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Teias alimentares são modelos conceituais de interações tróficas de organismos

em um ecossistema

Desde que Charles Darwin, em A Origem das Espécies (1859), descreveu “um terreno
emaranhado, recoberto com muitas plantas de muitos tipos, com pássaros cantando nos arbustos,
com vários insetos voando ao redor, [...] dependentes uns dos outros de maneira tão complexa”, a
interdependência das espécies tem sido um conceito central na ecologia. Quando examinamos essas
conexões entre as espécies com foco nas relações alimentares, elas podem ser descritas por uma teia
alimentar, um diagrama mostrando as conexões entre os organismos e o alimento que eles
consomem. Para o ecossistema de deserto que abordamos no início deste capítulo, podemos
construir uma teia alimentar simplificada mostrando que plantas são consumidas por insetos e
esquilos, e que esses herbívoros servem de alimento para escorpiões, águias e raposas (Figura
21.15A). Desse modo, podemos começar a entender qualitativamente como a energia flui de um
componente desse ecossistema para o outro, e como esse fluxo de energia pode influenciar
mudanças nos tamanhos da população e na
composição das comunidades.

Teia s a limenta res sã o complexa s


A teia alimentar do deserto na Figura
21.15A está longe de estar completa. Dependendo
de nosso objetivo, podemos adicionar outros
organismos e outras conexões à teia alimentar,
gerando complexidade adicional. Por exemplo, o
escorpião consome insetos como o gafanhoto, mas
assim como o gafanhoto, ele pode se tornar
alimento para aves como picanços e corujas (Figura
21.15B). À medida que continuamos adicionando
mais e mais organismos à teia alimentar,
acrescentamos complexidade, de modo que ela
pode assumir a aparência de um “diagrama
espaguete” (Figura 21.16). A fim de acrescentar
maior realismo, é importante reconhecer que as
relações alimentares dos animais podem abranger
múltiplos níveis tróficos (onivoria) e até mesmo
envolver canibalismo (flechas circulares na Figura
21.16) (Polis, 1991).
Embora as teias alimentares sejam
ferramentas conceituais úteis, até mesmo uma teia
simplificada é uma aves migratórias, são relativa-
mente móveis e compõem, dessa forma, múltiplas
teias alimentares. A maioria das representações de
teias alimentares fracassa em considerar interações
Figura 21.15 Teias alimentares de deserto. As biológicas adicionais entre organismos, interações
teias alimentares podem ser simples ou essas que influenciam na dinâmica populacional e
complexas dependendo de seu propósito. (A) da comunidade, como os mutualismos da
Uma teia alimentar simples de seis membros, polinização. Os papéis criticamente importantes
representativa do deserto norte-americano. dos microrganismos muitas vezes também são igno-
(B) A adição de mais participantes à teia rados, apesar deles processarem uma quantidade
acrescenta realismo, mas a inclusão de espécies significativa da energia que se move pelos ecos-
adicionais acrescenta complexidade. sistemas. Então, para que servem as teias
alimentares? Apesar dessas aparentes insuficiências,
as teias alimentares são importantes ferramentas
conceituais para a compreensão das dinâmicas de
interação entre as espécies e o fluxo energético nos ecossistemas, assim como das dinâmicas das
comunidades e populações dos organismos que as compõem.

A s força s da s intera ções trófica s sã o


va riá vei s
Como indicado na recém-citada
passagem de Darwin, bem como ao longo dos
capítulos anteriores, um conceito central do
pensamento ecológico é que “tudo está
conectado a tudo”. No entanto, as conexões
entre as espécies em um ecossistema variam em
importância para o fluxo energético e para a
dinâmica populacional da espécie; em outras
palavras, nem todas as conexões são igualmente
importantes. Algumas relações tróficas podem
ter um papel maior do que outras na de-
terminação de como a energia flui no
ecossistema. A força de interação é a medida do
efeito da população de uma espécie sobre o
tamanho da população de outra espécie.
Determinar as forças de interação é uma
importante meta dos ecólogos, pois isso nos
ajuda a simplificar o “emaranhado” de uma teia
alimentar complexa pelo enfoque naquelas
ligações mais importantes para a pesquisa básica Figura 21.16 Teias alimentares podem ser
e a conservação. complexas Nesta teia alimentar do deserto
Muito da pesquisa ecológica recente é norte-americano, a complexidade confunde
dedicado a descobrir medições mais simples e qualquer interpretação das interações entre os
menos diretas, mas que ainda forneçam uma membros. No entanto, até mesmo essa teia
estimativa confiável da importância relativa das alimentar não apresenta a maioria das interações
diferentes ligações. Por exemplo, teias tróficas do ecossistema. (De Polis, 1991.)
alimentares simples podem ser combinadas com
observações sobre as preferências alimentares de predadores e sobre as mudanças no tamanho das
populações de predadores e presas ao longo do tempo, com vistas a fornecer uma estimativa de
quais interações são mais fortes. Do mesmo modo, comparações entre duas ou mais teias
alimentares, em que uma espécie de predador ou presa está presente em algumas, mas ausente em
outras, podem fornecer evidências da importância relativa dos elos. O tamanho corporal dos
predadores e das presas tem sido utilizado para predizer a força da interação predador-presa, pois se
sabe que a taxa de alimentação está relacionada à taxa de metabolismo, que por sua vez é governada
pelo tamanho do corpo. As melhores estimativas das forças de interação em teias alimentares
frequentemente vêm da combinação dessas abordagens.
Uma série de estudos clássicos foi realizada por Robert Paine para examinar forças de interação
em teias alimentares nas zonas rochosas entremarés do Noroeste do Pacífico. Paine (1966) observou
que a diversidade dos organismos nas zonas rochosas entremarés declinava à medida que a densidade
de predadores diminuía. Ele ponderou que alguns desses predadores poderiam estar desempe-
nhando um papel mais importante que os outros no controle da diversidade dessas comunidades.
Uma das observações fundamentais de Paine foi a de que uma espécie de mexilhão (Mytilus
californianus) tinha habilidade de superar em crescimento e sobrepujar muitas das outras espécies
de invertebrados sésseis que competiam com ela por espaço. Paine levantou a hipótese de que os
predadores poderiam estar desempenhando um papel fundamental na manutenção da diversidade
nessa comunidade, consumindo os mexilhões e impedindo-os de excluir competitivamente outras
espécies.
Para testar essas hipóteses, Paine
conduziu um experimento no estado de
Washington, no qual ele removeu o
predador de topo do ecossistema, a estrela-
do-mar Pisaster ochraceus, de parcelas
experimentais. A Pisaster alimenta-se
principalmente de bivalves e cracas e, em
menor grau, de outros moluscos, como o
quíton (classe Polyplacophora), a lapa
(ordem Docoglossa) e um tipo de búzios do
gênero Nucella (Figura 21.17). Após a
contínua remoção manual de Pisaster em
parcelas de 16 m², cracas (Balanus glandula)
tornaram-se mais abundantes, mas, com o Figura 21.17 Uma teia alimentar da zona
tempo, foram superadas pelos mexilhões entremarés. Essa teia alimentar em local rochoso
(Mytilus) e por cracas-pescoço-de-ganso em zona de entremarés da Baía Mukkaw, Estado
(gênero Pollicipes). Após dois anos e meio, de Washington, foi usada por Robert Paine para
o número de espécies na comunidade tinha investigar a força das interações entre a estrela-do-
diminuído de 15 para 8. Mesmo cinco anos mar Pisaster ochraceus e suas presas.
após o início do experimento, quando as estrelas-do-mar não estavam mais sendo removidas, a
dominância dos mexilhões continuou, pois os indivíduos de mexilhões tinham alcançado tamanhos
que impediam a predação pelas estrelas-do-mar, permanecendo menor a diversidade nas parcelas
experimentais do que nas parcelas de controle adjacentes (Paine et al., 1985). Remoções
experimentais de predadores de níveis superiores em outras áreas de zonas de entremarés, incluindo
uma na Nova Zelândia, a qual não tem espécies em comum com a zona entremarés do Noroeste
do Pacífico, apresentaram reduções similares na diversidade. Tais espécies são mais importantes em
teias alimentares do que seus números indicariam.
A experiência de Paine e de outros foi um avanço encorajador na ecologia porque demonstrou
que, apesar da complexidade potencial das interações tróficas entre as espécies, os padrões de fluxo
de energia e de estrutura de comunidades podem ser governados por um pequeno subgrupo dessas
espécies. Paine classificou a Pisaster como uma espécie-chave, ou seja, espécie com uma influência
no fluxo energético e na composição da comunidade maior do que seria previsto levando em conta
sua abundância ou biomassa. O conceito de espécie-chave tornou-se um foco importante na
ecologia e na biologia da conservação, porque sugere que a proteção dessas espécies pode ser crucial
para a proteção de muitas outras que dependem delas. Muitas espécies-chave são predadores de
níveis tróficos superiores, que tendem a causar efeitos significativos nas populações de presas
diretamente relacionados à sua própria abundância.
Algumas espécies agem como espécies-chave em apenas parte de sua área de ocorrência,
sugerindo que as forças de interação são dependentes do contexto ambiental. Vários estudos,
descobriram variações dependentes do contexto no grau em que as espécies se comportam como
espécies-chave. Assim, apesar de o conceito de espécie-chave ser intuitivamente simples, predizer
quando e onde uma espécie em particular se comportará como espécie-chave continua sendo um
desafio.

Referência: Cain, M. L., Bowman, W. D. & Hacker, S. D. 2019. Ecologia. 3ª ed. Artmed,
Porto Alegre.

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