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Richard Feynman: sobre a educação no Brasil.

Em relação à educação no Brasil, responder! Por exemplo, uma vez

tive uma experiência muito eu estava falando sobre luz

interessante. Eu estava dando aulas polarizada e dei a eles alguns filmes

para um grupo de estudantes que polaróide.

se tornariam professores, uma vez

que àquela época não havia muitas O polaróide só passa luz cujo vetor

oportunidades no Brasil para elétrico esteja em uma

pessoal qualificado em ciências. determinada direção; então

Esses estudantes já tinham feito expliquei como se pode dizer em

muitos cursos, e esse deveria ser o qual direção a luz está polarizada,

curso mais avançado em baseando-se em se o polaróide é

eletricidade e magnetismo — escuro ou claro.

equações de Maxwell, e assim por

diante. Primeiro pegamos duas filas de


polaróide e giramos até que elas

Descobri um fenômeno muito deixassem passar a maior parte da

estranho: eu podia fazer uma luz. A partir disso, podíamos dizer

pergunta e os alunos respondiam que as duas fitas estavam

imediatamente. Mas quando eu admitindo a luz polarizada na

fizesse a pergunta de novo — o mesma direção — o que passou por

mesmo assunto e a mesma um pedaço de polaróide também

pergunta, até onde eu conseguia –, poderia passar pelo outro. Mas,

eles simplesmente não conseguiam então, perguntei como se poderia

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dizer a direção absoluta da polarizada: eles tinham me dito até
polarização a partir de um único em qual direção ela estava
polaróide. polarizada.
Eu disse: “Olhem a baía lá fora, pelo
Eles não faziam a menor idéia. polaróide. Agora virem o
Eu sabia que havia um pouco de polaróide”.
ingenuidade; então dei uma pista: — Ah! Está polarizada”!, eles
“Olhe a luz refletida da baía lá fora”. disseram.
Ninguém disse nada.
Então eu disse: “Vocês já ouviram Depois de muita investigação,
falar do Ângulo de Brewster?” finalmente descobri que os
— Sim, senhor! O Ângulo de estudantes tinham decorado tudo,
Brewster é o ângulo no qual a luz mas não sabiam o que queria dizer.
refletida de um meio com um Quando eles ouviram “luz que é
índice de refração é refletida de um meio com um
completamente polarizada. índice”, eles não sabiam que isso
— E em que direção a luz é significava um material como a
polarizada quando é refletida? água. Eles não sabiam que a
— A luz é polarizada perpendicular “direção da luz” é a direção na qual
ao plano de reflexão, senhor. você vê alguma coisa quando está
Mesmo hoje em dia, eu tenho de olhando, e assim por diante. Tudo
pensar; eles sabiam fácil! Eles estava totalmente decorado, mas
sabiam até a tangente do ângulo nada havia sido traduzido em
igual ao índice! palavras que fizessem sentido.
Eu disse: “Bem?” Assim, se eu perguntasse: “O que é
Nada ainda. Eles tinham o Ângulo de Brewster?”, eu estava
simplesmente me dito que a luz entrando no computador com a
refletida de um meio com um senha correta. Mas se eu digo:
índice, tal como a baía lá fora, era “Observe a água, nada acontece —

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eles não têm nada sob o comando coloca muito peso do lado de fora,
“Observe a água”. em comparação quando você
coloca perto da dobradiça — nada!
Depois participei de uma palestra Depois da palestra, falei com um
na faculdade de engenharia. A estudante: “Vocês fizeram uma
palestra foi assim: “Dois corpos… porção de anotações — o que vão
são considerados equivalentes… se fazer com elas?”
torques iguais… produzirem… — Ah, nós as estudamos, ele diz.
aceleração igual. Dois corpos são Nós teremos uma prova.
considerados equivalentes se — E como vai ser a prova?
torques iguais produzirem — Muito fácil. Eu posso dizer agora
aceleração igual”. Os estudantes uma das questões. Ele olha em seu
estavam todos sentados lá fazendo caderno e diz: “Quando dois
anotações e, quando o professor corpos são equivalentes?” E a
repetia a frase, checavam para ter resposta é: “Dois corpos são
certeza de que haviam anotado considerados equivalentes se
certo. Então eles anotavam a torques iguais produzirem
próxima frase, e a outra, e a outra. aceleração igual”. Então, você vê,
Eu era o único que sabia que o eles podiam passar nas provas,
professor estava falando sobre “aprender” essa coisa toda e não
objetos com o mesmo momento saber nada, exceto o que eles
de inércia e era difícil descobrir tinham decorado.
isso.
Eu não conseguia ver como eles Então fui a um exame de admissão
aprenderiam qualquer coisa para a faculdade de engenharia. Era
daquilo. Ele estava falando sobre uma prova oral e eu tinha
momentos de inércia, mas não se permissão para ouvi-la. Um dos
discutia quão difícil é empurrar estudantes foi absolutamente
uma porta para abrir quando se fantástico: ele respondeu tudo

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certinho! Os examinadores alguma coisa sobre a mesa, o que
perguntaram a ele o que era aconteceria com a imagem se eu
diamagnetismo e ele respondeu inclinasse o copo?”
perfeitamente. Depois eles — Ela seria defletida, senhor, em
perguntaram: “Quando a luz chega duas vezes o ângulo que o senhor
a um ângulo através de uma lâmina tivesse virado o livro.
de material com uma determinada Eu disse: “Você não fez confusão
espessura, e um certo índice N, o com um espelho, fez?”
que acontece com a luz? — Não senhor!
— Ela aparece paralela a si própria,
senhor — deslocada. Ele havia acabado de me dizer na
— E em quanto ela é deslocada? prova que a luz seria deslocada,
— Eu não sei, senhor, mas posso paralela a si própria e, portanto, a
calcular. Então, ele calculou. Ele era imagem se moveria para um lado,
muito bom. Mas, a essa época, eu mas não seria alterada por ângulo
tinha minhas suspeitas. algum. Ele havia até mesmo
calculado em quanto ela seria
Depois da prova, fui até esse deslocada, mas não percebeu que
brilhante jovem e expliquei que eu um pedaço de vidro é um material
era dos Estados Unidos e que eu com um índice e que o cálculo dele
queria fazer algumas perguntas a se aplicava à minha pergunta.
ele que não afetariam, de forma
alguma, os resultados da prova. A Dei um curso na faculdade de
primeira pergunta que fiz foi: “Você engenharia sobre métodos
pode me dar algum exemplo de matemáticos na física, no qual
uma substância diamagnética?” tentei demonstrar como resolver os
— Não. Aí eu perguntei: “Se esse problemas por tentativa e erro. É
livro fosse feito de vidro e eu algo que as pessoas geralmente
estivesse olhando através dele não aprendem; então comecei com

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alguns exemplos simples para consegui que eles fizessem foi
ilustrar o método. Fiquei surpreso perguntas. Por fim, um estudante
porque apenas cerca de um entre explicou-me: “Se eu fizer uma
cada dez alunos fez a tarefa. Então pergunta para o senhor durante a
fiz uma grande preleção sobre palestra, depois todo mundo vai
realmente ter de tentar e não só ficar me dizendo: “Por que você
ficar sentado me vendo fazer. está fazendo a gente perder tempo
na aula? Nós estamos tentando
Depois da preleção, alguns aprender alguma coisa, e você o
estudantes formaram uma pequena está interrompendo, fazendo
delegação e vieram até mim, perguntas”.
dizendo que eu não havia
entendido os antecedentes deles, Era como um processo de tirar
que eles podiam estudar sem vantagens, no qual ninguém sabe o
resolver os problemas, que eles já que está acontecendo e colocam
haviam aprendido aritmética e que os outros para baixo como se eles
essa coisa toda estava abaixo do realmente soubessem. Eles todos
nível deles. fingem que sabem, e se um
estudante faz uma pergunta,
Então continuei a aula e, admitindo por um momento que as
independente de quão complexo coisas estão confusas, os outros
ou obviamente avançado o adotam uma atitude de
trabalho estivesse se tornando, eles superioridade, agindo como se
nunca punham a mão na massa. É nada fosse confuso, dizendo àquele
claro que eu já havia notado o que estudante que ele está desperdi-
acontecia: eles não conseguiam çando o tempo dos outros.
fazer! Expliquei a utilidade de se trabalhar
em grupo, para discutir as dúvidas,
Uma outra coisa que nunca analisá-las, mas eles também não

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faziam isso porque estariam importantes, e assim por diante.
deixando cair a máscara se Imediatamente, alguém disse:
tivessem de perguntar alguma “Você não vai falar sobre o livro,
coisa a outra pessoa. Era uma pena! vai? O homem que o escreveu está
Eles, pessoas inteligentes, faziam aqui, e todo mundo acha que esse
todo o trabalho, mas adotaram essa é um bom livro”.
estranha forma de pensar, essa — Você me prometeu que eu
forma esquisita de autopropagar a poderia dizer o que quisesse.
“educação”, que é inútil,
definitivamente inútil! O auditório estava cheio. Comecei
definindo ciência como um
Ao final do ano acadêmico, os entendimento do comportamento
estudantes pediram-me para dar da natureza. Então, perguntei:
uma palestra sobre minhas “Qual um bom motivo para lecionar
experiências com o ensino no ciência? É claro que país algum
Brasil. Na palestra, haveria não só pode considerar-se civilizado a
estudantes, mas também menos que… pá, pá, pá”. Eles
professores e oficiais do governo. estavam todos concordando,
Assim, prometi que diria o que porque eu sei que é assim que eles
quisesse. Eles disseram: “É claro. pensam.
Esse é um país livre”.
Aí eu entrei, levando os livros de Aí eu disse: “Isso, é claro, é absurdo,
física elementar que eles usaram no porque qual o motivo pelo qual
primeiro ano de faculdade. Eles temos de nos sentir em pé de
achavam esses livros bastante bons igualdade com outro país? Nós
porque tinham diferentes tipos de temos de fazer as coisas por um
letra — negrito para as coisas mais bom motivo, uma razão sensata;
importantes para se decorar, mais não apenas porque os outros países
claro para as coisas menos fazem”. Depois, falei sobre a

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utilidade da ciência e sua há resultado.
contribuição para a melhoria da
condição humana, e toda essa Então eu fiz a analogia com um
coisa — eu realmente os provoquei erudito grego que ama a língua
um pouco. grega, que sabe que em seu país
não há muitas crianças estudando
Daí eu disse: “O principal propósito grego. Mas ele vem a outro país,
da minha apresentação é provar onde fica feliz em ver todo mundo
aos senhores que não se está estudando grego — mesmo as
ensinando ciência alguma no menores crianças nas escolas
Brasil!” elementares. Ele vai ao exame de
um estudante que está se
Eu os vejo se agitar, pensando: “O formando em grego e pergunta a
quê? Nenhuma ciência? Isso é ele: “Quais as idéias de Sócrates
loucura! Nós temos todas essas sobre a relação entre a Verdade e a
aulas”. Beleza?” — e o estudante não
consegue responder. Então ele
Então eu digo que uma das pergunta ao estudante: “O que
primeiras coisas a me chocar Sócrates disse a Platão no Terceiro
quando cheguei ao Brasil foi ver Simpósio?” O estudante fica feliz e
garotos da escola elementar em prossegue: “Disse isso, aquilo,
livrarias, comprando livros de física. aquilo outro” — ele conta tudo o
Havia tantas crianças aprendendo que Sócrates disse, palavra por
física no Brasil, começando muito palavra, em um grego muito bom.
mais cedo do que as crianças nos
Estados Unidos, que era estranho Mas, no Terceiro Simpósio,
que não houvesse muitos físicos no Sócrates estava falando
Brasil — por que isso acontece? Há exatamente sobre a relação entre a
tantas crianças dando duro e não Verdade e a Beleza!

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O que esse erudito grego descobre distância que a bola percorreu em
é que os estudantes em outro país um segundo, dois segundos, três
aprendem grego aprendendo segundos, e assim por diante. Os
primeiro a pronunciar as letras, números têm Erros — ou seja, se
depois as palavras e então as você olhar, você pensa que está
sentenças e os parágrafos. Eles vendo resultados experimentais,
podem recitar, palavra por palavra, porque os números estão um
o que Sócrates disse, sem perceber pouco acima ou um pouco abaixo
que aquelas palavras gregas dos valores teóricos. O livro fala até
realmente significam algo. Para o sobre ter de corrigir os erros
estudante, elas não passam de sons experimentais — muito bem. No
artificiais. Ninguém jamais as entanto, uma bola descendo em
traduziu em palavras que os um plano inclinado, se realmente
estudantes possam entender. for feito isso, tem uma inércia para
Eu disse: “É assim que me parece entrar em rotação e, se você fizer a
quando vejo os senhores experiência, produzirá cinco
ensinarem ‘ciência’ para as crianças sétimos da resposta correta, por
aqui no Brasil” (Uma pancada, causa da energia extra necessária
certo?) para a rotação da bola. Dessa
forma, o único exemplo de
Então eu ergui o livro de física ‘resultados’ experimentais é obtido
elementar que eles estavam de uma experiência falsa. Ninguém
usando. jogou tal bola, ou jamais teriam
obtido tais resultados!”
“Não são mencionados resultados
experimentais em lugar algum “Descobri mais uma coisa”, eu
desse livro, exceto em um lugar continuei. “Ao folhear o livro
onde há uma bola, descendo um aleatoriamente e ler uma sentença
plano inclinado, onde ele diz a de uma página, posso mostrar qual

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é o problema — como não há torrão de açúcar e o fricciona com
ciência, mas memorização, em um par de alicates no escuro,
todos os casos. Então, tenho pode-se ver um clarão azulado.
coragem o bastante para folhear as Alguns outros cristais também
páginas agora em frente a este fazem isso. Ninguém sabe o
público, colocar meu dedo em uma motivo. O fenômeno é chamado
página, ler e provar para os triboluminescência’. Aí alguém vai
senhores.” para casa e tenta. Nesse caso, há
uma experiência da natureza.” Usei
Eu fiz isso. Brrrrrrrup — coloquei aquele exemplo para mostrar a
meu dedo e comecei a ler: eles, mas não faria qualquer
“Triboluminescência. diferença onde eu pusesse meu
Triboluminescência é a luz emitida dedo no livro; era assim em quase
quando os cristais são toda parte.
friccionados…”
Por fim, eu disse que não
Eu disse: “E aí, você teve alguma conseguia entender como alguém
ciência? Não! Apenas disseram o podia ser educado neste sistema de
que uma palavra significa em autopropagação, no qual as
termos de outras palavras. Não foi pessoas passam nas provas e
dito nada sobre a natureza — quais ensinam os outros a passar nas
cristais produzem luz quando você provas, mas ninguém sabe nada.
os fricciona, por que eles “No entanto”, eu disse, “devo estar
produzem luz. Alguém viu algum errado. Há dois estudantes na
estudante ir para cada e minha sala que se deram muito
experimentar isso? Ele não pode”. bem, e um dos físicos que eu sei
que teve sua educação toda no
“Mas, se em vez disso, estivesse Brasil. Assim, deve ser possível para
escrito: ‘Quando você pega um algumas pessoas achar seu

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caminho no sistema, ruim como ele esperava de forma alguma. Um dos
é.” estudantes levantou-se e disse: “Eu
sou um dos dois estudantes aos
Bem, depois de eu dar minha quais o Sr. Feynman se referiu ao
palestra, o chefe do departamento fim de seu discurso. Eu não estudei
de educação em ciências levantou no Brasil; eu estudei na Alemanha e
e disse: “O Sr. Feynman nos falou acabo de chegar ao Brasil”.
algumas coisas que são difíceis de
se ouvir, mas parece que ele O outro estudante que havia se
realmente ama a ciência e foi saído bem em sala de aula tinha
sincero em suas críticas. Assim algo semelhante a dizer. O
sendo, acho que devemos prestar Professor que eu havia mencionado
atenção a ele. Eu vim aqui sabendo levantouse e disse: “Estudei aqui no
que temos algumas fraquezas em Brasil durante a guerra quando,
nosso sistema de educação; o que felizmente, todos os professores
aprendi é que temos um câncer!” — haviam abandonado a
e sentou-se. universidade: então aprendi tudo
lendo sozinho. Dessa forma, na
Isso deu liberdade a outras pessoas verdade, não estudei no sistema
para falar, e houve uma grande brasileiro”.
agitação. Todo mundo estava se
levantando e fazendo sugestões. Eu não esperava aquilo. Eu sabia
Os estudantes reuniram um comitê que o sistema era ruim, mas 100
para mimeografar as palestras, por cento — era terrível!
antecipadamente, e organizaram Uma vez que eu havia ido ao Brasil
outros comitês para fazer isso e por um programa patrocinado pelo
aquilo. Governo dos Estados Unidos, o
Departamento de Estado pediu-me
Então aconteceu algo que eu não que escrevesse um relatório sobre

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minhas experiências no Brasil, e
escrevi os principais pontos do
discurso que eu havia acabado de
fazer. Mais tarde descobri, por vias
secretas, que a reação de alguém
no Departamento de Estado foi:
“Isso prova como é perigoso
mandar alguém tão ingênuo para o
Brasil. Pobre rapaz; ele só pode
causar problemas. Ele não
entendeu os problemas”. Bem pelo
contrário! Acho que essa pessoa no
Departamento de Estado era
ingênua em pensar que, porque viu
uma universidade com uma lista de
cursos e descrições, era assim que
era.

Richard P. Feynman (1918–1988) foi um no Brasil por quase um ano trabalhando

cientista que, ainda muito jovem, em 1942, com cientistas brasileiros e o presente

trabalhou como líder de grupo de física artigo é, na verdade, um relato de sua

teórica no Laboratório de Los Alamos, que estada entre nós. O texto é saborosamente

desenvolvia o projeto da fissão nuclear. espirituoso, como era de seu feitio, e foi

Ganhou o Prêmio Nobel de física em 1965 extraído de seu livro de memórias “Deve

e notabilizou-se também por sua ser Brincadeira, Sr. Feynman!”,

personalidade alegre e espontânea, recentemente publicado pela Editora

servindo de modelo para muitos Universidade de Brasília, em co-edição

personagens de Hollywood, do cientista com a Imprensa Oficial do Estado de S.

jovem e genial. Nos anos 50, permaneceu Paulo

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