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Política: História, Ciência,

Cultura etc.
,

Angela de Castro Gomes

Este texto tem como objetivo básico realizar o arriscado exercício de


pensar como, no Brasil das últimas décadas, se desenvolveram o que se irá
chamar de "estudos políticos". Tal designação, passível de muitas críticas e
desconfianças, é reveladora da grande dificuldade de delinear o campo dos
trdbalhos cobertos pela reflexão, uma vez que se trata, fundamentalmente, de
situar as questões e relações, ao mesmo tempo competitivas e complementares,
de uma produção que, tendo como objeto "temas políticos", pode assumir
contornos teórico-metodológicos mais próximos ou distantes da história, da
ciência política ou, também, de outras ciências sociais.
Esse tipo de produção tem profundas raízes na tradição intelectual
brasileira, marcada por um vigoroso ensaísmo histórico-sociológico (que é
político); desde o início do sécu lo. Evidentemente, não se buscará aqui
acompanhar tão longa convivência, mesmo porque a intenção básica é concen­
trar o foco nas relações entre história e polítiCa, o que só se toma possível de
fOllna mais efetiva quando um certo acúmulo de textos identificados grosso

Nota: Estc lexto foi escrito p::Ir:I minha. PfI.>V<I d� aula no ("Qncurso público pa m professor Iitular de história
do Bmsil da Universidade Feder ... 1 FllImin�nsc. (C',i1i7.ado em 14 de dezembro de 1995. A bancJ era
composta pelos professores titulares Ronaldo Vainfas (presideme), Maria O<.Iila Leite cb Silva Di<ls, Hclga
Picmlo, Joana Pedro c Gilberto Velho.

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modo como de ciência política começa a circular no país. Isso só acontece mais
claramente, guardada a fluidez de toda fronteira, a partir dos anos 1960, tendo
a ver com a disseminação dos cursos de ciências sociais (graduação e
pós-graduação) nas universidades; com o aumento do interesse editorial pela
publicação de textos políticos; e também com os crescentes contatos entre
historiadores e cientistas sociais/políticos, que passam a sinali ..ar
para tais relações interdisciplinares e para o pensamento pobtlCü:-
brasileiro.
Embora possa parecer supérfluo, uma primeira observação a ser feita
diz respeito à própria relação da autora deste artigo com seu objeto de reflexão.
Isto porque tornou-se claro para mim a partir de certo momento nào localizável
,

das leituras empreendidas para a elaboração do artigo, que havia alguma dose
de minhas próprias vivências nas observações que vinham brotando da análise.
Dito de outra forma, esta autord é por formação básica uma historiadora que,
tendo-se dedicado desde meados dos anos 1970 à pesquisa da história política,
sentiu necessidade de aplicar-se teoricamente na área da ciência política para
empreender estudos que se definiam crescentemente por sua inserção no campo
do que veio a ser designado como "história do tempo presente".
Assim, a ótica por mim assumida é a do historiador com "dupla"
formação, ou seja, a do profissional que está comprometido com os impasses
contemporâneos da história - dentre os quais se destaca a afirmação de
cardcteristicas distintivas e constitutivas da disciplina ,
- mas que se recusa a
aceitar que o preço da singularidade possa .ser um maior estremecimento das
ligações amorosas e, em certa medida, perigosas entre história e ciências sociais. 2
Por esta razão, a estratégia escolhida para "construir" este texto parte
de uma série de opções - portanto, de exclusões - que devem ficar claras e que
têm a ver fundamentalmente com os temas da revitalização da história política,
do reconhecimento da história do tempo presente e das relaçqes de interdisci­
J
plinaridade constitutivas de uma história política do tempo presente
No que se refere à história política: também no Brasil a tradição
historiográfica é fortemente marcada por uma produção de história político-ad­
ministrativa, com o predonúnio de uma narrativa povoada de acontecimentos,
grandes vultos, batalhas etc. Em oposição a essa "velha" história, que se

transformou, a partir da critica e da prática da escola dos Annales, na síntese


de todos os males da disciplina, também se desenvolveu uma "outra" história,
.

que se caracterizou por ser econômico-social e voltada para as estruturas, OS

atores coletivos, as metodologias quantitativas etc.


Nos dois casos - o da "velha" história política e o da "nova" história
econômico-social, na qual a política era como que uma conseqüência/decor­
rência -, os períodos de tempo mais estudados eram os da Colônia e do lmpélio

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Oogo, uma classificação "política"), havendo bem menos interesse pela Repú­
blica.
Nada de especial, por conseguinte, em relação ao que ocorria em outras
experiências historiográficas, como a francesa, que sempre foi de espedal
importância para a produção intelectual dos historiadores nadonais.
O que pode constituir uma primeira observação a flexibilizar tal
"evolução" é o reconhecimento de que, por uma ausência de trabalhos
sistemáticos de reflexão sobre a historiografia brasileira, e pela solidificação do
tipo de visão aama enunciada, acabamos por delinear uma tradição disciplinar
por demais homogênea e dominada pela "velha" história político-administrativa,
a partir da qual se definiu a estratégia de combate, renovação e af=ção dos
"novos'J estudos sociais e econôrnicos.
Isto teria ocorrido por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, porque
houve um obscurecimento das caracteristicas da produção histórica anterior,
sobretudo daquela pertencente às primeiras décadas da República e que, em
certo sentido, fundou o campo desse conhecimento no Brasil. Essa produção
foi globalmente imersa no epíteto de uma história política de eventos/ho­
mens/datas, carente de interpretações que levassem em conta a situação
sócio-econômica do "fato" que se examinava. Estudos recentes sobre esses
autores e obras, embora pouco numerosos, têm demonstrado que os nossos
"historiadores clássicos" eram bem mais "sofisticados",. construíam seus textos
políticos recorrendo a fontes e metodologias diversificadas (arquivos privados,
material iconográfico etc.) e, prindpalmente, contextualizavam a questão que
examinavam na vida sooo-econômica do país, da região, da cidade. Além disso,
alguns desses textos possuíam, ao menos em panes significativas, características
de uma história do tempo presente, ou de uma história in'iediata, em que o autor
era um testemunho e/oLl um ator dos acontecimentos que analisava.
Em segundo lugar, porque é possível que essa ''velha'' história política,
sem dúvida existente e influente, estivesse mais presente nos cOll1pêndios
escolares, eles mesmos objeto de crítica desde os anos 1930, justamente por não
atraírem os estudantes devido a suas minúdas descritivas, enumerações cansa­
tivas e escassez de idéias interpretativas. O convite a uma história dos fatos
econômicos e sociais do Brasil estava feito - inclusive pelas reformas ofidais do
ensino, a de Capanema, de 1942, com destaque -, independentemente das
razões e dos objetivos da rejeição da "velha" história política pela escola dos
Annales. Tal perspectiva, é interessante registrar, só iria se disseminar bem mais
tarde, guardando intrínsecos contatos com o crescimento das análises de
orientação teórica marxista já nos cursos universitários de história e dêndas
SOCiaiS.
• •

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Ainda \lO rastro desta possibilidade de reflexào, podemos suspeitar dos


laços que uniam essa ''velha'' história política e o ambiente acadêmico das
Faculdades de Filosofia, Ciências'e Letras, criadas para fonnar professores a
partir de finais dos anos 1930. Usando o exemplo do Rio de Janeiro, a prática
docente de catedráticos como Hélio Viana nào deixa dúvidas quanto ã
longevidade de uma "fónnula" para ensinar conteúdos, relembrados até hoje
por ex-alunos como intragáveis e inteiramente avessos ã pesquisa e ã própria
leitura dos clássicos do "pensamento histórico brasileiro".
Um olhar relâmpago para o que ocorria nos recentíssimos estudos na
área de ciências sociais, em São Paulo em especial, onde haviam sido criados,
após 1932, a Escola Livre de Sociologia e Política e o curso de ciências sociais
da Universidade de São Paulo, mostra a presença da sociologia norte-americana
de Chicago e da antropologia de Lévi-Strauss, por exemplo. Uma trajetória
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portanto bem distinta, mas não tão distante no temp0
O que se está procurando encaminhar, neste sentido, é uma tentativa
de compreensào de algumas das causas do descompasso, desde os anos 1950,
entre a produção intelectual na área de história e na área de ciências sociais/po­
líticas, em que a primeira fica nitidamente em desvantagem em tennos de autores
e obras preocupados em interpretar o país. Os nomes de Caio Prado)r. e Sérgio
Buarque de Holanda, na verdade, poderiam ser vistos como as grandes exceções
a confillnar a regra. Contudo, também deve ficar claro que a designação de
cientista social, político em especial, é muito complicada até as décadas de
196Ono, mas que são muito mais numerosos e diferenciados os intelectuais a
que ela poderia ser aplicada: Florestan Fernandes, Celso Furtado, Hélio
Jaguaribe, Guerreiro Ramos, Antônio Cândido, entre outros.
Do pouco que já se disse, salta aos olhos o caráter recente da produção
de "estudos políticos" no Brasil, quer se assuma a ótica de urna "nova" história
politica, quer se assuma a ótica .nais estrita da ciência política no campo das
ciências sociais. Fica também razoavelmente evidente que, nos centros acadê­
micos de formação de historiadores - entendidos como professores/pesquisa­
dores - era muito grande o desamor pelos debates teólicos sobre a construção
do conhecinlento histórico, assim como sobre qual era a nossa tradição de
autores/obras neste terreno. Ou seja, qual era a jurisprudência a ser consultada
como ponto de partida para reelaboraçôes e discussôes renovadoras.

Pode-se pensar, desta forma, que a década de 1960 constitui como que
um ponto de inflexào cujos desdobramentos frutificam de forma plena nos anos
1970, e daí prosseguem num crescendo. São várias as razões que podem ser
citadas para justificar esta transformação ampla e significativa, muitas delas, não
por acaso, já arroladas em artigos que discutem especificamente a renovação

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ocorrida no campo disciplinar da história no plano internacional, com suas


repercussões no Brasil. Por isso, é prudente começar por aí.
A revitalização dos estudos de história política, ou o que tem sido
chamado de o "retorno" da história política, guarda relações profundas com as
mudanças de orientações teóricas que atingiram as ciências sociais de forma
gera!. Inúmeros autores situam o fenômeno como uma crise dos paradigmas
estruturalistas então vigentes: o marxista, o funcionalista e também O de uma
vertente da escola dos Annales. Esta crise, traduzida pela recusa de explicações
dete rminísticas, metodologicamente qu,mtitativistas e marcadas pela "presença"
de atores coletivos abstratos, não localizáveis no' tempo e no espaço, teria
impactado o campo das ciências humanas forçando-as a rever suas ambições
totalizadoras e suas explicações racionalistas/materialistas.
Não se tem aqui a menor pretensão de conduzir uma reflexão sobre
este tema, que vem sendo debatido sisreITl.1ticamente por historiadores e
cientistas sociais, mas apenas correlacionar tal transfonnação mais geral com
uma re-sigrtificação da história política que trouxe consigo algumas orientações
inovadoras e fundamentais:
a) a de que a história política não só nào é redutível a um reflexo
superestrutura! de um deteoninante qualquer de outra natureza (seja econômico
ou não), como goza de autonomia ampla, sendo espaço iluminador e influen­
ciador da dinâmica global da realidade social; por outro lado, a de que a história
política nào reclama para si atributos especiais, numa invefSào do que é próprio
dos paradigmas estruturalistas;
b) a de que a história política deve ser pensada como um campo mutável
através do tempo e do espaço, podendo expandir-se ou contrair-se, incorpo­
rando ou eliminando temas, o que se relaciona fortemente com as histórias
nacionais de vários Estados;
c) a de que a história política tem, de forn13 intensa e constitutiva,
fronteiras fluidas com outros campos da realicL1de social,
questões culturais, na medida em que as interpretações políticas abarcam tanto
fenômenos sociais conjunturais - n13is centrados em eventos - quanto fenôme­
nos sociais de mais longa duração - como a confomlaçào de UITt.1 mentalidade
ou "cultura política" de unl grupo m::lior ou menor;
d) a de que a história política privilegia, sem sombra de dúvicL1,
"acontecimento" (político lou/ COUlt ou não), que nào pode ser superestit113do
nem banalizado, mas sim investido de um valor "próprio" que lhe é em grande
parte atribuído/vivenciado pelos seus contemporâneos; tal valor deve ser
resgatado pelo analista, num,) dialética entre memória-história cada vez mais
considerada e praticada nos estudos político-<:ulturais;

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e) a de que a história política sofre, de forma ainda mais radical, uma


demanda social pela "incoporação" do tempo presente, embora a "nova"
história política não se esgote nem se realize mais plenamente neste território
contemporàneo e, portanto, ainda mais marcado pela convivência com a
produção dos cientistas sociais, políticos em destaque;
f) a de que a história política também sofre o impacto da absorção de
novos objetos e metodologias - a história oral, por exemplo -, mais ainda
quando associada à história cultural, o que também a aproxima particularmente
dos trabalhos dos cientistas sociais, políticos em especial.

Esta enumeração, sistematizando debates. que se desenvolveram com


mais freqüência a partir dos anos 1970 no plano internacional, é mais do que
suficiente para traduzir a profundidade das transfom1ações experimentadas e a

ambigüidade dos desdobramentos da referida "crise de paradign1as". Ou seja,


de um lado, desestnlturam-se referenciais explicativos e uma certa hierarquia
nos campos do conhecimento da realidade social, instaurando-se a "incerteza"
e a "fragmentação", sobretudo no interior da história. Mas, de outro lado, a crise
obriga o desencadeamento de um processo de reflexão sobre a natureza e li

especificidade do trabalho historiográfico, bem como sobre suas relações com


as ciências sociais, destacando-se os temas do estatuto da "nova" história política;


da incorporação do tempo presente à história; e das relações política-cultura
.s
nas sociedades contemporàneas

A "aceleração" do tempo; a vivência "imediata" do acontecimento


histórico; o sentimento da presença do político em esferds inusitadas da vida
cotidiana dos cidadãos, e un1a demanda social crescente por explicações sobre
o que estava ocorrendo (e iria .ocorrer) dramatizaram e concretizaram uma
também "nova" posição pública do historiador, o que o aproxin10u mais de
outros cientistas do social e de outros intelectuais produtores de interpretações,
como os jOIT1alistas da imprensa falada e escrita.
Neste sentido, é possível entender que a "área de aproximação" entre
historiadores e cientistas sociais é assinalada tanto pela presença de questões
de interesse comum - como os temas político-culturais-, sobretudo vivenciados
no "tempo presente", quanto por um novo papel assumido por estes intelectuais,
cada vez mais atuantes na mídia, embora de fonnas muito diferenciadas.
Entretanto, se estas transformações mais globais que afetam a confor­
mação de um campo disciplinar e, dentro dele, o delineamento de espaços mais
especificos de trabalho, demonstram a existência de uma historicidade geral

que une internacionalmente os pesquisadores de um certo ramo do saber,


pode-se igualmente verificar wn outro movin1ento, mais específico em seus

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ritmos e características, que diz respeito às variações nadonais que a transfor­


mação mais ampla pode sofrer. .
Esses ritmos nacionais, que não chegam a alterar a direção global do
processo, têm certamente a ver com eventos próprios das histórias "políticas"
de cada ·país. Ou, dito de outra fonna, remetem às estreitas e tensas relações
entre intelectuais e política, e aos desafios e demandas sociais crescentes que

situações de crise conjuntural podem lançar à reflexão. Neste sentido, alguns


acontecimentos - que não precisam ser políticos tou! cou rt - impõem aos
intelectuais, e em panicular àqueles cuja tarefa é iriterpretar a realidade política,
a escolha de cenas temas de análise, o que pode se traduzir pela emergência
de "novos" objetos e métodos, ou pelo "retorno" de "velhos" objetos, revigo­
rados por "novas" abordagens.
A dimensão ética e engajada do trabalho intelectual é, nesses casos,
mais visível e compreensível e manifesta,se de forma mais transparente, por
mzões óbvias, no campo de trabalho daqueles que se dedicam aos "estudos
políticos". As reflexões historiográficas há muito ressaltam este aspecto, ilustmn­
do-o com os exemplos da guerra da Argélia, para os intelectuais franceses; das
lutas coloniais na África, para os ponugueses; e, no caso do Brasil contempo­
râneo, da instau!"àção do regime militar em 1964.
No que interessa de peno a este texto, é tão impossível compreender
os movimentos da história e da ciênda política no Bmsil sem uma remissão aos
debates interdisciplinares tmvados no nível internadonal quanto sem uma clara
referência ao impacto d!",unático trazido pelo restabeledmento do autoritarismo
e da aberta repressão política, particulannente desde fins da décarul de 1%0.
Não é, portanto, nada casual que os anos 1970 sejam os do florescinlento
de uma literatum que elegeu os temas da política brasileira como o seu centro
netvoso, "expandindo" o entendimento de "política", e incorporando à história,
definitiva e legitimamente, o tempo presente como um período primordial de
análise.
Toda esta literatura, grosso modo, gira em torno da compreensão do
fenômeno do autoritarismo no país, movida pela necessidade de entender o
golpe de 1964 e as causas do colapso do regime liberal-democrático instaurado
pela Constituição de 1946. Por conseguinte, ela assume uma perspectiva
histórica nítida, já que não só em inviável pensar as carac.terísticas
do regime militar sem um retorno ao pré-64 , como era evidente que as bases
do autoritarismo brasileiro deitavam raízes profundas nas f0l111u]açôes e expe­
riências de períodos anteriores, com destaque para o Estado Novo 0937-1945).
Desta [011113, nào importando o objeto específico e o percurso crono­
lógico percorrido pelo estudo - se retroativo ou se prospectivo - o tempo
presente da história/ciência política no Brasil foi datado, n13is na prática do que

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na teoria, a partir do pós-30, peonitindo-se, é claro, todas as incursões


necessárias ao "passado" da questão central sob exame.
Nesta investida, os cientistas sociais saíram na frente, abrindo-se rapi­
damente ao estudo do passado para o entendimento do presente, seu território
cronológico por definição. Os historiadores - e não SÓ OS brasileiros, é óbvio -
foram muito mais resistentes, insistindo na desconfiança quanto a estudos que
não oferecessem o recuo imprescindível à objetividade e impedissem o acesso
prioritãrio a fontes arquivísticas escritas.
Este último aspecto é especialmente relevante, até mesmo porque a
questão do trabalho com fontes é, até hoje, uma dificuldade que atormenta os
pesquisadores das ciências sociais e os historiadores de foona violenta. Justa­
mente por isso, é interessante observar que duas das mais importantes
instituições arquivísticas para o estudo do tempo presente foram criadas em
o
inícios dos anos 1970: o Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getulio Vargas, no Rio de
Janeiro (973), e o Arquivo Edgard Leuenroth, da Universidade de Campinas,
em São Paulo (974).
Ambas as instituições, que recentemente comemoraram seus vinte anos
com grandes seminários, criaram-se a partir da doação de arquivos privados de
políticos: o CPDOC, do arquivo de Getúlio Vargas, a figura mais importante da
história política brasileira do tempo presente; e o Arquivo Edgard Leuenroth,
da documentação de uma das mais significativas lideranças do movimento
. anarquista do país. O fato de os dois arquivos-base serem de políticos de elite
- um de extração oligárquica e outro da classe trabalhadora - é pedagógico
para se pensar as possibilidades de linhas de pesquisa que então se abriam:
uma, concentrada na reconstituição dos movimentos da conjuntura política a
partir da Revolução de 1930, com destaque para atores como os políticos
profissionais, militares e intelectuais; outra, destinada aos movimentos e orga­
nizações da classe trabalhadora, sindicatos e partidos em especial. Se, durante
algum tempo, esta distinção foi vivenciada como oposição, a produção intelec­
tual dos anos 1980, com a generalização dos debates sobre a crise dos
paradigmas estruturalistas, trouxe uma grande aproxima ção e uma consciência
de complementaridade e compartilhamento de problemas comuns.
Para além, contudo, da questão das fontes, é conveniente ressaltar que
a precedência das análises dos cientistas políticos brasileiros também tem a ver
com a maior multiplicidade de orientações teóricas presentes em seus estudos.
Ou seja, enquanto no âmbito da história a força de um marxismo determinista
e reducionista dificultou, praticamente até fins dos anos 1970, a eleição de temas
políticos, associando-se à resistência ao estudo do tempo presente, na área das
ciências sociais/política este domínio era bem menos acentuado, tanto pela

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influência de ullla produção teórica norte-americana, quanto pela maior atenção


aos debates em curso no interior do próprio marxismo. Isto não quer dizer,
narura�nente, que os debates, revalorizando o campo da politica e complexifi­
cando o papel do Estado, não tenham também influenciado os esrudos na

história. O que se está indicando é que, nesta disciplina, o ritmo foi mais lento,
o que se traduziu por uma produção historiográfica mais tardia comparativa-
mente.
Tal fato, porém, não é tão surpreendente se consideramlos, por
exemplo, que na França textos clássicos para uma "nova" história e �ara uma
"nova" história politica datam de fms dos anos 1970 e inícios dos 80, e que o
Instirut d'Histoire du Temps Présent, em Paris, foi organizado em 1978, apesar
de suas origens serem anteriores.
O que se está pretendendo realizar neste artigo é, assim, apenas uma

tentativa de situar os "esrudos políticos" produzidos no Brasil, grosso modo desde


os anos 1960, pensando-os como contribuições que alargaram a concepção da
politica para além da esfera instirucionalladministrativa e que contemplaram,
de fomla muito clara, a ação do Estado e de outros atores coletivos até então
praticamente ignorados. Além disso, iniciaram o movimento de aproxima ção
entre o politico e o cuJrurl. l,
reinstiruindo o peso explicativo das tradições políticas e de seus mitos.
A estratégia escolhida foi a da eleição de algumas áreas temáticas
consideradas significativas quantitativa e qualitativamente: a dos esrudos políti­
cos que retomaram temas clássicos como as instiruições partidárias e sindicais
e, através deles, discutiram de fom13 capital a experiência brasileira com a
questão da participação e da representação politicas; e a dos esrudos políticos
que se dedicaram ao pensamento político-social brasileiro, designação que
recobre, na linguagem acadêmica, um espaço amplo e diversificado que une a
história política à história intelecrual (das idéias, ideologias, mentalidades) e que
tem florescido, nào apenas em nosso país.
Seria bem mais do que tolice e ingenuidade desejar elaborar um balanço
que objetivasse dar conta mais sistematicamente do que se produziu (ainda que
só privilegiando esses aspectos), e das inúmeras questões que os contextos
sociais desta produção envolveu. O exercício, portanto, é tão somente uma
tentativa de tomar exemplos que encaminhem as reflexões sobre as relações da
história com a ciência política, não se pretendendo, inclusive, traçar fronteiras
7
rígidas e intransponíveis

Os esrudos politicos em perspectiva histórica realizados por cientistas


sociais e historiadores, que serão aqui destacados como particularmente signi­
ficativos na produção brasileira a partir de fins dos anos 1960, poderiam ser
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entendidos, no geral, como uma retomada dos objetos clássicos da "política":


são análises de instituições como partidos, sindicatos e forças armadas, estudos
de períodos governamentais e de algumas políticas públicas, em especial.
Unindo-os, o desejo básico de responder à questão de por que o Brasil (e a
América Latina) mergulhara em um regime militar autoritário e quais seriam os
esforços necessários para a reinstalação de uma democracia sólida, que viesse
para ficar. Os atores coletivos que se impunham como objeto de tal análise eram
aqueles que mais dramaticamente estavam envolvidos na crise de 64: os militares
e o Exército; OS políticos/parlamentares e o Congresso; o Executivo federal; as
lideranças da classe trabalhadora e os sindicatos, entre os mais expressivos.
Alguns desses "novos" objetos encontravam referências na produção
da ''velha'' história política - concentrada em tentáticas institucionais-adminis­
trativas e marcada por um acento juridicista - e também na tradição do ensaísmo
social e político brasileiro, como se verá. Contudo, como já ressaltado, o esforço
·
de re1eitura da história política recente do país traduziu-se na inovação profunda
da construção dos temas e em escolhas teóricas e metodológicas claramente
interdisciplinares.
No que se refere à produção que tem como alvo pensar a ação de
partidos políticos, de instituições como o Congresso, e também o comporta­
mento eleitoral da população, algumas obselVações podem ser feitas. A primeira
delas diz respeito à solidificação de um diagnóstico sobre as características
profundas de nosso sistema associativo/representativo, que consagrou a inter­
pretação: do "artificialismo" de nossas instituições partidárias; de seu pouco
enraizamento social; de sua indiferenciação ideológica e acentuado clientelismo;
e de sua incapacidade de mobilizar eleitores e sustentar, congressualmente,
políticas públicas.
Assim, a produção realizada entre fins dos anos 1960 e inícios dos anos
1970, de forma muito geral e abarcando textos com tentáticas bem amplas, ao
procurar compreender o colapso de 1%4, aprofundou o que se tem hoje
chamado de uma "ideologia antipartidária". Esta ideologia encontrava solo fértil
rião só em orientações teóricas que entendiam o fenômeno político (e mais
ainda a questão da representação) como um reflexo de interesses s6cio-econô­
micos, como também em uma tradição intelectual, construída desde os anOs
1920, que acentuava o insolidarismo de nossa fonnação social e, por isso, a
insuficiência e o fisiologismo dos partidos políticos e do Congresso .

E bem verdade que esta forte tradição intelectual pode ser pensada em
dois tempos. O prin1eiro sendo aquele dos pensadores autoritários clássicos,
como Oliveira Viana, Francisco Campos e Azevedo Amaral que, afirn13ndo o
amorfismo de nossa vida social e postulando o papel organizador do Estado,
propuseram a alternativa corporativista e/ou carismática, entendendo os pa·rti-

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dos como organizações inadequadas e indesejáveis. O segundo, certamente


num esforço de sisterrultização meio forçado, sendo representado por textos
dos anos 1950/60 (Raimundo Faoro, 1958, e Maria lsaura Pereira de Queiroz,
8
1976), que insistiam na construção da dicotomia entre o peso da burocracia
estatal e a força da pólítica de clientela C·privatista" e do "interior") no curso da.
história do Brasil. Ou seja, a dualidade público/privado, ou ideologia/cIientelis­
mo, representaria o moderno e o atrasado, possuindo grande poder explicativo
para os movimentos pendulares da política em nosso país. Contudo, é funda­
mental ressaltar, tais estudos já não concluíam mais pela indesejabilidade e
descrença radical nos partidos políticos.
Assim, se o diagnóstico básico de análises realizadas através de décadas
de nossa produção intelectual era o de uma sociedade civil fraca e que não se
representava perante um Estado hobbesiano que "cooptava" e "manipulava"
elites e massas, percebemos uma variação fundamental nos prognósticos
quando nos deslocamos para o período dos anos 1950/60 e para textos - ainda
que muito críticos - voltados para a experiência do regime do pós-46. Ou seja:
em lugar de uma perspectiva que praticamente vislumbrava a impossibilidade
da Iiberal-democracia no Brasil, inclusive e principalmente pelo artificialismo
dos partidos, abria-se uma outra perspectiva que, justamente para defender a
desejabilidade desses mesmos partidos, aplicava-se em trabalhar com O "cIien­
telismo" (Leal, 1949) e o "popuIismo" (Ianni, 1967 e Weffort, 1973 e 1978). Neste
sentido, o problema a ser resolvido era o de como dotar a sociedade de
procedimentos políticos que "devolvessem" aos atores coletivos - fossem eles
trabalhadores ou eleitores - suas margens de autonomia, já que praticamente
apenas ao Estado - e mais precisamente ao Poder Executivo - era reconhecida
a iniciativa de ação. Quanto ao Legislativo - no caso, o federal -, a situação era
a de um interessante paradoxo. De um lado, o Congresso era "fraco", pois não
representava a sociedade/os cidadãos via partidos; de outro, o Congresso era
"forte", pois representava interesses (espúrios) de grupos econômicos elitistas,
que bloqueavam a implementação de políticas públicas mais "renovadoras"
conduzidas pelo Executivo.
O que se pode observar ainda é que, neste conjunto mais global de
análises, os partidos políticos "reais" e o Legislativo "existente" eram situados
como obstáculos políticos a serem vencidos, já que não cumpriam as funções
de agentes fOlmadores da opinião pública, nem de instituições implementadoras
de políticas governamentais. A constatação desta difícil situação era comparti­
lhada tanto por clássicos dos anos 1920 e 30, como Oliveira Viana e Sérgio
Buarque de Holanda (Gomes, 1990), quanto por intelectuais/políticos dos anos
1950 e 60, como Roberto Campos e Celso Furtado. Autoritários e liberais, direita
e esquerda não· se afastavanl muito quando se tratava de pe!'sar os males

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políticos do Brasil, embora evidentemente se dividissem quanto aos remédios


a serem aplicados e aos efeitos desejados.
Entretanto, convivendo com esta linguagem interpretativa muito disse­
minada e por isso difícil de ser localizada mais especificamente, começaram a
se desenvolver estudos políticos que procuravam romper com seus postulados
em pontos centrais. Eles tiveram seu berço no que se poderia chamar de urna
"sociologia política", podendo ser exemplificados pelos textos de Orlando de
Carvalho e de outros autores que publicaram na Revista Brasileira de Estudos
Políticos da Universidade Federal de Minas Gerais, e pelos livros e artigos de
9
Gláucio Ary Dillon Soares e Bolivar Lamounier, entre outros
Estes trabalhos iriam fundamentalmente começar a questionar, através
de pesquisas documentais de tipo su�, a afinnação "naturalizada" de que a
marca da história política brasileira era uma espécie de relação patológica entre
o público e o privado, materializada no poder do Estado, na artificialidade dos
partidos políticos. e na irracionalidade dos eleitores/cidadãos. Neste sentido,
elegendo-se o estudo do sistema partidário existente entre 1945 e 1964, e
também a organização de seus partidos políticos isoladamente, teve início como
que uma revalorização da experiência liberal-democrática do períod!J, cujo
tell1l0 talvez pudesse ser situado no livro de José Antônio Lavareda (1991).
Tais. estudos começavam por assinalar que as lideranças "populistas"
do período possuíam bases sociais diferenciadas e assumiam feições ideológicas
diversificadas: sendo assim, era extremamente simplista compreender sua ação
política e também o comportamento eleitoral dos brasileiros como redutível a
manobras clientelísticas ou apelos demagógicos, ambos classificados como
desvirtuamentos da "verdadeira" política. Ou seja, afumava-se, nesta produção,
a existência de uma relação de representação politica em que os eleitores (não
as "massas") aderiam às propostas políticds dos candidatos, inclusive e até
principalmente, às dos "líderes populistas". Além disso, a presença de tais
lideranças nào era interpre,",da como incompatível com vinculações partidárias,
tendo havido no período um desenvolvinlento crescente da força eleitoral de
partidos políticos, entre os quais eram ressaltados o Partido Trabalhista Brasileiro
CPI'B) e a União Democrática Nacional (UDN).
Talvez, fazendo-se uma leitura minuciosa - é bem verdade que já
influenciada pela ótica das análises dos anos 1990 -, se possa verificar que desde
fins dos anos 1960 houve estudos - na área da sociologia e da ciência política
-, que apontavam o período de 1945-{)4 como estratégico em tellHOS da
expansào da democracia no Brasil e do exercício da participação (através de
movimentos sociais) e da representação (direito de voto) políticas, a despeito
de suas óbvias limitações (o Partido Comunista Brasileiro era ilegal, por
exemplo) ..

70
Política: História, Ciência, Cultura etc.

Dois livros importantes, neste contexto, foram Brasil em perspectiva,


organizado por Carlos Guilherme Motta (1%8), que, si.tuando-se daramente no
cámpo da história, trazia artigos sobre história do tempo presente e sobre história
política; e Estado epartidospolíticos no Brasil, de Maria do CanllO Campello de
Souza ( 1976), cientista política que produziu um texto tipicamente interdiscipli­
nar. A tese da autora, destacando os laços entre o sistema partidário dos pós-45
e o período do Estado Novo, apontava para a necessidade de se historizar as
análises sobre partidos, relativizando as rupturas (indusive com P':!ríodos
ditatoriais) e valorizandQ os graus de institucionalização alcançados por estas
organizações no Brasil.
Muitos outros textos sobre partidos políticos foram produzidos. O
Partido Comunista Brasileiro, provavelmente, é o primeiro e o mais estudado
de todos, por razões que a rejeição ao regime militar e o engajamento dos
intelectuais, não só brasileiros, podem iluminar (Chilcote, 1974, é um bom
exemplo). Além dele, outros partidos atuantes no pós-45 - como o Partido Social
Democrático (Hippolito, 1985), a União Democrática Nacional (Benevides,
1981) e, só mais tarde, o Partido Trabalhista Brasileiro (Benevides, 1989; Gomes
e D'Araujo, 1989, Delgado, 1989, e D'Araujo, 1996)) foram estudados.
-

No mesmo rastro, foram elaborados textos sobre os partidos criados


após 1964, como o Movimento Democrático Brasileiro (Kinzo, 1988) e, sobre­
tudo, o Partido dos Trabalhadores CMeneguello, 1989). Sugestivamente, não há
nada, academicamente falando, sobre a Aliança Renovadora Nacional, embora
não sejam poucas as análises sobre a experiência do bipartidarismo. lO Este
interesse justifica�se, indusive, pelo longo processo de "transição pactada",
iniciado em 1974 e com cerca de uma década de duração, envolvendo uma
refonna partidária em 1979 e, com o fim do regime militar, um rearranjo muito
amplo do sistema partidário.
A questão da descontinuidade no tempo de nossas fOllnações partidá­
rias impunha-se à observação dos analistas, forçando uma refleXão sobre as
"dificuldades" dos partidos políticos em se solidificarem como organizações e
em se comunicarem, criando fidelidades, com seus eleitores. Trabalhos reto­
mando o tema do sistema partidário no pós-45 (Brasil, 1983 e Lavareda, 1991)
vieram contribuir de forma significativa para uma nova compreensão do tema,
indusive porque, desta feita, já dispunham de uma certa massa crítica de textos
acumulados. Neste sentido, vale ressaltar algumas observações que passaram a
se incorporar ao estoque de conhecimentos sobre partidos políticos no Brasil:
a de que as análises sobre o funcionamento de partidos nacionais de\«! atentar
para os seus niveis estaduais e municipais de atuação; a de que a historicidade
das instituições partidárias é fundamental, e que também ela sofre o impacto
da regionalização; e, por fun, a de que, a de.speito do desprestígio que partidos

71
estudos históricos . 1996 - 17

e procedimentos eleitorais sofreram entre 1965 e 1974, antes e depois destas


datas os eleitores procuraram orientar-se através de siglas partidárias, havendo
"racionalidade" tanto em suas fidelidades quanto em suas "infidelidades"
(Figueiredo, 1993).
No momento em que este artigo está sendo escrito, o debate sobre
sistema partidário e legislação eleitoral ganha grande atualidade, pois se trata,
mais uma vez, de criar novas siglas, através de recomposições e alianças entre
algumas das já existentes, e de eliminar outras, referentes a partidos sem
representatividade eleitora l, beneficiários de dispositivos legais que precisariam
11
.

ser alterados.
Desta forma, o eleitorado brasileiro estaria sendo instado a continuar
seu longo aprendizado sobre quais sào os partidos "disponíveis" para seu voto
e sobre o que eles representam em tennos de propostas políticas goveniamen-

tais. Como a literatura é unâníme em ressaltar, este é um fato complicador para


o sólido exercício da liberal-democracia, que precisa de referentes organizacio­
nais conhecidos, coisa que só a história dos partidos e a memória dos eleitores
pode assegurar.

A longa e diversificada tradição de estudos político-culturais que insiste


no amorfismo da vida associativa em nosso país, e na exclusiva e/ou dominante
existência de laços sociais de natureza privada/pessoaVclientelística/fisiológica
(com tais deslocamentos embutidos), é a mesma que, descrendo dos partidos,
encpntra e propõe a alternativa e a conveniência da organização sindical
corporativa. Neste sentido, e este ponto deve ficar bem esclarecido, nossa
traclição analítica nào situa nunca a possibilidade de uma escolha entre
representação e nao-representação Política, e sim a necessidade de escolha do
tipo de representação mais pertinente, etpourcause, mais eficiente para o Brasil.
Daí a centraJidade do tema do corporativismo e de seu vínculo umbilical com
a questão síndical.
Assim, durante décadas de crítica à liberal-democracia - que pecaria por
excessO durante a 1930 e
Primeira República, O,il ótica dos íntelectuais dos anos
40, e por carência no período de 1945-64, segundo os analistas dos anos 1950 e
60 , � partidos seriam "desvalorizados", e os sinclicatos e outros agentes
-

?
organiza ores da sociedade serjam considerados mais conveníentes e desejáveis.
E bem verdade que as razões da defesa conjunta da solução alternativa,
quer fosse sindical quer não, eram inteiramente distintas nos argumentos
defendidos ao longo deste período, o que torna o ponto aínda mais ínstigante.
No primeiro caso, por exemplo, os síndicatos seriam wna organizaçào social '
básica, porque francamente despolitizados e submetidos à tutela estatal. No
segundo caso, exatamente porque politizados, mas continuando a permanecer

72
Política: História, Ciência, Cultura etc.

afastados do jogo "sujo" da política profissional, vale dizer, dos partidos. Nos
dois casos, entretanto, os sindicatos possibilitariam a ruptura com as relações
clientelísticas, ainda que apenas potencialmente - por premissa teórica - e nào
necessariao1ente em nossa experiência histórica.
Ou seja, os sindicatos, enquanto organizações representativas da classe
trabalhadora, e"un os detentores da possibilidade de uma ação tI'llnsformadora
da realidade social, em distinçào e em oposição às virtual idades dos partidos
políticos. Para os teóricos do corporativismo dos anos 1930, ideólogos do Estado
Novo e do modelo sindical em parte até hoje vigente, porque os verdadeiros
interesses do povo manifestavam-se por meio de suas demandas profissionais,
canalizadas e reconhecidas legalmente pelo Estado, independentemente de
procedimentos liberais/eleitorais, vistos como espúrios. Para os teóricos de
"esquerda" dos anos 1950 e 60, porque os sindicatos eram, por definição, o lugar
das lideranças do proletariado, ator coletivo revolucionário por seu anticapitalis­
mo e antiimperialismo. Contudo, o que se verificava, segundo a lógica . desta
última ótica, era que, por seus males de nascinlento - o vínculo com o
corporativismo - e por seus males de crescimento - o vínculo com o populismo
-, os sindicatos e a classe trabalhadora brasileira nào confirmavam as expectativas
da teoria, habitando O limbo da "falsa consciência" ou da "consciência possível".
Por isso, em sua trajetória, haviam alcançado alguma coerência apenas em
momentos específicos de um passado distante e pré-corporativisk� 12
Ao lado desta literall"'l, apenas como registro, produziu-se toda uma
série de textos de ensaios e memórias, de autoria de militantes do movimento
operário e sindicdl, que também tinham o propósito de explicar o grau de
consciência de classe dos trabalhadores. Neste caso, em geral, como seria de
esperar, destacavam-se as virtudes das lideranças envolvidas em lutas heróicas,
mal conhecidas e interpretadas.
Por conseguinte, foi com um conjunto numeroso e variado de textos,
que reU-<Itava a classe trabalhadora e o movimento sindical tanto em negativo
como em positivo, que os estudos políticos tiveram que dialogar, quando
começaram a ser mais sistematicamente produzidos a paltir dos anos 60.
O que se pode observar é que também se tratava de produzir uma
explicação para o comportamento político da classe trabalhadora, naquele
momento específico sob o inlpacto do golpe de 1964. A compreensão das
características históricas de nosso movinlento operário e sindical era crucial para
a produção de respostas que iluminassem sua presença/ausência nos aconteci­
mentos do golpe, e que permitissem pensar wna "nova" alternativa de identi­
dade operária no Brasil .
Já são conhecidas e clássicas as análises que situam a produção realizada

nos anos 1960 e inicios dos 70 (Viana, 1978 e 1984) e que distinguem

73
estudos históricos • 1996 - 17

basicamente duas vertentes interpretativas para a questão acima. A prin1eira,


. produzida mais em inícios dos anos 1960, procuraria as razões do comporta­
mento político da classe em detemunantes estruturais associados ao processo
de industrialização e à composição social da classe tra balhadora (origem rural;
contingente de imigrantes; magnitude de reserva de Inào-de-obra etc.). Nesta
perspectiva, o que desarticulara o movin1ento sindical brasileiro a partir de 1930,
e o tomara sensível aos apelos populistas, indicativos da heterononl.ia política
dos trabalhadores, eram fatores de natureza sociológica estruturai e não
elementos de ordem político-cultural. Por construir esta versào interpretativa, o
enfoque é conhecido como "sociológico" e, vale mencionar, não é exclusivo do
Brdsil, surgindo em análises para a Argentina e outros países latino-americanos
( Rodrigues, J. A., 1966; Sin1ão, 1966, e Rodrigues, L. M., 1966 e 1974}.
A segunda vertente de análises, concentrada em fins da mesma década,
não só realizava a constatação da insuficiência de macrovariáveis de nafiIreza
sócio-econônuca para explicar comportamentos políticos de atores coletivos ou
individuais, como postulava a necessidade de se buscar variáveis de natureza
conjuntural e política para fazê-lo. Por isso, tornou-se conhecida como "enfoque
político" e, no caso do operariado brasileiro, postulou a centralidade do papel
do Estado para qualquer exercício cujos objetivos fossem o entendin1ento da
dimensão política de· atuação deste ator (Weffort, 1973 e 1978-9, e Erickson,
1979).
Toda esta produção, portanto, estava sendo realizada basicamente por
sociólogos e cientistas políticos, movidos pela questão do tempo presente, que
era a de compreender como se esgotou a experiência liberal-democrática
inaugurada pela Constituição de 1946, associada ao epíteto de "populista" , por
suas características de conservadorismo e cooptação/manipulação das massas
urbanas/trabalhadoras. Uma experiência conotada como fundamentalmente
negativa, embora nela também se vissem alguns tipos de ''vantagens/avanços'',
como uma maior participação política e atendimento de demandas sociais dos
trabalhadores. O populismo, ainda quando assumindo urpa dupla direção, não
perdia o poder de estigmatizar a experiência histórica do pós-45 e de limitar
politicamente a livre direção e escolha dos movimentos da classe trabalhadora .
Contudo, é fundamental assinalar que, se estes estudos estavam sendo
escritos por cientistas sociais, por forÇa da própria questão que enfrentavam,
eles tinham que assumir uma nítida interseção com períodos, temas e fontes da
história política. A Primeira República, os anos dos pós-3D, o Estado Novo, " e o
período 1 945-1964 transfonnaram-se em momentos privilegiados de análise, o
que din1ensiona o fato de ser-esta uma literatura clássica para quem quer
conhecer a política brasileird.

74
Política: História, Ciência, Cultura etc.

A partir de me'ddos da década de 1970, este quadro começou a mudar


de forma significativa. De um lado, porque sob os impactos da acelerada
industrialização e da dura coerção política, impunha-se ã reflexão, e não por
acaso também dos cientistas políticos, um fenômeno sôcio-político batizado
como "novo sindicalismo". Este "novo" objeto, metaforicamente assinalado pela
ascerisão da liderança do sindicalista Luís Inácio (Lula) da Silva, era construído
em distinção e em oposição ao veUlo sindicalismo populista do pós-3D, na
mesma dinâmica em que este o fora em relação ao sindicalismo heróico dos
anos 10 e 20 deste século.
As razões para tal emergência enraizavam-se nas condições de desen­
volvinlento e colapso do "milagre econômico" do pós-64, e o destino desta nova
materialidade da classe trabalhadora brasileira era resgatar o seu heroísmo,
questionando o corporativismo sindical e lutando pela democracia. Os nume­
rosos artigos escritos por Almeida ( 1981 e 1982 sào exemplos) ilustram
plenamente uma linhagem de textos que aponta para a ruptura de um esteio
fundamental nas análises da esquerda sobre o comportamento político do
movimento sindical brasileiro: o elo referencial com o Estado precisaria ser
desfeito, em benefício de estratégias mais autônomas e econornicistas.
As novas bandeiras das lideranças sindicais do ABC paulista - organi­
zação sindical livre, ancorada nos locais de trabaU1o; negociação coletiva e
contrataçào direta com o empresa riado - indicariam um percurso que, iniciado
com as grandes greves de 1978 e 1 979, anunciariam uma nova identidade,
finalmente autônoma, para a classe tratxtU1adora.
Um outro conjunto de análises, contudo, também começou a se
desenvolver desde fms dos anos 1970, como bem assinalou Werneck Viana
( 1 978). Se.riam estudos "históricos" e, muito embora ainda continuassem a ser
feitos par sociólogos e cientistas políticos, traziam significativamente outros
parceiros para o desenrolar dos debates. Críticas, como a da falta de rigor no
uso de fontes históricas e a da elaboração de interpretações muito generaliza­
daras e reducionistas das variações regionais e temporais do movimento sindical,
já vinham circulando havia anos na academia. Sendo assinl, reconhecia-se a
necessidade de um maior investinlento na pesquisa histórica e, sem minimiza r
a perspectiva analítica, o dever de construir narrativas densas, teórica e
metodologicamente, que não se voltassem para a construção de modelos ou
classificações tout coul1.
O tema - a fonnação da classe trabaU1adora e seu comportament"
polític0 - continuaria a catalisar as atenções, e os períodos da Primeira República,
do pós-3D, da República do pós-45 e também dos inícios dos 1980, seriam todos
objetos de investigação de um amplo e ri'Co conjunto de trabalhos. Nele se
destacariam historiadores e antropólogos, numa nitida expressào das transfor-

75
estudos históricos • J 996 - J7

mações que ocorriam nos debates internacionais, com o desenvolvimento de


uma história antropológica e/ou de uma antropologia histórica, explicitando a
valorização do político e do cultural em um diálogo enriquecedor. A importância
e a influência dos trabalhos de E. P. Thompson, M. Perrot e Hoggart, por
exemplo, atestam o que se quer destacar.
Alguns livros tiveram papeJ.<:have por seu caráter pioneiro, tornando-se
referências necessárias para tudo o mais que se iria escrever ao longo dos anos
1980, inícios dos anos 1990. Entre eles, cabe destacar, até mesmo por terem sido
publicados no mesmo ano - 1976 - os textos do historiador Boris Fausto e do
cientista político Luís Werneck Viana. A eles se podem acrescentar, ainda em
fins da década de 1970, as contribuições de Lobo (1978), Maran, Stein, Pinheiro
e Hall (todos de 1979) e, já nos anos 1 980, Lopes 0976 e 1988), Chalhou b ( 1986>,
Carvall10 (987) e Gomes (988).
Esta numerosa literatura iria rever e refinar uma ampla série de questões,
iluminando aspectos como o das condições de vida da classe trabafuadora; suas
variadas formas de organização e orientação ideológica; o "lugar político"
ocupado pela imigração e pelos imigrantes, e muitos outros. Teoricamente,
pode-se dizer que a preocupação de fundo era recusar um "modelo" de classe
traball1adora ''verdadeira'', a que a experiência histórica brasileira não corres­
ponderia. Os trabalhadores eram, portanto, tratados como atores coletivos
autônomos, realizando escolhas e reinterpretando interpelações, como a do
trabalhismo, construído no Est.ado Novo. Não por acaso, a categoria "populismo"
era amplamente discutida e as análises que postulavam rupturas radicais entre
períodos erdm, no geral, rejeitadas.
Sem dúvida nenhuma, este esforço continua em curso nos anos 1990,
havendo ainda muito a fazer. Mas há alguns pontos que poderiam ser destacados
por sua importância. Em primeiro lugar; a associação de estudos sobre sindicatos
e partidos, em especial de trabalhadores, revigorando as análises sobre o Partido
COf\lunista Brasileiro (que s� auto-extinguiu em 1989); sobre o Partido dos
Trabalhadores, e sobre o Partido
- Trabalhista Brasileiro, até 'aqui "desprezado"
como objeto de esn,do.
Em segundo lugar, o próprio curso da longa transição pactada brasileira
0974-1985) e a elaboração da Constituição de 1988 impuseram outras óticas
sobre o tema do "novo" sindicalismo. Neste sentido, seus vínculos com o período
do pré-64 e o apego a certos aspectos do corporativismo (como a unidade e o
"�posto" sindicais) têm sido mencionados, bem como questões complexas que
afetam a montagem ck�s centrais sindicais, o desencadeamento de greves e as
negociações coletivas com o Estado e o empresariado (Rodrigues, L. M., 1988;
aoito Jr., 1991, e Antunes, 1991).

76
Política: História, Ciência, Cultura etc.

Se o novo sindicalismo deixou de ser novo e heróico, desmistificando­


se, o sindicalismo do período de 1945-64 foi retirado do purgatório em que
estava colocado por seus pecados de burocratização, assistencialismo e pele­
guismo. A ação dos tl'"dbalhadores de várias categorias tem sido esutda da,
demonstrando-se a construção de uma "cultura sindical" que, como gosto de
situar, "reinventava" o trabalhismo, apropriando-se de propostas e instituindo
organizações, combativas e importantes para a produção de muitas identidades
"operárias" (Ramalho, 1989, Pessanha e Morei, 1991; Mangabeira, 1993).
.
Neste sentido, tanto no que se refere aos estudos políticos sobre partidos
quanto sobre sindicatos, os anos 1 990 assinalam uma postura teórica que recusa
diagnósticos de fraqueza, heteronomia, desvio e inviabilidade. Partidos e
sindicatos, como sempre na história política do Brasil, são desafios analíticos
que os acontecimentos do tempo presente continuarão a in1por aos cientistas
sociais e, sem dúvida, e de fonna profunda, também aos historiadores.

Nào seria possível, contudo, mapear o campo dos esutdos políticos sem
fazer uma menção, ainda que muito breve, à revitalizaçào dos trabalhos sobre
o que em nossa tradição intelecrual é chamado de "pensamento político e social
brasileiro". De um lado, porque tal revitalização ocorreu in1pulsionada pelas
mesmas razões teórico-metodológicas que comandaram o "retorno" do político
e seu vínculo com o culrural. De outro, porque também foi a dramática questão
da compreensào do fenômeno do autoritarismo que exigiu tal esforço, não
casualmente acenruado na segunda metade dos anos 1970.
Como no caso dos esrudos sobre partidos políticos, o tema das "idéias"
políticas era razoavelmente bem secundário até os anos 1 960. Se os partidos
eranl "artificiais"l sobre o pensanlento social e político pairava dúvida ainda
mais profunda: haveria "rea lmente" um pensamento social e político " brasileiro"?
Tal interrogação carregava em si, como pano de fundo, uma certa
perspectiva marxista que entendia serem as "idéias" e o comportamento político
"reflexos" de realidades sócio-econômicas mais profundas.
Portanto, a produção intelecrual dos autores poderia ser entendida
como o "resultado" de suas origens de classe e/ou da manipulação/cooptaÇ"do
p
do poder estatal. Associada a tal visão, mas odendo-se real izar distinções
analíticas, estava a posrulação de que as "idéias políticas" no Brasil eram
"in1portadas" do exterior, razão pela qual ou elas estavam "fora do lugar", não
sendo operativas e produzindo equívocos; ou elas estavam "no lugar", cons­
truindo uma justificativa um tanto maquiavélica de estratégia s de domina­
çã% pressão política (de classe, do Estado etc.).
A estes elementos, suficientemente compartilhados, somava-se um
descrédito, alimentado durante os anos 1950 e inícios dos 60, em especial por

77
estudos históricos • / 996 - / 7

intelectuais de esquerda, pelos autores e obras produzidas ao longo das décadas


de 1 920, 30 e 40 e que, sem dúvida, vinculavam-se à experiência estadonovista.
Tais pensadores, classificados como racistas e reacionários, tinham o valor
intelectual de sua produção comprometido a p'lon', devendo ser renegados, a
i plementação de políticas públiC'<ls
despeito de suas óbvias contribuições para a m
, que continuavam tendo vigência, como era o caso da legislação trabalhista e
sindical. No rastro deste desprezo, ignoravam-se também intelectuais do século
XlX, que haviam produzido reflexões sobre a organização político-institucional
do país, como José de Alencar e Tavares Bastos. Uberais e autoritários não
escapavam de uma desconfiança política básica, que acabava por impedir um
trabalho de história intelectual: análise de obraS e sua contextualízação soci
al;
análise de trajetórias de autores individualmente ou não, com seus 'referentes
organizacionais (escolas, revistas, academias); análise da fomução de tradições
de pensamento político e sua divulgação para um público amplo,
A crítica a esta postura intelectual, dentro da academia, pode ser
simbolicamente situada em dois .trabaUlos de cientistas políticos (Lamounier,
1977, e Santos, 1%7 e 1978) que nào apenas historicizaram e classificaram o
tipo de análises realizadas até ent<10, como trouxeram para a ordem do dia os
estudos sobre o pensamento social e político e, neles, sobre uma tradição polítiC'<l
13
autoritária .
Desde então, tais estudos não cessaram de se desenvolver, incorporan­
do historiadores e beneficiando-se do refinamento que os debates travados em
âmbito internacional no campo da história cultural trouxerdl11 para o país, A
presença de autores como o antropólogo C. Geertz; os "sociólogos" Bourdieu
e Foucault; e os historiadores Le Goff, .J. Revel, R, Chrutier e R. Darnton, entre
outros, nas citações e nas interpretações que passaram a circular nesta literatura
sào testemunhos de suá variedade e vigor.
Foram, portanto, reconquistadas como temáticas de primeira linha as
obras, trajetórias e contextos de produção intelectual de pensadores como
Tavares Bastos, Tobias Barreto, Silvio Romero, Euclides da Cunha, Alberto
Torres, Oliveira Viana, Azevedo Amaral, Alceu Amoroso Linu , Gilberto Freire,
Sérgio Buarque de Holanda e outros.
A listagem seria cansativa, nus nela comparecem liberais e autoritários;
católicos e "cientificistas"; figuras que brilharam na literatura e nos ensaios
histórico-sociológicos. Algunu s, como Francisco Campos e Manoel BonflJ1l,
pennanecem ainda pouco freqüentadas, enquanto outras reúnem um já vasto
14
número de livros e artigos
Saudável desdobraJnento desta transfom1ação que agora, nos anos
1990, parece voltar a ter in1peto, é a reediç'do dos textos dos próprios autores,
embord ainda haja lacunas incompreensíveis como Francisco Campos e Paulo

78
Política: História, Ciência, Cultwa etc.

Prado. As editoras universilárias (a Edusp e as editoras da UnB, da Unicamp e


p
. da UFF) cum ririam aí um papel relevanre, o que aliás seria próprio de sua
vocação, mas a situação no Brasil longe eslá do que se vê na Europa e nos EUA.
A presença de literatos associados ao rol de cientistas sociais e
historiadores é, neste campo de estudos, um fato compreensível e absolutamente
capital. A grande figura a ser lembrada seria Antônio Cândido 0%5), mas
também colaboraram neste esforço Wilson Martins 0977-78), Roberto Schwarz
(977), Alfredo Bosi (992), além de muitos outros. Textos sobre o movimento
romântico e, principalmente, sobre o modernismo marcam esta produção, que
igualmente tem demonstrado especial interesse pelo positivismo e outros
cientificismos.
Escolas e/ou estilos de pensamento têm sido estudados, bem como a
trajetÓria de nossas elites político-intelectuais, em abordagens m3is francamente
sociológicas, históricas ou literárias. Certos livros tiveram papel importante por
suscitarem debates e despertarem, por seu pioneirismo, o interesse do público
acadêmico. Entre eles estão Barros ( 1 959), Mota (977), Medeiros (978), Miceli
(979) e Sevcenko (983).
Como evidentemente se trata de realizar aqui apenas um registro do
imenso e riquíssimo campo que tem sido freqüentado pelos estudiosos do
político, importa assinalar que, em toda a sua diversidade, esta é .uma grdnde
reflexão sobre a construção da identidade nacional brasileira, que não pode ser
empreendida independentemente de uma reflexão sobre o processo de cons­
trução do nosso Estado Nacional . Provavelmente por isso, mais recentemente,
têm surgido textos que se concentram em tratar de ideologias políticas, em
analisar mitos político/cienríficos e, inclusive, em pensar uma cultura política
brasileira. Afinal, como sabem e repetem aqu<;les que trabalham com história
política e cultural, a forma como os cidadãos de um país experimentam a política
- seus valores, seus medos, sua memória coletiva e suas expectativas - pode
dizer muito sobre a sociedade em que vivem e sobre o "lugar" que nela têm
ocupado os intelectuais.

Notas

1. A palavra de ordem da experimentos, nos anos 1970 e 1 980. O


interdisciplinaridade no campo das Brasil acomp.:'1nhou esse movimemo
disciplinas sociais - aí incluíd" com imelecrual internacional, especialmente
destaque. a hisr6ria - teve seu auge em atento ao exemplo francês no que se
todo o mundo, em temlOS de debates e refere à prntica historiográfica.

79
estudos históricos . J 996 - J7

2. Em texto recente, jacques Revel uma "história imediata" . C0111 v:llor


dest..'\ca a tendência a uma precípuo de depoimenlO histórico,
"re-disciplinarização parcial" no campo realizada por historiadores, jomalisms
cL'IS ciências sociais. Ela seria uma etc. A Chauveau e P. Tétard (org.),
reação à ameaça de perda de idemirulde QlteslimlS à ,'bis/oire des lellJpS présel/Is,
no interior destas disciplinas, Paris. Ed. Comple.xe, 1 992.
ocasionada por uma "integração" que 4. Vale observar que no Brasil, embora
não produziu "acumulação" nos a história tenha sido reconhecida como
resultados obtidos, trazendo muito mais disciplina bem antes das ciências
uma duplicação de esforços e uma sociais, como nossas Faculdades de
espécie de implosão/desordem nos Filosofia, Ciências e LetrnS dalam dos
vários campos disciplinares, agravacL'I, anos 1930, a insticucionalização
narurabnente, pela crise dos paradigmas 1I11i1X!rsifária da história se fez
tatalizadores. J. Hevel, "Histoire ct praticamente em par"Jlelo C0111 a da
sciences sociales: une confronr3tion sociologia e antropologia. Desta fonna,
Inslable", em J. Boutier e D. Juli" (org.), a história não se beneficiou de um
Passés recomposés. Cbamps el cbamiers
"au'3so" cL'ls demais disciplinas sociais
de "bis/oire. Paris, Éd. Autremem, 1995,
(como ocorreu na França ) que, aliás,
p. 69-81, Roger Chartier é um dos
possuíam bom prestígio, em especial a
historiadores que têm "milüado" no
sociologia, qualificada como "saber de
sentido de manter contmos
salvação nacional".
interdisciplinares c, ao mesmo tempo,
.
demarcar a narurez.'l de um 5. Ver, por exemplo, D. Peschanski; M.
conhecimento histórico constnlído em Pollack; H. 'Rousso (org.), "Histoire
referência à realidade social, o qual nem politique et sciences sociales", Les
é narrativa literária, ncm segue um cabiers de L7Hfp' 11' 18, 1991 .
paradigma " galileano" de ciência que
6, Refiro-me às obras de J. Le Gotf e P.
exdui a consciência dos atores dos
Nora, Faire de /'bis/oire, Paris, 1974, 3
processos sociais. Compartilho da
vaI.; J. Le Goff, H. Chartier e J. Revel
proposta de R. Charrier e, como se verá,
(ecl.), J-<l /lollvelle bistoire, Paris, 1978, e
não avalio que a convivência entre
F. Furer, l 'atelier de /'bisloire, Paris,
história e ciências srv·iais
,,� , no Brasil ,
1982, por exemplo. É bom destacar,
tenha sido improdutiva ou
inclusive. que, nelas, a questão do
desordenadora.
tempo presente s6 é abordada
3. f:o.Ieste sentido os "escudos políticos" marginalmente.
sediariam a história do "tempo
7, Em todo o texto o interesse maior
presente", entendida não apenas C01110
ser:'i sempre o ele rlcompanhar o teor
voltada para um período cronológico
geral dos 3rgumemos e debates
recente (o pós- Segunda Guerra, em
SllSCit.1dos pelos textos e não o de
geral), mas igualmente como a
construir um levantamento bibliográfico
resultante de uma demanda social que
rigoroso sicuando autores e obras e
busca uma imerprcL:'lção histórica para
discutindo o contelido destas últimas.
os eventos com que cada vez mais
Pelas mesll1.:1s rnzõcs, não se fará
imensamente convive. Tal produção,
menção a textos nào editados
execUL: 'l da por Uln.1 geração de
colnercialmenre, preferindo-se citar
historiadores que vivencia esta demanda
livros em detrimento de artigos.
social, seria marcada por procedimentos
de consulta a arquivos e util ização de 8.Os trabalhos da autora são
metodologias que a distinguiriam de publicados desde os anos 1950 e o

80
Política: História, Ciência, Cultura etc.

texto de 1976 é dos mais conhecidos e Dados, Rio de Janeiro, Campus, vaI.
utilizados. 24, nll 2.

9. Na bibliografia há apenas exemplos. •

__o 1983. "O sindicalismo brasileiro


entre a conservação e a rnudança",­


10. No momento oriento a dissertaçào em B. So� et aI. (org.), Sociedade e
de mestrado de Lúcia Grinberg sobre a polilica 110 Brasil pds -64. São Paulo,
Arena, único trabalho que sei estar em Brasiliense.
curso sobre o assunto.
ANTUNES, Ricardo. 1991. 0 11000

11. O noriciário dos jornais nos meses silldicalismo. São Paulo, Brasil
de agosto e setembro (em insistido em
Urgente.
uma possível agregação de siglas tanto
à "direitt'" (o novo "PC", partido do ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. 1993.
"candidato" ou partido do " cargo" de GllCn-Q e paz: Casa Grande e Senzala
Paulo MaluO, quanto à "esquerda", e a obra de Gilberto Freyre nos anos
envolvendo líderes de várias 30. Rio de Janeiro, 34 I.etrns .
organizações, com destaque Leonel BaiTa JH., Annando (org.). 1991. O
Brizola. Aliada a essa "classificação" do sindicalismo brasileiro nos atlOS 80.
espectro ideológico, estaria a eliminação Rio de Janeiro, Paz e Terra.
de legendas, por numerosas e
mexpresslvas.
• •
BARROS, Roque Spencer Maael de.
1986 11 " ed. 19591. A ill/stração
12. Vários trabalhos de Oliveira Viana brasileira e a idéia de 1l1l.fvel'sidade.
seriam o melhor exemplo da primeira São Paulo, Convívio.
vertente de análise; inúmeros textos
i1ustrarial11 a segunda vertenre, já que BOSI, Alfredo. 1992. Dialética da
todas estas idéias estavam presentes e colonização. São Paulo, Cia das
dispersas em quase rudo o que se Letras.
escrevia sobre sindicatos até os anos BASTOS, E. e MOH.A,ES, J. Q. (orgs.).
1980. 1993. Opemamellto de Oliveira
13. Cabe mencionar também o trabalho Vian.na. São Paulo, Ed. Unicamp.
de S. Schwartzman, publicado primeiro BENEVIDES, Maria Vitória de Mesquita.
em 1 975 e depois em 1982. 1976. O gO/iemo Kubitscheilc
14. Seria tentador, mas perigoso, dese'lV6lvimenlo econômico e
acrescentar à bibliografia, ainda que estabilidade política. Rio de Janeiro,
resumidamente, uma amostra da Paz e Terra.
literatura que está sendo mencionada. 1981. A UDN e O udenismo..
..

Optamos, JXlr isso, por uma ou outra


_

ambigüidades do liberalismo
exemplificação: Araújo (993). Bastos e brasileiro (1945-1965). Rio de
Moraes (993). Janeiro, Paz e Terra.
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Paulo, Brasiliense .

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