimentei. Vez por outra, é possível que cada um faça esse tipo de
experiência de comunicação.
Como exemplo dessa intercomunicação, talvez sirva um epi-
sódio um tanto engraçado. No decorrer de um curso, em Minas
Gerais, eu estava tentando montar uma apostila. Depois de muitas
discussões, compilei as mesmas num caderno bem resumido. Uma
irmã religiosa, que participava do curso, tinha um irmão que era
vendedor de xampu. Aquela apostila acabou caindo nas mãos daque-
le vendedor. Ele começou a se interessar muito pela apostila, porque
diz que o ajudava a vender xampu. Nós, espirituais, intelectuais, até
nos sentimos um tanto “humilhados” com o fato. Mas, pensando
bem, significa que a apostila estava direita, porque houve intercomu-
nicação. Um dia talvez se pudesse chamar essa pessoa para fazer uma
conferência sobre o modo de como estudar. Mas, seguramente, ele
não iria falar sobre o estudo; falaria sobre o modo de como vender.
Todavia, dá para entender.
O homem medieval era muito hábil. Quando Francisco diz
“aprenda uma arte, um ofício” ... e quando usa a palavra arte, ofício,
ele tem essa mentalidade. Significa que não é só um ganha-pão e,
por isso, ele recomendava que se deve trabalhar bem, honestamente.
A honestidade está diretamente ligada com comunidade univer-
sal. A atividade que exerço no ofício que desempenho está ligada
com a totalidade das relações humanas. É por isso que aprimorando
a arte do trabalho honesto, o homem medieval se tornava mestre, não
importando qual atividade exercesse. Mestre é alguém que aprendeu
a aprender e onde quer que esteja e atue exercita esse aprendizado.
evolution, and especially from the studied texts and the spirit that
stimulated teachers and students in the teaching and study of phi-
losophy in the University of Paris.
Keywords: Philosophy, Theology, Curriculum, Guide for Stu-
dents (Ripoll 109).
O aristotelismo latino existente por volta de 1250 em Paris ainda
era um “aristotelismo eclético” ou “aristotelismo avicenizante e agos-
tinizante”, como queria Nardi1. Aristóteles foi o principal expoente
grego em que os filósofos latinos se apoiaram. O não conhecimento
de todo o sistema aristotélico, assim como as dificuldades surgidas
pelas passagens obscuras (como no De Anima) ou mesmo as lacunas
(como na Metafísica) – percebidas pelos leitores cristãos que as liam
já a partir do paradigma do Deus criador –, favoreceram as tentativas
de explicar, comentar e mesmo completar tais lacunas. Este “ajuste”
foi facilitado pela influência neoplatônica e pela experiência árabe.
Isto é, na fusão da filosofia de Aristóteles com a tradição neoplatô-
nica, foram decisivos os dois escritos neoplatônicos: a Teologia de
Aristóteles, composta de extratos das Enéadas de Plotino, conheci-
da e presente nos comentários árabes e desconhecida diretamente
pelos escolásticos2, e o Liber de causis, baseado em Proclo, que foi
considerado pelos escolásticos como obra de Aristóteles3. Acrescen-
tando-se os escritos de Agostinho, dos Padres da Igreja, dos Árabes
4. Idem. Ibid. p. 171s. Este autor afirma: “De même, la formule ‘aristotélisme
néoplatonisant’ est, a mes yeux, une formule heureuse et exacte pour caractériser,
par exemple, la philosophie de Guillaume d’Auvergne”.
5. Sobre a invasão da filosofia pagã no final do século XII e primeira metade
do XIII, vide: STEENBERGHEN, F.V. Introduction à l’étude de la philosophie
médiévale, p. 75-81. Quanto ao problema das traduções e à influência árabe na
transmissão do pensamento aristotélico, vide a recente publicação: DE BONI, L.
A. A entrada de Aristóteles no Ocidente medieval, p. 23-56.
6. A escolha da classificação das ciências de Gundissalvo foi por ser uma síntese da
dupla tradição árabe-latina e a do anônimo de Barcelona “Guia dos estudantes”,
por representar a organização escolar na Faculdade de Artes. Para conhecimento
de outras obras de introdução à filosofia, na Faculdade de Artes de Paris, além da
Divisio scientie, de Jean de Dacie e a Philosophia, de Aubry de Reims e o De ortu
scientiarum, de Roberto Kilwardby, situadas em torno de 1230 a 1250, vide: C.
LAFLEUR. Quatre introductions à la philosophie au XIIIe siècle, 1988. O autor
apresenta a edição crítica de quatro textos sobre o assunto: Accessus Philosopho-
rum VII artium liberalium, anônimo; a Philosophia disciplina, também anônima;
a Divisio scientiarum, de Arnoul de Provence e o Compendium circa quadrivium,
anônimo. (p. 01 e 02). Não menos significativo, neste sentido, é o De partibus
philosophie essentialibus, de Egídio Romano.
7. Para tanto, sugerimos o artigo de C. Lafleur, “Scientia et ars dans les introduc-
tions à philosophie …”, p. 45-65.
1 O modelo de Gundissalvo
Domingos Gundissalvo compôs em 11508 o Sobre a divisão da
filosofia (De divisione philosophiae), obra que, segundo Steenberghen,
foi marcante na história dos escritos introdutórios à filosofia: “[...]
é com esta obra, de fato, que se opera pela primeira vez a síntese de
uma dupla tradição, árabe e latina, ambas resultado do pensamento
grego”9. O autor introduziu a classificação das ciências no contexto
da escolástica latina, seguindo de perto as fontes árabes e divergindo
da tradicional classificação da preponderância e domínio exclusivo
da abordagem teológica – que algumas décadas antes Abelardo inau-
gurou como theologia christiana, diferente da especulação pagã ou
puramente filosófica sobre a divindade, adotada pela linhagem neo-
platônico-agostiniana – com a clara distinção entre saber humano e
saber teológico. A lógica foi entendida como instrumento de pesqui-
sa e ocupa um lugar como ciência “intermediária” entre as disciplinas
propedêuticas e as disciplinas filosóficas no sentido estrito. Seguindo
o modelo aristotélico de ensino, Gundissalvo dividiu a filosofia em
teorética e prática, tendo como novidade a redistribuição das disci-
plinas integradas das chamadas artes liberais (Trivium: gramática,
retórica e dialética. Quadrivium: aritmética, geometria, astronomia
e música). E, separadamente, está a “Divina Scientia”. Para facilitar
8. Foi publicado o texto por L. BAUR, em 1909, seguido de um estudo crítico de-
talhado. Este trabalho, que trata também de Miguel Scot e de Roberto Kilwardby,
foi resumido e completado, com informações mais recentes, por STEENBER-
GHEN, F.V. La philosophie au XIIIe siècle. p. 111-113.
9. STEENBERGHEN, F.V. Siger de Brabant d’après ses oeuvres inédites: Siger
dans l’histoire de l’aristotélisme, p. 569.
11. Claude LAFLEUR, apresenta um completo estudo sobre isto em sua obra: Le
‘Guide de l’étudiant’ d’un maître anonyme de la Faculté des arts de Paris au XIIIe
siècle. (Ripoll 109), 1995; vide, também, seu artigo “Les ‘guides de l’étudiant’ de
la Faculté des Arts de l’Université de Paris au XIIIe siècle”. In: Philosophy and
Learning – Universities in the Middle Ages, 1995, p. 137-199.
12. STEENBERGHEN, F.V. La philosophie au XIIIe siècle, p. 111.
Considerações finais
As classificações, as divisões e a especialização dos saberes cada
vez mais frequentes, indicavam um reordenamento progressivo dos
estudos em níveis de ensino, acompanhando a criação das univer-
sidades no século XIII. Surgem as faculdades e uma hierarquia en-
tre elas, sendo a formação básica garantida pela Faculdade de Artes,
onde se ensinava basicamente as sete artes liberais acompanhadas de
obras de Aristóteles recentemente conhecidas. As faculdades ditas
superiores eram as de teologia, medicina e direito, almejadas pelos
estudantes como coroamento de seus estudos e profissão. Obvia-
mente, permanecer mais tempo do que o necessário ou pretender
ocupar-se profissionalmente no estudo e ensino na Faculdade de Ar-
tes não era uma opção desejada, exceto para os aristotélicos radicais.
Tratar do problema da sistematização dos saberes empreendida
na escolástica e, assim, compreender o lugar ocupado pela filosofia,
como ela se tornou o exercício de especulação escolar, como a filo-
sofia passou a ser valorizada e o próprio ideal filosófico defendido,
exige uma ampla investigação, que não pode ser feita aqui. No en-
tanto, pareceu-nos possível escolher duas fontes representativas que
apresentam a divisão e a classificação da filosofia nos ensinamentos
filosóficos em Paris até 1240. Nesta cidade iniciava uma nova fase
da filosofia na difícil tarefa de síntese entre as posições ortodoxas e as
novas propostas realizadas no seio da Faculdade de Artes.
Por outro lado, falar dos tipos de métodos de investigação, da for-
ma de discussão, de expressão e de ensino que constituíram a própria
concepção de universidade medieval é uma tarefa complexa, da qual
a breve análise acima apenas esboçou uma pequena parte. As próprias
concepção e definição de “escolástica” não se restringem aos métodos
de ensino e de disputas. Não dá para desconsiderar a relação entre
filosofia e o local de ensino nas escolas e, depois, na universidade; a
relação com a religião cristã e a teologia; a relação com a filosofia an-
tiga e a patrística e a própria influência de aspectos da vida cotidiana.
Referências
CELANO, Anthony J. “The understanding of the concept of felici-
tas in the pre-1250 Commentaries on the Ethica Nicomachea”. In:
Medioevo. Rivista di storia della filosofia medievale, n. XII, Padova:
Antenore, 1986. p. 29-53.
CELANO, Anthony J. “The ‘finis hominis’ in the Thirteenth Century
Commentaries on Aristotle’s Nicomachean Ethics”. In: Archives
d’Histoire Doctrinale et Litteraire du Moyen Age, 61, Paris: Vrin, p.
23-53.
D’ANCONA, Cristina Costa. “Un profilo filosofico dell’autore della
‘Teologia di Aristotele’”. In: Medioevo. Rivista di storia della filosofia
medievale, n. XVII, Padova: Antenore,1991, p.83-134.
DE BONI, Luis A. A entrada de Aristóteles no Ocidente medieval. Porto
Alegre: EST/Ulysses, 2010.
DOMANSKI, J. La philosophie, théorie ou manière de vivre? Les contro-
verses de l’Antiquité à la Renaissance, avec une préface de P. Hadot,
Fribourg: Ed. Universitaires Fribourg, 1996.
FRAILE, G. Historia de la filosofia. Filosofia judía y musulmana. Alta
escolástica: desarrollo y decadencia. II (2), Madrid: BAC, 1986.
GRABMANN, M. Der lateinische Averreismus des 13. Jahrhundertes
und seine Stellung zur christlichen Weltanschauung. Munich, 1931.
LAFLEUR, Claude. “Scientia et ars dans les introductions à la philoso-
phie des maïtres ès arts de l’Université de Paris au XIIIe siècle.” In:
Miscellanea Mediaevalia. Scientia und ars im Hoch-und Spätmittel-
alter. Band 22/1 1994, p. 45-65.
LAFLEUR, Claude. Le ‘Guide de l’étudiant’ d’un maître anonyme de la
Faculté des arts de Paris au XIIIe siècle. (Ripoll 109), Paris, 1995.
cendo uma árvore, cujas sombras há de nos dar nova vida, a árvore
do que está por vir.
Com esta disposição para o porvir, o estudo da filosofia escolásti-
ca descobrirá no cruzamento de antigos caminhos, novas encruzilha-
das de ser e não ser num contínuo e diuturno vir-a-ser!
A passagem
Todos os esforços filosóficos na e da passagem de Santo Agosti-
nho para a escolástica se ligam a sete nomes: Claudianus Mamertus,
Martianus Capella, Martinus de Bracara, Isidorus Hispalensis, Beda
Venerabilis, Severinus Boethius, Magnus Aurelius Cassiodorus.
Claudianus Mamertus é um padre de Vienne na Gália, no Dau-
phiné. Nasceu no início do século V e combateu nos meados do
século o semipelagianismo de Faustus. Faustus era, desde 452, bispo
de Reglum na Gália, que, juntamente com Gennadius e Hilarius
de Poitier, defendia a corporidade da alma humana, pois somente
Deus não tem corpo. Para Faustus, toda criatura é uma unidade de
matéria e forma e por isso mesmo limitada em sua natureza, dispon-
do, em consequência, de uma localização no espaço e, portanto, de
uma existência e modo de ser corporais. Tudo que é criado possui
qualidade e quantidade, visto que somente Deus se acha acima de
qualquer categoria e delimitação. Ora, quantidade inclui necessa-
riamente corporidade e, portanto, espacialidade. De vez que a alma
mora num organismo e não pode existir fora dele, é sempre uma
substância corporal.
A esta maneira estoicizante de entender a relação entre corpo
e alma no homem, Claudianus Mamertus se opôs num pequeno
escrito composto em 468-69, De statu animae, o Estado de alma, de
inspiração neoplatônica e augustiniana. Concedia que toda criatura,
portanto, também a alma humana, se enquadra em categorias, i. é,
em modos de ser genéricos e universais, concretizados em diferenças
específicas e princípios singulares. Como substância, a alma possui
A ética desde a antiguidade tem sido uma ética das virtudes e dos
vícios. Já Filon de Alexandria conciliou os ensinamentos de Aristóte-
les e dos estoicos com os ensinamentos da Bíblia. A lei dada por Deus
serve para aperfeiçoar as virtudes inatas no homem pela criação.
Para o cristianismo, a doutrina das virtudes constitui a estrutura
moral e o pensamento ascético da vida cristã. Para transmitir tanto
a estrutura como o pensamento, os Padres Gregos e Latinos, sobre-
tudo Evrágrio do Ponto e Santo Agostinho, retomam os princípios
e axiomas sobre as virtudes dos estoicos: por exemplo, a virtude é o
único bem e o vício, o único mal, o resto é indiferente. A virtude
está no justo meio entre os dois extremos. O prêmio da virtude é a
própria virtude. A via da virtude é difícil, o caminho do vício, fácil.
A virtude é uma só, os vícios são muitos. A pluralidade das virtudes
são aplicações da unidade da virtude. Todas as aplicações incluem a
unidade. É a famosa anakolouzia das virtudes = uma virtude supõe e
acompanha todas as virtudes.
Martinho de Braga se baseia em Origines, que identifica as vir-
tudes com Cristo. Pois Cristo é a Justiça, a Sabedoria, a Verdade.
Enquanto os cristãos e os homens não são as virtudes, no máximo
têm virtude, na medida em que participam da vida de Cristo. Mar-
tinho ainda não distingue, como depois se faz na Alta Escolástica,
entre virtudes “materiais” e virtudes “substanciais”. Seguindo Santo
Agostinho e os Padres da Patrística, aceitou com Sêneca e os estoicos
a divisão de Platão das 4 virtudes cardeais: 1º) a prudência, que aper-
feiçoa a mente; 2a ) a coragem, que mobiliza a energia da vontade
contra o mal; 33) a temperança, que resiste à concupiscência; 43) a
justiça, que harmoniza e equilibra na devida proporção o exercício
das virtudes.
Seguindo os estoicos, Martinho parte da convicção de que a
maldade, a malícia não pertence à natureza do homem, dotado de
integridade. A maldade vem de fora; é criação no pensamento do es-
pírito do mal. Orígenes diz que a fonte de todo mal são pensamentos
adventícios, que se implantam em 3 etapas: a primeira rebelião é a
As fontes da escolástica
O surgimento da Escolástica se prende a fontes que lhe fornece-
ram problemas e doutrinas da Filosofia e Teologia da Antiguidade.
O modo e a medida do acervo recebido vão determinar as tendências
e as correntes, características e limites das fases de sua evolução na
pré-escolástica, na proto- e na alta escolástica. Por isso, é de suma
importância para compreender a escolástica ter uma ideia geral dos
mananciais de que a filosofia na escolástica retirou as forças, a dinâ-
mica e os endereços de seu crescimento. São três as vertentes, com
suas bifurcações, que chegaram, ao longo dos séculos, até o esforço
de pensamento e reflexão dos medievais: o acervo filosófico da an-
tiguidade clássica e posterior e o depósito da teologia cristã com a
Bíblia, a tradição e os concílios.
No séc. XII se completou o cânon de 7 escritos lógicos que ser-
viu de base para as atividades de ensino, pesquisa e reflexão.
Para se compreender o espírito da filosofia escolástica, é indis-
pensável conhecer o método de exercício, i é, o conjunto dos prin-
cípios de interpretação, dos padrões de organização, das práticas
de operação, que caracterizam as diversas formas de exposição, de
investigação e transmissão do conhecimento e ensino. O método
escolástico é uma criação original da idade média cristã. Como há
sempre uma unidade prática e subordinada da filosofia à teologia, os
procedimentos, os instrumentos e técnicas criados valem para ambos
os níveis de conhecimento. A lectio, a disputatio e compositio são as
formas de procedimento tanto na teologia quanto na filosofia.
A essência da filosofia escolástica reside e está numa a sistema-
tização de um imenso material múltiplo e diverso, herdado da tra-
dição filosófica e teológica. O caráter do método escolástico está a
serviço desta essência, comprometido sempre com um esforço de
síntese. Por isso, o entendimento dos escolásticos de scientia e doctri-
na é, em qualquer diferença, aplicação; “componere verba et sermones”
é a atividade de todo escolástico, o que exclui o sentido moderno de
tempo vago, não desprezes nenhum escrito nem sequer qualquer lei.
Se nada ganhas, tampouco nada perdes. O Apóstolo, pois, disse: Ler
de tudo e reter o que é bom (1Ts 5). O bom leitor deve ser humilde e
manso, completamente alheio aos cuidados do mundo e à sedução
dos prazeres, e diligente para que de tudo aprenda com gosto. Nunca
presuma de sua ciência, não se veja a si mesmo como douto, mas
queira sê-lo, que busque os ditos dos sábios, e se esforce ardentemen-
te para mantê-los sempre diante de seus olhos, sendo como que um
espelho diante de seu rosto.
4. Da inteligência
A inteligência é certo vigor natural implícito no ânimo, que tem
vigência por si mesmo. A memória é a percepção das coisas, das
palavras, das sentenças e dos sentidos, firmíssima do animo ou da
mente. A inteligência descobre, a memória custodia. A inteligência
5. Da meditação
A meditação é um cogitar freqüente, com instrução, que inves-
tiga prudentemente causa e origem, modo e utilidade de cada coisa.
A meditação toma seu princípio da leitura, embora não se construa
com as regras ou preceitos da lição. Deleita-se pois em discorrer num
espaço aberto, onde afixa aguda e livremente a vista para contemplar
a verdade; e tocar essas causas das coisas, ora aquelas, ora penetrar algo
profundamente, nada deixando de duvidoso ou de obscuro. O prin-
cípio da doutrina está na leitura, a consumação na meditação. Pois se
alguém aprendesse a amá-la com familiaridade, querendo dedicar-lhe
bastante tempo, a vida se torna agradável e, na tribulação, presta-lhe
o máximo consolo. É ela, pois, que maximamente separa a alma do
estrépito dos feitos terrenos, e permite degustar nesta vida também,
de algum modo, a doçura do repouso eterno. E uma vez que já apren-
deu a buscar e compreender quem fez, a partir daquilo que foi feito,
então instrui a alma igualmente pela ciência e aprofunda-a pela ale-
gria: e com isso, resulta que na meditação está o máximo de deleite.
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