Considerando os contextos mencionados acima, pergunta-se: aos olhos de quem se
apresentam as peças dessas coleções, senão aos olhos dos deuses e dos mortos, para serem admiradas pela eternidade? No período do Renascimento, no entanto, esse olhar desloca-se para o plano terreno e assiste-se ao surgimento de uma nova categoria de objetos de coleção e também ao de um novo grupo social: os humanistas se encarregam de separar a fé da ciência e inauguram uma nova tendência na natureza das coleções. O interesse dos colecionadores passa a ser direcionado a objetos produzidos pelo conhecimento científico, como por exemplo, livros impressos, manuscritos e obras de arte. Ao longo dos séculos XVI e XVII, os objetos de coleção passam a ser aqueles “trazidos dos lugares alcançados com as grandes navegações como África, Ásia e Américas e levados para a Europa, onde perdem seu valor de uso, transformando-se em intermediários com o invisível distante de países exóticos e de sociedades desconhecidas”. (GRIPPA, 2005, p.40). Com o desenvolvimento industrial, se forma e se estabelece uma burguesia que reivindica acesso ao conhecimento, ao estudo e à construção de espaços públicos para que as coleções possam ser usufruídas democraticamente. O que as coleções têm em comum independente do período da história em que foram geradas? As coleções emanam claramente uma característica comum: foram designadas aos olhares divinos e humanos e têm como função a intermediação entre dois mundos. Esta função é assim definida por Grippa (2005, p.38):
“... representam” a importância dos deuses, reconhecida até nos lugares
longínquos, que enviam as ofertas, mas também a memória dos que doaram os objetos no passado; muitas peças possuíam qualidades estéticas, revelando as habilidades dos artesãos para a glória dos deuses e para o prazer humano. As ofertas mais notáveis adquiriram destaque e despertavam a curiosidade e a imaginação, levando a criação de histórias, lendas e anedotas, registradas e legadas pelos autores do tempo. Fundamentalmente, as coleções são representações simbólicas do longínquo, do não-revelado, da ausência de lugares e pessoas, em uma palavra: memória. (grifo nosso).
É a partir da estruturação dos Estados Modernos que se evidencia o valor de troca dos objetos de coleção. A esse respeito Grippa (2005, p.34) declara: