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PLATAFORMIZAÇÃO, INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E SOBERANIA DE DADOS

Book · November 2023

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5 authors, including:

Nina Da Hora
University of Campinas
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PLATAFORMIZAÇÃO,
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
E SOBERANIA DE DADOS:
TECNOLOGIA NO BRASIL 2020-2030

Organização

Cláudio Penteado
Jerônimo Pellegrini
Sérgio Amadeu da Silveira

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PLATAFORMIZAÇÃO,
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
E SOBERANIA DE DADOS:
TECNOLOGIA NO BRASIL 2020-2030

Organização

Cláudio Penteado
Jerônimo Pellegrini
Sérgio Amadeu da Silveira

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O financiamento desta publicação integra o Termo de Fomento
PLATAFORMIZAÇÃO,
CDRT n° 01/2020 Processo n° 0134/2020, realizado pelo Coletivo 660
representado pela Ação Educativa em convênio com a Secretaria INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia (SDECTI)
E SOBERANIA DE DADOS:
TECNOLOGIA NO BRASIL 2020-2030
Coletivo 660:
Chico Whitaker
Pe. Dário Bossi
Janaina Uemura André Lemos
Jorge Abrahão Cláudio Penteado
José Corrêa Leite Débora Salles
Luiz Marques Fernanda Bruno
Mauri Cruz Fernanda Campagnucci
Moema Miranda Fernanda Rosa
Oded Grajew Glenda Dantas
Salete Valesan Helena Martins
Sérgio Haddad Jader Gama
Stella Whitaker
Jerônimo Pellegrini
José Correa Leite
José Paulo Guedes Pinto
Licença Creative Commons Juliane Cintra
CC BY-NC Atribuição-NãoComercial (ou [cc] Ação Educativa, 2023) Larissa Ambrosano Packer
Esta obra pode ser livremente compartilhada, copiada, distribuída Nelson Pretto
e transmitida, desde que as autorias sejam citadas e não se faça Nina da Hora
nenhum tipo de uso comercial ou institucional não autorizado de Paulo Faltay
seu conteúdo. Paula Cardoso Pereira
Rafael Evangelista
Rafael Grohmann
Sérgio Amadeu da Silveira
Sivaldo Pereira da Silva
Tarcízio Silva
Wagner Meira Jr.

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PLATAFORMIZAÇÃO, INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E
SOBERANIA DE DADOS: TECNOLOGIA NO BRASIL 2020-2030

Organização Editor: Coletivo 660:


Cláudio Penteado Janaina Uemura Chico Whitaker
Jerônimo Pellegrini Pe. Dário Bossi
Sérgio Amadeu da Silveira Prefácio: Janaina Uemura
José Correa Leite Jorge Abrahão
Autores: José Corrêa Leite
André Lemos Projeto gráfico, Luiz Marques
Cláudio Penteado ilustrações e Mauri Cruz
Débora Salles diagramação: Moema Miranda
Fernanda Bruno Juliana Vieira Oded Grajew
Fernanda Campagnucci Salete Valesan
Fernanda Rosa Revisão de texto: Sérgio Haddad
Glenda Dantas Madrigais Produção Editorial Stella Whitaker
Helena Martins
Jader Gama Realização:
José Correa Leite Ação Educativa e Coletivo 660 Edição:
José Paulo Guedes Pinto
Juliane Cintra Parceria/apoio:
Larissa Ambrosano Packer Secretaria de Desenvolvimento
Nelson Pretto Econômico, Ciência, Tecnologia do
Nina da Hora Estado de São Paulo (SDECTI), parte
Paulo Faltay do projeto de emenda parlamentar
Paula Cardoso Pereira “Inovação, desenvolvimento e
Rafael Evangelista resiliência nas políticas públicas
Rafael Grohman em São Paulo: um mapa para os
Sivaldo Pereira da Silva desafios entre 2020 e 2030”
Tarcízio Silva
Wagner Meira Jr.

Palavras-chave: tecnologia, plataformas, inteligência artificial, soberania de dados,


políticas públicas

Licença Creative Commons


CC BY-NC Atribuição-NãoComercial (ou [cc] Ação Educativa, 2023)
Esta obra pode ser livremente compartilhada, copiada, distribuída e transmitida, desde que
as autorias sejam citadas e não se faça nenhum tipo de uso comercial ou institucional não
autorizado de seu conteúdo.

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Agradecemos a todas as pessoas que participaram
dos seminários, tanto as que fizeram exposições,
quanto as equipes da Ação Educativa e membros
do Coletivo 660.

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SUMÁRIO
15 | Prólogo | José Corrêa Leite, Coletivo 660

21 | Apresentação
Dataficação, Plataformas Digitais, Regulação e
Políticas Anticoloniais | Claudio Luis de Camargo
Penteado, Jerônimo Pellegrini e Sérgio Amadeu da
Silveira

35 | Seminário Tecnologia no Brasil 2020-2030


| Primeiro Encontro |

37 | Plataformas digitais: o que incentivar, o que limi-


tar e o que vetar | Cláudio Penteado, André Lemos, Rafael
Grohman, Larissa Ambrosano Packer e Helena Martins

60 | Inteligência local, soberania digital e soberania de


dados | Jerônimo Pellegrini, Rafael Evangelista, Sérgio Amadeu
da Silveira, Nina da Hora, Fernanda Rosa

| Segundo Encontro |

85 | Inteligência Artificial, democracia e regulação | Glen-


da Dantas, Fernanda Bruno, Tarcízio Silva, Sivaldo Pereira da
Silva, Débora Salles

106 | Devemos apostar em tecnologias livres diante das


infraestruturas de IA | Juliane Cintra, Nelson Pretto, Jader
Gama, Fernanda Campagnucci e Wagner Meira

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127 | Capitalismo preditivo e os sistemas
algorítmicos | Sérgio Amadeu da Silveira (UFABC)

153 | O velho com cara de novo: subordinação


intelectual do trabalho ao capital e o capitalismo
monopolista de plataformas | José Paulo Guedes
Pinto (UFABC)

171 | Automatização e Desemprego: o uso de


Inteligência Artificial no Sistema Nacional de
Emprego | Fernanda Bruno (UFRJ), Paulo Faltay (UFRJ)
e Paula Cardoso Pereira (UFRJ)

194 | Quem escreveu este livro

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15

PRÓLOGO
PRÓLOGO

E
ste livro trata de um dos em volumes avassaladores. Estamos
processos mais críticos por que não apenas diante de uma extensão
passa a humanidade. Vivemos horizontal da cultura mas de uma
uma mutação da sociedade sem rival desde introdução de uma nova mediação nas
a Revolução Industrial. O computador, conexões entre os seres humanos, um
desenvolvido na II GM para quebrar códigos meio que redefine, de forma qualitativa,
militares, transformou-se, com a invenção o que entendemos ser parte do nosso
do circuito integrado (o chip), no aparato universo simbólico.
definidor das relações de poder no mundo Como qualquer tecnologia, a digital
– da Guerra Fria à corrida espacial, das entra nas sociedades nos marcos das
previsões meteorológicas às especulações relações de poder preestabelecidas. Ela
financeiras. A abertura da internet, em potencializa a capacidade humana de
1994, permitiu que essa máquina de coordenação, cooperação e compreensão
armazenamento e processamento de do mundo e poderia permitir que
informações codificadas em linguagem vivêssemos vidas melhores. Mas, no
binária se transformasse em eficiente capitalismo, ela é apropriada e, na prática,
meio de comunicação. Mas foi a difusão quase monopolizada pelos detentores do
dos smartphones, pequenos computadores poder econômico e político. Tecnologias
e terminais da internet transformados digitais passam a ser primariamente
em telefones celulares, que permitiu, já desenvolvidas e utilizadas para que
neste século, que as tecnologias digitais a classe capitalista amealhe ainda
ganhassem capilaridade e chegassem mais poder e amplie a dominação dos
ao cotidiano de bilhões de pessoas. Elas subalternos. Elas estabelecem o meio
revolvem a economia, as relações sociais por onde circulam, hoje, as finanças
e a política pelo mundo. globais, aprofundando a precarização
Se as tecnologias industriais e a informalidade do trabalho – sua
representavam uma extensão dos membros “uberização” ou plataformização –,
e dos sentidos humanos, próteses que concentrando riquezas e ampliando
potencializam os poderes de nosso corpo a distância entre ricos e pobres.
na simbiose com máquinas, as tecnologias As redes e empresas digitais do
digitais amplificam as capacidades de início do século XXI deram origem, em
nosso cérebro, permitindo o tratamento menos de duas décadas, ao capitalismo
de informações transformadas em dados de plataformas das corporações de

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PRÓLOGO

tecnologia estadunidenses e chinesas, exemplo, recriam conexões e padrões públicos, submetido ao controle político
as big techs, que vigiam cada aspecto mais valorizados, sem discernir realidade e democratizado em nosso país e no
de nossa vida e buscam modular nosso e fantasia, vieses e preconceitos. Mas mundo. Este livro é uma contribuição
comportamento de forma cada vez mais estão sendo aprimorados e começam a muito valiosa para isso.
eficaz. Os algoritmos das plataformas ser utilizados nas mais variadas áreas;
varrem grandes e abrangentes bancos dessa forma, crescem as demandas pela José Corrêa Leite
de dados, mapeando desejos, medos e regulamentação de seu uso.
fantasias, seduzindo-nos. As plataformas As tecnologias digitais de ponta,
buscam, como afirma Sérgio Amadeu, como os programas de inteligência
desenvolver um capitalismo preditivo. artificial, são também resultado de uma
As redes sociais passam a ser o meio por hiperespecialização e concentração de
onde circulam ideias e valores, se afirmam poderes inédita nas cadeias produtivas
bolhas de autoidentificação e onde são globais, que tornam o processo bastante
travadas disputas eleitorais, com uma caro e vulnerável. Um processador de
grande dianteira para as correntes de iPhone de ponta pode ter hoje 8.5 bilhões
extrema-direita. de transistores. Apenas uma empresa no
Os seminários que estão na origem mundo, a ASML da Holanda, produz as
deste livro foram propostos antes da máquinas de litografia ultravioleta extrema
pandemia, já buscando compreender capazes de imprimir os transistores de
a onda bolsonarista. Mas eles foram dois nanômetros (2nm), quase o tamanho
realizados de forma remota. Teletrabalho, da fita do ADN, no silício desses chips.
teleconferências, aulas remotas e explosão Uma única máquina desse tipo pode
de consumo de entretenimento on-line; custar US$ 350 milhões. E são poucas
tivemos, em três anos, o amadurecimento as empresas que podem produzir chips
de tendências que poderiam ter levado, como os utilizados pela Nvidia em seus
em outras circunstâncias, dez ou vinte programas de inteligência artificial, sendo a
anos para se difundirem pela sociedade. E, principal delas a TSMC, sediada em Taiwan.
coroando essa aceleração das inovações na É desnecessário dizer que isso acrescenta
área, vieram à luz programas de inteligência uma nota de urgência ao conflito geopolítico
artificial generativa (Chatgpt, Bard). Os entre os EUA e a China.
grandes modelos de linguagem já foram Para além dos alertas correntes sobre
chamados, por sua capacidade de simular os riscos do uso da inteligência artificial,
textos escritos pelos seres humanos, de trata-se de reconhecer nas tecnologias
“papagaios estocásticos”, isto é, aleatórios. digitais um enorme poder que precisa
Apoiando-se em gigantescos bancos de ser colocado a serviço dos interesses

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APRESENTAÇÃO
Dataficação, Plataformas determinação social direcionada pela
Digitais, Regulação e tecnologia, é possível verificar que as
tecnologias fazem parte das dinâmicas
Políticas Anticoloniais sociais que envolvem relações de poder,
controle e resistência, nos diferentes
períodos das diversas sociedades que
Claudio Luis de Camargo Penteado compõem a história da humanidade.
Jerônimo Pellegrini A gênese das TDICs está associada à
Sérgio Amadeu da Silveira expansão da cibernética, microinformática e
da Internet, contando com forte investimento
financeiro militar do governo estadunidense
Introdução (projeto ARPAnet), com apoio da Big
Science e da contracultura hippie presente
na Califórnia, principalmente no Vale do
Testemunhamos, nas últimas décadas, Silício (CASTELLS, 2003). Com o ideal e
um crescente processo de digitalização discurso libertário de criar um livre fluxo das
da sociedade. Como qualquer processo informações, dentro de uma arquitetura de
social, o uso massivo de tecnologias digitais redes distribuídas, regulada pela economia
pela população apresenta importantes das redes (BENKLER, 2008), as TDICs
oportunidades, mas também desafios, tiveram uma rápida expansão apoiada
perigos e contradições que precisam na ideia de neutralidade tecnológica, na
ser debatidos. O desenvolvimento das figura do empreendedor e de startups
Tecnologias Digitais de Informação e que ocultam a expressão da ideologia
Comunicação (TDICs) trouxe profundas californiana altamente individualista e
transformações para as estruturas e neoliberal (BARBROOK; CAMERON, 2017).
dinâmicas sociais. Essas transformações O clima otimista das potencialidades
podem ser sentidas e vivenciadas em e possibilidades das TDICs para expansão
diversas áreas das atividades humanas da ciberdemocracia (LEMOS; LÉVY, 2010)
ao promoverem novas formas de e novas formas de práticas colaborativas
sociabilidade, produção de cultura, práticas (SHIRKY, 2008) possibilitou a emergência
políticas, relações de trabalho e dinâmicas de novos formatos de ativismo digital e
econômicas. hackers (SILVEIRA; BRAGA; PENTEADO,
As tecnologias sempre fizeram parte 2014) e a florescência de uma cultura digital
da configuração do tecido social, e não é inovadora, aberta para novas experiências,
possível dissociar o desenvolvimento e formação de comunidades de conhecimento
práxis sociais de suas tecnologias. Evitando e do individualismo colaborativo (SILVEIRA,
cair no discurso tecnodeterminista, de 2010).

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Por outro lado, a expansão da Internet Data) com informações pessoais e registro aluguel de imóveis, conteúdos educacionais, de controlar os dados, essas corporações
também está associada à formação de de atividades dos usuários, formando perfis compras, entretenimento (principalmente dominam o processo de desenvolvimento
redes de controle e vigilância, controladas de consumidores, criando uma robusta games e streaming) e até mesmo as relações tecnológico, definindo os padrões e os
por protocolos de comunicação em rede economia de dados pessoais (SILVEIRA, pessoais e amorosas são mediadas por modelos de soluções tecnológicas. Um
(GALLOWAY, 2006). A capacidade de 2017). Esses dados são apropriados e plataformas e suas affordances. Essas exemplo simples, que já foi naturalizado, é
monitoramento dos fluxos informacionais processados por grandes empresas de plataformas se colocam como mediadoras o uso do sistema operacional Windows da
permitiu a criação de complexos sistemas tecnologia (Big Techs) na consolidação de relações sociais, econômicas e políticas Microsoft Corporation. Além de não ser o
de vigilância por parte de governos e de do capitalismo de vigilância (ZUBOFF, coletando dados da oferta e demanda de sistema operacional mais eficiente – como
empresas privadas de segurança de violação 2021) e de plataformas (SRNICEK, 2017), segmentos do mercado, consolidando sua o é uma alternativa para ele, o GNU/Linux
de dados pessoais (BRUNO, 2008), que operado por técnicas de aprendizado de centralidade nas práxis sociais. e suas distribuições, como Debian –, cria
também influenciaram (e ainda influenciam) máquina, algoritmos de interatividade, Por meio da oferta de interfaces a dependência tecnológica desse sistema
os processos eleitorais, como ilustra o caso processamento de linguagem natural e atrativas e serviços gratuitos, as plataformas proprietário, que funciona como um potente
da Cambridge Analytica nas votações do outras técnicas de Inteligência Artificial na conseguem reunir bilhões de usuários em terminal de extração de dados, vigilância
Brexit e das eleições estadunidense de implementação de uma governamentalidade todo o mundo, o que possibilita a coleta e modulação dos seus usuários, inclusive
2018 (CADWALLADR; GRAHAM-HARRISON, algorítmica (ROUVROY; BERNS, 2015) por massiva e processamento permanente das próprias Instituições e Agências do
2018), sendo, hoje, uma ameaça real à meio do uso intensivo das informações dos dados extraídos das interações nas Estado, que usam, por exemplo, perfis nessas
democracia. coletadas (extraídas) nas plataformas plataformas digitais. Esse processo converte plataformas privadas, para a comunicação
Com o aumento da conexão digital, digitais. todos os fluxos da vida em dados para pública, sem reflexão dos impactos desses
principalmente por meio de smartphones, As plataformas digitais emergem sofisticados dispositivos de controle, usos.
e a explosão das plataformas privadas de como espaços digitais controlados por modulação e captura da atenção, operados Por mais que as plataformas
redes e mídias sociais (Orkut, Facebook, empresas privadas que concentram o fluxo por algoritmos e estruturas de Inteligência digitais ofereçam importantes serviços e
Instagram, Youtube, Twitter, TikTok etc.), de informação e geração de valor na atual Artificial. oportunidades de renda para uma crescente
milhares de pessoas passaram a utilizar os configuração da sociedade. O crescente Os dados extraídos e minerados parcela da população (motoristas de
diferentes canais de comunicação da web poder das plataformas digitais leva a um pelas plataformas digitais, controladas por aplicativo, entregadores, desempregados e
em suas práticas cotidianas, criando novas processo de “plataformização da sociedade”, grandes corporações de tecnologia do Norte outras atividades), principalmente em um
sociabilidades e aplicações tecnológicas (os que, segundo Poell, Nieborg e van Dijck global, constituem um importante ativo contexto de austeridade fiscal e aumento
famosos apps) para mediar (e controlar) (2020), pode ser compreendido como um do capitalismo financeiro global. Dados do desemprego, a opacidade dos algoritmos
as diversas tarefas do dia a dia das pessoas processo econômico, político e cultural produzidos por usuários dos países do (como operam? o que fazem com os dados?)
na escola, nos deslocamentos, na compra que influencia os processos econômicos de Sul global são processados, tratados e e a falta de legislação específica criam sérios
de produtos, busca de informações e tantas geração de valor, as estruturas e dinâmicas armazenados em data centers localizados problemas para as economias nacionais,
outras atividades humanas, perfilando dos Estados nacionais e reorganiza as em outras regiões (não em um espaço relações de emprego e até o bem-estar da
um modelo de “servidão maquínica” práticas e os imaginários culturais da comum, conforme sugere a metáfora da população. Muitos arranjos de plataformas
(LAZZARATO, 2014) na consolidação de sociedade conectada nessas plataformas. Nuvem), fora da jurisdição da origem do acabam por precarizar as relações de
uma sofisticada e tecnológica sociedade O cenário de plataformização se dado, sem que possa decidir de modo trabalho, criar dispositivos para burlar
de controle, escamoteado pelo discurso intensifica a cada ano e se acelerou com autônomo sobre seus usos, convertendo-se os sistemas fiscais nacionais e concentrar
da neutralidade da tecnologia (SOUZA; a pandemia de covid-19 e a necessidade de em um novo processo de colonização: o o lucro em empresas de Tecnologias da
AVELINO; SILVEIRA, 2018). medidas de isolamento social. As plataformas colonialismo de dados (SILVEIRA, 2020). Informação do Norte global (ABÍLIO, 2020).
O uso cotidiano das TDICs abriu e aplicativos digitais que já dominavam a O colonialismo de dados produz Nesse contexto, visando entender
espaço para a emergência de modelos de economia do entretenimento e diversos novas relações de subjugação dos Estados esse processo, o Laboratório de Tecnologias
negócios baseados na coleta e tratamento segmentos do mercado (SRNICEK, 2017) nacionais e do mundo ao poderio das grandes Livres (LabLivre/ UFABC), em parceria com
da imensa quantidade de dados digitais avançaram ainda mais nas mediações da empresas. O Estado é capturado pela lógica o Coletivo 660, organizou o “Seminário
(que ficaram popularizados pelo termo Big vida social. Relações de trabalho (e renda), das grandes empresas de tecnologia. Além Tecnologia no Brasil 2020-2030:
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plataformização, Inteligência Artificial digital, que produzem impactos políticos, mesa, “Inteligência Artificial, democracia e Gama (Núcleo de Altos Estudos Amazônicos
e soberania de dados”, em setembro e econômicos, culturais e sociais, havendo a regulação”, contou com a presença de Tarcízio da UFPA), Fernanda Campagnucci (Open
outubro de 2021, com pesquisador@s necessidade de pensar formas de regulação Silva (Mozilla Foundation), da professora Knowledge Brazil) e Wagner Meira (UFMG).
e especialistas de diferentes campos do de seu funcionamento. A influência das Fernanda Bruno (UFRJ), do professor Sivaldo Essa mesa realçou que as tecnologias
conhecimento, para analisar o cenário plataformas e das tecnologias digitais Pereira (UnB) e Débora Salles (IBICT/ UFRJ). digitais proprietárias reproduzem ideais
tecnopolítico e propor um conjunto de controladas por grandes empresas Segundo as apresentações, o tema da IA neoliberais, que possibilitam a captura
ações e políticas imprescindíveis em estrangeiras acaba atingindo diversas envolve um certo grau de complexidade do Estado por empresas que fornecem
relação às tecnologias digitais, com foco atividades, como o agronegócio, e incorpora técnica e também mobiliza narrativas tecnologias, representadas pelo rótulo:
nas plataformas, na Inteligência Artificial profundas transformações no mercado de que vislumbram futuros automatizados Smart Cities (Cidades Inteligentes), por
e na soberania de dados que preparem o trabalho, manipula processos políticos e e o “solucionismo tecnológico” dos exemplo. Outro exemplo ilustrado foi
país para 2030. outras formas de impacto nas dinâmicas aplicativos, que dificulta o debate sobre a digitalização (e plataformização) da
da sociedade. Todos convergiram para um os problemas sociais, trabalhistas, políticos educação, intensificadas pela pandemia,
posicionamento da necessidade de se buscar e até ambientais do uso massivo de IA, na qual os processos educacionais passaram
O Seminário Tecnologia no Brasil mecanismos para regulação, transparência, assim como o desenvolvimento de políticas a ser mediados (e controlados) por
2020-2030 taxação das empresas e desconcentração públicas e, principalmente, de sua regulação. empresas de TI, como observou Pretto.
do poderio das Big Techs. Outro ponto destacado envolve uma Contudo, emergem também possibilidades
O Seminário fez parte do projeto A segunda mesa, em setembro de dimensão ética em torno da IA: quem de uso comum das tecnologias digitais,
“Inovação, desenvolvimento e resiliência 2022, debateu o tema da Inteligência local, faz o treinamento dos algoritmos de IA? principalmente pelo uso de softwares livres,
para as políticas públicas em São Paulo: soberania digital e soberania de dados. Existe alguma preocupação social? Qual como no trabalho desenvolvido por Jader
um mapa para os desafios entre 2020- Com a participação do professor Rafael o limite do processamento de dados? O Gama no estado do Pará. Além do uso de
2030. A proposta surgiu de uma Emenda Evangelista (Unicamp), professor Sérgio desenvolvimento da IA está contribuindo tecnologias livres, o projeto desenvolve
Parlamentar executada pela Secretaria de Amadeu da Silveira (UFABC), Nina da Hora para o bem-estar social ou para consolidar um processo de consciência tecnopolítica
Desenvolvimento Econômico do Estado de (Computação Antirracista) e Fernanda Rosa estruturas de desigualdade? Qual a na produção de soluções que combinam
São Paulo para cartografar os multifacetados (Virginia Tech), a mesa realçou problemas responsabilidade das empresas e seus os saberes ambientais, tradicionais e
desafios e turbulências relacionados à relacionados à expansão do capitalismo desenvolvedores? tecnológicos (não proprietários). Outra
emergência socioambiental com os quais informacional por meio da consolidação do Nessa mesa, a professora Fernanda experiência interessante apresentada na
o Estado de São Paulo se confrontará, em colonialismo digital, que coloca em xeque a Bruno trouxe uma avaliação de seu estudo mesa foi o desenvolvimento de legislação e
especial na década de 2020-2030, e as soberania dos Estados Nacionais. A ausência sobre o uso da IA no Sistema Nacional políticas públicas na Nova Zelândia voltadas
alternativas que se apresentam em relação a de dispositivos de regulação e políticas de Emprego (Sine), do Governo Federal, para a responsabilidade e transparência
esses aspectos tendo em mente os Objetivos públicas para Ciência e Tecnologia para o em acordo de cooperação técnica com a algorítmicas, para criar dispositivos para
de Desenvolvimento Sustentável (ODSs). desenvolvimento de IA no Brasil aumenta Microsoft. O estudo ilustra o cenário de explicar o funcionamento dos algoritmos
O Seminário contou, ao todo, com a assimetria no uso das ferramentas dependência tecnológica e colonialismo para os usuários e identificação de alguma
quatro mesas de debate. A primeira mesa digitais e a dependência de soluções de dados, com transferência de dados violação por parte destes.
foi direcionada para a discussão sobre as proprietárias controladas pelas grandes sensíveis (mercado de trabalho) para Wagner Meira lembra que a força
plataformas digitais, com a participação corporações de TI. Os convidados apontaram empresas estrangeiras. Segundo Bruno, das tecnologias digitais e das plataformas
do professor André Lemos da UFBA, do a indispensabilidade de se debater mais é possível identificar uma “lógica colonial” advém de sua enorme eficácia em atender
professor Rafael Grohmann (Unisinos sobre os códigos de funcionamento das no desenho de políticas públicas de IA não somente interesses corporativos,
e DigiLabour), Larissa Packer (GRAIN IAs e olhar criticamente como os dados no Brasil. mas também de facilitar e melhorar
– América Latina) e Helena Martins estão circulando pelas redes e plataformas, O último encontro, a mesa “Devemos processos cotidianos. Assim, é fundamental
(Intervozes). Nessa mesa, os palestrantes para combater práticas algorítmicas de apostar em tecnologias livres diante das que a regulação das plataformas e das
destacaram a centralidade das plataformas racismo e sexismo. infraestruturas de IA?”, teve a participação tecnologias seja pensada com projetos
como dispositivo de mediação da vida Nos encontros de outubro, a terceira do professor Nelson Pretto (UFBA), Jader e experimentos que possam conduzir as
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tecnologias para outros caminhos. Além capacidade computacional (processamento sobre seus benefícios e seus efeitos. As Por fim, há uma imprescindibilidade
disso, é preciso inserir os criadores de de dados), avanço de aplicações tecnológicas pessoas precisam entender quais são as da criação de uma infraestrutura
grupos marginalizados pelas dinâmicas do e de Inteligência Artificial livres e públicas implicações dos usos das tecnologias. O pública comum de dados digitais, para
grande capital na invenção, reconfiguração capazes de oferecer alternativas às soluções que representa usar uma aplicação, quais criar alternativas de armazenamento,
e desenvolvimento das tecnologias digitais e proprietárias, para criar uma política informações pessoais são apropriadas? processamento e transmissão de pacote
de inteligência de máquina. Talvez o caminho nacional de soberania digital. Criar uma Qual o impacto e os riscos do uso de data de dados. Essa infraestrutura possibilitará
principal no qual devemos apostar seja legislação e marco regulatório que, além centers (a chamada nuvem) de empresas diminuir as assimetrias no desenvolvimento
recarregar o digital com novas cosmovisões. de responsabilizar as empresas por seus estrangeiras? O conhecimento dessas de softwares e aplicações e, principalmente,
códigos, fazer com que esses códigos sejam dinâmicas possibilita o desenvolvimento de romper com o colonialismo digital, bloqueio
“explicáveis” para seus usuários, isto é, aperfeiçoamento reflexivo e crítico dessas criativo e dependência tecnológica.
Caminhos para políticas públicas ir além do modelo de termos de aceite tecnologias e o combate de práticas nocivas.
de Tecnologia na próxima década existentes e desenvolver metodologias e Outra trilha importante para
processos informativos do funcionamento pensar o futuro da tecnologia no Brasil
Um ponto comum emergiu na fala de dos aplicativos para o público comum. é a incorporação, na grade dos Ensinos
todos os participantes dos encontros: A experiência da atual Agência Fundamental e Médio, de uma formação
a necessidade URGENTE de regulação Nacional de Proteção de Dados, subordinada interdisciplinar na área de tecnologia. Uma
das atividades de funcionamento das ao Poder Executivo, mostra as limitações formação que vise não o aprendizado (e
plataformas, algoritmos e Inteligência de uma regulação realizada apenas pelo captura) de ferramentas proprietárias,
Artificial. Estado. A agência se paralisa diante das pelo contrário, nossas crianças precisam
medidas do governo, tais como o envio aprender a desenvolver seus códigos,
Como já estão em operação, seus de dados de servidores públicos federais processar e minerar dados, criar aplicações
mecanismos de funcionamento vão para criar modelos de aprendizado para e, ao mesmo tempo, ter uma visão crítica (e
naturalizando práticas nocivas para a os sistemas algorítmicos de uma empresa social) e ética da implicação do uso dessas
democracia, meio ambiente e para a norte-americana. É preciso envolver a tecnologias, sabendo identificar, além
própria sociedade, dificultando qualquer sociedade civil organizada nos processos das possibilidades, quais as implicações
tentativa de regulação social e cidadã da de supervisão e definição de regulamentos sociais, políticas, econômicas, culturais,
atuação dessas plataformas e empresas mais flexíveis, mais ágeis e profundamente ambientais e éticas das aplicações que
de tecnologia. mais democráticos. Para isso, além de estão desenvolvendo e estão utilizando.
Por mais que o termo regulação representantes escolhidos pela própria Será preciso avançar simultaneamente
mobilize um imaginário negativo em torno sociedade civil, as instituições de regulação na defesa da tecnodiversidade. Nossa cultura
de si, a criação de dispositivos e marcos devem ter uma composição em que a e as cosmovisões que nosso território partilha
públicos regulatórios são essenciais para sociedade seja majoritária ou participe de devem poder se expressar nas tecnologias
a manutenção da própria “liberdade na modo paritário com os poderes de Estado. da informação e no desenvolvimento dos
e da rede” diante da captura dos fluxos No médio prazo, deve-se apostar sistemas e dispositivos de Inteligência
e dependência tecnológica das grandes no processo de “desmistificação” das Artificial. Um dos grandes problemas
empresas de tecnologia do Norte global. tecnologias digitais, quebrar a “caixa-preta” da proposta neoliberal de construir um
É necessário criar limites diante do poder que envolve as dinâmicas de funcionamento país moderno e avançado pelo consumo
dessas empresas, garantindo que a cidadania do universo digital. O funcionamento das de produtos e serviços de alta tecnologia,
das pessoas seja respeitada. aplicações não pode ser um “mistério” ou independentemente da sua origem, está
Outro caminho estratégico é apostar “mágica”, elas devem fazer sentido para no bloqueio de nossa inventividade local e
no desenvolvimento de políticas de seus usuários, de forma que possam no desenvolvimento de nossa inteligência
incentivo e apoio para o desenvolvimento de promover reflexões e debates públicos coletiva.
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Referências 1. ed. São Paulo: Paulus Editora, 2010. 264 p.

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32 33
PLATAFORMIZAÇÃO, I.A. E SOBERANIA DE DADOS

Seminário Tecnologia
no Brasil 2020-2030
34 35
Textos baseados nas falas apresentadas
durante o encontro virtual que pode ser
assistido na íntegra no canal da Ação
Educativa: https://www.youtube.com/
acaoeducativa

Primeiro Encontro
Parte 1 americano frente a esse desafio que se
apresenta no atual contexto da sociedade,
concebendo também políticas públicas
“Plataformas digitais: o que para a área de tecnologia no estado de
incentivar, o que limitar e o que São Paulo e no Brasil. Durante o primeiro
vetar”, Cláudio Penteado, André Lemos, encontro de tecnologia, contamos com a
Rafael Grohman, Larissa Ambrosano presença do professor André Lemos, da
Packer e Helena Martins Universidade Federal da Bahia - ele é
formado em Sociologia pela Université
Cláudio Penteado René Descartes, Paris V; é mestre em
Política, Ciência e Tecnologia pelo COPPE, da
Esta é uma publicação que faz parte Universidade Federal do Rio de Janeiro, bem
do projeto “Inovação, desenvolvimento como pós-doutor pelas Universidades de
e resiliência nas políticas públicas em Alberta e McGill, no Canadá, e pela National
São Paulo: um mapa para os desafios University of Ireland, na República da
entre 2020 e 2030”, iniciativa da emenda Irlanda; é professor titular da Faculdade
parlamentar desenvolvida pelo Coletivo de Comunicação da Universidade Federal
660, representado pela Ação Educativa, da Bahia e pesquisador nível 1A do CNPq;
em convênio com a Secretaria de atualmente, é coordenador do LAb404
Desenvolvimento Econômico, Ciência, – Laboratório de Pesquisa em Mídia
Tecnologia e Inovação do Estado de São Digital, Redes e Espaço, Lemos é uma
Paulo. Com esse projeto, o Coletivo 660 importante referência nos estudos sobre
buscou prospectar o contexto com o qual internet no Brasil. Também compôs este
o estado de São Paulo se confrontará nas encontro Larissa Packer, que é advogada
próximas décadas e como vai organizá-lo socioambiental, mestra em Filosofia do
com base em uma visão sistemática que Direito e integrante da Equipe Grain para a
possa auxiliar na produção de políticas América Latina; Helena Martins, doutora em
públicas, tendo em vista os objetivos do Comunicação pela Universidade de Brasília,
desenvolvimento sustentável. Estes textos mestra em Comunicação pela Universidade
são resultantes das mesas de debate Federal do Ceará e, atualmente, é docente
desenvolvidas com base neste projeto, da Universidade Federal do Ceará. Ademais,
nas quais discutimos diversos temas também contamos com a contribuição
relacionados à tecnologia no Brasil na do professor Rafael Grohmann, do
próxima década. Além de pensar em São DigiLabour, doutor e mestre em Ciências
Paulo, também é possível, portanto, pensar da Comunicação pela USP de São Paulo.
no Brasil e na colocação desse país sul- Atualmente, é professor da Universidade do
36 37
Vale do Rio dos Sinos, a famosa Unisinos. estender muito, vou falar de 30 pontos. dessas plataformas, pois são metatextos hipóteses. Essa é a primeira constatação. Em
Além disso, é coordenador do Laboratório Argumentarei sobre 10 pontos referentes performativos. O quinto ponto refere-se segundo lugar, acho que essas plataformas
Digital Labour, coordenador, no Brasil, à atualidade; 10 sobre o futuro e 10 sobre a como essas plataformas configuram vão continuar controladas por grandes
do Projeto Fairwork e diretor científico o que devemos fazer. Em primeiro lugar, é nossa atual esfera pública midiática, com empresas transnacionais: as Big Five, ou
da COMPÓS. Então, nossa dinâmica foi necessário fazer um diagnóstico da coisa, consequências importantes nas relações as grandes empresas chinesas, com ação e
dividida em duas rodadas. Na primeira, pois são 10 pontos bem precisos sobre o sociais e nas formas de veiculação das tentáculos mundiais. Em terceiro lugar, elas
deixamos nossos expositores e expositoras nosso diagnóstico atual. Antes de mais informações. O sexto ponto é que sempre continuarão a ser a infraestrutura e, cada
apresentarem suas ideias, tentando nada, essas plataformas constituem a que se fala de controle, tenta-se barrar o vez mais, isso vai se configurar como uma
responder o que seria imprescindível infraestrutura da vida contemporânea, controle em prol da inovação; essa desculpa infraestrutura da sociedade. Em quarto
para discutir a plataformização no Brasil, sendo que isso não é uma coisa de nerds, de falta de controle em prol da inovação lugar, acho que os usuários tenderão a
pensando essa questão para daqui a 10 nem de geeks, também não é apenas tem gerado uma massa manipulada, migrar para plataformas mais específicas.
anos. E, na segunda rodada, cada expositor referente ao Facebook e ao YouTube, é algoritmicamente, de usuários no mundo Alguns dados mostram, por exemplo, o
e expositora pôde fazer suas considerações toda uma infraestrutura social que está em inteiro. O sétimo ponto aborda uma ampla Facebook perdendo usuários, e outras
finais. Agora, teremos a introdução feita implementação no planeta; esse é o primeiro estrutura de vigilância de ameaça à vida plataformas crescendo, como TikTok,
pelo professor André Lemos. Boa mesa ponto da atualidade. Em segundo lugar, privada. O oitavo ponto fala da mudança WhatsApp, Instagram etc. Então, há uma
para todos nós e bom livro para você, leitor! isso se configura com um amplo domínio significativa nas formas de trabalho, tendência de migração para plataformas
de rastreamento de dados. Então, isso vale tanto novas formas de trabalho como mais específicas. O cansaço das telas, que nós
André Lemos para os rastreamentos feitos nas esferas as formas tradicionais de trabalho. Hoje vivenciamos hoje, devido à pandemia, vai
É um prazer estar aqui com vocês, econômica, social, política, industrial, em dia, trabalhamos na plataforma, pela gerar certa descontinuidade no uso dessas
com o Rafael, com a Helena, com a Larissa, publicitária, de segurança etc. Essas plataforma ou potencializados por elas, plataformas, no curto prazo, e contribuir
com todos que estão nos lendo e nos plataformas funcionam com base nessa como estamos fazendo aqui e agora (o para uma ação ainda mais agressiva dessas
ouvindo. Obrigado pelo convite. Bom, dataficação expandida. O terceiro ponto é encontro do seminário se deu virtualmente). plataformas, para não que elas não percam
eu vou, primeiro, tratar do futuro, que é o controle empresarial feito por grandes O nono ponto é que tudo isso é comandado usuários nem engajamento. Com o mundo
sempre uma coisa muito complicada. Não conglomerados privados. No Ocidente, nós por uma tecnocracia, ou o que John voltando à normalidade pós-covid, talvez
é? Dez anos nem é tão longe assim, mas temos o nosso Big Five, mas temos um Big Danaher vai chamar de “algocracia”, que as pessoas passem a usá-las menos. A
eu tive o privilégio de estar no início da Five, um Big Three, também, na China. é uma burocracia algoritmizada. Por fim, polarização política e as fake news vão
formação dessa cultura digital; comecei a Então, a esfera pública está controlada, e temos o décimo ponto, que é importante aumentar, e não acho que elas vão diminuir
estudar isso em 1991, quando a internet quem controla essa infraestrutura é uma também, pois há ganhos sociais com essas nos próximos 10 anos; mas isso tudo são
estava apenas decolando. infraestrutura privada. O quarto ponto, que plataformas. Estamos aqui, neste espaço suposições, obviamente. O sétimo ponto
é muito importante, é o funcionamento virtual, podemos nos encontrar a distância é que a autorregulação vai crescer por
E se me dissessem que a internet dessas plataformas, um funcionamento porque temos uma plataforma. Eu posso causa das pressões sociais/políticas que
iria se transformar nessa sociedade performativo. Ou seja, ele é aberto, dar aulas on-line, porque temos plataforma. temos visto, pois ocorrerá uma tendência
de plataforma e nesse capitalismo generativo, assimétrico. Por exemplo, Podemos nos socializar virtualmente de que as plataformas se autorregularão,
de vigilância, eu diria que isso um like de uma pessoa nunca é igual ao etc. Então, há ganhos sociais com o uso para evitar uma regulação maior do Estado.
seria impossível, dada a dinâmica de outra. Quando estamos assistindo a das plataformas. Apresentei esses meus Vamos aumentar o uso dessas ferramentas,
libertária e emancipadora da um filme, as plataformas de streaming 10 pontos, para configurar, assim, a também, para o trabalho e para a educação,
internet. não estão apenas difundindo-o, estão atualidade do problema. Em relação ao sendo que, por um lado, as pessoas vão criar
também coletando metadados sobre o futuro, o que vai acontecer daqui para a um certo distanciamento delas, mas, por
Mas o que nós temos hoje é uma cultura que nós estamos fazendo, sobre as nossas frente, em primeiro lugar, acho que em outro, vai haver um uso mais continuado
digital muito diferente daquela que emergia apreciações etc. Então, sempre há um texto 10 anos não vai mudar muita coisa. Esse disso em algumas áreas. O trabalho remoto
nos anos 1990. Então, falar do futuro é dentro de outro texto. Isso é algo importante não é um futuro tão longínquo assim, mas vai ser instituído, de alguma maneira,
sempre muito complicado. Para não me para a compreensão do funcionamento será um mundo pós-covid, na melhor das porque funcionou bem. Vamos adotar
38 39
determinados tipos de práticas na educação, algum tipo de sua regulação, com papel ser feito porque pode ser feito. Esse é um sistema, talvez não à sua centralização. Isso
nas universidades, nas escolas. Então, algo mais responsável dos governos. Assim, norte interessante. Penso que deveríamos tudo tem de ser pensado com muita atenção.
que não era utilizado vai passar a ser mais é fundamental, principalmente, que haja criar algo como “estudos prévios de impactos Não gosto de nada muito centralizado, mas
utilizado depois da pandemia. Já estamos plataformas com ação no espaço público discriminatórios” para pensar lógicas um sistema flexível de consultores ad hoc,
vendo isso, na realidade – esse é o meu oitavo e plataformas de interesse público, como algorítmicas. Assim, se alguma empresa para pareceres sobre sistemas públicos
ponto –, com o aparecimento de plataformas a Plataforma Lattes, as de conhecimento, ou instituição for implantar uma câmera de e público-privados, compulsórios, seria
bottom-up. Isso já pode ser visto na gig a do SUS, a da transparência etc. Esse é o vigilância, uma câmera de reconhecimento fundamental. Por exemplo, o SouGov.br,
economy, por exemplo, em aplicativos de primeiro ponto. O segundo é monitorar facial, devemos questionar: Quais são os atualmente, lançado para nós, funcionários
transporte, de entregas etc. As pessoas e frear processos que ampliem as formas impactos discriminatórios dessa ação? Não, públicos, é compulsório. O Currículo Lattes
estão começando a fugir do controle total de vigilância e de discriminação. Temos não podemos fazer isso, ou por que vamos é compulsório. O ConecteSUS também.
dessas grandes plataformas e criando suas que criar mecanismos para bloquear a fazer isso? Que estudos nos dão suporte Estacionamentos são compulsórios: se
próprias. E o décimo ponto, para terminar sociedade de vigilância. É preciso investir, para essa implementação? Estou falando eu não tiver esse sistema, se não tiver
de tecer ideias sobre esse pequeno futuro, de acordo com o que Demi Getschko disse, de algo de interesse público, implementado uma pessoa vendendo a cartela de
é que continuaremos pilotados por uma recentemente, em um evento de que eu na esfera pública, obviamente. Dessa estacionamento, eu vou ser multado. Então,
tecnocracia. Bom, dado esse estado atual participei, no que é muito falado, que é forma, precisamos criar esse estudo precisamos, sim, ter sistemas de auditoria
e esse futuro não tão diferente do que está o viés do algoritmo, da discriminação prévio de impactos discriminatórios. Outro algorítmica para detectar esses impactos
acontecendo hoje, o que nós precisamos algorítmica. E aponta-se, às vezes, que o ponto importante – o quarto ponto – é prévios; e necessitamos de estudos prévios
fazer? Creio que algumas ações devem ser algoritmo não pode ter viés. a discussão sobre agência. Isso é muito desses impactos. O sexto ponto concerne à
pensadas, mas não sei exatamente como pouco pensado na formatação dos dados. ampliação das diferenças e da pluralidade
elaborá-las, mas penso que essas ações Ora, não existe nada neutro, tudo Aquisições de informações, formulários, na representatividade da constituição dessa
devem ser pensadas; e acho que é essa a tem viés, tudo é uma construção. enquetes, classificações, obrigatoriedade algocracia. Esse ponto foi abordado no
ideia, de que se pense na prospecção de Dessa forma, temos que ter um de fornecer dados para que o sistema diagnóstico atual. É sempre uma burocracia
ideias. Então, vou focar os 10 pontos. A viés dos algoritmos, um viés de funcione. Tudo isso vai constituir o que quem vai cuidar disso, que é alguém da
primeira coisa a ser pensada é estudar garantia de estruturas que sejam o Colin Koopman chama de Info-power. E informática. E o pessoal da informática –
seriamente formas de regulação. Creio libertárias,emancipadoras, isso vai produzir o cidadão. Uma vez, eu me desculpem aí o pessoal da computação,
que pode ser uma autorregulação, uma democráticas e não discriminatórias. fui a uma universidade dar uma palestra e mas falo isso com muita tranquilidade,
regulação do Estado, uma corregulação. tive que preencher um formulário dizendo porque eu sou engenheiro de formação
Mas, efetivamente, como as plataformas Precisamos frear esse tipo de vigilância qual era meu sexo. Por que, para eu dar uma –, normalmente dizem assim: “Não, nós
se configuram como uma nova esfera e de discriminação. Ligado a esse ponto, palestra, tenho de preencher um formulário implementamos”. Mas precisamos de vocês
pública, essa regulação deve incluir quadros temos de frear os abusos da biometria. que tenha esse tipo de informação? Isso nas Humanidades para pensar as coisas.
jurídicos, tecnológicos, educacionais, Isso já está sendo feito em alguns estados pode, obviamente, gerar ações afirmativas, Ora, se as pessoas que implementam não
ações antitruste e a garantia de que esse brasileiros, no mundo. Em alguns locais, isso mas pode gerar ações discriminatórias. sabem nada sobre as Humanidades, por que
sistema continue inovando. Um desafio é já tem sido proibido, mas é preciso fazê-lo Por um lado, ou pelo outro, isso vai me vamos deixar a nossa vida na mão dessas
achar uma regulação que seja, ao mesmo no Brasil. Na Bahia, o governo estadual constituir enquanto cidadão. Precisamos pessoas para implementarem sistemas?
tempo, ágil e flexível para acompanhar está implementando o reconhecimento pensar que todo sistema de dados produz Da mesma forma, nós, das Humanidades,
a dinâmica do setor, não o congelando facial pesadamente, com câmeras de um cidadão. Somos os dados? Sim. No temos que entender esses procedimentos
completamente, sem gerar desestímulo, reconhecimento facial; em São Paulo, entanto, não somos apenas os dados, mas, também. Então, o quadro de profissionais
pois essa é uma questão fundamental. também. É importante que tenhamos leis ao mesmo tempo, somos também os dados. que lida com isso deve ser mais plural –
Mas eu acho que pela ação política e claras que garantam a proteção dos dados Precisamos pensar nessa formatação. Isso produzem datasets, produzem os códigos,
social dessas plataformas, constituindo pessoais. O banimento é fundamental, o é fundamental. O quinto ponto trata da lidam com a analítica dos dados. “Plural” no
a esfera pública contemporânea, não existe banimento de sistemas e impedimento de Auditoria Algorítmica para sistemas de sentido de representatividade de gênero,
nenhuma forma de ação que não passe por outros. O importante é que nem tudo deve relevância pública. Estou me referindo ao de raça, de classe. Precisamos explodir isso,
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porque os vieses estão nessa constituição universidades, bem como os centros de retirando, de novo, material, e consumindo por determinados produtos, até mesmo
da algocracia, que vai decidir o que é que pesquisa, estão sob ataque, hoje, neste energia. Portanto, o consumo de energia não por meio da criação de cadastros digitais
se vai fazer com o dado, que modelo será país. Tudo o que está relacionado à cultura é apenas da indústria petrolífera. Os dados sendo utilizados como base para a afirmação
implementado, como é que vamos montar e à educação está sob ataque. Precisamos são um novo petróleo, mas, materialmente, de direitos de propriedade da terra, sem
um dataset etc. Isso é fundamental para garantir uma formação em Computação, isso é verdade, porque para gerar dados qualquer verificação pelo Estado, como
o futuro próximo. Então, são coisas que em Digital Humanities. Nós, sociólogos, consumimos ainda petróleo e carvão. vem ocorrendo com o Cadastro Ambiental
precisamos começar a fazer agora; todos precisamos entender como funcionam os Então, a sustentabilidade ambiental é Rural, atualmente. Esta nova aplicação
esses pontos são para garantir melhorias dados. Os engenheiros precisam entender fundamental para limitar a pegada de tecnológica vem sendo denominada por
daqui a 10 anos. Bom, obviamente, estamos como funciona a sociedade, as questões carbono e a extração de minerais desses alguns de uma quarta revolução industrial,
sob ameaça hoje, mas a defesa do Marco éticas, morais e políticas. Precisamos datacenters. e no contexto agroalimentar, de Agricultura
Civil da Internet e a atenção à Lei Geral investir na formação, na educação, na 4.0, mas os impactos de toda essa
de Proteção de Dados, ambos estão sob ciência, na tecnologia, com políticas Cláudio Penteado infraestrutura digital ainda estão para ser
ameaça. O primeiro, por um Projeto de Lei, sérias de Inteligência Artificial e de TI. O Excelente. O professor André Lemos mensurados, como por exemplo, a escala
agora, do afrouxamento do Marco Civil; e plano de Inteligência Artificial que temos colocou questões interessantes, que, às extrativa de demandas por novas matérias-
o segundo, também, por esse governo, por é realmente uma brincadeira. Precisamos, vezes, não aparecem. A questão, por exemplo, primas, justamente o último ponto que o
meio da LGPD, para justamente esconder efetivamente, ter políticas sérias para da sustentabilidade praticamente inexiste. professor André coloca. A pandemia causou
dados públicos. Essa é a desculpa, com enfrentar os problemas. E, por último, É interessante falar da nuvem como se uma aceleração dos processos de
base na LGPD. É necessário, efetivamente, vou abordar a sustentabilidade ambiental, fosse algo virtual, e é realmente importante digitalização da sociedade em um momento
reforçar e defender dois projetos, duas também muito pouco pensada. entendermos que, em algum lugar, os dados em que estava se intensificando a
leis, que são fundamentais. O Marco Civil, estão armazenados. Continuando o debate, sobreposição de crises (financeira, ecológica,
fruto de um debate público muito forte; e Normalmente, pensa-se nesses temos agora a Larissa. climática) que já demandava uma
a LGPD, que chegou bem atrasada. O Brasil sistemas como na esfera reorganização das cadeias de valor para
foi um dos últimos a implementar uma Lei virtual, como a cloud, a nuvem, Larissa Paker gerar um menor impacto sobre o meio
Geral de Proteção de Dados Pessoais na a desmaterialização. Todo esse O professor André abordou diversas ambiente, o que veio, então, estimulando
América Latina. É preciso garantir, também, sistema, nos datacenters, gera não questões em uma exposição incrível, então uma transição para o modo 4.0 da Indústria,
a portabilidade dos nossos dados entre só pegada de carbono para nosso irei mediar minha apresentação a partir como se fosse uma solução. Contudo, o
sistemas e plataformas: se eu saio de um uso mas consumo de petróleo e do que ele nos trouxe, aprofundando o que houve foi a busca por uma maior
operador de dados e vou para outro, eu carvão ao redor do planeta, para debate em alguns pontos no que diz respeito produtividade, com maior uso de recursos
quero pegar os meus dados e levar junto. que a internet funcione. ao meu campo de atuação. Sou advogada naturais, mas que se mantivesse a
Isso seria algo que garantiria um quadro socioambiental e monitoro cotidianamente possibilidade de extrair esses recursos
jurídico de proteção dos dados pessoais. Além disso, esse sistema gera autoconsumo a cadeia global de valor do agronegócio, de forma barata, com baixo custo de
Eu estou terminando, mas tenho mais três de minerais para a confecção desses ou os sistemas globais de produção de produção. Com a pandemia, vimos limites
pontos. O oitavo ponto, que acho que o dispositivos (smartphones, tablets etc.). commodities agroalimentares. A partir sendo impostos ao livre comércio, à livre
Rafael também vai entrar, é a discussão Isso não acaba nunca. O Jussi Parikka, um desse acompanhamento, fica claro o quanto circulação de pessoas e mercadorias, assim
sobre direitos trabalhistas. Precisamos pesquisador que escreveu um livro muito é necessário tratar da entrada das big como temos visto uma disruptura nas
encarar seriamente isso. Alguns países interessante sobre Geologia da Mídia, techs nessa cadeia de valor por meio de cadeias longas de valor (de mineração,
já implementam, dão garantia aos usuários tem uma expressão que eu acho muito diversos mecanismos como a blockchain agrícolas e de suprimento de alimentos).
de Uber, 99 etc., dão direitos trabalhistas, feliz; ele diz que as mídias viram zumbis, e os novos contratos virtuais na rede; de Temos acompanhado o incremento da
como se a pessoa fosse empregada da porque isso nunca acaba. A mídia não é algoritmos sendo utilizados cada vez mais inflação e dos preços dos alimentos,
empresa. Então, isso precisa ser enfrentado, uma extensão do corpo, uma extensão para capturar dados do solo, clima, justamente por estas rupturas que se
efetivamente. O nono ponto é a formação. da Terra, porque vai voltar sob forma de meteorológicos, de recursos naturais, deram em várias etapas: desde a extração
Temos de investir em formação. As lixo, que vai precisar ser reciclado; e vai quantidade de oferta e demanda global das matérias-primas até a chegada do
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produto ao consumidor do outro lado do em torno de Huawei, Ericsson, Samsung familiares e não chegavam a dominar 1% robotização com a aplicação de Inteligência
mundo. E é preciso levar em conta que e Nokia. Desse modo, é possível identificar do mercado global; com os direitos de Artificial. Qualquer solução real, em
essas cadeias complexificadas abastecem uma tendência para daqui a 10 anos, que monopólio sobre uso de sementes e períodos de crise, não virá de uma
diversas populações no mundo todo. Por seria a de superconcentração de cadeias agrotóxicos Bayer/Monsanto (Alemanha), tecnocracia, governada por inovação
outro lado, vimos a aceleração dos processos (que já são demasiadamente concentradas), ChemChina/Syngenta (China); Corteva, tecnológica monopolizada por poucas
de digitalização dessas cadeias, que vem com a entrada dessas grandes empresas fusão da Dupont e Dow (EUA) e Basf corporações e investidores, que [proponhaa
promovendo uma reorganização delas de tecnologia e dados que provém a (Alemanha) dominam metade do mercado mesma divisão internacional do trabalho
em torno de novos atores. Então, pensando infraestrutura essencial para esta mundial de sementes e 75% do mercado entre países do Sul global fornecedores
nos Big Five da tecnologia, notamos que, digitalização das cadeias e da sociedade. de agrotóxicos em 2022, apontou relatório de recursos naturais e matérias primas
em 2020, quatro empresas atingiram um Muitas empresas procuram o blockchain do GRAIN. Agora, com a sobreposição de de baixo valor agregado e os países do
valor de mercado de trilhões, que são e a digitalização de suas atividades crises, vemos, mais uma vez, a mesma Norte desenvolvedores de tecnologia. Um
justamente Apple, Microsoft, Amazon (em exatamente para se prevenir de futuras solução em novas roupagens, um pacote novo ajuste colonial 4.0 que pretende
quarto lugar, vem a Tesla,que também crises, tanto financeiras quanto decorrentes tecnológico ligado à alta tecnologia digital salvar as corporações e investimentos das
trabalha com tecnologia no setor de de eventos extremos (climáticos, sanitários, e de inteligência artificial da era digital, economias centrais às custas da expropriação
transportes). Assim, a pandemia acabou guerras), que limitem a circulação de trazendo uma série de medidas de coleta de trabalho e recursos dos países
por se somar às demais crises, e vem trabalhadores e mercadorias, impactando e processamento massivo de dados - o reproduzidos como periféricos, em uma
havendo uma reorganização importante oferta e demanda global. Mas não é de setor mais lucrativo da era digital, com a história que se repete como tragédia e
de cadeias de valor e dos atores que hoje que soluções tecnológicas e negociação da nova mercadoria da como farsa, parafraseando Marx. O que
organizam essas cadeias, a entrada das proprietárias são adotadas como fórmula informação, cujos direitos de monopólio temos testemunhado na pequena história
grandes empresas de tecnologia, em várias econômica do modo de produção capitalista estão em franca disputa. Toda essa do capitalismo é uma transição dos âmbitos
etapas das cadeias, para dar maior eficiência para a superação dos diversos ciclos de infraestrutura leva ao desenvolvimento comuns da humanidade, essenciais ao
e manter o suprimento. Por exemplo, é crise do capitalismo. Então, geralmente, da eletricidade em informação e gera várias mínimo existencial das pessoas, do regime
notória a batalha geopolítica em torno quando há uma crise, vem um pacote cadeias de valor sobre as Terras Raras jurídico dos bens comuns - que não
dos semicondutores; antes, os tecnológico associado a uma solução (elementos químicos que geram o pertencem a ninguém justamente porque
microprocessadores eram de domínio de proprietária: a tecnologia vem associada eletromagnetismo), que hoje estão sob o são destinados a todos das presentes e
IBM, Intel etc; agora, há uma especialização a direitos de propriedade intelectual, o domínio da China. Ainda no que diz respeito futuras gerações, para o regime proprietário,
na cadeia para a construção de chips, direito de monopólio. Isso aconteceu em à geopolítica dos recursos naturais, essa inserindo bens, conhecimentos, informações
porque eles cada vez mais são a base dessas diversos momentos da histórica recente sociedade da era digital e o desenvolvimento no comércio para circular como qualquer
cadeias digitalizadas. Dessa forma, do capitalismo, por exemplo, a Revolução da Indústria 4.0 gera, para daqui a 10 anos, outra mercadoria. Hoje, funções
assistimos a uma crise de desabastecimento, Verde, que introduziu um pacote tecnológico, uma reorganização dos Estados fornecedores ecossistêmicas são apresentadas como
tanto no setor automobilístico quanto no a partir das inovações militares do contexto das novas matéria-prima. O Brasil tem uma forma de prestação de “serviço”, os
setor de alta tecnologia, de celulares e de da chamada Guerra Fria, gerando o reservas significativas de Terras Raras; serviços ambientais, como o serviço de
computadores, o que agrava a competição denominado desenvolvimento conservador mas é a China, hoje, que detém as maiores fornecimento de água potável, ou a
corporativa e entre Estados pela hegemonia da agricultura. Agricultores passam a ficar reservas em operação, e é o país em maior capacidade de sequestrar carbono por
tecnológica da próxima etapa do modo dependentes de sementes, agrotóxicos e intensidade de extração de areia para a bases naturais - solos e florestas -
de produção, o que também significa uma maquinários com propriedade intelectual; construção de silício, que é a base dos introduzindo-os no regime jurídico
disputa geopolítica. Algo que vem sendo pequenos aviões de guerra se tornaram chips e dos semicondutores. Essa proprietário, ou seja, excluindo todos os
chamado por alguns analistas de uma pulverizadores aéreos de agrotóxicos de reconfiguração geopolítica também vale que não podem pagar do acesso a tais
“nova guerra fria” em torno da infraestrutura monocultivos monopolizados por poucas para uma maior extração de nióbio e lítio, bens. E as soluções tecnológicas estão aí
da conectividade e da era digital. Os países empresas desenvolvedoras do pacote além do ferro e aço que continuam para garantir a criação e funcionamento
ocidentais e a China também travam tecnológico. No início dos anos 80, empresas importantes para a construção dessa nova destes novos mercados, com a contabilidade
verdadeira batalha pela hegemonia do 5G de sementes eram majoritariamente infraestrutura de conectividade e e monitoramento das novas mercadorias,
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através dos pacotes de dataficação, medição Ao passo que se analisa outros problemas se referiu o professor André. Há ainda a aumentar a escala do sistema financeiro”.
do tempo, da meteorologia, umidade do específicos, temos, de um lado, a reescrita captura de dados biológicos, que é feita a Para aumentar essa escala, precisamos
solo, toneladas de carbono evitada, metros da história dos fatos, com base na criação partir do próprio corpo das pessoas, por incluir os “sem banco”, que são, mais ou
cúbicos de água, etc., por meio de sensores, de realidades paralelas, que são as fake meio da leitura facial, da íris, da biometria, menos 1,7 bilhão de pessoas - para incluir a
drones e satélites conectados aos novos news; e, de outro, a tentativa de regulação identificação utilizada para garantir a economia informal parar dentro do sistema
hardwares (maquinários) e softwares em do Estado sobre a produção de informação. propriedade é muito utilizada pelas polícias, financeiro por meio das plataformas digitais
aplicativos de celulares, desenvolvidos Mas de quem são os dados? Quem está sem consentimento, podendo servir de e de moedas digitais, e que não precisam
para agricultura. Infraestrutura que parece lucrando com a compra e venda da nova base para inquéritos civis e criminais de uma conta bancária. As fintechs, as
estar se democratizando nas mãos de todos moeda digital? O Projeto de Lei do PL Isso tudo é propiciado por ferramentas plataformas financeiras e tecnológicas
através de um celular e conexão, mas que sobre fake news, no 2.630, de 2020, majoritariamente fornecidas pelas Big pretendem democratizar as finanças por
na realidade está nas mãos de poucas afirma: “Olha, vamos controlar esse Techs, principalmente pela Microsoft, meio do acesso a um celular e à internet,
corporações e seus investidores. Quando combate à desinformação das fake news o que causa um problema de soberania fazendo com que seja possível a compra
se mapeia o setor público, os Estados, cada e regular as plataformas digitais”. Porém, tecnológica, de captura dos investimentos e a venda - por consumidores e entre
vez mais, fazem contratos com a Microsoft a regulação acaba legitimando a captura públicos em soluções tecnológicas que não fornecedores das cadeias de produção
e outras Big Techs, inclusive, toda a base e mercado de dados e a censura prévia e estão voltadas à satisfação das necessidades - por plataforma e moedas digitais. Se
dos info.org dos governos depende de autorregulada dessas plataformas sobre a sociais, mas do lucro corporativo Saímos há 1,7 bilhão de pessoas sem banco,
soluções tecnológicas destas corporações, sociedade. Por exemplo, eu tenho amigos do corpo, da identificação facial, da leitura mas 1,1 bilhão de pessoas com acesso à
cujo acesso depende do pagamento de que tiveram conteúdos excluídos: fizeram óptica e chegamos, ao monitoramento internet, falta a lacuna da conectividade
direitos de propriedade intelectual. Então, o upload de um vídeo com o título “Fora, dos territórios. Formas de controle para a inclusão de uma fatia importante
a cada ano, os governos têm de pagar para Monsanto, das Malvinas Argentinas”; o do desmatamento, de identificação da da economia pelos serviços financeiros.
a Microsoft, por exemplo, para manter os YouTube, simplesmente, excluiu esse localização de recursos naturais, minerais, Sendo assim, vamos ver, cada vez mais,
documentos, processos e funcionamento vídeo, afirmando que o conteúdo ia contra água, biodiversidade nos territórios. Estes bilhões de pessoas no mundo sendo
da burocracia do Estado digitalizada. Assim, as diretrizes da comunidade e contra dados massivos capturados e armazenados incorporadas às transações financeiras
existe um gasto muito grande, sendo que a classificação etária da audiência da em infraestruturas de poucas corporações para que se tente ganhar escala e superar a
as compras públicas poderiam privilegiar plataforma. O Projeto de Lei do Partido de tecnologia, vem significando uma crise financeira; e isso vai passar, de novo,
soluções tecnológicas que não fossem Liberal traz justamente essa possibilidade, transferência das informações - das novas pela mediação de poucos atores, e as Big
proprietárias e detidas por poucas com a necessidade de identificar todos os mercadorias da era digital - Techs saem na frente. Vemos, novamente,
corporações. conteúdos impulsionados. Por um lado, uma reorganização das cadeias de valor e
isso parece interessante para fazer uma de plataformas públicas para uma grande relevância de cinco empresas,
Pensarmos em formas de livre mediação das informações falsas contra plataformas privadas, com um que podem gerar novas fusões e aquisições,
uso, de investimentos públicos em a captura da democracia, mas, por outro, deslocamento ainda mais intenso criando oligopólios verticais destas cadeias
soluções tecnológicas com base ratifica a governança privada e vigilância do lugar do poder nas mãos destas de valor. Dessa forma, teremos que lidar – os
em software livre, infraestruturas das Big Techs sobre todas as esferas sociais. corporações. países do sul global, principalmente – com
de conexão e armazenamento de Com ela, movimentos sociais que fazem o enfrentamento a estas ditas “soluções
informação públicas e seguras a fim compartilhamentos com mais de cinco Cada vez mais, para termos acesso a esse corporativas” em torno de inovação
de preservar a soberania nacional e grupos, por exemplo, teriam de se identificar tipo de informação, precisamos negociar tecnológica e sua decorrente propriedade
o regime jurídico dos bens comuns, e passam a ser vigiados como potenciais esse tipo de dado com as empresas que intelectual, que leva uma renovada pressão
seria algo fundamental para geradores de fake news. Não obstante, existe detêm esse controle. E, por último, o sobre suas terras e recursos. Travar o
evitar esse ajuste neocolonial e de ainda a questão da captura dos dados das próprio Banco Mundial coloca esse vínculo controle monopolístico de corporações
integração subordinada dos países pessoas, uma nova mercadoria que tem o entre a digitalização e a financeirização e investidores das cadeias sobre terras
do Sul na ordem internacional. potencial de conformar gostos, preferências da economia,afirmando: “Olha, em uma e tecnológica continua sendo o desafio
e comportamentos dos indivíduos, como crise do sistema financeiro, precisamos para os próximos anos.
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Cláudio Penteado um universo muito grande, que vai desde São cinco princípios. O primeiro é de uma período, se a sua posição, na plataforma,
Agradecemos muito sua participação, entregadores até o trabalho que alimenta remuneração que seja decente. O Fairwork não é afetada negativamente. Tem outro
Larissa, você levantou pontos centrais os dados para a Inteligência Artificial, trabalha com dois indicadores, sempre, um ponto que é interessante, no qual alguns
para discutir esse poder das plataformas, seja em plataformas como a Amazon básico e um avançado. O básico é que as agentes públicos pensam em algo assim:
muitas vezes, superior ao poder dos Mechanical Turk, seja em plataformas para plataformas, no mínimo, demonstrem que
Estados. Isso supera, inclusive, o Estado e trabalho freelancer e demais trabalhos. todos os trabalhadores recebem o salário- Quando um trabalhador, por
transfere o papel de fiscalização para essas Abordarei duas áreas. Primeiro, vou mínimo local, considerando o número de exemplo, um entregador de
companhias, que regulam os processos falar sobre a noção de trabalho decente horas trabalhadas. Sabemos que isso é bicicleta, sofre um acidente fazendo
de financeirização. Enfim, vários desafios em plataformas digitais; e, depois, vou um grande desafio. O ponto avançado uma entrega, isso se configura ou
surgem. Agora, teremos as considerações falar do cooperativismo de plataforma. É da questão da remuneração seria que as não como acidente de trabalho?
do professor Rafael Grohmann. necessário ter uma regulação do trabalho plataformas garantissem o salário-mínimo
por plataformas digitais, e existem várias ideal de cada país; que, no Brasil, o mais E se chamar o SAMU, as empresas devem
Rafael Grohmann discussões no mundo, como o André conhecido é o do DIEESE, que está em uma indenização para o Poder Público? Quer
Temos tentado contribuir com esse pontuou. Recentemente, houve uma última torno de R$ 5.000,00. E tem, no mundo, dizer, há discussões em torno desse sentido
debate e fico muito feliz em estar neste decisão, na Holanda, que foi um debate o Global Living Wage, que, no Brasil, não e de as plataformas precisarem cumprir
debate, com a Larissa, que não conhecia, com muito difícil, legislativo, juridicamente tem tanta penetração, inclusive porque esses princípios. O terceiro princípio é o
a Helena e com o André, que são lideranças falando. Considerando, inclusive, a própria não existem muitos estudos. É algo que de contratos que sejam justos, em que se
na nossa área. Como diretor científico Câmara dos Deputados, que temos hoje, e precisamos enfrentar, no sentido do que defina claramente a legislação brasileira,
da Associação Nacional de Programas o tanto de projetos que existem lá, sendo seria esse salário-mínimo ideal, de uma em que o contrato seja comunicado em
de Pós-Graduação em Comunicação, a maioria deles, hoje, regressivo. Apesar garantia das plataformas em relação a uma linguagem clara e compreensível para os
fico feliz que tenha muita gente da área disso, é importante avançar nessa questão. remuneração que seja decente. O segundo trabalhadores e que esteja sempre acessível
da Comunicação levando e liderando os Eu tenho coordenado, no Brasil, um projeto ponto são as condições de trabalho, que a eles; e que eles sejam notificados quando
esforços em relação às políticas públicas chamado Fairwork, que institui princípios precisam ser justas e que tenham a ver com alguma mudança acontecer, a fim de não
de tecnologia. O André fez um esforço para o trabalho decente por plataformas segurança, com saúde. O ponto básico que serem prejudicados por uma mudança
inigualável de elencar esses desafios que digitais, em consonância com a OIT. Primeiro, trabalhamos é que as plataformas possam na plataforma. Além dessas questões,
temos, de forma superorganizada. Vou pegar uma limitação. Esses princípios de trabalho mitigar riscos específicos da tarefa, com é preciso que o contrato não exclua a
alguns dos pontos que ele trouxe em relação decente são, a meu ver, o início do que políticas que protejam a segurança de responsabilidade da plataforma. É muito
à plataformização do trabalho; ele apontou eu imaginaria como economia digital, trabalhadores contra riscos específicos comum isso, pois temos plataformas, no
a dificuldade de enfrentar, mesmo daqui que eu queria ver daqui a 10 anos. Ele da tarefa; que as plataformas adotem Brasil, que dizem claramente no contrato:
a 10 anos, essas infraestruturas. é o mínimo do mínimo. E temos visto, medidas adequadas e éticas de proteção “A plataforma não se responsabiliza se
avaliando grandes plataformas pelo mundo e gerenciamento de dados, principalmente tiver transporte de drogas”. Coisas nesse
Em um momento em que as – estamos presentes, hoje, em 20 países, dos trabalhadores; que tenham uma política sentido, as plataformas sempre excluem
próprias infraestruturas estão de Estados Unidos a Tanzânia –, que, na de gerenciamento de dados; e que os suas responsabilidades. Nesse ponto, as
plataformizadas, pensando desde América Latina, nenhuma das plataformas trabalhadores não sejam prejudicados plataformas também não podem incluir
cabos submarinos e centros de avaliadas, até o momento, conseguiu atingir com essas medidas. No ponto avançado, cláusulas que impeçam os trabalhadores de
dados, é realmente um grande nota acima de 3, de zero a 10. E quais são as plataformas precisam oferecer uma rede buscar reparação por queixas decorrentes
desafio enfrentar isso, e não existe esses princípios? É importante pensar tanto de segurança, com medidas significativas da relação de trabalho. O quarto princípio
solução fácil para esses problemas. a regulação dessas plataformas digitais de para compensar os trabalhadores que é o princípio de uma gestão decente. Ou
trabalho quanto fazer pressão por esses perdem renda devido à incapacidade de seja, se a plataforma é capaz de fornecer
Focarei as plataformas digitais de trabalho, princípios, e também ajudar na construção trabalhar por algum motivo, seja uma lesão, o devido processo para as decisões que
nas quais temos a plataformização do de plataformas locais, plataformas seja alguma outra coisa; e quando eles são afetam os trabalhadores; se eles conseguem
trabalho, sabendo que também esse é comunitárias ou plataformas cooperativas. impossibilitados de trabalhar por um longo apelar para decisões injustas, em relação a
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bloqueios, desativações, falta de pagamento; representação são o mínimo. Todavia, ainda maneira, construir circuitos alternativos relatório sobre Economia de Dados no
se eles conseguem ter acesso a todo esse não conseguimos chegar a esses pontos de produção e consumo, com base nas Brasil e no México. Sabemos da dificuldade
processo, se esse processo é transparente, no Brasil, na América Latina. Sabemos nossas cidades. Quais seriam algumas de se pensar em infraestrutura de dados
se o processo de apelação está disponível que existe um movimento por parte das características, a nosso ver, para que também comunitários, mas é possível pensar nessas
para os trabalhadores, e se eles não são empresas, muitas delas têm conversado não se construa: Ah, vamos construir uma brechas. Tecnologias que sejam livres e
prejudicados por entrarem com alguma conosco pensando nesses princípios, como plataforma cooperativa para X. Entraríamos abertas, com licença de dados abertos; no
ação disciplinar. Mais do que isso, se as também nos mecanismos de pressão; mas em um tecnosolucionismo, que é o que Brasil, tem um histórico muito importante
plataformas são capazes de promover não dá para baixar o sarrafo ou pensar queremos evitar, de uma ideologia do Vale do de política de software livre, de movimentos
igualdade e diversidade no processo de em algo menor, porque isso é o mínimo Silício, que justamente estamos criticando. de software livre, não precisaria inventar
gestão, uma real diversidade, com políticas que se espera de um trabalho decente, Então, esse é um grande desafio: como nada, pois tem algo em andamento que
que garantam uma não discriminação entre que envolva, seja em plataformas digitais fomentar organizações de trabalhadores, daria para conectar as diferentes partes.
trabalhadores; e também garantindo, diretamente de trabalho, ou de outro tipo. de comunidades, de maneira geral, desde Recentemente, o Leonardo Foletto lançou
ou prevenindo, que usuários possam Porém, sabemos que essa regulação chega baixo, sem recairmos em um elefante branco, um livro muito legal, chamado A cultura é
discriminar trabalhadores por quaisquer ao limite, e que não é possível imaginar o ou em um tecnosolucionismo? Algumas livre, com prefácio do Gilberto Gil, falando
razões. E se existe um grupo desfavorecido Fairwork. Em outros países, tem algumas características que temos colocado, além dessas políticas de cultura digital nos
na plataforma, se existem políticas para plataformas, principalmente as locais, que dessa questão toda do trabalho decente, que anos 2000, e como isso foi importante
identificar e remover barreiras do acesso têm, a partir dessas pressões, melhorado é central para a construção de plataformas para o Brasil em termos de soberania
desse grupo a determinadas plataformas. suas pontuações, suas condições de cooperativas, é a governança democrática, digital. Então, pensar essa articulação
Também entra nesse quesito a questão trabalho, ao longo dos tempos. Mas existe como um elemento central, governança das de trabalho decente, dados para o bem
que envolve se a plataforma usa algoritmo um limite para isso, e é por isso que temos próprias comunidades, dos trabalhadores, comum, tecnologias abertas e organização
para determinar o acesso ao trabalho, à falado muito sobre o “cooperativismo de dados para o bem comum. Temos uma desde baixo, é um grande desafio, mas
remuneração, que eles não resultem em plataforma” ou “plataformas de propriedade série, inclusive, um subtítulo que se chama é necessário. Recentemente, o exemplo,
resultados injustos para as minorias. Isso de trabalhadores” e estudado bastante isso. “Do cooperativismo de plataforma”, que para terminar, sobre o qual temos falado
é também algo que consideramos um são cooperativas de dados. Tem exemplos muito, é o caso na França, em que uma
ponto muito importante. Por fim, uma Não é possível pensar no fomento pelo mundo, como a Driver’s Seat, em que cooperativa de entregadores se juntou a uma
representação que seja justa, decente, a esse tipo de plataforma sem os motoristas trabalham para a Uber, mas Federação de Cooperativas de Entregadores,
com a plataforma, com um mecanismo indução de políticas públicas, ou coletam os dados deles mesmos e revendem a CoopCycle, e criou um software livre
documentado, que possa expressar a voz fomentos ligados a governos locais, para as agências públicas, para que elas, os para várias cooperativas de entregadores
coletiva dos trabalhadores, que a liberdade estaduais, nacionais; e é preciso órgãos públicos, dependam menos das Big na Europa, e agora isso está chegando na
de associação não seja inibida, inclusive em um olhar público, também, para Techs, em relação a dados de geolocalização, Argentina; pode-se estar em qualquer
sindicatos e associações; e se a plataforma a construção dessas plataformas de tráfego urbano; e que as prefeituras e cidade, e é o mesmo aplicativo, só muda
apoia, ou não, a governança democrática. de propriedade de trabalhadores, outros órgãos públicos possam planejar a cooperativa local. Juntou-se isso a um
Quanto a plataforma reconhece esses direitos que podem ter diferentes tipos melhor suas políticas urbanas com base Selo de Alimentação Saudável, da França,
e os publica, formalizando um corpo coletivo de soluções tecnológicas. nesses dados. financiado pela Câmara Municipal de Paris.
de trabalhadores e buscando implementar Ou seja, é uma política pública, ao mesmo
mecanismos significativos de representação Por exemplo, temos no Brasil o caso do Então, é preciso pensar em tempo de trabalho decente e de alimentação
e de negociação coletiva. Sabemos que os Contrate Quem Luta, do MTST, que é um dados para o bem comum e saudável, porque a cooperativa vai fazer
usuários têm avaliado as plataformas no assistente virtual, não necessariamente em infraestruturas que sejam entregas de restaurantes locais, e não de
Brasil – no fim do ano, vamos lançar um uma plataforma, com as infraestruturas; comunitárias. redes de fast-food. Então, isso é entendido
relatório – e as dificuldades que temos em e também não vão resolver todos os como uma política pública urbana e também
relação a esses princípios. Remuneração, problemas, mas podem ajudar no Eu e uma professora do México, a Paola de saúde da população. Isso vai um pouco
condições de trabalho, contrato, gestão e desenvolvimento local e, de alguma Ricalde, estamos terminando, agora, um ao encontro do que o André Lemos falou,
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de se pensar a sustentabilidade, tanto das integração da tecnologia, da informação nessa leitura, uma primeira questão em que isso é fundamental para termos em vista um
plataformas e das próprias infraestruturas e do conhecimento ao capitalismo é o podemos tentar avançar é o reconhecimento novo programa para as comunicações, que
como também do tipo de sociedade que que tem marcado o tempo presente. Isso de que a luta contra o monopólio/oligopólio, se faz absolutamente necessário. Tentando
fomentamos, de ter fomento para essas significa uma série de questões, como o nesse setor, marcará o século XXI. O século contribuir, um pouquinho, com o que
plataformas. Obviamente, são muitos os aprofundamento da Divisão Internacional já iniciou com a bolha.com, e essa é uma seriam áreas – porque o próprio tempo
desafios que temos enfrentado, tanto do Trabalho. A lógica imperialista, já agenda, que, sem dúvida alguma, vai ser e minha capacidade não me permitiriam
acompanhando essas iniciativas quanto mencionada aqui. E, de forma geral, a tão importante quanto as agendas que desenvolver todos esses pontos –, quero
pensando no futuro delas. Mas tanto o transformação de tudo em mercadoria, anteriormente levaram ao desenvolvimento elencar aqui algumas questões do que
trabalho decente como o cooperativismo com profundos impactos ambientais, de mecanismos antitruste. Então, vamos poderiam ser abordagens nesse programa
de plataforma, seja em qual nomenclatura a culturais, políticos, que também foram ter que atualizar esses mecanismos, das comunicações. Dividi em curto, e dei o
usamos, são apostas que fazemos, pensando mencionados. Coloco isso porque é claro considerando a luta fundamental, que é nome “de imediato”; médio prazo, e dei o
tecnologia e soberania digital, no Brasil, que há resistências, é claro que há usos contra o monopólio/oligopólio em torno nome de “paralelamente”, pois são processos
em 2030. diferentes das plataformas, mas, para mim, de poucas corporações tecnológicas, que se síncronos; e longo prazo, e dei o nome de
é fundamental ter em vista tendências espraiam para as mais diversas áreas da vida “tendo em vista”, porque todos os nossos
Cláudio Penteado hegemônicas associadas: a intensificação e em sociedade. Bom, como uma tendência enfrentamentos, sejam mais imediatos
O Rafael desenvolve um trabalho precarização do trabalho, a constituição de geral, isso se revela nos mais diversos ou um pouco mais espaçados no tempo,
muito importante com essa discussão sobre uma esfera pública fragmentada. Ao passo campos sociais, de forma extremamente têm de estar muito orientados para uma
o trabalho decente e o cooperativismo de que, ao mesmo tempo, unida em torno acelerada; e, por essa diversidade, demanda visão sobre comunicação, tecnologia e
plataforma como a solução alternativa. de uma vida baseada no consumo, com a abordadas e enfrentamentos diversos. direitos. Invertendo um pouco a ordem,
Sua exposição de ideias passou pela ampliação de mecanismos de vigilância Ao mesmo tempo que essas abordagens a longo prazo, o que temos que retomar
Larissa e pelo André, é uma coisa a se e controle social, com o reforço das mais encontram alguma resistência para serem é a afirmação da dimensão dos direitos, a
pensar; não é uma forma de demonizar as diversas opressões, e, também, a lógica desenvolvidas, até mesmo no próprio dimensão da comunicação e das tecnologias
plataformas, mas sim de entender como as da própria tecnociência, que coloca o campo da esquerda, seja por conta do como algo público, no sentido mesmo mais
políticas públicas podem contribuir. Então, desenvolvimento do conhecimento a serviço tecnosolucionismo reinante, de uma ideia profundo da palavra, e que rompa com
agora, teremos a oportunidade de ouvir/ do capital e para uma instrumentalização ainda muito presente de neutralidade, de todo esse processo de mercantilização
ler a Helena Martins, que representa um que, muitas vezes, significa uma lógica que uma expectativa otimista, que acompanhou da vida. Temos de desenvolver nosso
importante grupo que atua há muitos anos vai de encontro à proteção ambiental, às muito o desenvolvimento das próprias olhar para isso; ainda que, obviamente,
em defesa de uma comunicação realmente populações e culturas tradicionais etc. Então, tecnologias, de uma perspectiva também reconhecendo os enfrentamentos que
democrática. esse é um pouco do movimento que levou muito comum, inclusive na Academia, da componham distintas temporalidades. No
ao problema que estamos encontrando ênfase nos usos sociais, na exploração das curto prazo, mencionarei uma questão, que,
Helena Martins agora, que é o dessa plataformização da fissuras. Partindo do reconhecimento de muitas vezes, acabamos não contemplando,
Pretendo trazer contribuições que sociedade, como já mencionaram. que se trata de um processo mais amplo, que é da universalização do acesso. Não
resultam dos espaços em que estou inserida: geral, e que encontra esses desafios todos é possível que mantenhamos índices
dos grupos Telas e OBSCOM/CEPOS, da Essa plataformização facilita a já mencionados aqui, parece fundamental de desconexão, ou de conexão precária,
Revista EPTIC e da militância pelo direito aderência das tecnologias, da desenharmos outro futuro, enfrentarmos que registramos, especialmente, em um
à comunicação. Quero começar a partir informação, do conhecimento, esse tema tendo em vista uma perspectiva país como o Brasil. Isso é fundamental
de um diagnóstico, que talvez seja uma ao próprio sistema. Valendo-se, de totalidade. Quero resgatar Raymond para enfrentarmos a desigualdade. Se
contribuição, que se conecta também com para tanto, de maior concentração Williams: Não como uma junção apenas, reconhecemos que a plataformização e
outras exposições de ideias. Primeiro, tenho e centralização de capital. mas como uma totalidade que reconhece a mediação tecnológica marcam o tempo
lido muito a parte da Economia Política os atravessamentos da hegemonia. Quais presente, é fundamental que as pessoas
da Comunicação, que é o ponto teórico ao Os números já foram também apresentados são as formas sociais hegemônicas? Quais possam participar desse universo. Agora,
qual me vinculo mais; essa ampliação da aqui, em torno das Big Techs etc. Com base instituições operam essa hegemonia? Tudo
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além de ter o acesso, ele deve elas têm implicações para o debate sobre geral, e especialmente, também, no campo termos a promoção da soberania de dados,
ser acompanhado também por desinformação, discurso de ódio e, de forma da segurança pública. E um outro debate, individual e coletivamente.
políticas públicas de formação geral, para a própria conversação social. imediato, que já tem sido feito, inclusive
para uma leitura crítica da mídia, Também, no curto prazo, é fundamental pela OCDE e por outros órgãos e grupos, Por outro lado, muitos dos serviços
para programação, de modo que que avancemos na reivindicação em torno é sobre a taxação das plataformas; temos que são, hoje, comercializados,
não sejamos apenas consumidores, da transparência algorítmica e dessa de desenvolver mecanismos que evitem direta ou indiretamente, pelas
mas, sim, produtores e produtoras corregulação. Cito um documento que foi que elas sigam acumulando riqueza em Big Techs, são importantes, mas
de tecnologia. elaborado por diversas organizações latino- paraísos fiscais, isso é fundamental. No precisam ser reorientados, desde
americanas, chamado Smart Regulation: médio prazo, é fundamental avançarmos seu modelo de negócio até seus
Acho que essa dimensão é muito importante, Designing Environmental Policy, bem como em uma proposição latino-americana, em sentidos mais profundos, que
e há, inclusive, alguns exemplos de pesquisas do Observacom, do Intervozes e crítica, de enfrentamento à concentração orientam desde a sua elaboração
desenvolvimento disso, como o Plan Ceibal, outros, nos quais há várias propostas em de propriedade das plataformas digitais.
no Uruguai. Em outros países, também, torno de transparência algorítmica. Outra Medidas antitruste já têm sido discutidas passando pelo design tecnológico. Podemos
além do Brasil, com software livre. Enfim, questão é pensar que a incidência em relação na Europa e nos Estados Unidos, inclusive pensar no impacto do Uber em relação às
há uma preocupação para que não sejamos à regulamentação dos usos da Inteligência por parte de setores liberais; e, aqui, cidades, o Airbnb também, em todas as
apenas consumidores. Isso é muito urgente, Artificial é muito importante. O André ainda carecemos de uma abordagem que plataformas; e questões sobre trabalho.
até porque a própria pandemia levou a também mencionou que o governo fez um considere, inclusive, as desigualdades Então, dentro desse reconhecimento de
uma superintrodução das plataformas, em plano medíocre sobre Inteligência Artificial, Norte e Sul etc. Mas quero deixar que alguns serviços são importantes, é
diversas esferas. Então, na universidade mas é preciso também que debatamos o algumas propostas para discutirmos no fundamental que pensemos em uma solução,
mesmo, em vez de discutirmos a elaboração que queremos com isso, sem ter muitas debate, em outros momentos, em torno em vez do solucionismo tecnológico, no
de tecnologias, fazemos contrato para usar ilusões em torno de aceleracionismo, do enfrentamento a essa concentração. planejamento democrático. Essa dimensão
o Google. Essas são questões que carecem pois essa não é a perspectiva que abraço. É preciso desmembrar a propriedade já do planejamento já foi muito debatida;
de um enfrentamento imediato e devem Creio que temos de discutir, inclusive, se existente e evitar novas fusões e aquisições. inclusive, há o planejamento socialista, o
ganhar mais centralidade na agenda queremos Inteligência para tudo, para Por exemplo, é preciso desmembrar o planejamento, enfim, da experiência chilena,
política nacional. Bom, casado a isso, que é que a queremos; e, obviamente, Marketplace da Amazon, impedir que o sobre isso. Usar tecnologias é algo que temos
ainda nesse curto prazo, devemos evitar discutindo os vieses, o controle social e Google tenha busca, o YouTube, e tudo mais. que, novamente, trazer à tona, contando
as medidas de Bolsonaro, em torno da a proteção de dados, que são questões que Temos que limitar a apropriação de dados com os algoritmos, de forma democrática,
moderação de conteúdo, e os ataques, em devem atravessar e pautar todos os usos e o compartilhamento entre empresas, dentro de um processo de planejamento
geral, massivos, da internet, que o André que venhamos a fazer sobre Inteligência algo fundamental para a obtenção das que estimule a criação de serviços por
também já comentou. Ao mesmo tempo, é Artificial, que, sem dúvida alguma, vantagens competitivas, e para que elas parte de agentes públicos, os mais diversos,
preciso fortalecer os espaços de governança também pode ser muito importante para sejam vistas como necessárias, porque não apenas do Estado; e que também dê
multisetorial, até porque, no Brasil, não outras questões. Também, no imediato, é garantem serviços bons. Esses serviços centralidade à construção e ampliação, em
temos uma tradição de ter uma Agência, fundamental fortalecer a mobilização em bons são prestados porque a coleta de alguns casos, de uma infraestrutura pública.
ou um Conselho de Comunicação que seria, curso para banir o uso de reconhecimento dados é importante para romper com essa Isso já foi mencionado também; e foi muito
inclusive, mais adequado; e, hoje, temos facial no Brasil. A Coalizão Direitos na naturalização. Ampliar a interoperabilidade interessante a abordagem da companheira
um problema, de fato, de passar, de termos Rede está iniciando uma campanha em dos sistemas já foi comentado. É preciso em relação à infraestrutura; essa é uma
sempre discussões sobre quais são os órgãos torno do banimento; essa pauta já foi impedir mecanismos de aprisionamento, dinâmica material, fundamental, não há
que vão acompanhar, por exemplo, questões vitoriosa em várias cidades; e aqui, ela como os desenvolvidos pela Apple. Temos nuvem sem infraestrutura, e temos que
sobre desinformação etc. Há o CGI, muito ainda ganha mais importância devido à que impedir a concentração de publicidade, fazer esse enfrentamento. Para finalizar,
importante, mas também sabemos que o conhecida política racista de segurança pois, hoje, Google e Facebook controlam nas questões de longo prazo, temos que
CGI é frequentemente atacado pelo próprio pública. Então, é fundamental barrar o cerca de 80% do mercado de publicidade reorientar nosso olhar, desnaturalizando
Governo Bolsonaro. Então, essas questões, uso do reconhecimento facial, de forma digital. E tudo isso não será suficiente sem essa ampla comercialização da internet e da
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vida, retomando a dimensão pública. Houve, então, foi bem interessante. Quero agradecer, do monitoramento digital. Pensando nisso, captura vem sendo facilitada por essas
inclusive, recentemente, o lançamento de um tivemos visões bem complementares, uma alternativa é caminhar para sistemas estruturas digitais. Temos de explicitar em
manifesto pela mídia pública e pela internet também plurais, da crise, de uma visão de compartilhamento de governança, mas nossos debates a primordial interconexão
pública, assinado por vários intelectuais, geral sobre economia política, sobre o não a partir da propriedade e do mercado. É entre essas áreas. Muitos agricultores já
movimentos. Acho que é importante trabalho. imprescindível falarmos do papel da OMC, do estão construindo plataformas baseadas
para trazer essa dimensão do público à TRIPS, Acordo sobre Aspectos dos Direitos no comum no compartilhamento entre
tona, para a desmercantilização de tudo. Cláudio Penteado de Propriedade Intelectual, que permite os trabalhadores, encontrando formas de
Enfim, isso significa dar centralidade ao Larissa, você que trouxe considerações a apropriação sobre formas de vida, das união entre consumidores e produtores -
enfrentamento da propriedade intelectual, que não aparecem nesses debates, um informações genéticas que são a base do inclusive, através de plataformas digitais.
defender o conhecimento livre. Sérgio olhar até um pouco de fora da Academia, desenvolvimento de vacinas, sementes etc. Essas soluções também estão reverberando
Amadeu está aqui, e é fundamental nessa que é sempre bom. Às vezes, ficamos O que significou isso para as sociedades, nos territórios, e é bom compartilhar isso
história aqui no Brasil. É preciso renovar muito fechados na Academia, achamos e principalmente para os mais pobres? para fomentar cada vez mais discussões e
aquela aposta, na produção compartilhada que sabemos de tudo e, na verdade, não Mais ou menos acesso? O que significa a apoio de políticas públicas a essas soluções
de tecnologias. Para finalizar, um último sabemos de nada. apropriação do conhecimento imaterial e não proprietárias.
comentário, isso se trata da necessidade de material? Para onde vão esses dados? As
movimentar a imaginação política a serviço Larissa Packer compras públicas estão fomentando essa Cláudio Penteado
do desenvolvimento de novas técnicas, como Não faço acompanhamento do tema nova engenharia corporativa. Bancos de Então, novamente, foi excelente,
parte de processos que objetivem superação da digitalização em si, mas vemos impactos desenvolvimento, financiamento público, as eu acho que trouxe até um gancho para
de elementos fundantes da sociedade significativos desta transição tecnológica em chamadas finanças verdes, têm buscado, cada o Rafael, que trabalha estudando essas
capitalista, como a divisão do trabalho curso, inclusive no campo energético, como vez mais, sustentar aparatos sustentáveis, plataformas que surgem em um modelo
e a alienação em relação à coordenação os Parques Eólicos, Agrocombustíveis, tidas o que significa infraestrutura digital, e um contra-hegemônico, contra esse modelo
da sociedade. É com mais participação, como energias limpas, menos emissoras novo pacote tecnológico corporativo. Assim, de acumulação e contra o poder das Big
e com esse sentido público radical, que de gases efeito estufa, mas que necessitam as políticas públicas, necessariamente, têm Techs.
podemos reinventar a tecnologia. de extensas áreas. Imaginem os conflitos essa discussão de imediato, médio e de
por terras (e a quantidade de terras em longo prazo - mas eu acredito que é para Rafael Grohmann
Cláudio Penteado disputa) que essa transição energética agora, não adianta uma regulamentação Ótimo. Tenho três ou quatro
Helena, excelente, você citou pontos pode causar, principalmente nos países hoje, baseada em uma autorregulação do observações a fazer. A primeira é esse papel
centrais, para pensarmos em políticas do Sul Global. Então, temos que falar um setor, ou uma corregulação; precisamos de universidades, trabalhadores, políticas
públicas e o papel do Estado, o Estado pouco dessa migração das sociedades realmente começar a falar sobre dados e o públicas, formuladores de políticas. Ainda
Democrático; e fornecermos, pensarmos para esse modo de produção 4.0, e os seus que deve permanecer na esfera individual, mais em um momento muito estranho,
alternativas para essa tecnologia que impactos, antes de, simplesmente, sair dos no âmbito comum pertencente a todos, no mínimo, da Capes, e com tudo o que
nasce trazendo muitas possibilidades; combustíveis fósseis e imigrar para outras no âmbito da segurança pública, contra envolve o próprio Sistema de Pós-Graduação
e, em pouco tempo, será capturada por alternativas que podem até mesmo significar a propriedade intelectual corporativa. e de como as pesquisas são fundamentais
uma lógica capitalista de concentração. Eu uma nova oportunidade de acumulação Existem bens imateriais e materiais nesse momento. O segundo sobre o uso de
vou passar agora para uma última rodada primitiva do capital - principalmente que são base para as possibilidades de blockchain. Eu tenho visto pipocar muito a
de observações finais. ao passo que se observa esse arranjo vida humana e do planeta: precisamos questão de tokens comunitários, e a dispensa
corporativo e a governança corporativa começar a colocar esses bens sob formas do uso de blockchain em plataformas
André Lemos por trás. Então, realmente, para os próximos não proprietárias; começar a falar o que cooperativas. Tem um movimento muito
Eu queria, primeiro, agradecer a 10 anos, veremos muito dos temas da é a gestão desses bens e âmbitos comuns. interessante, que nasceu de uma cooperativa
oportunidade, o debate foi muito rico, regulação corporativa, da autorregulação, A apropriação privada de bens essenciais de tradutores, na Espanha, chamado DisCO.
muito interessante. O formato, também, de instrumentos como a certificação à vida é algo fundamental a ser discutido, coop; estamos para traduzir o relatório
bem propício para irmos direto ao ponto; sustentável de cadeias produtivas através minérios, recursos naturais, terras cuja deles. Mas confesso que preciso de mais
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estudo nisso. Tem coisa que é um eterno do Oprimido”. Nele, ele vai recuperar a também tem utilizado tecnologias de qual é o instrumento que vai coordenar
aprendizado. Estamos fazendo uma experiência de uma bibliotecária cubana, reconhecimento facial. É isso. Se não isso, que vai reunir, que vai estimular esses
série de vídeos sobre cooperativismo que vai revolucionar também o modo como conseguirmos colocar essa discussão em encontros? Essa experiência que vocês
de plataforma e emperramos no roteiro Cuba pensa a tecnologia. E ele termina outro patamar, um patamar de projeto de estão propondo é parte desse processo.
sobre blockchain, que não conseguimos o texto de maneira muito interessante: sociedade, será muito difícil sair disso, Superobrigada, e fico aqui para escutar/
ainda capturar o que seria isso, mas temos Vamos experimentar táticas, tecnologias, porque a lógica dessas empresas, e desse ler a outra mesa, que vai ser muito bacana
procurado acompanhar. Temos falado muito, algoritmos e novas possibilidades. E como sistema, é uma lógica de aprisionamento também.
conectado agora com as ideias da Helena. a Helena expôs, pensar fissuras, pensar de tudo. Inclusive, conecto isso com a
A frase que eu vou falar virou quase um brechas, pois não existe fórmula pronta. pergunta que chegou aqui no chat, do Zé Cláudio Penteado
chavão das minhas lives: O que colocamos aqui, como guias, como Correa, sobre a financeirização. É claro Bom, pessoal, temos que abrir
princípios, é que é nesse aprendizado que por que tem que ter um (Pay-per espaço para a outra mesa, que tem outras
Se, por um lado, o capital tem cotidiano que avançamos. Uol, PayPal) se o Google pode fazer? O contribuições muito bacanas. Quero
experimentado novas formas Google já faz, inclusive, quando pagamos comentar, na verdade, deixar no ar, uma
de exploração e controle do Cláudio Penteado um monte de coisas para ele, com algum questão que chegou: Google, Facebook e
trabalhador, precisamos construir Helena, você trouxe a necessidade tipo de intermediário. Mas se ele puder Amazon já fizeram muito mais pesquisa do
novos laboratórios para pensar o de usarmos a imaginação política para fazer diretamente, acho que ele fará. E que a ciência e a capacidade de produção.
trabalho por plataformas. pensarmos novas formas, não somente se eles puderem criar rede social para E o pior, nós, pesquisadores, universidades,
de resistências mas de transformações coletar mais dados, farão. A lógica é essa, de dando os dados das nossas pesquisas para
E até isso que a Helena coloca, dos perigos das relações existentes e dominação das plataformas. Então, realmente temos que eles, de graça. O André gostaria de fazer
do aceleracionismo, se quisermos mesmo Big Techs. A proposta desta mesa é isso. romper com esse modelo e pensar outras um comentário.
isso. Mas o ponto que eu ia conectar Além de pensarmos o diagnóstico, olharmos coisas. E conectando, também, com essa
com a exposição de ideias da Helena é para frente e pensar: Bom, o que podemos discussão que o Kenzo colocou aqui no chat, André Lemos
a questão da imaginação política. Esses fazer? E estão surgindo algumas ideias, sobre os limites da regulação. Sem dúvida É em relação a essa pergunta. Quer
laboratórios possíveis para se construir algumas questões. Eu gostaria de ouvir alguma, são limites. Há muitos limites. dizer, ela é injusta em relação ao Brasil.
plataformas não proprietárias, plataformas suas observações finais. Mas a existência desse mecanismo, por Quem mais faz pesquisa nesse país são as
de propriedade da comunidade, dados de exemplo, da LGPD, constitui um entrave, universidades, e o que está se interpretando
propriedade de trabalhadores, e por aí vai; Helena Martins a facilitação da lógica de funcionamento como pesquisa? É importante que tenhamos
não é algo que seja um elefante branco, ou das plataformas. As disputas todas, a Digital Humanities como um aliado
algo importado, ou que vire um risco de Nossa necessidade de imaginação como processos cumulativos de criação das Ciências Humanas. Tem um texto
uma hipsterização de tudo isso, ou mesmo política é para superar um certo de mecanismo de resistência, são mais do Richard Grusin em que ele faz uma
de um embranquecimento e de criação de horizonte do possibilismo, que nos potentes se orientadas por uma visão, crítica da Digital Humanities. Ele vai dizer:
falsas cooperativas, que temos visto por aí. aprisiona por uma estratégia política, que ajude, Há uma separação dizendo assim: Olha,
Tenho visto assim: Ah, somos um aplicativo inclusive, a conectar as lutas. Como vocês ficam estudando Foucault, Deleuze,
que parece cooperativa. Você vai ver, é algo em um sistema, que é essa lógica do conectamos a luta de quem está fazendo Heidegger, isso não serve para nada. Agora,
quase como uma Startup 2.0. Temos de progressismo, que vai ser ambientalmente cooperativismo de plataformas com quem se minerarmos dados, isso sim é útil. Ele
aprender com o que já existe e aprender incorreta, que vai ser degradante do ponto está lá no Congresso Nacional, brigando vai dizer: Olha, isso vai fazer a felicidade
com o passado. A Helena discorreu sobre o de vista das condições dos trabalhadores pela LGPD? E vice-versa: Como conectamos das empresas, de todo neoliberalismo que
trabalho fantástico, e histórico, do Serginho, etc. Eu, no Ceará, ontem, acompanhei o quem está discutindo dados pessoais e quer aniquilar com a universidade. Essa
na Academia e fora da Academia. Precisamos anúncio do governador Camilo Santana, quem está, na prática, servindo, usando, seria uma pergunta que poderia ter sido
traduzir para o português um texto, de um do PT, da parceria com a Amazon para sendo explorado por plataformas, como feita pelo nosso Ministro de Estado: Para
brasileiro, que foi escrito em inglês, que é o digitalizar todo o serviço público, criar Uber e outras tantas? É essa perspectiva que vocês servem, se o Google e o Facebook
do Rodrigo Ochigame, chamado “Informática um datacenter da Amazon etc. O Ceará que a imaginação política deve fomentar: fazem mais coisas do que vocês? Primeiro,
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não é verdade. Segundo, de que pesquisa a Ação Educativa, pela iniciativa, por Rafael Evangelista um processo em que somos todos nós, os
nós estamos falando? E terceiro, que tipo viabilizar este seminário. O tema, agora, Agradeço o convite, espero contribuir humanos, que passamos a ser objeto de
de pesquisa temos que ter para entender? vai ser: Inteligência local, soberania digital satisfatoriamente. Estava acompanhando um processo de colonização via dados.
Toda nossa discussão foi uma discussão e soberania de dados, que vai ser abordado as exposições de ideias iniciais e penso que O que temos então seriam processos de
política, filosófica, social, que dificilmente por Rafael Evangelista, docente e membro temos um desafio importante pela frente. extração e de leitura dos dados, dados
é feita dentro dessas empresas. Então, é do Laboratório de Estudos Avançados em Quero começar utilizando dois termos que produzidos por nós, mas lidos pelas
preciso valorizar um pouco o que fazemos. Jornalismo da UNICAMP, coordenador estão postos no título desta mesa: Soberania grandes corporações de tecnologia, que
do Grupo de Pesquisa Informação, de Dados e Soberania Digital. Quero citar colocam nossa experiência vital como fonte
Cláudio Penteado Comunicação, Tecnologia e Sociedade, dois autores em especial que tenho lido, de insumos. Do mesmo modo como o Sul
Só para complementar, André, e membro da Rede Latino-Americana entre outros, mas esses autores usam foi fonte, os territórios colonizados foram
temos de pensar que, muitas vezes, elas de Estudos em Vigilância, Tecnologia e algumas palavras citadas no título desta fonte de insumos no processo colonial
se apropriam do trabalho produzido Sociedade. Nina da Hora, pesquisadora em mesa e acredito que o título referencie esse histórico. Essa ideia do colonialismo, para
pelas pessoas, eles não ajudam, pelo Ética da Inteligência Artificial, Privacidade debate. É uma discussão ampla, que traz falar desse nosso momento em que as
contrário, somente complicam nossa e Educação, hacker antirracista e líder de elementos que podem ser úteis para além grandes plataformas ganham protagonismo
vida e se apropriam do conhecimento iniciativas em Inclusão Digital. Sobre a de controvérsias conceituais acadêmicas. na estruturação de uma economia baseada
que é produzido pelos pesquisadores, Nina, ela está desenvolvendo um curso de Estou me referindo aos termos “colonialismo em dados, uma economia que procura fazer,
que são financiados, muitas vezes, pelo Cibersegurança para o Centro de Formação de dados” e “colonialismo digital”. O termo do esquadrinhamento da nossa vida, da
próprio dinheiro, ou o que você tinha da Ação Educativa. Eles têm, também, vários “colonialismo de dados” é empregado por coleta de dados, de tudo que escrevemos nas
ainda de incentivo à pesquisa no Brasil. outros cursos gratuitos disponíveis relativos Ulises Mejias e Nick Couldry no livro The redes sociais, do que dispositivos vestíveis
Bom, agradeço a toda a audiência/leitores, aos temas de Tecnologia. Costs of Connection, que tem se mostrado capturam do nosso corpo e tudo mais, tudo
mas, principalmente, aos expositores e às bastante influente em debates aqui na isso é objeto de práticas de apropriação.
expositoras desta mesa, que colocaram Para mais informações, é só acessar periferia do sistema. O termo “colonialismo O processo está analogamente ligado
vários temas interessantes, várias soluções https://acaoeducativa.org.br/projeto/ digital” é tratado por Michael Kwet, um a algo muito parecido com o que teria
e caminhos, para pensarmos e avançarmos tecla-tecnologia-em-acao/ pesquisador sul-africano. acontecido no começo do capitalismo
na discussão sobre a tecnologia no Brasil e Colonialismo de dados, como tratado industrial, ou como base para o capitalismo
o desafio de enfrentar a plataformização. Fernanda Rosa, professora do Departamento por Couldry e Mejias, refere-se a um industrial, como condição emergente. Essa
Passo, agora, para nossos próximos de Ciência, Tecnologia e Sociedade da processo histórico de continuidade lógica condição é referida como acumulação por
companheiros e companheiras. Professor Virginia Tech; pesquisa Governança da do colonialismo. Aquele colonialismo que despossessão, cuja marca histórica é o
Jerônimo. Internet, Infraestrutura de Comunicação, se casa com o período de nascimento do processo de acumulação primitiva. Ou
Tecnologia da Informação e Comunicação, capitalismo, que coloca condições históricas seja, quando, antes da estruturação do
Educação e Direitos Humanos. E Sérgio para a ascensão do capitalismo industrial, capitalismo industrial, da concentração de
Parte 2
Amadeu da Silveira, docente e membro do condições que derivam do movimento propriedade, passamos de um período de
Laboratório de Tecnologias Livres da UFABC, expansionista europeu. Couldry e Mejias uso comunal da terra para a terra se tornando
“Inteligência local, soberania sendo que ele tem vasta experiência em veem um processo não de continuidade um capital; e uma subtração das pessoas,
digital e soberania de dados”, políticas públicas relacionadas à Tecnologia. histórica de colonialismo territorial, mas da capacidade delas de sobreviverem, de
Jerônimo Pellegrini, Rafael Evangelista, Integrou o CGI.Br. Presidiu o ITI. E pesquisa em que se refaz um tipo de movimento garantirem sua subsistência. Um processo
Sérgio Amadeu da Silveira, Nina da Hora, diversos temas relacionados à Tecnologia de exploração. Não se trataria mais de um histórico da passagem do feudalismo, do
Fernanda Rosa e Sociedade. Então, começamos com a mero processo de colonização, a partir dos fim do feudalismo, fazendo o que o Marx
apresentação das ideias feitas pelo Rafael. países europeus, que fazem esse movimento vai chamar de acumulação primitiva.
Jerônimo Pellegrini expansionista para o Sul e produzem Couldry e Mejias enxergam esse momento
Agradeço a todos que nos assistem/ relações de submissão territorial. Eles de maneira análoga à acumulação primitiva
leem. Agradeço, e elogio, o Coletivo 660, entendem o colonialismo de dados como e ao que David Harvey vai entender como
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processo contínuo do capitalismo de o Sul Global. Couldry e Mejias, quando falam vigilância. Como afirma Shoshana Zuboff, processos de exploração. Nesse sentido,
acumulação por despossessão. Agora, em em colonialismo de dados, falam de um estamos em uma nova fase do capitalismo Sul Global é uma categoria histórica de
vez de ser a terra, ou os recursos naturais processo que está incidindo não só sobre informacional, baseada no Big Data, em que submissão, pode englobar o imigrante do
do colonialismo histórico, são os dados que as populações do Sul mas atinge também algumas grandes empresas estabelecem Sul, que hoje vive no Norte, mas que é
estão sendo extraídos e explorados e sobre populações do Norte, que seriam alvo de uma liderança global no controle dos dados marginalizado, ou as próprias populações
os quais vamos perdendo a soberania. Uma uma despossessão análoga à colonização. para praticar a predição e modificação de marginalizadas do Norte, e definitivamente
coisa interessante a ser explorada é que Kwet fala: Olha, o que está acontecendo comportamentos. inclui as populações marginalizadas que
esse é um processo tanto de acumulação vitima, especialmente, as populações do Sul; vivem no Sul. Vou tratar, brevemente, da
quanto de despossessão. Quer dizer, porque nessa nova estrutura geopolítica O domínio dessas empresas sobre migração de infraestruturas educacionais,
que está se desenhando no mundo, há um as infraestruturas e sobre as bases das universidades e das escolas públicas,
tanto você tem concentração de polo de poder, que são os Estados Unidos; de dados é um domínio voltado em direção às grandes empresas, às grandes
riqueza quanto você tem uma e, mais especificamente, o Vale do Silício. a capturar inteligência. Ou seja, plataformas, Microsoft, Google etc., migração
massa de pessoas, que é obrigada Nessa análise, é importante destacar, Kwet nosso interior, nossa vida mais das plataformas educacionais. Sou membro
a vender sua força de trabalho no contempla uma dimensão da materialidade íntima, é objeto de práticas de também do Comitê Gestor da Internet, e
mercado, oferecer seus dados, da exploração, que é a infraestrutura digital acumulação via dados para, a partir estamos com um grupo de trabalho para
como condição de sobrevivência. – os cabos, as máquinas, o hardware e o deles, produzir uma Inteligência debater esse problema, acumular dados
software – sobre a qual não temos mais que permita a prática de previsão sobre o uso das plataformas educacionais das
Pensar nessa imagem e nessa continuidade controle, o Sul não tem soberania. É a partir de comportamentos e de técnicas Big Techs, por escolas e por universidades,
trabalho-dados é algo muito interessante. do controle dessa infraestrutura que há que incidam sobre nós – no que ela e propor algumas soluções. Há um processo
O termo “colonialismo de dados”, por a coleta dos dados. chama de “poder instrumentário” que se intensificou muito com a pandemia,
fazer referência ao colonialismo, acabou Assim, Kwet vai tocar em temas como quanto –, técnicas que alteram nosso mas que já vinha acontecendo há algum
sendo muito entendido, muito ligado à as iniciativas em software livre têm sido comportamento. tempo. Penso ser importante trazer
denúncia de uma assimetria política entre atacadas pelas corporações Big Techs. Como elementos para a mesa, para não discutir
os países do Norte e do Sul. Mas não é as infraestruturas públicas de informática Trata-se não de uma mudança de isso de forma solta, pensando somente
esse o cerne da ideia, embora a diferença estão sendo atacadas também por esses comportamento baseada em convencimento na tecnologia. Tem algumas condições
geopolítica esteja, em certa medida, até atores. E quanto estão concentradas nas racional dos indivíduos, os quais são políticas e ideológicas que fundamentam
contemplada no livro. É nesse sentido que mãos de empresas do Vale do Silício. Um convencidos de que se comportar de esses movimentos; estou falando, muito
penso que o termo “colonialismo digital” ponto interessante é que Kwet recusa a ideia maneira X ou Y seria vantajoso, mas da precisamente, no neoliberalismo, em um
ajuda a entender melhor, ou de maneira de nova polarização, que seria agora entre alteração no nosso comportamento pela processo de enxugamento do Estado, que
complementar, as assimetrias. Porque Estados Unidos e China. Ele vai falar: Você submissão a uma arquitetura de softwares, já dá para chamarmos de histórico, porque
Michael Kwet está falando de fenômenos pode ter uma ou outra empresa chinesas de plataformas, de estruturas, que nos vem desde os anos 1980. É também uma
muito semelhantes aos apontados por praticando o mesmo modelo, mas a lógica conduzem a partir de algoritmos etc. mentalidade, um movimento de redução de
Couldry e Mejias, inclusive incorporando interna, o desenvolvimento das tecnologias, Penso que esses itens citados são gastos, que quando atinge infraestruturas
o termo “capitalismo de vigilância”, o o centro do poder continuam nos Estados importantes antes de falar sobre problemas educacionais, o Estado sempre se declara
qual também contempla o fenômeno da Unidos. E é interessante para se pensar no concretos que vivemos hoje e que precisam sem dinheiro, sem verba, e se coloca
despossessão por meio dos dados, ainda nosso contexto, em que há um movimento ser analisados de um ponto de vista local. como obrigado a ter de recorrer aos
que a referência de Kwet seja o uso original do Estado chinês para fazer uma maior Acima de tudo, um ponto de vista do Sul serviços dessas plataformas. Estas, muito
do termo “capitalismo de vigilância”, regulação das suas próprias empresas Global, das populações que não estão só estranhamente, nos oferecem tudo isso
ainda antes do uso do termo usado por baseadas em dados. localizadas no Sul do mundo, mas são de graça, como se fossem beneméritas.
Shoshana Zuboff. Kwet dá relevo, contudo, De qualquer forma, tanto colonialismo de aquelas que têm condições de vida mais Omitem o fato de que elas, na verdade,
ao fenômeno social de prolongamento da dados como colonialismo digital dialogam precárias, que estão fazendo os trabalhos estão coletando nossos dados; esse é o
relação de dominação do Norte Global sobre muito bem com a ideia de capitalismo de em plataforma, que estão centrais nos modelo de negócios.
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Pois bem, existem demandas da própria que são as pesquisas científicas. Ou, por exemplo, algo que é forte na com processos coloniais históricos, que
evolução tecnológica para que as Por tudo isso, o caso da Educação é diferença entre a vida no Norte e no Sul, se perpetuam ou se constroem sobre
universidades e as escolas utilizem, cada muito bom para discutirmos a relação que é a questão da segurança. Muitas vezes, essas bases. Na colônia, os colonizadores
vez mais, recursos informacionais para suas entre Norte e Sul, de soberania – e as populações são levadas a usar vários produzem uma elite local que intermedeia
práticas de aula etc. Em paralelo a isso, há esses processos de captura de dados, aplicativos de rastreamento para informar essa relação. Isso, na questão das plataformas
a redução de verba. Toda infraestrutura informações, comportamento, essa leitura se estão em segurança, para saber onde educacionais, é bastante presente. Não é
que antes existia vai se desfazendo. As que as empresas têm feito sobre o social, tem tiroteio, para os pais saberem onde somente o Google fazendo contato com
escolas nem tanto, mas as universidades o corpo social, de maneira geral. Tenho os filhos estão, porque se tem condições universidades e escolas, você tem um
vinham construindo uma infraestrutura trabalhado com um recorte de pesquisa de segurança mais precárias no Sul. conjunto de instituições; capitaneadas
autônoma e própria, para, por exemplo, ter que chamo de Capitalismo de Vigilância E o que acontece? Essas plataformas por atores que vivem no Sul, que estão
seus serviços de e-mail, seus ambientes de no Sul Global. Coloco esse problema, que acabam ocupando um espaço que seria fazendo a intermediação, facilitando
relação com os alunos. Com a intensificação é o problema do capitalismo de vigilância de algumas instituições, que deveriam, o processo de colonialismo digital. É
de uso derivada da pandemia, e com a e, consequentemente, as plataformas por exemplo, garantir a segurança, ou que importante identificarmos esses atores,
oferta de serviços “gratuitos” por parte das educacionais e como elas praticam o deveriam regular mercado de trabalho percebermos quanto os interesses desses
Big Techs, as universidades abandonaram capitalismo de vigilância no Sul Global. etc. Outra chave importante é pensar o atores não necessariamente espelham o
suas infraestruturas e estabeleceram Postulo o problema em três dimensões. capitalismo de vigilância a partir do Sul que seriam os interesses da maior parte da
contratos com empresas, como Google e Pensando o capitalismo de vigilância no Global. Quer dizer, a crítica que temos de população dos países do Sul. Na verdade,
Microsoft, que passaram a administrar toda Sul Global, a partir do Sul Global e pelo Sul fazer ao capitalismo de vigilância não é esses atores locais representam interesses
a infraestrutura e todas as comunicações. Global. No Sul Global, por quê? Porque é necessariamente a mesma do Norte. Temos, do Norte Global e ajudam a transmitir
É muito incrível não ter havido oposição, um dado que aparece muito pouco, mas vivemos condições específicas e temos relações que o Alberto Quijano descreveria
muito mais sólida, com relação a esse o Sul Global é essencial para as Big Techs. problemas que são diferentes, e por isso como de colonialidade. O capitalismo de
processo. Imaginem só, toda a comunicação Estamos entre os maiores canais de YouTube. temos uma perspectiva diferente. Então, vigilância e o colonialismo digital precisam
entre professores e pesquisadores, das Somos grandes usuários dos serviços de isso significa que alguns problemas, para de parceiros locais. Quanto a propostas,
universidades brasileiras, hoje está delivery; uma grande parte da população eles, são muito importantes; e, para nós, para encerrar, dei o exemplo da Educação,
correndo pelas redes das Big Techs. Não brasileira, hoje, é altamente dependente nem tanto. Alguns são muito importantes mas acredito que tanto nesse campo como
é que ninguém saiba, que, por exemplo, o como trabalhadora de serviços de delivery, para nós, e, para eles, são menos. Como em outros temos de pensar na construção
Google faz mineração de dados em cima de ou motorista de aplicativos, um grande periferia do capitalismo, a questão de infraestruturas públicas ou de controle
comunicação de e-mail. Todo mundo sabe contingente está nisso. O Sul Global tem geopolítica para nós se destaca. Como país público – não necessariamente uma empresa
disso. Isso não é segredo. A empresa pode uma participação enorme nesse mercado que carrega a chaga histórica da escravidão, estatal pública –, mas infraestruturas que
não sair batendo no peito, nos lembrando das Big Techs. E uma das hipóteses para a discriminação é um problema relevante sirvam aos interesses da coletividade. O
a todo momento que faz isso, mas sabemos essa grande participação é justamente o para nós. O último ponto é o capitalismo Estado é importante porque apenas como
que o modelo de negócios dela é baseado grande efeito que o neoliberalismo teve de vigilância pelo Sul Global. É importante sociedade civil não vamos conseguir fazer
nisso, que ela lê nossas comunicações. É sobre o Sul, desmontando instituições. formularmos quanto essa dominação por isso, precisamos do financiamento do
um carteiro que lê nossas cartas, para nos parte das Big Techs, e o colonialismo Estado.
entregar, com o conteúdo daquela carta, um Consequentemente, como várias digital do Vale do Silício, que afeta o Sul,
panfletinho de anúncio. Isso no retrato mais das nossas instituições foram não acontecem somente em uma relação Se para as grandes empresas
ingênuo e superficial, pois, na verdade, eles desmontadas pelo neoliberalismo, entre regiões geográficas estanques, Norte o financiamento do Estado é
estão ali capturando inteligência. Vigiando ou são muito frágeis porque nossa e Sul. O fato é que, no Sul, há fragmentos importante para o desenvolvimento
a inteligência, relacionada, por exemplo, se democracia é sempre atacada, é da sociedade que são altamente parceiros de tecnologias, por que não seria
falamos de universidades, inteligência de por isso que as populações são dos atores do Norte e realizam localmente para nós?
uma parte da população que trabalha com obrigadas a recorrer ao trabalho processos de dominação. Em uma chave
algo muito sensível e de muito interesse, de plataforma. que é muito parecida com o que você tinha
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É balela que as empresas tirem da aqui no debate, no geral: “Tecnologia no que continuam na nossa sociedade, que origem e a riqueza partiu de lá. Primeiro,
cartola, do seu próprio financiamento o Brasil 2020-2030”, nos próximos 10 anos. ainda praticamos. E quando se pensa a tudo isso aconteceu, todo esse processo,
desenvolvimento de tecnologias. Está aí “Plataformização, I.A.”. No nosso caso, aqui, palavra “decolonialidade”, antes de pensar para depois chegar, hoje, no século que
a Tesla para mostrar quanto ela acumula “as elites locais”. Penso que sabemos nomear a tecnologia, ela também é uma dor para estamos, as Big Techs oferecendo soluções,
de financiamento do Estado americano. muito bem algumas palestras, algumas pessoas brancas e para pessoas não brancas, que estão partindo somente de um olhar
Precisamos construir infraestruturas, que publicações, até para chamar a atenção sobretudo, para as pessoas brancas, porque tecnológico. Outro ponto para abordar é
podem ser estatais, ou praticar modelos do público que vai ler, ou ver; é necessário ainda há uma dificuldade de se reconhecer o solucionismo tecnológico. Vou voltar ao
multissetoriais de gerenciamento, nomeá-las também para as pessoas que como parte desse problema e como parte racismo algorítmico, mas estou começando
ou públicos, transparentes. Assim, se não estão nesses espaços. Pensei: Elites do que estamos chamando hoje de “racismo a entender que seja melhor usar uma
falarmos em cooperativas de plataformas, Locais. Tecnologia. Inteligência Artificial. algorítmico”. Essa barreira, que ainda existe, outra nomenclatura, que é a reparação
por exemplo, que estas não tenham de Todos esses nomes que estão na mídia, acaba fazendo com que na hora que sejam algorítmica, mas que as pessoas querem
hospedar sua base de dados na Amazon, hoje; mesmo que estejam na mídia, nem pensados os projetos, as tecnologias, as resolver olhando somente para os dados
como frequentemente é feito. Às vezes, sempre estão bem explicados. Precisamos ferramentas, por mais que se tenha boa e dizendo o seguinte: Ah, não. Mas a base
hospedam-se serviços web imaginando entender que somos parte desse problema, intenção, e por mais críticas que sejam de dados é diversa. Tem brancos e não
ter praticidade e economia, mas é uma estamos dentro desse problema. Na as pessoas, sempre se vai esbarrar nessa brancos. Tem pessoas com cabelos crespos
relação de dependência e submissão, apresentação, apareceu o nome “hacker barreira, contribuindo para outro tipo de e pessoas com cabelos lisos. Tem outra
possivelmente de vulnerabilidade à antirracista”, apareceu a “decolonialidade continuidade de colonização algorítmica. corrente dizendo: Não, mas investigamos
vigilância. São problemas complexos. do Estado”, ou melhor, a “decolonialidade Um exemplo, agora saindo um pouco do o algoritmo e mudamos tudo, treinamos
da Inteligência Artificial”, “os algoritmos”. Ocidente, é o que acontece no continente ele de uma forma, que é impossível ter
Jerônimo Pellegrini Mas para eu chegar, estar caminhando, africano. Vemos as Big Techs fazendo o viés agora. Gente, o viés, ele é humano.
Rafael, é importantíssima a sua fazendo esse processo, estou sendo seguinte: Ah, olha só, nesse território aqui
colocação, especialmente essa visão parte do problema, também; porque se tem dificuldade de acesso. Tem dificuldade Parece que o algoritmo é uma
de colonialismo de dados, que é uma olharmos historicamente, como o professor de acesso tecnológico, de conectividade. entidade, o algoritmo virou um
continuidade do colonialismo que já existia Rafael trouxe, temos ali o capitalismo, Bom, eu tenho a grana, eu tenho os dados ser humano, agora. O algoritmo
no capitalismo. Isso é muito importante, lado a lado, ou, até um pouco antes de desse território, eu rastreei as pessoas tem características nossas.
as pessoas não percebem isso. E sobre sua começar, a colonização, porque ele foi que estão aqui e eu sei qual é a dor delas.
argumentação toda na Educação, também, fundamentando os ideais que seriam Aquela linguagem bem de marketing. Foi o Olha que doideira, como as pessoas
é extremamente importante, eu tenho visto aplicados na colonização. que aconteceu, em 2019, eu acho, quando o acabam distorcendo o discurso! E aí
bastante isso. E o fato, como você expôs, Facebook fez um projeto de conectividade começam a validar, também pensando
daquilo ser trazido como se fosse uma Nascemos em uma sociedade assim; em um território do continente africano. muito no mercado hoje, que o viés vai
doação, como se estivesse sendo entregue podemos estar buscando outras Um dos textos, que traz esse título muito acabar, se trouxerem essas ferramentas
de graça, mostra que, na verdade, esses alternativas e outros olhares, mas forte da colonização algorítmica, é o artigo tecnológicas, ou essas novas ferramentas
dados têm valor; tem muito mais valor do ainda assim contribuímos para o da Abeba Birhane, que foi traduzido pelo tecnológicas. Então, hoje investigo muito
que as pessoas, normalmente, acreditam o que está acontecendo hoje. Tarcízio Silva, e está no livro Comunidades, mais, depois de um processo muito intenso
suficiente para que eles sejam entregues, Ativismos Digitais: olhares afrodiaspóricos. com o reconhecimento facial, questões
para que o serviço seja entregue de graça. Então, quando penso e falo do Brasil Leiam esse livro e o artigo, em que Abeba raciais, nessa tecnologia. Entendendo
E agora, teremos as considerações de Nina especificamente, abro um pouquinho traz esse processo. Eles fomentaram, ou os que, na Segurança Pública, ela tem de
da Hora. para a América Latina. Todas as guerras, ancestrais dessas pessoas fomentaram, o ser, sim, revista, repensada e não usada,
todas as tentativas e as vitórias que os que, hoje, olhamos; e o olhar que nós, aqui, porque não estão sabendo, não estão
Nina da Hora colonizadores tiveram aqui, neste território, no Ocidente, temos do continente africano, sabendo manusear, e é uma tecnologia
Este tema chama muito a atenção, querendo ou não, fundamentaram alguns que é sempre, na maioria das vezes, um que já traz a vigilância na sua essência.
pelo título, do que estamos tratando pensamentos, alguns ideais e algumas ações, olhar de coitados; quando, na verdade, a Nas outras instâncias, eu, pelo menos, na
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minha concepção de pesquisa, penso que E quando chegamos às elites locais, a estão um pouco perdidas de como estão Jerônimo Pellegrini
precisamos ir hackeando, entendendo e dificuldade que eu visualizo, de fazer a entendendo o conteúdo, e como estão Nina, sua reflexão foi importantíssima;
apontando alguns equívocos, como a falta transição, ficar transitando entre elite, entendendo referências de quem está e, me parece, única, original, é uma coisa
de transparência; e, depois, apontar os uma elite soberana, uma elite tecnológica criando o conteúdo, e de como estão importante; realmente, se fala muito do
equívocos, em como o algoritmo está maior, para as elites tecnológicas locais, entendendo o plágio, até mesmo chegando solucionismo; se fala muito do Vale do Silício
funcionando; apontar os equívocos entre olhando território por território, é que cada ao plágio. No sentido de que está aberto, e da ideologia da Califórnia que permeia
crianças e adolescentes. É óbvio que não território tem seu contexto, e isso não é as plataformas dizem o seguinte: Tudo o tudo aquilo; mas sua exposição é diferente,
vou conseguir – não estou aqui na Terra levado em consideração quando se pensa que você colocar aqui é de todo mundo. O pois tudo isso tem de ser propagado. Agora,
para isso; nesta vida, ou nesta missão, a tecnologia; porque existe o tempo, na que estamos visualizando? Criadores de passamos para o nosso próximo convidado,
para isso –, brigar com uma empresa de sociedade capitalista que vivemos; existe o conteúdo, que agora estão se tornando, Sérgio Amadeu da Silveira.
3 trilhões, brigar com uma Apple da vida: tempo e existe o custo. Ah, eu tenho tempo cada vez mais, profissionais, não apenas
Tire o reconhecimento facial do iPhone. Não, de elaboração; tecnologia, não pode levar… um hobby; estão entrando em um lugar Sérgio Amadeu da Silveira
porque precisamos escolher as batalhas, se ela for uma tecnologia urgente, se for sem ter amparo, quando eles visualizam Agradeço a possibilidade de participar
e como vamos usar as estratégias. Agora, aquela tecnologia do momento, eu não conteúdos sendo copiados entre pessoas deste debate. Vou partir de uma questão
posso comprar iPhone, enquanto usuária posso demorar muito, eu tenho de colocar e plataformas, nas quais aquilo mexe que acho muito importante, que é fazer
da ferramenta, e quero saber o que está ela da forma que ela está, porque ela vai diretamente com o que eles vão ganhar, a definição de alguns termos, não muito
acontecendo. A partir do momento que me gerar o lucro, ela vai ser procurada, monetariamente falando, com o trabalho pelo fato de que eles podem descrever
mexemos nessa ferida, mexemos em outra ela vai ser engajada. Então, a dificuldade que eles pesquisaram e colocaram na rede. os fenômenos; mas, principalmente, a
elite, antes de chegar ao local, que é a elite que eu visualizo nessa transição, aqui, Então, para mim, é outra problemática definição, o conceito, pois permite olharmos
tecnológica do Vale do Silício. Querendo nesse pensamento, é que as elites… essa de fazer essa transição das elites maiores para coisas que não olhávamos, incorporar
ou não, além de ter uma concentração palavra até é uma palavra muito forte; para os territórios locais. E elites locais, na nossa análise elementos que estávamos,
de homens brancos muito grande, eles mas, esses territórios, eles acabam criando para mim, para finalizar, e pontuando, por exemplo, deixando de fora; e sinto
ainda estão pautando algumas novidades suas próprias tecnologias, sem uma certa estão muito no que chamamos das uma profusão enorme de tentativas de
tecnológicas; eles ainda estão pautando: visibilidade e engajamento; mas as elites pessoas mais críticas, em determinadas conceituação do momento que estamos
Como vamos decidir, no meio digital, as tecnológicas, as elites maiores, elas estão comunidades e territórios, que acabam vivendo; e, inclusive, esta mesa, ela tem um
questões raciais, as questões de identidade sempre transitando entre os territórios ganhando uma visibilidade maior, de título que coloca uma série de questões que
de gênero? Sabe por que eles ainda estão que elas conquistaram; eles estão sempre elas não repassarem essa visibilidade, não são pacíficas, são controversas. Mas
nessa liderança? Porque vemos isso refletido olhando, eles estão sempre observando. repartir, entre os territórios de que elas quero expor que me lembrei de um texto
na moderação de conteúdo, por exemplo, Se um conhecimento dali for benéfico, e estão fazendo parte; e aí elas entram e do Dan Schiller, em que ele falava que o
hoje, nas plataformas; e as plataformas que já vimos isso acontecer com Portugal e são sempre o ponto de contato de todo capitalismo se tornou não só informacional,
usamos, que são redes sociais; sobretudo, com os indígenas: mundo, é sempre ela, você não consegue ver mas caminhava para ser digital; e acho que
as que foram pensadas por homens brancos uma descolonização em alguns territórios o capitalismo digital, quando pensamos
heteronormativos, em sua maioria, e que Se aquilo for benéfico, vou pegar locais; principalmente, quando colocamos na nomeação do capitalismo mercantil,
vieram dos Estados Unidos. Por mais que para mim e vou reformular, trocar internet e tecnologia no meio. Mas esse foi industrial e digital, é bastante consistente;
eles leiam, por mais que eles coloquem, o nome, vou engajar, colocar um o caminho, a primeira provocação que eu estou discorrendo sobre isso mais de 10
que eles estão apoiando causas, e isso, e olhar meu; mas sabendo que aquele pensei para este momento. Espero que, anos depois do Dan Schiller tê-lo feito.
aquilo; se você, enquanto pessoa branca, conhecimento não se originou com de alguma forma, contribua. Eu não sabia E acho que há outras nomeações, outras
não se vê parte do problema do que está aquelas pessoas. de que o professor ia tratar, mas acho tentativas de melhorar a aproximação com
acontecendo, fica muito difícil entender que algumas coisas foram talvez dando o fenômeno. Então, por exemplo, cheguei a
qual é realmente a reparação que precisa Então, vejam, na tecnologia isso acontece continuidade ao que ele levantou, também. avaliar a ideia de feudalismo informacional,
acontecer, porque ela acaba mexendo na muito, aconteceu e acontece; e vou adicionar do Peter Drahos; em que ele enaltecia a
estrutura que você se sente confortável. uma preocupação dos conteúdos, as pessoas questão da apropriação intelectual que
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estava sendo feita por grandes corporações girar, mas ele continua capitalista; mas os é isso? Creio que estamos combinando, digital, dataficado. Precisamos perguntar
pelo sistema patentário, e isso geraria uma efeitos disso, no Norte e no Sul, não são os o seguinte: O que vai gerar e pôr nossa
desagregação, porque o conhecimento mesmos. Precisamos colocar o problema e essa combinação reforça a criatividade e inventividade local na
passou a ter grande valor. E, recentemente, da soberania, o problema da soberania subordinação tecnológica, que nossa sociedade? O que gera apostar
vejo uma mudança disso, que envolve isso, digital, que eu não me contraponho à reforça a submissão digital, e integralmente em desenvolver Inteligência
em relação às plataformas, a nomeação soberania de dados, e também não me combina com uma alienação Artificial para a IBM e a Microsoft? O que
do tecnofeudalismo. Não acho adequada, contraponho à soberania tecnológica. A ideia técnica. aprendemos aqui? Ah, aprendemos usando.
apesar de achar que as plataformas são de soberania tecnológica não conseguiu Mas quando vamos começar a aprender
gigantescas, e elas são um problema que consolidar, e também não conseguimos É um termo que vem do Simondon, é mais fazendo, desenvolvendo?
precisamos pensar; elas constituem, hoje, consolidar a soberania digital; e não estamos do que a alienação do trabalho, é achar que
um conúbio entre capital financeiro, e não conseguindo consolidar uma soberania, que podemos ser uma sociedade sem a cultura Precisamos trazer o conceito de
mais simplesmente a indústria; não é só de ter infraestruturas que sirvam tecnológica, é achar que podemos viver soberania digital e soberania de
à Inteligência Local, mas não conseguimos só falando: Ah, a tecnologia é como uma dados, e ampliá-lo, colocá-lo no
é o capital financeiro, o financismo, mais manter os dados no Brasil. Eu estava caneta, eu compro a melhor. É esquecer que conjunto do movimento social, dos
que se interligou com as em um evento do software livre, e uma somos elementos, sociedades, pessoas que governos, das forças democráticas;
plataformas, essas gigantes. E elas, pessoa disse: Professor, o senhor está produzem tecnologia o tempo todo. E isso
com esses investimentos, são o dizendo, então, que eu, como gestor da está combinado com processos que vêm porque o fluxo de dados e de riqueza que
setor mais dinâmico do capital; minha empresa – ele era gestor de uma do colonialismo histórico, que reforçam a o acompanha nunca é do Norte para o
empresa pequena –, devo hospedar colonialidade, que é uma mentalidade da Sul, é sempre do Sul para o Norte. Temos,
mas nomear o capitalismo dessa forma, meus dados no Brasil, pagando cinco, sei elite. Como diz Quijano: O colonialismo portanto, que ampliar esse conceito de
talvez possa ser interessante se quisermos vezes, mais caro; do que hospedá-los na histórico acabou em alguns lugares do soberania e tirar somente a ideia de que
falar do elemento mais dinâmico dele, mais infraestrutura lá fora, como da Amazon? mundo na década de 1950, 1960. Mas ele é algo estatal. A soberania digital, à qual
importante; mas não conseguimos abarcar o Falei: Não, não propus que você tome essa a colonialidade, os traços de submissão me refiro, é uma soberania da sociedade
conjunto dos processos que estão existindo; atitude microeconômica. Propus a você continuam. E eu vejo isso nessa elite. Que local em controlar sua criatividade e
os processos são pela digitalização, que pensar que em uma situação em que combina, portanto, alienação técnica, inventividade e seus dados. É essa a ideia.
adquiriu, por causa de modelos, que a colonialidade das elites com o dataísmo; Quando esse dado vai lá para a IBM, dos
própria Zuboff mostra, a hegemonia da o digital é tão importante, os que é uma crença absurda, que os dados são Estados Unidos, perdemos soberania sobre
dataficação. Então, vivemos um capitalismo dados têm alto valor, não somos naturais, e, portanto, podem ser extraídos a ele, perdemos jurisdição, ele passa a estar
digital dataficado; que Shoshana Zuboff, mais capazes nem de hospedar bel-prazer. A segunda crença do dataísmo, subordinado a outra lógica de poder, a
de maneira brilhante, colocou a questão os dados no nosso próprio país. que é um termo de José van Dijck, é a de outra jurisdição. E quando o Tribunal de
como um procedimento de extração, que pensarmos que as empresas querem nosso Justiça de São Paulo faz um acordo para
é a vigilância. Qual é o problema disso? Essa é que é a questão. Quando vejo que bem, mas elas só querem se beneficiar desenvolver a Inteligência Artificial, em
Ainda penso que o capitalismo que estamos o governo do Estado de São Paulo, em vez daquilo que seria a melhoria das nossas nuvem, com a Microsoft, é exatamente nisso
vivenciando é um capitalismo de controle, de montar uma infraestrutura tecnológica experiências. Então, eu poderia arrebentar que penso: Falta a ideia de soberania. O
pois utiliza técnicas de vigilância, mas o própria, ou em conjunto com prefeituras, em isso com milhões de exemplos, pois é uma Conselho Nacional de Justiça proibiu isso,
controle é uma definição muito maior conjunto com universidades, desenvolver crença absurda. Em terceiro lugar, essas dizendo que dados sensíveis, dados de
do que a vigilância, esta é utilizada pelo a Inteligência local, a Inteligência coletiva três ações, essas três análises que faço – processos judiciais e da relação entre juízes
controle. Mas isso não é importante, porque regional, a Inteligência coletiva nossa; alienação técnica, colonialidade da elite e técnicos, clientes e advogados do TJ São
os dispositivos de extração de dados, que quando vejo ele abrir mão disso e contratar e dataísmo –, reforçam o neoliberalismo, Paulo seriam entregues para aperfeiçoar os
são o centro do pensamento de Zuboff, o Google para definir os endereços a doutrina principal do capitalismo. Se algoritmos de Inteligência, de Deep Learning,
e de predição, e de modulação, estão georreferenciados e rurais de São Paulo, tivesse que definir o capitalismo hoje, de Machine Learning, de aprendizagem
colocados, e estão fazendo esse capitalismo eu digo: Tem algo acontecendo. E o que definiria como um capitalismo neoliberal, de máquina, da Microsoft. E isso não é
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um escândalo. Para finalizar, proponho: padrão, que, depois, ficam difíceis de retirar, da República. Então, a mesma empresa com professores e professoras diferentes;
Precisamos trazer a questão da soberania, não consigo retirar; e quando crio Inteligência, que esteve espionando a Presidência da porque, nós, nas Ciências Sociais, não temos
inserir princípios de precaução ao nosso deixo de desenvolvê-la também aqui. E é isso República continua prestando serviço; e um aulas de feminismo, por exemplo, nos 4
debate; que eu retiro, tomo emprestado que está acontecendo. Precisamos de soberania Tribunal estava disposto a entregar dados anos. Como é isso? Como você não conhece
do ambientalismo, como muito bem nos digital. Por que esta segunda mesa? Porque sensíveis a ela. Isso é impressionante. E, um social, uma social negra? Como você não
mostrou a Larissa Parker; tomo emprestada, agora, recentemente, também, o GitHub, lê autoras que estavam discutindo o que o
também, a ideia de proteção, o princípio de não basta regulação, é preciso criar que é controlado pela Microsoft, começou Brasil era, como Carolina de Jesus, em um
proteção das futuras gerações. Se entrego tecnologias, criar soluções, criar a usar dados e todos os códigos livres que curso de Ciências Sociais? Então, acho que
os dados do DNA, como queria o Sérgio arranjos sociotécnicos. É preciso criar estavam ali para treinar um copiloto, e essas são questões que temos que pensar,
Moro, para essas grandes corporações, agregadores, incentivos locais, que eles dizem: Esses dados são minerados. mas o nosso debate aqui é bastante prático.
comprometo todas as gerações futuras e envolvam universidades, prefeituras, Então, a saída da rede neural não tem Então, vou partir de tudo o que vocês estão
as vinculo a lógicas, que o André Lemos governos, ONGs. copyright; isso é um argumento terrível. falando para dizer que: Bom, com base
mostrou, performativas, que passam a ser Eles estão chamando: Olha, venham brigar em tudo, em toda essa desigualdade que
aplicadas como se fossem verdades. Essa é Precisamos criar até modelos jurídicos para se quiserem. E isso vai ser muito difícil. vocês estão colocando, que já foi colocado
a questão. Precisamos colocar a questão da viabilizar infraestruturas digitais aqui embaixo; Vamos prosseguir, agora, com as colocações aqui, dá para reformar isso? Vou falar com
soberania digital, da soberania de dados, porque falar de Inteligência Artificial, que da Fernanda Rosa. base em três artigos que estão colocados.
compreender que é preciso ter alternativas, vamos desenvolver aqui – duas coisas, e finalizo Dois já estão disponíveis, e um está em
a gestão algorítmica, e não apenas impedir –, primeiro, temos uma diversidade cultural, Fernanda Rosa avaliação de pares. Um artigo é sobre as Big
que os fluxos internacionais de dados sejam e quando deixamos de desenvolvê-la aqui, Acho difícil não concordar com várias Techs e a forma como elas distribuem sua
liberados, a partir do Sul, para gerar riqueza abandonamos, abandonamos as cosmovisões coisas que foram expostas aqui; é difícil infraestrutura no mundo. Big Techs, aqui,
no Norte. É preciso avaliar o fluxo de dados; que temos; abandonamos, na verdade, a não pensar, por exemplo, que as críticas estou falando, principalmente, de quatro:
é preciso observar se o dado pode ser pedido criação de uma Inteligência Artificial, que que temos feito aos trabalhos que Rafael Google, Amazon, Facebook e Apple; mas,
de volta, e analisar o treinamento que gerou não é baseada em dados; abandonamos as colocou, as críticas que temos feito a Mejias às vezes, também a Microsoft; então, esse é
no algoritmo da IBM. O Governo Federal, várias possibilidades que temos, incluindo e a Couldry, falando: É, mas você não está um artigo. O outro é sobre a Infraestrutura
depois de uma denúncia que fizemos, disse: nossa riqueza cultural. Falamos: Tecnologia olhando, você está falando que Sul Global como um bem público, os limites da
Olha, o aplicativo SouGov, nós erramos, é uma caneta, vamos usar a deles que é mais é como o Norte Global. Não é? Essa é uma governança local e uma Internet Global.
ele não vai levar os dados dos servidores barata. E o neoliberalismo vai se impondo. crítica, não é? A outra crítica é aquela que E o terceiro artigo, que está sob avaliação
públicos federais para treinar o algoritmo Então, termino com essa ideia: A soberania a Nina trouxe: Como vamos usar a palavra de pares, trata da etnografia do código. Tem
do Watson; ele apenas vai usar o sistema digital e a soberania de dados devem virar “colonialismo” sem pensarmos em corpos, como reformar isso? Se temos um olhar
de, provavelmente, linguagem natural do arranjos específicos de infraestrutura e de sem pensar em violência de corpos? Porque sobre a internet, a partir do código; esse
Watson, quando usar o chat do aplicativo. desenvolvimento, devem envolver o Estado; e colonialismo é sobre violência, violência código está produzindo esses resultados.
Dessa forma, na hora que se usar o chat não acredito só em uma ONG para enfrentar sobre corpos de mulheres, sobre indígenas, Não são apenas as instituições detrás dos
do aplicativo, a pessoa treinará, em língua essa situação. Nos próximos 10 anos, ou 8 anos, sobre negras e negros. códigos, trata-se desse código atrelado às
portuguesa, os algoritmos da IBM. Podemos vamos precisar refazer as políticas públicas instituições, atrelado às intenções. E aí é
até destruir o dado, trazer o dado de volta, incorporando esses conceitos. Essa é a minha Então, como é que vamos falar de outra crítica às Ciências Sociais, que olha
mas o padrão sobre a pessoa, sobre sua contribuição. colonialismo de dados sem pensar para as instituições, mas não olha para
coletividade, sobre a localidade já estará em questões de identidade? os não humanos. Os não humanos são a
incorporado nos algoritmos, e esse padrão Jerônimo Pellegrini forma como eles foram codificados, eles
ninguém retira. Então, é preciso pensar Sérgio, suas colocações foram É uma questão problemática para as Ciências também estão tendo uma ação; porque é
melhor, simplesmente que: Ah, basta importantíssimas. A primeira coisa que me Sociais; sou formada em Ciências Sociais como a Nina falou, os algoritmos. Podemos
controlar o dado, que controlo a Inteligência veio à cabeça depois da sua elaboração, foi brasileiras e é uma questão que temos que falar em algoritmo e em antirracismo no
Artificial. Não é verdade. Crio treinamentos- o episódio da espionagem da Presidência enfrentar, e somente vamos enfrentá-la algoritmo, porque esse algoritmo está
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tendo uma ação. E aí a questão é: Como, Como fica a soberania de dados quando… , pequenos provedores de internet também Eu estava estudando alguns decretos
então, fazemos para mudar tudo isso se como fica a questão da soberania nacional? fazem parte disso, porque o código está porque tinha uma fala no Ministério da
vamos continuar usando o mesmo código? Porque quando esses nossos pequenos fazendo com que eles façam parte disso. Infraestrutura, esse ano, e aí eu descobri
Estou perguntando com base em dados provedores estão passando os nossos Ao mesmo tempo, não é só falar, podemos que o Brasil tem uma das maiores redes
quantitativos que estão nesse artigo, que pacotes de dados para a Alemanha, e a falar das grandes Big Techs. Por quê? de organizações sociais, organizadas para
ainda não está público, que se chama Alemanha tem questões de vigilância, nesse Porque parte dessas empresas, hoje, são tratar de internet, a Coalizão Direitos na
“Etnografia do Código”. Porque olhamos nó de internet, como fica essa questão responsáveis por mais de 60% do tráfego, Rede; então, fui conversar com pessoas
como os dados estão circulando, e aí, da soberania nacional? E a resposta que nos pontos de troca de tráfego, no Brasil, da Coalizão. Falei: O que vocês fizeram em
usando as categorias que Rafael e Sérgio eu tive foi: “Uhn. Antes da soberania de acordo com entrevista também. relação a esse decreto aqui? Também, entrei
colocaram aqui, de Sul e Norte Global. Os nacional, tem a soberania dos provedores em contato com pessoas do Comitê Gestor
dados, vamos pensar assim, podemos ter de internet. Somos sistemas autônomos”. Quando um provedor de internet da Internet no Brasil, porque, pela forma
dados circulando do Norte para o Sul, e do Onde fica nossa autonomia? E tinha um que nos atende em nossa casa multisetorial com que ele é construído,
Sul para o Norte; mas quando olhamos para outro técnico de um pequeno provedor, no precisa se conectar com essas é possível falar com representantes;
um protocolo específico, que é chamado Brasil, que disse: “Bom, tem vigilância, mas empresas; se a infraestrutura vou tratar de governança daqui a pouco.
BGP, que é o protocolo que permite os está afetando a qualidade? Está afetando delas está em um país do Norte, Fui atrás de pessoas da Academia, que
nossos pacotes de dados circularem na a latência?”. Isso não é uma alienação, é o necessariamente, você tem que fazem parte do CGI: Ei, vocês discutiram
internet, é isso que esse artigo faz. Vamos código tendo um papel fundamental na ir para o Norte, mesmo se no esses decretos? – Não, não dá tempo de
olhar esse BGP e ver como esses dados estão continuidade de interdependência, não Brasil tivermos o maior sistema discutir decreto. Vou citar dois decretos, o
circulando na internet. Quando olhamos apenas a dependência do Sul com o Norte, de interconexão de internet, Decreto no 10.332, de 2020; o Decreto no
isso, comparando dois pontos, dois deles mas uma interdependência entre Sul e Norte; 9.319, também. Onde está se tratando de
da internet, comparo o nó do Brasil, que porque o nó global maior do Norte Global, do mundo público; nós temos, hoje, questões de nuvem, onde está se tratando
fica em São Paulo; chamamos tecnicamente na Alemanha, só existe, também, daquele por causa do CGI, que Rafael é um dos de questões de Inteligência Artificial, de
de Ponto de Troca de Tráfego, ou PTT; em tamanho, daquela magnitude, pela falta de membros. Então, apesar de uma ótima Big Data, tudo junto e misturado; feito
inglês, IX, Internet Exchange Point. Então, recursos no Sul, pela falta de datacenters política pública – e isso está em um dos por pessoas que não sabemos quem
quando se compara o PTT do Brasil com no Sul, pela falta de cabos e fibra óptica no artigos que eu coloquei aqui –, se os dados são, e sem pensar as consequências das
o PTT de Frankfurt e da Alemanha, que Sul. Então, não é apenas uma dependência, que você está buscando estão fora, você ações que estão sendo propostas lá? Por
são os maiores nós da internet, o maior é uma interdependência. O Norte só existe vai levar os dados dos brasileiros para exemplo, o Decreto no 10.332 indica “a
do Sul Global é o de São Paulo – e hoje, como tal pela exploração que faz do Sul; e fora. Falar de soberania nacional, quando intenção de adotar tecnologia de processos
depois da pandemia, se tornou o maior do quando olhamos o código da internet, isso estamos falando de digital, é muito mais e serviços governamentais, em nuvem”.
mundo, por questões outras –, e o maior está acontecendo também. Estou olhando só complexo; de novo, por causa do código. Então, pergunto: O que temos de refletir
do Norte Global, que é o de Frankfurt; fica um, o do BGP, um protocolo de internet; mas Mas, para além das Big Techs, gostaria nesses próximos 10 anos? Qualquer política
muito claro que tem uma disparidade muito estou dizendo: Se o reformarmos, vamos de colocar a questão dos governos, que que seja feita precisa ter um diálogo com a
grande. Os dados do Norte circulam entre ter que não só falar de instituição mas também não estão ajudando. Então, sociedade. Nós, no Brasil, chamamos isso
o Norte, e não é para o Sul; e os dados do dos códigos. E fazemos como? Essa é uma no Brasil, especificamente no Governo de governança da internet. Temos uma
Sul, os pequenos provedores do Brasil, eles pergunta que podemos fazer para a Nina, Bolsonaro, temos uma política feita por tradição nisso, é multissetorial, precisa
precisam, inclusive, se interconectar na diretamente; e trabalhar também com o decreto, literalmente falando. ter discussão. Não importa se é Governo
Alemanha. Com o mesmo argumento que que o Sérgio discorreu sobre. Tudo o que Estadual, se é Governo Municipal, se vai ser
o Sérgio ouviu de uma empresa, dizendo: expus, apesar de ter esse artigo ainda em Quando se tem políticas digitais Governo Federal, temos que olhar para o
Como não vou hospedar o meu dado lá revisão de par, está na tese de doutorado implementadas por decreto, perde- que já foi feito e deu certo; e a governança
fora, se é mais barato? Ouvi a mesma coisa que está publicada. Se vocês buscarem, se a possibilidade de discussão multissetorial é uma dessas coisas. Temos
de um pequeno provedor; na verdade, também, é uma tese defendida em 2019. pública. como contrabalançar poder, da democracia,
de um professor de BGP, no Brasil. Falei: Mas está em inglês. Pensando que nossos no contexto da internet, porque a internet
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é regulada pelo mercado, precisamos de falar de código. nossas universidades públicas, porque usar”. Só que o espectro tem a regulação
outras fontes. A governança multissetorial é, elas são atacadas justamente porque têm federal, no Brasil, inclusive.
até o momento, a melhor que conseguimos. E se estamos falando de governança poder. Não é? Porque se não fossem, se não
Então, necessariamente, diante de uma de dados, qualquer política de tivessem poder, não seriam tão atacadas. Precisamos, para ter inovação local,
política dessa, temos que pensar: Quem governança de dados, vamos Pensei aqui em apenas alguns cursos, mas de soberania local; permitindo
está tomando essa decisão? Como vai se precisar parar para pensar em eu acho que tem tantos outros: Ciência de que, inclusive, comunidades
dar essa governança? Não é só falar de termos de pilares; e esses pilares Dados, Ciência da Computação, Design, indígenas tenham, criem coisas;
nuvem, temos de entrar nos meandros vão ter que envolver gênero, vão Sistema de Informação; necessariamente, nós, necessariamente, precisamos
dessas coisas; e não é só burocrata que ter que envolver raça, vão ter é preciso ter componentes de inclusão em de espectro não licenciado. E, nesse
vai conseguir decidir isso. Do Decreto no que envolver etnia, vão ter que diversidade, é preciso se pensar em gênero, contexto, não é só o espectro,
10.332, também, a intenção de promover envolver questões de pessoas com raça, etnia; é preciso colocar essas questões precisamos dos hardwares
“serviços preditivos e personalizados com deficiência. nesses currículos. É preciso criar cursos livres, não é? Precisamos de leis
a utilização de tecnologias emergentes”. novos com esse olhar, porque precisamos de incentivo para a produção de
Tem um determinismo tecnológico aí. Não dá para pensar um modelo, de novo, de mais pessoas, de grupos, que não preciso hardware livre, de laboratórios
Queremos tudo inteligente. Uma das pessoas das Ciências Sociais, que usa aquele modelo nem falar que não são minoritários, não de criação de hardware nas
da mesa, na qual eu estava, inclusive, falou do indivíduo liberal, que é aquele indivíduo é? São pessoas de grupos vulneráveis que universidades.
que a grande expectativa era quando não transparente, que não tem cor, não tem deveriam estar fazendo o design desses
precisássemos mais fazer check-in dos sexo, não tem nada, e uma política vai para códigos, que deveriam estar dando aula Onde está o dinheiro da FAPESP, que não
nossos voos, que a ANAC, ou outro órgão, todo mundo. Não, não é mais isso. Em 2021, sobre isso. E aí, finalizando, além da questão é aplicado nisso? Onde está o dinheiro
conseguisse fazer esse controle para todos. temos que pensar em termos de categorias do currículo, pensando em inovação, design da CAPES, que não está aplicado nessas
Como assim? Você vai controlar minha identitárias também. Por causa disso, até e inclusão, tem a questão da governança questões? Todo mundo, ou a maioria,
mobilidade? Tivemos essa discussão em fiquei pensando: Que políticas atingem dos recursos críticos. E no caso, por deve ter visto aquela foto de várias
São Paulo com o Bilhete Único, para quem mais pessoas pobres, negras, por exemplo? exemplo, da internet, ela existe sobre a pessoas brancas no alto de um prédio
conhece essa discussão. Quando temos os Políticas de segurança. São Paulo, de novo, camada de Telecom. Existem recursos de de uma empresa de finanças no Brasil.
dados do Bilhete Único, na prefeitura, se Estado e Município, com programas de City telecomunicações que são necessários Se pegarmos as empresas de tecnologia,
a prefeitura decidir vender esses dados Câmeras. Colocam câmeras em todos os para a internet funcionar, por exemplo, o quem está produzindo as tecnologias
para uma organização privada. Você está lugares. Quem está fazendo a governança espectro. E aí faço pesquisa em comunidades que usamos não deve ser muito diferente
vendendo os dados de mobilidade da sua desses dados? E aí você está na internet, indígenas, faço pesquisa sobre design de daquela foto; então, precisamos de leis
população para um ente privado? Então, sem nem mesmo saber, porque você está infraestrutura para comunicação. Ouvi de de incentivo para ter mais diversidade
é disso que estamos falando aqui. Nesses andando na rua, e o prédio do seu vizinho um entrevistado, o Mariano Gomes, ele é nessas empresas, também. Precisamos
decretos, também, tem uma intenção fez um acordo com a Polícia Militar de um entrevistado do México. Estávamos abrir o canal de novas tecnologias, de
de integrar bases de dados de esferas São Paulo para compartilhar os dados que falando sobre como eles constroem a novas coisas, e novas, sabe-se lá o quê!
municipais, federais e estaduais. O perigo da estão coletando dessas câmeras. Todas própria internet usando o espectro; eles Precisamos simplesmente ficar com essa
centralização na mão de um governo, não essas coisas estão acontecendo; então, se usam espectro não licenciado de Wi-Fi; internet que foi criada; e, ao mesmo tempo,
importa qual governo. Não é só o Governo estamos pensando em 2030, precisamos ele me falou assim: “É, mas você sabe que precisamos amenizar, ou, seja, minimizar
Bolsonaro, é qualquer Governo. Temos de também pensar em 2020, realidade que as pessoas chamam isso de espectro? Mas, os danos que estão acontecendo com o
ter muito cuidado com isso, pois, depois de já é um problema, pois temos coisas para assim, isso é ar, não é? E se é ar, está no meu que criamos até agora; e aí, pelas rabeiras,
fazer isso, não tem como desfazer. “Cuidado”, consertar a partir de agora. E por que temos território”. “No meu território”, não com o fazendo ações pelas rabeiras, e uma delas
estou usando uma palavra bem fraca para que pensar em código? Necessariamente, olhar nosso, de propriedade, é outro olhar, é pensar em diversidade nessas estruturas,
o que eu gostaria de estar falando. Então, temos que pensar em currículo, temos que ele não estava falando de propriedade, não, em inclusão, nessas estruturas que temos.
finalmente, gostaria de expressar que se pensar em currículo educacional. Se temos ele estava falando de outra coisa. “Mas está Então, é isso. Obrigada.
estamos falando de internet, vamos precisar que produzir tecnologia, temos que utilizar aqui no nosso território; então, podemos
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Jerônimo Pellegrini dos anos, que tenta sempre forçar isso em de um conjunto, de uma leitura neoliberal. Formas que nunca se consegue testar
Fernanda, é importantíssimo várias instâncias. Estamos falando aqui Quer dizer, não dá para pensar nisso o suficiente; estou falando de um lugar,
isso tudo que você colocou, o papel da de tecnologia, mas em outras instâncias separadamente, porque é um desejo de também, de cientista da computação. Ah,
infraestrutura, o papel da tecnologia, não também; mas fazer muito essa coisa, de administrar o corpo social de determinada vamos testar o software para sempre.
só como um objeto passivo. E, finalmente, uma cúpula tentando impor sua vontade, forma; e acho que é importante olhar, saber Sim. E não vai ser suficiente. Não vai ser
achei importante o que você expôs sobre ignorando essas estruturas e os processos usar os dados. Acho que os dados são suficiente porque o contexto social evolui,
a reversibilidade de algumas ações, pois democráticos. Vimos todo processo que superimportantes para orientar políticas às vezes, muito mais rapidamente do que
tem coisas que não podem acontecer. Mas levou para a construção do Marco Civil, e públicas etc., mas não podemos ser reféns a construção tecnológica, não do que é a
elas acontecem e não tem volta. Já vimos isso está sendo alterado da noite para o dia. ideológicos nem do neoliberalismo nem inovação tecnológica, mas a construção e o
muitas vezes acontecendo. E, realmente, Por isso, falei um pouco de “instituições”; desse dataísmo. desenvolvimento. Então, fiquei pensando
é importante, essa centralização de dados estou pensando no fortalecimento desses muito nisso. Falar de um software livre;
teria de ser feita com todo o cuidado; e mecanismos multilaterais e multissetoriais, Jerônimo Pellegrini quando penso software livre, ou quando
não existe uma maneira de fazer sem que porque eles mesmos estão fragilizados, ou Rafael, você resumiu bastante bem; e vejo a galera levantar a ideia da cultura
se tenha todo o cuidado, não dá. Agradeço sendo ignorados, ou sendo atropelados. Isso a apropriação de biopirataria é mais antiga hacker, novamente; levantar essa questão,
a você por ter mencionado o hardware é parte importante do próprio problema, que isso. Por exemplo, você vai a algum novamente; penso muito na palavra
livre, as tecnologias livres, porque isso para podermos regular tudo isso, interferir lugar, toma o que quer, e, depois, põe no “colaboração”; e pensando nos problemas
realmente é importante. Muitos têm se nesse ambiente, e acho que isso é um desafio seu museuzinho de gente superior, e é que estamos enfrentando hoje, sobretudo
dado conta de que isso é um impeditivo para nós. E acho que é legal alguém ter assim que se faz; infelizmente, isso é uma no Brasil, a tensão política, é… e aí não vou
também, do ponto de vista de segurança; a mencionado a questão das semelhanças coisa terrível, mas acontece. Agora, Nina, entrar em mais detalhes, mas não vamos
tecnologia não tem como ser segura se ela com a discussão ambiental. Acho que tem novamente, elabore seus comentários. sair daqui, sobre o que está acontecendo
não for livre. Esperamos que isso melhore. algumas coisas interessantes, que passam aqui; é, vamos precisar, cada vez mais,
Agradeço a participação. E agora vamos para pelos processos de desapropriação; é, não sei Nina da Hora entender a colaboração, como também
a segunda etapa, na qual vocês todos farão se essa é a melhor palavra, mas justamente Primeiro, fiquei pensando que não uma forma de repensar as estruturas que
suas considerações finais. Começaremos dados que passam por esses mecanismos de estamos separando mais tecnologia de estamos pautando hoje, todos os temas
com o Rafael. leitura sobre nós e as comunidades; e que política, e acho que nunca essas coisas que nós trouxemos aqui. E aí isso é uma
é algo muito parecido com a biopirataria, nunca deveriam ter sido separadas; mas por provocação para a outra mesa, para outro
Rafael Evangelista que foi muito questionada; luta-se muito um bom tempo tivemos que lidar com essa evento, sei lá, para 2022, visualizando isso
Acho muito interessante, Fernanda, contra esses processos, que são processos visão da neutralidade entre tecnologia e na moderação de conteúdo.
esse seu relato sobre o modo como… e até de roubo de propriedade intelectual, no política. Eu ficava vendo alguns professores
falando como alguém que está dialogando limite, de populações tradicionais. falando e ficava pensando: Nossa, está sendo Vejo que a moderação está
ali, no CGI, o modo como o Governo tem criado por nós, temos nossos ideais, nossas chegando em um nível que não
governado por decreto. Isso é uma coisa E acho interessante a metáfora políticas, mas a tecnologia está imune. Que está suportando tudo o que está
que estamos vivendo, vivemos com relação ambiental também, para pensarmos beleza, alguma coisa imune no território acontecendo; é tudo muito rápido,
à MP, que altera o Marco Civil; e, tentando nos efeitos, quanto isso afeta não só político. Isso é bom, é bom ver cada vez mais as ferramentas tecnológicas não
fazer esse diálogo ali dentro, e esse diálogo indivíduos em pontos específicos, conteúdos saindo da Academia e entrando estão conseguindo lidar com a
sendo bloqueado antes disso ter virado isso afeta um ecossistema, se é que em outras esferas, com uma linguagem mais quantidade de dados gerados;
MP; e, depois, vimos o projeto de lei sendo podemos falar em ecossistema, acessível, para tornar cada vez mais possível e as mãos humanas não estão
enviado em um domingo, logo depois que que é social, e que precisamos de o que estamos falando aqui; porque o que conseguindo lidar com a quantidade
foi derrubado. Quer dizer, estamos lidando regulações que sejam sociais. estamos falando está em várias instâncias: de conteúdos e mecanismos, de
com um método de Governo que é totalitário, de Governo, do setor privado, da Academia esconder violência, enquanto
no sentido de ignorar as hierarquias e as Acho importante esse dataísmo, que o e tudo mais. Todavia, e a sociedade civil, se está compartilhando nas
instituições que foram construídas ao longo Sérgio comentou; penso que isso faz parte que é impactada de diversas formas? plataformas, nas redes sociais.
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Vejo a colaboração contribuindo, competitivas do Brasil. Quero chamar a das empresas. Não existe sociedade, como cultura, que é de desenvolver tecnologias
uma moderação, cada vez mais, atenção disso. Temos um grande mercado diria Margaret Thatcher. Essa é a questão. que nos interessem e nos sirvam.
colaborativa. consumidor, um ruralismo potente, uma E o neoliberalismo, quando chega com
indústria desenvolvida. E uma diversidade sistemas algorítmicos no Estado, o Estado Jerônimo Pellegrini
As redes sociais, hoje, mesmo com a equipe cultural; que é a grande questão, mas não fica mais opaco, menos democrático; e é o Sérgio, é importantíssima a sua reflexão.
que elas estão treinando, e a equipe que tem consequência depois. Mas sabe qual é que está acontecendo. Quando se fala de Ela se encaixa bem no que a Nina apresentou,
tem de segurança, de moderação etc. a grande ausência? Porque sabemos que a decretos, imagine quando isso for agilizado a também, sobre a neutralidade tecnológica;
Só essa equipe é capaz de julgar casos ausência é tão importante quanto a presença. partir de mais e mais sistemas algorítmicos, e vejo isso, claramente, acontecendo. Então,
LGBTfóbicos e casos racistas? Temos A ausência é das universidades brasileiras. também. Isso se junta a um pensamento vamos prosseguir, agora, com a Fernanda.
organizações, estudiosos, temos todo Eles não acham que as universidades e os autoritário com a tecnologia autoritária, e
um movimento dessas causas. É isso que institutos brasileiros são importantes para temos um suprassumo do neoliberalismo, Fernanda Rosa
estou pensando de colaborativo, porque desenvolver uma estratégia de Inteligência que substitui todos os servidores públicos Ótimo. É difícil olhar com olhos
precisamos chamar a responsabilidade para Artificial. Por quê? Porque tudo indica que por sistemas; aí eles vão chegar nisso e otimistas quando vemos para onde está
essas redes. Tenho responsabilidade, temos temos que ser consumidores. A estratégia aplaudir. A diversidade é um conceito, a indo a Inteligência Artificial. O fato de que,
responsabilidade sobre o que postamos, é: desenvolvem-se produtos e tecnologias ideia de diversidade criativa/inventiva é um uma vez que produzimos o código, o código
sobre o que compartilhamos e sobre o que de Inteligência Artificial, no Norte; e conceito que está ligado à ideia de soberania. se reproduz assim mesmo. Tem o novo livro
engajamos; então, visualizo a colaboração consomem-se muito bem aqui, no Sul, os Nessa acepção, não da Ciência Política. da Laura DeNardis, de 2020, explicando a
em um lugar, para também tentar nos tirar serviços e aplicativos e tudo mais. Mas, Porque a acepção da Ciência Política, a autonomia do que está acontecendo; então,
desse olhar de que sempre vai ter esse ao fazer isso, é um pouco pior, por causa partir de Jean Bodin, a partir de Thomas quando falamos com uma engenheira, um
olhar de que as hierarquias que existem do que a Fernanda e a Nina colocaram Hobbes, a partir da ideia weberiana, é outra engenheiro, que produziu o código, ouvimos:
hoje vão resolver esse problema, de cima bastante; o Rafael também tocou nisso. coisa. Mas existe algo a ser feito? Existe. Ah, como está sendo esse… por que está
para baixo. Isso não será resolvido, vamos Quando deixamos de desenvolver aqui, Temos que criar arranjos inventivos digitais saindo esse resultado? Já não dá para ver
ter de mudar essa forma de pensar como deixamos de fora nossas características, locais. Local não é no sentido de ter essa como foi feito. Então, delegamos certas coisas
resolver problemas complexos da sociedade. nossa cultura, não tem tecnologia. Inteligência representada, precisamos para a máquina, e a máquina está tomando
Muito obrigada. fazer isso. Não estou falando, não gosto decisões por si mesma, a partir dos valores
A tecnologia que usamos é do termo “nacional”, porque ele está que foram colocados ali. Então, isso é algo
Jerônimo Pellegrini impregnada pela ideologia, pela comprometido pela extrema-direita, por complicado. Mas, por outro lado, se não
Nina, é importantíssima sua doutrina, pela cultura californiana. isso não uso o “nacional”. Escrevi um paper, temos esperança, é imperialismo, se não
colaboração. Temos um laboratório Não adianta tentar se eximir disso. agora, sobre a nova eugenia a partir da temos esperança, também. Como assim,
dedicado a isso. E sobre a neutralidade Mas onde está nossa cultura? Onde Inteligência Artificial; vou apresentá-lo na não conseguimos acreditar nas pessoas?
da tecnologia também, que nunca foi estão os desenvolvedores negros, ANPOCS. Mas me preocupam muito esses Como assim, não conseguimos acreditar
neutra, não tem como ser neutra. Não é as mulheres, e tal? desenvolvimentos, nos quais os dados vão na capacidade de renovação, de inovação?
neutra nem perfeita, infelizmente. Muito ser cada vez mais usados pelas grandes Não a inovação capturada pelo mercado,
bem colocado. Agradeço. E, agora, teremos Toda vez que colocamos novas possibilidades corporações para mudar o hardware a inovação que vem da necessidade. No
as considerações de Sérgio Amadeu. criativas, alteramos a tecnologia, se humano. Pode-se questionar: Isso é ficção Brasil mesmo, diante da pandemia, quantas
acharmos que ela é neutra. Quando científica? Não é. Não tratamos disso nesta inovações não ocorreram para a sobrevivência
Sérgio Amadeu da Silveira deixamos de desenvolvê-la, quando não mesa, nem na anterior, porque não dá; em comunidades? Não tem como não ter
É um aprendizado tratar de temas trabalhamos o conceito de soberania mas chamo a atenção de vocês: vem aí esperança, porque a capacidade está nas
tão complexos. Li sobre a estratégia digital e de soberania de dados, passamos um racismo 2.0, 4.0 bem grave. E temos pessoas. A questão é: Estamos ouvindo as
de Inteligência Artificial do Brasil; me a transferir coisas; e o neoliberalismo de trabalhar isso se conseguirmos trazer pessoas, dando espaço para essas pessoas
chamou muito a atenção que na introdução quer isso, o neoliberalismo é outra coisa, as tecnologias e o digital para a discussão. criarem. Não é?
daquela estratégia fala-se de vantagens o neoliberalismo contribui com a doutrina Não somos só compradores, somos de uma
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E devemos chamar a atenção para
o poder fundamental da educação,
porque acho que puxando a
sardinha para o lado, para o
nosso lado, não desacreditando
de nenhuma força social, se
tem um lugar que conseguimos
produzir com autonomia e com o
dinheiro obrigatório do Governo,
são as escolas públicas, são as
universidades; então, esses espaços
são espaços de transformação.

Então, vamos acreditar nisso; e acreditar


em quem está lá fazendo gerar a partir
dali. Muito obrigada pela oportunidade.

Jerônimo Pellegrini
Realmente, as universidades têm um
papel importante; foi o que o Sérgio expôs
também, que elas estão ausentes em um
documento que é importantíssimo. Não,
não precisa de universidades. É uma coisa
terrível isso, elas foram feitas para isso.
Tudo bem, o que podemos fazer? Vamos
brigar e tentar mudar isso.

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Textos baseados nas falas apresentadas
Segundo Encontro durante o encontro virtual que pode ser
assistido na íntegra no link https://www.
Parte 1 youtube.com/live/bmxTSC37PpU?si=NV-
ppTfQikR245l6

“Inteligência Artificial,
democracia e regulação”, Glenda
Dantas, Fernanda Bruno, Tarcizio Silva, Tarcízio Silva
Sivaldo Pereira da Silva, Débora Salles “Imaginem uma fábrica. No chão
dessa fábrica temos um único trabalhador;
na verdade, uma jovem garota. Em torno
Glenda Dantas
dela, estão as pesadas estruturas de tear.
A reunião desses especialistas
Quatro delas em ação mecânica turbulenta.
possui um objetivo muito bem definido,
A garota não opera as máquinas; em vez
que é nortear ações e políticas públicas
disso, elas se operam sozinhas. O tecido mais
para a preparação para essa década;
perfeito e uniforme do que mãos humanas
principalmente tendo como base os objetivos
poderiam conseguir, se tece sozinho. O
para o desenvolvimento sustentável. Mas,
trabalho da garota, o único trabalho, é
para além disso, colabora para a troca
observar as máquinas, garantindo que
de conhecimentos e potencialização
nada ameace seu funcionamento; ela
destes, tanto para pressionar o Poder
limpa a seda, remenda um fio quebrado
Público como sociedade civil quanto para
ou recarrega uma lançadeira vazia. Para
analisar com mais criticidade os usos
fazer, ela para a máquina apertando
que fazemos das tecnologias, que estão
apenas um único botão. Quando finaliza,
além das redes sociais. A experiência e
aperta o botão novamente e o mecanismo
prospectiva dos expositores vai permitir
estremece, de volta à vida, exatamente
que a gente encontre pontos de consenso,
de onde parou”. Esse texto poderia ser
para formular ações e proposições para
uma descrição que poderíamos ler em
o desenvolvimento e uso da inteligência
alguma matéria da Forbes, talvez, falando
tecnológica local. Para começar nosso debate
de alguma inovação do Jeff Bezos, ou do
sobre “Inteligência Artificial, Democracia
Elon Musk, e suas empresas; mas, talvez,
e Regulação”, teremos o Tarcízio Silva,
os mais atentos consigam perceber, pelas
pesquisador, produtor musical, mestre em
referências à indústria têxtil, que não é um
Comunicação e Cultura Contemporânea pela
texto novo. Na verdade, esse texto é uma
UFBA, faz doutorado em Ciências Humanas
visão de futuro proposta por Jacques de
e Sociais na Universidade Federal do ABC,
Vaucanson, na revista Mercure de France,
onde estuda o Imaginário sociotécnico de
em 1745, no século XVIII. Vaucanson foi
resistência. Atualmente, é Tech + Society
um dos inventores de autômatos, seja
Fellow na Fundação Mozilla, atuando na
autômatos para entretenimento, ou algumas
promoção de segurança digital e defesa
máquinas para a indústria mais famosas
contra danos algorítmicos.
dessa época; e herdou do pai, a profissão.
Esse caso foi levantado por Edward Jones-
Imhotep, em um artigo muito interessante,
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que argumenta que um dos grandes desafios convencer investidores; e para convencer, caso do Brasil e dos Estados dados completamente enviesada, porque
para se pensar a história da tecnologia continuamente, o capital a colocar mais Unidos, é um fenômeno fundante ela reflete milhares de decisões discretas,
e automação e a Inteligência Artificial, e mais dinheiro relativo a promessas de da manutenção do racismo e da individuais, de pessoas nas filtragens dos
hoje, é o modo pelo qual falamos sobre futuros mais automatizados e lucrativos supremacia branca. E por outro, sistemas, sejam – do Sistema de Saúde,
tecnologia; o que falamos sobre automação para investidores. Um caso de hoje, na da noção de neutralidade da não é de saúde privada, sobretudo – sejam
foi construído há bastante tempo, por volta contemporaneidade, é a ideia de carros tecnologia, que, se na Academia, médicos que priorizam determinados
do século XVIII, ligado a esses imaginários autômatos, que ainda está muito longe, por em grande medida, pelo menos tipos de paciente, no momento de fazer
sociotécnicos de futuro sobre automação e diversos motivos, de ser uma realidade, em nossas áreas, essa noção de a triagem; sejam profissionais de planos
sobre tecnologia. Edward Jones-Imhotep, pensando toda a complexidade dos sistemas neutralidade foi bastante superada; de saúde, que vão ser mais insensíveis
historiador da tecnologia, argumenta que de mobilidade. Mas esse discurso, ao mesmo a dores de pessoas não brancas, nos
os modos de falar sobre o futuro acabam tempo, também tem seu papel em termos de não acontece o mesmo em outras disciplinas, Estados Unidos. Então, isso leva a uma
direcionando muito as decisões que temos consensos públicos sobre o que é aceitável, em outras áreas, ou no discurso público, ideia que eu tenho trabalhado, de redes
ligadas a políticas públicas e regulação em troca de inovação, em troca de futuros ou no discurso empresarial, ou da mídia difusas de agência. Na medida em que a
sobre tecnologia; e, sobretudo, a partir desejáveis. Então, quando pensamos sobre empresarial, sobre a tecnologia. Isso permite, lógica de aprendizado de máquina, que é
de duas táticas. Adaptando um pouco a sociedade, eleitores e parlamentares que de certa forma, explicar a permanência de relativamente consolidada na construção
pesquisa do historiador, um pouco, ao nosso decidem, direta ou indiretamente, acreditar alguns casos de impactos da Inteligência de sistemas automatizados, parte da ideia
contexto, essa tática permite pensar em duas sobre quais são essas tecnologias do futuro, Artificial, quando se pensa em processos de aprender com histórico de dados, com
coisas: que esse tipo de discurso que tenta temos a manutenção de imaginários que de racialização e racismo. histórico de pontos de informação sobre
posicionar os mecanismos autômatos, como transformam, literalmente, CEOs de Big Vou citar, rapidamente, dois casos que são determinado domínio, que aquele sistema
totalmente desvinculados de trabalho, ou Tech, atualmente, em líderes públicos; um pouco mais famosos. Um deles é o caso algorítmico está trabalhando.
desvinculados de outras redes de insumos, que, desde a expropriação mais violenta dos buscadores. Tem um livro famoso,
que se materializam naquele sistema, ou de trabalho, até a destruição de recursos e outras pesquisas que se debruçaram Isso significa, na maior parte
naquela máquina, no caso de uma máquina naturais, em prol de ideários neocoloniais, sobre esse objeto, o livro é Algoritmos da das vezes, uma exacerbação das
industrial, permite duas coisas. A primeira, espaciais até, como se vê hoje. Minha Opressão, da professora Safiya Noble, que relações de poder que já existiam.
seria retirar a ênfase e a valorização social pesquisa, citando especificamente o racismo estudou como os buscadores representam
de outras atividades e insumos, que fazem algorítmico, tem dialogado um pouco com minorias raciais, minorias em termos de E para fechar, o que isso tem a ver com
parte dessas redes de produção, mas que essas táticas de invisibilização de fatores origem, de forma muito mais negativa. regulação? Do meu ponto de vista, não é?
não são facilmente automatizáveis. Então, e de opacidade; com base, sobretudo, em E, frequentemente, a lógica contida na Estamos testemunhando diversas iniciativas
quando se pensa em plataformização, por Ruha Benjamin, que propôs inicialmente permanência é a de que apenas representa de regulação da Inteligência Artificial, de
exemplo, a ênfase em ideias questionáveis esse conceito de racismo algorítmico. Eu e reflete a sociedade; então, seria justo forma direta ou indireta; então, tem a PL,
de gig economy, em aplicativos, como Uber, tenho tentado entender – isso tem reflexos algum tipo de intervenção. O segundo caso, que está em tramitação no Senado, ou a
iFood etc.; seria um exemplo desse tipo nos debates sobre regulação – quais tipos um pouco mais recente, foi um estudo própria Lei Geral de Proteção de Dados,
de lógica. de variáveis, em camadas, na tecnologia, na publicado na revista Nation, final de 2019, que tem um artigo que fala de revisão
relação tecnologia e sociedade, são apagadas salvo engano, onde pesquisadores de Saúde de decisões automatizadas; o artigo 20,
O holofote vai para a suposta ou ocultas nos processos de firmação de Coletiva, Ziad Obermeyer e colaboradores, da LGPD, diz, atualmente: “O titular dos
inovação no aplicativo, na interface, contratos sociais, de referências regulatórias descobriram como planos de saúde, que dados tem direito a solicitar a revisão de
e tenta apagar o trabalho efetivo e afins. Especificamente, tenho trabalhado previam níveis de cuidados a diferentes decisões tomadas unicamente com base
que está sendo precarizado. o conceito de dupla opacidade, quando se pacientes, discriminaram, de forma em tratamento automatizado de dados
pensa em racismo algorítmico. sistemática, pacientes negros e outras pessoais que afetem seus interesses,
E o segundo ponto é que esse tipo de minorias, nos Estados Unidos. Ao realizar incluídas as decisões destinadas a definir
discurso oferece, continuamente, promessas Por um lado, para tratar da auditoria desses sistemas, o Obermeyer o seu perfil pessoal, profissional, de
de invenções e inovações futuras para denegação do racismo, que, no identificou, que, na verdade, há inserção de consumo e de crédito, ou os aspectos de
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sua personalidade”. Essa atual redação, responsabilidades das partes interessadas; e amarras do colonialismo; Vou falar do principal argumento da
modificada através de MP, originalmente, aprimorar, de forma abrangente, esse senso Kate Crawford, uma provocação muito
tinha como início: “O titular dos dados de responsabilidade, a análise cuidadosa é fundamental se pensar na interessante, que é a Inteligência Artificial,
tem direito a solicitar a revisão por pessoa e autodisciplina em todos os aspectos do discussão sobre o desenvolvimento que não é nem inteligente nem artificial.
natural”. O que já era um tipo de barreira, ciclo de vida da inteligência artificial”. E o tecnológico, chamando mesmo esse Com base nisso, abordarei a questão da
onde a revisão da decisão tomada, com artigo reforça, novamente, até de forma senso de responsabilidade em materialidade da Inteligência Artificial e o
o sistema automatizado, seria realizada redundante, estabelecendo mecanismos de todos os âmbitos; principalmente, que tem sido feito para regular isso, e sobre
por uma pessoa, você teria esse aspecto responsabilização da Inteligência Artificial, tendo como base as desigualdades das limitações dessas regulações. Quando
humano. Quando esse trecho é retirado, que não fuja da definição e atribuição de interseccionais que compõem as pensamos: O que é a Inteligência Artificial?
abrimos outros referenciais “a revisão de responsabilidades de seus criadores. Por estruturas de poder, aqui, no Brasil. Sabemos que ela está em todos os lugares,
decisões automatizadas por outros sistemas fim, o artigo 8 inclui como padrão de gestão: mas poucas pessoas sabem os detalhes
automatizados”. O que acaba sendo um loop, “Realizar monitoramento e avaliação A seguir, vamos conhecer os comentários de técnicos do que é a Inteligência Artificial;
um jogo de gato e rato, em cima de como de risco sistemático, em tempo hábil, e Débora Salles, pós-doutoranda no Grupo de porque, normalmente, ela é apresentada
essas decisões são realizadas por sistemas, estabelecer um mecanismo de alerta precoce Pesquisa NetLab, da Escola de Comunicação, como algo etéreo, é a nuvem, é algo que
aparentemente, automatizados, mas que, de risco eficaz, e aumentar a capacidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro; está flutuando fora de nós, totalmente
na verdade, apenas mediam decisões de inteligência artificial, de gerenciar e doutora em Ciência da Informação no Instituto suspenso e sem grandes consequências e
construídas pelos seus desenvolvedores. controlar seus próprios riscos éticos”. Brasileiro de Informação, Ciência e Tecnologia, custos. Normalmente, quando pensamos em
Então, há uma tendência, obviamente, o IBCT, da UFRJ. Inteligência Artificial, ou é um robô branco,
Então, temos alguns desafios na controversa, sobretudo devido à sua origem ou é uma imagem com um fundo azul e linhas
regulação e na implementação, de forçar atores, sejam privados, sejam Débora Salles brancas, com números suspensos, e coisas
seja por meio dessa lógica legalista, atores públicos, a implementar mecanismos Foi ótimo ouvir o Tarcízio, e pensar, muito hightech. E o que Crawford tenta
seja por meio das relações ativos de controle, antes do processo de como que o que eu preparei está relacionado argumentar é que esses imaginários dessa
entre os atores vinculados, do remediação ou de revisão. Até que ponto com algumas questões que ele colocou. Inteligência Artificial etérea, de alguma
que, efetivamente, podem ser conseguimos tentar promover isso; e que Irei apresentar, resumidamente, o que é forma, são fora da nossa realidade; ela é
mecanismos de controle da atores podemos trazer como aliados Inteligência Artificial, do ponto de vista de um imaginário, que, de alguma forma, nos
Inteligência Artificial, por futuros para promover essa responsabilidade uma pesquisadora que tenho acompanhado, impede de entender o mundo material da
mais justos e mais distribuídos. ética, distribuída pelo controle social da e que acho que pode acrescentar muito para Inteligência Artificial. Precisamos levar em
tecnologia? o debate. O nome dela é Kate Crawford, e consideração que todos esses sistemas, em
Trouxe aqui um texto, do recente ela lançou, recentemente, um livro chamado escala, de Inteligência Artificial, dependem
documento chamado Novo Código de Glenda Dantas O Atlas da IA: Poder, Política e os Custos da exploração de recursos minerais e de
Ética de Inteligência Artificial, proposto Tarcízio apresenta um panorama Planetários da Inteligência Artificial. Com energia, necessitam de mão de obra e de
pela China – incluí alguns itens que foram bem fundamentado sobre os impactos da base nessa leitura e de algumas discussões dados; e esse tripé é justamente o que ela
considerados por especialistas, mais plataformização, dos mecanismos autômatos sobre a pesquisa dela, a minha ideia é tratar tenta mapear de forma bem interessante.
rigorosos, que outros referenciais em para a manutenção de estruturas de poder, um pouco sobre como Quando ela fala que a Inteligência Artificial
torno do mundo. Um deles é o terceiro essas estruturas que estão fundamentadas não é nem artificial nem inteligente, ela
artigo, que enfatiza a responsabilidade em opressões; especialmente, por meio da essas redes globais, que sustentam as diz, que ela não é inteligente, porque não
humana, de forma muito mais densa e exploração da mão de obra, de recursos tecnologias de Inteligência Artificial, se parece com nenhum tipo de inteligência
forte, do que as atuais redações do PL naturais, que intensificam essas estruturas estão prejudicando o meio ambiente, humana. Um dos grandes erros, de acordo
brasileiro; ele diz o seguinte: “É preciso interseccionais de desigualdade. Um dos consolidando as desigualdades e com ela, do desenvolvimento da Inteligência
fortalecer a responsabilidade, e insistir que objetivos deste projeto, pensar alternativas impulsionando uma tendência de Artificial, é que acreditar que as mentes,
os seres humanos são sujeitos final dessa possíveis de desenvolvimento, que, governança antidemocrática. a cognição, seriam com computadores, e
responsabilidade, que sejam esclarecidas as principalmente, nos libertem dessas vice-versa. O que ela diz, é que, na verdade,
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as máquinas são treinadas humanamente saber o sentimento de alguém a partir da rastreados e mercantilizados, e essa do material questionável, das imagens
para assumir tarefas que para nós seriam expressão facial, isso é algo que a Psicologia noção do quanto gastamos de energia problemáticas e dos posts censuráveis, são
muito custosas, seja em termos de tempo já abandonou, mas a Inteligência Artificial para ativar um sistema de Inteligência detectados e excluídos por algoritmos de
ou de trabalho. Mas, além disso, ela não acha que isso é um problema solucionável. Artificial, não é clara e não é simples de Inteligência Artificial. Mas tem 10% desse
é artificial, porque está dentro dessa Quando pensamos sobre essas questões de ser quantificada. Mas, além de pensar conteúdo, que, teoricamente, fica na mão
materialidade do planeta, em que estamos discriminação e preconceito, e os dados, nessa perspectiva individual, temos de de pessoas, de funcionários que têm um
lidando com recursos naturais escassos, temos de pensar que é com base nesse olhar para os grandes centros de dados, trabalho extremamente desafiador; são
com combustível e trabalho humano. Então, treinamento, desses inputs que damos, para os grandes servidores. A Amazon, a turnos de 8 horas, vendo e categorizando
com base nessa ideia, precisamos pensar dos nossos próprios dados, que eles são maior empresa de computação em nuvem, imagens e definindo quão inaceitáveis elas
por que achamos que é inteligente. E, assim, ressignificados e reutilizados para outros é completamente opaca em relação à são socialmente, e para os termos de uso
como a Inteligência Artificial funciona? fins. Então, nossas imagens servem para pegada de carbono, enquanto continua do Facebook. Mas além desse problema,
Ela é diferente de um simples processo treinar algoritmos que detectam imagens com operações massivas, de forma não desse trabalhador precarizado, que está
de automação, não é? Na automação, um de todos os tipos. Só que precisamos pensar transparente. Além do consumo de energia, ali limpando esse lixo das plataformas;
programador faz um código, e sempre dá a que quando estamos desenvolvendo um o que Crawford coloca, é que temos de também temos que pensar, por exemplo,
mesma coisa, digamos assim. O algoritmo algoritmo para detectar alguma coisa, levar em conta a mineração de recursos na tentativa da Amazon de automatizar
de Inteligência Artificial, teoricamente, temos de dar muito input para ele, muita naturais, que são usados para produzir a agenda dos funcionários para que os
sabe qual é o resultado pretendido, e ele imagem, muito dado. E como categorizar esses dispositivos; ela traz a questão do distúrbios físicos causados lá dentro dos
cria uma forma de atingir esse resultado. isso ainda é um problema. Como eu estava lítio, dos depósitos de lixo eletrônico, dos seus grandes armazéns sejam minimizados.
Assim, esse resultado pretendido, esse falando, a questão da Inteligência Artificial volumes de água que são usados para
conhecimento que a Inteligência Artificial é mais do que uma automatização de um resfriar os servidores. Assim, são vários A ideia é a seguinte: não vamos
tem, nós o ensinamos a ela; e o fazemos a processo, essa ideia de que a Inteligência custos ambientais, que são invisíveis para os melhorar as condições de trabalho,
partir de conjuntos de dados; e esse é um Artificial vai ajudar a resolver um problema usuários; muitas vezes, quando pensamos, vamos usar mais tecnologia de
dos principais problemas, quando se pensa complicado; mas, mais que isso, temos por exemplo, “vou acionar a Alexia para vigilância, mais inteligência, para
em Inteligência Artificial. Que dados são usado termos complicados para lidar com ligar um eletrodoméstico”; isso requer, extrair ainda mais valor desses
esses? E como se categoriza esses dados? as limitações desses algoritmos e desses muitas vezes, mais energia do que se eu corpos, dessas pessoas.
Porque nós, humanos, estamos dando input conjuntos de dados. Muitas vezes, falamos simplesmente ligar o eletrodoméstico.
para esses sistemas. em viés, e não em erro. Muitas vezes, se Isso é uma conta que não conseguimos E quando olharmos para esse cenário, em
fala em falta de dados, e não em dados de fazer, não é clara, as empresas não que estamos lidando com questões materiais
Então, quando pensamos em baixa qualidade. Mas a grande questão é liberam esse tipo de informação; mas é e questões que envolvem o trabalho das
conjunto de dados que não que estamos considerando categorizar importante que entendemos que existe pessoas, que envolvem os dados, vamos
representam a sociedade, ou que são fenômenos sociais e pessoas, e achando toda uma escala, uma grande rede, quando deparar com propostas de regulação que
baseados em exemplos anteriores, que na tecnologia vamos resolver extraindo tentamos entender como governar essas ainda não dão conta dessa complexidade.
que reforçam preconceitos e dados em massa. Mas, além do problema infraestruturas técnicas de forma mais Nos últimos anos, aproximadamente, acho
lógicas de discriminação, temos dos dados, a Crawford indica que temos sustentável. Em relação a essa questão da que diria que, pelo menos, 50 países, têm
um problema; que, na verdade, de lidar com o problema ambiental, o uso materialidade, Crawford coloca também o debatido a criação de políticas públicas
não é exatamente novo, mas que de recursos energéticos, então, grandes problema do trabalho; e aí eu acho que tem para fomentar o desenvolvimento da
assume uma faceta, sistemas de Inteligência Artificial consomem duas perspectivas que são interessantes Inteligência Artificial e, também, de alguma
enormes quantidades de energia; mas, esses para olhar. Uma delas tem a ver com a forma, regular. A União Europeia tem sido
de alguma forma, ele se torna possível dados, o quanto isso está sendo usado em terceirização e com a precarização de alguns a principal referência, nos últimos meses,
de ser solucionado, apesar de já ter sido termos de recurso material, ainda é muito trabalhos cognitivos, digamos assim. Então, isso já está bem avançado; desde o início
abandonado pelas Humanidades. Então, opaco. Enquanto nossas interações são quando pensamos nos moderadores de do ano, tem trabalhado, com a sociedade
quando pensamos sobre a possibilidade de extremamente visíveis, estamos sendo conteúdo, do Facebook, teoricamente, 90% civil, mas ainda apresenta muitos desafios.
90 91
A regulação proposta pela União Europeia vida das pessoas é colocada diante desses finais, ao que tem sido feito da giganteza sonhou sempre com isso: otimizar recursos,
tenta olhar a possibilidade de risco desses sistemas. Pensando em um exemplo, eu de informações que deixamos por meio reduzir custos e aumentar o controle.
sistemas; então, a possibilidade de um estava lendo, outro dia, sobre uma revisão das tecnologias. Agradeço muito a sua fala, Aumentar controle significa você ter uma
sistema criar um problema e, dependendo de literatura de algoritmos de Inteligência foi fundamental a sua contribuição. Agora previsibilidade, ou seja, prever coisas, ter
do tipo de risco e do tipo de problema, as Artificial usados para diagnosticar e prever teremos o Sivaldo Pereira, professor da um pouco de domínio sobre o futuro. Então,
ações vão ser tomadas de forma específica. resultados para pacientes com covid. Faculdade de Comunicação e do Programa esse é o elemento mais importante em
Só que ainda é uma proposta pouco clara, Eles revisaram mais de 200 artigos e de Pós-Graduação em Comunicação da termos de I.A., que é justamente a ideia
pouco definida, ainda está em tramitação; descobriram que nenhum desses sistemas UnB; PhD em Comunicação e Cultura do controle sobre o que vem, o controle
mas ela é, atualmente, a mais avançada era adequado para uso clínico; mas, diante Contemporâneas pela Universidade Federal sobre o futuro. A ideia de racionalizar a
e, teoricamente, que tem dado conta de, da pandemia, eles foram aplicados, foram da Bahia; possui pós-doutorado no Centro de produção, isto é, racionalizar não quer
pelo menos, estabelecer um diálogo com utilizados. Então, um dos autores do estudo Estudos Avançados em Democracia Digital dizer você fazer de forma mais inteligente,
a sociedade civil. O que não é o caso do comenta, que ele teve medo de que isso e Governo Eletrônico, na UFBA; é fundador quer dizer você saber o que vai acontecer
que aconteceu aqui, no Brasil, como já possa ter prejudicado alguns pacientes. Isto e coordenador do grupo de pesquisa Centro depois; saber racionalmente qual o próximo
comentado anteriormente. Aprovamos, é, essa ideia de que precisamos trabalhar de Estudos em Comunicação, Tecnologia passo, em termos de racionalidade
em regime de urgência, sem nenhum debate a toque de caixa é um problema. Mas a e Política e pesquisador do INCT-DD. humana. Racionalidade, quer dizer que é,
com a sociedade civil, o marco legal do grande questão, que Crawford coloca, e necessariamente, bom ou ruim – isso pode
desenvolvimento e uso da Inteligência espero ter contribuído, é que Sivaldo Pereira ser bem ruim, inclusive, quando usamos
Artificial. Nos Estados Unidos, vemos um A Inteligência Artificial tem várias isso para outros fins; esses elementos são
movimento de tentar um diálogo, a Casa com essas práticas que nos dimensões, diversas faces para se abordar; muito importantes, porque eles têm vários
Branca, o Escritório de Política Científica distanciam de todo esse sistema, vou me concentrar em questões éticas, impactos. Então, para que esse sonho do
e Tecnológica da Casa Branca, tem feito desumanizando a Inteligência questões sociais e questões políticas; capitalismo funcione bem, é necessário que
anúncios convocando a sociedade civil Artificial e colocando essa parte enfim, vou me concentrar em três pilares: algumas coisas se concretizem: a primeira
e os especialistas para dialogar com o material à distância, acabamos questões materiais, que envolvem I.A.; delas é a matéria-prima; porque a matéria-
Governo; mas ainda é muito incipiente. ignorando alguns dos principais dimensão cultural e depois a política, prima, em sistemas de I.A., é uma coisa
E o que vemos aqui, no Brasil, é ainda impactos e os principais envolvidos. que está relacionada a essas duas. A muito simples, chamada dados. Não existem
um projeto aprovado a toque de caixa e, primeira coisa que precisamos entender sistemas de I.A. sem dados, muitos dados.
aparentemente, com pouca usabilidade; Glenda Dantas é a seguinte: quando falamos de sistemas Os dados é que fazem os algoritmos serem
assim, fazendo pouca diferença, definindo Débora provoca, com base na de I.A., estamos falando, na verdade, de treinados, e esse treinamento é que os faz
pouca coisa. Mas não quero entrar muito perspectiva da pesquisadora Crawford uma série de mudanças importantes em perceberem padrões e agirem a partir daí,
nesse tema, queria só finalizar reforçando a sobre como a Inteligência Artificial não termos de economias materiais. Estamos de forma autônoma. Sem dados, não existem
necessidade de regularmos esses efeitos da é nem inteligente nem artificial. Tendo no começo histórico deste processo. Então, sistemas de I.A. Quando falo de dados, é um
Inteligência Artificial; mas não podemos cair em vista que as máquinas são treinadas dimensões que envolvem, por exemplo, a elemento muito importante, e, na verdade,
no que Crawford chama de “determinismo humanamente para executar as ações, que, Revolução 4.0 de que tanto falamos, mas, os dados são matérias-primas para que o
fantástico”, que é a crença de que esses tecnicamente, nos seriam muito difíceis de na verdade, os sistemas de I.A., tendem a sistema de I.A. funcione. E quem produz
sistemas são sobre-humanos; sabe, eles são executar. Nesse processo, ela também nos alterar diversas dimensões econômicas esses dados somos nós. Nós, e também
incríveis, eles são mais que nós; e nós, por provocou a refletir sobre quais são os limites e, principalmente, três dimensões muito outros sistemas; mas também somos parte
isso, não podemos entender, nem regular; éticos e de regulação dessas tecnologias; importantes. Primeiro, otimizando recursos, dessa engrenagem. Então, para que essa
mas eles são sobre-humanos, também, do como se dá a exploração dos recursos fazendo recursos valerem mais. Segundo, matéria-prima funcione, é preciso que
ponto de vista em que podemos confiar naturais, que, muitas vezes, parece invisível reduzindo os custos, fazendo com que você haja muita coleta de dados; e a pandemia
neles, as previsões que eles fazem dão para nós, usuários, e, principalmente, a consiga fazer mais com menos. E, terceiro, ajudou bastante nesse processo de coleta
sentido para nossa vida. Ficamos muito exploração também da mão de obra, além e isso é muito importante, aumentando de dados, sobretudo, tudo está registrado.
otimistas, de que ignoramos o perigo que a da opacidade em relação aos destinos controle. Então, imaginem, o capitalismo Com base nisso, podemos fazer os sistemas
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funcionarem. E os impactos disso não vão de atividades profissionais nos Estados esses impactos econômico-materiais vão, optarmos por não sermos vigiados
ser vistos agora, eles vão ser vistos daqui Unidos, e eles previram que o sistema de de algum modo, ser concretizados. Vou de forma alguma, vamos ter uma
a 20, 30, 40 anos – quando você tiver, por I.A. vai ter impacto em 47% dos postos falar agora da dimensão cultural. Essa vida extremamente dura, no
exemplo, 30 anos de dados coletados sobre de trabalho. Isso quer dizer alto risco dimensão é muito importante. A primeira mundo de hoje, quase isso.
coisas. A tendência, por exemplo, o sistema de substituição, ou seja, alto risco de coisa que precisamos entender, isso está
de I.A., de você não mais saber a diferença desaparecerem os postos de trabalho. muito claro no debate sobre tecnologia, Tendemos a bloquear todos os sistemas de
entre, se você está conversando com o O que isso vai gerar? Muitas questões. é que não existe nada mais humano do I.A., todos os sistemas de I.A. que usamos,
sistema de chatbot ou com uma pessoa; Primeiro, isso vai redimensionar a forma que a máquina. Certo? Então, a máquina sistemas tecnológicos, celulares. Não
que é uma tendência dos sistemas de I.A., como a força de trabalho existe dentro do não é algo extraterrestre, nem foi feita vamos conseguir nem pedir uma pizza,
de imitarem, inclusive, nossas imperfeições, sistema capitalista. O que vai fazer com pelo João de Barro. A máquina é algo por exemplo, até porque, daqui a pouco,
que são naturais. Assim, várias vezes, que, também, haja mais concentração; extremamente humano, só nós podemos você nem vai mais conseguir usar telefone.
Projetos de Lei de discussões sobre isso e assim, vamos ter mais camadas muito construir máquinas; e as máquinas são, na Esses sistemas são altamente sedutores,
falam que a máquina, no futuro, tem que mais complicadas em termos de controle. verdade, dispositivos culturais, engrenam em termos de nos dar conforto. Vamos
dizer que ela é máquina, porque não vamos na cultura, entram na cultura. Vivemos nos apaixonando pelos sistemas, porque,
saber com quem estamos conversando. Sivaldo em uma cultura automotiva nas cidades, na verdade, vamos viver melhor com os
Vamos ter o direito de saber se estamos O que isso vai gerar? Muitas questões. porque as máquinas, os carros invadiram sistemas. Temos duas opções, por exemplo,
conversando com a máquina ou com um Primeiro, isso vai redimensionar a forma as cidades a partir do século XX. Vivemos quando usamos o Waze. Arriscamos não ser
agente humano – vou falar sobre a expressão como a força de trabalho existe dentro do uma cultura, por exemplo, de celulares. Na vigiados, desligamos todos os aparelhos.
da humanidade, na máquina, mais a frente. sistema capitalista. O que vai fazer com prática, as máquinas são extremamente E vamos arriscar pegar um trânsito, ficar
Então, há uma alteração na forma, o dado, que, também, haja mais concentração; e humanas, são objetos e as máquinas parado no trânsito, durante 1 hora, para
está sendo um alvo importante, porque, assim, vamos ter mais camadas muito mais tecnológicas mais ainda, porque lidam chegar ao ponto X, ou vamos preferir usar
na verdade, o dado, tem de ser visto como complicadas em termos de controle. Logo, justamente com essa camada fina, que o Waze para chegar mais rapidamente no
uma commodity, assim como o petróleo foi. precisamos pensar que os sistemas de I.A. é muito mais do que a questão manual, lugar e evitar, por exemplo, problemas no
Imaginem, como o petróleo, de forma tão têm impacto material, econômico, nos médio braçal. Os sistemas de I.A. são treinados a percurso? Certamente, vamos preferir a
crua, é uma commodity, porque precisamos e longo prazos, e isso é importantíssimo, partir de dados; e esses dados nada mais segunda opção, mais conforto. É uma
dessa coisa crua, dos dados, para fazermos e esses impactos vão ser gradativamente são do que registros da cultura; então, a escolha, e não é justa; porque, na verdade,
coisas mais sofisticadas. Logo, as leis de construídos de forma muito sutil. Não vai cultura é registrada, de forma sistemática, estamos mexendo com algo que é conforto
proteção de dados pessoais, por exemplo, ser um impacto em que vamos perceber que em estruturas DataFrame, ou estruturas de e uma maneira de viver bem.
não são leis que proíbem essa coleta de tudo, como tudo mudou, as coisas vão mudar base de dados suscetíveis para leitura de
dados; elas, na verdade, regulam como de forma gradativa. E esse movimento algoritmos; e essa cultura organizada em Há uma dimensão cultural em
se pode processar esses dados. Por quê? vai acontecer de forma muito gradativa, estruturas de Frame passa a ser muito mais torno dos sistemas de I.A., que é
Porque há uma grande pressão econômica e vai acontecer de forma muito, digamos, manipulada e muito mais compreensiva, justamente os sistemas que vão se
de que precisamos desses dados para sedutora. Essa sedução é irresistível. Tanto do ponto de vista estatístico, do ponto conectar a uma grande quantidade
os sistemas de I.A. funcionarem. Como é que já somos apaixonados por sistemas de vista também de efeitos práticos em de dados, visando eficiência lá na
comentei, sem dados, não há I.A. E quanto de I.A. e geralmente não percebemos isso, relação a isso. Então, há um caráter muito frente, o sistema, em linhas gerais.
mais dados tivermos, mais o sistema vai que, não sabemos viver sem eles. Então, utilitarista, inerente a essa tecnologia. É
ter capacidade de previsibilidade, de a tendência é, cada vez mais, ficarmos útil, é algo no sentido de que esses sistemas Dando algo que é tempo de vida, por
controle. Isso perpassa diversas dimensões: afetivamente vinculados a esses sistemas de I.A. tendem a gerar muito bem-estar, exemplo, aplicativos como o Waze. O
materiais, porque as máquinas vão passar de I.A. Isso é importante, do ponto de comodidade. Waze não dá um trajeto, ele dá tempo
a funcionar com base nessa estrutura; isso vista material. Vou falar um pouco dos de vida. Ele deixa viver mais, porque
impacta em empregos. Há vários institutos próximos passos, e vamos entender um Quanto menos privacidade perdemos menos tempo, digamos, em um
que mostram isso. Analisaram 702 tipos pouco mais o que isso significa, como você tem, mais conforto terá; se congestionamento. O que um aplicativo,
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como o iFood, dá, não é a comida, ele dá de vista técnico, os sistemas de I.A. são o inverso, transformaram o rio em um ideia baseada no que desejamos que elas
tempo de vida, e previsibilidade, não é? aqueles… eles trabalham com dados; e os dispositivo que alimenta a hidrelétrica; façam por nós. Então, para finalizar, acho
Temos uma comida muito mais rápida, dados, eles fazem, inclusive, previsão do que então, o sistema de I.A. tende a nos que, na prática, temos que entender essas
chegando, conseguimos acompanhar o vai acontecer. Pegamos uma série de dados transformar também em dispositivo, nesse dimensões, que são para além de algo muito
trajeto do entregador, ele chega de forma que aconteceram no passado, prevemos sentido. Ou seja, tendemos a ser dispositivos superficial, e pensarmos que os sistemas de
muito rápida, não precisamos ligar para a que se as condições acontecerem daquela dos sistemas de I.A. Agora, falando um pouco I.A. não podem apenas repetir as coisas, eles
empresa até a comida chegar. Todas essas forma, a probabilidade de aquilo acontecer sobre esse sistema, da finalidade política… precisam não apenas refletir, não apenas ser
aplicações lidam com esse tipo de coisa. Só é Y. Prevemos coisas nesse sentido. A ideia Isso em vários impactos políticos. Certo? representativos do que as coisas são mas
que isso tem um preço, que é justamente de futuro, por exemplo, de que os sistemas Primeiro, toda essa estrutura gera uma também, na verdade, ser pensados como
o aumento do controle. Eu adoraria ter de I.A. provocam é, na verdade, uma ideia capacidade enorme de imitação, de algo sistemas críticos, que não olhem para o
controle sobre minha filha de 2 anos. O conservadora, porque é uma ideia de que que está dado, e que gera uma estrutura majoritário, mas para o diferente. Ou seja,
controle não é um problema. O problema eles colhem dados do passado; e esses de reforço e repetição. Há uma tendência os sistemas de I.A. precisam ser sistemas
é que tipo de controle e quem controla dados são projetados no futuro. O passado dos sistemas de I.A. criarem estruturas que corrijam a realidade, não que repitam a
o quê. É outro elemento importante, em passa para o futuro, em termos práticos. O prontas que se repetem. Nada mais poderoso realidade; que não olhem para a realidade
termos culturais, que é esse controle, ele passado passa a se repetir indefinidamente, do mundo do que fazermos as coisas se do passado e repitam-na, mas olhem para a
gera uma coisa muito importante, que é quando não olhamos para os sistemas de repetirem, em larga escala. Assim, os realidade do passado, percebam distorções e
estabilidade. Então, os sistemas de I.A. I.A., como um todo. sistemas de I.A. criam estruturas, grandes tenham caráter normativo, que é melhorar a
tendem a nos deixar muito estáveis, eles estruturas de repetição. Passamos a nos realidade; inclusive, percebendo distorções,
minam o problema de instabilidade e nos No médio e longo prazos é que os comportar de acordo com os sistemas, percebendo desigualdades, e olhem para
dão elementos de estabilidade. Então, sistemas de I.A. geram estruturas porque alimentamos esses sistemas de essas desigualdades. Mais importante
teremos nossa vida muito mais estável culturais. Em relação às estruturas forma repetitiva; o sistema não precisa do que os sistemas de I.A., hoje, é o que
se nos conectarmos, se nos cercarmos de culturais, é difícil sair delas, a não mais mandar alguém policiar nossa casa acontece, é olhar para a coisa majoritária, é
sistemas de I.A. eficientes, aplicativos, muito ser que façamos alguma coisa. para nos mandar fazer alguma coisa; ele olhar para o minoritário, é tentar justamente
mais… nossa vida será muito mais estável simplesmente nos coloca no sistema, e faz. reverter, alterar a realidade, e não apenas
do que instável. Se resolvermos desligar Pegando a metáfora do filme Matrix, então, Se quisermos ter algum tipo de conforto, repetir a realidade.
todos os aparelhos, seremos altamente um pouco de Heidegger, a metáfora do ou vida melhor, teremos de entrar nesse
instáveis. Essa estabilidade significa, na filme não é um corpo conectado, com loop do sistema. Então, politicamente, Glenda Dantas
verdade, uma estabilidade que nos afeta, energia sendo retirada para manter as temos também um elemento, que é um Professor, as três dimensões que
nos seduz, de algum modo, do ponto de máquinas funcionando. Na verdade, é um elemento de repetição do que estava dado, você apresentou são fundamentais para
vista ontológico; mas, ao mesmo tempo, corpo conectado gerando dados para que de concentração de poder; assim, o poder pensarmos essas estratégias, para esses
gera uma estabilidade do ponto de vista os sistemas de I.A. funcionem; os corpos passa a ser mais concentrado, porque são próximos 9 anos, no quesito material.
da conservação. Ou seja, o mundo tende a precisam ser estáveis, domesticados, poucas empresas que terão essa capacidade Você falou sobre como esses recursos,
ser algo um tanto quanto conservador, no domados, para que esses dados façam o enorme de gerar essas estruturas, de coletar dentro do capitalismo, sobre a intenção,
sentido de conservar mesmo, algo mais sistema ficar sempre estável, ad infinitum. esses dados, de forma ampla; então, na na verdade, do capitalismo, de que esses
conservador. Tendemos a manter o mundo E o Heidegger fala algo muito interessante, prática, temos uma capacidade significativa recursos valham mais, para pensar em como
dentro de uma estrutura que se repete, ele fala da tese sobre Trilogia, ele fala que, de Estados, também de organizações, de produzir mais com menos; e aumentando
a ideia do loop, a ideia da repetição, da no passado, por exemplo, construíamos empresas, de repetir estruturas, repetir o controle por meio da previsibilidade. E
imitação. Então, são sistemas que se repetem, dispositivos técnicos, instalando-os nas procedimentos e repetir visões de mundo. é fundamental pensarmos nesse quesito
e eles tendem a eliminar elementos, que pontes, que eram instalados nos rios. Fala Isso dentro de uma estrutura de maior material; porque, de fato, se pensarmos nas
são elementos de estabilidade, e também que as hidrelétricas passaram a transformar estabilidade e maior controle, baseada estratégias para dirimir esses problemas
eliminam elementos de mudança desse o rio em um dispositivo. Se as fontes eram na ideia de desejo. Ou seja, o controle relacionados a tecnologias, para os próximos
sistema; até porque, se olharmos do ponto dispositivos do rio, as hidrelétricas fizeram que as máquinas tendem a gerar é uma 9 anos, temos de nos atentar, a como, no
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longo prazo, essa coleta massiva de dados responsáveis pelo estudo de caso no no mercado laboral; ii) o segundo serviço Sistema de Inteligência Artificial fornecido
vai gerar impactos muito grandes, muito Brasil e tanto nosso relatório quanto os é orientar essa massa de trabalhadores pela Microsoft para o SINE envolve duas
graves. Da perspectiva cultural, você falou três outros casos estão disponíveis no site para a qualificação profissional; iii) o ferramentas centrais. A primeira é uma
sobre como esses dispositivos culturais da Derechos Digitales – https://www. terceiro é a concessão de benefício de ferramenta de “match” (sim, como no
geram a afetividade, a estabilidade; e, por derechosdigitales.org/. seguro-desemprego. O SINE atende cerca Tinder!), isto é, de cruzamento automatizado
conseguinte, reproduzem também uma Inicio, portanto, com uma primeira sugestão de 15 milhões de trabalhadores por ano e das vagas que estão registradas no Portal
ideia conservadora, tendo em vista que de agenda baseada nessa experiência que cerca de 1,5 milhão de empregadores. Para com os trabalhadores considerados mais
o passado vai acabar gerando o futuro; e foi muito rica: tanto, mantém uma base de dados bastante aptos e mais adequados para preencher
aí vem a necessidade de pensarmos nisso grande, de aproximadamente 65 milhões de essas vagas. A segunda ferramenta é de
estruturalmente. E essa estrutura, com fomentar estudos locais e estudos registros de trabalhadores, sendo um dos perfilização, voltada para a segmentação
base na perspectiva política, vai gerar comparativos sobre casos maiores sistemas de intermediação de mão dos trabalhadores em perfis, segundo a
um esforço de capacidade de reforço e concretos de implementação de obra do mundo. Em 2019, iniciou-se um capacidade de reincorporação no mercado
repetição; então, há a necessidade de ou de utilização de Inteligência processo de reestruturação do SINE, que faz de trabalho. Essa perfilização, por sua
pensarmos criticamente para melhorar essa Artificial, em diferentes campos, parte da grande estratégia de transformação vez, vai apoiar tanto a recomendação de
realidade, percebendo as desigualdades, pois isso é fundamental, permite digital do governo brasileiro, que já tinha vagas no Portal quanto orientar a política
e isso é fundamental; e é o que estamos que consigamos acompanhar as se iniciado antes, mas que, no caso do SINE, pública para qualificação profissional.
fazendo aqui, hoje. Então, obrigada, mais trajetórias dessas tecnologias em ocorreu a partir de 2019. Nesse processo Aqui abro um parêntese importante para
uma vez, pela sua contribuição. E eu convido, ação. de transformação digital, dois aspectos contextualizar essa última informação: a
agora, a pesquisadora Fernanda Bruno, foram relevantes para a nossa pesquisa: Microsoft também está oferecendo cursos
doutora em Comunicação pela Universidade Essa é uma perspectiva muito comum no i) a criação do chamado SINE Aberto, de capacitação profissional para o setor
Federal do Rio de Janeiro; pós-doutora campo de estudos em Ciência, Tecnologia que consistiu na abertura dessa imensa público.Quando realizamos a pesquisa, o
pela Sciences Po de Paris e professora da e Sociedade (STS studies, em inglês): base de dados para empresas privadas uso dessas duas ferramentas de Inteligência
Universidade Federal do Rio de Janeiro. pesquisar a ciência em ação, e não a ciência que atuam no segmento da intermediação Artificial no Portal de Vagas do SINE ainda
feita, a ciência se fazendo, e também a de mão de obra; e ii) a implementação de estava sendo implementado. Assim, nosso
Fernanda Bruno tecnologia se fazendo, pois nessa trajetória ferramenta de Inteligência Artificial (IA) estudo de caso, que terminou no fim de
As intervenções foram excelentes, é possível perceber uma série de efeitos e no Portal de Vagas do SINE, que foi o foco 2020, não se voltou para a avaliação dos
e creio que minha contribuição será de problemas, que na escala do projeto e da nossa pesquisa. Essa implementação impactos (ainda impossíveis de mensurar),
bastante complementar a tudo que foi na escala de algo que já está implementado de I.A. foi estabelecida por meio de um mas para a identificação de alguns riscos,
exposto. A melhor contribuição posso não percebemos mais. acordo de cooperação técnica entre o os quais, inclusive, reverberam algumas
fazer na discussão de hoje, tentando Voltando à pesquisa, nosso estudo de Governo Federal brasileiro e a Microsoft, preocupações que já foram levantadas nesta
pensar as agendas que podemos construir caso tratou do Sistema Nacional de firmado em 2020, em plena pandemia. mesa. Um primeiro risco está relacionado ao
para a Inteligência Artificial em termos Emprego, conhecido como SINE, e, mais O acordo faz parte de um projeto mais modo como essa ferramenta automatizada
regulatórios e de governança, é apresentar especificamente, da implementação de amplo, intitulado Microsoft Mais Brasil, que de pareamento (a ferramenta que produz
uma pesquisa recente. Essa pesquisa foi Inteligência Artificial nesse sistema. consiste no uso de Inteligência Artificial o match do trabalhador com a vaga
realizada no MediaLab da UFRJ, laboratório Para quem não sabe, o SINE é um órgão tanto no Setor de Emprego no Brasil quanto disponível) afeta o campo de oportunidades
que coordeno em parceria com a Rede público fundado em 1975, administrado no Setor de Sustentabilidade, prevenção de do trabalhador desempregado ou incide
Lavits e com a Derechos Digitales, que pelo Ministério da Economia e responsável desmatamento e queimada na Amazônia. nele. Chamou nossa atenção o fato
capitaneou a pesquisa no âmbito de um por três serviços no Sistema Público de O foco do nosso estudo, então, foi Inteligência de o processamento algorítmico para
projeto intitulado “Inteligência Artificial e Emprego: i) intermediação de mão de obra, Artificial no Setor Público, que é uma das recomendação do trabalhador para a vaga
inclusão na América Latina”, envolvendo no sentido de encaminhar trabalhadores que questões ou inquietações que vivemos dar ênfase ao passado, ao histórico das
estudos de caso em quatro países: Brasil, estejam desempregados para vagas que lhes tanto globalmente quanto localmente, contratações anteriores do trabalhador. Ao
Chile, Uruguai e Colômbia. Ficamos sejam adequadas e que estejam disponíveis de modos distintos. Identificamos que o nosso ver, isso implica risco de privilegiar
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aqueles que têm um bom desempenho grave, pois estamos falando de algo que identificar tendências no setor ocupacional isolado. Na geopolítica do colonialismo
no passado, impactando negativamente impacta diretamente a oportunidade do Brasil, o que possibilita influenciar uma digital, do que se chama controversamente
aqueles que têm mais dificuldade de se de conseguir uma vaga no mercado de política pública e desenhar oportunidades de colonialismo digital, o Sul Global é região
recolocar no mercado de trabalho; e que trabalho. Tal assimetria, mais uma vez, de negócios em várias frentes. Ou seja, todos de fonte fácil e barata de dados para extração
seriam justamente o público-alvo, ou seja, poderia ter sido minimizada se tivesse esses riscos se agravam diante da enorme de saberes estratégicos ao treinamento
aqueles que deveriam ser mais favorecidos havido uma maior participação da classe fragilidade dos mecanismos de controle algorítmico que, por sua vez, vai acabar
por essa política pública de emprego. Assim, trabalhadora na elaboração do sistema, público previstos na implementação dessas atuando sobre populações vulneráveis.
pensando em uma sugestão, a partir desse coisa que não ocorreu. Daqui encaminho ferramentas. Além disso, não identificamos Precisamos discutir isso fora das caixinhas,
risco identificado, é essencial produzir outra sugestão: sobretudo, quando se nenhuma discussão, ao longo do processo que são úteis, que são importantes, mas
relatórios prévios de impacto ou testagem trata de política pública, a população de contratação e implementação, sobre que já estão pensadas no âmbito do Norte
desse tipo de ferramenta, para se avaliar beneficiária dessa política pública tem soberania tecnológica e soberania de Global.
quanto esse risco é ou não palpável, ou que ter participação no processo de dados, no contexto de acesso a uma base Uma segunda reflexão ou recomendação
efetivo. Infelizmente, não existe nenhum implementação da I.A. Considerando os de dados extremamente estratégica.Vou importante é oferecer ou criar algum
relatório ou testagem no projeto. Existe marcos legais que temos hoje no Brasil, tanto levantar alguns pontos para reflexão, de tipo de fórum, de cursos ou campos de
uma prova de conceito, que é extremamente essa dificuldade de o trabalhador entender caráter mais especulativo, pensando no formação sobre tecnopolítica e perspectivas
vaga e não permite dimensionar, nem esse as normas às quais está sujeito quanto de debate sobre possíveis ações coletivas sociotécnicas no âmbito da gestão pública.
nem qualquer outro tipo de viés potencial contestar qualquer resultado ou qualquer sobre o uso de I.A. no Setor Público. Um Ao longo da pesquisa, fizemos algumas
nas ferramentas de I.A. implementadas. prejuízo que ele venha a ter, com base primeiro ponto a se levar adiante como entrevistas com gestores públicos e notamos
Desse modo, é fundamental haver relatórios nessa I.A., acabam sendo agravadas pelo pauta importante é estarmos atentos que a adesão ao tecnosolucionismo é
prévios de impacto e testagem antes da absurdo veto à revisão humana de decisões a possíveis reinscrições de uma lógica muito forte. Vigora na gestão pública
implementação, sobretudo, quando se trata automatizadas. Assim, é fundamental que colonial no desenho de políticas públicas. uma perspectiva de que a tecnologia é
de uma política de acesso a direitos, como a supervisão humana e o direito à revisão Especialmente quando estas se baseiam em uma ferramenta neutra, que traz consigo
é o caso aqui. Um segundo problema que humana sejam garantidos, assim como soluções tecnológicas e em epistemologias, uma eficácia quase mágica, apta a resolver
identificamos a compreensão dos impactos que tais que são guiadas por dados e formuladas o problema de um serviço que, agora, é
ferramentas podem ter sobre os direitos. Um dentro de uma lógica de mercado. pouco eficiente. Investir em uma formação
é estrutural nesses mecanismos terceiro risco potencial que identificamos sociotécnica que problematize essa
de Inteligência Artificial: eles é um pouco mais abstrato, mais amplo. Ao Hoje, a atenção ao debate perspectiva no âmbito da gestão pública
promovem uma enorme assimetria final da pesquisa, perguntamos quanto a decolonial no campo da tecnologia é, a meu ver, fundamental.
de poder e são caracterizados automação da gestão de desemprego no é uma oportunidade fundamental Por fim, o último ponto de reflexão toca
por grande falta de clareza e país pode acabar automatizando certas para que não se repita algo que na questão da abstração.
transparência. políticas neoliberais que podem ampliar foi muito presente na discussão
a desigualdade, em vez de reduzi-la. Esse sobre cultura digital e sobre os A adoção de soluções de Inteligência
O trabalhador que utiliza o Portal tem uma risco, claro, está associado à transferência direitos digitais no passado, que Artificial no âmbito de serviços
enorme dificuldade de entender quais são de dados estratégicos sobre a economia foi a completa incorporação, com públicos que visam ao acesso a
as regras de funcionamento tanto dessa e o mercado de trabalho, no Brasil, para pouca nuance e questionamento, da direitos acaba por produzir certo
perfilização quanto do match a que ele estruturas de processamento de dados de agenda do Norte Global, inclusive tipo de abstração e exclusão, que
também está sujeito. Além de ter ínfima uma grande corporação como a Microsoft. quando se tratava de uma agenda são próprios da racionalidade
clareza sobre o modo como o sistema O acesso a essa base de dados, processada de garantia de direitos. Construir algorítmica orientada por dados.
funciona, há pouquíssima margem para que nas máquinas da própria Microsoft (que, uma agenda própria, a meu ver, é,
o trabalhador possa interferir em qualquer aliás, é dona da LinkedIn, que também portanto, algo fundamental. É parte dessa racionalidade a ideia de redução
resultado de intermediação ali presente, desenvolve ferramentas de match de de uma série de aspectos complexos (no
ou de perfilização, questionando-o. Isso é emprego no setor privado) permite Pois o caso que apresentei não é um caso nosso caso, aspectos relativos ao contexto
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do emprego e do desemprego no Brasil) Glenda Dantas ideia do sujeito de direito reduzido ao Débora Salles
a critérios e mecanismos que possam ser Professora, sua contribuição foi usuário, que a professora Fernanda acabou Vou ser superbreve. Quero agradecer,
legíveis pelos mecanismos automatizados fundamental, inclusive, para fechar essa de mencionar. Acho que, talvez, seja um mais uma vez, a oportunidade, foi ótimo
de tomada de decisão. Achille Mbembe primeira rodada. A perspectiva que você traz dos pontos mais interessantes, quando ouvir todos vocês. Acho que gostaria de
comenta algo que se aplica nesse contexto: a partir da sua própria experiência, pensando pensamos a capacidade de imaginarmos um terminar, assim, reforçando a necessidade de
para a racionalidade computacional, diz o uso de Inteligência Artificial pelo Poder futuro diferente, e como isso se desdobra desmistificar, um pouco, o que é Inteligência
ele, o que não é computável não existe. Público, foi muito fundamental; inclusive, em regulação; por exemplo, há um número Artificial e como ela é usada; e entender que,
Assim, no caso que analisamos, há uma porque você já traz essa perspectiva das crescente de campanhas e tentativas, hoje em dia, falar de Inteligência Artificial
série de elementos, como a dificuldade problemáticas que aparecem ao longo inclusive legislativas, em torno do mundo, é falar de uma diversidade muito grande
na compreensão das regras de jogo, dos desse processo. E, como você trouxe, para impedir, ou limitar, publicidade de aplicações. Mas, basicamente, eu quero
ganhos e das perdas envolvidos, dos meios essas ferramentas automatizadas, no hipercustomizada; e isso por causa de terminar debatendo a questão ética. Ela
de contestação, elementos que podem match, em relação ao empregador, ao várias experiências negativas e desastrosas, é necessária, mas ainda não é suficiente;
impactar o acesso pleno a esse direito e desocupado e às vagas, geram alguns que vimos em campanhas do Trump, em talvez precisemos falar mais de poder e
a esse serviço não são computáveis por riscos, passam a privilegiar pessoas que outros tipos de uso nocivo de publicidade menos de princípios éticos:
aquele sistema de Inteligência Artificial, já têm uma experiência maior em relação hipercustomizada. E eu menciono isso,
e, portanto, não entram na discussão ao trabalho. E, depois, você traz como é porque, 10 anos atrás, cogitar, proibir ou Quem está ganhando? Quem está
tampouco no desenho da ferramenta. De que fundamental perceber as assimetrias e a se controlar, socialmente, esse tipo de se tornando mais poderoso? Quem
maneira, então, podemos criar mecanismos dificuldade de transparência nesse uso, publicidade era quase impensável, devido está capacitando esse poder de
de participação e de controle público que porque o usuário final acaba não tendo à empolgação e ao tecnosolucionismo, na circular desse jeito? Acho que
permitam que essas dimensões que não conhecimento de como essas ferramentas década passada. Então, acho importante a questão dos princípios éticos
são contempladas pela racionalidade são utilizadas, de como esses dados estão mencionar que tem sido uma resposta muito
maquínica possam entrar na conversa? sendo utilizados, por esse match, entre recorrente dessas plataformas e
Tudo isso que mencionei é decisivo para a vaga e o desocupado. E, no fim, você temos possibilidades de regulação, desses sistemas; mas eles ficam,
evitar um risco maior, que vem sendo trouxe que a gestão desse desemprego, seja do ponto de vista legislativo, normalmente, bem distantes da
identificado em várias iniciativas de uso a partir do uso de automatização, pode seja do ponto de vista de articulação implementação.
de Inteligência Artificial na gestão pública. gerar, reificar políticas neoliberais, que pelo controle social da tecnologia,
A saber, o risco de que essa tecnologia geram uma série de impactos. Em suas que pode questionar os pilares O que vemos implementadas são lógicas de
automatize um tecnosolucionismo ponderações finais, mas isso já responde, que temos hoje. poder, que temos certa dificuldade ainda
neoliberal, que acabe por precarizar inclusive, algumas perguntas que estão de questionar e de olhar; do ponto de vista
serviços que deveriam ser otimizados, muito relacionadas a: Como podemos Então, reforço as preocupações sobre mais amplo e dos desdobramentos que
reservando aos poucos favorecidos o pensar e construir sociedades democráticas Fenologia, sobre Inteligência Artificial, isso tem no mundo.
acesso a negociações presenciais e deixando com as pessoas que acabam desejando a tentando identificar características das
uma parte enorme da população sujeita vigilância e o controle, porque eles fornecem pessoas; e convoco todos os ouvintes/ Sivaldo Pereira
a uma negociação muito assimétrica e comodidade e estabilidade? Acho que a leitores e colegas, a repensar: O que Temos diversos debates, várias
muito opaca com sistemas de I.A., que partir dessa provocação podemos partir pensamos, puxando o gancho do debate, questões para discutir. Precisaríamos de
elas não conseguem compreender e que para esse momento final. Vamos começar para 2030? Pode ser muito diferente do várias outras páginas para discorrer sobre
não conseguem contestar. O sujeito de pelo Tarcízio. que temos hoje, e algumas possibilidades, tudo isso, caro leitor. Bom, tentando corrigir
direito é aí reduzido a um usuário de que talvez vejamos como sonho, podem o mundo em dois minutos… Impossível,
serviço digitalizado que não consegue nem Tarcízio Silva ser reais. Então, vamos nos atentar, a isso certo? Na prática, é o seguinte. Primeiro,
decifrar nem contestar. Um risco que está Vou resgatar alguns pontos, que na Academia, na sociedade civil, e assim I.A. é inevitável, é irreversível. I.A. não é
colocado, mas que não é incontornável. talvez valham reenfatizar, sublinhar o por diante. algo que vamos conseguir evitar. Certo?
que os colegas mencionaram, como essa Isso é dado. Isso é fato. Então, a questão
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é como fazê-la funcionar. Essa é a grande depois que a coisa se sedimenta, é difícil Estado precisa se impor; porque, daqui a temos que repensar um pacto de
questão: De que forma vai funcionar? ser mudada. Então, por exemplo, depois pouco, o Estado vai ser, inclusive, peça da responsabilidade, que faça frente
Segundo, I.A. é desejável, não acho que que a indústria do petróleo sedimentou engrenagem de sistemas de corporações. a essa dinâmica que aposta na
é um problema. Alguém perguntou no de que a lógica do transporte ia ser de Então, algo importante está relacionado a disrupção, sem responsabilidade
chat: Como fazer com que as pessoas – combustão, por meio de combustível fóssil, essa questão dessas duas dimensões. Uma alguma.
pensando democracia –, como as pessoas acabou. Isso fez com que se levasse um regulação ampla, plural e prévia. E um
desejam ser controladas? A questão é que século para pensarmos em carro elétrico. debate sobre normatividade, que não vai Esse é um ponto que precisamos aprender
a I.A. afeta a ideia de eficiência; então, a Leva muito tempo mudar essas estruturas acabar agora, vamos passar os próximos com a história, com os últimos 20, 30 anos,
questão é que a eficiência pode ser de várias mudar essas estruturas. séculos discutindo I.A. Então, não é algo de cultura digital, e que precisamos colocar
formas. Podemos tornar o Estado mais que vai acabar agora e terminar agora, em uma pauta sem esperar o estrago, ou
eficientemente autoritário, ou podemos Então, é preciso fazer regulação é algo que vamos seguir por um longo a dependência, para que passemos a falar
tornar o Estado mais eficientemente prévia, pensar o problema agora, tempo. E se não discutirmos isso, as pessoas de regulação, de governança, de fóruns,
democrático; depende de como aplicamos porque depois que as estruturas ainda continuarão discutindo I.A. como de formação de debate, do que quer que
essa eficiência, e para isso é necessário são criadas, é muito difícil sair se fosse tecnologia. As pessoas, em linhas seja, que possamos fazer avançar nesse
criar regras. Acho que são duas dimensões delas. gerais, dizem “Ah, isso é tecnologia. Não é sentido. Em relação à pesquisa que fiz, que
importantes para pensarmos, no futuro, tecnologia apenas, é um sistema de forma me sinto mais à vontade para falar, quero
da I.A. e de como isso vai funcionar para o Depois que o Google foi criado, será de viver. Certo? Então, precisamos pensar retomar o que Sérgio Amadeu já resumiu; ele
mundo. São três questões, digamos assim. difícil sair do Google, será difícil sair do bastante nisso, no médio e longo prazos. falou sobre minha apresentação, que é um
Primeiro, I.A. não é uma questão técnica, Facebook, será difícil largar um deles. pouco isso mesmo: De que maneira saímos
isso não é um problema tecnológico, isso é Então, temos que pensar as coisas, não Fernanda Bruno dessa situação, no caso da I.A. aplicada ao
um problema político e de fundo ontológico, podemos deixar as coisas serem criadas e Quero retomar uma coisa que acho serviço público, ao setor público? De que
inclusive, que muda nossa relação com as depois regular. Temos de pensar em regular que está nas tessituras de todo mundo, que maneira o tecnosolucionismo e a redução
coisas. Temos que entender, por exemplo, agora; e o debate é profundo, porque ele é quanto precisamos resistir, no sentido de do cidadão à condição de sujeito de direitos,
inclusive na Área de Comunicação, estou envolve questões filosóficas, ontológicas, ir mais devagar, com essa lógica disruptiva à condição de usuário de uma ferramenta,
até escrevendo um artigo sobre isso: a políticas, sociais, culturais, econômicas. E das tecnologias, esse bordão do Vale do de uma plataforma que ele não consegue
I.A. gera novos intermediários; então, na questão da normatividade, na minha Silício, que pegou. Que convenceu todo contestar ou compreender, e da qual ele
novos atores de comunicação estão sendo opinião, os sistemas de I.A. precisam ser mundo em determinado momento; e que é pode ficar dependente nesse sentido
criados. Começamos com algoritmos, e isso sistemas normativos. O foco é pensar em isso, bota no mundo e depois vê o que dá. ruim, como que saímos disso? Acho que
é um elemento importante do ponto de consertar a humanidade. Está tudo errado, Estamos construindo esses laboratórios, fóruns continuados, de corregulação, são
vista geral da Comunicação e da Cultura. não é? Estamos vendo, está tudo errado e estão testando. O nosso mundo, a nossa fundamentais; porque também precisamos
Então, não é uma questão apenas técnica, em termos gerais, se analisarmos. O Brasil sociedade virou um laboratório, onde essas ampliar a diversidade desses processos
tecnológica, é uma questão política e é um excelente exemplo disso. De como corporações estão testando uma série de regulatórios. Como falei, acho que temos de
ontológica. Precisamos ter essas dimensões. as tecnologias, de algum modo, ajudaram, tecnologias extremamente disruptivas, aproveitar essa tensão, que esse momento
E, para isso, precisamos pensar duas coisas: não só elas, mas como elas ajudaram a inclusive, para a democracia, para uma do mundo tem; e esse lugar do mundo, que
Regulação e Normatividade. A regulação tornar as coisas piores do que já eram. série de processos absolutamente centrais, é o Brasil, tem lógicas coloniais para criar
é necessária, e tem de ser, precisa ser Em vários países do mundo isso acontece; e sem responder por elas. fóruns de governança e de corregulação,
ampla, não pode ser debatida apenas por e em outros países tem algumas coisas que é um termo que eu aprendi com o
quem trabalha a computação; é isso que que são intensificadas. Então, precisamos É preciso encontrar um novo pessoal do Uruguai, que está pensando
impacta vários ambientes. A regulação ver questões normativas. O que pode? equilíbrio entre essa lógica, um isso no âmbito da regulação de vigilância
é algo importante para se pensar, e isso O que deve ser? Questões ontológicas? novo equilíbrio entre essa lógica automatizada, para fazer avançar a agenda
tem que se pensar agora, antes que os Como deveria ser? E o que não deveria da transformação, da mudança que queremos em termos de sociedade
sistemas sejam, digamos, sedimentados; ser? E, para isso, o Estado é importante. O tecnológica e a responsabilidade, e tecnologia.
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Glenda Dantas Parte 2 emancipatório, com essa perspectiva. Digital, iniciativa do Governo Aberto, da
Acho importante reiterar que o Acho que o professor Sivaldo trouxe Secretaria Municipal de Educação da Cidade
objetivo deste seminário é analisar o cenário muito isso – isso me marcou bastante, do de São Paulo; é fellow do Governo Aberto,
“Devemos apostar em tecnologias
tecnopolítico e propor um conjunto de primeiro encontro. Essa perspectiva de da OEA, e integrante da Rede de Líderes
ações e políticas que são imprescindíveis livres diante das infraestruturas que estamos falando de relações sociais em Dados Abertos, da Open Data Institute,
em relação às tecnologias digitais, com foco de IA”, Juliane Cintra, Nelson Pretto, Jader e de que a tecnologia, como mediadora de Londres. Teve larga trajetória, também,
Gama, Fernanda Campagnucci e Wagner
nas Plataformas, na Inteligência Artificial e dessas relações sociais, também contribui aqui conosco, na Ação Educativa.
Meira
na Soberania de Dados, que prepare o país para a construção dessa organização
para 2030. Sem dúvida, as contribuições social, do modo como nos relacionamos, Fernanda Campagnucci
aqui trazidas serão fundamentais para a Juliane Cintra do modo como compreendemos estar Essas mesas são muito
concretização desse objetivo. E o que me Quero agradecer a oportunidade, a na sociedade. Assim, é fundamental que complementares, e a abordagem que vocês
chamou muito a atenção, e que ilustra esses mesa inicial foi uma mesa muito rica. Acho esse debate esteja, cada vez mais, dentro propuseram está totalmente conectada
objetivos, é que pensar essa estrutura de continuidade do nosso campo, não como algo à parte, com a linha dos direitos digitais. Não
é muito enriquecedor, na verdade, porque mas como algo que influencia, se impõe e podia ser diferente, com a Ação Educativa
a necessidade de pensarmos vemos as complementações, e, também, os transforma nossas construções. Agradeço e os parceiros que pensam justiça social.
isso de forma multissetorial e aprendizados que vamos depreendendo a oportunidade de estar aqui construindo É preciso falar de justiça de dados e de
multidisciplinar, para que, assim, de cada apresentação, de cada insight, isso com vocês, dizendo que temos uma todas suas implicações. Também fico
todos os setores da sociedade enfim. Estamos fazendo uma discussão dinâmica de trocas. Nesta segunda parte, muito feliz de ter a oportunidade de
estejam implicados nisso. dentro da Ação Educativa sobre o campo vamos debater ideias mais diretamente: discutir infraestrutura de tecnologia de
de direitos digitais, tentando fortalecer o “Devemos apostar em tecnologias livres informação, porque é um tema mais raro
Este encontro “Tecnologia no Brasil: debate e contribuir com todos os atores diante das infraestruturas de Inteligência no debate, por não ser tão convidativo.
2020-2030 – Plataformização e I.A. e que lidam com essas questões há muito Artificial”. Então, na primeira parte, Mas tudo de importante que foi discutido
Soberania de Dados” continuará por meio tempo, como a Fernanda Campagnucci, pudemos ter um olhar mais direcionado anteriormente — discriminação, viés,
de uma mesa de tema intitulada “Devemos que está aqui. Para além da Fernanda, para o que são essas infraestruturas de opacidade, soberania de dados — decorre
apostar em tecnologias livres diante das como referência e inspiração, também, Inteligência Artificial. Vamos pensar, um do modo como essas infraestruturas estão
infraestruturas de Inteligência Artificial”; temos atores que, desde muito tempo, pouco, como isso se correlaciona com constituídas. Então, é muito importante
com os pesquisadores Nelson Pretto, vêm pautando a necessidade de olhar para as tecnologias livres. Isso tem muito a discutir e compreender isso. Sabemos
Jader Gama, Wagner Meira e Fernanda esse campo da tecnologia, olhar para esse ver com o que eu disse, inicialmente; que existe um problema de opacidade das
Campagnucci. Agradeço, mais uma vez, a cenário de plataformização, sobre o qual do lugar que abordamos enquanto Ação infraestruturas, no setor público e privado,
contribuição de vocês. Obrigada por terem debatemos agora, nessa primeira rodada; Educativa, nesse debate; que é justamente e que isso tem efeitos muito nefastos. A
aceitado o convite e por nos presentear também, como parte desse campo de defesa a possibilidade de olhar para o campo dos proposta da mesa é justamente discutir as
brilhantemente com suas contribuições. E e promoção de direitos, estamos tratando direitos digitais, como parte dos direitos tecnologias livres como alternativa a esse
também, a todo mundo que acompanhou a de uma dimensão de direitos digitais; e humanos e, também, como parte do debate sistema de opacidade. E, na minha visão,
mesa, do início ao fim, as contribuições, no é esse o lugar no qual a Ação Educativa que é necessário para construirmos novas em uma democracia, podemos fazer isso
chat, foram fundamentais para enriquecer tem procurado se localizar, nesse debate. utopias, para pensarmos novas formas de duas formas. Usando o Estado, por um
o debate; e convidamos você, leitor, a Para além de se aproximar, ter, adotar uma de compreensão das subjetividades e lado, para regular, o que também já foi tema
continuar acompanhando a próxima mesa. abordagem, uma perspectiva interseccional como elas se colocam na sociedade. Vou neste seminário. E, por outro, construir
dessa reflexão, que considere, também, apresentar agora, o currículo da Fernanda um Estado aberto, que use tecnologias
todos aqueles acúmulos que temos no que tem uma larga trajetória no campo da livres, em que as pessoas participem dessa
campo, nesse quadro, nesse cenário de tecnologia. É diretora-executiva da Open construção. Portanto, vou focar minha
defesa de direitos humanos, também para Knowledge Brasil, graduada em Jornalismo contribuição nesse segundo ponto, que
esse debate das tecnologias, com esse ideal e mestra em Educação; coordenou o Pátio pode ser resumido nesta pergunta: Como
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as tecnologias abertas se relacionam com é invadido, ou os dados de 200 milhões problemas, porque refletem uma matriz o último cadeado do governo aberto é a
a democracia e com essa ideia de governo de pessoas ficam expostos, não porque os neoliberal de pensamento. Principalmente, questão das tecnologias livres. O conceito
aberto? Pensando governo a partir de uma hackers, pessoas que invadem sistemas, são o termo “cidades inteligentes”, que, por de governo aberto, normalmente, tem três
noção mais ampla de Estado, abarcando geniais, mas porque os sistemas estavam ter raiz neoliberal, tem a tendência de pilares: transparência, accountability e
o Legislativo, o Judiciário, enfim, as muito inseguros, sem técnicas básicas pensar dados como commodities, e não prestação de contas e participação social.
instituições públicas. Uma característica de proteção de dados, o que também é como bens públicos. A gênese do termo Por isso, considero que esse movimento
das infraestruturas é que quanto mais um ponto bem tangível da questão da “cidades inteligentes” vem de corporações tem muito potencial, porque coloca no
funcionais elas forem, mais invisíveis elas infraestrutura. Mas, e grandes empresas de consultoria, que centro a participação social como questão
ficam para as pessoas. Alguém levantou querem vender serviços e criar dependência de abertura. Mas a tecnologia é pautada de
uma questão sobre isso na outra mesa: na maioria dos casos, a questão tecnológica. Geralmente, enfatizam a forma pretensamente neutra, transversal
das infraestruturas fechadas é algo eficiência, como também foi dito em a esses outros eixos. Tratar a tecnologia
Como convencer as pessoas a usar que vai minando silenciosamente intervenções na mesa anterior, e não apenas como ferramenta, sem sua dimensão
infraestruturas livres se elas têm as capacidades do Estado, vai participação, por exemplo. De todos esses política, tem uma implicação: deixamos de
alguma vantagem, algum conforto corroendo a democracia, e não termos, o que acho que tem mais potencial qualificar como essa tecnologia deve ser.
para elas, em infraestruturas é uma questão imediata, vamos de diálogo com o campo das tecnologias No caso da transparência, por exemplo, não
proprietárias? E fica mais difícil lidar com as consequências mais abertas é o conceito de governo aberto. achamos aceitável PDF escaneado, queremos
quando essas infraestruturas adiante. Uma hora essa fatura vai Alguns podem dizer: “Mas, Fernanda, dados abertos, e então desenvolvemos esses
são, de certa forma, “funcionais” chegar. você está sendo tecnosolucionista, você padrões de dados abertos. Na questão de
e invisíveis. está achando que o governo aberto vai participação, também podemos qualificar,
E o que queremos dizer quando falamos resolver a democracia”. Não é essa a ideia. dizer que uma consulta pública, que não
Pensem em uma rodovia. Se essa rodovia em infraestrutura? Na minha visão, O que estou propondo é que busquemos tem devolutiva, é muito diferente de um
não apresenta nenhum problema visível, estamos falando de múltiplos aspectos: dialogar com esse campo, pois o padrão, processo de orçamento participativo, que
a maior parte das pessoas que estão lá de um conjunto de hardware, de cabos, hoje, é o Estado ficar capturado por atores pode ser deliberativo, em que as pessoas
trafegando não vai notá-la. Mas basta cair de computadores, de redes, e também com poder econômico que já fornecem podem decidir sobre a destinação de
em um buraco que se vai lembrar que ela de software, de códigos, algoritmos. Há grandes sistemas e tecnologias. recursos.
existe e que essa infraestrutura precisa ainda os dados que se relacionam com
de manutenção, que tem responsáveis esses algoritmos. É uma infraestrutura A melhor forma para promover a Da mesma forma, não podemos
por isso, que há autoridades cuidando ou sociotécnica, então também tem uma transformação dessas estruturas, ignorar a dimensão política da
não daquela infraestrutura. E aí a questão dimensão social e política. Há normas, na minha opinião, é com políticas tecnologia. A tecnologia fechada
com as infraestruturas de tecnologia da padrões, escolhas. E as práticas das pessoas públicas de governo aberto, mina o potencial dos outros eixos.
informação, e esse debate que estamos que estão em torno daquela tecnologia, que
fazendo aqui, é que os problemas existem, tomam decisões sobre compartilhamento, com esse ou outros nomes, mas que Pensem em um sistema de distribuição
mas podem não ficar tão visíveis quanto ou o que fazer diante de vazamentos. Em considerem alguns dos princípios que de vagas para universidades baseado em
um buraco. Quando há um problema torno dessas infraestruturas, no Estado, vou mencionar aqui. Escrevi um artigo Inteligência Artificial. Se ele não for aberto, é
com o Facebook e suas aplicações, como existe um discurso de inovação e de uso recentemente para desenvolver essa confiável? Terá capacidade de ser justo? Ou,
o Instagram, o WhatsApp, que caíram e de dados mais intensivo; o debate tem questão, porque, apesar de estar muitos ainda, no tema de participação, um sistema
permaneceram fora do ar por um tempo, muitos nomes e faces: transformação anos nesse campo do governo aberto, penso de votação, como a urna eletrônica. Se o
recentemente. Ficou muito evidente o grau digital, inovação, cidades inteligentes, ou, que ele não dialoga como seria necessário código não for completamente aberto, ele
de dependência, o problema de termos um que já usei aqui, “governo aberto”. Já com o tema das tecnologias abertas. Nesse é plenamente confiável? São questões que
infraestruturas concentradas como essas, estive do lado de dentro do Governo, já artigo, levantei todos os documentos surgem quando tratamos da questão da
essa questão fica mais óbvia. Quando um estive em diálogo com muitos atores que oficiais e manifestos da Parceria para o democracia. E, no entanto, as cidades seguem
sistema de Governo, por exemplo, do SUS, usam esses termos, e muitos deles têm Governo Aberto. Minha conclusão é que com tecnologias fechadas, infraestruturas
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fechadas. Outra metáfora que pode ajudar Quem controla os meios de nem é colocado dessa forma, não está “no Nelson Pretto, da UFBA. Seja bem-vindo,
a aumentar a compreensão sobre o tema produção de dados também gibi”. Com a covid isso ficou muito explícito professor. Ele é licenciado em Física pela
é pensar em um encanamento pelo qual consegue a melhor Inteligência – e a Educação a Distância –, tem muitos Universidade Federal da Bahia, é doutor em
está passando água, e os responsáveis por Artificial. casos para serem estudados ainda. Esses Ciências da Comunicação pela Universidade
esse encanamento são corporações que são os principais pontos para iniciarmos de São Paulo, professor da Faculdade de
podem se servir da água. Os dados seriam As empresas que têm acesso a grandes a conversa, vamos para a discussão. Educação da Universidade Federal da Bahia,
o equivalente a essa água. Não é à toa que volumes de dados para treinar suas pós-doutor pela Universidade Trent, de
organizações como a Amazon não estão se inteligências artificiais, como o Google, Juliane Cintra Nottingham, Inglaterra, e pela Universidade
limitando a fazer as infraestruturas mas conseguem automatizar processos que Fernanda, acho que você nos traz a de Londres/Goldsmiths College; também
também os meios de coleta de dados e dependem de interação humana; desde possibilidade, primeiro, de compreender é coordenador do grupo de pesquisa
aplicativos, por exemplo, na Área de Saúde, classificar imagens, veículos autoguiados. do que se trata quando estamos falando Educação, Comunicação e Tecnologias.
softwares de coleta e diversas aplicações; Isso é muito valioso para eles, mais do de infraestrutura. Gostei muito dessa
estamos falando de uma infraestrutura que direcionamento de publicidade. O sistematização de hardware, de software, Nelson Pretto
que está carregando dados, que podem segundo problema é que essa situação de dados para olharmos para essa Acho que a primeira mesa nos deu
também ser apropriados por aqueles que gera dependência; porque se apenas dimensão como uma infraestrutura, de uma leitura mais ampla, e agora vamos
estão cuidando dessas infraestruturas. Em alguns atores têm acesso a dados, eles fato, sociotécnica. E, também, de todo o tentar dar uma aprofundada e uma afunilada
2018, o Reino Unido, que tem um sistema desenvolvem essa capacidade de fazer seu chamado para a atenção de que na questão; vou tentar me concentrar um
nacional de Saúde, o NHS, fez uma parceria tecnologias precisas e oferecer isso como pouquinho naquilo que é o meu pedaço
com o Google, com o sistema DeepMind, um serviço a custos mais acessíveis. precisamos refutar essas novas de atuação mais forte, que é a questão da
de Inteligência Artificial, para prevenir e Contratá-los passa a parecer barato, não formas de naturalização, de Educação. E pensar, então, um pouquinho,
predizer a ocorrência de doenças, com base parece que é um grande investimento normalização, das construções esse momento, de todas essas questões que
nos dados de 4 milhões de pessoas. Esse que o Estado tem que fazer, e construir a tecnológicas, que também são foram trazidas e que certamente ainda vão
é um problema que o pessoal dos estudos própria infraestrutura passa a ser visto construções humanas. ser trazidas por Wagner e Jader. Tarcízio
críticos de dados tem apontado sobre esses como uma loucura, um investimento muito nos colocou a questão do passado gerando
fluxos de dados em infraestruturas fechadas. grande. Só que as condições para os outros Então, partimos de um debate que tem um um futuro; e eu fico pensando nesse futuro,
A Francesca Bria, que foi Secretária de fazerem isso, muitas vezes, vêm do próprio fundo filosófico, como olhamos para isso olhando muito para o passado; porque, afinal
Tecnologia, em Barcelona, e o Morozov; eles Estado, dos acessos a dados custodiados na primeira mesa. E, nesta mesa, olhamos de contas, as grandes questões que estão
têm um ensaio crítico muito interessante pelo próprio Estado. para a dimensão das alternativas, de como postas agora, pelo menos nesse grupo que
sobre cidades inteligentes, em que abordam começamos a intervir nessa realidade, está aqui, dos mais velhos, e não só dos mais
casos como esse. Então, para fechar o tema São dados que devem ser vistos como é possível alterar e transformar velhos, já há um bom tempo temos pensado
“como tecnologias livres e democracia se de forma mais ampla, como um essa realidade, a partir dessas reflexões. sobre essas questões, e, particularmente,
relacionam?”, quero discorrer rapidamente bem público, um bem comum. E a possibilidade de começar com o hoje, falamos na Inteligência Artificial
sobre três problemas que decorrem dessas governo aberto, como um primeiro passo, como estruturante, não é? Falamos nas
infraestruturas fechadas, desse cenário que E, por fim, tem o terceiro e último problema, garantindo a pluralidade na participação, tecnologias como estruturantes, e não como
eu construí. Além da questão da privacidade, que é a opacidade sobre esses fluxos. Esse é o sobretudo, social, é bem interessante, e apenas ferramentas que iam ser utilizadas;
que já está bem colocada nas mesas deste meu tema de pesquisa. O compartilhamento aponta horizontes e possibilidades de e estamos falando isso, da década de 1990.
seminário. Um problema é a acumulação. de dados entre setor público e privado, esses construção. Então, muito obrigada pelas Isso, para não ir lá atrás, nos teóricos mais
Não é só uma questão de direcionamento fluxos, acontecem de forma muito caótica, suas contribuições e pelo excelente antigos. E, desde aquele primeiro momento
de publicidade, que muitos pensam que que sequer podemos ver, porque não existe início, como disse aqui, no chat, o Sérgio – os dois Sérgios, aqui, acompanham isso
é o único interesse de atores privados. transparência dessas infraestruturas. Então, Amadeu. Concordo, também. E para e Wagner também –, da implantação da
o que tem de aplicativos e serviços sendo continuarmos nossas reflexões, agora internet. Entendíamos que isso não podia
doados em troca de acesso a dados, e isso teremos as considerações do professor ser compreendido como ferramenta
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auxiliar da Educação, ela era muito mais vai sendo privatizada por dentro, tecnosolucionismo. Ou seja, a situação é for Education, recebendo, portanto,
do que isso; e, infelizmente, ao longo e isso vai naturalizando, como se dramática. São 680 mil mortes, trata- imediatamente, compras milionárias
desse tempo inteiro, as políticas públicas foi naturalizando, como tendo sido se da necessidade de ficar em casa. E a de Chromebooks, para viver navegando
terminaram não focando essa perspectiva naturalizado todos os processos pandemia, então, chegou para fortalecer plenamente nessas plataformas. Nossos
mais ampla; e foram acreditando que íamos de incorporação das tecnologias essa perspectiva da plataformização. Ou colegas professores, muitas vezes, nem dizem
botando tecnologias, como no passado se na nossa vida. seja, há o argumento, e esse argumento mais “procura na internet”, dizem: “Põe no
colocaram o lápis e a caneta, e elas iam é dito em entrevistas e diálogos; temos Google”, como se fosse o verbo “procurar”
entrando na escola e iam se amoldando, e Quer dizer, usamos o Waze, como conforto um prefeito e secretário de Educação substituído. Portanto, quero mostrar
a escola se amoldando a elas; e vimos que e tempo, sem entender nada do que que que afirmam que não podemos perder que esse processo de plataformização
esse diálogo não aconteceu, justamente ele está representando ali. Usamos o iFood, as crianças e os jovens; e deixam de lado o está adentrando a educação pública e
porque havia um hiato entre a formação e tudo isso aí colocado por Tarcízio, por problema da proteção de dados pessoais, promovendo uma verdadeira colonização
e a própria tecnologia. Isso que é o triste Sivaldo. Vamos usando, vamos usando, deixam de lado o problema do vigilantismo; dela. E, como a Fernanda Bruno comentou,
desse momento. Havia uma concepção de vamos usando. Quer dizer, entramos de precisamos usar o que temos disponível. que “o sujeito de direito é reduzido a um
Ciência e de Tecnologia que não estava gaiato no navio. E o que é mais grave de Essa doação de softwares está sendo usuário”; lembro que em nossos debates – e
clara. Podemos pegar os conceitos que tudo isso é que não percebemos que todas algo absolutamente adotado, inclusive Sérgio Haddad deve se lembrar também,
foram trazidos na primeira mesa, Débora essas questões estão tratando, em última nos sistemas universitários públicos do porque a Ação Educativa, os nossos fóruns
e Tarcízio falando da nuvem. Na Educação, instância, de formas de viver, de modelo de Ensino Superior. Ou seja, muitas vezes, isso mundiais sempre debateram esse tema, com
a nuvem continua sendo imaginada como sociedade. E aí eu entro, especificamente, no é intermediado pela própria RNP. Estamos, os movimentos privatistas adentrando a
aquela coisa ali, de namorados que olham campo da Educação. Mais de 50 milhões de simplesmente, fazendo acordos, porque educação pública – dizíamos que o sujeito,
a nuvem, uma coisa leve que vai para lá. crianças e jovens na Educação Básica; quer nem a formalização desses acordos está o cidadão, era reduzido a cliente, o aluno
Quer dizer, não tem clareza do impacto dizer, é muita gente para ser descuidado sendo explicitada entre Google Suite, Google passou a ser cliente; e, hoje, ele é um cliente
ambiental, do poder computacional que está do jeito que está sendo descuidado. E for Education, Microsoft e Universidades e reduzido a seus dados, a ser um usuário;
por ali. Falando em Inteligência Artificial, aí, claro, você, a Débora falaram sobre a Institutos Federais. Além disso, não tivemos, e isso vai fazer com que não só possibilite
dentro da Educação, terminamos olhando tecnologia de vigilância, dos funcionários ao longo desses últimos anos, investimentos que a publicidade seja montada em torno
mecanismos mais primários de automação, da Amazon; e começamos a observar essas nos Setores de TI, nas Universidades, desses interesses. O mais grave disso é que
ou aquela automação que vai pela chamada tecnologias de vigilância nas escolas. Nas nos Institutos Federais; portanto, agora isso está associado aos grandes grupos
customização, que vai preparando a próxima escolas e na sociedade. Deixe lhes dar duas a solução é adotar essas plataformas. E empresariais que ocupam, hoje, através
música, o próximo texto, o próximo livro informações sobre a situação aqui na Bahia. é perfeita, Tarcízio, é exatamente o que dessas fundações e movimentos, como
que você vai ler, sem entender que aquilo Foi anunciada pelo Governo do Estado e estamos vivendo na Educação. “Não, Lemann, Instituto Ayrton Senna, Todos
ali – como falado muito bem por Débora, pela Prefeitura de Salvador a ampliação estamos fazendo isso aqui agora, depois pela Educação, que começam a formatar
por Tarcízio, por Sivaldo –, são algoritmos do número de câmeras de reconhecimento vamos resolver”. Digo com todas as letras: esses conteúdos a serem distribuídos.
que são absolutamente opacos, que não facial nos pontos turísticos. Não houve Então, essa perspectiva do aberto, que a
correspondem a qualquer perspectiva nenhum debate sobre todos esses problemas Essa lógica de plataformização Fernanda destacou, para o governo aberto;
de educação que saia fora da caixinha. que nós já conhecemos sobre as câmeras privada da educação pública está eu destaco, ampliando-a, achando que é
Falamos de plataforma, e entendem a de reconhecimento facial. Nas escolas, há adentrando de tal forma, em todos fundamental pensarmos no aberto em todas
plataforma como algo auxiliar aos processos a adoção de câmeras de reconhecimento os níveis, que de lá nunca mais as perspectivas: na educação, nos recursos
educacionais; e vamos chegar um pouquinho facial para acesso aos alunos, na perspectiva sairá. educacionais, no acesso, no parlamento
no que Fernanda estava colocando. de poder mandar informações para os pais, aberto, nos dados abertos, no hardware
sobre a chegada, a saída dos estudantes etc. Então, imaginem o que são meninos e aberto, no software livre e aberto. Ou
E o que é mais grave de tudo Essa adoção vem sempre na perspectiva meninas de 4, 5, 6, 7, 8, 9 anos de idade, seja, essa ampliação é fundamental para
isso, a educação pública, em uma de conforto e praticidade; e essa ideia começando, já inseridos dentro dessas que recuperemos a dimensão pública, da
perspectiva que vai sendo atacada, entrou na Educação, na pandemia, como plataformas, mais particularmente Google formação cidadã centrada nos direitos
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humanos. Parece que esses desafios que conservadorismo e a manutenção Cláudio. É muito bom revê-los neste coisas acontecendo, não só em termos de
temos são enormes, porque estamos das desigualdades, das assimetrias. momento ainda muito precário Academia como fora da Academia, que são
vendo uma ausência, com esse ataque, da nossa vida. bem interessantes. Vou mostrar duas para
com redução de 92% do orçamento para Então, é sobre isso, também, que vocês. Recentemente, vi o artigo do The
a Ciência Brasileira; estamos vendo um debatemos quando citamos a necessidade Acho que até pela minha origem, vocês Verge que fala sobre os entregadores de
ataque ao desenvolvimento científico e de ressignificar alguns pressupostos, já devem esperar que eu vou trazer um Nova York, que estão se revoltando. Eles
tecnológico. que é o que a Fernanda trouxe e tem a contraponto aqui. Não um contraponto, começam a questionar “se vale a pena
ver com a pesquisa; estou trabalhando porque eu concordo com o que foi dialogado, trabalhar sujeito a decisões algorítmicas”.
E, com isso, a adesão a essas com essa dimensão da teoria crítica de mas outra perspectiva, que eu sempre Os algoritmos são firewalls; eles põem
tecnologias inviabiliza uma direitos humanos, que reside na origem brinco que é a perspectiva desumana. medidas de produtividade brutais,
perspectiva soberana de dados; do pensamento moderno. Então, tudo Ou seja, venho das Ciências Exatas, e elas exigem compromissos de dedicação
porém, mais do que tudo, faz muito sentido, esse caminho que são sempre meio desumanas. Em minha impressionantes, e assim sucessivamente. A
inviabiliza a soberania de país. estamos construindo, de que para ser uma apresentação, tem algumas coisas que mesma coisa acontece com a Amazon, que,
Ou seja, estamos trabalhando em perspectiva, de fato, vinculada a um ideal quero mostrar. hoje em dia, é a maior empresa de logística
uma perspectiva absolutamente emancipador, tem de refutar essa abordagem Na verdade, quero discutir um pouco dos Estados Unidos; ela tem uma proposta
reducionista do que é a formação colonialista, que é um pouco do que está essa questão da Inteligência Artificial; e, de microgerenciamento dos funcionários,
cidadã. acontecendo, são essas novas formas de se talvez, dar algumas boas-novas; outras, inclusive, indicando por onde eles devem
organizar e de se manter essas assimetrias. nem tanto; e colocar alguns aspectos mais passar para fazer suas atividades. E, nesse
E isso, no meu ponto de vista, é grave; Creio que o debate está bem interessante, amplos em discussão. Acho que algumas caso, eles estão dizendo o seguinte, “que
e, obviamente, adentrando o campo da abordando tecnologias livres e alternativas, coisas que vocês articularam sobre governo não é possível que não possamos escolher
Inteligência Artificial, se agrava de forma apontando horizontes e também chamando aberto, sobre plataformas, do ponto de vista por onde passar”. E tem vários outros
muito mais intensa. a atenção para questões importantes, que técnico, obviamente, estou à disposição para exemplos, peguei dois exemplos que achei.
precisamos manter em nosso horizonte. discutir; mas, do ponto de vista estratégico, Vamos tentar entender o que pode estar
Juliane Cintra Então, para continuarmos nossa troca de político, tenho uma certa limitação. Bom, já acontecendo aqui, e como é que isso nos
Acho que continuando essa trajetória ideias, que coloca o pé no chão, quando foi bastante falado sobre a questão de que afeta em grau amplo? O modelo baseado
que estamos construindo, a Fernanda nos pensamos em infraestrutura e Inteligência temos uma conjunção diferente. Lá atrás, em Inteligência Artificial e otimização
apresenta a possibilidade do governo aberto Artificial, contamos com a presença do nas épocas de software livre, falávamos de de critérios normalmente associados ao
como primeiro passo para confrontarmos professor Wagner Meira, da UFMG. Ele software livre e olhávamos para o horizonte, negócio começa a mostrar fraturas, que
essa estrutura fatalista, quando olhamos é professor titular do Departamento de víamos a questão dos dados, que estavam vêm exatamente na hora que a percepção
para a tecnologia. Quando o professor Ciência da Computação da Universidade se concentrando em alguns provedores, humana começa a superar a percepção de
Nelson traz essa perspectiva para a Federal de Minas Gerais, Ph.D. em Ciência como um problema. Essa coisa cresceu, máquina. Não acredito em singularidade,
Educação, quando olhamos para essa da Computação pela University of Rochester, não no curto prazo; não acredito que a
dimensão que ele apresentou, a dimensão pesquisador em Produtividade CNPq, nível esses provedores, simplesmente tecnologia vai superar alguém; acredito
pública da formação cidadã, isso é muito 1B e subcoordenador do INCT-Cyber – eles não só acumulam dados como que, provavelmente, essa tecnologia, por
importante, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia os processam massivamente; eles questões pragmáticas, vai ter de se curvar
para uma Sociedade Massivamente são os maiores detentores de às praxes dos homens, antes de realmente
é um chamado para recuperarmos Conectada. poder computacional do mundo; se distorcerem, transformar-se em figuras
os sentidos, os significados da e isso, hoje, recebeu esse nome de futuristas. Tem três aspectos que quero
tecnologia; e estamos falando que Wagner Meira Inteligência Artificial, Aprendizado trazer para essa discussão e que estão
nem todo discurso sobre tecnologia de Máquina, ou coisa parecida. sendo amplamente divulgados, com seus
é necessariamente inovador; É um prazer estar aqui nesta impactos sendo discutidos. O primeiro é a
muitas vezes, ele guarda em si o mesa com a Fernanda, o Nelson, o Apesar do horizonte sombrio, tem algumas justiça algorítmica. Por exemplo, modelos de
114 115
reincidência criminal, nos Estados Unidos, ampla adoção da Inteligência Artificial. éticos e valores humanos nos critérios E, nesse âmbito de Inteligência Artificial,
já foram completamente execrados, por Certos nichos profissionais se recusam a das funções objetivas dessas técnicas, e tem uma mudança técnica que é a seguinte:
eles serem racistas etc.; e usar os chamados “modelos caixa-preta”. temos que fazer isso continuamente. Porque o código não é suficiente, porque quem
Recusam-se a não entender, minimamente, novas fontes de ruído e de distorção podem rege o comportamento desses algoritmos
há toda uma preocupação, hoje qual é a linha de raciocínio desses modelos aparecer e atrapalhar esse processo. Aí vem são os dados. E daí temos um nó, porque
em dia, no sentido de que esses e de onde eles vêm, com aquelas sugestões, a questão da oportunidade, que, em vez de a abertura indiscriminada de dados viola
grandes provedores de informação recomendações e previsões. E aí vejo uma negarmos os benefícios da tecnologia, as a privacidade, entre outros requisitos; e,
dizem não ser racistas, que são oportunidade. Porque nos dois casos possibilidades que ela propõe, na verdade, inclusive, aspectos legais, nesse momento
os dados que são racistas, por anteriores, em um caso de responsabilização, temos de mostrar suas deficiências, e do país, com a LGPD. Por outro lado, vemos
exemplo. Eles não assumem essa em um caso de injustiça, vamos enxugar mostrar como elas podem ser melhores, que a transparência algorítmica é cada vez
responsabilidade. gelo resolvendo distorções e problemas ou, pelo menos, tentar fazer isso, senão fica mais exigida e expõe o caráter dinâmico do
que tínhamos anteriormente na sociedade. aquele discurso, um discurso simplesmente software. Então, a Nova Zelândia baixou
Uma segunda coisa é a responsabilidade Aqui, temos uma oportunidade, vou tentar de reação, e não de proposição no processo. uma ordem de que todos os softwares
algorítmica, ou seja, quem, ou o que, é explicar por quê. Onde está o problema O resultado mais interessante disso é devem ser transparentes. Ela não está
responsável por uma violação étnica. nos três casos e/ou as dificuldade? Os que, na prática, os sistemas atuais, em nem preocupada se o software é livre, mas
Então, temos o caso clássico de utilização algoritmos foram todos implementados sua grande maioria, têm de ser refeitos, todas as decisões, ao cidadão, devem ser
de Inteligência Artificial para recolocação baseados em métricas de negócio, como têm de ser reconstruídos; eles não são explicadas de forma transparente.
profissional; e, normalmente, aparecem acurácia, revocação, retorno de investimento capazes de, por exemplo, trabalhar as três
distorções, por exemplo, entre homens e etc., e não consideraram as questões de dimensões que coloquei. E aí tem uma É um novo patamar de
mulheres, entre distorções de raça, étnicas aspectos éticos e valores humanos, como oportunidade nesse sentido. O que isso transparência, é a transparência
etc. E quem é responsável quando isso justiça, responsabilidade, transparência. À tem a ver com o software livre? Primeiro, de que não estamos sendo
acontece? É a pessoa que usa o algoritmo? medida que esses aspectos éticos e valores há uma mudança de patamar no seguinte manipulados pelo algoritmo; de
É a pessoa que desenvolveu o algoritmo? humanos passam a ser valorizados como sentido: a base dos sistemas de Inteligência que, de alguma forma, temos de
São os dados que foram utilizados pelo um mecanismo de negócio e de utilização, a Artificial já está ancorada em softwares explicar por que estamos dizendo
algoritmo? É uma diretriz do contratante? coisa começa a mudar de patamar. Para as livres e abertos. Se pegarmos as grandes que aquele é o emprego que
É uma junção disso tudo? E, na hora que pessoas de tecnologia, qual é a diferença? plataformas que são utilizadas, hoje em devemos conseguir, por exemplo.
fazemos um acionamento legal, quem que É um critério a mais, é um quesito a mais a dia, como Python Scikit-Learn, Apache
vai ser acionado? Então, existe uma fricção ser trabalhado. Entretanto, para as pessoas Spark MLlib, PyTorch, Keras, vemos que Acredito que dados e algoritmos vieram
grande nesse processo, associada a essa de negócios, pode não ser; mas acontece todas usam códigos abertos. Essa questão para ficar, mas eles realmente só vão ser
responsabilidade algorítmica. Ela é ampla? que eles já entraram no redemoinho da do código proprietário é importante para um promotor efetivo, do ponto de vista de
Ainda não. Por fim, temos a transparência imagem e do impacto desses aspectos em que evitemos ter ações maliciosas dentro melhoria social, se as questões de ética e
algorítmica. Esse é um movimento muito vários outros cenários. Então, o problema do código, mas ela é necessária, ela não é valores humanos forem consideradas, pois
forte, por quê? Porque pressupõe que o é: Como nossas funções objetivas dessas suficiente. Ela continua sendo necessária, elas são fundamentais. Contudo, sabemos
humano deve entender a saída do modelo, várias técnicas passam a considerar aspectos mas isso é uma batalha que aconteceu. Tanto que os sistemas atuais são insatisfatórios.
deve concordar com a saída do modelo. éticos e valores humanos? Na verdade, que vemos, hoje em dia, o que a Microsoft Notem que sempre questionamos muito a
E, nesse caso, tem o exemplo de quando considerar isso é um aspecto muito mais está entregando. Ela entrega serviço, ela Inteligência Artificial substitutiva, que vai
temos o modelo “caixa-preta”, ou seja, ele amplo. Porque temos de entender a natureza quer vender serviço; ela não quer vender substituir o homem. Porém, não acredito
simplesmente fala “esse é um husky”; e das violações, temos de olhar os dados, software, ela não vende mais licença de nisso. Acredito na possibilidade de que
aí temos o outro modelo dizendo “que se eles não estão comprometendo aquele software, isso é passado. E como é serviço, o homem vai ser reinserido no loop em
ele é um husky por causa dos olhos e das processo, se eles não são enviesados, se eles não estão preocupados se o software outro patamar, não naquele patamar da
orelhas”. Isso é fundamental. Na verdade, eles não são sexistas, se eles não são é livre. Eles estão publicando coisas no realização de tarefas braçais, mas naquele
transformou-se em um impedimento a racistas. Temos de incorporar aspectos GitHub. Na verdade, eles querem o serviço. patamar no qual, em última instância, estará
116 117
o encargo de verificar o cumprimento de definimos quem incluímos e quem escolar, proposições de intervenção no que os dados estão na centralidade do
aspectos éticos e valores humanos etc. excluímos dessas reflexões, quando território. Esse é o meu trabalho. A pergunta processo econômico e político mundial;
Assim, o entendimento, o conhecimento apresentamos a possibilidade de que me foi feita é: Devemos apostar em e que vivemos um processo de alienação
dos funcionamentos desses sistemas e da transparência como possibilidade tecnologias livres diante das infraestruturas técnica. Creio que devemos fazer uma
utilização desses sistemas é exatamente da compreensão das escolhas de Inteligência Artificial? Vou ler o último política pública de inclusão digital, que
o que se mostra como oportunidade de parágrafo da apresentação da minha defesa traga para o debate uma cidadania digital,
construir um paralelo ao que foram as e da partilha coletiva dessas escolhas; e de doutorado. “O processo de consolidação e que, inclusive, essa cidadania digital leve
questões de software livre e aberto, dados da possibilidade, também, de dar escolha do acervo digital do Herbário do Museu em consideração os humanos e os não
abertos, em termos do uso dessas técnicas para aquele que era cliente e agora é Emílio Goeldi evidencia que fazemos humanos; porque o meu ponto aqui é a
no âmbito da sociedade. Acredito nisso usuário, tudo isso que está sendo reduzido parte de uma engrenagem do processo Amazônia, estou falando de humanos e não
pessoalmente, embora possa ser uma visão a dados é bem interessante e traz questões global de dominação cultural, científica humanos porque o processo de rapinagem
otimista, mas acho que é um pouco do meu bastante provocativas. Tem muita coisa aqui e econômica, que marca a chamada Era dos dados não é um processo de rapinagem
contraponto aqui, que há oportunidades fervilhando para pensarmos. Convido a do Conhecimento. Então, se mantivermos somente das pessoas, mas é um processo
em todos os níveis e em todas as áreas. participar conosco o professor Jader Gama, os protocolos que nos são impostos nesse de rapinagem de dados e informações do
Esse tipo de tecnologia de propósito geral, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, contexto de capitalismo de vigilância e território, materializados em plantas, em
como é o caso da Inteligência Artificial, da Universidade Federal do Pará. Jader é economia do conhecimento, continuaremos bactérias, em vírus, em genes e princípios
como foi o automóvel, como foi a energia doutor em Desenvolvimento Socioambiental em uma posição de grande importância ativos, ou seja, em toda uma miríade de
elétrica etc., tem um efeito potencial pelo Programa de Pós-Graduação em subalterna”. informações que estão sendo capturadas e
transformador tão grande na sociedade Desenvolvimento Sustentável do Trópico que nós nem estamos percebendo, porque
que ficamos discutindo “se não deveria Úmido, e mestre em Planejamento do Se mantivermos o jogo como está, estamos na engrenagem que colabora para
ser”, na verdade, acredito que estamos Desenvolvimento pelo Núcleo de Altos vamos manter nossa importância esse processo.
perdendo tempo em exatamente partir Estudos Amazônicos, na Universidade subalterna, no que tange a ser
para cima e tentar buscar o melhor uso Federal do Pará, bem como professor da um grande celeiro de dados, que Acho que o nosso desafio é esse,
dessa tecnologia, apesar de que, como Faculdade Pan Amazônica e pesquisador são utilizados no capitalismo de pensarmos e termos a ousadia
qualquer tecnologia, ela sempre vai ter da Incubadora de Políticas Públicas da vigilância. de cortar esse processo de
alguém pensando alguma coisa maliciosa Amazônia. dependência tecnológica.
para fazer com ela. Muito obrigado. Então, se eu fosse dar uma contribuição
Jader Gama para o Governo do Estado de São Paulo, Estamos colocados nesse processo de
Juliane Cintra Estou em uma ilha chamada no debate sobre essas tecnologias digitais, dependência tecnológica, e eles nos
Acredito que a apresentação do Caratateua, na região insular de Belém, diria que teríamos de retomar, e refundar, colocam – as grandes corporações – no
professor Wagner, assim como a do na foz do rio Amazonas, e estou me uma política pública de inclusão digital. que os teóricos chamam de monopólio
professor Nelson e da Fernanda, foram muito arriscando a trabalhar com professoras. Acho que teríamos de pegar e fundar, natural. Dizem assim: “Olha, já está feito.
provocativas. Apresentar a transparência Estou trabalhando com professoras e refundar, um movimento de inclusão Vocês não precisam fazer, é só usar”. Mas
algorítmica como algo em um novo patamar, o Nelson também já esteve dando uma digital; e esse movimento de inclusão quando nos colocamos em uma posição
com essa necessidade da revisão constante, contribuição ao debate com as professoras digital deveria ser fundado no cultivo de de meros utilizadores, não conseguimos
essa revisão ética constante dos sistemas, da Escola Bosque. Trabalho na Ilha, em uma uma cidadania digital; e essa cidadania transformar a realidade. Então, o debate
é bem interessante para analisar essa escola cercada por um bosque enorme, e digital deveria promover uma consciência que trago é simples, de um cara que está
perspectiva como oportunidade; acho que estou contribuindo no que nós estamos tecnopolítica, que combatesse o processo trabalhando em uma instituição, em
tem um debate por trás dessa reflexão, a chamando de Incubadora Educativa, colonial de alienação técnica promovido uma escola pública municipal, que é da
depender da abordagem escolhida, Tecnológica, Socioambiental. Estamos pelas Big Techs. Acho que o grande desafio Prefeitura Municipal de Belém; trabalho
buscando, com base em temas geradores, e nosso, enquanto cientistas, pesquisadores nessa Fundação, que é uma escola que tem
começando a organizar, com a comunidade políticos e cidadãos comuns, é compreender como princípio a educação ambiental, e
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levamos para dentro da escola, nesse debate de juntar dados e traçar cenários. A partir que não presta, uma água ruim. Quero, Estamos, agora, utilizando uma ferramenta
freiriano, uma proposta de cultivar um desses cenários, as pessoas podem tomar assim, provocar vocês, no sentido de que, de mapeamento do território para gestão,
território digital educativo; estamos com uma atitude ou não. Isso é uma consciência para além da Inteligência Artificial, acho para governança do território, de forma
uma proposta de construir nossa própria tecnopolítica. Um projeto de inclusão digital, que a questão da facilidade do uso das comunitária. Quero dizer para os governantes
infraestrutura. E só para temos uma visão que traga os dados para a centralidade da ferramentas proprietárias nos encantam que vão nos escutar, para as pessoas, que
mais pragmática do que estamos fazendo, cidadania digital; levando em consideração pela sua comodidade; portanto, podemos existe uma miríade de possibilidades de
por exemplo: Agora, estamos fazendo um que precisamos quebrar essa dicotomia, pegar e começar a criar uma inteligência uso de ferramentas livres; e que tem um
debate sobre a questão climática nas escolas, essa cosmovisão eurocêntrica, que coloca coletiva, com uso de ferramentas livres, princípio filosófico muito importante, que
e estamos usando como tema gerador a as pessoas na centralidade de tudo; e levar nas quais podemos, inclusive, modificar nos leva a compreender que toda ferramenta
água. Com base nesse tema gerador “Água”, em consideração que somos mais, uma essas ferramentas; e eu não digo que me técnica tem uma condicionante política; e
estamos discutindo, por meio de todas as comunidade de seres em uma comunidade refiro a desafios gigantescos, que o fato de utilizarmos software livre já
disciplinas, um processo de catalogação e muito maior; e que os dados podem ser mostra determinado tipo de pensamento.
georreferenciamento dos corpos de água um instrumento de comunicação entre o mas desafios do cotidiano das Creio que esse processo de inclusão digital
das ilhas, que são nascentes, igarapés, mundo humano e não humano, que pode pessoas. Temos a possibilidade de 4.0, esse processo de inclusão digital traga
poços, furos e praias. E nossos alunos estão nos levar a um processo de economia que abrir uma cidadania digital, que os dados para a centralidade das pessoas,
coletando esses dados em uma plataforma abra possibilidades de se fazer uma gestão saia desse processo de alienação e as pessoas comecem a utilizar essas
livre; estamos fazendo o mapeamento, no inteligente do território. Acho que temos a técnica, a fim de que possamos informações para melhorar sua condição
território, de onde estão os dados, de onde consciência tecnopolítica de que estamos realmente transformar a realidade. de vida, e isso é um elemento no qual os
estão localizados os poços utilizados pela imersos em um processo de alienação governos têm de investir, até para que
população, onde estão localizadas as fossas, técnica, principalmente nós, enquanto Em Belém, estamos fazendo um debate o Brasil tenha uma posição global, que
porque fossa com poço não dá certo; e cientistas; e os tomadores de decisões, muito profundo, com as professoras, quebre esse paradigma da dependência
estamos levando os alunos a buscar os os políticos. Podemos compreender que é sobre esse processo do avanço das Big tecnológica.
dados da Secretaria Municipal de Saúde; necessário começar a montar infraestrutura, Techs na educação; e a participação do
dessa forma, descobrimos que 80% das que não sirva só para grandes empresas, Nelson, a participação do Sérgio Amadeu, Juliane Cintra
doenças, que são tratadas nos Postos de ou corporações, ou governos; mas que foi fundamental. Elas entenderam que As experiências trazidas por todos
Saúde, das ilhas, são relacionadas à questão esses dados coletados, organizados e os dados delas e os dados das crianças são incríveis. De fato, é uma esperança
da água; é diarreia, infecção intestinal, transformados em conhecimento façam que elas ensinam, e dos jovens, são realista, vemos uma apropriação criativa,
coisas assim, que acometem a população. parte da vida das pessoas, das comunidades. dados públicos; tanto é que, em vez de que permite ampliar a capacidade dessas
Com base nesse processo que estamos utilizarmos, na Funbosque, o Google alternativas, da potência dessas alternativas,
Com base nessa junção de realizando, que é um processo freiriano, Classroom, criamos uma instância, com por meio dessa apropriação criativa. Agora,
informações, afirmo a vocês que no Centenário de Paulo Freire, chegamos colegas da UFSCar, do Moodle; porque o a pergunta: “Como podemos utilizar uma
uma cidadania digital centrada à conclusão de que podemos, utilizando Moodle abre a possibilidade, inclusive, de rede neural de modo transparente?”.
nos dados leva o cidadão a os conhecimentos científicos, atacar esse fazermos formação off-line, porque temos
compreender que os dados problema da água; primeiro, cuidando da uma condição de internet muito grande. Wagner Meira
relacionados independem das questão das fossas, criando condições para Outra ferramenta que estamos utilizando Temos dois tipos de modelos
tecnologias usadas, que podem que os dejetos sejam bem acondicionados; é uma plataforma livre, a Plataforma Tá interpretáveis. Temos os “modelos
ser, inclusive, Inteligência Artificial. mas, imediatamente, estamos trabalhando Selado, de participação social da Prefeitura interpretáveis” e os “modelos agnósticos”,
uma questão relacionada à construção de de Belém, feita no Decidim, que tem uma que são modelos construídos em volta
Participo de um Laboratório de Suporte filtros de carvão ativado, que vai resolver comunidade pujante, em Barcelona, na desses modelos caixa-preta. É meio que uma
à decisão, o foco é em Santarém, e o problema. É uma coisa muito louca; Europa. Com base no software livre, estamos lógica de teste de hipóteses. Percorremos o
trabalhamos com essa perspectiva de vivemos no Brasil, na Amazônia, em cima fazendo um remix do que podemos utilizar espaço de busca de dados daquele modelo,
fazer essa cidadania digital, no sentido de água, e as pessoas bebem uma água como ferramenta de participação social. verificamos quais perturbações afetam
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a resposta do modelo e, com base nisso, se fosse para imaginar uma políticas públicas de indústria e comércio, importante para que possamos, inclusive,
criamos um modelo agnóstico, como se manchete de 2050: Governos de ciência e tecnologia e de formação. Quer pensar em federações tecnológicas que
fizéssemos uma tomografia do modelo. do mundo decidem um tratado dizer, é diferente de imaginar que esse possam compartilhar infraestrutura e
E, mais recentemente, temos algumas internacional, depois de anos desenvolvimento significa um afastamento compartilhar orçamento. Acho que essa
redes neuronais, que possuem alguns de negociação, para que só de relações com outros países, Sul- é uma questão também muito importante
mecanismos de transparência dentro da infraestruturas abertas sejam Norte, Sul-Sul; acho que, ao contrário, o para se pensar. Creio que quando fomos
mesma lógica. Ou seja, decompomos o sinal implementadas em governos, e desenvolvimento dessas plataformas em implementar a Plataforma de Participação
que vai percorrer a rede em uma estrutura que os protocolos de troca de dados rede nos possibilitaria um fortalecimento, Social, em Belém, que é uma plataforma
descentralizada que ela é, e recompomos sejam todos transparentes, e os exatamente, da formação tecnopolítica livre, estávamos com alguns problemas
esse sinal, dependendo dos pesos, fazendo modelos de Inteligência Artificial ampla, e que isso viria desde a mais tenra burocráticos. Dessa forma, uma pessoa da
analogia cerebral; a excitação que aquele tenham transparência. idade. Ou seja, não imaginar que possamos prefeitura disse para o nosso time: “Instalem
dado gera em uma’ parte ou em outra da esperar um futuro para isso acontecer, isso em qualquer lugar, mas ponham para
rede. Então, já temos soluções técnicas Enfim, sabemos que, pela tendência, está mas desde os primeiros anos de vida, funcionar”. E fomos contundentes em dizer
para isso. Acho que o caso neozelandês é o muito difícil vencer essa batalha, mas se nas aproximações que estão fazendo com que precisávamos enfrentar a questão
primeiro no mundo, acho que ele deveria não imaginarmos esses futuros, não vamos essas tecnologias, ela já pode trabalhar, burocrática em parceria com os técnicos
ser olhado com mais cuidado, porque ele buscar isso. Então, de tudo o que extraio e já deveria trabalhar nessa perspectiva. da CINBESA, para instalar a Plataforma de
foca a questão da cidadania e a utilização de aqui das colaborações dos outros autores, o Participação Social dentro dos servidores
algoritmos, pelo Estado, que é o que deve principal é essa necessidade de seguirmos Wagner Meira públicos da Prefeitura Municipal de Belém.
ser seguido em termos de pressupostos com os debates, que já fazemos isso desde Não é só reafirmar que eu acredito E assim foi feito, porque estávamos lidando
e requisitos de transparência. os anos 1990, ou antes, mas ressignificando que essa questão da transparência com dados públicos da cidadania de uma
e tentando aplicar isso nas nossas mais complementa a discussão do software cidade. Creio que esse pensamento tem
Juliane Cintra variadas frentes de ação. livre; ela, ao mesmo tempo, promove a de ser levado em consideração. Sei que
Agora, vamos retomar a ordem da cidadania e o conhecimento, o entendimento parece mais barato comprar nuvem; que
mesa, começando pela Fernanda. Nelson Pretto dessas tecnologias e das possibilidades. é mais caro investir em infraestrutura
Acho que, de certa forma, como eu Acho que simplesmente desqualificarmos pública; mas, na conta final, investiremos
Fernanda Campagnucci disse, elas terminam se complementando e a tecnologia, porque ela é fechada, vai nos em gente, e mantendo pessoas capazes
Foi ótimo acompanhar todas as não acredito que tenhamos um contraponto dar um caminho muito mais íngreme do trabalhando pela transformação social e
contribuições. O problema de se apresentar tão grande assim; acho que não existe dúvida que, na verdade, colocar condições mais por uma cidadania digital, que leve em
primeiro é que atiramos em um ponto, de que precisamos pensar em uma regulação razoáveis para seu funcionamento. Ficamos consideração a centralidade dos dados e
depois acompanhamos todo o universo, dessas empresas donas das plataformas. muito tempo discutindo o que o Google o cultivo de um território digital baseado
e ficamos com vontade de contribuir Quero dizer, da melhor forma que fizemos podia armazenar e não armazenar de dados, em uma consciência tecnopolítica.
mais. Porém, eu estava em outro evento, isso com a grande mídia, não é possível a e quando chegamos em um ponto no qual
da Comunidade Dados Abertos Latino- concentração econômica da forma que está não havia uma legislação para isso, eles já Juliane Cintra
Americana, e o exercício era de falar de se configurando. Estou de pleno acordo estavam em outra dimensão. Então, esse Saímos deste encontro com um
futuro, mais ou menos como estamos com a necessidade de uma transparência é o ponto que eu gostaria de colocar. programa pronto, de investigação,
fazendo aqui. Quando falamos de futuro, algorítmica, de tal forma que se tenha intervenção pública; assim, temos várias
temos a visão distópica que é fundamental responsabilidade, transparência e justiça em Jader Gama opções de implementação de alternativas.
imaginar; mas é muito importante projetar tudo isso. Não tenho dúvida, também, de que Os governos têm uma responsabilidade Acho que é muito interessante pensar que
cenários com aquilo que queremos. E uma precisamos fortalecer o desenvolvimento de fortalecer as empresas públicas de o nosso ponto de partida é daqueles que
das coisas que debati, de soluções em infraestrutura pública. processamento de dados; então, acho que acreditam justamente que
Isso temos trabalhado intensamente, e fazer esse investimento para criar carreiras,
acho que isso equivale a pensarmos em bons salários, condições de trabalho, é muito
122 123
o discurso sobre tecnologia é
um elemento muito importante,
fundamental, quando pensamos
a consolidação das democracias.

Então, é por isso que se faz necessário


dialogarmos com as críticas, porque
precisamos recuperar justamente esse
potencial de emancipação que reside na
tecnologia, que reside quando pensamos
na construção de uma cidadania digital;
porque estamos pensando no limite, no fim,
na concepção de um novo mundo, de novas
formas, de respeito a novas subjetividades
emanadas com a natureza.

124 125
Capitalismo preditivo e os
sistemas algorítmicos
DR. SERGIO AMADEU DA SILVEIRA
PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC - (UFABC)
126 127
Capitalismo preditivo e os sistemas algorítmicos1
Dr. Sergio Amadeu da Silveira
Professor da Universidade Federal do ABC - (UFABC)

Resumo

Quais discursos estão sendo produzidos sobre o mundo mediado e efetuado


por algoritmos? Seus efeitos expostos ou almejados possuem objetivos e finalidades
performativas, formatadoras e moduladoras de ações sociais, processos políticos e
instituições? A partir dCom base nessas perguntas, serão apresentadas as pretensões
algorítmicas do mundo corporativo e dos gestores públicos em um cenário de
ordenamento neoliberal do capitalismo informacional. Será exposto um levantamento
das expectativas de reprogramação das práticas sociais e governamentais nos discursos
sobre os algoritmos em cenário de expansão do Big Data, do Machine Learning e da
Inteligência Artificial. Os algoritmos de aprendizado de máquina e outros dispositivos
de Inteligência Artificial integram o conjunto de tecnologias de gestão, de controle e de
predição que aprofundam e superdimensionam os efeitos biopolíticos e noopolíticos
em uma sociedade levada a viver cotidianamente em funçãoa serviço dos futuros
prováveis.

Palavras-chave: governamentalidade algorítmica; prática discursiva; neoliberalismo;


Machine Learning; Inteligência Artificial; tecnologias preditivas.

Introdução

O desenvolvimento e a criação das tecnologias da informação, a partir do último


quarto do século XX, ocorreu em um cenário neoliberal. Como um regime de verdade
avassalador, o neoliberalismo pode ser definido como um modo de governar ou uma
governamentalidade que atua pelo Estado máximo na organização de uma sociedade
das empresas. Seu epicentro é a concorrência, mesmo onde ela não exista (FOUCAULT,
2008a). Para alguns, o neoliberalismo conforma uma nova ordem (LAVAL, ; DARDOT,
2017). Para outros, é a expressão de um novo e intenso processo reprodução do capital
na tentativa de recuperar as taxas de crescimento perdidas após a crise do welfare

1
Este texto é um dos resultados parciais do Projeto de Pesquisa regular, 2017/14412-0, financiado pela FAPESP,
com o título Regulação Algorítmica no setor público: mapeamento teórico e programático. As opiniões,
hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade do(s) autor(es) e
não necessariamente refletem a visão da FAPESP. Foi apresentado no Simpósio da LAVITS (Rede Latino-A-
mericana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade), em 2019. Grande parte dos dados presentes
neste texto foram coletadosfoi coletada pelos pesquisadores de graduação Lucas do Vale Moura (Políticas
Públicas – UFABC) e Lucas Theodoro Guimarães de Almeida (Ciência e Tecnologia – UFABC).

128 129
state, intensificando os processos de concentração e confisco de renda das camadas que puxa outro produto e, assim, sucessivamente, a “fidelização” dos clientes estatais
médias e baixas da sociedade (HARVEY, 2007). e corporativos vai se consolidando. Em junho de 2016, o McKinsey Global Institute
Nesse período, os Estados desenvolveram diferentes políticas de uso e houve lançou o relatório Digital Europe: Pushing The Frontier, Capturing The Benefits, no qual
a expansão das tecnologias da informação na sociedade e no mercado. Entretanto, criou um índice para analisar o avanço da transformação digital na Europa, com a
conforme os parâmetros da governamentalidade neoliberal e suas práticas discursivas, finalidade de influenciar as autoridades e os técnicos do setor público, o empresariado
não caberia aos Estados desenvolver tecnologias2. Assim, as políticas tecnológicas são e os veículos de comunicação. Ressaltemos duas passagens do relatório:
principalmente originadas nas corporações e nas empresas de consultoria.
Governos Eletrônicos, Data Warehouse, Business Intelligence, Big Data, Transformação O que queremos dizer com intensidade digital? É o grau em que a
Digital, entre outros, são denominações para arranjos negociais-tecnológicos, originados digitalização impulsiona setores e empresas. O Índice de Digitalização
fora dos governos, que foram se sucedendo e se disseminam pelos Estados em todo o Industrial do McKinsey Global Institute usa dezenas de indicadores
planeta como um vírus inoculado pelas consultorias e empresas. Por isso, é possível para fornecer um instantâneo dos ativos, usos e trabalhadores digitais,
encontrar planos similares de Transformação Digital em países tão díspares como a e nossas descobertas sobre a Europa são preocupantes. Hoje, a Europa
Inglaterra, Austrália, Canadá e Brasil, dentre outros. Sua estrutura e ideias-força são opera apenas com cerca de 12% do seu potencial digital, em comparação
similares ou idênticas, mesmo com as grandes diferenças entre a cultura, a economia com os 18% dos Estados Unidos. Além disso, há uma enorme variação
e as necessidades de cada país. entre os países da Europa: enquanto a França opera com 12% de seu
Nos últimos anos, principalmente a partir de 2016, “a bola da vez” tem sido potencial digital, a Alemanha está com 10% e o Reino Unido com 17%.
(...)[...]
a “digital transformation”, expressão que ganha força e serve de parâmetro para
Os líderes empresariais, os decisores políticos nacionais e europeus
comparações feitas pelas consultorias e corporações globais para incentivar a adesão e todos os indivíduos têm um papel a desempenhar na aceleração
de governos e empresas aos seus produtos. Por exemplo, o Canadá consolidou o Digital da transição digital da Europa. As empresas devem avaliar até que
Transformation Office (DTO) como o setor de Comunicações Estratégicas e Assuntos ponto o digital importa para elas e como elas podem transformar seus
Ministeriais da Secretaria do Conselho do Tesouro3. A Inglaterra afirma que quer modelos de negócios. Eles também devem adaptar suas organizações,
transformar o governo em uma única plataforma digital, em seu documento de 2017, The digitalizar suas operações e promover a inovação aberta ao longo do
new New Government Transformation Strategy4. A Austrália e seu Minister for Human caminho. Os governos devem estar ativos em três frentes: destravando
Services and Digital Transformation, Michael Keenan, declarou que para acelerar a investimentos e acesso a capital, abrindo fluxos de dados e abordando
transformação digital o governo deve estar aberto aos negócios5. Em 2018, o Brasil questões que envolvem habilidades e o mercado de trabalho. Em última
lança o documento Estratégia Brasileira para a Transformação Digital6. análise, eles terão que gerenciar a transição social e econômica trazida
É difícil de não observar a força homogeneizadora das corporações. McKinsey, pela digitalização, inclusive mitigando seu impacto no deslocamento
de empregos. Finalmente, os indivíduos precisam desenvolver suas
Gartner Group, IBM, Microsoft, Amazon, Google, Tecent, Oracle, entre outras, formam
habilidades e abraçar a flexibilidade e as novas oportunidades que
o discurso dos gestores públicos e delimitam as compras do Estado. As consultorias a digitalização lhes oferece7. (MGI, 2016).
criam métricas e premiações que fortalecem os produtos e serviços dos chamados
ecossistemas das corporações aliadas. Um produto chama um serviço Quando analisamos a expansão dos discursos e regimes discursivos sobre as
tecnologias, também é preciso considerar instituições internacionais como o Banco
Mundial (WB), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD)
e o Fórum Econômico Mundial (WEF). Recentemente, em fevereiro de 2019, um o
2
Obviamente, mesmo os EUA, um dos principais propagadores da doutrina neoliberal, não deixam de aplicar relatório denominado Platforms and Ecosystems: Enabling the Digital Economy, nos
bilhões de dólares nas suas agências de pesquisa de tecnologia estatais. Um exemplo é a NASA. Todavia, esse indica como os formuladores das tendências tecnológicas estão pensando os rumos
fato não pode ser confundido com as práticas discursivas. Os neoliberais discursam pela entrega das empresas
estatais e dos institutos tecnológicos para o setor privado ou defendem sua extinção. da digitalização. Corroborando com as análises de Nick Srnicek, o WEF considera que
3
GOVERNMENT of Canada. The Digital Transformation Office (DTO). Disponível em: https://www.canada. vivemos um momento de predomínio da economia de plataforma:
ca/en/government/about/about-digital-transformation-office.html. Acesso em: 30 nov. 2022.
4
CABINET Office, UK. Government Transformation Strategy 2017 to 2020. February 2017. Dispo- A Quarta Revolução Industrial é possibilitada por novas tecnologias físicas e
nível em: https://www.gov.uk/government/publications/government-transformation-strategy-2017-to-2020/ digitais com aplicabilidade quase ilimitada ilimitada –- e enormes implicações
government-transformation-strategy. Acesso em: 30 nov. 2022.
5
AUSTRALIAN Government. Digital Transformation Agency. Vison 2025. We will deliver world-leading
digital services for the benefit of all Australians. 2018. 7
O Relatório do MGI pode ser encontrado, em inglês, no seguinte endereço eletrônico: https://www.mckinsey.
6
MCTIC. Estratégia Brasileira Para a Transformação Digital, 2018. Link:Disponível em: http://www.mctic. com/business-functions/digital-mckinsey/our-insights/digital-europe-realizing-the-continents-potential . O
gov.br/mctic/export/sites/institucional/estrategiadigital.pdf. Acesso em: 30 nov. 2022. acesso ocorreuAcesso em: 10 maio 2019. 10/05/2019.
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para a economia e a sociedade. Novos modelos de negócios estão sendo são imprescindíveis. Os indícios levam-nos à hipótese de que seus efeitos expostos ou
alavancados não apenas por organizações emergentes, mas também por almejados possuem objetivos e finalidades performativas, formatadoras e moduladoras
entidades tradicionais, que as veem como complementares a modelos bem
estabelecidos ou como potenciais substitutos de seus principais negócios.
de ações sociais, processos políticos e instituições.
A subsequente ruptura econômica foi de fato revolucionária. Em poucos
anos, o ranking das empresas mais valiosas por Algoritmos nunca agem sozinhos
capitalização de mercado mudou totalmente e está dominado por um modelo
de negócio – - plataformas digitais e seus ecossistemas.
O Fórum Econômico Mundial lançou a iniciativa Plataformas Digitais e Nos últimos anos, seja pelos agentes do mercado ou por funcionários da administração
Ecossistemas não apenas porque é um tópico em quase todas as agendas pública, os algoritmos surgem nos discursos relacionados a uma das três expressões:
do conselho corporativo, mas também porque os modelos de plataforma Big Data, Machine Learning e Inteligência Artificial (I.A.). E com essas tecnologias, os
digital já dominam nosso dia a dia e nossas experiências como consumidores, algoritmos são exibidos como motores ou como componentes de softwares, quase
funcionários, membros da comunidade e cidadãos . Considerando as implicações
dos modelos de plataforma e ecossistema para a sociedade, bem como as
nunca estando isolados.
oportunidades e riscos que poderiam apresentar no futuro, parece óbvio visar Para compreender melhor o discurso corporativo, foram coletados, e analisados
uma ampla colaboração entre os setores público e privado, entre empresas textos de empresas, instituições estatais, interestatais e não- governamentais, que
gigantes e start-ups, e com grupos de defesa dos direitos dos consumidores tratam das três expressões. Para fugir do modelo de relatório científico, propositalmente
e da sociedade civil. (WEF, 2019, p. 5). foram deixados de fora os detalhes de cada documento analisado, utilizando citações
ou referências indispensáveis para a explanação das práticas discursivas sobre a
No livro Platform Capitalism (2016), Nick Srnicek havia constatado que uma
reprogramação algorítmica da sociedade. Para uma melhor compreensão deste texto,
economia de dados em um cenário neoliberal tornaria o modelo de negócios baseado
é necessário definir as três expressões.
nas plataformas altamente viável. As plataformas são intermediárias entre aqueles
pode ser compreendido como uma expressão para as novas infraestruturas capazes
que tem têm um produto ou serviço a oferecer e aqueles que precisam do que será
de lidar com grande volume de dados heterogêneos, estruturados ou não, capturados,
oferecido. São estruturas de intermediação que passam a obter dados fundamentais
processados e analisados em grande velocidade. Não há uma única definição, mas
sobre o mercado em que atuam. Assim, podem estruturar melhor as ofertas e atingir de
existem elementos integrantes dos enunciados aceitos sobre que trabalham com a
modo bem mais preciso a demanda. Como o documento do WEF deixou claro, “A Uber
abundância de dados e que são caracterizadas por três palavras iniciadas com a letra
não possui carros. O Airbnb não possui quartos. O Facebook não produz seu próprio
“v”: volume, variedade, velocidade. Mais recentemente se agregou a elas mais duas
conteúdo” (WEF, 2019, p. 8). A força da plataforma vem do efeito de rede que gera.
palavras: valor e veracidade.
Quanto mais facilidades oferece, maior ela fica. Quanto mais é utilizada, mais valor
No Relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
gera. Quanto mais concentra as atenções, mais visitas gera, mais dados são coletados
(OECD), A brief history of everyone should read, seu o autor, Bernard Marr, afirma que
de quem dela participou e de quem desistiu de participar.
a expressão apareceu pela primeira vez na forma como é utilizada atualmente em um
As plataformas são vorazes coletoras de dados. Elas organizam velhos e novos
artigo da Harpers Magazine, no qual o escritor Erik Larson escreveu sobre a origem
mercados e, como intermediárias das transações e dos relacionamentos, obtêm dados
do lixo eletrônico que recebia. Em 1999, o paper Paper Visually Exploring Gigabyte
das interações. As plataformas são gerenciadas por algoritmos. Devido às dimensões
Datasets in Real Time, publicado pela Association for Computing Machinery, trazia a
que adquiriram, por causa da velocidade e do volume de transações que realizam, seria
expressão para lamentar a propensão para de armazenar grandes quantidades de dados
impossível um gerenciamento humano. Não há como gerenciar tantas interações, realizar
sem nenhuma maneira de analisá-los adequadamente. Em 2001, com a publicação do
tantos negócios e coletar tantos dados sem a presença dos sistemas automatizados
artigo 3D Data Management: Controlling Data Volume, Velocity and Variety, Doug Laney,
cujo coração são os algoritmos. O modelo das plataformas se tornou paradigmático
analista do Gartner Group, vai definirdefine as três das características definidoras do ,
e os dados ganharam ainda mais valor, tornaram-se os insumos fundamentais para
os três “Vs”. Segundo Pedro Domingos, a expressão vai se popularizar definitivamente
o capitalismo atual.
a partir dacom base na publicação do Relatório de 2011 do McKinsey Global Institute,
Quais discursos estão sendo produzidos sobre o mundo operado por algoritmos?
chamado de : The Next Frontier for Innovation, Competition, and Productivity (Domingos,
Os dados da população e o conhecimento estatístico já eram importantes na constituição
2015, p. 298).
da biopolítica durante o capitalismo liberal (FOUCAULT, 2008b, 365). No atual cenário
A expressão Inteligência Artificial é mais difícil de definir. Em suas diversas acepções,
neoliberal, a estatística adquiriu outras possibilidades, ao encontrar as tecnologias
encontramos a ambiciosa tentativa de compreender e reproduzir a cognição humana.
da informação, as redes digitais, a crescente capacidade de captura, o processamento
Para outros, como Nills Nilsson, a Inteligência Artificial é a atividade dedicada a tornar
e o armazenamento dos dados. O biopoder é a base do que Zuboff denominou de
as máquinas inteligentes, sendo a inteligência, a qualidade que permite uma entidade
capitalismo de vigilância (ZUBOFF, 2015). Esse poder sobre a vida depende de uma
funcionar apropriadamente e com capacidade de previsão em seu ambiente (NILSSON,
grande capacidade de análise ou de um poder de análise. Para tal, os sistemas algorítmicos
2009, p. 1). Nessa perspectiva, a Inteligência Artificial pode ser igual ou superior a
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à inteligência humana. Warren McCulloch e Walter Pitts, em 1943, apresentaram o Sempre ligados a uma estrutura de dados, os algoritmos são os operadores do Big
primeiro trabalho reconhecido como de Inteligência Artificial. Sugeriram um modelo Data, do Machine Learning e da Inteligência Artificial. Algoritmos são utilizados para
de neurônios artificiais que estariam ligados ou desligados. Um neurônio alteraria seu fazer cálculos, para traduzir um idioma por outro, para controlar os semáforos de uma
estado conforme os estímulos dos outros neurônios. McCulloch e Pitts defenderam que cidade fazendo o trânsito fluir melhor, para comprimir uma música em bits para que
qualquer função computacional poderia ser realizada “por alguma rede de neurônios possa ser enviada mais rapidamente pela internet. Também podem analisar milhões
conectados e que todos os conectivos lógicos (e , ou, não, etc.) poderiam ser implementados de imagens em busca da identificação de um rosto, entre diversas outras aplicações.
por estruturas simples de redes” (RUSSELL; NORVIG, 2010, p. 16). A Figura 1 mostra O conceito de um algoritmo é uma das principais ideias da cibernética e da ciência
as expectativas e algumas definições importantes da Inteligência Artificial. da computação. Tarleton Gillespie escreveu que os algoritmos são frequentemente
definidos como “procedimentos codificados” ou “com base em cálculos específicos,
Figura 1: Algumas definições de Inteligência Artificial, organizadas em quatro categorias transformam dados em resultados desejados” (2018, p. 97). São regras, finitas e não-
ambíguas, que partem de dados para produzir um produto, uma resposta, uma solução.
Sistemas que Os algoritmos estão crescendo em diversidade e aplicação à medida que os governos
pensam como Sistemas
mudam para a tomada de decisões baseadas em evidências. Com montanhas de
humanos que pensam dados esperando para serem exploradas e a poderosa capacidade dos algoritmos
"O empolgante novo esforço para fazer os
racionalmente de fazer previsões e recomendações estatísticas, não é surpresa que os atores do
computadores pensarem ... máquinas com mentes, setor público estejam recorrendo a algoritmos para resolver problemas complexos
“O estudo das faculdades mentais através do uso
no sentido pleno e literal.” (HAUGELAND, 1985).
de modelos computacionais” (Charniak; e
nos limites da tomada de decisões em humanos. (WORLD Wide Web Foundation,
"[[A automação de] atividades que associamos ao McDermott, 1985). 2017, p. 6).
pensamento humano, atividades como tomada de
decisões, resolução de problemas, aprendizado ..." "O estudo das computações que possibilitam
...” (BELLMAN, 1978). perceber, raciocinar e agir” (WINSTON, 1992).
Os discursos sobre os algoritmos de Machine Learning, alimentados pelo Big Data,
estão prometendo encontrar uma maneira de prever o comportamento futuro de pessoas,
populações, e das classes de eventos, sejam culturais, econômicos, sociais ou políticos.
Sistemas que
"A arte de criar máquinas que executam funções
que exigem inteligência quando executadas por
“Inteligência Computacional é o estudo do design
de agentes inteligentes”. (POOLE et al., 1998). Vivemos uma nova fase do biopoder na sociedade de controle, que encontrou tecnologias
pessoas” (KURZWEIL, 1990). preditivas jamais vistas, que colocam as ciências da probabilidade e da predição em outro
agem como “AI. . .... está preocupado com o comportamento
"O estudo de como fazer computadores realizar inteligente em artefatos”. (NILSSON, 1998). patamar, qualitativamente distinto, do século em que começou a ser utilizada pelos Estados.
humanos coisas que, no momento, as pessoas fazem melhor”
(RICH and; KNIGHT, 1991).
Sistemas
que agem Economia de dados e poder de análise
racionalmente
Os documentos da OECD, em geral, expressam uma grande concordância entre
Fonte: RUSSELL, Stuart J.; NORVIG, Peter. Artificial intelligence: a modern approach. dirigentes dos países ricos e das grandes corporações do planeta, com a finalidade de
Upper Saddle River: Prentice Hall, 2010, pg p. 2. (Recombinação com edição de 1999.) influenciar as políticas governamentais. O Relatório Data-Driven Innovation: Big Data
for Growth and Well-Being, lançado em 2015, faz uma série de prescrições apresentadas
a partir decom base em um diagnóstico da realidade econômica e tecnológica mundial.
Machine Learning ou aprendizado de máquina é uma área da Inteligência Artificial, A inovação deve ser orientada pelos dados coletados, armazenados e analisados. Mais
sendo recentemente a que mais se desenvolveu. Em 1959, o engenheiro do MIT Arthur do que isso, a verdade discursiva indica que não será mais possível inovar sem a
Samuel descreveu o aprendizado de máquina como um “campo de estudo que dá aos análise de Big Data.
computadores a capacidade de aprender sem serem programados explicitamente”
(BERNARD, 2017, on-line). No mesmo artigo, What does Machine Learning actually A análise de Big Data, cada vez mais em tempo real, está impulsionando
o conhecimeno e a criação de valor em toda a sociedade; fomentar novos
Actually meanMean?, publicado pelo World Economic Forum, Bernard alerta que a produtos, processos e mercados; estimulando inteiramente novos modelos
Inteligência Artificial e o aprendizado de máquina geralmente são confundidos. Entretanto, de negócios; transformar a maioria, se não todos os setores, nos países da
“a Inteligência Artificial refere-se à capacidade de uma máquina de realizar tarefas OECD e nas economias parceiras; e, assim, aumentar a competitividade
inteligentes, enquanto a aprendizagem de máquina se refere ao processo automatizado econômica e o crescimento da produtividade. (OECD, 2015, p. 20).
pelo qual as máquinas extraem padrões significativos nos dados” (BERNARD, 2017,
on-line). O objetivo final da ampla e persistente coleta de dados é aumentar a competitividade
econômica e o crescimento da produtividade. Tais finalidades corroboram enormemente

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com a doutrina neoliberal. Dados variados e massivos são indispensáveis fontes para importante documento governamental sobre a I.A. na França, o Relatório Villani, traz
o funcionamento dos algoritmos de Machine Learning, de redes neurais e dos demais a clara menção de que “a França e a Europa já podem ser consideradas ‘cibercolônias’
tipos de Inteligência Artificial, que devem servir a “inovação orientada por dados”. em muitos aspectos” da economia de dados e das tecnologias de I.A.” (VILLANI, 2018,
Sem dúvida, objetivos gerais, como a melhoria das condições de vida da população p. 6) .
e do bem- estar social, são apontados com destaque no conjunto dos documentos e A colônia digital, a cibercolônia, pode ser entendida como a metáfora de um
relatórios de organizações internacionais, principalmente da OECD, mas as recomendações país ou região que não é capaz de proteger seus dados, de armazená-los, de processá-
que implicam em práticas efetivas de baixo custo de implementação são, quase que los e analisá-los com tecnologias de I.A., de Machine Learning. Nessas regiões, sem
integralmente, benéficas às corporações. poder de análise, sem infraestruturas adequadas de armazenamento de dados, sem
Fatores negativos ou riscos são relatados na quase totalidade dos textos dos tecnologias inteligentes, as elites e empresas locais, ao buscarem os menores custos
organismos internacionais e governos, tais como o problema da privacidade e as de hospedagem e de tratamento de seus dados, acabam os entregando-os às matrizes
possíveis injustiças originadas no viés algorítmico, além de destacar a necessidade tecnoeconômicas da atualidade, aos Estados Unidos e à China.
de enfrentar as profundas mudanças no mercado de trabalho e na Educação. Todavia, é
comum que dois enunciados apareçam como as primeiras preocupações: “as barreiras Viés Algorítmico, responsabilização e regulação
ao livre fluxo de dados”, “erosão da base e da transferência de lucros” (OECD, 2015,
p. 21). Se os dados não puderem ser extraídos das populações dos países pobres, dos Os folders e os papers das consultorias, os relatórios de grandes empresas, como
continentes asiático, africano, do Leste Europeu e da América Latina, para as corporações Microsoft e IBM, os planos de I.A. dos governos reconhecem, de modo variado, o
dos países que comandam o capitalismo de dados, o sistema, sem dúvida, teria uma chamado viés algorítmico. Esse é um dos principais temas tanto da literatura acadêmica
perda de rentabilidade, uma vez que se reduziria a possibilidade de tratamento livre (DIAKOPOULOS, 2014; BAROCAS, ; SELBST, 2016; ROUVROY, ; STIEGLER, 2016); quanto
dos dados de quase 3 bilhões de pessoas e de seus dispositivos. das ONGs envolvidas no debate tecnológico, tais como, a Electronic Frontier Foundation
Evitar um controle tributário maior aos detentores das plataformas se torna (EFF), a Electronic Privacy Information Center (EPIC) ou The Algorithmic Justice League,
uma preocupação das consultorias e dos Estados-sede dos gigantes informacionais. entre outras. Existem diversos casos relatados de preconceito racial relacionados ao
O ecossistema de dados teria uma natureza globalmente distribuída, uma extrema modo como os algoritmos de aprendizado de máquina foram “treinados” ou sobre como
interconexão e interdependências de seus atores, tecnologias e recursos. Assim, os captou o padrão de uma base de dados racista, que foi utilizada e reproduzida. Também
consultores advogam que uma tributação agressiva das multinacionais de dados podem existir falhas e equívocos nos modelos dos algoritmos ou nas codificações de
poderia minar a inovação. Por outro lado, os discursos da OECD incorporam a crítica alguma linguagem de programação.
da conhecida prática de muitas corporações de transferência artificial de lucros para Gillespie escreveu que a suposta objetividade algorítmica é apresentada como
países com baixa tributação, nas quais pouca ou nenhuma atividade econômica é uma arma contra as controvérsias, além de poder mascarar seus possíveis equívocos
realizada. (GILLESPIE, 2018, p. 98). Casos como o do software Compas, utilizados pela Justiça norte-
O capitalismo neoliberal se estruturou nos últimos anos em modelos de negócios americana para definir as penas de condenados conforme as projeções de reincidência
que dependem do livre fluxo de dados. A maior expressão do empreendimento criminal, demonstram que há riscos do preconceito ser ampliado e reproduzido pelo
capitalista, atualmente, são as plataformas e os dados são seu sistema circulatório, algoritmo (ANGWIN, ; LARSON, ; MATTU, ; KIRCHNE, 2016).
seu coração. O livre fluxo de dados é apresentado como um importante elemento da
competição global e da queda de barreiras de entrada às pequenas e médias empresas (…) o poder algorítmico não é necessariamente prejudicial para as pessoas;
de tecnologia. O bloqueio ou a forte regulamentação da extração de dados de um país Ele ele também pode atuar como uma força positiva. A intenção aqui não é
não integram o discurso dos consultores e dos agentes dos organismos internacionais, demonizar algoritmos, mas reconhecer que eles operam com vieses como
o resto de nós. E eles podem cometer erros. O que geralmente falta para o
sendo apresentados como medidas contrárias ao comércio, à concorrência e à inovação público é a clareza sobre como os algoritmos exercitam seu poder sobre nós.
dirigida pelos dados. O poder ou a capacidade de análise de uma corporação depende Com essa clareza, surge uma capacidade crescente de debater e dialogar
da capacidade de obter uma vasta e diversificada base de dados do mercado em que publicamente sobre os méritos de qualquer poder algorítmico específico.
atua. Os algoritmos de I.A. não podem aprender sem a abundância de dados. Enquanto códigos legais estão disponíveis para nós, códigos algorítmicos
Em uma resposta oficial do Governo Britânico à Câmara dos Lordes, ficou claro são mais opacos, escondidos atrás de camadas de complexidade técnica.
Como podemos caracterizar o poder que vários algoritmos podem exercer
a preocupação com o poder de coleta e análise de dados bem maior das grandes sobre nós? E como podemos entender melhor quando os algoritmos podem
empresas e plataformas norte-americanas, ao afirmar que seria extremamente difícil estar nos prejudicando? (DIAKOPOULOS, 2014, p. 2).
para as pequenas e médias empresas do país competirem com essas corporações
(GOVERNMENT response, 2018, p. 8). Sinais da grande assimetria no mundo dos Em 2011, um algoritmo da Amazon elevou o preço do livro de Biologia, The Making
dados e das tecnologias de inteligência também podem ser sentidos na França. O mais of a Fly, a estratosférica quantia de US$ 23,698,655.93 (COUTS, 2011). O algoritmo

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estava programado para ajustar automaticamente o preço dos livros de um vendedor consequências. O importante é abrir os caminhos para a inovação. Esta seria impedida
da plataforma (Profnath) em função dos preços de um outro vendedor (Bordeebooks). por amarras legais ou sociais que viriam com a regulamentação precoce. Algumas
Sem limites corretamente fixados, o algoritmo iniciou uma competição entre os dois iniciativas empresariais, que reprovam veementemente a regulação e a regulamentação
vendedores e foi escalando os preços. O algoritmo não tinha parâmetros, nem verificava dessas tecnologias, propõem que empresas e governos assumam uma postura ética.
a razoabilidade e a viabilidade econômica dos preços definidos. O erro foi corrigido. Por exemplo, em dezembro de 2015 foi criada a Open AI8 pelo empresário Elon Musk e
O caso não era grave, pois ninguém adquiriu um exemplar por mais de 23 milhões de outros dirigentes de corporações tecnológicas. Sua missão é “garantir que a Inteligência
dólares. Todavia, o caso alertou os pesquisadores e desenvolvedores. Artificial beneficie toda a humanidade”9. Em setembro de 2016, as megacorporações
Os discursos das corporações, consultorias e governos incorporaram a dimensão do Google, Amazon, Facebook, IBM e Microsoft criaram a Partnership on AI, que pretende
viés e do erro muito ligadas a à necessidade de confiabilidade dos sistemas algorítmicos. apoiar pesquisas e melhores práticas para a conscientização pública sobre a A.I.
O argumento baseado no fato de que as pessoas cometem erros e, portanto, algoritmos Seus pilares temáticos são a A.I. justa, transparente e responsável, com benefícios
também cometerão, não tem avançado, talvez devido a à responsabilização, a à sociais com e geração de trabalho. A Partnership on AI propõe “onde a AI substituir
reputação e a à confiança que se estrutura em torno de agentes humanos. Assim, a a tomada de decisões humanas, devemos ter certeza de que as decisões de máquina
existência do viés e do erro exigem procedimentos e a necessidade de reparos, de serão seguras, confiáveis e alinhadas com a ética e com as preferências das pessoas
prazos, de aferição da extensão dos equívocos, de indenizar possíveis prejuízos e que são influenciadas por suas ações”10.
sanar injustiças. O discurso da ética é assumido por praticamente todas as plataformas, consultorias,
empresas, governos e ONGs. Não há ninguém contrário que ao desenvolvimento
Às vezes, o viés pode ser introduzido por meio dos dados nos quais os algoritmos das tecnologias de modo ético. Os princípios éticos ainda não são consensuais, mas
baseados em redes neurais são treinados. Em julho deste ano [2016], por começam a ser desenhados. A necessidade de transparência, explicabilidade, segurança,
exemplo, Rachael Tatman, bolsista de pesquisa de pós-graduação da National
Science Foundation no Departamento de Linguística da Universidade de responsabilidade pelos efeitos e justiça contra discriminações socialmente inaceitáveis,
Washington, descobriu que o sistema de reconhecimento de voz do Google estão presentes em boa parte dos discursos. Esse cenário nos remete a importante
funcionava melhor para vozes masculinas do que para as femininas. Ela atribuiu reflexão de Langdon Winner, que nos permite compreender o contexto em que se
esse resultado aos ‘conjuntos “conjuntos de treinamento desequilibrado’ dissemina a preferência pelo debate ético:
desequilibrado” com uma preponderância de vozes masculinos. Como
Tatman observou, algumas legendas incorretas do YouTube não causarão A falta de qualquer identidade coerente com o ‘público’ “público” ou de
nenhum dano, mas vieses semelhantes de reconhecimento de fala em carros canais legítimos e bem organizados para a participação pública contribui
autônomos, por exemplo, seria uma questão completamente diferente. (HOW para duas características distintas dos debates políticos sobre tecnologia,
to implement AI and Machine Learning, 2016, p. 5). (1) rituais fúteis de consultoria especializada e (2) intermináveis desacordos
sobre quais escolhas são moralmente justificadas. (WINNER, 1995, p. 185).
Em 10 de maio de 2018, a Casa Branca sediou a cúpula da Inteligência Artificial
para a indústria norte-americana, reunindo mais de 100 altos funcionários do governo, Diante da inevitabilidade das tecnologias, de sua “força sobre-humana”, da ideia
especialistas técnicos das principais instituições acadêmicas, chefes de laboratórios de de que elas sempre resultarão no progresso e em melhorias, restaria debater o seu
pesquisa industrial e líderes empresariais. O principal objetivo do encontro foi propor uso de modo ético. A verdade discursiva coloca fora de questão outro tipo de demanda
ações para manter a liderança mundial dos EUA na era da I.A. O relatório final trouxe que implique na restrição ou em limitações às tecnologias.
uma breve menção aos problemas de privacidade e segurança das informações. Seu
foco era a eficiência e a remoção das barreiras à inovação, o que incluí a minimização
Opacidade e explicabilidade
e até a recusa da necessidade de regulamentação do Machine Learning e da IA.

Regulamentações excessivamente onerosas não impedem a inovação As redes neurais, também conhecidas como redes neurais artificiais, são inspiradas
inovação – a- apenas a transferem para o exterior. Os participantes desta no modo como se acredita-se que o cérebro humano está estruturado. É composta de
sessão abordaram a importância de manter a liderança americana em IA, “nós” ou ““neurônios artificiais”, ”, conectados em camadas, uma de entrada e outra
em tecnologias emergentes e de promover a colaboração em P&D da I.A. de saída, e uma ou mais camadas intermediárias, que são conhecidas como camadas
entre os aliados dos Estados Unidos. Os participantes também levantaram a
necessidade de promover a conscientização sobre a I.A., para que o público
possa entender melhor como essas tecnologias funcionam e como elas podem
beneficiar nossas vidas diárias. (THE WHITE House Office, 2018). 8
Open AI. Disponível em:: https://openai.com/. Acesso em: 30 nov. 2022.
9
Disponível em: https://openai.com/about/. Acesso em: 30 nov. 2022.
O discurso considerado correto e ponderado sobre a I.A., o Machine Learning 10
PARTNERSHIP on AI – -Thematic Pillars. Disponível em: : https://www.partnershiponai.org/about/.
e as redes neurais, reconhece a possibilidade de viés e falhas, mas ameniza suas Acesso em: 30 nov. 2022.
138 139
ocultas. Os nós atribuem valor aos dados, ou seja, eles recebem pesos e limites quando Neoliberalismo: Concorrência e eficiência exigem a predição
o seu algoritmo é treinado. Os nós realizam operações matemáticas relativamente
simples, mas, após o treinamento que recebem, podem criam soluções não previstas O cenário aqui descrito aponta para o emprego dos algoritmos de Machine Learning
para se obter os resultados esperados. e outros variantes da I.A. em todos os segmentos da economia e da administração
Reconhecimento de imagem, de voz, tradução automática, soluções para a privada e pública, obviamente de modo assimétrico e com ritmos distintos. As exigências
compreensão de linguagem natural, em geral, são realizadas pelos algoritmos de rede da competição intercapitalista e do novo cenário geopolítico global em que os EUA
neurais. São um dos principais exemplos das chamadas caixas pretas. Uma vez treinados enfrentam a grande capacidade tecnológica chinesa, trazem consequências profundas
e colocados em operação, dificilmente será possível tornar compreensível como seus para o conjunto das sociedades submetidas ao neoliberalismo.
resultados foram gerados. Desse modo, suas as operações não são explicáveis, não A primeira constatação a partir dacom base na análise dos folders empresariais
podem ser desvendadas. Tal fato, tem sido apontado como um dos maiores obstáculos e documentos governamentais sobre Big Data, Machine Learning e I.A. apontam para
para a confiança nesses sistemas algorítmicos. a supremacia das plataformas digitais, gerenciadas por algoritmos que travam uma
Em meio a uma grande controvérsia, duas reações radicalmente opostas estão guerra pela matéria-prima essencial para alimentar seus sistemas, ou seja, os dados
em curso, entre tantas outras intermediárias. A primeira aceita a opacidade desses pessoais ou de máquinas.
algoritmos, mas não aceita suas consequências sociais, judiciais e econômicas. A
segunda busca criar soluções para dissipar a obscuridade, tais como sugerir modelos Nas competições por dados cada vez mais intensas haverá outra competição
de desenvolvimento explicáveis. Um dos grandes exemplos da primeira solução é a para o estabelecimento de uma plataforma para obter dados coletados de
sensores das várias atividades na vida real. Nesse caso, os robôs formarão o
proposta de criação de uma nova figura jurídica, a chamada pessoa eletrônica. Um
núcleo em uma plataforma de coleta de dados no futuro devido ao seu enorme
exemplo da segunda é o projeto XAI (Explainable Artificial Intelligence) da Defense potencial de utilização em todos os campos da sociedade. Eles funcionarão
Advanced Research Projects Agency (DARPA), agência ligada ao Departamento de Defesa como um dispositivo fundamental para vencer a concorrência na coleta de
norte-americano. dados em uma sociedade orientada por dados. (THE HEADQUARTERS for,
A pessoa eletrônica aparece como uma solução diante da opacidade e inexplicabilidade 2015, p. 15).
da Inteligência Artificial. Ela estreia com relativa repercussão, no parágrafo 59, da
recomendação à Comissão Europeia sobre as Regras do Direito Civil sobre Robótica: A segunda constatação é a de que as grandes plataformas se empenham em
criar frameworks ou estruturas de maneira mais amigável possível, para que qualquer
Criar um status legal específico para robôs no longo prazo, de modo que pelo pequena ou média empresa possa utilizar os serviços de I.A., sem ter que desenvolver
menos os robôs autônomos mais sofisticados possam ser estabelecidos como nenhum código ou algoritmo. O indispensável será apenas entregar os dados de seu
tendo o status de pessoa eletrônica responsável por remediar qualquer dano negócio e dos seus clientes às plataformas. ““Há uma corrida armamentista entre
que possam causar e, possivelmente, aplicando personalidade eletrônica provedores de nuvem pública para criar os melhores recursos de aprendizado de
aos casos em que os robôs tomam decisões autônomas ou interagem com
terceiros de modo independente. (PROPOSTA de Resolução do Parlamento
máquina para empresas”” (SPECIAL Report, 2016, p. 23).
Europeu, 2017).
Um dos mais destacados exemplos vem da Amazon Machine Learning (AML), que
propicia às empresas um acesso fácil e altamente escalável para interpretar dados.
A ideia principal da criação de um status jurídico para algoritmos, sistemas e Integrada à Amazon Web Services (AWS), a AML oferece interfaces visuais e análises
robôs baseados na imprevisibilidade e impossibilidade de prever todas suas operações de fácil acesso para tornar o aprendizado de máquina acessível aos desenvolvedores
é a desresponsabilização das corporações que o desenvolvem. Dezenas de cientistas, sem experiência em Ciência de Dados. Segundo a Amazon, a plataforma pode ““gerar
filósofos e intelectuais assinaram a Open Letter To The European Commission Artificial bilhões de previsões diariamente, em tempo real e com alto rendimento”” (SPECIAL
Intelligence And Robotics, em que se opõem frontalmente à criação dessa figura por Report, 2016, p. 12).
distorcer e superdimensionar as reais capacidades da I.A., pelo grave equívoco ético A Microsoft também aposta fortemente em popularizar a I.A. a partir doscom
de transformar máquinas em humanos e por despreparar a sociedade para os desafios base nos serviços de aprendizado de máquina baseados na sua plataforma de nuvem
tecnológicos. Azure. Para a corporação, a Azure é o pilar central da reinvenção contínua da Microsoft
Em sentido oposto, o projeto XAI busca criar um conjunto de técnicas de aprendizado como uma empresa em nuvem. “A Microsoft entende que, no futuro, os aplicativos terão
de máquina para gerar modelos explicáveis que não reduzam o nível de desempenho inteligência e, assim, eles precisam ser capazes de agir estrategicamente. Este não é
do aprendizado profundo das redes neurais. O propósito é desenvolver metodologias um investimento casual, é um investimento pesado” (SPECIAL Report, 2016, p. 22).”
de desenvolvimento que terão a capacidade de esclarecer o seu raciocínio, mostrar seus A adesão da sociedade ao Machine Learning é facilitada a tal ponto que os
pontos fortes e fracos. O programa tem como produto final uma série de bibliotecas e consultores discursam que as organizações que não querem ou não sabem treinar
módulos que poderão ser usados para desenvolver futuros sistemas de I.A. explicáveis. seus próprios modelos de aprendizado de máquina podem usar o Azure Cognitive
Services. Assim, a Microsoft oferece um conjunto de serviços, via web, sob demanda
140 141
para o processamento de fala, visão, linguagem natural e conhecimento que podem trabalho mental, assim como a revolução industrial nos livrou de muito
ser incorporados em aplicativos e bots. A ideia da Microsoft e demais plataformas é a esforço físico’. (SPECIAL Report, 2016, p. 29).
de que as pessoas não devem perder tempo e dinheiro desenvolvendo sua inteligência.
A inteligência passa a ser o serviço da plataforma, só será necessário contratá-los e As práticas discursivas do aliviar e do aprimorar o trabalho mental cada vez
entregar os dados de seu negócio. Essa operação promete ser mais econômica. mais apontam para a transferência de determinadas atividades da inteligência para
O Grupo Alphabet, holding do Google, possui um portfólio de aprendizado de as corporações. Há uma noopolítica em curso, uma tecnopolítica de controle de
máquina que inclui uma variedade de serviços e ferramentas em nuvem. Em 2015, determinadas atividades do cérebro. Maurizio Lazzarato escreveu que a noopolítica
o Google decidiu acelerar a expansão de seus serviços de I.A. e abriu sua própria se exerce “em primeiro lugar sobre a atenção, para controlar a memória e sua potência
biblioteca de aprendizado de máquina chamada TensorFlow. Com isso, o TensorFlow virtual. A modulação da memória será então a função mais importante da noopolítica”
se tornou o aprendizado de máquina mais popular no repositório de software GitHub, (LAZZARATO, 2006, p. 86). As poderosas plataformas operadas e gerenciadas pelos
com contribuições e melhorias vindas principalmente de fora do Google. O serviço de algoritmos de Machine Learning, das redes neurais e de I.A., nos modelos de negócios
nuvem do Google lançou um conjunto dedicado de interfaces de programação (APIs) neoliberais, servem também para justificar a entrega para as corporações de importantes
abertas aberto ao público, com base nos em modelos de aprendizado de máquina pré- funções do raciocínio, por serem mais velozes e bem menos onerosas do que nossos
treinados destinados a fornecer aos desenvolvedores o acesso a serviços cognitivos próprios esforços pessoais, locais ou nacionais. Os discursos propõem como verdade
de alta qualidade. O conjunto de interfaces inclui as APIs Translation, Cloud Vision, a necessidade de cada vivente prever e dominar o futuro. Isso só será acessível, no
Natural Language, Speech e Jobs. De um lado, elas facilitam o trabalho das empresas, tempo e nos custos exigidos, pelo uso da infraestrutura algorítmica das plataformas.
reduzindo custos de pesquisa e criação; de outro, concentram o conhecimento e o De certo modo, também nesse sentido, Byung-Chul Han acredita que a mineração
desenvolvimento na plataforma Google (SPECIAL Report, 2016, p. 24). de dados, uma das técnicas mais empregadas no universo do Big Data, torna visível os
A IBM também aposta na API aberta para atrair o trabalho de fora da empresa modelos de comportamento coletivo, e torna visível também as dinâmicas psicológicas
para a melhoria de sua plataforma, bem como, para aprimorar seus processos de a partir de suas com base nas expressões digitais. Por isso, Han defende que o biopoder
Inteligência Artificial que dependem de uma grande variedade e volume de dados. A IBM foi superado em eficiência por um psicopoder “que vigia, controla e influencia o ser
percebeu que não seria possível construir endogenamente a quantidade de aplicativos humano não de fora, mas sim a partir de dentro”. […] “A sociedade digital da vigilância,
necessários. Então, utilizam as APIs abertas “para atrair e nutrir um ecossistema maior que tem acesso ao inconsciente- coletivo, ao comportamento social futuro das massas,
de desenvolvedores que podem construir muitos aplicativos que a IBM não poderia desenvolve traços totalitários. Ela nos entrega à programação e ao controle psicopolíticos”
desenvolver ela própria” (SPECIAL Report, 2016, p. 26). (HAN, 2018, p. 134).
A terceira constatação é que a competição entre as plataformas e a luta pela As tecnologias de predição estão salvando vidas quando conseguem evitar doenças.
fidelização de grandes contingentes da população no uso de Machine Learning está Estão permitindo atuar de modo mais incisivo na segurança pública e na prevenção
reconfigurando as práticas cotidianas para um cenário de primazia das tecnologias de de fraudes, entre outros exemplos. Mas transformam probabilidades em verdades
predição11. Vivemos cada vez mais para saber o que ocorrerá no momento seguinte. absolutas. Praticamente buscam converter as incertezas em certezas, submeter o
O poder de análise foi se transformando em sinônimo de capacidade de predição. As imponderável ao calculável, o aleatório ao previsível. O futuro está sendo antecipado
verdades discursivas indicam que as empresas devem se digitalizar e se preparar e o presente vai perdendo sentido, exceto se for o tempo gasto para antever, pressentir,
para utilizar o Machine Learning diante da intensa concorrência. Ser apto a vencer a presumir o que virá. Mas, o uso da I.A. nessa direção não é originado em sua natureza
concorrência é o ethos do sistema econômico. técnica, mas pelas exigências do neoliberalismo, que quer transformar a sociedade
em um aglomerado de empresas em intensa competição.
Prevemos um futuro em que o aprendizado de máquina oferece benefícios em
muitos setores diferentes. O próximo passo é criar modelos de aprendizado
de máquina mais detalhados e personalizados para casos específicos de uso
do setor. Esperamos continuar a construir nosso portfólio e serviços para
todos… ... afirmou Rob Craft, líder de produto do Google Cloud para o Cloud
Machine Learning (SPECIAL Report, 2016, p. 26).
(…)
Andrew Ng, vice-presidente e cientista-chefe da Baidu está otimista sobre
o futuro da IA. ‘… “… Acho que a Inteligência Artificial nos alivia de muito

Essas habilidades preditivas dependem de complexos arranjos tecnocientíficos e são completamente assi-
11

métricas.
142 143
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150 151
O velho com cara de
novo: subordinação intelectual
do trabalho ao capital e o
capitalismo monopolista de
plataformas
JOSÉ PAULO GUEDES PINTO
152 153
O velho com cara de novo: subordinação intelectual
do trabalho ao capital e o capitalismo monopolista de
plataformas
José Paulo Guedes Pinto

Introdução

Hoje é cada vez mais comum namorar, trabalhar, locomover-se, entreter-se, marcar um
encontro com os amigos, informar-se, alimentar-se, alugar um imóvel e, até mesmo, chamar
o encanador utilizando aplicativos instalados em um smartphone conectado à internet. O
Brasil, mesmo sendo uma economia subdesenvolvida (segundo a ONU), de renda média
(segundo o Banco Mundial) e extremamente desigual, não é exceção à regra: 70% da sua
população esteve conectada à rede mundial, em 2018; destas, 97% utilizaram para tanto
um smartphone1.
A forma como nos socializamos cotidianamente – seja consumindo, seja trabalhando,
seja entretendo-nos – ainda que as nossas necessidades tenham continuado basicamente
as mesmas – mudou rapidamente. E isso vem se refletindo na economia mundial. Grandes
empresas da economia digital, que, no passado, eram tidas como apostas incertas (o que
foram mesmo depois do estouro da bolha financeira das chamadas empresas “ponto com”,
em 2000), aparecem agora em sete das dez primeiras colocações no ranking da Forbes.
Essas empresas estão ocupando agora os lugares que pertenciam à montadoras de
automóveis, fábricas de bens de consumo de massa, empresas de energia e bancos, grandes
multinacionais que emergiram em sua maioria após a Segunda Guerra Mundial.
Comparando as tabelas 1 e 2 a seguir, podemos notar que apenas a Microsoft era parte
desse grupo exclusivo no início do milênio. Como o valor total de ações de uma empresa
mede, em geral, a antecipação dos fluxos de lucros futuros, pode-se dizer que estas empresas
da economia digital estão indicando os caminhos futuros dos investimentos, ou seja, da
acumulação capitalista (DURAND, 2018).

Tabela 1: As maiores empresas do mundo segundo o valor de mercado (2000)

Valor de Mercado/
Rank Empresa Setor País Bilhões de dólares
1 Exxon Mobile Hidrocarburetos Estados Unidos 362,53
2 General Electric Conglomera Estados Unidos 348,45
3 Microsoft Tech/software Estados Unidos 279,02
4 Citigroup Fianças Estados Unidos 230,93
5 BP Hidrocarbonos Reino Unido 225,93
6 Royal Dutch Shell Hidrocarnos Holands 203,52

1
Desses cidadãos conectados, 48% adquiriram ou usaram algum tipo de serviço on-line, como aplicativos de
carros, serviços de streaming de filmes e música, ou pedido de comida (CETIC, 2019).
154 155
7 Procter & Gamble Saúde Estados Unidos 197,12 (escritórios e lojas). Assim, os principais ativos dessa companhia são, além dos seus produtos,
8 HSBC Group Finanças Estados Unidos 193,32
o “capital humano” – ou seja, o conjunto dos cérebros dos mais de cem mil empregados
que trabalham diretamente na empresa (Apple, 2019) –, um ativo muito valioso, uma vez
9 Pfizer Farmacêutica Estados Unidos 192,05
que parte importante do preço (valor) dos produtos da Apple é contrapartida do trabalho
10 Wal Mart Comércio Estados Unidos 188,86 intelectual dos funcionários que criam o design, desenvolvem novos produtos, softwares e
Fonte: Forbes apud Durand, 2018. sistemas operacionais, criam o marketing ou definem as informações técnicas das partes
que compõem seus produtos2 (GEREFFI, 2013, p. 21).
Tabela 2: As maiores empresas do mundo segundo o valor de mercado (2019) No entanto, apesar de representar a emergência do novo, a Apple ainda é uma grande
vendedora de mercadorias tangíveis (físicas), que agora terceiriza grande parte (ou a totalidade)
da sua atividade fabril. Independente da sua aura “cool”, veremos que a Apple precisa ser
Valor de Mercado/ uma empresa tão ou até mais despótica que, por exemplo, as antigas montadoras de veículos
Rank Empresa Setor País Bilhões de dólares
verticalizadas do século passado, já que ela precisa evitar a todo o custo a pirataria dos seus
1 Apple Tech/Hardware Estados Unidos 961,3
produtos mundo afora, além de gerenciar à mão de ferro um ecossistema fechado e quase
2 Microsoft Tech/Software Estados Unidos 946,5 todas as partes da cadeia de suprimentos dos seus produtos, do design à loja de varejo
3 Amazon Tech/Comércio Estados Unidos 916,1 (SATARIANO; BURROWS, 2011).
4 Alphabet Berkshire Tech/Mídia Estados Unidos 863,2 Neste capítulo, procuraremos argumentar3 que a emergência da nova e poderosa
5 Hathaway Finanças Estados Unidos 516,4 economia digital traz consigo uma necessidade cada vez maior de controle, dominação e
6 Facebook Tech/Mídia Estados Unidos 512 coerção social por parte de empresas e Estados. Isso porque as empresas, que produzem
informação e conhecimento científico e tecnológico, são criadas e crescem sob um capital
7 Alibaba Tech/Comércio China 480,8
de alto risco, que depende da venda de mercadorias sui generis, difícil e muitas vezes cara
8 Tencent Holdings Tech/Comércio China 472,1 para serem produzidas e que podem, ao mesmo tempo e facilmente, serem “roubadas” ou
9 JPMorgan Chase Finanças Estados Unidos 368,5 utilizadas de graça.
10 Johnson & Johnson Saúde Estados Unidos 366,2

Fonte: Forbes (2019). Elaboração própria com base em Durand (2018). Quanto vale a informação?

Segundo a economia política clássica (Smith, Ricardo e, de forma crítica, Marx),


Apesar de indicarem o futuro da acumulação de capital, este é um caminho nada tranquilo. as diferenças entre os preços das mercadorias produzidas em larga escala (milhares
Isso porque essas empresas, ao produzirem basicamente informação e conhecimento (como ou milhões de quantidades) podem ser explicadas pelo tempo de trabalho médio
designs, marcas, softwares, jogos, fórmulas químicas, propagandas, redes sociais, plataformas socialmente necessário para produzir a primeira delas e reproduzi-las.
de comércio etc.), estão sujeitas a todo momento, e mais do que nunca, à concorrência, à Assim, se uma cadeira anunciada na loja on-line tem, em média, um preço (R$
obsolescência ou até ao “roubo” de suas mercadorias. 300, por exemplo) cem vezes maior que uma lata de cerveja no supermercado (R$
Do comércio generalizado de produtos piratas (ou mesmo dos chamados legal fakes) às 3) é porque a sociedade gasta cem vezes mais tempo de trabalho social, em média
plataformas concorrentes de delivery, transporte ou comércio; da migração em massa para e em determinado momento do tempo, para produzir cadeiras que latas de cerveja.
redes sociais concorrentes (ou alternativas) à potencial utilização generalizada de softwares Da mesma forma, se o preço de um automóvel popular (R$ 30.000, por exemplo) na
livres, passando pela quebra de patentes de fármacos etc., essas empresas podem, em um concessionária tem um preço cem vezes maior que a cadeira do nosso exemplo, é
piscar de olhos, perder suas fontes de lucro e poder. porque a sociedade gasta em média cem vezes mais tempo de trabalho para produzir
Além disso, a comparação entre as duas tabelas anteriores, revela outra nuance importante automóveis que cadeiras e, seguindo a mesma lógica, dez mil vezes mais tempo para
do capitalismo avançado: o fato do capital físico (como as fábricas) estar perdendo importância produzir automóveis que latas de cerveja4. E, assim por diante, se nada mais mudar5,
em relação ao (vulgarmente) chamado “capital humano”. Embora ainda sejam extremamente essas diferenças tendem a se perpetuar.
necessários, os sistemas de máquinas e equipamentos estão se tornando cada vez menos
centrais em relação à própria atividade intelectual presente na cabeça dos trabalhadores, que
– ainda na condição de cidadãos “livres” – criam, desenvolvem e capturam as informações.
A Apple, líder da tabela 2, é um dos exemplos mais radicais dessa nova economia. A 2
Sem falar do trabalho financeiro, da organização e gestão da sua cadeia produtiva mundial e, inclusive, da
vitrine da empresa, longe de ser as várias fábricas chinesas (terceirizadas) cheias de operários melhoria dos meios de produção desses produtos.
3
A partir da tese sobre a desmedida do valor e a emergência da chamada pós-grande indústria desenvolvida
montando iPhones, iPads, iMacs, MacBooks ou Apple Watchs, é, de fato, seus headquarters
por Eleutério Prado de forma brilhante no longínquo ano de 2005.
156 157
Resumindo, o tempo socialmente necessário (Marx, 1983) para produzir e No entanto, não é possível definir um bem como “público” apenas a partir de seus
reproduzir uma mercadoria é a medida do seu valor, ou seja, é o que baliza os preços atributos intrínsecos; essa denominação depende, essencialmente, das instituições
nas lojas, nos sites de compras on-line, na feira, nos supermercados etc. que regulam sua produção e seu emprego, o que confere à definição de “bem público”
Essa regra, no entanto, não vale para todo tipo de mercadorias. Bens como um caráter não só econômico mas também político. Mesmo a defesa nacional, por
informação, conhecimento científico, conhecimento tecnológico etc. podem demandar exemplo (caso clássico de um bem de uso não exclusivo e, portanto, público), sob certas
até muito (ou pouco) tempo da sociedade para serem produzidos, porém, eles possuem circunstâncias, pode favorecer apenas um grupo determinado dentro do território de
características que os tornam diferentes, únicos, sui generis, no mundo das mercadorias. uma nação. Assim, quase todos os bens podem ser privatizados por meio de leis, ou
São elas: o custo de reprodução nulo, ou seja, o fato de que o conhecimento seja, por meio de decisões políticas, se a sociedade assim o desejar.
pode até custar muito para ser produzido, porém, pode ser infinitamente copiado Sendo assim, se sabemos que a informação e o conhecimento não são de graça,
de graça; o caráter não rival ou não excludente, que significa que o conhecimento o que baliza os preços desses tipos de bem? Como estabelecer seus valores?
pode ser utilizado por todas e todos ao mesmo tempo, sem que isso ameace o uso Pense, por exemplo, no caso de programas de computador, como os programas
do seu portador original; e a incerteza ou risco inerente a esse tipo de bem, já que é “vendidos” pela Microsoft (Office, Windows, Jogos eletrônicos etc.). Esses programas de
impossível avaliar o valor de um conhecimento/informação antes de conhecê-lo, ou uso muito geral podem ser copiados e espalhados na sociedade a um custo praticamente
seja, qualquer comprador pode destruir seu monopólio, por exemplo, ouvindo sua nulo. Por isso, a empresa não os trata como mercadorias comuns, pois não pretende
ideia (para uma propaganda, por exemplo) antes de comprá-la. vendê-los no mercado, ou seja, repassar para outrem a propriedade privada da mercadoria.
Por conta dessas características, economistas como Arrow (1959) e Nelson Se o faz, a Microsoft tem imediatamente uma perda de capital.
(1952) argumentaram em seus artigos pioneiros sobre inovação e pesquisa básica Porém, o preço dessa mercadoria virtual não é expressão imaginária, já que há
que a melhor solução em termos do bem-estar econômico era manter esses tipos de trabalho objetivado em sua produção; entretanto, a relação entre valor e preço é de
bens como públicos7, com acesso gratuito. Além disso, afirmaram, já na década de certo modo arbitrária, não só em virtude do fato de que o bem é único mas também
1950, que eventuais barreiras ao acesso desse tipo de bem, impostas, por exemplo, porque, na produção dessa mercadoria virtual, há desmedida do valor (Prado, 2005)..
por direitos de propriedade intelectual, poderiam provocar uma subutilização destes, Assim, a empresa possuidora do programa não irá vendê-lo como mercadoria.
fazendo com que a sociedade “se reproduzisse em um nível econômico ‘não ótimo’” Mas poderá alugá-lo para todas as pessoas ou empresas interessadas, já que, nessa
(ARROW, 1959, p. 617). modalidade de transação, ela poderá manter para si a propriedade do valor (do capital)
objetivado no programa, cobrando pelo acesso a esse objeto.
Todos os consumidores poderão, assim, dispor do seu valor de uso, mantendo uma
cópia numerada do programa em seus próprios computadores (ou tablets, smartphones)
4
Rigorosamente falando, você deve considerar o custo da produção do primeiro protótipo de cadeira e das pessoais, desde que paguem para tanto. Cada consumidor, seja ele apenas um usuário
demais cadeiras que serão vendidas em massa. O seja, para estipular o preço, você deve considerar o trabalho comum ou também um produtor, uma empresa, terá de contribuir com uma quota cuja
da designer, a construção da primeira cadeira, dos moldes e do processo industrial inicial. Caso você produza soma, ao final da vida útil do programa, represente o retorno do capital adiantado e
milhões de cadeiras iguais, esse custo inicial tende a diminuir a algo próximo de zero por unidade, ao longo do mais-capital.
do tempo.
Esse tipo de produção capitalista só consegue ter êxito, portanto, se a empresa,
5
Por exemplo, se não houver aumento da produtividade do setor automobilístico. Já se houver alteração na
produtividade, ou seja, se com a mesma quantidade de tempo de trabalho se produzir mais ou menos auto- o Estado e outros pilares do sistema garantirem, por diversos meios – entre eles a
móveis, a relação entre os preços muda. ideologia na forma de marketing, mas também a coerção e a força –, que os consumidores
6
É como um atrator gravitacional, os preços podem variar de acordo com a propaganda, a escassez momen- paguem pelo acesso a algo que pode ser adquirido a custo nulo.
tânea do produto, entre outros diferenciais de mercado, mas, na média, eles giram em torno desse valor, Note que o exemplo vale para softwares proprietários, mas poderia se aplicar para
assim como a Terra gira em torno do Sol ou a Lua gira em torno da Terra. A relação entre preços e valores,
outros tipos de bens que no limite são conjuntos de informação: como as plataformas
no entanto, é instável. Marx resolveu essa questão dialeticamente, ou seja, pondo a contradição entre preço e
valor, ao afirmar que “a divergência entre preço e a grandeza do valor é (...) inerente à forma preço. Isso não é de cultura e entretenimento (como Netflix, Spotify), de trabalho (Uber etc.), as fórmulas
um defeito dessa forma, mas a torna, ao contrário, a forma adequada a um modo de produção em que a regra de medicamentos, as redes sociais (na verdade, o acesso às propagandas ou aos dados
somente pode impor-se como lei cega da média à falta de qualquer regra” (MARX, 1983, p. 92). pessoais produzidos por milhões de usuários nas redes) etc.
7
Na economia, um bem público, não exclusivo e não rival, é um tipo de bem que pode ser efetivamente Em suma, por terem essas características, os valores desses tipos de bem são
consumido simultaneamente por mais de uma pessoa. É diferente do bem comum, como os peixes selvagens
desmedidos, não se balizam pelo tempo de trabalho socialmente necessário para
no oceano, que não são exclusivos, mas são rivais até certo ponto, já que se muitos peixes forem pescados, os
estoques podem acabar. São exemplos de bens públicos: conhecimento, estatísticas oficiais, segurança nacional, produzi-los e reproduzi-los e dependem, portanto, do poder social das empresas em
idiomas comuns, sistemas de controle de inundações, faróis e iluminação pública. Bens públicos que estão impor pagamentos pelo acesso a esse tipo de bem. As empresas que vendem informação,
disponíveis em todos os lugares, às vezes, são chamados de bens públicos globais, como: a conscientização da conhecimentos científicos e tecnológicos etc. dependem necessariamente, portanto,
saúde de homens, mulheres e jovens, as questões ambientais, a história e a cultura locais (patrimônio cultural de verdadeiros monopólios do conhecimento (PAGANO, 2014).
da humanidade), as atrações turísticas e os entretenimentos populares, as bibliotecas e universidades.
158 159
Monopólios internacionais A emergência dessa “economia do conhecimento” trouxe, assim, a difusão mundial
da propriedade privada de recursos que hoje são essenciais para a reprodução da
Se dependem de monopólios para dar lucro, esses bens tendem inexoravelmente sociedade contemporânea, como os programas de computador, as fórmulas para a
a se concentrar no controle de poucas grandes corporações multinacionais, cujo poder fabricação de remédios, as tecnologias para a produção de sementes etc.
tende a ultrapassar o da grande maioria dos estados nacionais. Além disso, o surgimento das redes sociais fez emergir também um novo e poderoso
Como o berço dessa recente revolução tecnológica foram os Estados Unidos da canal de veiculação de propaganda para a venda de todo o tipo de mercadorias em
América, este vem sendo o Estado que lidera o processo mundial para o estabelecimento conjunto com o negócio baseado na apropriação privada dos nossos dados pessoais
de uma “segurança jurídica” mínima, que garanta o retorno dos investimentos realizados – como detalhes de cartões de crédito, preferências políticas, históricos médicos,
nas indústrias baseadas em informação e conhecimento. Essa ação culminou no papel históricos de compras, de navegação na internet – os quais são vendidos (por altos
central que o país desempenhou na aprovação do Acordo sobre os Aspectos da Propriedade valores) e utilizados para influenciar nosso comportamento (AMER; NOUJAIM, 2019;
Intelectual (o chamado TRIPS), que deram base à fundação da Organização Mundial DURAND, 2018; SADOWSKI, 2019; SOUZA et al., 2019).
do Comércio, em 1995. Esse acordo deve-se diretamente à pressão das empresas
norte-americanas baseadas em propriedade intelectual, em especial do setor de Empresas sem fábricas
entretenimento, tecnologia da informação e fármacos, sobre o governo norte-americano
para que ele, por meio do fortalecimento do sistema internacional de propriedade A tabela 2 e o gráfico 1 mostram, também, a consolidação de modelos limites de
intelectual, minimizasse a crise econômica vivida pelo país nos anos 1970 e 1980 por empreendimentos capitalistas que englobam desde empresas sem fábricas (Microsoft,
meio do incentivo à chamada “nova economia”. Alphabet – Google, Facebook) até empresas com fábricas que concentram, porém,
Por enquanto, do ponto de vista internacional, essa estratégia liderada pela atividades tipicamente pós-industriais (Apple, Amazon, Alibaba, Tencent Holdings,
hegemonia norte-americana foi bastante benéfica para os chamados países desenvolvidos. Johnson & Johnson etc.).
O gráfico 1, a seguir, mostra os fluxos financeiros registrados como “cobranças pelo As empresas sem fábricas levam à cabo apenas atividades financeiras e atividades
uso de propriedade intelectual” na balança de pagamentos de dois conjuntos de países de pesquisa e de criação de bens culturais, científicos e tecnológicos. São empresas
agrupados de acordo com o nível de desenvolvimento (segundo as Nações Unidas). A que dependem direta ou indiretamente da restrição à propriedade monopolista do
soma dos fluxos líquidos mostra que os superávits dessa conta sempre foram para o conhecimento criado socialmente. Ainda que nessas empresas haja processo de trabalho
conjunto dos países desenvolvidos, com seu pico em 2007 (US$ 71,05 bilhões) enquanto (assalariado) e produção de bens socialmente úteis, os ativos desse tipo de empresa
os países em desenvolvimento seguem contabilizando conjuntamente importantes são principalmente dinheiro, títulos públicos e privados, ações, dados privados, assim
déficits nessa conta, sendo o pior ano 2016 (US$ 66,4 bilhões), o último observado como direitos de propriedade intelectual (patentes, direitos autorais etc.).
por nós na série. Rigorosamente, esse tipo de empresa não produz e não vende diretamente
mercadorias de modo ordinário: ela comercializa o direito de acesso às suas patentes,
Gráfico 1: Soma dos fluxos líquidos (exportações menos importações) da conta “cobranças direitos autorais, marcas, softwares, projetos e processos de produtos, dados pessoais,
pelo uso de propriedade intelectual” do balanço de pagamento dos países desenvolvidos espaço para propaganda em suas plataformas, bens e serviços cujos preços não têm
(developed) e em desenvolvimento (developing) classificados de acordo com o nível necessariamente relação com os custos de produção e reprodução dessas “mercadorias”.
de desenvolvimento da ONU (1980-2018 medidos em milhões de dólares de 2016) Pode-se dizer que são empresas rentistas, que recebem seus lucros a partir dos
seus monopólios. Ainda que nessa espécie de empresa tenha trabalho e, portanto,
60000
geração de novos valores (e de mais-valia, ou lucros), estes valores são desmedidos
40000 enquanto tais. São empresas que buscam captar rendas, ou seja, firmas “rent seeker”.
20000 (PRADO, 2005, p. 109).
0 Note, empresas líderes como o Google (Alphabet) podem ter um enorme e
desmedido lucro porque a quantidade de anúncios (e de dados pessoais vendidos
1980
1981
1982
1982
1983
1984
1985
1986
1987
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2000
2001
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2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018

-20000
para influenciar comportamentos) que essa empresa vende não tem relação direta
-40000 com os custos da empresa (salários, por exemplo) para criar e manter suas plataformas
-60000 digitais (como o Google Search, o Gmail, o YouTube etc.) on-line, por meio das quais
-80000 os usuários navegam, se comunicam e criam conteúdo.
Empresas como a Uber auferem seus lucros ou prejuízos independente dos
Trips Developed (net) Developing (net)
custos de criação e manutenção da sua plataforma, custos que não variam diretamente
Fonte: FMI; ONU; UNCTAD. Elaboração própria. com a quantidade de “serviços de transporte” vendidas pelos seus “colaboradores”
160 161
precarizados por meio do aplicativo. O lucro ou prejuízo do Facebook é alto ou pequeno, públicas e gratuitas, como a educação, a arte, a cultura e outras esferas relacionadas
independente do custo de produção, manutenção e aprimoramento da sua rede social. ao próprio indivíduo social, como as esferas afetivas, comunitárias (como a religião
Por outro lado, essas empresas, e outras, como Microsoft, Netflix, Spotify, Oracle, e a política) e até nosso sono (CRARY, 2014)
podem ser reduzidas a pó do dia para a noite se todos os usuários, em vez de pagarem
pelo acesso, resolverem “piratear” os softwares (filmes, músicas etc.) ou “usar de graça” Quem ganha com a privatização da informação e do conhecimento?
as plataformas contando com a anuência de legislações e governos (um cenário pouco
provável, mas bastante possível). Do ponto de vista das classes sociais, quem se beneficia desse admirável mundo
Ademais, mesmo as empresas que ainda têm por objetivo produzir e/ou vender novo são, rigorosamente, os proprietários do capital e os altos gerentes (estes últimos
mercadorias tangíveis (Apple, Amazon, Alibaba, Tencent Holdings, Johnson & Johnson ganham salários astronômicos, mas ainda assim são funcionários do capital): o chamado
etc.) tendem a manter internamente todas as atividades típicas pós-industriais, 1%. A grande maioria dos trabalhadores dessas empresas são, em geral, razoavelmente
procurando terceirizar para empresas com menor poder de barganha (situadas na bem remunerados, mas têm de encarar uma realidade extremamente competitiva no
China, por exemplo) todas as operações tipicamente industriais, as quais dão um mercado de força de trabalho. Como trabalham com a cabeça, eles devem cooperar
retorno menor ao capital investido. Assim, o montante de lucro que conseguem obter intelectualmente, mas estão obrigados permanentemente a participar de uma paradoxal
depende amplamente do poder de monopólio que detêm. Poder que está associado corrida de ratos competitiva, porém cooperativa.
também à propriedade intelectual, à propriedade dos dados dos usuários, enfim, a
monopólios informacionais. Ainda que possuam uma ampla competência técnica e científica e que tenham
de assumir grandes responsabilidades na manutenção das atividades da
Em consequência, essa espécie de empreendimento não segue mais a empresa, não são de modo algum insubstituíveis, já que detêm um conhecimento
lógica da eficiência competitiva da grande indústria que consiste em buscar padrão que pode ser adquirido hoje por um grande número de pessoas
obter lucros e superlucros produzindo uma dada quantidade de produto na sociedade. Assim, a própria pós-grande indústria não lhes garante um
minimizando o tempo de trabalho, o período de rotação do capital fixo e os emprego estável, mas, ao contrário, mantém-nos sob risco permanente,
custos das matérias primas. A lógica desse tipo de empresa se manifesta classificando-os no plano ideológico como detentores de “capital humano”
no fato de que ela organiza todas as suas atividades em função de uma e de “donos do próprio futuro” que têm de se aperfeiçoar incessantemente
explícita “agregação de valor”, ou seja, da contribuição possível que ações (PRADO, 2005).
qualitativamente diferenciadas levadas a efeito em seu âmbito engendram
na produção, no trato com os clientes e fornecedores, na imagem da empresa O capitalismo chega agora em uma situação limite, pois os capitalistas (como classe
junto aos consumidores, as quais supostamente contribuem para uma melhor e indivíduos) continuam proprietários dos meios de produção em geral e, portanto, das
rentabilidade do capital investido (PRADO, 2005, p. 110-111). condições do trabalho, mesmo quando estas se encontram na cabeça dos trabalhadores.
Assim, a dominação do capital, longe de se abrandar, tem de se tornar intransigente
Tanto empresas sem, quanto empresas com fábricas, vão seguir, portanto, uma e totalizadora, estendendo-se não apenas sobre o tempo de trabalho mas também
lógica de captação de renda, típica dos monopólios de outrora, porém, agora, tendo para além desse tempo, avançando para a vida social do trabalhador como um todo.
como atividade fim a criação de bens não rivais cujo o custo de reprodução tende a zero. Como é difícil dominar a complexidade das interações do corpo de funcionários,
Além disso, esses dois tipos de empresas mostram de forma clara que a força assim como suas relações com o ambiente econômico e social externo – pois os
produtiva decisiva é cada vez mais atributo da atividade humana coletiva e social. As trabalhadores (sendo ainda livres) podem, a todo o momento, levar sua cabeça (o
máquinas continuam existindo, mas, na medida que a robotização e a automação (e a seu “capital humano”) para outra empresa, ou mesmo abrir seus próprios negócios –
inteligência artificial) avançam, elas se tornam cada vez mais instrumentos de atuação a exploração intensificada do trabalho vai exigir que os trabalhadores pertencentes
desse saber científico e tecnológico coletivo. A humanidade, tal como foi previsto por aos seus exércitos cooperem ou até sejam devotos do trabalho.
Marx na sua obra máxima, passa a criar (pelo menos potencialmente) uma enorme
quantidade de riqueza efetiva com relativamente pouco tempo de trabalho humano vivo. O paradoxo é notório: mesmo se o tempo de trabalho enquanto tal deixou
Como a informação e o conhecimento podem existir quase que naturalmente de de ser crucial para o aumento da produtividade ou da geração de riqueza
forma livre e acessível, ou seja, de forma desmercantilizada, isso se torna um grande efetiva, cresce a jornada de trabalho para que os trabalhadores possam, assim,
risco para a reprodução dessa forma de capital (que depende desses ativos); assim, o se dedicar de corpo e alma à empresa, “agregando valor”, ou mesmo porque
agora eles são obrigados a sinalizar para a gerência a própria fidelidade aos
resultado da evolução dessa economia informacional vem se tornando uma enorme propósitos da empresa. Por outro lado, com a finalidade de subsumir ao
ampliação do domínio do capital, que vai ultrapassar todas as barreiras tradicionais e máximo os trabalhadores aos procedimentos e às estratégias da empresa,
avançar sobre toda a vida social, transformando tudo o que conseguir em mercadoria. cria-se um ambiente interno em que o trabalho se configura como “uma
Assim, além da ciência e da tecnologia, a lógica da valorização capitalista vai nova ideologia, uma nova religião” (WARDE, 2002).
subordinar esferas que outrora (pelo menos no período do pós-Segunda Guerra) foram Desse modo, a empresa “pós-moderna” – comunicativa! – submete à máxima

162 163
tensão e à exaustão psicológica os seus empregados, de tal maneira que qualificação e onde as relações de emprego costumam ser informais e precárias, muitas
doenças como o vício de trabalhar, o cansaço crônico e a depressão tornam- delas, inclusive, sendo mediadas pelas plataformas10.
se cada vez mais difundidas nos ambientes de trabalhos em que aí se criam
A riqueza obscena ostentada pelo CEO da Amazon, Jeff Bezos (avaliada, em setembro
(PRADO, 2005, p. 114).
de 2019, em US$ 114,4 bilhões) se liga, assim, umbilicalmente com os irrisórios salários
dos seus trabalhadores, que recebem, em média, US$ 11 dólares por hora – sem falar
das péssimas, cansativas e deprimentes condições de trabalho que eles enfrentam:
Segundo o último relatório da Organização Internacional do Trabalho, intitulado
como falta de ar-condicionado, interrupções cronometradas no banheiro, vigilância
“Condições de trabalho em perspectiva global”, cerca de 89% de todos os trabalhadores
constante por vídeo etc. (LIEBER, 2018). Essas condições não são tão diferentes em
considerados na pesquisa relatam pelo menos um tipo de condição adversa de saúde
outras empresas que utilizam as plataformas para explorar a força de trabalho, como
mental durante o trabalho (OIT, 2019, p. 151).
a Uber, a iFood, a Rappi, a Amazon (e seu Mechanical Turk) etc.
Os paradoxos vão tornando o capitalismo cada vez mais esquizofrênico com as
Ainda que o trabalho industrial tenha se deslocado para empresas dependentes,
empresas propagandeando a imagem de serem participativas, cooperativas, éticas, mas
geralmente situadas em países do terceiro mundo, por conta da crescente mecanização,
sendo, no fundo, empresas cada vez mais centralizadoras, competitivas e irrestritas
automação e robotização das empresas fabris, cresce no mundo um contingente cada
na busca de lucro, não hesitando em submeter os trabalhadores aos seus propósitos,
vez mais expressivo da força de trabalho, que não pode mais ser aproveitado para a
durante as vinte e quatro horas do dia, de um modo totalizador.
valorização do capital nem mesmo nessas empresas.
Como núcleo da sociabilidade capitalista, a empresa é já uma instituição total.
As tendências previstas um século e meio atrás, quando Marx escreveu sua obra
Se a fábrica de outrora dominava e ainda domina o indivíduo integralmente durante o
máxima, se concretizam historicamente. Cresce a exclusão completa daquela parte da
tempo de trabalho, “a empresa da pós-grande indústria vem submeter o trabalhador
população que não está minimamente qualificada, o que culmina de modo dramático
de um modo total, envolvente, hipócrita ou mesmo cínico, inclusive fora do tempo de
em uma tendência concentradora de riqueza11 inerente ao processo de acumulação
trabalho” (PRADO, 2005, p. 114).
baseado na inteligência coletiva, na exploração rentista das formas subalternas de
O grande símbolo dessa lógica totalizadora são os smartphones. Verdadeiras panaceias
organização empresarial e na hegemonia do mundo da finança sobre o mundo da
da comunicação humana8, esses aparelhos se interpõem como intermediários de boa
produção.
parte da socialização humana, e se tornam, cada vez mais, ferramentas fundamentais
Além disso, à medida que a mecanização e a robotização penetram na produção
para a reprodução da vida moderna.
agrícola, o mundo se torna urbanizado, pois se reduz o contingente de força de trabalho
O smartphone se torna, assim como o dinheiro, um importante meio que promove
necessário nas áreas rurais. As cidades, especialmente as do terceiro mundo, tornam-
o metabolismo social9, porém agora em um mundo (de lucros e valores) desmedido
se, então, depósitos de população excedente para o capital, desenvolvendo-se aí “não
e desregrado. Se por um lado o smartphone é hoje uma ferramenta fundamental para
apenas uma cultura da insegurança, mas uma cultura da barbárie(mas também, talvez,
boa parte dos cidadãos (sejam eles consumidores e/ou trabalhadores informacionais,
da revolução”). (PRADO, 2005, p. 116).
sejam eles programadores de software, sejam eles solucionadores de problemas, sejam
Por fim, é importante lembrar que, desde a desregulamentação dos mercados
eles motoristas de Uber), ao mesmo tempo, ele vem se tornando uma ferramenta de
financeiros nos anos 1980, o capital nunca esteve tão livre: ele pode (como podia até
vigilância em massa e também de controle social e individual (BARROS et al., 2018).
o imediato pós-guerra) atravessar continentes e oceanos em frações de segundos
Se essa nova economia digital significa a intensificação absurda do trabalho para
(e ir embora). Os estados nacionais, assim como as forças políticas, como governos,
um conjunto de trabalhadores intelectuais, ela cria, ao mesmo tempo, uma situação de
parlamentos, sindicatos etc., prisioneiros de suas limitações territoriais e institucionais,
falta de trabalho para um grande número de outros trabalhadores não tão qualificados.
passam a enfrentar dilemas shakespearianos: continuar ou não aceitando as reformas
O capitalismo tem se tornado crescentemente incapaz de oferecer empregos estáveis
que desregulam e flexibilizam o mercado de trabalho, reduzem os benefícios do
e bem remunerados para muitos, talvez até mesmo para a grande maioria da força
sistema de seguro social, abrem os mercados de capitais para os fluxos de capital de
de trabalho mundial.
curto e longo prazo etc. Se a acumulação de capital entra em estagnação, aprofunda-
Apesar de os países mais ricos e desenvolvidos concentrarem as atividades mais
criativas, mesmo nesses países, desenvolve-se um conjunto de setores industriais,
comerciais e de serviços em que as ocupações exigem pouca ou quase nenhuma
10
Nos Estados Unidos, apesar da taxa de desemprego em 2019 estar em um patamar muito baixo (4%), os
salários reais estão estagnados desde 2008, e um contingente razoável possui trabalho considerado precário
8
Porque incorporam em um pequeno dispositivo grande parte dos aparelhos eletroeletrônicos de comuni- (14%), instável (10%), sendo esse setor precário o maior responsável pelo crescimento recente dos empregos
cação de outrora (computador pessoal, conexão com a internet, gravação de som, vídeo, microfone, telefone, (94%) (UETRICHT, 2019).
câmera de filmagem, edição de vídeo, ilhas de edição, efeitos). 11
Segundo o banco Credit Suisse (2018), em 2018, apenas 0,7% da população adulta mundial possuía uma
9
Marx (1983, p. 227) define metabolismo social como “o processo de troca que transfere mercadorias da mão riqueza acima de US$ 1 milhão. Essa elite, apesar de pequena, controla coletivamente 46% da riqueza do
em que elas são não valores de uso para a mão em que elas são valores de uso”. mundo, avaliada em aproximadamente US$ 128,7 trilhões.
164 165
se a degradação da sociedade; se a acumulação prossegue, cresce a desigualdade, a Referências
exploração, o desregramento do mundo (PRADO, 2005).
O capitalismo ainda é aquele, a busca incessante de lucro a qualquer custo está
AMER, Karim; NOUJAIM, Jehane. The Great Hack (Privacidade Hackeada). Disponível
nos precarizando, nos excluindo ou nos esgotando física e mentalmente. A sociedade
no Netflix Brasil, 2019.
está cansada, mas como as alternativas existentes dentro dos limites da propriedade
privada dos meios de produção não representam mais do que o aprofundamento
do caos social, impõe-se como necessidade um projeto alternativo de sociedade que Apple. Third Quarter Results, 2019. Disponível em: https://www.apple.com/
promova uma verdadeira desintoxicação pós-capitalista das esferas de produção e newsroom/2019/07/apple-reports-third-quarter-results/. Acesso em: 4 dez. 2022.
reprodução da vida no Planeta Terra, ou seja, que traga uma boa vida para o conjunto
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168 169
Automatização e
Desemprego: o uso de
Inteligência Artificial no
Sistema Nacional de Emprego
FERNANDA BRUNO (UFRJ)

PAULO FALTAY (UFRJ)

PAULA CARDOSO PEREIRA (UFRJ)


170 171
Automatização e Desemprego: o uso de Inteligência
Artificial no Sistema Nacional de Emprego
Fernanda Bruno (UFRJ)
Paulo Faltay (UFRJ)
Paula Cardoso Pereira (UFRJ)

Introdução

Neste texto apresentamos um estudo de caso sobre o processo de concepção e


implementação de ferramentas de Inteligência Artificial (IA) para intermediação de mão
de obra e perfilização automatizadas no Sistema Nacional de Emprego do Brasil (SINE). A
investigação foi realizada entre agosto e dezembro de 2020 e se baseou em: levantamento e
análise de materiais normativos e documentos oficiais direta ou indiretamente relacionados
ao projeto; revisão bibliográfica; navegação no portal Emprega Brasil para simulação da
jornada do usuário; pedidos de informação pública via Lei de Acesso à Informação; entrevistas
com 11 (onze) atores direta ou indiretamente envolvidos na concepção e implementação da
solução e/ou em temas relacionados à proteção de dados pessoais, mercado de trabalho e
defesa de direitos trabalhistas1.
A adoção de tais ferramentas tecnológicas no SINE ocorre no contexto de uma
reestruturação do órgão realizada pelo governo Bolsonaro que prevê, além do uso de IA
no portal de vagas Emprega Brasil2, o compartilhamento do banco de dados do SINE com
a iniciativa privada. A implementação das ferramentas de IA é viabilizada por meio de um
Acordo de Cooperação Técnica (ACT), firmado entre a Secretaria Especial de Produtividade,
Emprego e Competitividade (SEPEC) e a Microsoft e publicado no Diário Oficial da União em
12 de novembro de 2020.
O SINE é um órgão público fundado em 1975 e, atualmente, administrado pelo Ministério
do Trabalho e Previdência3. O órgão é responsável por coordenar três importantes políticas do
sistema público de emprego: a) a intermediação de mão de obra (encaminhar trabalhadores
para vagas adequadas e disponíveis no mercado laboral); b) a orientação para qualificação
profissional; c) a concessão de benefício de seguro-desemprego. Os três eixos do SINE englobam
um conjunto de políticas públicas que busca maior efetividade na colocação dos trabalhadores
na atividade produtiva, visando a inclusão social, via emprego, trabalho e renda, bem como
por meio da promoção de atividades autônomas e de pequenos empreendimentos individuais
ou coletivos (LOBO; ANZE, 2016).
Atualmente, o SINE é um dos maiores serviços públicos de emprego do mundo

1
A investigação é fruto da parceria entre o MediaLab, UFRJ, Rede Lavits e Derechos Digitales. A pesquisa
foi realizada no âmbito do estudo comparado “Inteligencia Artificial e inclusión en América Latina: estudios
de caso y análisis comparado”, que analisou quatro casos de adoção de sistemas de decisão automatizados
(Automated Decision-Making ou ADM, em inglês) pelo setor público em quatro países latino-americanos,
com ênfase nos impactos para os direitos humanos. O resultado completo da pesquisa pode ser acessado em:
https://ia.derechosdigitales.org/. Acesso em: 2 fev.2023.
2
https://empregabrasil.mte.gov.br/
3
Durante o governo Bolsonaro, o SINE esteve sob a competência do Ministério da Economia até 2021, quando
foi recriada a pasta do Ministério do Trabalho e o sistema foi realocado.
172 173
(MARRA; OLIVEIRA; MARTINS, 2019). O sistema atende, por ano, aproximadamente 15 b) A implementação de ferramentas de Inteligência Artificial no Portal Emprega Brasil
milhões de trabalhadores e um milhão e meio de empregadores, nos 1.600 postos físicos de para job matching e perfilização, que foram focaram o estudo de caso e são o escopo deste
atendimento e pelo Portal Emprega Brasil. Com uma base única de dados para toda a rede texto.
de atendimento4, composta de aproximadamente 65 milhões de cadastros de trabalhadores, Esse segundo item foi viabilizado pela parceria entre o governo federal e a Microsoft,
o portal disponibiliza diversos serviços sem a necessidade de comparecer presencialmente anunciada publicamente com o lançamento do projeto Microsoft Mais Brasil, em outubro
a um posto de atendimento. de 20207. O projeto envolve o uso de ferramentas de Inteligência Artificial fornecidas pela
Dois objetivos principais são valorizados entre as atribuições do SINE desde o seu Microsoft para o Governo para os setores de emprego e de sustentabilidade. A oferta da
início: o serviço de intermediação de mão de obra (IMO) e a produção de informações sobre Microsoft para o setor de emprego, além do uso de IA para a intermediação de mão de
o mercado de trabalho (MATOS, 2011; ROSSETTO, 2019). Oferecido de maneira gratuita pelo obra e perfilização dos trabalhadores, envolve também qualificação profissional por meio
sistema, o serviço de IMO realiza a mediação entre oferta e demanda de trabalho e consiste da Escola do Trabalhador 4.0, que ofertará cursos nas áreas de tecnologia e produtividade
na correspondência (match) dos perfis de trabalhadores cadastrados no sistema com as disponibilizados pela empresa8. A implementação do projeto por parte do Governo é liderada
categorias e requisitos das vagas de emprego oferecidas pelas empresas no SINE. Com base pela Coordenação Geral de Projetos Especiais da Secretaria de Políticas Públicas para o
na correspondência dessas variáveis, o sistema encaminha as pessoas para entrevistas de Emprego (SPPE).
emprego e, por fim, registra o resultado do direcionamento. Os principais documentos que detalham como se dará a implementação de ferramentas
Sobre a produção de dados e informações, ao cadastrar uma pessoa, seja nos postos de IA no Novo SINE, fontes privilegiadas de consulta para a pesquisa a qual originou este
físicos, seja nos serviços digitais, o sistema coleta uma grande quantidade de dados pessoais texto, são o Acordo de Cooperação Técnica (ACT) nº 110/2020 e o Plano de Trabalho que
e do perfil profissional de quem deseja um novo emprego. Por sua vez, ao oferecer vagas integra o dito acordo.
disponíveis, as empresas fornecem um conjunto de informações sobre postos de trabalho O referido ACT foi constituído a partir do Edital de Chamamento Público nº 5/20209
que estão sendo criados e ofertados no mundo do trabalho. Há, por fim, dados referentes aos que tinha como objetivo
programas de seguro-desemprego, de capacitação e qualificação profissional e de microcrédito
produtivo (MORETTO, 2018). Atualmente, a base de dados do SINE é gerida pela Dataprev5. […] selecionar pessoa(s) jurídica(s) de direito privado, com ou sem fins lucrativos,
Em 2019, houve um processo de reestruturação do Sistema Nacional de Emprego, visando interessada(s) em propor e realizar ações de apoio à SEPEC para enfrentamento dos
impactos negativos causados no setor produtivo brasileiro em razão da pandemia
a criação do chamado Novo SINE, parte de uma ampla Estratégia Brasileira para Transformação do covid-19, sem o desembolso ou a transferência de recursos públicos financeiros
Digital, aprovada em 2018. Anunciada em 27 de fevereiro de 2019, a mudança não é apenas ou patrimoniais. (grifos nossos)
cosmética. No texto “O Novo Sine: mudanças do modelo brasileiro de intermediação de mão
de obra” (BARBOSA FILHO; FERREIRA; ARAÚJO, 2020), destaca-se que o sistema passará Dentre as justificativas que embasam a adoção da solução, destaca-se ainda a ênfase
por “mudanças estruturais a fim de incorporar práticas e mecanismos de IMO alinhados dada aos custos do SINE, relatando o valor de aproximadamente R$ 150 milhões por ano aos
aos adotados nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico cofres públicos10. Além disso, menciona-se a defasagem tecnológica da plataforma, a baixa
(OCDE)”. A implementação de ferramentas de IA, o uso e a importância de dados digitais com integração com políticas públicas do trabalho e o baixo índice de alocações realizadas por
informações do mercado de trabalho e a parceria com a iniciativa privada são elementos intermédio do SINE.
centrais do Novo Sine. As informações públicas mais recentes sobre o andamento da adoção das ferramentas
automatizadas e do ACT são de abril de 2021 e foram publicadas pela assessoria de comunicação
Nesse processo de reestruturação, identificamos duas mudanças relevantes: da Microsoft11. O post relata que, a partir daquele mês, as ferramentas de IA começaram a

a) A criação do chamado SINE Aberto6, uma plataforma que compartilha a base de


dados dos trabalhadores cadastrados no SINE com empresas privadas do segmento de 7
Na divulgação, também se menciona a empresa de solução em tecnologia da informação Bizapp, que repre-
intermediação de mão de obra; senta a Microsoft Dynamics 365 (Plataforma CRM) como líder na atualização do Portal do SINE.
8
A Escola do Trabalhador é um programa criado em 2017 pelo Ministério do Trabalho em parceria com a
Universidade de Brasília. Quando anunciado o projeto Microsoft Mais Brasil, afirmou-se que a Escola do
Trabalhador 4.0 atenderia até 5,5 milhões de candidatos a emprego até 2023 e disponibilizaria 58 instrutores
4
https://dados.gov.br/dataset/postos-do-sistema-nacional-de-emprego-sine. para oferecer orientação personalizada para até 315 mil pessoas. Com a parceria, a iniciativa passou a integrar
5
Criada por meio da Lei 6.125, de 4 de novembro de 1974, que a instituiu com personalidade jurídica de o programa Caminho Digital e tem como foco a “capacitação em habilidades digitais e inserção profissional
direito privado, patrimônio próprio e autonomia administrativa e financeira, a Empresa de Tecnologia e voltados para a Economia 4.0”, ofertando cursos, em sua imensa maioria, relacionados ao uso de softwares e
Informações da Previdência (Dataprev) é uma empresa pública vinculada ao Ministério da Economia. A tecnologias da própria Microsoft. Mais informações em: https://escoladotrabalhador40.org.br/.
Dataprev é a responsável pela gestão da Base de Dados Sociais Brasileira e fornece serviços de Tecnologia da 9
Publicado pela SEPEC no Diário Oficial da União do dia 1º de julho de 2020.
Informação e Comunicação para a execução de políticas sociais do Estado brasileiro. 10
Sendo R$ 25 milhões para o Governo Federal e R$ 125 milhões para os Estados e Municípios.
6
http://sineaberto.economia.gov.br/#/ 11
https://news.microsoft.com/pt-br/features/ministerio-da-economia-moderniza-o-sine/
174 175
ser implementadas também nos postos físicos do SINE e seriam direcionadas ao uso dos automatizadas pelo Pôle Emploi15, da França, e pelo VDAB16, de Flandres/Bélgica. Na Ásia,
atendentes que poderiam, segundo o texto, “oferecer um atendimento individualizado focado é muito discutido o projeto The Work17, do Korea Employment Information Service (KEIS),
nas dificuldades individuais de empregabilidade daqueles que buscam uma (re)colocação da Coreia do Sul. Já no contexto da América Latina, anterior à iniciativa que relatamos no
profissional, além de prover informações de Inteligência de negócio aos gestores regionais e Brasil, foi lançado no Paraguai, em 2017, o ParaEmpleo18, uma plataforma de job matching
nacionais do sistema SINE”. A adoção da ferramenta na rede física se dará de maneira gradual, e perfilização automatizados.
iniciando pelos estados do Paraná, Minas Gerais, Ceará e Bahia, informa ainda o texto. É importante destacar que relatórios de entidades como o Banco Interamericano de
Esse texto, entretanto, concerne ao período da nossa investigação, ou seja, entre agosto Desenvolvimento (BID) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
e dezembro de 2020, como dito anteriormente. Para tanto, inicialmente apresentaremos um (OCDE) não são peças desinteressadas nesse cenário. A introdução de ferramentas de IA no
breve levantamento do uso de ferramentas de Inteligência Artificial para intermediação de mão setor público de emprego é amplamente defendida por essas organizações, que ressaltam a
de obra no mundo, com ênfase no contexto público, pontuando alguns efeitos potencialmente otimização do tempo – para o sistema e para os usuários –, maior precisão na recomendação
nocivos já identificados na adoção de tais tecnologias. Na sequência, detalhamos o design do de vagas e maior eficácia no número de contratações. O otimismo desse receituário, entretanto,
sistema implementado, descrevendo o funcionamento das duas ferramentas algorítmicas contrasta com as poucas evidências para respaldar as afirmações feitas pelas Big Techs e pelos
utilizadas. Em seguida, faremos uma análise dos mecanismos de accountability previstos no desenvolvedores sobre os benefícios de suas ferramentas de IA. Muitas das suposições nas
projeto, enfatizando suas fragilidades e a urgência da construção de um marco regulatório para quais tais afirmações se baseiam permanecem não testadas e não escrutinadas, tornando-se
IA voltada para o interesse público. No tópico seguinte, apontamos alguns riscos e impactos mais estratégias de publicidade e de vendas de produtos do que diagnósticos.
potenciais da implementação de ferramentas de IA no SINE identificados durante nossa A esse cenário de incerteza somam-se os potenciais riscos de discriminações a grupos
pesquisa, momento em que o projeto ainda estava em fase de execução. Por fim, elaboramos populacionais já vulnerabilizados. Um dos casos rumorosos de preconceito aconteceu com
sugestões e pontos de atenção para o debate sobre o uso de IA em políticas públicas e tecemos a ferramenta interna de contratação da Amazon que, por ter sido treinada para reconhecer
algumas reflexões de caráter mais especulativo, visando ao debate e à ação coletiva sobre o padrões de currículos enviados para a empresa nos anos anteriores, em sua imensa maioria de
uso de Inteligência Artificial no setor público, especialmente na América Latina. homens, considerava as candidatas mulheres automaticamente menos aptas para as vagas19.
Já no caso do sistema de emprego da Polônia, ele também se tornou paradigmático pelos
IA e a intermediação de mão de obra pelo mundo

Nos últimos anos, vem se espraiando a implementação e utilização de Inteligência


Artificial na intermediação de emprego, recrutamento e contratação de profissionais tanto no K.. Profiling The Unemployed In Poland: Social And Political Implications Of Algorithmic Decision Making.
setor público quanto no setor privado. Na iniciativa privada, pesquisa realizada em fevereiro Fundacja Panoptykon. 2015. Disponível em:
de 2022 pela Society for Human Resource Management12 apontou que 25% das organizações https://panoptykon.org/sites/default/files/leadimage-biblioteka/panoptykon_profiling_report_final.pdf. Acesso
e entidades filiadas à instituição faziam uso de alguma ferramenta de IA em seus processos. em: 29 nov. 2022.
15
https://www.pole-emploi.fr/accueil/. Para um detalhamento maior dos serviços automatizados do órgão,
Já no setor público, há uma lacuna de pesquisas e informações consolidadas sobre o
ver o artigo de seu diretor de inovação aqui:
número exato de serviços públicos, em diferentes escalas de administração, que utilizam ou https://www.annales.org/enjeux-numeriques/DG/2018/DG-2018-01/Enj18a8_Chapuis.pdf. Acesso em: 28
estão implementando ferramentas de IA na intermediação de mão de obra ao redor do mundo. nov.2022.
Relatórios de organizações internacionais, como o BID (URQUIDI; ORTEGA, 2020) e a OCDE 16
O serviço público belga fundou um laboratório de inovação em 2014 que é responsável por desenvolver
(DESIERE; LANGENBUCHER; STRUYVEN, 2019) e pesquisas de entidades da sociedade civil novas aplicações digitais e elaborar análises a partir dos dados gerados pelo serviço. Usando um modelo de
aprendizado de máquina com centenas de variáveis, o laboratório desenvolveu um modelo de perfil estatístico,
e da academia13, no entanto, nos trazem alguns exemplos e pistas do estágio de utilização da
chamado Próximos Passos, que estima a probabilidade de uma pessoa ficar desempregada por um período
IA no setor público de emprego. maior que seis meses. Veja mais em: https://www.vdab.be. Acesso em: 28 nov.2022.
Na Europa, destaca-se o projeto de 2014 de perfilamento automatizado pelo Publiczne 17
O serviço consiste em oferecer seis recomendações personalizadas de informações relacionadas a empregos
Służby Zatrudnienia (PSZ)14, serviço público de emprego da Polônia, e a introdução de ferramentas para os usuários registrados no órgão. As recomendações de vagas são realizadas por meio de ferramentas
de IA que analisam o currículo da pessoa registrada, a experiência anterior dela, financiamentos ou bolsas já
recebidas e as próprias áreas de interesse dela. Veja mais em: https://www.keis.or.kr. Acesso em: 20 out.2022.
12
hhttps://www.shrm.org/about-shrm/press-room/press-releases/pages/fresh-shrm-research-explores-use-
18
Fruto de uma parceria do governo paraguaio com o BID, a plataforma digital faz o pareamento das “com-
-of-automation-and-ai-in-hr.aspx petências” dos usuários com as ofertas de vagas, apresentando uma porcentagem aproximada de match,
13
Neste sentido, ver: ALGORITHM WATCH (2020). Automating Society Report 2020. Disponível em: https:// levando em conta também a proximidade do emprego da residência do usuário. Na página do projeto no site
automatingsociety.algorithmwatch.org/wp-content/uploads/2020/10/Automating-Society-Report-2020.pdf. do BID, eles argumentam que o projeto “aplica processos livres de discriminação”, mas não detalham como
Acesso em: 30 nov.2022. isso é realizado. Ver mais em: https://fairlac.iadb.org/en/paraempleo e https://paraempleo.mtess.gov.py/es/.
14
Mais informações sobre isso podem ser encontradas em: https://psz.praca.gov.pl/. Para uma análise da auto- Acessos em: 12 set.2022.
matização de perfilamento e dos problemas de transparência e riscos de discriminação, ver o relatório produ-
19
Disponível em: https://tecnoblog.net/meiobit/391571/ferramenta-de-recrutamento-amazon-ai-discrimi-
zido pela Fundação Panoptykon em 2015: NIKLAS, J.; SZTANDAR-SZTANDERSKA, K.; SZYMIELEWICZ, nava-mulheres/. Acesso em: 12 out.2022.
176 177
efeitos potencialmente nocivos. Após diversas críticas e pesquisas mostrando que o sistema Mesmo com a explanação dos critérios de processamento algorítmico para ambos
tinha tendências discriminatórias, não tinha transparência adequada e violava leis de proteção os módulos, ainda permanecem opacos maiores detalhes sobre a lógica operativa dos
de dados, após uma decisão contrária da corte constitucional do país em relação ao uso dos modelos algorítmicos que serão utilizados para cada tarefa. Nesse sentido, as regras
dados, a ferramenta de perfilização foi interrompida pelo governo polonês em 201920. algorítmicas mais explícitas a que esta investigação teve acesso são as divulgadas
O caso da Polônia atesta não apenas os perigos da implementação de ferramentas quando da realização de uma prova de conceito24, realizada durante o segundo semestre
automatizadas pelo poder público sem critérios e parâmetros definidos, mas também a de 2019 e conduzida pela Microsoft e a EloGroup25. Por isso, as regras mencionadas
possibilidade de intervenção e a necessidade da regulação da IA no setor público. No mundo, nessa prova foram tomadas como base para algumas considerações que fazemos sobre
o debate e as disputas estão em aberto. Em abril de 2021, a União Europeia21 apresentou riscos e impactos potenciais.
proposta de regulação da IA na qual o uso dessas tecnologias para o emprego é classificado Segundo nota de divulgação veiculada pela Microsoft26, o principal objetivo da
como de “alto risco”, o que implica medidas e requisitos mais rígidos de confiabilidade e de prova foi “validar a melhora de assertividade de job-matching do sistema” (MICROSOFT
auditorias e avaliações dos procedimentos decisórios. Por sua vez, em novembro de 2021, o NEWS CENTER, 2020). A divulgação também afirma que a IA utilizada no teste
Conselho da Cidade de Nova York proibiu a venda de “ferramentas automatizadas de decisão apresentou um índice de assertividade superior a 70% para recomendação de vagas
de emprego” sem auditorias anuais de discriminação22. supostamente mais apropriadas para o perfil do trabalhador, ainda que não se detalhe
como a “probabilidade de match” é calculada. No texto, descreve-se que:
Design do sistema algorítmico
Com o cruzamento de informações históricas dessas bases e análise por meio
de algoritmos de IA, o índice mostrou uma assertividade superior a 70%.
Como descrito anteriormente, o sistema de Inteligência Artificial para o portal de vagas Em termos práticos, isso significa que, a cada 10 casos de trabalhadores
do SINE consiste em duas ferramentas: que já haviam conseguido uma oportunidade no passado, com o uso do
algoritmo de IA, em sete dos casos ele seria capaz de recomendar a vaga mais
1) Uma ferramenta de job matching, que promove o cruzamento automatizado de vagas adequada ao perfil do profissional, bem como a melhor recomendação do
registradas no portal com os trabalhadores considerados mais adequados para preenchê-las; trabalhador para a vaga. Os outros 30% correspondem a profissionais que,
com base no histórico, foram empregados, mas que, segundo o modelo de
IA, teriam menor probabilidade de conquistar aquela posição. O algoritmo
2) Uma ferramenta de profiling, que faz uma segmentação dos trabalhadores por “perfis recomenda trabalhadores que tenham mais de 60% de probabilidade de
de risco” segundo critérios de capacidade de reinserção no mercado laboral, apoiando tanto match (combinação) com a vaga. (Idem., 2020)
a recomendação de vagas no portal como a orientação de políticas públicas de qualificação
profissional. Para sugerir quais vagas têm mais chance de se encaixar no perfil de um determinado
trabalhador, o algoritmo de IA considerou tanto as situações que se reverteram em
Por meio de um pedido de Lei de Acesso à Informação23 sobre que critérios serão contratação quanto as que não tiveram sucesso. Um dos diferenciais do modelo proposto,
utilizados para a intermediação inteligente, a Coordenação-Geral de Projetos Especiais da afirma-se, é que ele “permite recomendar vagas de emprego para indivíduos com o perfil
SPPE respondeu que profissional semelhante ao de trabalhadores que foram aceitos em processos seletivos
anteriores” (Ibidem) e não opera a partir da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).
[s]erão utilizadas técnicas para identificar vagas mais adequadas para os trabalhadores Essa classificação é, hoje, a base do pareamento entre currículos e vagas no SINE e é
a partir das experiências anteriores de trabalhos, encaminhamentos com e sem
sucesso, perfil de consultas de vagas, perfil profissional e dados da utilização descrita como um problema por vários atores envolvidos na defesa da implementação
das plataformas digitais do Sine. No que se refere à indicação de habilidades, do novo sistema por ser complexa e, com frequência, pouco assertiva. Algumas das
será utilizado um mapeamento de ocupações para competências [SIC] a fim de implicações relacionadas à ênfase que o novo modelo de intermediação dá para o
recomendar cursos de qualificação que desenvolverão as habilidades demandadas histórico de contratações – ao que informações disponíveis indicam –, sobretudo na
para o exercício de determinadas atividades de interesse dos trabalhadores.

20
Disponível em: https://algorithmwatch.org/en/poland-government-to-scrap-controversial-unemploymen- 24
Para a prova, foram usados dados históricos de três bases: do próprio SINE, do Cadastro Geral de Empre-
t-scoring-system/. Acesso em 3 jan.2022. gados e Desempregados (CAGED) e da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS).
21
Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/HTML/?uri=CELEX:52021PC0206&- 25
Empresa privada brasileira baseada no Rio de Janeiro. Com escritórios em quatro cidades no país, atua em
from=EM. Acesso em 3 jan.2022. 12 países no desenvolvimento e licenciamento de softwares e em consultoria de gestão e TI para organizações
22
Disponível em: https://news.bloomberglaw.com/daily-labor-report/nyc-targets-artificial-intelligence-bias- públicas, privadas e do terceiro setor. Veja mais sobre isso em: https://elogroup.com.br/. Acesso em: 20 mar.2022
-in-hiring-under-new-law. Acesso em 3 jan.2022. 26
Disponível em: https://news.microsoft.com/pt-br/sistema-nacional-de-emprego-sine-testa-uso-de-inteli-
23
Protocolo 03005.184809/2020-85, respondido em 01/12/2020. gencia-artificial-para-aumentar-eficiencia-na-oferta-de-oportunidades-de-trabalho/. Acesso em: 20 mar.2022.

178 179
regulação do campo de oportunidades do trabalhador, serão abordadas no tópico 5. No mesmo pedido de informação, questionada se a implementação do novo sistema
Fontes da Secretaria de Políticas Públicas para o Emprego entrevistadas afirmaram no SINE prevê a realização de auditorias, e, caso positivo, como seriam realizadas, a
que, apesar da prova de conceito ter apresentado bons resultados para a ferramenta Coordenação de Projetos Especiais da SPPE respondeu que, “tendo em vista que a
de job matching, “os resultados de perfilização não foram tão bons”, sem detalhar plataforma é mantida pela Dataprev, os procedimentos de auditoria daquela empresa
números mais precisos ou critérios específicos sobre a avaliação. pública serão empregados também no portal de vagas do Sine.28”
Em entrevista realizada por e-mail, a Microsoft afirmou que “[n]a prova de conceito Porém, ainda que o projeto seja frágil nesse sentido, convém pontuar que ele
mencionada […] conseguimos aumentar a assertividade desse casamento entre vagas está sujeito aos mecanismos previstos na LGPD (Lei nº 13.709/2018), entre os quais
disponíveis e pessoas buscando emprego para 70%, um número muito expressivo ressaltamos o direito à explicação e o direito à revisão. Sobre o primeiro, o §1º do
quando comparado à eficiência do SINE.27”. Entretanto, também foi relatado na entrevista art. 20 da LGPD define que “[o] controlador deverá fornecer, sempre que solicitadas,
que “[o] estudo não foi utilizado em produção e, portanto, não gerou contratações”, informações claras e adequadas a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados
tornando metodologicamente infundada a comparação entre a efetividade declarada para a decisão automatizada, observados os segredos comercial e industrial.” Já quanto
do algoritmo de job matching da prova de conceito e o modelo de intermediação ao direito à revisão, também no art. 20, está previsto que o titular dos dados tem
atual do SINE. Como pontua um representante entrevistado da classe trabalhista no direito a solicitar a revisão de decisões tomadas unicamente com base em tratamento
Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT), o sistema automatizado de dados pessoais que afetem seus interesses. Esse direito, no entanto, foi
de avaliação das ferramentas de intermediação no contexto das mudanças em cursos duramente limitado, uma vez que, quando a lei foi publicada, houve veto presidencial à
no SINE deveria priorizar não apenas “números soltos”, mas, sobretudo, informar os possibilidade de revisão humana de decisões automatizadas29. O veto tornou bastante
perfis a que tais números se referem e quem está sendo beneficiado com as mudanças limitados os efeitos da possibilidade de reparação de erros por meio do exercício do
em curso. direito à revisão no contexto brasileiro e abriu a possibilidade de que, na prática,
um pedido de revisão de decisão automatizada poderia resultar em outra decisão
Mecanismos de accountability no SINE: a importância da regulação igualmente automatizada (SILVA; MEDEIROS, 2019), em um ciclo que beira o absurdo.
da IA guiada pelo interesse público A LGPD também é o melhor mecanismo de que dispomos até o momento para
reparação de vítimas de erros de sistemas que envolvam tratamento de dados, como
Um aspecto bastante evidente durante a investigação foi a fragilidade dos o implementado no SINE. O art. 42 define que “o controlador ou o operador que, em
mecanismos usualmente designados por accountability (responsabilização e prestação razão do exercício de atividade de tratamento de dados pessoais, causar a outrem
de contas) previstos no projeto. Identificamos também outras fragilidades correlatas, dano patrimonial, moral, individual ou coletivo, em violação à legislação de proteção
relacionadas ao campo regulatório, conforme detalharemos a seguir. de dados pessoais, é obrigado a repará-lo”. O artigo também prevê que as ações
Na documentação a que tivemos acesso sobre a implementação, a única menção de reparação por danos coletivos que tenham por objeto a responsabilização dos
a dispositivos de prestação de contas é feita no Plano de Trabalho, quando se descreve, operadores e controladores dos dados podem ser exercidas coletivamente. Nesses
dentre as obrigações da SPPE, “Elaborar relatórios periódicos sobre os impactos da casos, órgãos como o Ministério Público, a Defensoria Pública ou mesmo organizações
iniciativa na política pública de intermediação de mão de obra”. Porém, não foram não governamentais poderiam representar toda uma coletividade diante do Poder
dados mais detalhes acerca dos critérios ou periodicidade de tais relatórios. Judiciário para defender tais direitos.
Em resposta a pedido de informação via LAI sobre que mecanismos de revisão Além dos dispositivos mencionados da LGPD, convém mencionar ainda o princípio
de erro estão sendo considerados no desenho do sistema, a Coordenação de Projetos da não discriminação e o princípio da responsabilização e prestação de contas como
Especiais da SPPE respondeu que “a revisão de erros dos algoritmos de inteligência princípios relevantes para orientar o desenvolvimento de políticas públicas de governança
artificial pode ser avaliada sob o ponto de vista de vieses indesejados ou sobre o risco em IA baseadas em direitos humanos.
de pareamentos equivocados”. Além disso, o órgão afirma que “serão tomados cuidados
na avaliação dos algoritmos de forma que não sejam permitidas discriminações que
não sejam positivas”, mas não há qualquer detalhamento sobre como tais questões 28
Recordamos também que está entre as atribuições da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD)
serão concretamente enfrentadas. requerer realização de auditoria para verificação de aspectos discriminatórios em tratamento automatizado
de dados pessoais e a elaboração do relatório de impacto à proteção de dados pessoais.
29
É bastante significativa a justificativa utilizada pelo presidente Jair Bolsonaro para o veto, ao afirmar que
27
O dado também figura entre as justificativas apresentadas no Plano de Trabalho do Acordo de Cooperação a revisão humana de decisões automatizadas “contraria o interesse público”, uma vez que “inviabilizará os
Técnica: “A Microsoft desenvolveu, em 2019, uma prova de conceito utilizando inteligência artificial junto modelos atuais de planos de negócios de muitas empresas, notadamente das startups, bem como impacta a
à Secretaria de Políticas Públicas de Emprego, SPPE, demonstrando a capacidade de elevar o potencial de análise de risco de crédito e de novos modelos de negócios de instituições financeiras, gerando efeito nega-
intermediação de mão de obra do sistema para o percentual de 70% comparado com taxas significativamente tivo na oferta de crédito aos consumidores. A justificativa completa ao veto está disponível em: http://www.
inferiores do sistema em uso.” planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Msg/VEP/VEP-288.htm. Acesso em: 28 fev.2022.
180 181
O que a fragilidade dos mecanismos de accountability do projeto do SINE deixa proporcional ao grau de risco que a aplicação oferece; realização de análise de risco
explícito é que, alinhada ao que vários especialistas vêm ressaltando, a urgência da por meio da elaboração de relatórios de impacto; controle de qualidade por meio de
construção de um marco regulatório para IA, focando o contexto brasileiro e que testes e validações periódicos; adoção de metodologias transparentes e auditáveis
evite que interesses mercadológicos, frequentemente associados a um discurso quanto ao desenvolvimento dos sistemas, às fontes de dados e aos procedimentos e
tecnosolucionista que encontra na tecnologia a solução para problemas de ordem documentação do projeto em questão.
estrutural, se sobreponham a interesses públicos e à necessária precaução aos potenciais Contudo, o tom geral da EBIA, sobretudo sobre questões regulatórias, responsabilização
riscos e impactos, sobretudo sociais, da ampla adoção de ferramentas de IA para os e prestação de contas, é bastante brando e/ou vago, e, em diversos momentos, orienta
mais variados fins em contextos públicos e/ou privados. que se deve evitar ações regulatórias que possam limitar a inovação, a adoção e o
Nesse sentido, é importante destacar que está em curso, nesse momento, no desenvolvimento de IA. O estímulo ao desenvolvimento da chamada “IA ética” (termo em
Senado do Brasil, a realização de uma série de audiências públicas por uma comissão si mesmo passível de discussão), apesar de constar como parte das ações estratégicas, é
de juristas responsável por subsidiar a elaboração de substitutivo aos Projetos de Lei visado, sobretudo, em termos de parcerias com corporações que desenvolvem “soluções
nº 5.051 (2019), PL 21 (2020) e PL 872 (2021), que buscam estabelecer as regras, comerciais dessas tecnologias de IA ética” (EBIA, 2021, p. 23). Além disso, cabe destacar
diretrizes e fundamentos para regular o desenvolvimento e a aplicação da IA no Brasil. As o incentivo, em diversos pontos, à abertura de bases de dados do Governo para o
audiências públicas foram organizadas a partir de quatro eixos temáticos: (i) conceitos, desenvolvimento de estudos e aplicações brasileiras que envolvam IA, sugerindo o uso
compreensão e classificação de IA; (ii) impactos da IA; (iii) direitos e deveres; e (iv) de sandboxes regulatórios para a operacionalização desse modelo32. Essa frente torna
accountability (prestação de contas), governança e fiscalização30. explícito que iniciativas como o SINE Aberto, descrito na introdução deste trabalho,
Além dessa iniciativa, destacamos a elaboração da Estratégia Brasileira de Inteligência integra uma estratégia mais ampla de estímulo ao acesso privado a dados públicos.
Artificial (EBIA), concebida entre os anos de 2019 e 2020, liderada pelo Ministério de
Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI31). Alinhada às diretrizes da OCDE endossadas Riscos e potenciais impactos
pelo Brasil, a EBIA fundamenta-se nos cinco princípios definidos pela Organização
para uma gestão responsável dos sistemas de IA, quais sejam: (i) crescimento inclusivo, Apesar de, na ocasião da realização desta pesquisa, o projeto ainda estar em fase
desenvolvimento sustentável e bem-estar; (ii) valores centrados no ser humano e na de execução, de modo que não era possível avaliar seus impactos efetivos, a investigação
equidade; (iii) transparência e explicabilidade; (iv) robustez, segurança e proteção; e análise do processo de implementação permitiu apontar alguns riscos e impactos
e (v) a responsabilização ou a prestação de contas (accountability). potenciais, detalhados a seguir.
No eixo Legislação, Regulação e Uso Ético, a EBIA toca em questões importantes,
como a necessidade de intervenção humana em contextos de IA em que o resultado de 1) Regulação do campo de oportunidades do trabalhador desocupado
uma decisão automatizada implica um alto risco de dano para o indivíduo. O documento
afirma ser desejável que tais decisões sejam passíveis de explicação e interpretação, Um dos maiores riscos potenciais do uso de ferramentas de Inteligência Artificial
que os indivíduos devem ter ciência de suas interações com sistemas de IA e que a para intermediação de mão de obra e perfilização automatizadas no contexto do SINE se
regulamentação da IA deve ser seguida por princípios como: (i) desenvolvimento relaciona ao modo como o funcionamento dessas ferramentas incide e regula o campo
de estruturas legais existentes; (ii) adoção de abordagem regulatória baseada em de oportunidades do trabalhador desempregado. Chamou-nos especialmente a atenção
princípios e resultados; (iii) realização de um “teste de equilíbrio de riscos/benefícios” o fato de o processamento algorítmico para recomendação dar ênfase ao histórico de
centrado no indivíduo humano; e (iv) avaliação de impacto contextual. Propõe-se contratações anteriores do trabalhador, o que implica um risco de privilegiar aqueles
também que a IA não deve criar ou reforçar preconceitos que impactem indivíduos por com bom desempenho no passado ou que possuem características inferidas como
motivos relacionados a características sensíveis como raça, etnia, gênero, nacionalidade, positivas pelo treinamento dos algoritmos, impactando potencial e negativamente
renda, orientação sexual, deficiência, crença religiosa ou inclinação política. Já no eixo aqueles que têm mais dificuldade de se recolocar no mercado de trabalho e que são,
Governança de IA, destacamos as seguintes indicações: que a ideia de accountability justamente, o público-alvo declarado dessa política de emprego.
deve ser guiada pelo princípio da precaução; a intervenção regulatória deve ser Ao utilizar como um dos principais critérios de filtro de recomendação das
vagas os padrões de processos seletivos anteriores contidos no banco de dados e as
projeções de probabilidades de contratação traçadas a partir disso, o sistema pode

30
A comissão, formada por 18 juristas, convocou 60 especialistas da academia, da comunidade técnica, da
sociedade civil, do mercado e do poder público para 12 painéis que se realizarão do dia 28 de abril a 13 de
maio de 2022. 32
Sandboxes regulatórios podem ser descritos como a criação de ambientes experimentais para teste de inova-
31
A EBIA foi construída em três etapas: (i) contratação de consultoria especializada em IA, (ii) benchmarking ções no mercado por um determinado período sem a necessidade de cumprimento de requisitos regulatórios
nacional e internacional, e (iii) processo de consulta pública. tradicionais. O modelo tem origem no mercado financeiro.
182 183
tender a repetir e reforçar seu próprio histórico. Na prática, isso significa que o sistema Dado que o sistema recomenda apenas as vagas supostamente mais compatíveis
possuiria a tendência de recomendar vagas para – e, consequentemente, contratar com suas habilidades – e é somente para essas que ele pode manifestar interesse34 –,
– os trabalhadores cujo perfil se assemelha aos já contratados (provavelmente, mais o trabalhador não chega a ter consciência da diferença entre as oportunidades totais
qualificados), diminuindo a probabilidade de contratação dos trabalhadores que diferem e aquelas a que tem acesso. O discurso sobre as vantagens da personalização das
desse perfil (provavelmente, menos qualificados), que tenderiam a ser menos visíveis recomendações, seja no âmbito das políticas públicas ou na paisagem midiática das
para os contratantes dentro do sistema. grandes plataformas digitais, costuma ofuscar os problemas relacionados aos critérios
Autores vêm destacando que, dentre o público atendido pelo SINE, aquele com utilizados na filtragem de conteúdo para personalização em contextos algoritmicamente
maior dificuldade de inserção em um posto de trabalho é o de jovens, mulheres e regulados e segmentados.
negros, geralmente com baixa escolaridade, falta de experiência e pouca qualificação Essa assimetria poderia ser minimizada se tivesse havido uma maior participação
(ROSSETO, 2019; MORETTO, 2018). Esses seriam, portanto, os grupos de trabalhadores da classe trabalhadora na elaboração e implementação desse sistema, mas não foi o
potencialmente mais vulneráveis a serem prejudicados pela lógica descrita de exibição que ocorreu. Apenas houve participação de alguns trabalhadores usuários do SINE
de vagas. Assim, a almejada melhoria na eficiência e otimização da intermediação de na fase de diagnóstico do problema, durante a elaboração do Plano de Transformação
mão de obra corre o risco de ser prejudicada pelas próprias lógicas que orientam o Digital do SINE35. Esse risco é particularmente preocupante no contexto brasileiro atual,
sistema: seja na ênfase do histórico de contratações no algoritmo de intermediação uma vez que, como mencionado anteriormente, houve o veto presidencial à revisão
inteligente, seja na liberação da consulta prévia ao currículo completo do trabalhador33, humana de decisões automatizadas na ocasião da aprovação da LGPD. A possibilidade
há uma tendência a selecionar, do modo mais antecipado possível, os perfis mais de revisão humana na LGPD, caso tivesse permanecido no texto final da lei, poderia
qualificados do banco de dados. Nesse sentido, há um risco de que a performatividade reduzir alguns danos provocados pelas características sistêmicas relacionadas à falta de
do próprio sistema impacte negativamente uma parcela de trabalhadores que tem transparência e assimetria de poder em processos decisórios mediados por algoritmos.
mais dificuldade de conseguir vagas.
3) Big Techs no setor público
2) Assimetria de poder e falta de transparência
O terceiro e último risco que identificamos está associado à transferência de dados
Um ponto crucial das implicações do uso de IA para intermediação de mão de obra estratégicos sobre a economia e o mercado de trabalho no Brasil para infraestruturas
no contexto do SINE é a intensa assimetria de poder envolvida nesse tipo de modelo e a de processamento de dados de grandes corporações de tecnologia como a Microsoft.
dificuldade, por parte do trabalhador, de entender e conhecer minimamente as regras Tal transferência não é apenas restrita aos dados pessoais dos cadastrados no SINE,
de funcionamento do sistema. Além disso, há pouca ou nenhuma margem para que como abre a possibilidade de a empresa identificar tendências no setor ocupacional
ele possa interferir ou questionar os resultados da intermediação e do perfilamento formal, influenciar políticas públicas (como a Escola do Trabalhador 4.0 atesta) e
aos quais está sujeito, já que o sistema opera segundo regras e critérios que lhe são desenhar oportunidades de negócios em várias frentes.
opacos, como é recorrente na mediação algorítmica (ALGORITHM WATCH, 2020; O conjunto dos dados do SINE, um dos maiores do mundo, constitui uma fonte
NIKLAS et al., 2015). rica de informações não apenas em relação às ações efetivamente realizadas pelo
Até o momento, não há indícios, por exemplo, de que se deixará claro aos usuários sistema ou observadas no mercado de trabalho, mas também por fornecer indicativos
do sistema informações como: os critérios utilizados para a exibição (ou não) das de tendências potenciais (LOBO; ANZE, 2014). Assim, as informações geradas na
vagas; a forma como é calculada a probabilidade de contratação de um trabalhador; a operacionalização das ações do SINE permitem um diagnóstico conjuntural do mercado
existência de um sistema de perfilização “por trás” do portal de vagas; o tipo de perfil de trabalho formal, possibilitando também uma análise de mais longo prazo, para
em que o trabalhador está classificado segundo esse sistema; os critérios utilizados verificar tendências de transformações estruturais no setor ocupacional formal e,
para a segmentação dos trabalhadores em determinados perfis, para citar apenas ainda, subsidiar “a tomada de decisão no âmbito das políticas públicas que não se
alguns aspectos que permanecerão opacos para o trabalhador. restringe apenas às relacionadas ao trabalho” (MORETTO, 2018, p. 225).

33
Antes da implementação das novas ferramentas tecnológicas no portal de vagas, as empresas não conseguiam 34
Segundo fontes entrevistadas da SPPE, com as mudanças em curso no portal, o empregador passará a ter a
acessar o currículo completo do trabalhador antes da entrevista. Segundo fontes entrevistadas, a regra integrava possibilidade de convocar para um processo mesmo os trabalhadores que não manifestaram interesse na vaga.
os protocolos de intermediação tradicional do SINE visando evitar discriminações, sobretudo baseadas em Este poderá aceitar ou negar o convite. Contudo, o inverso não está declaradamente previsto para ocorrer,
gênero, raça e faixa etária durante o processo seletivo. Essa impossibilidade foi apontada como um problema ou seja, que o trabalhador possa manifestar interesse em uma vaga que o sistema não considera compatível
do atual sistema tanto no diagnóstico documentado no Plano de Transformação Digital do SINE quanto no com suas habilidades.
Plano de Trabalho do ACT firmado com a Microsoft. Entre as mudanças a serem implementadas no portal, está 35
Para mais detalhes, conferir o relatório completo da pesquisa, disponível em: https://ia.derechosdigitales.
a liberação da consulta dos currículos completos dos candidatos antes da entrevista por parte das empresas. org/casos/brasil-sistema-nacional-de-empleo/. Acesso em: 22 jan.20022.
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Apesar de constar no ACT a vedação de transferência para a Microsoft de “informações 3) Utilização de supervisão humana de decisões automatizadas quando aplicadas
protegidas por sigilo fiscal, empresarial e comercial”, as cláusulas não parecem garantir a políticas públicas e direito à revisão humana de tais decisões. Reiteramos a gravidade
resguardos a respeito da transferência de informações que não estejam protegidas por do veto presidencial ao direito de revisão humana de decisões automatizadas previsto
esses sigilos, como as informações e conhecimentos conjunturais e estruturais sobre originalmente na LGPD;
o mercado de trabalho descritas anteriormente. É importante frisar esse aspecto, uma
vez que é significativo para o âmbito dessa parceria que a Microsoft tenha, nos últimos 4) Construção de abordagens situadas em contextos locais que ampliem efetivamente
anos, adquirido empresas relacionadas ao uso de dados e ferramentas automatizadas a participação das populações que são beneficiárias da política pública proposta, para
de intermediação de mão de obra, como a Bright Media Corporation e o LinkedIn. construir um cuidado coletivo na formulação dessas políticas e evitar o risco que hoje
Todos os riscos que identificamos se agravam diante da fragilidade dos mecanismos se encontra colocado no caso que estudamos: de que o uso de Inteligência Artificial na
de controle público e social previstos na implementação dessas ferramentas, evidenciada gestão pública do desemprego seja um proxy para automação de políticas neoliberais
no tópico anterior. Outra questão a se observar é como os atores envolvidos na que acabam por precarizar os serviços que alegam otimizar;
concepção e implementação da ferramenta decisória tendem a minimizar os efeitos
materiais do sistema, uma vez que o que é automatizado não é a decisão sobre quais 5) Construção de um debate decolonial sobre Inteligência Artificial. A elaboração
trabalhadores serão ou não contratados, mas “apenas” quais serão recomendados para coletiva de uma agenda decolonial para o desenvolvimento, uso e avaliação de IA é central
determinada vaga. Em outros termos, a decisão final cabe sempre ao empregador. O para que o ativismo, a pesquisa e as entidades de defesa de direitos não reproduzam
relatório Automating Society 2020, que sintetiza os resultados de pesquisa realizada uma tendência que marcou parte da história dos direitos digitais na América Latina,
em 11 países europeus sobre o uso de sistemas automatizados de decisão em diversos cuja agenda foi, durante muito tempo, fortemente espelhada no Norte global37.
âmbitos, dentre eles a intermediação de mão de obra, descreve uma postura similar
por parte desses atores (ALGORITHM WATCH, 2020). Uma argumentação comum, 6) Fomentar iniciativas de formação tecnopolítica no âmbito da gestão pública com
segundo o relatório, é afirmar que a contratação não é realizada pelo sistema de decisão o objetivo de qualificar o debate e problematizar a perspectiva de que as tecnologias
automatizada, e que este apenas automatiza o processo de avaliação, que fornece uma são ferramentas neutras, ainda em vigor, conforme identificamos no discurso dos
base para que empregadores tomem a decisão sobre a contratação. responsáveis pela implementação do projeto do SINE;

Sugestões para o debate sobre o uso de IA em políticas públicas 7) Promover fóruns que discutam princípios de governança e regulação para
o uso de Inteligência Artificial no setor público. No contexto latino-americano, o
Considerando os potenciais riscos e impactos identificados por nossa pesquisa, Uruguai possui uma iniciativa interessante de Fóruns de corregulação (Laboratorio
algumas recomendações presentes na Estratégia Brasileira de IA e uma perspectiva de Datos y Sociedad), como a proposta de Mesas de diálogo sobre o uso de sistemas de
tecnopolítica ancorada em necessidades e realidade locais36, elaboramos algumas vigilância38 automatizada. Cabe mencionar, novamente, a importância da comissão de
sugestões e pontos de atenção para o debate sobre o uso de IA em políticas públicas: juristas atualmente em atividade, responsável por subsidiar a proposta de um marco
regulatório da IA no Brasil;
1) Elaboração de relatórios prévios de impacto e testagem que permitam análise de
riscos antes da implementação de sistemas de decisão automatizada. No caso analisado, 8) Instituir agendas para fomentar estudos locais e comparativos sobre casos
a prova de conceito era extremamente vaga e não permitia dimensionar os impactos, concretos de implementação e utilização de IA em diferentes domínios, com a possível
sobretudo em relação a direitos humanos, no âmbito do SINE. criação de um observatório de Inteligência Artificial no Brasil, conforme indicado na
EBIA. Acompanhar trajetórias de tecnologias em ação é essencial para compreender
2) Utilização de metodologias transparentes e auditáveis quanto ao desenvolvimento os efeitos e os problemas que emergem nessa trajetória;
dos sistemas de IA, às fontes de dados e à documentação de implementação e utilização
de mecanismos continuados de controle público, com validações periódicas, que 9) Por fim, vale discutir abordagens que considerem seriamente o princípio de
permitam o monitoramento dos efeitos de tais sistemas; precaução no uso de dispositivos algorítmicos e/ou IA em políticas públicas, especialmente

37
Destacamos algumas iniciativas no âmbito da América Latina, Índia e África: https://www.tierracomun.net/;
https://aplusalliance.org/; https://notmy.ai/; https://deeplearningindaba.com/; https://www.colectivasos.com/
36
Além da importância de abordagens situadas no contexto brasileiro, cabe uma atenção a iniciativas regionais, 38
Disponível em: https://quinto-plan.gobiernoabierto.gub.uy/proposals/24-mesas-de-dialogo-sobre-uso-de-
focalizando especialmente a América Latina, ou, mais amplamente, o Sul global. -sistemas-de-vigilancia automatizada. Acesso em: 28 fev.2022.

186 187
quando se trata de populações vulneráveis. Isso implica inverter os termos com que “o risco iminente em matéria de privacidade não é tanto a construção de um Estado
esses dispositivos vêm sendo implementados: em vez de caber à sociedade civil e a autoritário, mas a existência real, palpável, evidente, de um Estado negligente”. Esse
órgãos de defesa de direitos fundamentais mostrar que tais aplicações podem causar Estado negligente acolhe sem restrições o tecnosolucionismo das grandes corporações
(ou já causaram) danos, caberia aos responsáveis pela implementação (governos e de tecnologia, que “ofertam” ferramentas para serviços considerados pouco eficientes
corporações envolvidas) tomar medidas concretas para avaliação e redução de potenciais no Sul global. No caso da nossa investigação, essa negligência se relaciona menos aos
danos, mesmo em cenários de incerteza. riscos para a privacidade do que para o conhecimento extraído de dados estratégicos,
bem como para o potencial direcionamento de políticas públicas por parte de entes
Considerações finais privados, sobretudo Big Techs.
Ainda que possamos perceber, em âmbito global, a crescente influência de
Tendo em vista o debate e a ação coletiva sobre o uso de Inteligência Artificial grandes corporações de tecnologia em diferentes esferas – saúde, medicina, educação,
no setor público, especialmente na América Latina, seguem algumas reflexões finais, administração pública, segurança pública, entretenimento, transporte e mobilidade
todas de caráter mais especulativo. urbana, política ambiental etc. –, os efeitos, mais uma vez, não são os mesmos em todos os
Um primeiro ponto diz respeito às possíveis reinscrições da lógica colonial quando a lugares. O problema mais amplo de se utilizar os mesmos modelos epistemológicos e os
implementação de políticas públicas é formulada dentro da lógica de mercado e baseada mesmos princípios de governamentalidade para esferas sociais tão diversas39 se agrava
na importação de sistemas tecnológicos e de epistemologias centradas em dados, como ainda mais quando esses modelos e princípios, concebidos para operar em contextos
assinala Paola Ricaurte (2019). Sabemos que a racionalidade algorítmica vai de par específicos do Norte global e segundo uma agenda corporativa também específica,
com o avanço do cálculo computacional nos mais diversos setores da vida pessoal, são acolhidos como soluções para problemas sociais complexos em contextos muito
social e política, expandindo as fronteiras extrativas: relações sociais convertidas em distintos, como o desemprego no Brasil, impactando o desenho de políticas públicas.
relações entre dados se tornam meios privilegiados de extração de valor econômico e A esse problema, soma-se um terceiro ponto, que é o tipo de abstração próprio
epistemológico (COULDRY; MEJIAS, 2019; RICAURTE, 2019; GAGO; MEZZADRA, 2017). à racionalidade algorítmica orientada por dados. No processo de automação da
É bastante preocupante que essa mesma racionalidade, que está concentrada intermediação de mão de obra e perfilização de trabalhadores em busca de emprego,
em um número bastante restrito de corporações com agendas, sobretudo, comerciais, tal abstração vai de par com a assimetria de poder própria a esses e muitos outros
seja aplicada como solução para serviços públicos voltados para o acesso e garantia sistemas de Inteligência Artificial. No caso que estudamos, o trabalhador que utiliza esse
de direitos. Achille Mbembe (2021) reconhece a continuidade do processo colonial na serviço tem dificuldade de compreender minimamente as normas de funcionamento
conversão do mundo em um vasto terreno de dados esperando por extração, reduzindo do sistema. Além disso, há pouca ou nenhuma margem para que ele possa interferir
o conhecimento a uma tarefa em que governos, corporações e burocracias coletam nos resultados da intermediação e do perfilamento aos quais está sujeito ou questioná-
e analisam dados. Essa reinscrição de práticas extrativistas e coloniais no âmbito los. Para tal racionalidade, só conta o que é legível pelos mecanismos automatizados
do capitalismo de plataforma produz efeitos que não são homogêneos, atualizando de tomada de decisão. Nesse contexto, o que não é computável não existe (MBEMBE,
assimetrias históricas. 2021).
O caso que apresentamos não é um caso isolado. Na geopolítica do colonialismo No caso que analisamos, a inteligência artificial é dirigida a um conjunto de
digital, o Sul global tem ocupado, cada vez mais, o lugar de fonte de dados mais acessível, efeitos e resultados, sendo indiferente a importantes aspectos que podem impactar
abundante e barata para extração de saberes estratégicos e treinamento de algoritmos o pleno acesso ao serviço que oferecem, como a dificuldade de compreensão das
que atuam sobre populações vulneráveis. O projeto Microsoft Mais Brasil é um dentre regras em jogo, dos ganhos e perdas envolvidos, dos meios possíveis de contestação.
tantos outros que oferecem “soluções ou inovações tecnológicas” para problemas Nenhum desses elementos é computável pelo sistema de inteligência artificial em jogo.
sociais na África e na América Latina (BIHANE, 2020; OBSERVATÓRIO EDUCAÇÃO Trata-se, assim, da concretização tecnológica de um programa político de governo que
VIGIADA, 2021). Não é raro que governos dessas regiões recebam tais soluções sem coloca os trabalhadores em um lugar em que eles tendem a se ver como candidatos
o devido questionamento e cuidado, transferindo a gestão de infraestruturas e bases a serviços, e não como sujeitos de direito (ALSTON, 2019). O problema, que fique
de dados de seus países para monopólios como Facebook, Microsoft, Google, Uber e claro, não é a agência maquínica per se, mas o tipo de racionalidade que vigora nesse
Netflix (KWET, 2019). domínio, muito pouco permeável a avaliações, negociações e contestações por parte
Isso nos encaminha para um segundo ponto de reflexão, levantado por Beatriz dos usuários desses serviços e de outros atores. O que, tratando-se de uma política
Busaniche (2019), pesquisadora da Universidade de Buenos Aires e da Fundación Vía pública, pode ter impactos sociais desastrosos.
Libre. Referindo-se às preocupações recorrentes no debate sobre políticas públicas e
ameaças à privacidade, Beatriz aponta que, muitas vezes, se perde de vista o perigo mais
iminente relacionado ao “solucionismo” tecnológico: a negligência por parte de quem tem Conferir uma interessante pesquisa sobre a penetração das Big Techs em diversas esferas sociais, disponível
39

nas mãos o desenvolvimento da implementação. Para ela, no contexto latino-americano, em: https://www.sphere-transgression-watch.org/. Acesso em 12 mar.2022.

188 189
Uma última questão importante ao se avaliar criticamente como a implementação Referências
de tecnologias de automatização de decisões ou a abertura de grandes bancos de dados
públicos para a iniciativa privada impactam, de modo desigual, distintos segmentos BUSANICHE, B. Negligencia, la primera amenaza a nuestra privacidad. Apresen-
populacionais, é que essa assimetria não está necessariamente vinculada a aspectos tação no Webinar LAVITS 2020. Acesso em: 10 dez.2020, Disponível em: https://
internos do sistema tecnológico (embora isso também possa ocorrer), mas sim no modo www.youtube.com/ watch?v=f9hJxmfsSac.
como distintos grupos têm ou não o privilégio de aderir a tais ferramentas. No caso do
SINE, o público potencialmente mais afetado é aquele que vai aderir às ferramentas COULDRY, N.; MEJIAS, U. Data Colonialism: Rethinking Big Data’s Relation to the
de decisão automatizada não (só) porque não lhe foi pedido o consentimento do uso Contemporary Subject. Television & New Media, [s. l.], v. 20, n. 4, p. 336-349, 2019.
de dados em termos legais, mas por sua vulnerabilidade social e econômica. Assim,
uma pergunta fundamental que deveríamos nos fazer, nesses casos, é quem ou quais DESIERE, S.; LANGENBUCHER, K.; STRUYVEN, L. Statistical profiling in public
grupos podem abrir mão de “estar dentro” desse tipo de sistema. Ou seja, quem tem employment services: An international comparison. OECD Social, Employment and
o privilégio de fazer o “opt-out40” Migration Working Papers, [s. l.], v. 224, p. 1-29, 2019. Disponível em: https://www.
A avaliação da questão sob esse viés implica também uma inflexão na perspectiva oecd-ilibrary.org/docserver/b5e5f16e-en.pdf?expires=1680203749&id=id&acc-
sobre o impacto de tecnologias digitais para os direitos humanos. Além da necessária name=guest&checksum=530DB3E68B4FFB1A8357ECB70184F9D5. Acesso em: 8
atenção à proteção de dados pessoais e a efeitos específicos de discriminação decorrentes maio 2022.
da automatização de decisões, os pontos de reflexão anteriormente levantados demandam
outra ordem de cuidados. Ou seja, é necessário um olhar atento aos aspectos sistêmicos e FILHO, F. H. B.; FERREIRA, M. L.; ARAÚJO, P. L. da C. P. O novo SINE: mudanças do
estruturais, sobretudo àqueles relacionados às múltiplas formas de assimetria, abstração modelo brasileiro de intermediação de mão de obra. In: CORSEUIL, C. H. L. (ed.).
e opacidade implicadas na adoção massiva de tecnologias como a Inteligência Artificial, Mercado de Trabalho: conjuntura e análise. Brasília: IPEA, 2020. cap. 1, p. 3-8.
que modifica não apenas a escala, mas a natureza dos problemas decorrentes do uso Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9994/1/bmt_68_
de tais tecnologias. novo_sine.pdf. Acesso em: 30 mar. 2021.

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Devemos essa questão a Simone Browne que, em conversa com David Lyon sobre sistemas de vigilância no MATOS, F. de (coord.). Boas práticas dos serviços públicos de emprego no Brasil.
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192 193
Organizadores

Cláudio Penteado
Cientista Social. Professor Titular da UFABC. Doutor em Ciências Sociais pela PUC/
SP, é pesquisador do Laboratório de Tecnologias Livre (LabLivre/UFABC), do Núcleo
de Estudos em Arte, Mídia e Política (NEAMP - PUC/SP) e do Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), desenvolve pesquisas sobre
política e as novas tecnologias.

Jerônimo Pellegrini
Bacharel em Ciência da Computação. Professor da UFABC. Doutor em Ciência da
Computação pela Unicamp, pesquisador nas áreas de Inteligência Artificial (raciocínio
com incerteza) e Segurança da Informação (programação segura e criptografia aplicada).

Sérgio Amadeu da Silveira


Sociólogo. Professor da UFABC. Pesquisador das redes digitais e Inteligência Artificial.
Bolsista-produtividade CNPq. Membro da comunidade do software livre. Integra o
Laboratório de Tecnologias Livre (LabLivre/UFABC). Foi membro do Comitê Gestor
da Internet no Brasil e presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação.
Criador e apresentador do podcast Tecnopolítica.

Autoras e autores

André Lemos
Escritor, professor Titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e Pesquisador 1A do
CNPq. Doutor em Sociologia pela Université Paris V, Sorbonne. Pós-Doutorado pelas
Universidades McGill e Alberta (Canadá), National University of Ireland (Irlanda) e
TIDD-PUC-SP (São Paulo). É diretor do Lab404 - Laboratório de Pesquisa em Mídia
Digital, Redes e Espaço. Sua pesquisa atual é sobre “erros na cultura digital”.

Débora Salles
Coordenadora geral de pesquisa no NetLab, o Laboratório de Estudos de Internet e
Redes Sociais da UFRJ, e pesquisadora em estágio pós-doutoral no Programa de Pós-
Graduação em Ciência da Informação IBICT/UFRJ. Atuou como Professora substituta
na Escola de Comunicação da UFRJ. Doutora em Ciência da Informação pelo Instituto
Brasileiro de Informação Ciência e Tecnologia (IBICT) em convênio com a Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
QUEM ESCREVEU O LIVRO Fernanda Bruno
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da UFRJ e
do MediaLab.UFRJ. Pesquisadora do CNPq, co-fundadora da Rede latino-americana de
estudos em vigilância, tecnologia e sociedade/LAVITS e Pesquisadora colaboradora

194 195
do Surveillance Studies Centre da Queens University, Canadá. Juliane Cintra
Coordenadora Institucional (das unidades de Eventos, Comunicação e Tecnologia)
Fernanda Campagnucci da Ação Educativa, lidera o projeto TECLA - Tecnologia em Ação, uma iniciativa da
Diretora executiva da Open Knowledge Brasil. Doutora em Administração Pública instituição dedicada à promoção e defesa de direitos humanos associados ao ambiente
e Governo pela Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas digital. Mestranda em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da USP.
(EAESP-FGV). Atuou na Prefeitura de São Paulo liderando políticas e iniciativas de
transparência, dados abertos e inovação aberta. Larissa Ambrosano Packer
Advogada da organização Terra de Direitos e membro do coletivo Carta de Belém.
Fernanda Rosa Pesquisadora da Grain sediada no Rio de Janeiro. Mestre em filosofia.
Socióloga e Professora Assistente de Estudos de Ciência e Tecnologia na Virginia Tech
(EUA). Ph.D. em Comunicação, com pós-doutorado no Center for Advanced Research Nelson Pretto
in Global Communication da Universidade da Pensilvânia (EUA). Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, é professor
associado da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. Coordenador
Glenda Dantas do grupo de pesquisa “Educação, Comunicação e Tecnologias”, da UFBA, é professor e
Jornalista, é cofundadora da Conexão Malunga, plataforma de discussão sobre TICs ativista militante da relação da educação com a cultura e com a ciência e a tecnologia.
para a autonomia. É editora geral da Agenda Arte e Cultura (UFBA), pós-graduanda
em Comunicação Estratégica e Gestão de Marcas (UFBA) e membra voluntária do Nina da Hora
Laboratório de Identidades Digitais e Diversidade (LIDD/UFRJ). Cientista da Computação, Pesquisadora, e HackerAntirracista. Diretora do Instituto
da Hora - Centro de pesquisa e tecnologia com incidência na sociedade. Mestranda
Helena Martins em Inteligência Artificial na Unicamp, colunista da revista MIT Technology Review e
Professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), jornalista e doutora em Comunicação integrante do Conselho de Segurança do TikTok.
Social pela UnB. Editora da Revista Eptic, é pesquisadora do GT Economía política
de la información, la comunicación y la cultura da Clacso, coordenadora do Telas Paulo Faltay
(UFC) e integrante do OBSCOM/CEPOS (UFS). Atua na luta pelo direito à comunicação, Doutor em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Universidade Federal
integrando atualmente o DiraCom - Direito à Comunicação e Democracia. do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). Pesquisador do MediaLab.UFRJ e da Rede Latino-americana
de estudos em vigilância, tecnologia e sociedade/LAVITS.
Jader Gama
Doutor em Desenvolvimento Socioambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Paula Cardoso Pereira
Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (PPGDSTU). Especialista em Tecnologias Doutoranda em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Universidade
em Educação pela PUC - RJ (2010). Atualmente é professor da FAPAN (Faculdade Pan Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ), pesquisadora e designer do laboratório
Amazônica) e pesquisador da Incubadora de Políticas Públicas da Amazônia (IPPA). interdisciplinar MediaLab.UFRJ, membro da Rede Latino-Americana de Estudos em
Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits).
José Corrêa Leite
Membro do Coletivo 660. Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Rafael Evangelista
Católica de São Paulo (2005) e pós-doutor pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Antropólogo. Pesquisador do Labjor/Unicamp. Professor do PPG em Divulgação
Humanas da Universidade de São Paulo. Professor no Centro Universitário Armando Científica e Cultural. Conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil. Doutor
Alvares Penteado. em Antropologia Social (Unicamp), co-coordena o grupo de pesquisa Informação,
Comunicação, Tecnologia e Sociedade (ICTS) e é membro da Rede Latino-Americana
José Paulo Guedes Pinto de Estudos em Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits).
Mestre em Filosofia do Direito pela Universidade Federal do Paraná (2010), doutoranda
no Programa de pós-graduação de Ciências Sociais e Desenvolvimento, agricultura Rafael Grohmann
e sociedade da UFRRJ. Atualmente trabalha na Organização internacional GRAIN no Rafael Grohmann é professor de estudos criticos de plataformas da Universidade
programa América Latina realizando pesquisas em torno do monitoramento dos agentes de Toronto, Canadá. Lider do DigiLabour e do Observatorio do Cooperativismo de
das cadeias agroalimentares e seus impactos na captura de terras e recursos naturais Plataforma. Co-diretor do Critical Digital Methods Institute. Pesquisador dos projetos
(land grabbing e resources grabbing) para a soberania alimentar.
196 197
Fairwork e Platform Work Inclusion Living Lab. Atualmente, coordena pesquisa sobre
plataformas de propriedade de trabalhadores e interseccionalidades na America Latina.

Sivaldo Pereira da Silva


Professor da Faculdade de Comunicação (FAC) e do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Universidade de Brasília (UnB). PhD em Comunicação e Cultura
Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia. Foi pesquisador visitante no
IPEA, consultor da UNESCO e professor visitante na Technische Universität Dortmund
(Alemanha). Atualmente é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
da UnB e presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e
Política (Compolítica).

Tarcízio Silva
Senior Tech Policy Fellow pela Fundação Mozilla, produzindo pesquisa e incidência
sobre transparência, responsabilidade e antirracismo na inteligência artificial. Curador
na Desvelar, colaborador na Tecla / Ação Educativa e no Instituto Sumaúma. Doutorando
em Ciências Humanas e Sociais na UFABC.

Wagner Meira Jr.


Professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais. doutor em Ciência da
Computação pela University of Rochester (1997). Coautor dos livros Data Mining
and Analysis - Fundamental Concepts and Algorithms e Data Mining and Machine
Learning - Fundamental Concepts and Algorithms.

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