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O

conceito de gênero:
uma leitura com base
nos trabalhos do GT
Sociologia da Educação
da ANPEd (1999-2009)
Marília Pinto de Carvalho
Universidade de São Paulo

Nos últimos anos, alguns dos tra-


balhos apresentados no Grupo de Traba-
lho (GT) de Sociologia da Educação da
Associação Nacional de Pós-Graduação
e Pesquisa em Educação (ANPEd) tra-
tavam de temáticas ligadas às relações
de gênero, utilizando-se de diferentes
referências e nem sempre conseguindo
apresentar com clareza o conceito, até
pelo tempo necessariamente restrito
de exposição. Diante desse quadro, o
grupo decidiu impulsionar um debate
de natureza teórica sobre o conceito
de gênero, por meio de um trabalho
encomendado a ser apresentado na 33ª
Reunião Anual (2010), do qual resulta
este artigo. Diante da impossibilidade
de fazer uma discussão abrangente da
história, de todas as vertentes e das

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inúmeras polêmicas que envolvem o con- de gênero, mas de uma primeira apro xi-
ceito de gênero, foi necessário construir ma ç ão a esse debate, com base nos
algum tipo de recorte, e decidi enfocá-lo autores e autoras mais citados/as nos
com base nos autores que fossem mais trabalhos apresentados no GT Sociolo-
frequentemente utilizados nos trabalhos gia da Educação nos últimos dez anos.
apresentados no GT. Assim, propus-me Acredito que, ainda assim, as questões
aqui levantadas refletem algumas das
a expor, do meu ponto de vista, quais
tensões e problemáticas candentes no
seriam as visões destes/as autores/as
campo dos estudos feministas, podendo
referidos/as, assim como onde poderiam
contribuir para que pesquisadores e
ser localizados/as num “mapa” das po- pesquisadoras da educação, mesmo não
lêmicas em torno ao conceito. Portanto, se tornando especialistas, considerem
não tomei por tarefa fazer uma leitura também as determinações de gênero em
crítica dos trabalhos apresentados no GT seus estudos específicos.
de Sociologia da Educação que lançam Tive acesso a todos os trabalhos
mão de algum conceito de gênero. Uti- selecionados para o GT Sociologia da
lizei as citações presentes nos trabalhos Educação da ANPEd nas reuniões de
apenas para selecionar os autores e 1999 a 2009.1 De um total de 132 textos,
autoras que deveria priorizar, apresen- 24 traziam em suas referências biblio-
tando neste artigo minha leitura pessoal gráficas alguma obra sobre gênero,
de seus estudos, e deixando para uma representando 18,2%. Esta listagem
inclui 98 citações (das quais vinte obras
etapa posterior o debate sobre os tipos
aparecem mais de uma vez), de 67 di-
de apropriação, avanços e lacunas pre-
ferentes autores. Desse vasto conjunto,
sentes nos textos de nossos colegas. Essa
selecionei apenas aquelas referências
opção também deixou de fora inúmeros que tratavam do conceito de gênero,
pensadores/as relevantes no campo dos isto é, que faziam uma discussão teó-
estudos de gênero, o que mais uma vez rica. Ainda restaram 22 autores e 25
revela as modestas pretensões deste diferentes obras. Busquei, então, aque-
artigo: não se trata de um balanço do las que eram referidas em mais de um
debate teórico em curso sobre o conceito trabalho, chegando ao seguinte quadro:

Obras citadas em dois ou mais trabalhos


Autor Obra mais referida Frequência
Bourdieu A dominação masculina (artigo = 2) 3
Connell Políticas da masculinidade 2
The men and the boys 2
Louro Gênero, sexualidade e educação 2
Nicholson Interpretando o gênero 2
Scott Gênero: uma categoria útil de análise histórica 3

1 Os trabalhos de 1999 estão em CD e os demais


se encontram disponíveis no site da ANPEd.

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O conceito de gênero

Vale destacar que, com exceção […] apesar de importantes dife-


de uma das obras de Raewyn Connell renças, todos os significados mo-
(The men and the boys), todas as demais dernos de gênero se enraízam na
se encontram em português e que a observação de Simone de Beauvoir
única autora brasileira citada duas ve- de que “não se nasce mulher” e
zes foi Guacira Lopes Louro, cujo livro nas condições sociais do pós-guerra
referido, antes de adentrar no campo que possibilitaram a construção das
específico da educação, discute o con- mulheres como um coletivo históri-
ceito de gênero. Os dois autores mais co, sujeito-em-processo. Gênero é
citados foram Joan Scott, cujo artigo um conceito desenvolvido para con-
“Gênero: uma categoria útil de análise testar a naturalização da diferença
histórica” aparece em três diferentes sexual em múltiplas arenas de luta.
trabalhos (além de ter outra obra tam- (Haraway, 2004, p. 211)
bém referida)2 e Pierre Bour dieu, tam-
bém citado em três trabalhos por meio Mas é preciso estar atento para
de A dominação masculina (no formato o fato de que este “paradigma da
de artigo duas vezes e uma como livro). identidade de gênero”, nos termos de
Também merece atenção a presença de Haraway (2004), foi consolidado nos
Connell, com duas obras citadas, cada anos 1950/1960 por meio de uma ver-
uma delas em dois diferentes traba- são funcionalista e essencializante da
lhos, além de uma terceira referência.3 percepção de Simone de Beauvoir: gê-
Considerando que o artigo de Nicholson nero foi utilizado por psicólogos norte-
mencionado duas vezes dialoga dire- -americanos como John Money, Anke
tamente com Joan Scott, sendo essas Ehrhardt (Money; Ehrhardt, 1974) e
autoras frequentemente citadas lado Robert Stoller (1968) para descrever os
a lado, decidi concentrar-me sobre o elementos que consideravam culturais,
conceito de gênero exposto por Scott, em oposição aos que consideravam
por Bourdieu e, na medida do possível, naturais, biológicos, na personalidade
por Connell. de seus clientes – pessoas com indefi-
nições de pertencimento sexual, isto é,
diferentes formas de hermafroditismo
Gênero: uma história e indefinições endócrinas ou morfoló-
O termo foi inicialmente apro- gicas. Essa utilização está baseada na
priado por autores e autoras de língua distinção binária entre natureza (repre-
inglesa, a partir da palavra gender, que, sentada pelo sexo) e cultura (gênero)
como em português, era utilizada no e foi apropriada muitas vezes de forma
âmbito da gramática para designar acrítica por feministas dos anos de 1970
palavras femininas e masculinas (ou e seguintes, pela sua utilidade na luta
neutras). Podemos afirmar com Donna contra a naturalização das desigualda-
Haraway (2004) que des entre homens e mulheres e contra
os determinismos dela resultantes.
Trata-se da ideia de que o sexo é uma
2 “La querelle des femmes” no final do século XX, pu-
base (natural, biológica, invariável)
blicada no Brasil em 2001. sobre a qual as culturas constroem,
3 La organización social de la masculinidad, 1997. por meio da socialização, diferentes

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concepções do que seja um homem isto é, uma reflexão sobre as linguagens


ou uma mulher, isto é, características e os discursos, assim como uma atenção
individuais de gênero. específica à historicidade dos conceitos
O pensamento feminista dos anos e das palavras, que se verifica ao longo
de 1970 e 1980 utilizava, portanto, o dos anos de 1980 e 1990 no conjunto
gênero apenas como um conceito que das ciências sociais (e não apenas no
se somava ao sexo e não como um pensamento feminista).4
substituto. Neste tipo de uso, gênero
é associado aos traços de caráter e ao Scott: uma leitura pós-estruturalista
comportamento, enquanto sexo descre-
ve o corpo e a biologia, ambos referidos É no contexto dessa “virada lin-
a indivíduos. Esse continua sendo o guística” que foi produzido o texto
uso mais frequente do conceito, hoje de Joan Scott mais citado no Brasil (e
difundido até mesmo no senso comum não apenas no campo educacional),
(Nicholson, 2000). “Gênero, uma categoria útil de análise
É só ao longo dos anos de 1980 histórica”. Publicado originalmente
que se desenvolveu a crítica a essa visão como artigo em 1986 e posteriormente
funcionalista, e um número crescente incluído como capítulo no livro Gender
de feministas buscou compreender o and the politics of History, de 1988, esse
sexo como uma categoria teórica total- texto foi traduzido em 1990 por Guacira
mente determinada pela história e pela Lopes Louro e teve grande repercussão
cultura, isto é, subsumida no interior da no campo de estudos de gênero no país.5
categoria gênero. Para essas feministas, Historiadora norte-americana, es-
são as formas sociais de compreensão tudiosa das lutas operárias e feministas
da diferença e da semelhança entre da França, nesse artigo Scott argumenta
homens e mulheres que determinam pela insuficiência da postura descritiva,
as maneiras como o corpo é apreendi-
4 Cabe destacar que na França o uso do termo
do, abandonando-se completamente a
equivalente a gênero (genre) encontrou muito
ideia de uma base natural fixa sobre a maior resistência que nos países de língua
qual agiria a cultura. Joan Scott e Linda inglesa, sendo incorporado apenas recente-
Nicholson podem ser incluídas entre as mente. Da mesma forma, em outras línguas,
estudiosas que buscaram refletir sobre como por exemplo, o alemão, não há pala-
vras diferentes para sexo e gênero e o termo
essas formas de construcionismo social Geschlecht, de acordo com Haraway (2004,
radical, pensamento no qual a antro- p. 204), não corresponde exatamente ao in-
pologia feminista também tem papel glês sexo, nem a gênero. Considerando que
central, ao revelar como em diferentes as palavras carregam as histórias de suas
culturas as noções de identidade, sujeito línguas e culturas, a discussão comple xifica-
-se e para pensar os usos do conceito de gê-
e ação, assim como de corpo, natureza, nero no Brasil seria necessário refletir não
maternidade, masculinidade e femi- apenas sobre os termos em português, mas
nilidade podem ser completamente sobre a história do imperialismo e da cons-
diferentes da forma “ocidental”, ou trução social dos corpos de homens e mu-
mesmo não existir enquanto noções lheres de diferentes pertencimentos raciais
desde a colonização…
separadas ou fixas (Strathern, 1988). 5 Esta primeira versão, traduzida do francês,
Também jogou papel decisivo nessa foi revista, cotejada com a versão em inglês
inflexão a chamada “virada linguística”, e republicada em 1995 no mesmo periódico.

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que, embora tenha demonstrado que as da cultura e da sociedade e reduzido a


mulheres tiveram uma história e parti- uma dimensão natural ou essencial, de
ciparam ativamente nos processos mais toda forma imutável. Contudo, autoras
importantes da civilização ocidental, como Scott (1995) buscam enfatizar que
pouco alterou os conceitos dominantes nenhuma experiência corporal existe
na disciplina. Enquanto o gênero trouxe fora dos processos sociais e históricos
apenas novos temas às ciências huma- de construção de significados, fora das
nas tal como elas já eram produzidas, relações sociais. Os corpos de homens
seu campo (a história das mulheres, a e mulheres não originam essências ou
psicologia das mulheres etc.) perma- experiências fundantes de pretensas
neceu como um apêndice confinado a naturezas feminina ou masculina. A
sua própria especificidade. Somente dificuldade está em que certos domínios
quando se busca responder ao desafio da vida social têm sido sistematica-
teórico de compreendê-lo como uma mente associados à natureza e assim
categoria de análise aflora seu potencial retirados à ação humana: a infância,
para problematizar as disciplinas como a família, a sexualidade, as mulheres
um todo, não apenas no que se refere são alguns casos. Parte do esforço das
à família e ao sexo, mas também às teóricas do gênero tem sido exatamen-
esferas econômica e política e às vidas te de desnaturalizar esses domínios,
dos homens tanto quanto das mulheres. construindo sua história, afirmando sua
Um dos problemas com os quais variabilidade e sua inserção no campo
os/as estudiosos/as se depararam nesta da cultura.
reflexão foi a persistente permanência Outra contribuição importan-
das relações de dominação entre os te das feministas ligadas ao pós-
sexos, que parece conferir-lhes um -es tru tu ra lis mo, tais como Joan Scott,
caráter imutável, portanto a-histórico, foi a atenção às linguagens e ao papel
e no limite natural. O pressuposto de das diferenças percebidas entre os
que os homens sempre dominaram as sexos na construção de todo sistema
mulheres e a busca por uma explicação simbólico, especialmente na significação
única e fundante dessa relação de poder das relações de poder. Para essa autora,
têm sido eixos em diversas abordagens os significados seriam construídos ba-
difundidas ainda hoje, que variam de sicamente a partir da observação da
uma postura assentada em explicações diferença e do contraste; e a diferença
biológicas a visões que, assumindo a sexual seria “um modo principal de
construção social do gênero, enfatizam dar significado à diferenciação” (Scott,
de tal maneira as constâncias e perma- 1995, p. 88). A partir da observação da
nências que se aproximam do essen- diferença sexual na natureza, diversos
cialismo. É nesta segunda direção que significados são construídos, as diferen-
analisarei o livro de Pierre Bourdieu ças entre masculino e feminino sendo
(1999), a seguir. utilizadas como um meio de decodificar
Por tratar-se de uma relação o sentido e compreender o universo
social construída a partir da percepção natural e humano observado: “Esta-
de uma diferença física, entre os corpos belecidos como um conjunto objetivo
de homens e mulheres, o gênero muitas de referências, os conceitos de gênero
vezes é expulso do campo da história, estruturam a percepção e a organização

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concreta e simbólica de toda a vida so- Essa abordagem chama a atenção


cial” (Scott, 1995, p. 88). para dois aspectos que costumamos con-
Nessa abordagem, o gênero apa- siderar evidentes e pressupor em todas
rece como um princípio de classificação as formas de compreensão do gênero:
que, embora emergindo da observação seu caráter de polarização binária e
da natureza, mantém dela apenas a seu enraizamento sobre as diferenças
ideia básica da descontinuidade, da nos corpos, eles próprios vistos como
diferenciação e da hierarquia. Toda binários. Entretanto, a polaridade ex-
uma ordem simbólica – e xtrema- cludente ou oposição binária não é a
mente variável em termos culturais única forma de apreender a diferença e
e históricos – se originaria a partir nem a ênfase na diferença é a única ma-
daí, categorizando e hierarquizando neira de perceber homens e mulheres.
o universo circundante em termos de Dessa forma, autoras como Scott
gênero, de masculino e feminino. Para abriram caminho para que se pudesse
Scott (1995), portanto, o gênero não é ir além daquele “paradigma das iden-
um conceito que descreva as relações tidades de gênero”, ao enfatizarem três
entre homens e mulheres, mas uma ca- planos de análise, relacionados entre si:
tegoria teórica referida a um conjunto (1) gênero é uma categoria fundamen-
de significados e símbolos construídos tal por meio da qual se atribui sentido
sobre a base da percepção da diferen- a tudo; (2) gênero é uma maneira de
ça sexual, significados estes que são organizar as relações sociais e (3) é
utilizados na compreensão de todo o também uma estrutura de identidade
universo observado, incluindo as rela- pessoal (Harding, 1986).
ções sociais e, mais particularmente, As críticas mais pertinentes a essa
as relações entre homens e mulheres. abordagem, a meu ver, apontam inicial-
Nessa direção, a autora oferece- mente os perigos de uma análise restri-
-nos uma definição de gênero que pare-
ta às linguagens, incapaz de abranger
ce bastante pertinente para as análises
igualmente as práticas sociais. Por um
sociológicas:
lado, é preciso ressaltar, como faz Eleni
Gênero é a organização social da Varikas (1994), “que os estudos feminis-
diferença sexual percebida. O que tas não esperaram o pós-estruturalismo
não significa que gênero reflita ou para sublinhar a importância das repre-
implemente diferenças físicas fixas sentações e dos sistemas simbólicos na
e naturais entre homens e mulhe- análise e na compreensão da construção
res, mas sim que gênero é o saber do gênero e das relações sociais que o
que estabelece significados para as sustentam” (p. 70).
diferenças corporais. Esses signifi- Assim, se Scott declara a centra-
cados variam de acordo com as cul- lidade, em sua visão teórica, das leitu-
turas, os grupos sociais e no tempo, ras de Foucault e de Derrida, outras
já que nada no corpo […] determi- abordagens se utilizam dos conceitos
na univocamente como a divisão so- de representação e de experiência
cial será estabelecida. (Scott, 1994, (principalmente no âmbito da história
p. 13) social) ou de outras leituras da lingua-

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gem e do discurso (no âmbito da lin- racista e colonialista de muitas teorias


guística e da psicologia, por exemplo). e ações do movimento feminista. Por
No Brasil, algumas leituras feministas outro lado, assim como apontado pela
de base foucaultiana têm, na minha própria Scott em texto publicado no
interpretação, exacerbado a presença Brasil mais recentemente (2005), todos
das estruturas das linguagens como um os movimentos que reivindicam direi-
sistema de controle a priori, tornando-as tos para grupos específicos vivenciam
inacessíveis à intervenção dos agentes. permanentemente o paradoxo de afir-
Esse é também um fenômeno marem sua especificidade para lutarem
mundial, como critica Varikas (1994), pelos direitos universais: “os termos do
que busca recuperar o papel da ação protesto contra a discriminação tanto
dos sujeitos (agency) por meio da ênfase recusam quanto aceitam as identidades
no conceito de experiência e da não de grupo sobre as quais a discriminação
polarização entre o campo simbólico está baseada. De outro modo, podemos
e o campo material. Dependendo da dizer que as demandas pela igualdade
teoria da linguagem que sustenta a necessariamente evocam e repudiam as
abordagem, os sentidos da “virada diferenças que num primeiro momento
linguística” podem ser muito diversi- não permitiram a igualdade” (Scott,
ficados, assim como os resultados de 2005, p. 20).
pesquisa resultantes de sua utilização Como ferramenta de pesquisa, a
como ferramenta de análise, com maior concepção de gênero proposta por Scott
ou menor presença da ação dos sujeitos, enfatiza que homem e mulher, masculi-
das dinâmicas institucionais e das con- no e feminino não podem ser tomados
dições materiais de existência. como pressupostos da investigação, mas
Outro aspecto diz respeito à ques- produtos; não são categorias definidas a
tão da unidade política das mulheres: ao priori, mas conceitos cujos significados
questionar a identidade de gênero e co- múltiplos devem ser procurados, pois
locá-la sob os efeitos da variabilidade da são diferentes em contextos culturais e
construção social, abordagens como a de históricos específicos. Enquanto pares,
Scott enfraqueceriam as possibilidades eles podem aparecer como bipolares ou
de ação das mulheres, fragmentando e não, o que abre o olhar para as continui-
dividindo o movimento social. Ora, por dades e semelhanças tão frequentemen-
um lado, a crítica mais contundente te ofuscadas pela ênfase nas diferenças.
ao paradigma da identidade de gênero Diferentemente de abordagens
tal como construído inicialmente no que enfatizam a identidade e a cultura
pensamento feminista ocidental hege- femininas, deixando de lado todos os
mônico partiu do interior do próprio demais determinantes, a visão oferecida
movimento, em grupos de mulheres que por Scott e outras feministas destaca
não se identificavam com os modelos, a necessidade de estudar igualmente
histórias e mesmo reivindicações prio- os homens. Assim, não reproduzem
rizadas, em especial lésbicas, negras e os processos de dissimulação da domi-
mulheres dos países “periféricos”, que nação masculina, por meio dos quais
denunciaram o caráter heterossexista, só as mulheres são percebidas como

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determinadas pelo gênero e os homens inicial e o livro homônimo são citados


permanecem identificados com o uni- nos trabalhos apresentados no GT So-
versal. Da mesma forma, as mulheres ciologia da Educação e ambos seguem
não aparecem como um bloco homogê- a mesma linha de raciocínio.7
neo, no qual a determinação de gênero, Trata-se de um ensaio para o qual
invariável no tempo, faria tábula rasa o autor não realizou pesquisa empírica
de todas as demais condições sociais e específica e sobre o qual declara consi-
históricas. É nesse contexto que discuto derar como síntese de ideias que esta-
a seguir as ideias de Raewyn Connell, riam presentes em seus trabalhos há
tendo como foco seus estudos sobre as décadas. Em resumo, Bourdieu toma a
masculinidades. dominação masculina como caso parti-
Finalmente, na abordagem de cular da violência simbólica e em torno
Scott, a percepção do gênero como parte a esse eixo desenvolve seus argumentos.
de um sistema simbólico que permite a O texto inicia-se discutindo as
diferentes sociedades classificar, diferen- dificuldades de qualquer análise sobre
ciar e hierarquizar não apenas homens e a “dominação sexual”, dificuldades
mulheres, mas instituições, ações sociais, atribuídas a sua disseminação na “ob-
elementos da natureza, ocupações, tudo, jetividade das estruturas sociais e na
enfim, leva o/a pesquisador/a a observar subjetividade das estruturas mentais”,
as referências e o poder explicativo do o que levaria o analista a usar como
gênero em contextos em que as questões instrumentos de conhecimento as cate-
da sexualidade, reprodução, crianças e gorias de pensamento que se propôs a
família não são aparentemente centrais analisar (1995, p. 131). Para sair desse
(Scott, 1995) – como a arte, a política, círculo vicioso, Bourdieu propõe como
a economia, o trabalho ou a escola, por método referir-se à sociedade cabila,
exemplo. que ele próprio estudou nos anos de
1950/1960, por ser essa sociedade
um caso limite, paradigmático “da
Bourdieu: a dominação
cosmologia ‘falonarcísica’ que assedia
Entre 1990 e 1998, o já então também nossos inconscientes” (idem,
consagrado intelectual francês Pierre ibidem). Isto é, haveria uma mitologia
Bourdieu se dedicou a escrever sobre coletiva de longa duração, perpetua-
as relações de gênero numa sucessão da por meio do habitus, que se pode
de artigos enfim incorporados quase conhecer com o estudo de qualquer
integralmente em um livro, A dominação sociedade, ou pelo menos das “socie-
masculina, nome que recebeu também dades mediterrâneas”, entre as quais
o primeiro artigo da série.6 Esse artigo Bourdieu inclui a francesa e a cabila.
Olhar essa mitologia coletiva nos ca-
6 La domination masculine (1990), traduzido
bila proporcionaria uma imagem am-
no Brasil em 1995; Nouvelles reflexions sur la pliada e sistemática de “nossa própria
domi na tion masculine (1994), traduzido em mitologia”.
1996; “Conferência do Prêmio Goffmann”, em
português no interior da publicação A domina-
ção masculina revisitada (1998), e finalmente o 7 As referências remetem à versão brasileira
livro La domi nation masculine (1998), traduzido do artigo (1995), traduzido do francês por
em 1999. Guacira Lopes Louro.

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Na sequência, Bourdieu passa a das mulheres, para a perpetuação desse


analisar a onipresença da dominação sistema e das relações de força que ele
masculina, que não precisa justificar- sustenta, pois sempre que elas reagem
-se, apenas sendo e confirmando-se ou resistem nos termos do próprio siste-
por meio da enunciação. Ela estaria ma simbólico, do jogo, não quebram as
expressa tanto nos discursos e imagens, regras e continuam jogando no papel de
quanto nas práticas sociais e nos obje- dominadas a elas reservado. Ele explora
tos, nos rituais e nas técnicas do corpo, com maiores detalhes, como exemplo, o
na estrutura e divisão do espaço e do livro Passeio ao farol, da escritora inglesa
tempo, do ano agrário e da jornada, nas Virgínia Woolf, obra de 1927.
posturas, maneiras e porte corporal etc. E volta a afirmar que não se trata
Assim, essa divisão aparece como “da de algo acessível às vontades e consci-
ordem das coisas”, porque “está pre- ências, mas inscrito nos habitus e nos
sente, em estado objetivado, no mundo corpos, uma vez que “o essencial da
social e também, em estado incorpora- dominação masculina” é sua dimensão
do, nos habitus, onde ela funciona como simbólica, o que o remete a uma ideia
um princípio universal de visão e de de “habitus sexuado e sexuante”, o qual
di-visão, como um sistema de categorias produz construções socialmente sexua-
de percepção, de pensamento e de ação” das do mundo e do próprio corpo.
(idem, p. 137). Dessa forma, Bourdieu recusa in-
O sistema simbólico sexuado, teiramente qualquer naturalização, mos-
por estar inscrito tanto nas formas trando com bastante clareza como toda
subjetivas quanto nas relações sociais, percepção do corpo, da diferença sexual
classificando todas as coisas do mundo e da sexualidade é socialmente constru-
e todas as práticas sociais, está cons- ída (p. 144-157). A diferença anatômica
tantemente legitimando e confirmando estaria disponível dentro de certos limi-
a si mesmo. Trata-se de um sistema
tes, para vários tipos de construção, mas
baseado em dualidades opostas, que
aparece-nos como justificativa inelutável
são intercambiáveis, correspondentes
de uma determinada ordem social. Nesse
por meio de metáforas, deslocamentos
sentido, podemos destacar a potência das
e transferências que se confirmam uns
categorias teóricas bourdianas na análise
aos outros. Isso faz que a relação social
do social e alocar A dominação masculina
de dominação masculina apareça como
entre os trabalhos que mais claramente
consequência dessa divisão naturaliza-
recusam as dimensões biologizantes e
da e não como sua causa.
reducionistas das relações de gênero.8
Aplicando ao caso específico da
O habitus é produto de “um formi-
dominação masculina suas categorias
dável trabalho coletivo de socialização”,
teóricas, Bourdieu destaca, portanto, a
por meio do qual cada um incorpora (traz
dimensão simbólica de toda relação de
para o próprio corpo) posturas, gestos e
dominação, irredutível aos economicis-
mos de qualquer espécie; e indica como maneiras sexuados, assim como a visão
esse sistema simbólico leva os domina- dominante e a divisão sexual do mundo,
dos a pensar inclusive sobre si mesmos da sociedade e das coisas. Bourdieu desta-
segundo as próprias categorias da domi- 8 Como o próprio Bourdieu passará a nominar
nação. Assim, aponta seu papel, no caso no livro publicado em 1998.

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ca a dimensão política da educação, nesse ação coletiva visando organizar uma


sentido da construção de corpos sexual- luta simbólica capaz de pôr em questão
mente diferenciados e, assim, portadores praticamente todos os pressupostos tá-
“de uma ética, de uma política e de uma citos da visão falonarcísica de mundo”,
cosmologia” da dominação masculina capaz de mudar estruturas mentais de
(idem, p. 157). homens e mulheres (idem, p. 175).
Ao longo do texto ele opera, a A obra A dominação masculina é ex-
partir da oposição entre masculino tremamente rica na análise da dimen-
e feminino, “de aplicação universal” são simbólica da dominação de gênero,
(p. 138), com pares tais como público e do quanto essa visão dual penetra em
privado, cultura e natureza: nossos instrumentais teóricos e percep-
ções e obriga-nos a distanciamentos crí-
O sistema de oposições funda- ticos, seja ante a linguagem, seja ante a
mentais conservou-se, transfor- constituição e classificação de objetos de
mando-se, através das mudanças conhecimento. A afirmação de Bourdieu
que foram determinadas pela re- de que a dominação masculina constitui
volução industrial […] É assim que um sistema simbólico que organiza as
a oposição entre masculino e femi- percepções do todo social e da nature-
nino continua a se organizar em za (tempos, espaços, práticas, corpos,
torno da oposição entre interior e técnicas etc.), exemplificada detalha-
exterior, entre a casa, com a educa- damente no que se refere à sociedade
ção das crianças, e o trabalho. (idem, cabila, é próxima ao mesmo aspecto
p. 156) presente na concepção de gênero como
E avança para suas principais de- categoria de análise proposta por Scott
finições sobre a dominação masculina, e outras feministas ainda nos anos de
quais sejam: de que seu fundamento 1980, como já explicitado. A própria
está “na lógica da economia das tro- Scott (1995), no texto comentado, cita
cas simbólicas e, mais precisamente, a análise desenvolvida no livro Les sens
na construção social das relações de pratique de Bourdieu (1980), 9 como
parentesco e do casamento” (p. 168). exemplo da forma pela qual “os concei-
As mulheres teriam uma posição so- tos de gênero estruturam a percepção e
cial universalmente inferior porque a organização concreta e simbólica de
nas trocas simbólicas não participam toda a vida social” (p. 88), tais como os
como sujeitos, mas como “objetos de significados do tempo e das estações do
troca definidos conforme os interesses ano agrário organizados em termos de
masculinos”, como símbolos, sendo masculino e feminino.
excluídas da acumulação de capital Contudo, como destacou de ma-
simbólico. neira límpida Mariza Corrêa (1999), A
Destarte, qualquer perspectiva dominação masculina “inexplicavelmente
de mudança nas relações de poder trai o próprio fio central do trabalho de
entre homens e mulheres estaria arti- Bourdieu, em sua crítica sistemática ao
culada a uma mudança nos processos nosso sistema de valores” (p. 43).
gerais de troca simbólica, da economia 9 Há tradução recente para o português pela
dos bens culturais, por meio de “uma Editora Vozes (2009).

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O conceito de gênero

Em primeiro lugar, falando num Em segundo lugar, ignorando uma


inconsciente arcaico transmitido “cor- vasta produção teórica e empírica no
po a corpo” por sob as consciências, as campo dos estudos de gênero e mesmo
vontades e as palavras, Bourdieu usa suas próprias produções anteriores,
em A dominação masculina um método “Bourdieu passa quase sem transição
transcultural e trans-histórico em que da análise de uma dominação que
os cabila representam o modelo exa- é social para uma dominação que é
cerbado da França atual. Os exemplos masculina e, dessa, para um modo de
podem saltar indiferenciadamente de dominação no qual o sexo do dominante
Sartre para Kant, de Virginia Woolf é determinante” (idem, p. 45). Isto é, fica
para a sociedade cabila, para surveys difícil distinguir, em A dominação masculina,
na França atual etc. Essa universali- que a dominação social percorre todos
dade só é possível porque a dominação os grupos e pode ser exercida tanto por
masculina é sempre analisada pela homens quanto por mulheres; que a
ótica de categorias bipolares que são dominação masculina – de ideias ligadas
quase caricaturas do pensamento a esse sistema simbólico – também pode
“ocidental”. 10 Essa crítica está pre- ser exercida por pessoas de qualquer
sente em outras leituras feministas sexo; e finalmente que a dominação de
desse livro de Bourdieu, que chamam a homens sobre mulheres não é universal,
atenção para o fato de que “seus insigths na medida em que dominações sociais
sobre gênero reproduzem padrões de outra natureza (classe ou raça, por
binários de dominação masculina e exemplo) se sobrepõem ao sexo dos su-
subordinação feminina, como se estas jeitos. Como resultado, a dominação de
estruturas fossem unitárias, coerentes homens sobre mulheres aparece nesse
e imutáveis” (McLeod, 2005, p. 10, texto de Bourdieu de forma isolada, isto
tradução minha). é, em seus exemplos, os agentes são ho-
Corrêa, além disso, mostra como mens ou mulheres e nada mais, não têm
Bourdieu impôs essa lógica bipolar distinções de classe, etnia, raça, geração,
aos cabila, uma “sociedade baseada orientação sexual…
na lógica do dom”, cujas relações pa- Finalmente, Corrêa (1999) é enfá-
recem organizar-se a partir de outros tica ao citar o próprio Bourdieu em sua
princípios; e ao mesmo tempo também crítica à universalização e à generaliza-
trouxe à “nossa sociedade” (mediterrâ- ção, tão marcantes nesse trabalho, o que
nea? ocidental? moderna?) a lógica das nos leva a enfatizar que as críticas aqui
trocas simbólicas, que teria permane- formuladas referem-se a A dominação
cido imutável, arcaica, por dentro do masculina, e não à obra de Bourdieu como
capitalismo, organizando as relações um todo. Lendo e relendo as peças aqui
entre homens e mulheres (Corrêa, comentadas, não encontro argumentação
1999, p. 44-45). que fundamente a “descoberta” da ori-
gem universal da opressão das mulheres
10 Mantenho entre aspas os adjetivos “nossa”, na economia de trocas simbólicas. E para
“ocidental”, “moderna” e “mediterrânea”, aqueles e aquelas que tanto nos inspira-
com os quais Bourdieu qualifica em diferen-
tes momentos do texto em questão a socie-
mos nos cuidadosos estudos etnográficos
dade em que vive, em razão da indefinição (ou etnológicos) de Bourdieu, fica a ques-
das fronteiras desses termos. tão posta por Corrêa: “é justamente na

Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 46 jan.|abr. 2011 109


Marília Pinto de Carvalho

análise desse microcosmo que o Bourdieu e reavaliação de sua obra no campo


que os antropólogos amam exemplifica da sociologia do gênero e em especial
toda a complexidade, ambiguidade e flui- na pesquisa educacional feminista de
dez de princípios valorizados em todas as língua inglesa, com a organização de
sociedades humanas – e por isso mesmo, seminários e publicações.12 Também
de modo inteiramente diferente em cada no Brasil, algumas pesquisas sobre
uma delas” (1999, p. 53). relações de gênero e sexualidades na
De toda forma, é interessante re- educação vêm sendo desenvolvidas com
fletir sobre a obra A dominação masculina base no referencial teórico de Bourdieu
e suas repercussões tanto no campo dos (Ramires Neto, 2006; Carvalho; Costa;
estudos feministas quanto em outras Melo, 2008). Contudo, considerando
áreas das ciências sociais: como pensa- os resultados obtidos nesses trabalhos
dor, Bourdieu gozava de imensa legiti- e os debates a que tive acesso, tendo a
midade e é como se essa legitimidade concordar com McLeod (2005) quando
se transferisse ao tema das relações de afirma a importância de uma referência
gênero quando ele se dedica a escrever sólida à obra de Bourdieu como um todo
sobre o assunto, aspecto sem dúvida e não apenas a A dominação masculina,
positivo para aqueles/as que lutamos uma vez que “a contribuição do próprio
nessa direção. Porém, ele as abordou a Bourdieu aos debates sobre a utilidade
sua maneira, não apenas em termos de de seu trabalho para a análise de gênero
pensamento social e método, mas em não parece ter nada muito novo a ofere-
termos de seu tipo de intervenção no cer às estudiosas feministas” (McLeod,
campo: sem qualquer preocupação em 2005, p. 10, tradução minha).13
dialogar seriamente com a produção
feminista, a qual só aparece referida
Connell: masculinidades hegemônicas
em bloco e para ser criticada, quando
muitas das questões postas por ele já Atualmente professora na Fa cul ty
haviam sido objeto de enriquecedores of Education and Social Work da Uni-
debates.11 Infelizmente, além de difi- versidade de Sidney, Austrália, Raewyn
cultar um diálogo das feministas com a Connell, anteriormente conhecida
obra do sociólogo francês, que poderia
ser extremamente profícuo, esse tipo de
referência pouco respeitosa à literatura 12 Feminists Evaluate Bourdieu: International
Perspectives (http://les.mac.ac.uk/sociology/
sobre relações de gênero também ga- Seminar/afterbourdieu.shtm). Números es-
nhou legitimidade no campo por meio peciais da revista Cultural Studies, em 2003
da autoridade de Bourdieu. (v. 17, n. 3/4), e da British Journal of the Socio-
Ainda assim, parece que no início logy of Education, em 2004 (v. 25, n. 4).
dos anos 2000, em especial após o fale- 13 É interessante ressaltar que, dos 24 tra-
balhos apresentados no GT Sociologia da
cimento do autor, houve certo retorno Educação entre 1999 e 2009 que tratavam
de questões ligadas a gênero, oito citavam
11 Ver, a título de exemplo, Rubin (1993, origi- obras de Bourdieu em geral, mas não cita-
nal de 1975), sobre a origem da opressão das vam A dominação masculina; três citavam esse
mulheres no fato de serem objeto no pro- último texto, mas não se referiam a qual-
cesso de trocas simbólicas e Ortner (1979, quer outra obra do autor; e nenhum traba-
original de 1974), sobre as oposições entre lho citou simultaneamente A dominação mas-
público e privado, cultura e natureza. culina e também outras obras de Bourdieu.

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O conceito de gênero

como Robert Connell,14 lecionou tam- Em especial no campo educacio-


bém na Califórnia e em outras univer- nal, a questão das masculinidades tem-
sidades da Austrália, onde hoje é figura -se colocado como desafio na medida
de destaque no campo da produção em que, diferentemente do conjunto
sociológica. Não desenvolverei com da sociedade, nas escolas as meninas e
maior detalhe suas concepções sobre moças têm maior sucesso que os meni-
gênero em sentido amplo, por verificar nos. Esse não é um fenômeno exclusi-
que os trabalhos apresentados no GT vamente nacional e compreender essa
Sociologia da Educação se utilizaram situação exige um instrumental teórico
principalmente de seus debates sobre que nos permita abordar as relações de
as masculinidades e por considerar gênero de forma matizada e complexa,
que sua principal contribuição teórica articulando-as às desigualdades de
se localiza exatamente nesse campo.15 raça e classe e percebendo sua dinâ-
Sua obra mais influente, o livro mica diferenciada em cada instância
Masculinities (1995), concorreu decisiva- social. É este instrumental que diversos
mente na criação do campo de estudos pesquisadores e pesquisadoras têm en-
sobre a construção social das masculi- contrado na obra de Raewyn Connell,
nidades e é referência obrigatória para particularmente quando ela desenvolve
todos/as que pretendem estudar como o conceito de “masculinidade hegemô-
os homens se inserem nas relações de nica”.
gênero. Embora não tenha sido tradu- Em termos gerais, a autora recu-
zido para o português, esse estudo vem sa toda definição essencialista do que
exercendo grande influência nas pes- seja masculinidade, mostrando que em
quisas sobre masculinidades no Brasil, cada sociedade, em cada época e entre
incluindo a questão da socialização dos diferentes grupos sociais variam muito
meninos e a construção das masculini- as características consideradas próprias
dades na infância, processos nos quais do “ser homem” e do “ser mulher” e que
a escola tem um papel considerável. a existência mesma de um conceito de
Seus dois textos referidos nos trabalhos masculinidade é contingente e histórica.
do GT foram The Men and the Boys, livro Além disso, Connell aponta que as defi-
publicado em 2000 na Austrália, Reino nições essencialistas nos levam a pensar
Unido e EUA, e o artigo Políticas da mas- em apenas uma forma de ser homem que
culinidade, escrito em 1994 e traduzido se opõe a uma forma de ser mulher, num
no Brasil em 1995.16 raciocínio binário.
Dentre as teorias sociais que
14 Há alguns anos Raewyn vivenciou uma tran- procuram entender a masculinidade,
sição de gênero, com total apoio de sua famí- Connell centra suas críticas sobre a
lia e colegas de trabalho. teoria dos papéis sexuais. Esta teo-
15 Sobre a abordagem de Connell do conceito
de gênero, consultar a nova edição de seu
ria, embora parta do pressuposto de
clássico Gender, revista e ampliada especial- que aprendemos esses papéis, de que
mente com referências ao debate nos países
fora do “hemisfério norte” (Connell, 2009). e Realidade organizado por Guacira Lopes
16 Trata-se de tradução feita por Tomaz Tadeu Louro. Cabe destacar a importância do tra-
da Silva e publicada, assim como os textos balho dessa colega na difusão em nosso país
de Scott e de Bourdieu analisados neste ar- de textos teóricos de ponta, além de seu pró-
tigo, em número especial da revista Educação prio trabalho na área dos estudos de gênero.

Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 46 jan.|abr. 2011 111


Marília Pinto de Carvalho

eles são, portanto, construções sociais, Finalmente, a ideia de socializa-


assenta-se numa visão predeterminada ção pressuposta nessa teoria é de que
do que seria o papel masculino e o papel as crianças e os jovens passivamente
feminino, visão esta sempre enraizada absorvem papéis predeterminados na
na cultura do/a próprio/a pesquisador/a sociedade em que vivem, por meio da
e em seus pressupostos. Além disso, observação dos adultos e de outras
a teoria dos papéis sexuais dificulta crianças, dos reforços positivos e ne-
a percepção de diferenças dentro do gativos que recebem, das informações
grupo dos homens, assim como entre da mídia e dos livros didáticos etc.
as mulheres, pois trabalha com essas Essa visão linear de socialização não
duas únicas possibilidades – masculino corresponde aos densos debates socio-
ou feminino –, em geral expressas em lógicos sobre o tema e recentemente
termos de “estereótipos sexuais” (e mais vem sendo ainda mais matizada pelos
recentemente, de forma teoricamente avanços da sociologia da infância. No
contraditória, “estereótipos de gênero”). caso dos estudos de gênero, diferentes
Incapaz de dar conta das relações de pesquisas têm nos mostrado crianças
poder, tanto entre os sexos como dentro atuando criativamente na construção
do grupo de cada sexo, pois, herdeira da e reconstrução de suas identidades de
psicologia e da sociologia funcionalistas, gênero, absorvendo, recusando, ressig-
trabalha com ideias de diferença e com- nificando e reconstruindo os símbolos e
plementaridade e não de desigualdade práticas plenos de conteúdos de gênero
e subordinação, essa teoria também que as circundam (Aydt; Cor saro, 2003;
não nos fornece ferramentas para com- Ber nardes, 1989; Car va lho; Cruz, 2006;
preender as mudanças e a história das Renold, 2004; Thorne, 1997, entre mui-
relações de gênero. É fácil perceber essa tas outras). Desse processo complexo,
ausência das relações de poder na teoria resultam múltiplas masculinidades e
dos papéis sexuais se pensamos na forma feminilidades, que se relacionam entre
como outras relações sociais são trata- si dentro de estruturas de poder, hie-
das: “Não falamos em ‘papéis de classe’ rarquizando não apenas homens de um
ou ‘papéis de raça’ porque o exercício do lado e mulheres de outro, mas também
poder nestas áreas da vida social é mais certos homens perante outros, de forma
óbvio para os sociólogos”, Connell afirma articulada às relações de classe, raça,
(1997, p. 50, tradução minha).17 Isto é, orientação sexual etc.
fundamentada numa visão funcionalista Até este ponto, podemos dizer que
da sociedade, a teoria dos papéis sexuais, as ideias de Connell estão em termos
quando absorvida acriticamente, pode gerais alinhadas a todo um campo dos
dar origem a conceitos de identidade de estudos de gênero, em especial àqueles/
gênero carregados dos mesmos proble- as que procuram enfatizar não apenas
mas conceituais de origem, como vimos a dimensão social das diferenças entre
indicando ao comentar o “paradigma da os sexos, mas também criticar as visões
identidade de gênero”. simplistas embutidas na teoria dos
papéis sexuais. Connell, porém, traz
17 Utilizo nestas referências a publicação em uma contribuição original ao estudar
espanhol do capítulo introdutório do livro
Masculinities, em coletânea publicada em
com profundidade a construção social
1997. das masculinidades, em especial na

112 Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 46 jan.|abr. 2011


O conceito de gênero

pesquisa que resultou no livro Masculi- grupo exige e sustenta uma posição de
nities (1995). liderança na vida social”, Connell defi-
Partindo de uma definição de gê- ne a masculinidade hegemônica como
nero como “uma forma de ordenamento “a configuração de prática de gênero
da prática social” (1997, p. 35, tradução que encarna a resposta correntemente
minha), afirma que masculinidades e aceita ao problema da legitimidade do
feminilidades são “configurações de patriarcado, a que garante (ou que se
práticas de gênero” (idem), que se trans- toma para garantir) a posição domi-
formam ao longo do tempo, seja em nante dos homens e a subordinação
razão de mudanças externas (econômi- das mulheres” (idem, p. 39, tradução
cas, tecnológicas etc.), seja em razão da minha). A hegemonia conquista-se
dinâmica mesma dessas relações. Além principalmente pela via da autoridade,
disso, as configurações de gênero podem do convencimento implícito, muito mais
ser encontradas tanto na vida individual que pela violência direta. Ela significa
como em instituições como o Estado, o não apenas a dominação dos homens
mercado de trabalho ou a escola. Por sobre as mulheres, mas a existência de
isso, o gênero está “inevitavelmente uma disputa constante entre grupos de
envolvido com outras estruturas sociais” homens entre os quais se estabelecem
(idem, p. 38, tradução minha), ele inte- relações de poder.
rage com outras relações de poder tais Portanto, se as masculinidades
como as relações de classe e de raça. são múltiplas e disputam permanente-
“Para entender o gênero, devemos mente a hegemonia dentro das relações
então ir constantemente mais além do de gênero, em toda sociedade vamos
próprio gênero” (idem, ibidem). Esse aler- encontrar também formas de mascu-
ta tem se mostrado fundamental, pois linidade subordinadas (cujo exemplo
é sempre no encontro entre diferentes mais evidente é a masculinidade gay),
formas de subordinação e de poder cúmplices (que não questionam as for-
que se torna possível compreender as mas hegemônicas, mas também não en-
posições, as escolhas e as identidades fatizam seus aspectos mais explícitos) e
de meninos e rapazes, moças, mulheres, marginalizadas (seja pelo desemprego
meninas. e a pobreza, seja pelas desigualdades
Nessa complexa rede de relações, raciais) ou de protesto (que, constatan-
a autora vai localizar, então, a coexis- do sua exclusão dos núcleos de poder,
tência de diversas masculinidades em buscam formas de demarcar diferenças
uma disputa permanente e dinâmica. perante a masculinidade hegemônica).
Ao tomar o conceito de hegemonia Connell é enfática ao afirmar o caráter
explicitamente do pensador marxista não esquemático dessas classificações,
italiano Antonio Gramsci, Connell que deveriam servir antes para com-
afirma que as masculinidades estão preender processos do que para esta-
constantemente em relação umas com belecer categorias fixas e homogêneas.
as outras, num processo de disputa pelo Trata-se, de acordo com ela, de uma
poder. Enfatizando que para Gramsci, maneira de articular as estruturas so-
que elaborou o conceito no âmbito das ciais amplas e suas relações de poder
relações de classe, a hegemonia “se re- com as personalidades e biografias
fere à dinâmica cultural pela qual um individuais, deixando sempre aberto

Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 46 jan.|abr. 2011 113


Marília Pinto de Carvalho

o espaço para a ação transformadora internacional, evitando dessa forma


individual e coletiva. uma análise baseada estritamente em
O conceito de masculinidade traços de caráter individuais ou uma
hegemônica permite-nos entender a separação entre a esfera dos símbolos
continuidade da dominação dos ho- culturais e a das relações econômicas.
mens sobre as mulheres – não há uma Por outro lado, esse esforço por vezes
feminilidade hegemônica, pois as mu- a leva a afirmações muito genéricas e
lheres não detêm o poder no conjunto tem aberto flancos para críticas a seu
da sociedade. E, ao mesmo tempo, per- trabalho (Holter, 1996).
ceber que dentro do grupo de pessoas Para os/as estudiosos/as en-
do sexo masculino também se estabe- volvidos/as em pesquisas de caráter
lecem hierarquias, relações de poder, etnográfico ou estudos de caso, mui-
dominação, subordinação, privilégios tas vezes é difícil distinguir entre as
e negociações. Nele está embutida a formas de masculinidade que são pre-
ideia de que a manutenção dessas re- dominantes num determinado grupo
lações exige um esforço permanente de e a masculinidade hegemônica. Na
convencimento, disputa e modificação verdade, afora alguns traços gerais,
de padrões, símbolos e referências, o como a heterossexualidade compulsó-
que torna as masculinidades não ape- ria e a identificação com o grupo racial
nas múltiplas a cada momento, mas dominante, parece ser muito difícil
também mutáveis ao longo do tempo definir quais seriam as características
e de diferentes contextos. da masculinidade hegemônica num
Uma das dificuldades que muitos determinado contexto, e mesmo em
autores e autoras têm encontrado ao qual amplitude de tempo e espaço bus-
utilizar esses conceitos é a tentação car essa caracterização: existiria uma
de tomar as descrições esboçadas por masculinidade hegemônica no Brasil
Connell como um esquema fechado, do início do século XXI? Ou trata-se da
estabelecendo uma hierarquia loca- masculinidade hegemônica nos “países
lizável em qualquer sociedade entre ocidentais” a partir da modernidade?
masculinidades hegemônica, cúmplice, Como trabalhar com contextos de pes-
subordinada e marginalizada ou “de quisa muito menores, tais como uma
protesto”. Sem dúvida uma leitura única escola, ou um grupo de jovens?
mais atenta da própria autora já evita- Alguns autores estabelecem, a
ria esse tipo de simplificação, pois ela partir de indicações da própria Con-
insiste no caráter dinâmico e histórico nell, uma distinção de níveis: a ordem
de suas classificações. de gênero, vigente em termos globais;
Contudo, ao colocar suas análises os regimes de gênero, vinculados a
no âmbito das relações globais e de instituições; e as configurações de prá-
intervalos muito grandes da história ticas, observáveis no plano individual.
mundial, Connell sem dúvida corre o Nos próprios textos da autora, contu-
risco de recair em simplificações. Por do, estas expressões são muitas vezes
um lado, é meritório seu esforço de intercambiáveis (“a ordem de gênero
não perder a referência nas estrutu- de uma escola”) e os âmbitos a que se
ras sociais mais amplas, as relações referem são simultaneamente globais
de exploração e dominação no plano (“o regime de gênero do mercado de

114 Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 46 jan.|abr. 2011


O conceito de gênero

trabalho mundial”) e locais (“o regime gerida pela “socialização de papéis


de gênero de uma escola específica”). sexuais”. É um processo com múl-
Outros/as autores/as têm se pre- tiplos caminhos, influenciados pela
ocupado em delimitar mais claramente classe e a etnia, produzindo diver-
quais seriam as relações entre os diver- sos resultados. O processo envolve
sos grupos de homens e as diferentes encontros complexos entre crianças
formas de masculinidade. Como a em desenvolvimento, em grupos
masculinidade hegemônica é exercida tanto quanto individualmente, com
de maneira que absorva e negocie ele- uma instituição poderosa, mas di-
mentos de algumas outras formas de vidida e em transformação. (2000,
masculinidade, anulando seu poder de p.  164, tradução minha)
resistência, ressignificando símbolos e
Há efeitos de masculinização
constituindo-se enquanto bloco e não
planejados, outros não intencionais
como uma referência homogênea e
e outros ainda que a escola não quer,
coerente? Quais as diferenças entre as
mas mesmo assim ocorrem. Enquanto
formas de dominação (de homens sobre
esses efeitos forem ignorados pelas
mulheres) e o exercício da hegemonia?
pesquisas educacionais e pelas/os edu-
(Demetriou, 2001)
cadoras/es, pouco poderemos fazer para
De toda forma, trata-se de uma
interromper as trajetórias de insucesso
obra em construção e com uma preten-
escolar, evasão, indisciplina e conflitos
são teórica bastante ampla: a de oferecer
de um grupo significativo de meninos
uma compreensão das relações de gêne-
e rapazes.
ro, especialmente das masculinidades,
Isto é, tanto na pesquisa acadê-
desde o âmbito global até as interações
mica quanto na prática escolar, parece
face a face, incluindo as dimensões insti-
extremamente pertinente o alerta de
tucionais. Esses esforços têm-se mostra-
Connell: se alguns dos processos de cons-
do úteis e frutíferos, entre outros temas,
trução de masculinidade efetivamente
para a análise dos processos de sociali-
dificultam ou interrompem a educação
zação dos meninos e rapazes e na busca
de grupos particulares de meninos, que
de soluções para suas dificuldades ante
em geral são desprivilegiados em termos
a escola, em diversas partes do mundo.
de classe ou etnia, como os padrões de
Em seu capítulo citado por duas
“masculinidade de protesto”, então “o
vezes nos trabalhos do GT, “Teaching
esforço por atingir a justiça na educação
the boys”, parte do livro The men and the
em relação à pobreza deve atentar tam-
boys (2000), Raewyn Connell oferece-nos
bém para questões sobre masculinidade”
não apenas uma síntese dos debates nos
(idem, p. 167, tradução minha).
países de língua inglesa sobre as difíceis
relações dos garotos com a escola, mas
também algumas reflexões e pistas para Referências bibliográficas
compreender e alterar essa situação. Em
conclusão, Connell afirma que AYDT, Hilary; CORSARO, William A. Dif-
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Porto Alegre, v. 2, n. 20 , p. 71-100, jul./dez.
1995. fundamental e é cocoordenadora do
grupo de Estudos em Educação, Gênero
. Prefácio a Gender and politics of
History. Cadernos Pagu, Campinas, v. 3, p.  11- e Cultura Sexual (EdGes). Publicou,
27, 1994. entre outros, os livros No coração da
. “La querelle des femmes” no
sala de aula (São Paulo, Xamã, 1999) e
final do século XX. Estudos Feministas, Flo- Avaliação escolar, gênero e raça (São Paulo,
rianópolis, v. 2, n. 9, p. 367-388, fev. 2001. Papirus, 2009).
STOLLER, Robert. Sex and Gender. New E-mail: mariliac@usp.br
York: Science House, 1968, vol. I.
STRATHERN, Marilyn. The gender of the gift: Recebido em outubro de 2010
problems with women and problems with Aprovado em dezembro de 2010

Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 46 jan.|abr. 2011 117


Resumos|abstracts|resumens

Management and school autonomy: a comparative study Brazil/Portugal


This paper analyzes data from a comparative study Brazil/ Portugal – as carried out
post-doctoral and supported by CAPES – which were addressed issues of school organization,
taking into consideration three movements: the discussion of the contemporary context in which
they originate public policies of education in both countries; the examination of legal measures
that govern the management and school autonomy, considering that their modification requires
political negotiation processes and / or changes in the executive sphere; analysis of the vision of
school leaders in both countries, taking as its premise that government programs are translated
by education professionals in interactive and unpredictable processes. This work has focused on
the state of Sao Paulo, seeing that this is a country with continental dimensions.
Key words: school principals; school autonomy; educational policy; comparative studies

Gestión y autonomía escolar: un estudio comparado Brasil/Portugal


Este trabajo analiza los datos de un estudio comparativo Portugal/ Brasil  – que lleva
a cabo post-doctoral etapa celebrada con el apoyo de CAPES – en el que se abordó al funcio-
namiento de la organización escolar, teniendo en cuenta tres movimientos: el debate sobre el
contexto contemporáneo, ámbito que origina las políticas de la educación pública en ambos
países; el examen de las medidas legales sobre la gestión y la autonomía escolar, por considerar
que su modificación requiere procesos de negociación política y / o cambios en la esfera ejecutiva;
análisis de la visión de los líderes escolares en ambos países, teniendo como premisa que los pro-
gramas de gobierno son traducidos por profesionales de la educación en procesos de interacción
e impredecibles. Este trabajo ha cortado el estado de Sao Paulo como entidad federativa, por ser
el Brasil un país con dimensiones continentales.
Palabras claves: directores de escuelas; autonomía escolar; política educativa; estudios
comparativos

Marília Pinto de Carvalho

O conceito de gênero: uma leitura com base nos trabalhos do GT Sociologia da Educação da
ANPEd (1999-2009)
Este artigo resulta de trabalho encomendado pelo GT de Sociologia da
Educação, com o objetivo de impulsionar o debate teórico sobre o conceito de
gênero no âmbito do grupo. Diante da impossibilidade de fazer uma discussão
abrangente de todas as vertentes e polêmicas que envolvem o conceito, decidiu-
-se enfocá-lo a partir dos autores mais frequentemente utilizados nos trabalhos
apresentados no GT nos últimos dez anos: Scott, Bourdieu e Connell. Acredita-se
que as questões aqui levantadas refletem algumas das tensões e problemáticas
candentes nos estudos feministas, podendo contribuir para que pesquisadores e

Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 46 jan.|abr. 2011 265


Resumos|abstracts|resumens

pesquisadoras da educação, mesmo não se tornando especialistas, considerem


também as determinações de gênero em seus estudos específicos.
Palavras-chave: sexo – gênero; dominação masculina; masculinidades

The gender concept: a study based on the “Sociology of Education” Anped’s Work Group
(1999-2009)
This article results from a paper demanded by the Sociology of Education Group of
Anped, which objective is to improve the theoretical debate on gender. As it was impossible to
develop a comprehensive approach of all the tendencies and discussions about this concept, the
text focused on the authors more frequently referred in the papers presented to the Group in the
last ten years: Scott, Bourdieu and Connell. We believe that the questions posed in this paper
should help educational researchers, even they are not gender specialists, to consider gender
relations in their specific studies.
Key words: sex; gender; masculine domination; masculinities

El concepto de género: una lectura con base en los trabajos del GT Sociología de la Educación
de la ANPEd (1999-2009)
Este artículo es resultado del trabajo encomendado por el GT de Sociología de la Edu-
cación, con el objetivo de impulsar el debate teórico sobre el concepto de género en el ámbito
del grupo. Delante de la imposibilidad de hacer una discusión amplia de todas las vertientes y
polémicas que envuelven el concepto, se decidió enfocarlo a partir de los autores más utilizados
en los trabajos presentados en el GT en los últimos diez años: Scott, Bourdieu y Connell. Se
cree que las cuestiones que son planteadas aquí reflejan algunas de las tensiones y problemas
candentes en los estudios feministas, pudiendo contribuir para que estudiosos de la educación,
mismo no tornándose especialistas, consideren también las determinaciones de género en sus
estudios específicos.
Palabras claves: sexo; gênero; dominación masculina; masculinidades

Isabel Cristina de Moura Carvalho e


Carmen Roselaine de Oliveira Farias

Um balanço da produção científica em educação ambiental de 2001 a 2009 (ANPEd,


ANPPAS e EPEA)
Este trabalho mapeia a produção científica em educação ambiental (EA), no
período de 2001 a 2009, por meio de trabalhos apresentados nas Reuniões Anuais
da ANPEd, nos Encontros da ANPPAS e nos EPEAs. Os trabalhos identificados são
analisados quanto às ênfases temáticas e as características dos autores. Os resul-
tados indicam: i) predominância do sexo feminino em todos os níveis de titulação;

266 Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 46 jan.|abr. 2011

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