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Curso de Bacharelado em

Biblioteconomia na Modalidade
a Distância

Jurema Luzia de Freitas Sampaio

Cultura e Memória Social

Semestre

1
Curso de Bacharelado em Biblioteconomia
na Modalidade a Distância

Jurema Luzia de Freitas Sampaio

Cultura e Memória Social

Semestre

1
Brasília, DF Rio de Janeiro
Faculdade de Administração
e Ciências Contábeis
Departamento
de Biblioteconomia

2018
Permite que outros remixem, adaptem e criem a partir do seu trabalho para fins não
comerciais, desde que atribuam o devido crédito ao autor e que licenciem as novas
criações sob termos idênticos.

Presidência da República Leitor


Sidney de Moraes Sanches
Ministério da Educação
Comissão Técnica
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Célia Regina Simonetti Barbalho
Helen Beatriz Frota Rozados
Superior (CAPES) Henriette Ferreira Gomes
Marta Lígia Pomim Valentim
Diretoria de Educação a Distância (DED)
Comissão de Gerenciamento
Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) Mariza Russo (in memoriam)
Ana Maria Ferreira de Carvalho
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Maria José Veloso da Costa Santos
Nadir Ferreira Alves
Núcleo de Educação a Distância (NEAD)
Nysia Oliveira de Sá
Faculdade de Administração e Ciências Contábeis (FACC) Equipe de apoio
Eliana Taborda Garcia Santos
Departamento de Biblioteconomia
José Antonio Gameiro Salles
Maria Cristina Paiva
Miriam Ferreira Freire Dias
Rômulo Magnus de Melo
Solange de Souza Alves da Silva

Coordenação de
Desenvolvimento Instrucional
Cristine Costa Barreto

Desenvolvimento instrucional
Flavia Busnardo

Diagramação
Patricia Seabra

Revisão da língua portuguesa


Patrícia Sotello

Projeto gráfico e capa


André Guimarães de Souza
Patricia Seabra

Normalização
Dox Gestão da Informação

S192c Sampaio, Jurema Luzia de Freitas.


Cultura e memória social / Jurema Luzia de Freitas Sampaio ; [leitor] Sidney de
Moraes Sanches. – Brasília, DF : CAPES : UAB ; Rio de Janeiro, RJ : Departamento
de Biblioteconomia, FACC/UFRJ, 2018.
82 p. : il.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-85229-52-8 (brochura)
ISBN 978-85-85229-53-5 (e-book)

1. Cultura. 2. Inclusão social. I. Sanches, Sidney de Moraes. II. Título.

CDD 021.2
CDU 316.72(=11/=8)

Catalogação na publicação por: Miriam Dias CRB-7 / 6995


Caro Leitor,
A licença CC-BY-NC-AS, adotada pela UAB para os materiais didá-
ticos do Projeto BibEaD, permite que outros remixem, adaptem e criem
a partir destes materiais para fins não comerciais, desde que atribuam o
devido crédito e que licenciem as novas criações sob termos idênticos. No
interesse da excelência dos materiais didáticos que compõe o Curso Na-
cional de Biblioteconomia na modalidade a distância, foram empreendi-
dos esforços de dezenas de autores de todas as regiões do Brasil, além de
outros profissionais especialistas, no sentido de minimizar inconsistências
e possíveis incorreções. Neste sentido asseguramos que serão bem recebi-
das sugestões de ajustes, de correções e de atualizações, caso seja identi-
ficada a necessidade destas pelos usuários do material hora apresentado.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Brasileiros do século XIX.......................................................... 24

Figura 2 – A atuação protagonista movimenta e transforma a cultura,


promovendo sua expansão, como em uma espiral................... 36

Figura 3 – Inclusão digital: solução para o acesso à informação


ou um passo para a exclusão social?........................................ 41

Figura 4 – A memória é o processo de adquirir, armazenar e recuperar


informações que foram assimiladas pela mente. A memória
social trata de reconstrução a cada vez que é contada............. 45

Figura 5 – A feijoada é um prato típico brasileiro,


mas no Rio de Janeiro, ela faz um grande sucesso!.................. 54

Figura 6 – O frevo pernambucano é um grande exemplo


de Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil................................ 56

Figura 7 – Escravos africanos no Brasil, oriundos de várias nações,


como Benguela, Angola, Congo e Monjolo............................. 69

Figura 8 – As baianas que vendem acarajé podem


ser encontradas por muitas cidades da Bahia........................... 73

Figura 9 – Representantes de tribos indígenas brasileiras: Assurini,


Tapirajé, Kaiapó, Kapirapé, Rikbaktsa e Bororo-Boe................. 77
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA.................................................................... 9
1 UNIDADE 1: VOCÊ SABIA QUE EXISTE
MAIS DE UM CONCEITO DE CULTURA? ..................................................... 11
1.1 OBJETIVO GERAL................................................................................................. 11
1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS...................................................................................... 11
1.3 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 13
1.4 HISTÓRIA DA CULTURA....................................................................................... 16
1.4.1 Indústria Cultural................................................................................................. 18
1.4.2 Atividade.............................................................................................................. 18
1.5 DISPOSITIVOS CULTURAIS.................................................................................... 19
1.5.1 Atividade.............................................................................................................. 22
1.6 AH... A CULTURA BRASILEIRA! SERÁ QUE CONHECEMOS COMO NOSSA ....... 22
1.6.1 Atividade.............................................................................................................. 28
1.7 RESUMO............................................................................................................... 31
2 UNIDADE 2: PROTAGONISMO E INCLUSÃO SOCIAL................................. 33
2.1 OBJETIVO GERAL................................................................................................. 33
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS...................................................................................... 33
2.3 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 34
2.4 O QUE SERÁ PROTAGONISMO? VOCÊ SABE?.................................................... 35
2.5 ESSE TÃO FALADO CONCEITO DE INCLUSÃO SOCIAL........................................ 38
2.6 RESUMO............................................................................................................... 42
3 UNIDADE 3: DOIS TEMAS INTERESSANTES
E INTERLIGADOS: MEMÓRIA SOCIAL E IDENTIDADE ............................. 43
3.1 OBJETIVO GERAL................................................................................................. 43
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS...................................................................................... 43
3.3 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 44
3.4 DIVERSIDADE E PATRIMÔNIO CULTURAL: O QUE É AFINAL?........................... 45
3.5 SABE O QUE É PATRIMÔNIO MATERIAL?........................................................... 48
3.5.1 Atividade.............................................................................................................. 49
3.6 E PATRIMÔNIO IMATERIAL, SABE QUAL A DIFERENÇA PARA O MATERIAL?... 50
3.6.1 Atividade.............................................................................................................. 57
3.6.2 Atividade.............................................................................................................. 59
3.7 RESUMO............................................................................................................... 60
4. UNIDADE 4: A LEI 10.639/03 – CULTURA AFRO-BRASILEIRA E
INDÍGENA NAS ESCOLAS................................................................................ 61
4.1 OBJETIVO GERAL................................................................................................. 61
4.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS...................................................................................... 61
4.3 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 63
4.4 A LEI 10.639/03: COMO SURGIU, PORQUE, COMO, ONDE...
TANTAS QUESTÕES!............................................................................................. 64
4.4.1 Atividade.............................................................................................................. 66
4.5 O QUE SABEMOS SOBRE A CULTURA AFRO-BRASILEIRA?
PRINCIPAIS QUESTÕES NA ATUALIDADE............................................................ 66
4.6 SERÁ QUE CONHECEMOS A CULTURA INDÍGENA COMO DEVERÍAMOS? ....... 76
4.6.1 Atividade.............................................................................................................. 75
4.7 RESUMO............................................................................................................... 84
SUGESTÃO DE LEITURA................................................................................... 84
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 84
APRESENTAÇÃO DA
DISCIPLINA
A disciplina Cultura e Memória Social tem duração de 30 horas e é
composta por quatro unidades temáticas. Dessa maneira, não pretende-
mos esgotar o assunto, mas fornecer um panorama de forma a esclarecer
a ideia de que a cultura e a memória social são construções sociais dinâ-
micas, flexíveis, abertas ao novo e, principalmente, vivas.
Na primeira unidade conheceremos um pouco da história da cul-
tura e seus dispositivos. Vamos discutir os conceitos de cultura nas suas
variadas formas, buscando construir uma base para os desdobramentos
dos demais temas da disciplina.
Na segunda unidade trataremos de Protagonismo e Inclusão Social.
buscando esclarecer seus conceitos e relacionando-os com a produção e
organização de informação e conhecimento sob a visão da cultura.
Na terceira unidade, buscaremos criar bases para a compreensão
dos principais conceitos (patrimônio cultural, material e imaterial) que
sustentam as discussões sobre a construção da identidade e da memória
social.
Por fim, a quarta e última unidade, trata da História e Cultura Afro-
-Brasileira e Indígena, em especial sobre a lei 10.639/03, com destaque
para os principais motivos de sua existência, sua abrangência, sua aplica-
bilidade e impacto na área de ciência da informação.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 9


UNIDADE 1
VOCÊ SABIA QUE EXISTE MAIS DE
UM CONCEITO DE CULTURA?

1.1 OBJETIVO GERAL


Apresentar os conceitos de cultura nas suas variadas formas e sua história, buscando construir uma
base para os desdobramentos dos demais temas da disciplina.

1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS


a) identificar os autores, os princípios e as convenções das definições de Cultura ao longo da história,
assim como a importância de cada abordagem, princípio ou convenção nas práticas culturais por
meio da compreensão dos conceitos de História da Cultura e Indústria Cultural.
b) debater acerca dos dispositivos culturais e formação da cultura brasileira.
c) identificar os significados dos termos Multiculturalismo, Globalização e Hibridismo cultural.
1.3 INTRODUÇÃO
Vamos começar com algumas perguntas: O que é ter cultura? É ter
educação, bons modos? É ter diplomas, ser formado em nível superior,
faculdade? Ou é ter, ou aparentar ter, dinheiro ou outra forma de de-
monstração de sucesso? Como saber se uma pessoa tem, ou não, cultu-
ra?
Muita gente considera que ter cultura significa ter um ‘jeito educado’
para tratar as pessoas, ou seja, ter ou apresentar o que se convencionou
chamar de ‘bons modos’. Outros consideram que ser culto é ser alguém
formado e possuir diplomas. Outros, ainda, consideram que cultura está
relacionada ao poder econômico, ou seja, ser rico ou, pelo menos, apa-
rentar riqueza. E há várias outras opiniões, bastante diversificadas.
Mas, como podemos perceber, quase todas essas afirmações não con-
sideram a hipótese de o significado real de cultura estar ligado à classe
trabalhadora. Ou seja, já assumem que cultura seja algo pertencente aos
que possuem bens, aos “bem nascidos”, ou outro termo qualquer que
separe “povo” e elites. Essa visão não é somente um preconceito sócio
econômico, mas está equivocada também em relação ao que realmente
seja cultura.
Para a Antropologia, o sentido de cultura é muito diferente de tudo
isso que foi dito, pois cultura é a capacidade de atribuir significados às
relações entre os seres humanos e não depende de questões econômicas
para existir.

Explicativo
Cultura é “uma preocupação contem-
porânea, bem vinda nos tempos atuais.
[...] O desenvolvimento da humanidade
está marcado por contatos e conflitos
entre modos diferentes de organizar a
vida social, de se apropriar dos recursos
naturais e transformá-los, de conceber a
realidade e expressá-la. A história regis-
tra com abundância as transformações
porque passam as culturas, seja movidas
por suas próprias forças internas, seja
em consequências desses contatos e
conflitos, mais frequentemente por am-
bos os motivos.” (SANTOS, 2005, p. 7)1

1
SANTOS, J.L. O que é Cultura? São Paulo: Brasiliense, 2005. 11ª reimpressão da 16ª edição, de
1996. Coleção Primeiros Passos.

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Sabemos que todas as palavras carregam uma importância cultural, um
contexto histórico em que surgiram ou em que seu uso se tornou comum.
Como as demais, a palavra cultura carrega uma história de origem e evolução
até chegar ao que compreendemos como cultura hoje em dia. Assim, antes
de discutir cultura, primeiro precisamos entender o que é cultura, e qual o
significado dessa palavra e desse conceito ao longo do tempo. Compreender
o conceito de cultura em toda a sua profundidade é reconhecer que cada
pessoa, possui uma cultura que é o reflexo de seu país, sua região, sua família,
e, faz parte da sua maneira particular de existir e se colocar no mundo.

Atenção
Compreender o que é cultura é de fundamental importância. Co-
nhecer a cultura do outro colabora para saber como esse ser humano
pode complementar a nossa cultura. É um círculo virtuoso que vive
de forma dinâmica, alimentando, mutuamente a evolução humana.

O conceito de cultura, segundo Alfredo Bosi em Dialética da Coloniza-


ção (1987, p. 53), vem de colo (verbo). Colo, para os antigos romanos,
significava eu cultivo em particular, o solo. O sentido básico de colo é
tomar conta de, cuidar. Cultus, particípio passado de colo, é aquilo que
já foi trabalhado. De cultum deriva outro particípio o futuro culturus,
cujo sentido é o que se vai trabalhar ou aquilo que se pretende cultivar.

Definições de cultura foram realizadas por Ralph Lin-


ton, Leslie White, Clifford Geertz, Franz Boas, Ma-
linowski e outros cientistas sociais. Em um estudo
aprofundado, Alfred Kroeber e Clyde Kluckhohn
encontraram pelo menos 167 definições diferentes
para o termo cultura. (MORAES, 2012, p. 4)

Inicialmente, a palavra cultura, por ser um derivado de colo, significa-


va, rigorosamente, “aquilo que deve ser cultivado” (BOSI, 1987, p. 53).
Ainda segundo Bosi, “esse significado material da palavra, relacionado
com a sociedade agrária, durou séculos” e, do ponto de vista histórico, a
cultura se aproximou de colo e se distanciou de ‘cultus’.

[...] o alimento, o vestuário, a relação homem-mulher,


a habitação, os hábitos de limpeza, as práticas de
cura, as relações de parentesco, a divisão das tarefas
durante a jornada e, simultaneamente, as crenças, os
cantos, as danças, os jogos, a caça, a pesca, o fumo,
a bebida, os provérbios, os modos de cumprimentar,
as palavras tabus, os eufemismos, o modo de olhar, o
modo de sentar, o modo de andar, o modo de visitar
e ser visitado, as romarias, as promessas, as festas de
padroeiro, o modo de criar galinha e porco, os modos
de plantar feijão, milho e mandioca, o conhecimento
do tempo, o modo de rir e de chorar, de agredir e de
consolar. (BOSI, 1987, p. 53)

14 Cultura e Memória Social


Curiosidade
Nós, brasileiros, acostumados ao calor dos trópicos, nos refe-
rimos à neve como neve, e ponto final. Uma única palavra defi-
ne, para nós, o que é neve. Para os esquimós, povos indígenas
que habitam tradicionalmente as regiões em torno do Círculo
Polar Ártico, no extremo norte do planeta Terra, há uma varieda-
de maior de palavras, mais específicas, para cada tipo de neve.
Embora haja uma espécie de mito de que os esquimós têm ‘cen-
tenas’ de palavras para neve, Anna Berge e Luciana Whitaker
(2014) esclarecem, que “a diversidade de dialetos entre as etnias
ajudou a difundir o mito”, mas que “para cada povo, são entre
cinco e sete palavras” (BERGE, 2014; WHITAKER, 2008). Embora
desfazendo o mito das centenas de palavras, podemos perceber
que as “cinco a sete” palavras para neve já são bem mais do que
a única que usamos.

Fonte: Disponível em: <https://pt.Wikipédia.org/wiki/Esquim%C3%B3s#/media/


File:Eskimo_Family_NGM-v31-p564-2.jpg>. Acesso em: 14 out. 20182

No vocabulário inuit, é assim:


TLAPA – Muito fina, em pó
TLAMO – Cai em flocos grandes
TLATIM – Cai em flocos pequenos
KRIPYA – Neve que derreteu e recongelou
TLAYING – Misturada com barro
KRIPLYANA – Neve dura e azulada.
(BERGE, 2014; WHITAKER 2008, p.1)

Por que isso acontece? Isso acontece porque, para os esquimós,


a neve é uma realidade muito mais próxima de seu dia a dia e
desconhecer suas variáveis pode interferir em sua segurança e co-
locar em risco sua vida. Para nós, que vemos neve eventualmente,
em viagens, esse conhecimento não se mostra muito necessário.
A cultura esquimó, embora pouco conhecida, não se resume a ter
palavras a mais para diferenciar os tipos de neve. É considerada,

2
KING, G. R. An eskimo family. National Geographic Magazine, v. 31, p. 564, 1917.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 15


pelos estudiosos, uma das mais amplas e homogêneas do planeta.
Não temos, na nossa cultura, uma homogeneidade tão marcada
como os esquimós.
Fonte: BERGE, A. “Como vivem os esquimós?.” Revista Mundo Estranho. ed. 128.
Disponível em: <http://mundoestranho.abril.com.br/materia/como-vivem-os-esquimos>. Acesso
em out. 2014.

Agora que já conhecemos um pouco sobre a origem da palavra cultu-


ra e seu conceito, vamos conhecer mais sobre a História da Cultura?

1.4 HISTÓRIA DA CULTURA


Nos dias de hoje é bem tranquilo para nós entendermos que a cultura
tem uma história. Mas nem sempre foi assim, Peter Burke nos esclarece
que:

A história cultural não é uma descoberta ou inven-


ção nova. Já era praticada na Alemanha com esse
nome (Kulturgeschichte) há mais de 200 anos. Antes
disso havia histórias separadas da filosofia, pintura,
literatura, química, linguagem e assim por diante. A
partir de 1780, encontramos histórias da cultura hu-
mana ou de determinadas regiões ou nações. (BUR-
KE, 2008, p. 15)

O antropólogo inglês Edward Burnett Tylor (1832-1917), defensor do


pensamento do evolucionismo social, acreditava que as teorias evolucio-
nistas do biólogo Charles Darwin poderiam ser aplicadas às sociedades,
assim afirmando que podem haver sociedades mais ou menos evoluídas.
Tylor foi quem formulou a síntese do conceito, no sentido etnográfico,
contido na palavra culture, do inglês, que inclui conhecimentos, cren-
ças, arte, moral, leis, costumes e demais hábitos assumidos pelo homem
como membro de uma sociedade.
Na definição de Tylor, uma única palavra abrangia todas as possibi-
lidades das realizações humanas, com grande ênfase na ideia de que a
aquisição de cultura é inata, e transmitida biologicamente.
Não é exatamente isso que a antropologia nos dias atuais acredita,
mas o esclarecimento da história contextualiza o nosso modo de ver a
cultura. Ou seja, a cultura, como a vemos hoje, tem uma história, e essa
história é, muitas vezes, também um modo de ver a cultura.
Se observarmos como os europeus olham para o ‘resto do mundo’,
considerando que sua cultura é superior e “anterior” a do que chamam
de “povos primitivos”, podemos perceber que há, claramente, uma visão
evolucionista e eurocêntrica, que considera a Europa o centro da “civiliza-
ção”, que é o modo que os franceses se referem à cultura e sua história.
Mas há outras formas de olhar a cultura e a história da cultura. Vamos
conhecer?

16 Cultura e Memória Social


Segundo Santos (2005, p. 22-23), “há várias maneiras de enten-
der o que é cultura”, que geram “duas concepções básicas.” Uma
que se preocupa com os aspectos de uma realidade social, ou seja,
que entende cultura como “tudo que caracteriza a existência social
de um povo ou nação” (SANTOS, p. 24) e outra que se refere “ao
conhecimento, às ideias e crenças e como elas existem na vida social”
(SANTOS, p. 25).
Alguns outros pesquisadores afirmam que a divisão entre aspectos
‘materiais’ e ‘espirituais’ da vida humana determinaria as diversas con-
cepções e o modo como se estuda a cultura. Esclarecendo que ‘espiritual’
não se relaciona à religião, mas sim à imaterialidade da cultura, como
os aspectos das línguas, as relações sociais, as leis e costumes, como
culinária, cantigas, festas etc. Segundo esses pesquisadores, os aspec-
tos espirituais, junto com os aspectos físicos, como artefatos, utensílios,
construções e outros é que formam a cultura. Laraia (2003), tendo como
base os estudos do antropólogo norte americano Alfred Froeber, afirma
que é graças à cultura que os seres humanos se distanciam dos aspectos
animais, biológica e socialmente.
O que se opõe a essa ideia são as afirmações de Humberto Ma-
turana e Francisco Varela (2005), em seu A árvore do Conhecimento
(1984). Nessa obra os autores trazem informações de estudos sobre
a capacidade comunicacional dos animais, em especial dos “prima-
tas superiores” (que se assemelham, geneticamente, aos humanos em
98% do código genético), onde esses 2% que diferenciam o código
genético entre homens e primatas seriam os responsáveis pela lingua-
gem e estilo de vida.
No entanto, se entendermos cultura como “um sistema de ideias,
conhecimentos, técnicas e artefatos, de padrões de comportamento e
atitudes que caracteriza uma determinada sociedade” (WILLEMS apud
PELLEGRINI; SANTOS, 1989, p. 21), e um “conjunto de modos de ser,
viver, pensar e falar de uma dada formação social” (BOSI, 1992, p. 319),
percebemos que a cultura é um elemento vivo e em constante modifica-
ção, ligado às situações de tempo e espaço e as vivências das pessoas.
Para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO):

A cultura tradicional e popular é um conjunto de


criações que emanam de uma comunidade cultural
fundada na tradição, expressas por um grupo ou por
indivíduos e que reconhecidamente respondem às ex-
pectativas da comunidade enquanto expressão de sua
identidade cultural e social; as normas e os valores
se transmitem oralmente, por imitação ou de outras
maneiras. Suas formas compreendem, entre outras,
as línguas, a literatura, a música, a dança, os jogos,
a mitologia, os rituais, o artesanato, a arquitetura e
outras artes. (UNESCO, 1989)

Assim, ao nos aproximarmos dos aspectos mais populares da cultu-


ra podemos compreender melhor a nossa própria cultura, seja como
grupo, seja como indivíduos. Não é fascinante esse processo contínuo
de trocas?

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 17


1.4.1 Indústria Cultural
O termo indústria cultural (em alemão Kulturindustrie) foi criado pe-
los filósofos e sociólogos alemães Theodor Adorno (1903-1969) e Max
Horkheimer (1895-1973) como forma de identificar a posição da arte em
relação à sociedade capitalista industrial (ADORNO, T.; HORKHEIMER, M.,
2002).
Diante disso, nós nos remetemos à Indústria Cultural que desenvolve
produtos sem história, sem memória, sem processo, e, por isso, não sig-
nifica, não é signo. É a cultura de massa que, “entra na casa do caboclo
e do trabalhador da periferia, ocupando-lhe as horas de lazer em que po-
deria desenvolver alguma forma criativa de auto expressão” (BOSI, 1978,
p. 65).
A indústria cultural massifica produtos, arte e bens culturais sem
respeitar seus significados e signos originais, num processo de im-
posição que desvaloriza a cultura, ao invés de promovê-la, criando
produções “fordistas” de bens de consumo, que estão longe de re-
presentarem a cultura. É certo que a possibilidade de alcançar muitas
pessoas é boa, é a possibilidade de levar cultura para um maior nú-
mero de pessoas. No entanto, esse modo de fazer cultura, a partir da
lógica da produção industrial, busca somente o lucro, e define qual
tipo de objetos culturais podem ser consumidos, resultando em pro-
duções com qualidade inferior e impostas ao público, quase sempre
com ‘gosto’ inferior.

1.4.2 Atividade
Vamos verificar o que aprendemos?
Sabemos que toda cultura carrega uma história e que cada re-
gião ou país acaba desenvolvendo sua cultura de acordo com sua
história, assim como cada um de nós desenvolve a própria história
a partir do contexto em que está inserido. Deste modo, podemos
afirmar que:
a) ( ) O comportamento e os costumes dos povos não são formas
para garantir e eternizar a sua sobrevivência, o que nos leva
a concluir que sua cultura irá desaparecer.
b) ( ) Diferentes culturas podem produzir um mesmo objeto em
momentos diferentes, de modos diferentes, porém esses ob-
jetos, mesmo que se assemelhem, guardam características
únicas dessa cultura.
c) ( ) Os povos encontram soluções diferentes para resolver os
problema e copiam as soluções de povos primitivos, assim, é
possível encontrar um povo sem cultura própria.
d) ( ) Para entendermos o que é cultura, cultura brasileira e cultura
popular, não precisamos compreender o sistema, a malha e
as tramas em que está inserida a cultura, somente saber a
história do Brasil é suficiente.
e) ( ) A televisão transforma tudo em produto, o que gera um es-
clarecimento maior do que é o verdadeiro fazer cultural de
um povo, em especial no Brasil onde a TV é muito forte.

18 Cultura e Memória Social


1.5 DISPOSITIVOS
CULTURAIS
Você sabe o que são dispositivos culturais?
Vários autores estudam e pesquisam sobre dispositivos culturais. A
concepção do que seja um dispositivo cultural que vamos tomar como
base nessa disciplina, foi desenvolvida por Ivete Pieruccini (2004, p. 44).
Para a autora, dispositivos culturais são

[...] todo e qualquer mecanismo (técnico e simbólico)


capaz de promover a relação, organizar a realidade
e fornecer um instrumento para o pensamento [...]
(sendo) possível caracterizá-lo como um quadro se-
miótico que produz significados, no interior do qual
o sujeito opera. [...] Os dispositivos, enfim, não ape-
nas expressam como também definem, por meio dos
discursos implícitos em sua configuração, modos de
relação entre os sujeitos e o universo simbólico [...].
(PIERUCCINI, 2004, p. 44)

Ou seja Pieruccini (2007) nos apresenta a concepção de dispositivo


como “um local social de interação e de cooperação”, um local de
relações e de ação, não algo estático e congelado. Ao contrário, para
a autora, os dispositivos “ordenam, organizam, dizem, narram,
interfe-indo na apropriação da informação”, o que signifi ca que têm
atuação constante ativa e direta na forma como nos relacionamos
com as informações e com a construção de conceitos e conteúdos
culturais.
Junto com Perrotti, Pieruccini (2007, p. 73) desenvolve ainda a
noção de apropriação cultural, que é o que transforma o indivíduo em
“protagonista cultural”, “produtor e criador de significados e
sentidos”, por “participação ativa e afirmativa na vida
cultural” (PERROTI; PIERUCCINI, 2007, p. 57). Ou seja, quando se
apropria da cultura é que o indivíduo (seja você ou eu) assume papel
ativo na vida cultural.
O que nos esclarece que, para haver protagonismo cultural, é
necessário haver envolvimento e apropriação da cultura; é necessário
sentir-se membro, parte da cultura para, assim, transformá-la e
produzir novos bens, objetos e dispositivos culturais.
E como nos sentimos parte da cultura? Vivenciando-a e percebendo-
a nas suas mais simples manifestações, como por exemplo, nossos
hábitos e costumes, nossa alimentação, o modo como nos vestimos e
nos comportamos em sociedade.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 19


Atenção
Os dispositivos culturais são um conjunto de práticas, propostas,
políticas e ações que juntos aproximam os sujeitos das práticas cul-
turais. Diferenciam-se dos objetos culturais por não se restringirem
somente à materialidade dos objetos, mas englobarem também as
questões imateriais.

Cretella Júnior nos esclarece que:

[...] Objetos Culturais são aqueles aos quais o homem


acrescentou a marca de sua individualidade, objetos
que passaram da natureza para a sociedade, numa
trajetória do dado ao construído, num trabalho de va-
loração evidente, numa transposição progressiva da
categoria natural para a categoria cultural. (CRETELLA
JÚNIOR, 1998, p. 57.).

Isso não engloba somente os objetos artísticos que, embora também te-
nham um significado para alguma cultura, pois é na cultura que a arte se
manifesta, contém uma intencionalidade artística que os diferencia dos demais
tipos de objetos culturais.
Objetos culturais são os objetos que representam um significado, seja
estético, utilitário ou qualquer outro que possa ser proposto pelo homem.
Por exemplo, o Estádio do Maracanã é um objeto cultural que representa
o futebol e é, ao mesmo tempo, um dispositivo cultural.
Os objetos culturais devem ser investigados em seus contextos
de ação, de maneira que o espaço cultural e o tempo completem o seu
sentido: as formas de registro e a apropriação criativa.
Já sabemos que toda cultura carrega uma história e que
diferentes culturas produziram objetos semelhantes, em momentos
diferentes. O espanhol Fernando Hernandez (1998) chama de Objeto
Cultural toda produção das Artes Visuais, seja ela bidimensional
(altura e largura) ou tridimensional (altura, largura e profundidade).
Mas não só a arte produz objetos culturais. Sabiam que também são
objetos culturais coisas simples, do nosso dia a dia, como, por
exemplo, os talheres? No ocidente usamos talheres como garfos,
colheres e facas. No oriente, os hashis são usados para se alimentar.
Essas diferenças são fatos culturais interessan-tes de se observar!

20 Cultura e Memória Social


Curiosidade
Até o século XI, quase todo mundo comia com as mãos. Os
mais educados eram aqueles que usavam apenas três dedos para
levar o alimento à boca. Naquele século, Domenico Salvo, mem-
bro da corte de Veneza, casou-se com a princesa Teodora, de
Bizâncio. Ela trouxe no enxoval um objeto pontudo, com dois
dentes, que usava para espetar os alimentos. Esse primeiro garfo
foi considerado uma heresia: o alimento, fornecido por Deus era
sagrado e tinha de ser comido com as mãos. Mas, pouco a pou-
co, membros da nobreza e do clero foram adotando o talher. O
hábito demorou a pegar entre a população: com mais dentes, o
espeto só se tornou popular mesmo no século XIX. Já a faca é o
mais antigo dos talheres: foi o Homo erectus, que surgiu na Terra
há 1,5 milhão de anos, quem criou o primeiro objeto cortante, fei-
to de pedra, para caça e defesa. Desde então, o homem sempre
carregou uma faca.
Na Idade do Bronze, que começou por volta de 3000 a.C., ela
passou a ser feita com esse metal e a mesma faca que servia para
matar era usada também para descascar frutas. O primeiro a su-
gerir que cada homem deveria ter um talher para ser usado ex-
clusivamente à mesa foi o cardeal francês Richelieu (1585-1642),
um fervoroso defensor das boas maneiras, por volta de 1630. Ao
contrário da faca, a colher já surgiu com o objetivo de ser usada à
mesa. Há registros arqueológicos de artefatos parecidos com mais
de 20.000 anos, feitos de madeira, pedra e marfim. Mas, no início,
a colher era de uso coletivo e parecia uma concha. “Quando surgiu
o pão, há 12.000 anos, já se usava uma colher para jogar o caldo
sobre ele”, afirma o sociólogo Gabriel Bollaffi, da Universidade de
São Paulo (USP).
Fonte: MUNDO ESTRANHO. Como surgiram os talheres? História. Disponível em: <http://
mundoestranho.abril.com.br/materia/como-surgiram-os-talheres>. Acesso em: dez. 2014.

1.5.1 Atividade
Vamos exercitar nossa percepção? Vamos fazer uma lista em
duas colunas. Na primeira coluna vamos listar os dispositivos cultu-
rais que conhecemos, e que existem na comunidade em que vive-
mos. Na segunda, vamos listar os objetos culturais que identifica-
mos no nosso dia a dia.

Dispositivos Culturais Objetos Culturais

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 21


1.6 AH... A CULTURA
BRASILEIRA! SERÁ QUE
CONHECEMOS COMO
NOSSA CULTURA É
FORMADA?
Sabe que o maior problema ao se tentar definir a cultura
brasileira é que isso sempre nos leva ao encontro de um debate
ainda não definido do que seja o próprio significado da ideia de
“cultura brasileira”?
Pois bem, um breve estudo sobre a história do Brasil nos mostra
que é só no período republicano, de 1889 em diante, que começa
a haver uma reflexão mais aprofundada sobre o conceito
de Cultura Brasileira. Isso porque, lá no período colonial
(1500-1822) e no período imperial (1822-1889), não se tem
ainda uma Cultura Brasileira. Inicialmente por não haver
exatamente um país a que se possa atribuir uma identidade cultural e,

também, pelo motivo de haver uma inegável influência do eurocentrismo


nos dispositivos culturais e cenários acadêmicos e artísticos brasileiros.
Já vimos que o eurocentrismo considera avaliativamente as demais
culturas em relação à Europa ser o centro do evolucionismo cultural, ou
seja, o que é mais, ou menos evoluído, em relação ao que se pratica na
Europa. Assim, a “Cultura Brasileira” era, nesse período, uma tentativa
de espelhar e imitar a cultura europeia vigente, buscando igualar ao que
se considerava certo.
Hoje sabemos que a Cultura Brasileira sofre influência direta das diversas
Etnia – Grupo de pessoas que, etnias e culturas, dos diversos povos e grupos étnicos que contribuíram e
embora possua a mesma origem
contribuem para a formação do povo brasileiro. Assim, as chamadas ‘matri-
ou história, tem diferenças
zes da cultura brasileira’ (principalmente brancos, negros e índios e, poste-
de origem sociocultural,
como: idioma, religião, riormente, imigrantes de diversas origens, inclusive orientais) que influenciam
hábitos ou comportamentos. na composição da nossa identidade, trazem consigo hábitos e costumes que
Termo comumente usado se originam de práticas culturais diversas e, cultura é, primordialmente,
para se referir à semelhança
biológica, caracterizada pelo [...] o conjunto das práticas, das técnicas, dos símbo-
compartilhamento da mesma raça los e dos valores que se devem transmitir às novas
e/ou cultura. (Etm. etno + ia) gerações para garantir a reprodução de um estado
de coexistência social. A educação é o momento ins-
Fonte: Dicionário on-Line de português.
Disponível em: <http://www.dicio.com.br/ titucional marcado do processo” (BOSI, 1992, p.10).
etnia>. Acesso em: dez. 2014.
O pesquisador Aldo Moraes (2012) nos diz que no Brasil

22 Cultura e Memória Social


[...] embora seja um país de colonização portugue-
sa, outros grupos étnicos deixaram influências pro-
fundas na cultura nacional, destacando-se os povos
indígenas, os africanos, os italianos e os alemães. As
influências indígenas e africanas deixaram marcas no
âmbito da música, da culinária, do folclore, do arte-
sanato, dos caracteres emocionais e das festas popu-
lares do Brasil, assim como centenas de empréstimos
à língua portuguesa. É evidente que algumas regiões
receberam maior contribuição desses povos: os esta-
dos do Norte têm forte influência das culturas indíge-
nas, enquanto algumas regiões do Nordeste têm uma
cultura bastante africanizada, sendo que, em outras,
principalmente no sertão, há uma intensa e antiga
mescla de caracteres lusitanos e indígenas, com me-
nor participação africana. (MORAES, 2012, p. 9)

A sociedade brasileira se formou a partir da miscigenação dessas et-


nias e culturas, e “abraça” todas as diferenças, resultando numa cultura
híbrida, nem sempre harmônica, mas que procura equilibrar os traços
positivos adequados à “brasilidade” e ao que é conhecido como demo-
cracia étnica racial.

Atenção
Darcy Ribeiro procurou destacar que

Nós, brasileiros, somos um povo em ser impedido de


sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, já que
aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela
fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa
massa de nativos oriundos da mestiçagem viveu por
séculos sem consciência de si, afundada na ninguen-
dade. Assim foi até se definir como uma nova identi-
dade étnico-nacional de brasileiros. Um povo até hoje
em ser na dura busca de seu destino. Olhando-os, ou-
vindo-os, é fácil perceber que são, de fato, uma nova
romanidade, uma romanidade tardia, mas melhor,
porque foi lavada em sangue índio e sangue negro.
(RIBEIRO, 1995, p. 453)
É preciso destacar que conhecer e diferenciar os conceitos de cultura,
Multiculturalismo (ou pluralismo
além de Multiculturalismo, Globalização e Hibridismo Cultural é impor-
cultural) é um termo que descreve
a existência de muitas culturas
tante ao se estudar o tema.
numa região, cidade ou país, com Isso porque essas expressões trazem, em si, conceitos e abordagens in-
no mínimo uma predominante. A teressantes e diversificados na busca da atualização constante do conceito
globalização acentua ainda mais de cultura e auxiliam aos estudos e propostas de valorização da e das cul-
essa mistura cultural. O Brasil,
turas que, como já vimos, são organismos vivos e em constante mudança.
por exemplo, traz em sua cultura
traços de muitas outras. Em pontos Como vemos na imagem a seguir, a composição étnica brasileira se faz
específicos do país isso é mais pela miscigenação das matrizes brancas europeias, negras africanas e ama-
nítido. relas indígenas, resultando num pluralismo étnico e numa multiculturalida-
Fonte: Banco de Conceitos. STOA USP. de como característica ‘natural’ de nossa composição como um povo.
Disponível em: <http://disciplinas.
stoa.usp.br/mod/glossary/view.
php?id=62879&mode=author&hook= Figura 1 – Brasileiros do século XIX
T&sortkey=FIRSTNAME&sortorder=asc>.
Acesso em: dez. 2014. 1ª linha: brasileiros brancos. 2ª linha: brasileiros pardos (da esquerda para a direita: duas
mulheres mulatas, duas mulheres cafuzas e uma garota e um homem caboclo). 3ª linha:
Globalização – O termo três brasileiros índios de diferentes tribos seguidos por afro-brasileiros de diversas etnias.
globalização surgiu após a Guerra
Fria tornando-se o assunto do
momento, aparecendo nos círculos
intelectuais e nos meios de
comunicação, tornando possível
a união de países e povos.
Essa união nos dá a impressão
de que o planeta está ficando
cada vez menor. Um dos mais
importantes fatores que contribui
para a união desses povos é, sem
dúvida, a internet. É impossível
falar de globalização sem falar
da Internet, que a cada minuto
nos proporciona uma viagem
pelo mundo sem sair do lugar.
Dentro da rede conhecemos novas Fonte: Wikipédia (2003-2006)3
culturas, podemos fazer amizades
com pessoas que moram horas
de distância, trabalhamos e ainda
podemos nos aperfeiçoar cada vez
mais nos assuntos ligados a nossa
área de interesse. Através dela
milhões de negócios são fechados
por dia!
Fonte: GOMES, C. Globalização. InfoEscola.
Disponível em: <http://www.infoescola.
com/geografia/globalizacao/>. Acesso em:
dez. 2014.

3
ERMAKOFF, G. Rio de Janeiro – 1840-1900: uma crônica fotográfica. Rio de Janeiro: G.
Ermakoff Casa Editorial, 2006.
LAGO, B. C. do. Os fotógrafos do Império: a fotografia brasileira no Século XIX. Rio de
Janeiro: Capivara, 2005.
VASQUEZ, P. K. O Brasil na fotografia oitocentista. São Paulo: Metalivros, 2003.
Disponível em: <https://pt.Wikipédia.org/wiki/Composi%C3%A7%C3%A3o_%C3%A9tnica_
do_Brasil#/media/File:Brasileiros_do_seculo_XIX.png>. Acesso em: 14 out. 2018.

24 Cultura e Memória Social


Curiosidade
Há uma historinha, cuja origem não é
conhecida, que no “mercado negro” inter-
nacional de documentos, um passaporte bra-
sileiro é bastante cobiçado por assaltantes e
bandidos especializados em falsificações de
documentos. Por isso, os turistas brasileiros
seriam “alvos” principais desses bandidos,
em viagens, porque nosso passaporte valeria
muitos dólares, ou euros, para ser ‘revendi-
do’ em uma falsificação, para pessoas que
desejem mudar de identidade de forma não
lícita. Isso porque, em teoria, “qualquer um” pode ser brasileiro.
Não teríamos um único padrão étnico, como outros povos, e, as-
sim, qualquer aparência pode ser a aparência de um brasileiro!
Se é verdade, ou não, não sabemos. Mas é bom não arriscar
e cuidar bem de seus documentos em uma viagem internacional,
não acham?
Fonte da imagem: WIKIMEDIA. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/Fi-
le:Passaportebrasileironovo2006.jpg>. Acesso em: 14 out. 2018.4

Já vimos, na Seção 1 desta unidade, que cultura, culto e colonização


são palavras que têm uma mesma origem. Mesmo assim, a característica
de ser viva e em constante mudança, faz da cultura um organismo em
eterna movimentação. Desse modo, dificilmente poderia existir a chama-
da cultura ‘pura’, pois todas são exemplos de relações humanas.
Por termos sido colonizados prioritariamente por portugueses, herda-
mos o idioma, e muitos dos hábitos, mas outros povos também sofreram
influências dos portugueses e, mesmo assim, desenvolveram suas pró-
prias tradições e sua própria cultura.

Multimídia
Vídeo Além Mar – Identidade
Duração: 00:51:17
Série: Além Mar
Nível de ensino: Geral
Sinopse: A vida de povos unidos pelo idioma Português mostra
que aqueles colonizados por Portugal em suas grandes navegações
souberam aproveitar de maneira positiva essa mistura cultural.

4
Autor: Polícia Federal do Brasil (2006).

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 25


Link para assistir o vídeo: <https://www.youtube.com/watch?v=1ze8FN78glU>.

José Teixeira Coelho Netto nos apresenta o conceito de ação cultural,


esclarecendo que sua função é fornecer os meios para que “as pessoas
inventem seus próprios fins no universo cultural” (TEIXEIRA COELHO
NETTO, 1986). Ou seja, ação cultural é uma “intervenção sociocultural
não continuada” (TEIXEIRA COELHO NETTO, 1986). Na sua definição,
mediação cultural é:

Processos de diferente natureza cuja meta é promover


a aproximação entre indivíduos ou coletividades e obras
de cultura e arte. Esta aproximação é feita com o obje-
tivo de facilitar a compreensão da obra, seu reconheci-
mento sensível e intelectual – com o que se desenvolvem
apreciadores ou espectadores, na busca de formação de
públicos para a cultura ou de iniciar esses indivíduos e co-
letividades na prática efetiva de uma determinada ativi-
dade cultural. (TEIXEIRA COELHO NETTO, 1986, p. 248)

O que compreendemos é que para que a nossa cultura se mantenha


viva a dinâmica, temos que nós mesmos atuarmos como mediadores da
ação cultural, promovendo-a, vivenciando-a e reinventando-a de forma
contínua, respeitando as variações e modificações que os demais agentes
também realizam, intensificando as relações.

Curiosidade
Um dos campos onde percebemos claramente a maior diver-
sidade de influências e relações que compõem a cultura brasileira
é a culinária. A culinária brasileira é tão rica e diversificada que
influencia até a música! A pesquisadora Juliana Oliveira (2013) nos
esclarece que:

Nas diferentes regiões do Brasil, apresentam-se cren-


ças e tabus, diferentes hábitos e costumes. Para
exemplificarmos um pouco alguns deles começare-
mos pelo norte do país, onde predomina a influên-

26 Cultura e Memória Social


cia da culinária indígena, baseada na mandioca e
em peixes. Outros alimentos típicos do povo nortista
são: carne de sol, tucupi (caldo da mandioca cozida),
jambu (um tipo de erva), camarão seco e pimenta-
-de-cheiro. Os pratos típicos da região Centro-oeste
são compostos por arroz com pequi, sopa paraguaia,
arroz carreteiro, arroz boliviano, empadão goiano,
pamonha, angu, curau e os peixes do Pantanal, como
o pintado, pacu, dourado, entre outros.
Na região Sudeste os alimentos consumidos são bem
diversificados e apresentam forte influência do índio,
do escravo e dos diversos imigrantes europeus e asiá-
ticos. Entre os pratos típicos se destacam a moqueca
capixaba, o pão de queijo, o feijão tropeiro, a carne de
porco, a feijoada, o aipim frito, o bolinho de bacalhau,
o picadinho, o virado à paulista, o cuscuz paulista, a
farofa, o angu e a pizza. No Sul do país, churrasco,
chimarrão, camarão, pirão de peixe, marreco assado,
barreado (cozido de carne em uma panela de barro) e
vinho sofrem predominância de consumo. Já os pra-
tos típicos da região nordeste são: carne de sol, peixes,
frutos do mar, buchada de bode, sarapatel, acarajé,
vatapá, cururu, feijão verde, canjica, arroz doce, bolo
de fubá cozido, bolo de massa de mandioca, broa de
milho verde, pamonha, cocada, tapioca, pé de mole-
que, entre tantos outros. (OLIVEIRA, 2013, p. 1)

Se formos estudar a cultura brasileira somente pelo aspecto da


culinária isso já demandaria um imenso tempo de dedicação, tama-
nha é a variedade e qualidade da culinária cultural brasileira.

Multimídia

Procure conhecer a música Vatapá, de Dorival Caymmi. Na letra dessa canção há a receita
completa do vatapá baiano.

Fonte: WIKIPÉDIA. Elingunnur. Disponível em: <https://pt.Wikipédia.


org/wiki/Vatap%C3%A1#/media/File:Vatap%C3%A1.jpg>. Acesso em: 14 out. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 27


“Quem quiser vatapá, ô que procure fazer.
Primeiro o fubá, depois o dendê.
Procure uma nêga baiana, ô
Que saiba mexer, que saiba mexer, que saiba mexer.
Bota castanha de caju, um bocadinho mais,
Pimenta malagueta, um bocadinho mais,
Bota castanha de caju, um bocadinho mais,
Pimenta malagueta, um bocadinho mais.
Amendoim, camarão, rala um coco,
Na hora de machucar,
Sal com gengibre e cebola, iaiá,
Na hora de temperar.” (...)
Fonte: YOUTUBE. <https://www.youtube.com/watch?v=RIiaHFxiAhA>. Acesso em: 14 out.
2018.

Para conhecer mais músicas que falam sobre comidinhas e gos-


tosuras mais do que tradicionais!
• Gilberto Gil – Sítio do pica-pau amarelo
Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=hQ_YIbw-
q4O0>.
• Tim Maia – Chocolate
Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=1d3nDXe-
N8hA>.
• Silvio Brito – Farofa
Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=lP9kfoSscbI>.
• Braguinha – Yes, nós temos bananas
Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=Ld2o_
aP6xXY#t=17>. (com Ney Matogrosso)
• Chico Buarque – Feijoada completa
Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=-
W8nyY39Oo50>.

1.6.1 Atividade
Já percebeu que os sotaques no Brasil variam muito, de acordo
com as regiões? Além dos sotaques, também existem expressões,
palavras e objetos que, regionalmente, adquirem significados di-
ferentes. Por exemplo, o pãozinho francês de alguns lugares (em
geral, na região sudeste), no Rio Grande do Sul se chama caceti-
nho. No mesmo estado, o docinho que a maioria do Brasil conhece
como Brigadeiro, se chama negrinho.

28 Cultura e Memória Social


Pesquise entre seus amigos e familiares outros exemplos e crie
uma lista, identificando o objeto com uma imagem, o nome dele, e
a região onde é chamado dessa forma, de acordo com o exemplo
a seguir.

Imagem Nome em sua


Localidade
do Objeto localidade
atiradeira Brasil – Rio de Janeiro
bodoque Brasil – São Paulo
Brasil (zonas rurais em ge-
estilingue ral – derivado do inglês sling e
slingshot)
fisga Portugal
funga Angola
Fonte: FERREIRA, A.B.H. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Positivo, 2010.

1.7 RESUMO
Na unidade 1 conhecemos os diversos conceitos de cultura, de acordo
com a História da Cultura; conhecemos como se construiu a História da
Cultura, aprendemos sobre o que são e como são compostos os dispositi-
vos culturais, conhecemos o conceito de Indústria Cultural e começamos
a conhecer um pouco da Cultura Brasileira e sua formação.
Na próxima unidade vamos conhecer sobre protagonismo cultural e
inclusão social e sua relação com a cultura. Diante de todas essas pers-
pectivas de cultura, esta unidade se constitui de modo a proporcionar
o conhecimento e as oportunidades de contato e vivências em diversas
ações culturais, muitas vezes vividas de forma desconectada dessa per-
cepção, de modo a promover reflexão e compartilhar saberes, valorizan-
do a cultura democrática para despertar a ampliação do aprendizado
como instrumento de inserção social.

5
UOL. Os diversos falares regionais: um olhar curioso. UOL Português. Semântica. Disponível em:
<http://www.portugues.com.br/gramatica/os-diversos-falares-regionais-um-olhar-curioso.html>.
Acesso em: 14 out. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 29


UNIDADE 2
PROTAGONISMO
E INCLUSÃO SOCIAL

2.1 OBJETIVO GERAL


Apresentar os conceitos de protagonismo e inclusão social, relacionando-os com a produção e orga-
nização de informação e conhecimento.

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS


a) Identificar o conceito de protagonismo/protagonista cultural na perspectiva da apropriação
cultural.
b) Reconhecer as abordagens da expressão “inclusão social.”

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 33


2.3 INTRODUÇÃO
Você já parou para pensar qual papel exerce diante da cultura?
Já se questionou se é alguém que “consome” a cultura ou alguém
que age sobre ela? Como lida com as informações, de modo geral,
Apropriação. Ato de apropriar costuma se apropriar delas?
ou apropriar-se. Acomodação,
adaptação.
Apropriar-se de informação e cultura é ato próprio de protagonis-
tas, categoria que no âmbito da educação e da cultura distingue-se
Fonte: Dicionário on-line de português.
Disponível em: <http://www.dicio.com.br/ das categorias de usuários e de consumidores culturais (PIERUCCINI,
apropriacao/>. Acesso em: nov. 2014. 2004). Os protagonistas são agentes ativos, enquanto que os consu-
midores e usuários são passivos diante da cultura.
Protagonismo cultural “é ação afirmativa nos processos simbólicos,
exercida por sujeitos de diferentes meios e condições, consideradas as
dimensões plurais e conflitantes da vida social e pública, no mundo con-
temporâneo” (PERROTTI, 2007). Cultura, como já vimos, é algo vivo e
dinâmico, e a efetiva participação, como protagonistas, sugere uma ação
de interferência direta nas modificações, mudanças e alterações culturais.

A cultura não consiste mais na soma de o “melhor


que foi pensado e dito”, considerado como ápice
de uma civilização plenamente realizada – aquele
ideal de perfeição para o qual, num sentido anti-
go, todos aspiravam. Mesmo a “arte” – designada
anteriormente como uma posição de privilégio,
uma pedra-de-toque dos mais altos valores da ci-
vilização – é agora redefinida como apenas uma
forma especial de processo social geral. (HALL,
2003, p. 135)

Isso acontece porque

Concentradas na palavra cultura, existem questões


diretamente propostas pelas grandes mudanças
históricas que as modificações na indústria, na de-
mocracia e nas classes sociais representam de ma-
neira própria e às quais a arte responde também,
de forma semelhante. (HALL, 2003, p. 133)

O protagonismo cultural toma a forma de agente de transforma-


ções culturais consciente, e não somente o papel de consumidor pas-
sivo de cultura. Podendo exercer, dessa forma, direitos de cidadãos,
influenciar políticas públicas, e contribuir para a inclusão cultural e
desenvolvimento das tecnologias sociais.
Para melhor compreender esse processo, vamos conhecer primeiro o
que é protagonismo e, em seguida, discutir o conceito de inclusão social
que, na área de Ciências da Informação manifesta-se mais claramente
nos programas de Inclusão Digital.

34 Cultura e Memória Social


2.4 O QUE SERÁ
PROTAGONISMO?
VOCÊ SABE?
Vamos começar o estudo dessa unidade conhecendo alguns conceitos
fundamentais, como o significado do termo protagonismo.
A palavra protagonismo é formada por duas raízes gregas: proto, que
significa “o primeiro, o principal”; agon, que significa “luta.” Agonistes,
por sua vez, significa “lutador.” Protagonista quer dizer, então, lutador
principal, personagem principal, ator principal. Uma ação é dita protagô-
nica quando, na sua execução, o educando é o ator principal no processo
de seu desenvolvimento. Por meio desse tipo de ação, o educando adqui-
re e amplia seu repertório interativo, aumentando assim sua capacidade
de interferir de forma ativa e construtiva em seu contexto escolar e sócio
comunitário (COSTA, 2007).
Vamos ainda prestar atenção à afirmação a seguir, que diz que

[...] quando o indivíduo se apropria da informação ele


deixa de ser mero usuário ou consumidor, mas torna-
-se um “protagonista cultural”, “produtor e criador
de significados e sentidos”, com domínio sobre pro-
cessos simbólicos e “participação ativa e afirmativa na
vida cultural.” (PERROTI; PIERUCCINI, 2007, p. 57)

Ou seja, a apropriação acerca de informações culturais é que habilita


o indivíduo a deixar de ser um simples consumidor de informação para se
tornar um protagonista cultural, o que significa que, somente quando o
indivíduo ressignifica a informação e a transforma em ação é que ele tem
participação ativa na vida cultural.
creditando nessa afirmação, derivamos a ideia de que a área de
Ciência da Informação é essencial para a promoção do protagonismo
cultural. Em especial, pela Infoeducação que, como o nome diz, é um
campo de intersecção entre a Educação e a Ciência da Informação, se
constituindo em

[...] área de estudo, situada nos desvãos das Ciên-


cias da Informação e da Educação, voltada à com-
preensão das conexões existentes entre apropriação
simbólica e dispositivos culturais, como condição à
sistematização de referências teóricas e metodoló-
gicas necessárias ao desenvolvimento dinâmico e
articulado de aprendizagens e de dispositivos infor-
macionais, compatíveis com demandas crescentes
de protagonismo cultural, bem como de produção
científica, constituída sob novas óticas, nas cha-
madas Sociedades do Conhecimento. (PERROTTI;
PIERUCCINI, 2007, p. 92)

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 35


Quando os indivíduos assumem a responsabilidade pelo seu próprio
desenvolvimento, seja em que nível for, inclusive cultural, tornam-se
protagonistas de seus percursos ao serem capazes de analisar, refletir,
propor mudanças e atualizações, sempre que se mostrar pertinente. A
capacidade crítica proporcionada pelo protagonismo colabora no de-
senvolvimento social, e a inclusão social provoca a reflexão social e o
protagonismo. Ou seja, é um movimento de espiral que se retroalimen-
ta, em movimento constante. A figura do espiral ilustra bem a propo-
sição, pois quando se tem a atuação protagonista em ação, jamais se
volta a ser o que era, mesmo que se aproxime um pouco. O movimento
de expansão da cultura, provocado pela ação protagonista a movimenta
e a transforma.

Figura 2 – A atuação protagonista movimenta e transforma a cultura,


promovendo sua expansão, como em uma espiral

Fonte: Pixabay (2016)6

Atenção
O protagonismo se mostra cada dia mais necessário para a cons-
trução do conhecimento individual e coletivo vindo ao encontro do
conceito de Espiral de Conhecimento bastante útil para a Gestão
do Conhecimento, área de conhecimento da Administração que se
relaciona com as Ciências da Informação.

6
PIXABAY. Escada em espiral. Disponível em: <https://pixabay.com/pt/escada-em-espiral-
escadas-1826553/>. Acesso em: 14 out. 2018

36 Cultura e Memória Social


Curiosidade
A Gestão Eletrônica de Documentos (GED) é uma área do co-
nhecimento que está inserida no grande campo das Ciências da In-
formação e também da Tecnologia de Informação, sendo resultado
dessa interdisciplinaridade.
Enquanto a Ciência da informação “considera a informação
lato sensu como seu “objeto” e a Arquivologia tende a considerar
“os arquivos” como seu único objeto (JARDIM, 1995 p. 48), per-
cebemos um forte vínculo entre essas áreas, já que a informação
não existe sem um suporte, e que o suporte mais a informação ca-
racteriza um documento. Deste modo, sendo a Arquivologia uma
ciência pertencente ao campo das Ciências da Informação, o GED
tornou-se uma área de estudos tanto para os arquivistas quanto
para os analistas de sistemas que o programam.
Cabe ao arquivista procurar o melhor modo de realizar dentro
deste sistema eletrônico a criação, controle (classificação, avalia-
ção), manipulação, armazenamento (conservação), acesso, difu-
são e recuperação da informação, evidenciando a importância do
trabalho em conjunto destes profissionais no momento da im-
plantação de um sistema GED (HEDLUND, 2010).

Tecnologia da
informação
Ciência da
Ciência da
computação
informação
GED

Fonte: HEDLUND, D.C. “Gestão Eletrônica de Documentos (GED).” Organização Eletrônica.


Blog. 2010. Disponível em: <http://www.dhionhedlund.com.br/2010/06/gestao-
eletronica-de-documentos-ged.html>. Acesso em: dez. 2014.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 37


2.5 ESSE TÃO FALADO
CONCEITO DE
INCLUSÃO SOCIAL...
Gramaticalmente falando, “incluir” é um verbo irregular, bitransitivo,
pronominal. Ou seja, é tanto transitivo direto quanto indireto. Se ob-
servarmos os dicionários, o significado é sempre o de “colocar dentro”,
“fazer constar”, “introduzir”, “intercalar.” Como sinônimos de incluir
temos enfiar, incorporar, inserir, introduzir e meter. Tudo depende do uso
na frase, período ou ideia em que ele é usado.
Logo de início podemos perceber as múltiplas possibilidades de enten-
dimento que a expressão “inclusão social” traz consigo. Por isso, é impor-
tante contextualizarmos a expressão quando a usamos, esclarecendo os
conceitos que buscamos trabalhar ao referenciar o termo.
Assim, o conceito de inclusão social é também um conceito construído
culturalmente, ou seja, está relacionado aos modos e costumes de quem
o referencia e à sua cultura. A percepção de inclusão, desse modo, varia,
de acordo com o “lugar” e o “tempo” em que é referenciada.

Atenção
Na Lei nº 12.073 de 29 de outubro de 2009, a inclusão social é
assim conceituada.

É padrão a definição de inclusão social como sen-


do o processo mais aperfeiçoado da convivência de
alguém, tido como diferente, com os demais mem-
bros da sociedade, tidos como supostamente iguais.
Neste caso, a sociedade se prepara e se modifica
para receber a pessoa portadora de deficiência, em
todas as áreas do processo social (educação, saúde,
trabalho, assistência social, acessibilidade, lazer, es-
porte e cultura). (BRASIL, 2008, p. 2)

Romeu Kazumi Sassaki (1997) nos esclarece que inclusão social é “o


processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir [indivíduos],
em seus sistemas sociais gerais.” Dessa forma, a inclusão social constitui,
então, “um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a
sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre so-
luções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos” (SASSAKI,
1997).
Mas isso pode se relacionar à diversos contextos. Inclusão social de
pessoas com deficiências físicas (como trata Sassaki), inclusão social dos
menos favorecidos economicamente etc.

38 Cultura e Memória Social


A prática da inclusão social repousa em princípios
até então considerados incomuns, tais como: a
aceitação das diferenças individuais, a valorização
de cada pessoa, a convivência dentro da diversida-
de humana, a aprendizagem através da coopera-
ção. A diversidade humana é representada, prin-
cipalmente, por origem nacional, opção sexual,
religião, gênero, cor, idade, raça e deficiência. A
inclusão social, portanto, é um processo que contri-
bui para a construção de um novo tipo de socieda-
de através de transformações, pequenas e grandes,
nos ambientes físicos (espaços internos e externos,
equipamentos, aparelhos e utensílios, mobiliário e
meios de transporte), nos procedimentos técnicos e
na mentalidade de todas as pessoas, portanto tam-
bém do próprio portador de necessidades especiais.
(SASSAKI, 1997, p. 3)

Para fins de dimensionamento de necessidades e coleta de dados para


traçar políticas públicas de inclusão social, foi criado em 1995/96 o Mapa
da Exclusão/Inclusão Social, metodologia que, “usando de linguagens
quantitativas, qualitativas e de geoprocessamento produz dois índices
territoriais que hierarquizam regiões de uma cidade quanto ao grau de
exclusão/inclusão social [...]” (SPOSATI, 2002, p. 2)
A ideia de inclusão social vem sendo elaborada e reelaborada – no
sentido de reconhecer as necessidades humanas fundamentais para
poder garanti-las na elaboração de políticas públicas – desde os des-
dobramentos os estudos de Amartya Sen (Prêmio Nobel de Econo-
mia de 1998), e o Relatório de Desenvolvimento Humano, trabalho de
Mahbub ul Haq (SPOSATI, 2002), até a criação do conceito de desen-
volvimento humano, do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a
criação do Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), pela UNES-
CO que abrange “três dimensões básicas do desenvolvimento huma-
no: renda, educação e saúde”,
Ao tratarmos do conceito de inclusão social relacionado à Ciência da
Informação devemos procurar refletir sobre a relação entre o direito à
informação e o acesso a ela. Nesse sentido,

[...] a informação e o conhecimento devem ser aces-


síveis a todos, independentemente de raça, nacionali-
dade, gênero, local, ocupação ou status social. As tec-
nologias de informação e comunicação devem estar
voltadas para este fim e constituírem-se instrumentos
para se alcançar um desenvolvimento verdadeiramen-
te centrado no ser humano. (UNESCO, 1996 apud
TARAPANOFF; SUAIDEN; OLIVEIRA 2002)

Alex Serrano Almeida e Renata Braz Gonçalves (2013) acreditam que:

[...] estar atento às questões relacionadas à Inclusão


Social é direito e dever de todos. Contudo, acredita-se
que este assunto ainda é pouco explorado e discutido
em algumas áreas, como, por exemplo, na Ciência da
Informação. (SERRANO e GONÇALVES, 2013, p. 241).

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 39


Por este motivo, são autores de um estudo, denominado “Inclusão social
e suas abordagens na Ciência da Informação: análise da produção cientí-
fica em periódicos da área de Ciência da Informação no período de 2001
a 2010”, em que declaram que esperam “provocar a reflexão e discussão
sobre a temática e, assim, fomentar tomadas de decisões e mudanças de
atitudes dos profissionais da informação, do poder público e da sociedade
em geral” (SERRANO; GONÇALVES, 2013, p. 241).
Destacam ainda que “[...] a informação deveria ser considerada um bem
social a ser compartilhado, assim como educação, saúde ou infraestrutura
de transportes” (FREIRE, 2007, p. 143, apud, SERRANO; GONÇALVES, 2013,
p. 244), pois, “esta é um insumo fundamental para a conquista de uma
sociedade inclusiva e a sua falta causa um grande desfavorecimento social.”
(SERRANO; GONÇALVES, 2013, p. 244)
Os pesquisadores verificaram entre 2001 e 2010, como o título do tra-
balho destaca, “a existência de 80 trabalhos que tratam da referida temá-
tica” (SERRANO; GONÇALVES, 2013, p. 242), porém ressaltam que nos
periódicos selecionados para o estudo, a amostra se restringe a “30 artigos
que tratam da temática inclusão social” (SERRANO; GONÇALVES, 2013, p.
248). Os autores ainda acreditam que

No que tange à disponibilização e ao acesso à infor-


mação, é imprescindível citar o profissional da infor-
mação, tendo este um papel de destaque no que
concerne a uma sociedade inclusiva. O profissional
da informação, especificamente o bibliotecário, deve
estar atento à realidade e, acima de tudo, capacitado
para atender as necessidades de seus usuários, pois
“Uma sociedade baseada no uso intensivo de infor-
mação, na qual o indivíduo interage com pessoas e
máquinas em um constante intercâmbio de dados
e informação, produz simultaneamente fenômenos
de maior inclusão e exclusão social” (TARAPANOFF;
SUAIDEN; OLIVEIRA, 2002). [...] A Ciência da Infor-
mação é uma área que deve atender as necessidades
sociais de informação, sendo assim, esta deve servir
como alicerce para o desenvolvimento de políticas
de inclusão social. (SERRANO; GONÇALVES, 2013, p.
245-246)

Inclusão digital é, para os autores, o caminho da Inclusão Social pelo viés


da Ciência da Informação, mas consideram que é necessário haver muita
atenção e critérios claros para a efetivação da inclusão digital. Isso pois,
“inclusão digital mal realizada pode-se tornar mais um componente a ser
considerado no que diz respeito à exclusão social” (SERRANO; GONÇAL-
VES, 2013, p. 257) destacando que

[...] é de suma importância um planejamento bem


estruturado quando se trata de inclusão digital, pois
um frágil projeto e, em consequência, uma precária
execução tornarão a inclusão digital uma prerrogativa
a mais a ser analisada em relação à exclusão social,
assim como já ocorre com: a economia, o desempre-
go, a fome, o analfabetismo, a educação, o Sistema
Único de Saúde, os transportes públicos, a distribui-
ção agrária, dentre vários outros. (SERRANO; GON-
ÇALVES, 2013, p. 257)

40 Cultura e Memória Social


E que
a simples disponibilização de recursos infraestruturais
aos indivíduos excluídos digitalmente não os tornam
incluídos digitais, tampouco na sociedade, podendo
até mesmo ter um efeito contrário, tornando estes
sujeitos ainda mais excluídos socialmente [...] Pensar
na inclusão digital como principal alicerce para outras
discussões, torna-se um equívoco, visto que progra-
mas que visam à inclusão digital, certamente, não
contemplaram todos os aspectos sociais que podem
contribuir para a exclusão de um indivíduo. (SERRA-
NO; GONÇALVES, 2013, p. 258-259)

Figura 3 – Inclusão digital: solução para o acesso à informação


ou um passo para a exclusão social?

Fonte: Flickr (2009)7

O que é, então, necessário ser feito efetivamente para realizarmos a


inclusão social pela ciência da informação? O simples acesso à informa-
ção já proporciona inclusão? Se sim, como e porquê?
Não creio que tenhamos uma única resposta para essas questões, mas
é fato que sem conhecer recursos é impossível usá-los e apropriar-se de-
les, não é verdade? Assim, a disseminação de informação de qualidade,
embora não seja a única responsável pela inclusão social, colabora de
forma significativa na diminuição das diversas formas de exclusão.

Multimídia
O periódico Inclusão Social, que tem como in-
teresse central a publicação de “trabalhos inéditos
no âmbito da inclusão social, com temas ligados
a ações, programas, projetos, estudos e pesquisas

7
FLICKR. Leonardo Augusto Matsuda. Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/
poperotico/3921069882>. Acesso em: 14 out. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 41


voltados a problemas relacionados à inclusão dos
cidadãos na sociedade da informação” (INCLUSÃO
SOCIAL, 2011, apud SERRANO, A.; GONÇALVES, R.
B., 2013), concentra uma coleção de trabalhos de
pesquisa sobre o tema e deve ser consultado para
maiores esclarecimentos.
Fonte: IBICT. Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnolo-
gia. Inclusão Social,
Rio de Janeiro, v. 8, n. 1., jul./dez., 2014.

Disponível em: <http://revista.ibict.br/inclusao>. Acesso em: dez. 2014.

2.6 RESUMO
Nesta unidade, conhecemos os conceitos de protagonismo e inclusão
social e aprendemos como a Ciência da Informação se relaciona entre es-
ses dois conceitos e as práticas de cultura. Vimos também como a ciência
da Informação pode ser agente de promoção da inclusão, por meio da
disseminação de facilitação de acesso à informação.
Na próxima unidade trataremos de Memória Social e Identidade, co-
nhecendo os conceitos de patrimônio cultural, material e imaterial.

42 Cultura e Memória Social


UNIDADE 3
DOIS TEMAS INTERESSANTES
E INTERLIGADOS: MEMÓRIA
SOCIAL E IDENTIDADE

3.1 OBJETIVO GERAL


Criar bases teórico/conceituais para compreender os principais conceitos que sustentam as discus-
sões sobre as temáticas da construção da identidade e da memória social. Apresentar as definições de
patrimônio cultural material e imaterial, com ênfase na cultura Brasileira.

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS


a) reconhecer o que é Patrimônio Cultural, Memória Social e Identidade Cultural.
b) identificar e diferenciar patrimônios culturais materiais e imateriais.
3.3 INTRODUÇÃO
Vamos começar esta unidade conhecendo ou recuperando alguns
conceitos fundamentais. Memória é o processo de adquirir, armazenar
e recuperar informações que foram assimiladas pela mente. A Memória
Social é a coletivização desse processo.

O conceito de Memória Social tem origem no pen-


samento de Maurice Halbwachs vindo da Sociologia
de Durkheim e trata de uma abordagem da memória
como um substrato de conhecimento coletivo e cultu-
ralmente conhecido por determinado grupo em certo
contexto social. Difere da forma cognitiva de estudo
da memória como associada à atenção e a percepção.
(HALBWACHS, 1990)

A memória social é uma área que engloba, de forma multidisciplinar,


várias outras e estuda o modo como as sociedades lembram ou esque-
cem os acontecimentos e as ideologias por detrás desse movimento.

[...] como objeto de pesquisa passível de ser concei-


tuado, não pertence a nenhuma disciplina tradicional-
mente existente, e nenhuma delas goza do privilégio
de produzir o seu conceito. Esse conceito se encon-
tra em construção a partir de novos problemas que
resultam do atravessamento de disciplinas diversas.
(GONDAR, 2005)

Gondar afirma que a memória é uma construção e, nessa linha de


pensamento, condena termos como “reconstituição” e “resgate” quan-
do associados à memória. Defende que a memória:

[...] não nos conduz a reconstituir o passado, mas


sim a reconstruí-lo com base nas questões que nós
fazemos, que fazemos a ele, questões que dizem
mais de nós mesmos, de nossa perspectiva presente,
que do frescor dos acontecimentos passados. (GON-
DAR, 2005).

O que explicita como a memória é construída e reconstruída por cada


vez que é contada. Assim, o fenômeno da memória social permite a com-
preensão e desdobramentos dos conceitos de diversidade cultural, patri-
mônio cultural material e imaterial e faz com que seja possível a aproxi-
mação com o pensamento de identidade, como afirma Le Goff (1997): “a
memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade,
individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos
indivíduos e das sociedades de hoje.”
Figura 4 – A memória é o processo de adquirir, armazenar e recuperar informações que foram
assimiladas pela mente. A memória social trata de reconstrução a cada vez que é contada

Fonte: Pixabay (2014)8

3.4 DIVERSIDADE
E PATRIMÔNIO
CULTURAL: O QUE É
AFINAL?
O pesquisador Elder Alves (2010), em trabalho intitulado Diversidade
Cultural, Patrimônio Cultural Material e Cultura Popular: a Unesco e a
Construção de um Universalismo Global nos conta sobre a posição go-
vernamental no Brasil em relação à proteção e promoção da diversidade
cultural.

O envolvimento decisivo do governo brasileiro, atra-


vés do Ministério da Cultura, no processo de aprova-
ção da convenção sobre a diversidade se dá a partir
de três interesses convergentes: a necessidade pe-
remptória de incorporar, na estrutura da administra-
ção cultural, o valor universalista e universalizante da
diversidade cultural; o interesse de inserir o tema da
diversidade no espectro maior das políticas culturais
para as culturas populares; e, por fim, o desejo de
liderar um processo de formação discursiva que pas-
sa pela formação e consolidação de novas categorias
nativas, como indústrias da criatividade, diversidade
cultural, patrimônio imaterial, entre outras. (ALVES,
2010, p. 547)
8
PIXABAY. Disponível em: <https://pixabay.com/pt/pensamentos-acho-que-psique-551263/>.
Acesso em: 14 out. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 45


Vamos começar a falar de Patrimônio Cultural pelo aspecto legal. A
Patrimônio: s.m. Bem que vem do Constituição Brasileira de 1988 que rege a nossa nação estabelece, no
pai e da mãe. Artº 216 que:
Conjunto dos bens, direitos e
obrigações de uma pessoa jurídica. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de
natureza material e imaterial, tomados individualmen-
Fig. O que é considerado como
te ou em conjunto, portadores de referência à iden-
herança comum.
tidade, à ação, à memória dos diferentes grupos for-
Sinônimos de Patrimônio: legado, madores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
herança, deixa, dinheiro, recursos, I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer
meios, riqueza, arcabouço e e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnoló-
bagagem. gicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações
Fonte: Dicionário on-line de português. e demais espaços destinados às manifestações artísti-
Disponível em: <http://www.dicio.com.br/ co-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor
patrimonio/>. Acesso em: nov. 2014. histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleon-
tológico, ecológico e científico. (BRASIL, 1988)

Ou seja, nosso Patrimônio Cultural, nossa herança comum, é formado


por itens materiais e imateriais que, em objetos ou ações e modos de ser
e fazer, refletem os costumes e a identidade cultural do povo brasileiro. É
um campo bastante amplo e completo e

Admitindo as inúmeras interpretações do conceito de


patrimônio como um fator cultural composto por três
categorias de elementos, o meio ambiente, o conhe-
cimento, tudo que o homem fabricou, isto é, os bens
culturais. (RODRIGUES, 2000, p. 73)

Atenção
De acordo com a Declaração de Caracas de 1992, “o Patrimô-
nio Cultural de uma nação, de uma região ou de uma comunidade
é composto de todas as expressões materiais e espirituais que lhe
constituem, incluindo o meio ambiente natural” (DECLARAÇÃO DE
CARACAS, 1992).

A arte popular, as danças, as comidas, as lendas, os costumes, as


festas, as devoções, as tradições em geral, acumuladas ao longo desses
nossos já comemorados 500 anos, juntas, formam a identidade cultural
nacional e são nossas maiores riquezas e constituem-se como nosso pa-
trimônio cultural imaterial.

Entende-se por patrimônio cultural imaterial as práticas,


representações, expressões, conhecimentos e técnicas –
junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares
culturais que lhe são associados – que as comunidades,
os grupos e, em alguns casos, os indivíduos, reconhe-
cem como parte integrante do seu patrimônio imate-
rial. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite
de geração em geração, é constantemente recriado por

46 Cultura e Memória Social


grupos em função de seu ambiente, de sua interação
com a natureza, gerando um sentimento de identidade
e continuidade e contribuindo assim para promover o
respeito à diversidade cultural e a criatividade humana.
O patrimônio imaterial, como foi definido acima, se ma-
nifesta nos seguintes campos: a) tradições e expressões
orais; incluindo o idioma como veículo do patrimônio
cultural imaterial; b) expressões artísticas; c) práticas so-
ciais, ritos e atos festivos; d) conhecimentos e práticas
relacionadas à natureza e ao universo; d) técnicas arte-
sanais tradicionais. (UNESCO, 2003)

A representação da UNESCO no Brasil nos lembra que “o patrimônio


cultural é de fundamental importância para a memória, a identidade e a
criatividade dos povos e a riqueza das culturas” (UNESCO, 2008). E que
“em 2008, as Expressões Orais e Gráficas dos Wajãpis do Amapá e o
Samba de Roda do Recôncavo Baiano foram proclamadas Obras Primas
do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade, figurando os primeiros
elementos brasileiros inscritos na Lista Representativa do Patrimônio In-
tangível do mundo” (UNESCO, 2008).

Atenção
Proteger a diversidade e o patrimônio cultural, material e
imaterial, não é somente proteger o passado, mas cuidar para
que o conhecimento do passado possa garantir o presente e o
futuro das gerações da cultura brasileira.

Segundo Jurema Machado (Coordenadora da UNES-


CO no Brasil), a Convenção para Proteção e Promoção
da Diversidade das Expressões Culturais marca a con-
solidação de um conjunto de instrumentos jurídicos
produzidos pela Unesco desde os anos setenta. O que
atesta que, entre as áreas de atuação e competência
da organização, a cultura é a que apresenta o maior
número de regulamentações e dispositivos normati-
vos. São sete convenções que, a partir de sete campos
distintos, estão atravessadas pelo tema da diversidade
como um eixo transversal e um valor universal (MA-
CHADO, 2008). A coordenadora de cultura da Unesco
no Brasil destaca, ainda, que as demais convenções,
como a Convenção Para Salvaguarda do Patrimônio
Cultural Imaterial (2003), complementam a Conven-
ção Para Proteção e Promoção da Diversidade das Ex-
pressões Culturais, 2005. “Basta dizer que o sentido
da preservação do patrimônio, seja material ou imate-
rial, não é outra senão preservar, proteger e promover
a diversidade de registros materiais e imateriais da cul-
tura.” (IBIDEM) (ALVES, 2010, p. 544)

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 47


Multimídia
O site Patrimônios Culturais da Humanidade no Brasil9 reúne in-
formações detalhadas dos dispositivos e objetos culturais brasileiros
que são também considerados Patrimônios da Humanidade.
Veja no site a lista dos Patrimônios Culturais brasileiros que
também são Patrimônios Culturais da Humanidade. Quais deles
você conhece? Já havia pensado nesses lugares como patrimô-
nio? São ótimas questões para reflexão!

3.5 SABE O QUE É


PATRIMÔNIO
MATERIAL?
O patrimônio cultural material é, por natureza, tudo o que tenha ma-
terialidade física, como móveis, objetos e construções, e que se relacio-
ne com as expressões culturais brasileiras, além das relações históricas.
É composto por um conjunto de bens culturais que são classificados, de
acordo com a sua natureza em:
• arqueológico, paisagístico e etnográfico;
• histórico;
• belas artes; e
• das artes aplicadas.
• São, ainda, divididos por tipos em:
• bens imóveis como os núcleos urbanos, sítios arqueológicos e pai-
sagísticos, e bens individuais;
• bens móveis como coleções arqueológicas, acervos museológicos,
documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográfi-
cos e cinematográficos (IPHAN, 2014).
O Patrimônio Material Brasileiro é todo objeto ou construção que con-
tenha relações com a cultura brasileira. É protegido pelo Instituto do Pa-
trimônio Cultural e Artístico Nacional (IPHAN), com base em legislações
específicas.

9
Disponível em: <http://visitbrasil.com/pt/blog/14-patrimonios-da-humanidade-em-terras-
brasileiras.html>. Acesso em: 14 out. 2018.

48 Cultura e Memória Social


Curiosidade
Conheça o Decreto-Lei nº. 25, de 30/11/1937 que instituiu no
Brasil, em 1937, o conceito de tombamento de prédios e edifica-
ções considerados de interesse cultural.
No site do IPHAN você pode ter acesso ao decreto, na íntegra:
<http://portal.iphan.gov.br/uploads/legislacao/Decreto_no_25_
de_30_de_novembro_de_1937.pdf>.

Multimídia
Veja a seguir um vídeo da série de entrevistas realizadas pela TV
UFOP sobre Patrimônio Material. Neste vídeo podemos ouvir um
pouco o Dalmo Vieira – Diretor de Patrimônio Material do Iphan,
falando sobre patrimônio material.

Fonte: Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP/IPHAN. Patrimônio Material – Dalmo Vieira.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=rqHqaAZ4aOo>. Acesso em: dez. 2014.

3.5.1 Atividade
Consulte o arquivo geral do IPHAN na Internet (<http://acervo-
digital.iphan.gov.br/xmlui/>.) e crie uma lista dos patrimônios cul-
turais materiais da sua região. Para cada item localizado, marque se
você o conhece, se já o visitou ou não, na tabela a seguir:

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 49


Nome Sim Não

3.6 E PATRIMÔNIO
IMATERIAL, SABE
QUAL A DIFERENÇA
PARA O MATERIAL?
Antes de qualquer outra coisa, é importante, ao falarmos de Patrimô-
nio Cultural Imaterial, conhecermos o que e como a lei brasileira conside-
ra Patrimônio Cultural Imaterial.

A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215


e 216, ampliou a noção de patrimônio cultural ao
reconhecer a existência de bens culturais de natu-
reza material e imaterial e, também, ao estabelecer
outras formas de preservação – como o Registro e
o Inventário – além do Tombamento, instituído pelo
Decreto-Lei nº. 25, de 30/11/1937, que é adequado,
principalmente, à proteção de edificações, paisagens
e conjuntos históricos urbanos. Os Bens Culturais de
Natureza Imaterial dizem respeito àquelas práticas
e domínios da vida social que se manifestam em
saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações;
formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou
lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e
santuários que abrigam práticas culturais coletivas).
Nesses artigos da Constituição, reconhece-se a inclu-
são, no patrimônio a ser preservado pelo Estado em
parceria com a sociedade, dos bens culturais que se-
jam referências dos diferentes grupos formadores
da sociedade brasileira.

50 Cultura e Memória Social


O Patrimônio Cultural Imaterial é transmitido de
geração a geração, constantemente recriado pelas
comunidades e grupos em função de seu
ambiente, de sua interação com a natureza e de
sua história, gerando um sentimento de identidade e
continuidade, contribuindo para promover o
respeito à diversidade cultural e à criatividade
humana. É apro-priado por indivíduos e grupos
sociais como impor-tantes elementos de sua
identidade. (IPHAN, 2014)

Ou seja, nossa legislação contempla a diferenciação entre bens ma-


teriais e imateriais, compreendendo a amplitude dessa classificação, de
modo a proteger os modos e costumes, assim como os modos de fazer e
as tradições como bens patrimoniais de conhecimento popular, reconhe-
cendo-os com seu valor, apesar da imaterialidade.
Já em 1936, numa proposta entregue por Mário de Andrade ao então
ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, ele afirmava que “o
patrimônio cultural da nação compreendia muitos outros bens além de
monumentos e obras de artes” (IPHAN, 2014).

[...] Pioneiro de uma concepção ampla e diversificada


de patrimônio cultural e de sua documentação e pro-
moção, Mário de Andrade fez mais: foi um dos men-
tores da criação, em janeiro de 1937, do então Servi-
ço, hoje, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional – Iphan, primeira instituição governamental
voltada para a proteção do patrimônio cultural do
país. [...]Mário de Andrade contou, nessa tarefa, com
vários parceiros e sucessores, entre eles Luís da Câ-
mara Cascudo, Edison Carneiro, Renato de Almeida.
Nos anos 50, vários deles se mobilizaram em torno
da Comissão Nacional de Folclore, criada em 1947.
[...] Nas décadas de 70 e 80, a proposta de Mário
de Andrade serviu de inspiração para as experiências
desenvolvidas no Centro Nacional de Referência Cul-
tural – CNRC e na Fundação Nacional Pró-Memória
– FNPM. (IPHAN, 2014)

A legislação brasileira concernente ao Patrimônio Cultural Imaterial é


elaborada de modo a “criar instrumentos adequados ao reconhecimento
e à preservação de Bens Culturais Imateriais” (IPHAN, 2014). Para isso,
sob coordenação do próprio IPHAN, em 2000 foi editado o Decreto nº.
3.551, que instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial,
criou o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI) – e consolidou o
Inventário Nacional de Referências Culturais (INCR). Você pode ter acesso
a esse decreto na página: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/
d3551.htm>.

No ano de 2004 “uma política de salvaguarda mais estruturada e sis-


temática começou a ser implementada pelo IPHAN a partir da criação do
Departamento do Patrimônio Imaterial (DPI)” (IPHAN, 2014).

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 51


Para conhecer os princípios, ações e resultados dessa política de sal-
vaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial no Brasil, devemos conhecer
o documento Os Sambas, as Rodas, os Bumbas, os Meus e os Bois. Esse
documento inicia-se com reflexões de Mário de Andrade, o primeiro in-
telectual brasileiro que “deu início à reflexão sobre bens, que, décadas
mais tarde, viriam a ser considerados “patrimônio cultural imaterial” do
Brasil” (IPHAN, 2003).

Multimídia
Conheça a política brasileira de salvaguarda de Patrimônio Cul-
tural Imaterial do documento Os Sambas, as Rodas, os Bumbas, os
Meus e os Bois. No site do IPHAN você pode ter acesso ao docu-
mento, na íntegra:
<http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/PatImaDiv_Os-
SambasAsRodasOsBumbas_2Edicao_m.pdf>.10

Em 2006, a UNESCO publicou o documento Convenção para a sal-


vaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial onde são declaradas as bases
para a catalogação e tombamento de patrimônios imateriais. Dessa for-
ma, pela convenção, entende-se como “patrimônio cultural imaterial”

[...] as práticas, representações, expressões, conhe-


cimentos e técnicas – junto com os instrumentos,
objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são
associados – que as comunidades, os grupos e, em
alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte
integrante de seu patrimônio cultural. Este patri-
mônio cultural imaterial, que se transmite de gera-
ção em geração, é constantemente recriado pelas
comunidades e grupos em função de seu ambiente,
de sua interação com a natureza e de sua história,
gerando um sentimento de identidade e continui-
dade e contribuindo assim para promover o respei-
to à diversidade cultural e à criatividade humana.
Para os fins da presente Convenção, será levado em
conta apenas o patrimônio cultural imaterial que
seja compatível com os instrumentos internacionais
de direitos humanos existentes e com os imperati-
vos de respeito mútuo entre comunidades, grupos
e indivíduos, e do desenvolvimento sustentável.
(UNESCO, 2006)

10
IPHAN. Os sambas, as rodas, os bumbas, os meus e os bois: princípios, ações e resultados da
política de salvaguarda do patrimônio cultural imaterial do Brasil, 2003-1010. Brasília: Ministério
da Cultura, 2010. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/PatImaDiv_
OsSambasAsRodasOsBumbas_2Edicao_m.pdf>. Acesso em: 14 out. 2018.

52 Cultura e Memória Social


Mais recentemente, no ano de 2010, um novo instrumento vem se
juntar aos dispositivos de preservação de patrimônios imateriais. O Inven-
tário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), instituído pelo Decreto
nº. 7.387, de 09/12/2010 – passa a ser a ferramenta de base para o “re-
conhecimento e valorização das línguas portadoras de referência à identi-
dade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira” (IPHAN, 2014). Você pode acessar esse Decreto na página:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/
D7387.htm>.

Curiosidade
A literatura de cordel está em vias de se tornar patrimônio ima-
terial brasileiro. Em 2010, o IPHAN recebeu o pedido de Registro
da Literatura de Cordel como patrimônio cultural de natureza ima-
terial, apresentado pela a Academia Brasileira de Literatura de Cor-
del (ABLC), pedido este julgado pertinente pelo Departamento de
Patrimônio Imaterial do Iphan e pela Câmara de Patrimônio Imate-
rial do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural. A partir desse
aval, o processo de Registro encontra-se apto para passar à fase de
instrução técnica, quando são produzidas e sistematizadas infor-
mações sobre o bem cultural, com vistas ao seu reconhecimento e
titulação como Patrimônio Cultural do Brasil (UFCG, 2014)11.

Fonte: Produção da própria autora.

Vamos conhecer alguns dos Patrimônios Culturais Imateriais do


Brasil? Vamos começar por um dos temas mais gostosos de estudar:
Culinária e Gastronomia.

11
Disponível em: <http://www.ufcg.edu.br/prt_ufcg/assessoria_imprensa/mostra_noticia.
php?codigo=13550>. Acesso em: dez. 2014.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 53


Feijoada, moqueca, acarajé e outros quitutes bra-
sileiros são mais do que simples pratos típicos, são
parte fundamental da nossa identidade. Só recen-
temente as autoridades passaram a dar atenção às
receitas tradicionais de nossas avós. Finalmente elas
começam a ser tratadas e protegidas como uma das
expressões da cultura nacional, além de exploradas
como poderoso instrumento de atração de turistas.
(NERY, 2006)

Sabe qual é o prato que poderia ser chamado “a cara do Brasil”?


A feijoada. Ela é o prato brasileiro que é conhecido e feito de norte a
sul. A receita que mais se destaca, como preferência nacional é a da
cidade do Rio de Janeiro. Na receita carioca, o feijão preto é preparado
com caldo grosso, com carne seca, linguiça, lombo, costela e outras
partes do porco e vem acompanhado de arroz, branco, laranja, couve
e torresmo. Mas há, no Brasil, feijoada de feijão marrom, de feijão
branco, com legumes, só vegetariana... Cada uma dessas receitas é
uma variação cultural do prato tradicional, que reflete as preferências
regionais.

Figura 5 – A feijoada é um prato típico brasileiro,


mas no Rio de Janeiro, ela faz um grande sucesso!

Fonte: Wikipédia (2017)12

Se percorrermos o Brasil de norte a sul, encontraremos delícias em


cada região. Na região sudeste temos, no Espírito Santo, a moqueca
como especialidade. Peixe no molho de tomate, com coentro, cebola,
azeite, cebolinha e urucum são a base da receita (a moqueca baiana é
a que leva azeite de dendê e leite de coco). Minas Gerais tem temperos
bem marcantes e a galinha ao molho pardo ou com quiabo, mais angu,
assim como o “romeu e julieta”, e o pão de queijo têm “a cara” do es-
tado. O Rio conserva a tradição com o picadinho de carne com quiabo
e o camarão com chuchu, e São Paulo, além do tradicionalíssimo Virado

12
WIKIPÉDIA. Disponível em:<https://pt.Wikipédia.org/wiki/Feijoada_%C3%A0_brasileira#/media/
File:Fejuca.png>. Acesso em: 14 out. 2018.

54 Cultura e Memória Social


à paulista, ainda tem nas pizzas e massas (das origens italianas dos prin-
cipais imigrantes) e a culinária oriental muito presente na capital, como
suas riquezas culinárias.
Todas essas receitas, modos de preparo dos pratos e mesmo os rituais
de apreciação, como as reuniões dos tradicionais almoços de domingo,
com mesa farta e família reunida ou a pizza do fim de semana com os
amigos, são parte da imensa riqueza cultural imaterial brasileira.

Curiosidade
A identidade nacional no fast-food
Você sabia que mesmo as grandes redes de fast-food fazem
adaptações em seus cardápios para aproximarem-se dos costumes
das diversas regiões do mundo? Veja alguns exemplos:
• O McDonald’s da França tem croissants criados pelo chef
patissier do Hotel George V, o mais tradicional e chique de
Paris;
• Na China, há o Rice Burger, feito de arroz;
• Portugal tem há um ano um cardápio de sopas tradicionais
portuguesas. São sete sopas diferentes na semana, uma por
dia.
• Nos Emirados Árabes, há o McArabia, com temperos e sa-
bores da região.

Fonte: FLICKR. Disponível em: <https://www.flickr.com/


photos/jasoncartwright/33873903>. Acesso em: 14 out. 2018.

Fonte: <http://www.ipea.gov.br/>. Acesso em: 14 out. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 55


Como já vimos, são exemplos de Patrimônio Imaterial os “modos de
fazer” e os “saberes populares.” Das danças brasileiras tradicionais, vá-
rias estão preservadas pelas leis, como o frevo pernambucano, que, em
2007, foi reconhecido como Patrimônio Cultural do Brasil e inscrito no
Livro de Registro das Formas de Expressão do IPHAN e, em 2012, o Frevo:
expressão artística do Carnaval de Recife foi inscrito na Lista Representati-
va do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO.
Em 2014, o Carimbó, dança da região Amazônica (de origem indíge-
na), foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, juntan-
do-se ao Jongo, Tambor de Crioula, Maracatus de Baque Solto, Baque
Virado, o Cavalo Marinho e a Capoeira, que também é reconhecida como
Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Em dezem-
bro de 2014, mais duas manifestações culturais podem ganhar o título
de Patrimônio Imaterial do Brasil. Tratam-se da Ciranda e do Reisado, que
entraram oficialmente com o pedido de inclusão.

Figura 6 – O frevo pernambucano é um grande exemplo


de Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil

Fonte: Wikimedia Commons (2009)13

Curiosidade
A Roda de Capoeira foi inscrita na Lista Representativa do Patrimô-
nio Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO. O anúncio foi feito
em 2014 na 9ª Sessão do Comitê Intergovernamental para a Salva-
guarda do Patrimônio Cultural Imaterial, comandado por José Manuel
Rodríguez Cuadros (Peru).
A capoeira é uma manifestação cultural Afro-Brasileira muito
conhecida em todo o Brasil e também de reconhecido valor inter-
nacional. A prática, é ao mesmo tempo luta, dança, esporte e arte.
Para a Representante Adjunta do escritório da UNESCO no Bra-
sil, Marlova Jovchelovich Noleto, ao inscrever a Roda de Capoeira
na Lista do Patrimônio Imaterial da Humanidade, a UNESCO re-

13
WIKIMEDIA COMMONS. Prefeitura de Olinda. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/
wiki/File:Frevo_dancers_-_Olinda,_Pernambuco,_Brazil.jpg >. Acesso em: 14 out. 2018.

56 Cultura e Memória Social


conhece a relevância de uma das manifestações populares mais
expressivas da cultura brasileira.
Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN), órgão vinculado ao Ministério da Cultura e responsável
pela apresentação da candidatura da Roda de Capoeira junto à
UNESCO, a prática da capoeira está presente em mais de 150 paí-
ses, além do Brasil, entre eles Estados Unidos, França e Bélgica.
(com informações da Assessoria de Comunicação do Ministério da
Cultura).

Fonte: WIKIMEDIA COMMONS. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:


Capoeira_show_Master_de_fleuret_2013_t221422.jpg>. Acesso em: 14 out. 2018.

Fonte: UNESCO. Disponível em: <http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/


single-view/news/capoeira_becomes_intagible_cultural_heritage_of_humanity/#.VKcQ8SvF-So>.
Acesso em: 14 out. 2018.

3.6.1 Atividade
Já vimos na unidade 1, a relação entre a culinária e a música,
com a canção de Dorival Caymmi onde é ensinada a receita do
Vatapá baiano.
As cantigas de roda, que aprendemos quando crianças, fazem
parte de manifestações culturais como as cirandas e a capoeira, e
também estão cheias de ensinamentos da cultura popular.
Nesta atividade, vamos “puxar pela memória”, usando uma ex-
pressão popular, para relembrar a letra de algumas dessas canções.
As palavras que estão faltando nas dicas são as que completam
nossas palavras cruzadas! Se tiver muita dificuldade, entreviste pes-
soas, familiares, faça pesquisas na internet e procure ouvir e conhe-
cer as músicas que, por acaso, ainda não conheça.
Vamos lá?

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 57


1 2 3 4

6 7

10 11

12 13

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14

17

16

18

19 20

As dicas:

Horizontais Verticais
4. Oi, marinheiro, marinheiro. Marinheiro só. 1. Pai Francisco entrou na roda, tocando seu
Quem te ensinou a ________? ________.
5. A mão direita tem uma roseira, que dá flor na 2. Pombinha branca, que está fazendo? Lavando
________. a louça pro ________.
7. A barata diz que tem sete saias de ________. 3. Vou-me embora, vou-me embora ________
minha.
8. Caranguejo não é peixe, caranguejo peixe é,
caranguejo não é peixe, na vazante da ________. 6. Escravos de Jó, jogavam ________.
10. Maçanico, maçanico. Maçanico do banhado. 9. Meu limão, meu limoeiro, meu pé de
Quem não dança o maçanico. Não arruma ________. ________.
12. Sapo jururu, na beira do rio Quando o sapo 11. Capelinha de melão É de São João É de cravo,
grita ó maninha! Diz que está com ________. é de rosa, É de ________.
16. Como pode o peixo vivo, viver fora da 13. Marcha Soldado, cabeça de Papel. Se não
água fria? Como poderei viver sem a tua, sem a tua marchar direito, vai preso pro ________.
________?
14. Ai, eu entrei na roda. Ai, eu não sei como
17. Ciranda, cirandinha, vamos todos ________. se roda. Ai, eu entrei na “rodadança.” Ai, eu não sei
________.
18. A Canoa virou, pois deixaram ela virar. Foi por
causa da Maria que não soube ________. 15. Fui no Itororó, beber água e não achei. Achei
linda morena que no Itororó ________.
19. Alecrim, alecrim dourado, que nasceu no
campo sem ser ________.
20. Se esta rua, se esta rua fosse minha. Eu man-
dava, eu mandava ________.

58 Cultura e Memória Social


3.6.2 Atividade
Após fazer a atividade anterior, pense em qual outra(s) música(s)
ou canções populares brasileiras você conhece que cite comidas ou
receitas? Vamos fazer uma lista delas?
Vamos começar pela popular cantiga de roda da Borboletinha.

Borboletinha tá na cozinha, fazendo chocolate, para a


madrinha.
Poti, poti, perna de pau, olho de vidro e nariz de pica-pau
pau pau.
Borboletinha tá na cozinha, fazendo chocolate, para a
madrinha.
Poti, poti, perna de pau, olho de vidro e nariz de pica-pau
pau pau.
Fonte: http://www.vagalume.com.br/patati-e-patata/borboletinha.html#ixzz3Nhi5tn60

Comida tradicional
Nome da Canção Quem canta?
citada
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.

3.7 RESUMO
Esta Unidade tratou dos temas Patrimônios Culturais Materiais e Ima-
teriais. Aprendemos como a legislação brasileira protege esses patrimô-
nios e os dispositivos de classificação usados para a catalogação e conse-
quente valorização.
Na próxima unidade vamos falar de lei 10.63903, sobre a obrigato-
riedade de estudos de Culturas Indígenas e Afro-Brasileira nas escolas
brasileiras.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 59


UNIDADE 4
A LEI 10.639/03 –
CULTURA AFRO-BRASILEIRA E
INDÍGENA NAS ESCOLAS

4.1 OBJETIVO GERAL


Apresentar e discutir a abrangência e significado da lei 10.639/03 que rege sobre a obrigatoriedade
de estudos da cultura indígena e Afro-Brasileira nas escolas do Brasil, e sua importância e desdobramen-
tos para a preservação e valorização da cultura brasileira.

4.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS


a) identificar as bases da lei 10.639/03 acerca da obrigatoriedade dos estudos sobre cultura Afro-
Brasileira e indígena nas escolas.
b) reconhecer a contribuição da cultura Afro-Brasileira na formação da cultura brasileira.
c) reconhecer a contribuição da cultura indígena na formação da cultura brasileira.
4.3 INTRODUÇÃO
Em 2013 celebraram-se os 10 anos da lei 10.639/03, que instituiu a
obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena
no currículo do ensino básico brasileiro.
A lei buscou atender às históricas reivindicações dos movimentos so-
ciais e se configura como um ‘marco’ político e educacional sobre a pos-
tura oficial do país no que se refere às questões relativas ao racismo e à
importância dessas culturas na composição e construção da identidade
cultural brasileira.
Desde a criação da Lei até agora muitas ações afirmativas foram de-
senvolvidas para auxiliar a implementação efetiva do que é previsto pela
legislação. Destaque especial para a formação de professores para a obri-
gatoriedade do ensino nas escolas das temáticas previstas.
Em 2008, foi criada a UNIAFRO.

Por meio da Resolução CD/FNDE nº 14, de 28 de abril


de 2008, o Ministério da Educação estabeleceu crité-
rios para assistência financeira às instituições de educa-
ção superior com o objetivo de fomentar ações volta-
das para a formação inicial e continuada de professores
da educação básica e para a elaboração de material
didático específico no âmbito do Programa de Ações
Afirmativas para a População Negra nas Instituições Fe-
derais e Estaduais de Educação Superior (Uniafro). Os
cursos de formação inicial e continuada, assim como os
materiais didáticos, visam à implementação do artigo
26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) e à promoção do estudo da História da África e
Cultura Afro-Brasileira. A intenção é contribuir para a
superação dos preconceitos e atitudes discriminatórias
do racismo por meio da aplicação de práticas pedagó-
gicas qualificadas nesses temas nas escolas de educa-
ção básica no Brasil. (BRASIL, 2008)

Curiosidade
Empresa lança estojo com giz de cera em doze tons de pele
(Notícia do Jornal Extra. 4/12/2014).
Uma parceria entre o curso de aperfeiçoamento de professores
UNIAFRO e a loja de material artístico Koralle tem auxiliado profis-
sionais do Rio Grande do Sul a trabalhar as relações raciais em sala
de aula com uma ideia simples: o lançamento de um estojo de giz
de cera com doze tons de pele.
O item integra o kit de material pedagógico distribuído aos que
participam do curso voltado para qualificação dos professores na
aplicação da lei 10.639/2003, que prevê o ensino da cultura e His-
tória africanas nas escolas da rede pública. Apesar do projeto da
UNIAFRO ser restrito ao Rio Grande do Sul, a Koralle decidiu colo-

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 63


car o estojo à venda na loja online. Desde o lançamento, já chega-
ram pedidos de várias regiões do Brasil.
Para chegar aos doze tons escolhidos para o estojo, foi feita
uma pesquisa com os pedagogos da instituição. Propositalmen-
te, ficaram de fora da edição as cores: preta, rosa e branca.
Apesar do sucesso da iniciativa, Gladis conta que teve dificulda-
de em encontrar parceiros. Foi quando chegaram até o artista
plástico Frantz S, dono da Koralle, que topou a ideia na hora e
lançou o estojo através da marca Pintkor, também de sua pro-
priedade.
Agora, os idealizadores do projeto pretendem ir além: está sen-
do cogitada a produção de giz de cera com mais “tons de pele” e
também lápis de cor e hidrocor. Confiante, Gladis pretende ainda
buscar uma parceria com o Ministério da Educação no próximo ano
para que o kit seja distribuído em todas as escolas públicas do país.

4.4 A LEI 10.639/03: COMO


SURGIU, PORQUE,
COMO, ONDE...
TANTAS QUESTÕES!
Na metade dos anos de 1990, o racismo foi reconhecido oficialmente
no Brasil. Isso não quer dizer que não existisse antes, mas o reconheci-
mento da existência de racismo possibilitou a abertura de ‘espaço políti-
co’ para a efetiva constituição de políticas antirracismo mais consistente.
A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, conhecida como LDB 9394/96.
Também em 1996, com o Seminário Nacional Multiculturalismo e Ra-
cismo: o Papel da Ação Afirmativa nos Estados Democráticos Contem-
porâneos, o governo federal brasileiro proporcionou espaço de debates
acerca das questões culturais, marco significativo na ampliação dos fóruns
de debates sobre os temas e, em 2001 o Brasil participou da III Conferên-
cia Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e
Intolerância Correlata, promovida pela ONU, na África do Sul.

A III Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discri-


minação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Correlata
foi realizada em Durban, África do Sul, entre 31 de
agosto e 8 de setembro de 2001, Ano Internacional
de Mobilização contra o Racismo.
(...) Foram discutidas as origens e causas do racismo,
da discriminação racial, xenofobia e intolerância cor-
relata e foi feito um chamado para ações concretas

64 Cultura e Memória Social


para erradicar todos esses males. Como resultado, os
representantes dos países presentes redigiram uma
Declaração e uma Plataforma de Ação, documento
no qual foram enfocadas medidas para prevenção,
educação e proteção no âmbito nacional.
O documento também recomenda uma série de me-
didas em nível internacional, inclusive o estabeleci-
mento de uma comissão de acompanhamento com-
posta por cinco pessoas eminentes de várias regiões
para trabalhar com o Alto Comissário de Direitos Hu-
manos das Nações Unidas e outros órgãos da ONU a
fim de ajudar a implementar a Declaração e Programa
da Ação.
O Programa conclama os Estados membros a adota-
rem a Convenção Internacional sobre a Eliminação da
Discriminação Racial, a ser ratificada em 2005. O do-
cumento pede também que os Estados implementem
políticas e medidas para prevenir e eliminar a discri-
minação baseada em religião ou crença que muitos
afrodescendentes experimentam. O Programa ainda
pede aos Estados que garantam acesso total e efetivo
ao sistema de justiça para todos os indivíduos, e parti-
cularmente os afrodescendentes. (UNIFEM, 2014)

Nos anos seguintes, os movimentos sociais antirracismo ampliaram o


campo de atuação política, aumentando também a visibilidade das ques-
tões relativas ao racismo. É nesse contexto que a Lei 10.639/03 é criada
com o intuito de instalar a obrigatoriedade do ensino de Cultura Indígena
e Cultura Afro-Brasileira nas escolas como forma de combate ao racismo.
No ano de 2003 foi então criada a Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), que passou a centralizar as dis-
cussões e a construção de estratégias para a formulação de políticas de
ações afirmativas, com especial destaque para a implementação das ‘co-
tas raciais’. Em 10 de março de 2008, a Lei 11.645/08 altera a Lei no
9.394 (LDB).
Tudo isso é reflexo das conquistas dos movimentos sociais que sempre
buscaram o reconhecimento formal da colaboração das culturas Afro-
-Brasileiras e indígenas na composição da identidade nacional.

Multimídia
Conheça, na íntegra, a legislação mencionada anteriormente:
• Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Fonte: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>.
• Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003.
Fonte: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.
htm>.
• Lei 11.645, de 10 de março de 2008.
Fonte: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm>.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 65


4.4.1 Atividade
Vamos encontrar todas as palavras da lista, que fazem parte do
assunto que acabamos de estudar e que relacionam-se à obrigato-
riedade do ensino sobre as culturas Afro-Brasileira e indígena nas
escolas.

4.5 O QUE SABEMOS


SOBRE A CULTURA
AFRO-BRASILEIRA?
PRINCIPAIS QUESTÕES
NA ATUALIDADE
Para iniciar a seção, vamos fazer uma pequena leitura para entender
alguns conceitos. Chamamos de cultura Afro-Brasileira:

[...] o conjunto de manifestações culturais do Bra-


sil que sofreram algum grau de influência da cul-
tura africana desde os tempos do Brasil colônia até
a atualidade. A cultura da África chegou ao Brasil,

66 Cultura e Memória Social


em sua maior parte, trazida pelos escravos negros
na época do tráfico transatlântico de escravos. No
Brasil a cultura africana sofreu também a influência
das culturas europeia (principalmente portuguesa)
e indígena, de forma que características de origem
africana na cultura brasileira encontram-se em geral
mescladas a outras referências culturais. Traços for-
tes da cultura africana podem ser encontrados hoje
em variados aspectos da cultura brasileira, como a
música popular, a religião, a culinária, o folclore e
as festividades populares. Os estados do Maranhão,
Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Espírito
Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul
foram os mais influenciados pela cultura de origem
africana, tanto pela quantidade de escravos recebi-
dos durante a época do tráfico como pela migração
interna dos escravos após o fim do ciclo da cana-de-
-açúcar na região Nordeste. Ainda que tradicional-
mente desvalorizados na época colonial e no século
XIX, os aspectos da cultura brasileira de origem afri-
cana passaram por um processo de revalorização a
partir do século XX que continua até os dias de hoje.
(PORTAL, 2014)

Ou seja, a cultura Afro-Brasileira é caracterizada pelas manifesta-


ções na cultura brasileira que têm origem em tradições incorporadas
pelos escravos africanos que foram trazidos ao Brasil pelos coloniza-
dores. Não é a cultura africana pura, pois esta se adaptou e sofreu
influências dos costumes europeus de diversas culturas que vieram ao
Brasil colônia, mas também não é a cultura brasileira, pois esta tam-
bém sofreu influências da cultura indígena com suas referências.
Henrique Cunha Júnior, Livre-docente da Universidade de São
Paulo (USP) e dono do título de Notório saber em Educação e Histó-
ria africana e pesquisador do Instituto Mulheres Negras, em trabalho
intitulado A Inclusão da História Africana no Tempo dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, nos oferece algumas informações históricas
muito importantes sobre a questão da Cultura Afro-Brasileira e o
modo como vem sendo trabalhada na educação:

Dada a povoação inicial do continente americano


por povos e nações indígenas, seguida da coloniza-
ção invasora europeia e acompanhada pelas imigra-
ções forçadas de cativos africanos, a história brasi-
leira posterior a 1500 é dependente de uma tríplice
herança étnica. A presença destas três etnias forja
a cultura e história nacional como receptoras destas
experiências históricas passadas destes povos. No
presente, os processos de educação e transmissão
da cultura nacional deveriam estar assentados nos
conhecimentos da historia indígena, africana e eu-
ropeia. No entanto os processos coloniais e impe-
rialistas europeus criaram sistemas de dominações
e as visões sobre cultura e educação nacional foram
submetidos às regras ideológicas do eurocentrismo.
No que se refere aos Afrodescendentes, este siste-
ma de dominação parte da característica particular
do nosso quadro de lutas de classes sociais, produ-
zindo uma estrutura de etnocontroles excludentes.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 67


São eliminadas do conhecimento considerado ci-
vilizado, ou seja, como parte da cultura civilizada,
as informações africanas, reduzindo o africano a
um estereótipo de selvagem e primitivo. Fabri-
cam-se as origens da população Afrodescenden-
te, conhecida como negra e mestiça, referidas aos
navios denominados de negreiros e nas supostas
tribos de homens nus. Esse processo de exclusão
da História Africana da cultura nacional faz parte
das políticas de desigualdades de classes produ-
zidas pelo escravismo e pelo capitalismo racista.
(CUNHA JÚNIOR, 2014)

Ou seja, temos sempre olhado para a cultura Afro-Brasileira, ao longo


dos séculos, através de uma espécie de “filtros eurocêntricos” que geral-
mente enxergam as manifestações culturais africanas como primitivas,
inferiores e, dessa forma, desvalorizando-as.
Com relação à forma como os educadores vem sendo formados para
trabalhar essas questões, Cunha Júnior (2014) afirma que:

A educação e a formação dos educadores são rea-


lizadas sem as informações da base africana. As
percepções sobre o passado africano são desin-
formadas e racistas, associadas às noções de raça,
tanto no cotidiano da sociedade como na educa-
ção, produzindo um processo de representações
desfavoráveis à percepção igualitária e cidadã dos
afrodescendentes.

Também Cunha Júnior nos esclarece que desde os anos de 1970,


por articulação dos movimentos negros, que ampliam, a cada dia, sua
atuação, a sociedade brasileira vem conhecendo mais e, assim, poden-
do discutir melhor as questões da formação necessária aos educadores
para trabalhar com as temáticas propostas por esses movimentos, como
a “questão do ensino da História Africana e da denominada História do
Negro Brasileiro” (2014). Histórias essas que fazem parte da formação da
identidade cultural brasileira.

Das relações entre esses movimentos sociais sur-


gem inquietações conjuntas como as da formação
dos educadores voltada para as classes proletárias,
resultando daí interesses sobre a história do escra-
vismo e dos trabalhadores negros. Neste conjunto,
nascem as preocupações com a inclusão da Histo-
ria Africana na formação dos educadores. Embora
a resistência quanto ao trabalho com as questões
de interesse dos afrodescendentes persista, tan-
to em alguns setores políticos de esquerda como
de direita, os movimentos negros lograram trans-
formar as preocupações com o ensino da histo-
ria africana numa questão nacional. Persistem,
entretanto, as questões de operacionalização do
ensino desta historia e os limites de percepções
democráticas que se confrontam com as políticas
nacionais e de grupos sociais quanto a formação
de educadores.

68 Cultura e Memória Social


A partir de 1989, dentro, inicialmente, das ativida-
des da ABREVIDA, entidade do movimento negro
da cidade de São Paulo, e depois em círculos mais
amplos ligados a Sindicatos Estaduais e Nacional
de Educação, passamos a apresentar a disciplina de
Historia Africana para formação de professores da
rede pública. A experiência tem também a adesão
de programas de pós-graduação em Penambuco e
no Piauí. Os programas de maior intensidade foram
realizados dentro de convênios entre a Prefeitura da
Cidade de São Paulo e a ABREVIDA e cursos de for-
mação de Educadores sobre Relações Étnicas e Cida-
dania. (CUNHA JÚNIOR, 2014)

Embora geralmente nos refiramos aos negros como uma única etnia,
historiadores nos mostram que os negros que foram trazidos ao Brasil
como escravos são originários de diferentes nações.
Ao serem retirados de suas nações e escravizados, esses povos não
deixaram seus modos e costumes para trás, e trouxeram, então, com
eles, sua cultura e suas práticas culturais, que foram sendo incorporadas
à cultura brasileira nas trocas que ocorreram ao longo do tempo.
Dos povos africanos que vieram para o Brasil como escravos, temos
gente de Benguela, Angola, Congo e Monjolo, como mostra a ilustração
a seguir:

Figura 7 – Escravos africanos no Brasil, oriundos de várias nações,


como Benguela, Angola, Congo e Monjolo

Fonte: Wikipédia (1830)14

14
WIKIPÉDIA. J. M. Rugendas. Voyage Pittoresque dans le Bresil. 1830. Disponível em: <https://
pt.Wikipédia.org/wiki/Cultura_afro-brasileira#/media/File:Rugendas_-_Escravos_Benguela,_
Angola,_Congo,_Monjolo.jpg>. Acesso em: 14 out. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 69


Atenção
A ausência da História Africana é uma das lacunas de grande
importância nos sistemas educacionais brasileiros. Esta ausência
tem quatro consequências sobre a população brasileira: em pri-
meiro lugar, retira a oportunidade dos Afrodescendentes em cons-
truírem uma identidade positiva sobre as nossas origens. Segundo,
a ausência abre espaço para hipóteses preconceituosas, desinfor-
madas ou racistas sobre as nossas origens, criando assim terreno
fértil para produção e difusão de ideias erradas e racistas sobre as
origens da população negra. Alimenta um universo do Africano e
Afrodescendente como ignorante, inculto, incivilizado.
Em terceiro lugar, a ausência da história Africana coloca a
apresentação dos continentes e das diversas culturas a nível
mundial, em desigualdade de informação sobre os conteúdos
apresentados pela educação, visto termos uma ampla aborda-
gem da história europeia, a ausência da história africana nos
currículos, induz a ideia de que ela não existe e, portanto, que
não faz parte do conhecimento a ser transmitido.
A Quarta consequência direta está sobre o entendimento da
história brasileira e da formação do povo brasileiro. A História do
Brasil, após 1500, é uma consequência das histórias Indígenas, Afri-
canas e Europeias. As tecnologias, costumes, culturas, propostas
políticas trazidas pelos Africanos ficam difíceis de serem reconheci-
das e integradas devidamente na história nacional pelo desconhe-
cimento da base Africana. Muitas das realizações do povo africano
no Brasil, ficam sub-dimensionadas ou não reconhecidas, dado o
tamanho da ignorância reinante no país sobre as nossas origens
africanas. Não é possível uma história brasileira justa e honesta sem
o conhecimento da história Africana.
Fonte: CUNHA JÚNIOR, H. A inclusão da história africana no tempo dos Parâmetros Curricu-
lares Nacionais. Mulheres Negras: do umbigo para o mundo. Disponível em: <http://www.
mulheresnegras.org/cunha_01.html>. Acesso em: nov. 2014.

Você sabia que uma das maiores influências da cultura Afro-Brasileira


na composição cultural brasileira diz respeito às religiões? Segundo o IBGE,
0,3% dos brasileiros declaram seguir religiões de origem africana, embora
um número maior de pessoas sigam essas religiões de forma não declarada e
mesmo escondida, devido ao preconceito que ainda persiste (PELAES, 2012).

De maneira geral, tanto na época colonial como du-


rante o século XIX a matriz cultural de origem europeia
foi a mais valorizada no Brasil, enquanto que as mani-
festações culturais Afro-Brasileiras foram muitas vezes
desprezadas, desestimuladas e até proibidas. Assim, as
religiões Afro-Brasileiras e a arte marcial da capoeira fo-
ram frequentemente perseguidas pelas autoridades. Por
outro lado, algumas manifestações de origem folclóri-
co, como as congadas, assim como expressões musicais
como o lundu, foram toleradas e até estimuladas.
Entretanto, a partir de meados do século XX, as ex-
pressões culturais Afro-Brasileiras começaram a ser

70 Cultura e Memória Social


gradualmente mais aceitas e admiradas pelas elites
brasileiras como expressões artísticas genuinamente
nacionais. Nem todas as manifestações culturais fo-
ram aceitas ao mesmo tempo. O samba foi uma das
primeiras expressões da cultura Afro-Brasileira a ser
admirada quando ocupou posição de destaque na
música popular, no início do século XX.
Posteriormente, o governo da ditadura do Estado Novo
de Getúlio Vargas desenvolveu políticas de incentivo
do nacionalismo nas quais a cultura Afro-Brasileira en-
controu caminhos de aceitação oficial. Por exemplo, os
desfiles de escolas de samba ganharam nesta época
aprovação governamental através da União Geral das
Escolas de Samba do Brasil, fundada em 1934.
Outras expressões culturais seguiram o mesmo ca-
minho. A capoeira, que era considerada própria de
bandidos e marginais, foi apresentada, em 1953, por
mestre Bimba ao presidente Vargas, que então a cha-
mou de “único esporte verdadeiramente nacional.”
A partir da década de 1950 as perseguições às reli-
giões Afro-Brasileiras diminuíram e a Umbanda pas-
sou a ser seguida por parte da classe média carioca.
Na década seguinte, as religiões Afro-Brasileiras pas-
saram a ser celebradas pela elite intelectual branca.
(PORTAL, 2014)

Curiosidade
Inicialmente desprezadas, as religiões Afro-Brasileira foram ou
são praticadas abertamente por vários intelectuais e artistas impor-
tantes como Jorge Amado, Dorival Caymmi, Vinícius de Moraes,
Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia (que frequentavam o
terreiro de Mãe Menininha), Gal Costa (que foi iniciada para o Orixá
Obaluaye), Mestre Didi (filho da iyalorixá Mãe Senhora), Antonio Ri-
sério, Caribé, Fernando Coelho, Gilberto Freyre e José Beniste (que
foi iniciado no candomblé ketu).
As religiões Afro-Brasileiras que são praticadas no Brasil são:

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 71


Babaçuê – Pará
Batuque – Rio Grande do Sul
Cabula – Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa
Catarina.
Candomblé – Em todos estados do Brasil
Culto aos Egungun – Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo
Culto de Ifá – Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo
Macumba – Rio de Janeiro
Omoloko – Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo
Quimbanda – Rio de Janeiro, São Paulo
Tambor-de-Mina – Maranhão
Terecô – Maranhão
Umbanda – Em todos estados do Brasil
Xambá – Alagoas, Pernambuco
Xangô do Nordeste – Pernambuco
Confraria
Irmandade dos homens pretos
Sincretismo
Fonte: PORTAL DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA. Evolução Histórica. Cultura Afro-Brasileira.
Disponível em: <https://www.faecpr.edu.br/site/portal_afro_brasileira/3_III.php>. Acesso em: 04
nov. 2014.
Fonte da imagem: WIKIPÉDIA. Disponível em: <https://pt.Wikipédia.org/wiki/Iemanj%-
C3%A1>. Acesso em: 04 nov. 2014.

Como já vimos anteriormente nessa disciplina, quando falamos de Pa-


trimônio Cultural, a culinária brasileira, em especial a baiana, é bastante in-
fluenciada pela cultura Afro-Brasileira. O candomblé tem uma relação muito
particular com a comida. Pratos como acarajé, caruru, vatapá e moqueca
são preparados com azeite-de-dendê, que é extraído de uma palmeira de
origem africana. A palmeira do dendê foi trazida para o Brasil na época em
que ainda éramos uma colônia de Portugal.

O dendê fixou suas raízes na Bahia, pois, foi lá onde


houve a união da cozinha portuguesa com a africana
trazida pelos escravos. Afirmam que não há na África
nada igual à cozinha baiana, a não ser os chamados
“pratos brasileiros” levados por africanos que retornam
à sua terra depois da abolição. (ALGRANTI, 2004, p. 12)

A preparação desses pratos na Bahia, nos terreiros de candomblé, é


feita para que sejam oferecidos aos orixás, como oferendas religiosas.
Mas quando são feitas fora dos terreiros, as comidas são preparadas com
tempero caprichado e são mais saborosas, sendo vendidas pelas “baianas
do acarajé”, personagens da cultura popular baiana que vendem seus
quitutes pelas ruas das cidades baianas ou em restaurantes.

72 Cultura e Memória Social


Figura 8 – As baianas que vendem acarajé podem
ser encontradas por muitas cidades da Bahia

Fonte: Wikipédia (2008)15

O que se sabe bem, em relação à culinária Afro-Brasileira, é que muita


coisa faz parte do nosso dia a dia, mesmo que não tomemos consciência
disso. A chegada dos africanos ao Brasil não trouxe somente a inclusão
de novas formas de preparo e novos ingredientes na culinária colonial,
mas impactou de maneira significativa, transformando a própria culinária
portuguesa, que era soberana na colônia. Muitos pratos afro-brasileiros
trazidos pelos negros até hoje fazem parte dos cardápios nos países afri-
canos, assim como vários pratos desses países foram reinventados por
aqui com o uso de ingredientes do Brasil, como a mandioca, que os ín-
dios locais já conheciam e usavam com frequência, e também fizeram o
“caminho de volta”, influenciando a cultura dos seus países de origem.
Nosso delicioso e adorado coco-verde, por exemplo, com sua refrescante
e nutritiva água, hábito comum aos brasileiros, veio da índia, passou pela
África Oriental, África Ocidental, Cabo Verde e Guiné antes de se tornar
um “produto típico” do Nordeste brasileiro.
Dentre outros alimentos, vieram da África o açafrão, o coco, a banana,
o café, a pimenta malagueta e o azeite-de-dendê. Sobre o dendê, Câma-
ra Cascudo (1983, p. 245) dizia que: “O azeite-de-dendê acompanhou o
negro como o arroz ao asiático e o doce ao árabe.”

Curiosidade
Festa de São Cosme e Damião: A festa é caseira, mas farta.
Todos os anos, no mês de setembro, ela acontece em milhares
de lares baianos. Difícil imaginar uma festa mais sincrética. O Caru-
ru de São Cosme e São Damião homenageia os santos gêmeos da
igreja católica, os Ibêjis do candomblé e também as crianças. Tudo
precisa ser feito no mesmo dia: caruru, xinxim de galinha, vatapá,
arroz, milho branco, feijão fradinho, feijão preto, farofa, acarajé,
abará, banana-da-terra frita e os roletes de cana. A dimensão da
15
WIKIPÉDIA. R. Pozzebom. Baiana vendendo acarajé em Salvador. 2008. Disponível em: < https://
pt.Wikipédia.org/wiki/Baiana_do_acaraj%C3%A9#/media/File:Baiana-acaraj%C3%A9-Salvador.
jpg>. Acesso em: 14 out. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 73


oferenda é medida pela quantidade de quiabos do caruru. Cada
um faz como pode: mil, três mil ou até 10 mil quiabos. Quando a
comida fica pronta, coloca-se uma pequena porção nas vasilhas de
barro aos pés das imagens dos santos, ao lado das velas, balas e
água. Depois, serve-se o caruru a sete meninos com, no máximo, 7
anos cada. Eles comem juntos, com as mãos, numa grande gamela
de barro ou bacia. Só então é a vez dos convidados participarem
da celebração.
A história da devoção a São Cosme e São Damião é antiga e
atravessa continentes. Na Bahia, a fé nos santos irmãos ganhou
importância principalmente pelo sincretismo com Ibeji, o orixá du-
plo dos nagôs, que representa os gêmeos. Alguns usam só quiabo,
cebola, sal, camarão e azeite de dendê. Outros acrescentam casta-
nha, amendoim, pimentão e tomate. Nutricionalmente, o caruru é
um prato rico em ferro proveniente do quiabo e o dendê fornece
vitamina A pela presença do betacaroteno, bom para a pele e para
os olhos. Já com as castanhas e o amendoim, o prato é fonte de
proteínas e gorduras insaturadas.
Fonte: BQAFRICA. Bioquímica Afro-Brasileira. Alimentos Afro-brasileiros. Disponível em:
<https://bqafrica.wordpress.com/atividade-2/>. Acesso em nov. 2014.

Com a expansão das Igrejas Pentecostais, as religiões de matriz africa-


na vêm sofrendo perseguições e discriminação, até mesmo com violação
dos direitos humanos fundamentais, como relatam as notícias, infeliz-
mente quase diárias, nos veículos de comunicação.
No entanto, a pesquisadora Laura Pelaes (2012) nos esclarece que

As igrejas pentencostais do Brasil, que combatem as


religiões de origem africana, na realidade têm várias
influências destas como se nota em práticas como o
batismo do Espírito Santo e crenças como a de incor-
poração de entidades espirituais (vistas como maléfi-
cas). (PELAES, 2012)

É preciso compreender que estudar a influência da cultura Afro-Brasi-


leira na composição da cultura brasileira é diferente de estudar teologia
das religiões Afro-Brasileiras ou mesmo professar esse tipo de fé. O 2º Se-
minário Nacional Educadores Evangélicos e Aplicação da Lei 10.639/03,
promovido pela ONG Geledés (2014), teve como objetivo

[...] promover a capacitação de profissionais da edu-


cação que se declaram evangélicos, através da forma-
ção continuada na aplicabilidade da lei 10.639/2003,
visando o ampliar o conhecimento dos educandos em
todos os níveis de escolaridade, desmistificando assim
a quebra de paradigmas referente ao ensino de Histó-
ria da África e Afrobrasileira. (GELEDÉS, 2014)

Com o lema “Desconstruir para construir com relevância a nossa cul-


tura”, o seminário buscou esclarecer, informar e, principalmente, reco-
nhecer a importância das manifestações culturais Afro-Brasileiras para a
composição da identidade cultural brasileira e evitar que se repitam coisas
como “professores evangélicos impedem ensino da história e cultura afri-
cana nas escolas” (GELEDÉS, 2014).

74 Cultura e Memória Social


Além da religião e da culinária, facilmente perceptíveis, as influências
marcantes da cultura Afro-Brasileira na composição da cultura brasileira
também são percebidas na música e na dança.
Ritmos como o samba, cocos, jongo, maracatu, carimbó, lambada, maxixe,
maculelê, estão presentes no nosso dia a dia sem que, muitas vezes, perceba-
mos a presença da cultura Afro-Brasileira. E o Rap? O Hip Hop? A capoeira?
É tudo tão misturado na nossa cultura que dançamos felizes nas festas
populares, como o carnaval, ao som de instrumentos de origem Afro-Bra-
sileira sem mesmo notar essa influência!
Na literatura e arte em geral, então, fruímos obras de Luiz Gama, Ma-
chado de Assis, Cruz e Souza, José do Patrocínio, Lima Barreto, sem nem
cogitar associar sua obra à condição étnica. Pois talento e qualidade não
se medem pela cor da pele de ninguém. Está mais do que na hora de
acabar, de vez, com a discriminação.

4.5.1 Atividade
Vamos verificar o que aprendemos até agora?
A cultura, como código simbólico, apresenta-se como dinâmica
viva. Todas as culturas estão em constante processo de reelabora-
ção, introduzindo novos símbolos, atualizando valores, adaptando
seu acervo tradicional às novas condições historicamente construí-
das pela sociedade (PCN). Assinale a opção incorreta.
a) ( ) A cultura pode assumir sentido de sobrevivência, estímulo e
resistência.
b) ( ) A cultura quando valorizada, reconhecida como parte indis-
pensável das identidades individuais e sociais, apresenta-se
como componente do pluralismo próprio da vida democrática.
c) ( ) Fortalecer a cultura de cada grupo social, cultural e étnico
que compõe a sociedade brasileira, promover seu reconhe-
cimento, valorização e conhecimento mútuo, é fortalecer a
igualdade, a justiça, a liberdade, o diálogo e, portanto, a de-
mocracia.
d) ( ) É necessário considerar que as formas de discriminação são
processos naturais, pois essas práticas fazem parte de todas
as sociedades do mundo.
e) ( ) Discutir em sala de aula as diferentes etnias e os processos de
formação da sociedade brasileira e alagoana, com embasamento
e segurança teórica, contribui para a vida democrática e cidadã.
Fonte: COPEVE. Prova – Educação Relações Etnicorraciais – Copeve, 2012. Disponível em: <http://
www.copeve.ufal.br>. Acesso em: nov. 2014.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 75


4.6 SERÁ QUE
CONHECEMOS A
CULTURA INDÍGENA
COMO DEVERÍAMOS?
Do mesmo modo que a Cultura Afro-Brasileira, a História e Cultura In-
dígena pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, tornam-se temáticas
obrigatórias no currículo oficial da rede de ensino básico.
Habitantes do Brasil desde antes do descobrimento, os povos indíge-
nas compreendem um grande número de diferentes grupos étnicos. Mas,
quem são os índios? Segundo Eduardo Viveiros de Castro, pesquisador
e professor de antropologia do Museu Nacional da Universidade Federal
do Rio de Janeiro – UFRJ, “Índio é qualquer membro de uma comunidade
indígena, reconhecido por ela como tal” e “Comunidade indígena é toda
comunidade fundada em relações de parentesco ou vizinhança entre seus
membros, que mantém laços histórico-culturais com as organizações so-
ciais indígenas pré-colombianas” (CASTRO, 2005).
Esses dois conceitos são fundamentais para começarmos a falar sobre
Cultura Indígena.
Em artigo recente, intitulado As 10 mentiras mais contadas sobre os
indígenas, a antropóloga Lilian Brandt faz uma reflexão sobre aspectos
muito interessantes da Cultura Indígena. Os 10 aspectos são:

1. Quase não existe mais índio, daqui alguns anos não


existirá mais nenhum.
2. Os índios estão perdendo sua cultura.
3. Estão inventando índios, agora todo mundo pode
ser índio.
4. O Brasil é um país miscigenado, aqui não tem ra-
cismo.
5. Os índios têm muitos privilégios.
6. Os índios são tutelados, por isso índio não vai preso
e não pode comprar bebida alcoólica.
7. Tem muita terra para pouco índio.
8. Os índios são preguiçosos e não gostam de traba-
lhar.
9. Nossa sociedade é mais avançada, não temos nada
para aprender com os índios.
10. Os índios atrasam o desenvolvimento do País.
(BRANDT, 2014)

Escolhi esse artigo para dar base à esta unidade por ser um material
rico de detalhes e lúcido em colocações, sendo, portanto, a referência
mais adequada ao tema encontrada atualmente.
Vamos analisar, um a um, os aspectos abordados pela autora, por
consideramos um excelente roteiro para estudar a cultura indígena na
atualidade.

76 Cultura e Memória Social


Na afirmação que a autora diz ser a mentira número 1, sobre a di-
minuição do número de índios do Brasil, Lilian (2014) pondera que “se
as pessoas não sabem muito sobre os indígenas na atualidade, sabem
menos ainda sobre o passado destes povos. Mesmo os pesquisadores
não encontram um consenso, e os números variam muito conforme os
critérios utilizados”, afirmando que

[...] quando o IBGE passou a coletar dados sobre a


população indígena brasileira, eles somavam 294 mil
pessoas. Em 2000, o Censo revelou um crescimento
da população indígena muito acima da expectativa,
passando para 734 mil pessoas. Em 2010, a popula-
ção indígena continuou crescendo, e o Censo mos-
trou que mais de 817 mil brasileiros se autodeclara-
ram indígenas, representando 0,47% da população
brasileira. Eles estão distribuídos em 305 etnias e
falam 274 línguas. [...] Os povos indígenas isolados
são aqueles que não estabeleceram contato perma-
nente com a população nacional e com o Estado. As
informações sobre eles são transmitidas por outros
índios, por moradores da região e por pesquisadores.
A Funai (Fundação Nacional do Índio) tem cerca de
107 registros da presença de índios isolados em toda
a Amazônia Legal, dos quais 26 já foram confirmados
e estão sendo monitorados, seja por imagens de saté-
lite, sobrevoos ou expedições na região. Não se sabe,
no entanto, a quantidade destes povos e indivíduos
que vivem voluntariamente isolados. (BRANDT, 2014)

Ou seja, não são poucos, não estão desaparecendo e, pelo contrário,


os dados mostram crescimento populacional.

Figura 9 – Representantes de tribos indígenas brasileiras: Assurini,


Tapirajé, Kaiapó, Kapirapé, Rikbaktsa e Bororo-Boe

Fonte: Wikipédia (2008)16

16
WIKIPÉDIA. Agência Brasil. Compilation of pictures of Native Brazilians from the tribes
Assurini, Tapirajé, Kaiapó, Kapirapé, Rikbaktsa and Bororo-Boe. Disponível em: <https://
pt.Wikipédia.org/wiki/Faculdade_Ind%C3%ADgena_Intercultural#/media/File:Brazilian_
indians_000.JPG>. Acesso em: 14 out. 2018.

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 77


Com relação à ideia de que os índios “estão perdendo sua cultura”, o
que Lilian chama de “Mentira número 2”, a autora lembra que:

Cultura é o conjunto de manifestações que inclui o


conhecimento, a arte, as crenças, a língua, a moral,
os costumes, os comportamentos e todos os hábitos
e aptidões adquiridos por pessoas que fazem parte de
uma sociedade específica” e “sendo composta por di-
versos elementos, a cultura está em constante transfor-
mação, se inter-relacionando de diferentes formas com
o ambiente, as circunstâncias, outras culturas e consigo
mesma. Logo, a cultura não é algo que se perde, é algo
que se transforma constantemente. (BRANDT, 2014)

Como afirmamos na unidade 1 desta disciplina, o conceito de cul-


tura engloba realmente esta ideia de organicidade, de movimento, e,
assim, a autora faz uma leitura da cultura indígena como qualquer
outra forma de cultura, como algo vivo e em constante modificação.
Muito interessante a ideia que traz de que os índios “podem incor-
porar determinado elemento de outra cultura e nem por isso serem
“menos índios”, assim como comer sushi não nos torna japoneses,
tomar chimarrão não nos torna gaúchos e tomar banhos diários não
nos torna índios.” Essa compreensão é fundamental para estabele-
cermos uma relação de respeito com a cultura indígena, para início
de reconhecimento de sua influência na composição da identidade
cultural brasileira.
A “mentira número 3” de que “inventando índios, agora todo
mundo pode ser índio” é extremamente interessante. Ao afirmar que
“se a pessoa se reconhece como indígena e se identifica com um
grupo de pessoas que também se reconhecem como indígenas e a
consideram indígena, então ela é” Lilian Brandt lembra que “auto-
declaração é defendida também pela Convenção nº 169 sobre Povos
Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
ratificada pelo Brasil em 2000”, e destaca a ideia de que “se nossa
sociedade tem dúvida se um indivíduo é índio, esta dúvida não en-
contra recíproca por parte dele. Quem é índio sabe que é, porque tem
a vivência do seu povo e sente na pele o racismo.” Por sinal, o racis-
mo, como já vimos na seção anterior desta mesma unidade não se
restringe somente aos negros e afro-descendentes. Os índios e seus
descendentes são extremamente discriminados na sociedade brasilei-
ra. Não fosse assim, não haveria necessidade de haver leis contra o
racismo, para ambas as etnias. O que vem ao encontro da afirmação
denominada “mentira número 4” de que “o Brasil é um país miscige-
nado, aqui não tem racismo.”
Não é mentira que o Brasil seja miscigenado, pelo contrário. Sabemos
disso, e é claro, nas faces das pessoas, toda a influência das diversas ma-
trizes que compõem nossa brasilidade.
O trecho em que a autora diz que

[...] Racismo, assim como machismo, é algo sutil.


Às vezes ele aparece escancarado, quando um su-
jeito chama um negro de “macaco”, quando uma
mulher é estuprada, quando se constata um salário
menor para mulheres e negros do que para homens
brancos para fazerem exatamente o mesmo traba-

78 Cultura e Memória Social


lho. Esse racismo escancarado é muitas vezes (mas
nem sempre) condenado pela sociedade. Mas nem
tudo é preto no branco, racismo ou não-racismo.
Há infinitas combinações de cores, há infinitas for-
mas de demonstrar e de esconder o racismo e ainda
assim julgar-se superior. Com indígenas é pior, por-
que a diferença não está só na cor da pele, no tipo
de cabelo e na classe social. Além de tudo isso, a
diferença é cultural e muitas vezes até linguística.
Os indígenas são os brasileiros mais ímpares e di-
ferentes que compartilham o mesmo território que
nós. O racismo pode aparecer em momentos leves,
entre amigos. As pessoas naturalizaram de uma tal
forma o racismo contra indígenas, que não perce-
bem que jamais poderiam usar aquelas mesmas
palavras para se referir a qualquer outro grupo de
pessoas. Nossa sociedade tem sido muito coniven-
te com o racismo contra indígenas, a despeito do
que diz nossa legislação. Conforme a Constituição
Federal e a Lei nº 7.716/89, serão punidos os cri-
mes de discriminação ou preconceito contra raça,
cor, etnia, religião ou procedência nacional, sendo
o crime de racismo inafiançável e imprescritível. No
entanto, diariamente os indígenas são discrimina-
dos e são raros os casos de denúncia e condenação.
(BRANDT, 2014)

Descreve claramente a forma que o racismo assume com relação aos


indígenas.
No quinto item, chamado “mentira número 5”, Lilian questiona que
“privilégios” são esses, que se destaca quando se afirma que “os índios
têm muitos privilégios.”
Há sempre bastante confusão quando se discutem direitos X privilé-
gios. A tendência das classes dominantes é achar que os seus direitos,
quando aplicados aos que julgam inferiores, são privilégios. Isso fica claro
quando são questionados a forma de sustento dos índios, o direito à
“educação diferenciada, intercultural e bilíngue”, em que “os indígenas
podem elaborar seus próprios currículos e rotinas escolares com gestão
indígena.” Isso não é privilégio, isso é direito. Direito à preservação de
sua cultura.
A “mentira número 6” de que “os índios são tutelados, por isso índio
não vai preso e não pode comprar bebida alcoólica” é bem complexa e
detalhada pela autora da seguinte forma:

Essa história é antiga e tem um fundo de verdade.


Desde o período colonial até o século passado, o Esta-
do sempre considerou que os indígenas deveriam ser
integrados, ou seja, deveriam negar suas identidades
em nome de sua inserção à nação brasileira.
Esta concepção foi perpetuada por séculos e virou
“tutela” no Código Civil de 1916 (artigo 6º), que en-
quadrou os índios na categoria de relativamente inca-
pazes, condição semelhante à dos órfãos menores de
idade no século XIX.
O Estatuto do Índio (Lei n. 6.001/73) endossou o
regime de tutela, depois de separar categorias de

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 79


índios em “isolados”, em “vias de integração” e
“integrados”, estabelecendo que o regime tutelar se
aplicaria aos índios ainda não integrados.
O Estado tutor é aquele que decide pelos índios e
os mantém sob controle. Em nome desta “tutela”,
o Estado brasileiro promoveu um verdadeiro geno-
cídio. A Comissão Nacional da Verdade, que inves-
tiga crimes cometidos pelo governo ou agentes da
ditadura militar, estima que somente a construção
de estradas na Amazônia, no governo do general
Médici (1969-1973), matou em torno de 8 mil índios
(saiba mais).
Na região do Araguaia, o povo Xavante de Marãi-
watsédé entregou um relatório de 71 páginas à Co-
missão Nacional da Verdade. Entre os crimes, estão
a invasão do território com a condescendência de
autoridades, empresários e poderes locais e nacio-
nais (saiba mais).
A legislação só tomou um rumo diferente em 1988,
com a atual Constituição Federal Brasileira. Nossa
Constituição reconheceu e introduziu os direitos
permanentes dos índios, abandonando a ideia de
que eles seriam assimilados à nossa sociedade e
endossando a ideia de que os índios são sujeitos
presentes e capazes de permanecer no futuro. Ela
reconheceu ainda o direito dos indígenas às suas
terras e à cidadania plena. Esse avanço na legisla-
ção indigenista foi uma conquista do movimento
indígena.
O Novo Código Civil Brasileiro (2002), em seu Art. 4º,
diz que “a capacidade dos índios será regulada por
legislação especial.” Como essa tal lei não existe, al-
guns podem acreditar que se trata do antigo Estatuto
do Índio, e daí se cai em contradição, já que o referido
Estatuto trata o índio como semi-incapaz.
O Estatuto do Índio e suas ideias retrógradas nunca
foram oficialmente revogados, mas muitos especia-
listas acreditam que a Constituição Brasileira, como
nossa lei máxima, por si só já o revoga em relação
à tutela. Porém, muitos juristas, legisladores e a po-
pulação brasileira ainda remetem ao Estatuto do Ín-
dio para embasar decisões e discursos, valendo-se da
contradição das leis e provocando insegurança jurídi-
ca para os povos indígenas.
Por isso, no entendimento da Funai e de diversos es-
pecialistas, indígenas são tão cidadãos quanto nós, e
podem sim comprar bebidas alcoólicas fora das Terras
Indígenas. Aliás, o comerciante que não vendesse es-
taria cometendo um crime ao discriminar o indíge-
na, além de uma prática abusiva prevista no inciso
IX do art. 39 do Código de Defesa do Consumidor.
(BRANDT, 2014)

Ou seja, o órgão responsável pelos direitos indígenas reconhece o ín-


dio como cidadão.

80 Cultura e Memória Social


Curiosidade
Por não possuírem escrita alfabética nos tempos da “atração e
pacificação”, os povos indígenas foram (e continuam sendo) “ba-
tizados” por escrito pelos não-índios, em um processo que deu (e
ainda dá) margem a muitas confusões em termos de grafias e sig-
nificados. É importante destacar que, nas últimas décadas, com o
desenvolvimento de projetos na área de educação escolar indígena,
alguns povos estão aprendendo a escrever na sua própria língua,
e assim começam a criar, junto com os assessores linguistas, uma
grafia própria. [...]
Há uma grande variabilidade na maneira de grafar os no-
mes dos povos indígenas. Convivem padrões diferentes, às vezes
criados por funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai),
outras por antropólogos e, mais recentemente, até mesmo por
Manuais de Redação de grandes órgãos da imprensa brasileira.
Um grupo que hoje habita áreas no estado do Acre, os Kaxina-
wá, por exemplo, têm sua designação escrita de pelo menos
quatro maneiras diferentes: caxinauá, cashinauá, kaxinawá e
kaxináua.
Fonte: POVOS Indígenas do Brasil. Sobre o nome dos povos. Disponível em: <http://pib.so-
cioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/quem-sao/sobre-o-nome-dos-povos>. Acesso em out. 2014.

As “mentiras” 7, 8, 9 e 10 escancaram o preconceito e a falta de co-


nhecimento que a sociedade tem sobre os índios e sua cultura. A Cons-
tituição Brasileira reconhece aos índios os “direitos originários sobre as
terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,
proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (Art. 231). Isso não é pri-
vilégio, isso é direito. Porém, os “direitos originários” são desrespeitados
pelo próprio estado, e pela exploração comercial. A autora destaca que
“a noção de território não constitui apenas uma relação de ocupação ou
exploração, mas o fundamento da existência do povo, pois somente em
seu território é possível a prática plena de sua cultura.” E os índios têm
direito à preservação de sua cultura.
O preconceito, novamente, está na base de afirmações como as que
dizem que “índios não gostam de trabalhar” ou “nossa sociedade é mais
avançada, não temos nada para aprender com os índios.” Primeiro por-
que o conhecimento sobre a cultura indígena mostra que “indígenas esti-
veram domesticando diversas espécies de plantas que hoje consumimos,
como o milho, um dos grãos mais produzidos no mundo, e a mandio-
ca, que os brasileiros tanto gostam. Estas plantas e tantas outras, como
feijões, abóboras, carás e tomates, não eram encontradas na natureza
como hoje as conhecemos. São o resultado de muito trabalho indígena”
(BRANDT, 2014), que “a cultura brasileira tem influência indígena.” Dizer
que “os índios atrasam o desenvolvimento do País” é de uma arrogância
ímpar e, novamente, ratifica o preconceito. Que desenvolvimento? De-
senvolvimento de quem? Como? Por quê e para quem? Concordamos
com a ideia da autora, quando diz que

Curso de Bacharelado em Biblioteconomia na Modalidade a Distância 81


Os indígenas devem poder escolher se desejam se be-
neficiar do desenvolvimento e de que forma, ou se
preferem nem se envolver. Mas eles não podem con-
tinuar sendo desrespeitados em nome do interesse
econômico.
Não precisamos de um crescimento desrespeitoso,
realizado sem estudos de impacto ambiental, so-
cial e cultural. Tampouco necessitamos da malícia
de políticos e da mídia. Precisamos sim tirar a ven-
da dos olhos e enxergar o índio realmente, pois são
mentiras e preconceitos que atrasam a evolução
humana.
O desenvolvimento deve ser bom para todos. A paz
entre os povos, já prevista em nossa Constituição Fe-
deral, deve ir além da diplomacia e incluir os que vi-
vem em solo pátrio. (BRANDT, 2014)

Há ainda uma falsa ideia de que índios, todos eles, são amigos entre
si. Segundo Darcy Ribeiro (1995) “os diferentes grupos indígenas nutriam
grande animosidade e constantemente guerreavam entre si.”

Multimídia
PARA SABER MAIS

Cultura Indígena
<http://www.amoakonoya.com.br/>.

Memorial do Imigrante
<http://www.memorialdoimigrante.sp.gov.br/>.

Fundação Cultural Palmares


<http://www.palmares.gov.br/>.

Fundação Joaquim Nabuco


<http://www.fundaj.gov.br>.

UNESCO – Culture
<http://portal.unesco.org/culture>.

IPHAN – Patrimônio Histórico Nacional


<http://portal.iphan.gov.br/>.

82 Cultura e Memória Social


4.6.1 Atividade

Vamos encontrar os nomes de algumas das muitas tribos indígenas brasileiras?

4.6.2 Atividade

Você sabia que existiam tantas tribos indígenas assim no


Brasil? Escolha uma delas e faça uma pesquisa acerca de seus
modos e costumes, sua localização, número de integrantes da
tribo etc. Não é necessário nada muito profundo, apenas uma
identificação cul-tural da tribo escolhida, como forma de
conhecer um pouco sobre eles. Escreva um texto autoral, reflexivo,
contextualizado, acerca da condição indígena atualmente no
Brasil.
4.7 RESUMO
• Esta unidade tratou dos temas Cultura Indígena e Cultura Afro-Bra-
sileira, sob o viés da lei 10.639/03 que trata da obrigatoriedade do
ensino de Cultura Indígena e Cultura Afro-Brasileira nas escolas.

Sugestão de Leitura
MASON, R. Por uma arte-educação multicultural. Campinas:
Mercado das Letras, 2001.

SOVIK, L. Apresentação, para ler Stuadt Hall. In: SOVIK, L. (Org.).


Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte:
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