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Cultura etc.
,
Nota: Estc lexto foi escrito p::Ir:I minha. PfI.>V<I d� aula no ("Qncurso público pa m professor Iitular de história
do Bmsil da Universidade Feder ... 1 FllImin�nsc. (C',i1i7.ado em 14 de dezembro de 1995. A bancJ era
composta pelos professores titulares Ronaldo Vainfas (presideme), Maria O<.Iila Leite cb Silva Di<ls, Hclga
Picmlo, Joana Pedro c Gilberto Velho.
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modo como de ciência política começa a circular no país. Isso só acontece mais
claramente, guardada a fluidez de toda fronteira, a partir dos anos 1960, tendo
a ver com a disseminação dos cursos de ciências sociais (graduação e
pós-graduação) nas universidades; com o aumento do interesse editorial pela
publicação de textos políticos; e também com os crescentes contatos entre
historiadores e cientistas sociais/políticos, que passam a sinali ..ar
para tais relações interdisciplinares e para o pensamento pobtlCü:-
brasileiro.
Embora possa parecer supérfluo, uma primeira observação a ser feita
diz respeito à própria relação da autora deste artigo com seu objeto de reflexão.
Isto porque tornou-se claro para mim a partir de certo momento nào localizável
,
das leituras empreendidas para a elaboração do artigo, que havia alguma dose
de minhas próprias vivências nas observações que vinham brotando da análise.
Dito de outra forma, esta autord é por formação básica uma historiadora que,
tendo-se dedicado desde meados dos anos 1970 à pesquisa da história política,
sentiu necessidade de aplicar-se teoricamente na área da ciência política para
empreender estudos que se definiam crescentemente por sua inserção no campo
do que veio a ser designado como "história do tempo presente".
Assim, a ótica por mim assumida é a do historiador com "dupla"
formação, ou seja, a do profissional que está comprometido com os impasses
contemporâneos da história - dentre os quais se destaca a afirmação de
cardcteristicas distintivas e constitutivas da disciplina ,
- mas que se recusa a
aceitar que o preço da singularidade possa .ser um maior estremecimento das
ligações amorosas e, em certa medida, perigosas entre história e ciências sociais. 2
Por esta razão, a estratégia escolhida para "construir" este texto parte
de uma série de opções - portanto, de exclusões - que devem ficar claras e que
têm a ver fundamentalmente com os temas da revitalização da história política,
do reconhecimento da história do tempo presente e das relaçqes de interdisci
J
plinaridade constitutivas de uma história política do tempo presente
No que se refere à história política: também no Brasil a tradição
historiográfica é fortemente marcada por uma produção de história político-ad
ministrativa, com o predonúnio de uma narrativa povoada de acontecimentos,
grandes vultos, batalhas etc. Em oposição a essa "velha" história, que se
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Oogo, uma classificação "política"), havendo bem menos interesse pela Repú
blica.
Nada de especial, por conseguinte, em relação ao que ocorria em outras
experiências historiográficas, como a francesa, que sempre foi de espedal
importância para a produção intelectual dos historiadores nadonais.
O que pode constituir uma primeira observação a flexibilizar tal
"evolução" é o reconhecimento de que, por uma ausência de trabalhos
sistemáticos de reflexão sobre a historiografia brasileira, e pela solidificação do
tipo de visão aama enunciada, acabamos por delinear uma tradição disciplinar
por demais homogênea e dominada pela "velha" história político-administrativa,
a partir da qual se definiu a estratégia de combate, renovação e af=ção dos
"novos'J estudos sociais e econôrnicos.
Isto teria ocorrido por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, porque
houve um obscurecimento das caracteristicas da produção histórica anterior,
sobretudo daquela pertencente às primeiras décadas da República e que, em
certo sentido, fundou o campo desse conhecimento no Brasil. Essa produção
foi globalmente imersa no epíteto de uma história política de eventos/ho
mens/datas, carente de interpretações que levassem em conta a situação
sócio-econômica do "fato" que se examinava. Estudos recentes sobre esses
autores e obras, embora pouco numerosos, têm demonstrado que os nossos
"historiadores clássicos" eram bem mais "sofisticados",. construíam seus textos
políticos recorrendo a fontes e metodologias diversificadas (arquivos privados,
material iconográfico etc.) e, prindpalmente, contextualizavam a questão que
examinavam na vida sooo-econômica do país, da região, da cidade. Além disso,
alguns desses textos possuíam, ao menos em panes significativas, características
de uma história do tempo presente, ou de uma história in'iediata, em que o autor
era um testemunho e/oLl um ator dos acontecimentos que analisava.
Em segundo lugar, porque é possível que essa ''velha'' história política,
sem dúvida existente e influente, estivesse mais presente nos cOll1pêndios
escolares, eles mesmos objeto de crítica desde os anos 1930, justamente por não
atraírem os estudantes devido a suas minúdas descritivas, enumerações cansa
tivas e escassez de idéias interpretativas. O convite a uma história dos fatos
econômicos e sociais do Brasil estava feito - inclusive pelas reformas ofidais do
ensino, a de Capanema, de 1942, com destaque -, independentemente das
razões e dos objetivos da rejeição da "velha" história política pela escola dos
Annales. Tal perspectiva, é interessante registrar, só iria se disseminar bem mais
tarde, guardando intrínsecos contatos com o crescimento das análises de
orientação teórica marxista já nos cursos universitários de história e dêndas
SOCiaiS.
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Pode-se pensar, desta forma, que a década de 1960 constitui como que
um ponto de inflexào cujos desdobramentos frutificam de forma plena nos anos
1970, e daí prosseguem num crescendo. São várias as razões que podem ser
citadas para justificar esta transformação ampla e significativa, muitas delas, não
por acaso, já arroladas em artigos que discutem especificamente a renovação
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história. O que se está indicando é que, nesta disciplina, o ritmo foi mais lento,
o que se traduziu por uma produção historiográfica mais tardia comparativa-
mente.
Tal fato, porém, não é tão surpreendente se consideramlos, por
exemplo, que na França textos clássicos para uma "nova" história e �ara uma
"nova" história politica datam de fms dos anos 1970 e inícios dos 80, e que o
Instirut d'Histoire du Temps Présent, em Paris, foi organizado em 1978, apesar
de suas origens serem anteriores.
O que se está pretendendo realizar neste artigo é, assim, apenas uma
E bem verdade que esta forte tradição intelectual pode ser pensada em
dois tempos. O prin1eiro sendo aquele dos pensadores autoritários clássicos,
como Oliveira Viana, Francisco Campos e Azevedo Amaral que, afirn13ndo o
amorfismo de nossa vida social e postulando o papel organizador do Estado,
propuseram a alternativa corporativista e/ou carismática, entendendo os pa·rti-
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ser alterados.
Desta forma, o eleitorado brasileiro estaria sendo instado a continuar
seu longo aprendizado sobre quais sào os partidos "disponíveis" para seu voto
e sobre o que eles representam em tennos de propostas políticas goveniamen-
•
?
organiza ores da sociedade serjam considerados mais conveníentes e desejáveis.
E bem verdade que as razões da defesa conjunta da solução alternativa,
quer fosse sindical quer não, eram inteiramente distintas nos argumentos
defendidos ao longo deste período, o que torna o ponto aínda mais ínstigante.
No primeiro caso, por exemplo, os síndicatos seriam wna organizaçào social '
básica, porque francamente despolitizados e submetidos à tutela estatal. No
segundo caso, exatamente porque politizados, mas continuando a permanecer
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afastados do jogo "sujo" da política profissional, vale dizer, dos partidos. Nos
dois casos, entretanto, os sindicatos possibilitariam a ruptura com as relações
clientelísticas, ainda que apenas potencialmente - por premissa teórica - e nào
necessariao1ente em nossa experiência histórica.
Ou seja, os sindicatos, enquanto organizações representativas da classe
trabalhadora, e"un os detentores da possibilidade de uma ação tI'llnsformadora
da realidade social, em distinçào e em oposição às virtual idades dos partidos
políticos. Para os teóricos do corporativismo dos anos 1930, ideólogos do Estado
Novo e do modelo sindical em parte até hoje vigente, porque os verdadeiros
interesses do povo manifestavam-se por meio de suas demandas profissionais,
canalizadas e reconhecidas legalmente pelo Estado, independentemente de
procedimentos liberais/eleitorais, vistos como espúrios. Para os teóricos de
"esquerda" dos anos 1950 e 60, porque os sindicatos eram, por definição, o lugar
das lideranças do proletariado, ator coletivo revolucionário por seu anticapitalis
mo e antiimperialismo. Contudo, o que se verificava, segundo a lógica . desta
última ótica, era que, por seus males de nascinlento - o vínculo com o
corporativismo - e por seus males de crescimento - o vínculo com o populismo
-, os sindicatos e a classe trabalhadora brasileira nào confirmavam as expectativas
da teoria, habitando O limbo da "falsa consciência" ou da "consciência possível".
Por isso, em sua trajetória, haviam alcançado alguma coerência apenas em
momentos específicos de um passado distante e pré-corporativisk� 12
Ao lado desta literall"'l, apenas como registro, produziu-se toda uma
série de textos de ensaios e memórias, de autoria de militantes do movimento
operário e sindicdl, que também tinham o propósito de explicar o grau de
consciência de classe dos trabalhadores. Neste caso, em geral, como seria de
esperar, destacavam-se as virtudes das lideranças envolvidas em lutas heróicas,
mal conhecidas e interpretadas.
Por conseguinte, foi com um conjunto numeroso e variado de textos,
que reU-<Itava a classe trabalhadora e o movimento sindical tanto em negativo
como em positivo, que os estudos políticos tiveram que dialogar, quando
começaram a ser mais sistematicamente produzidos a paltir dos anos 60.
O que se pode observar é que também se tratava de produzir uma
explicação para o comportamento político da classe trabalhadora, naquele
momento específico sob o inlpacto do golpe de 1964. A compreensão das
características históricas de nosso movinlento operário e sindical era crucial para
a produção de respostas que iluminassem sua presença/ausência nos aconteci
mentos do golpe, e que permitissem pensar wna "nova" alternativa de identi
dade operária no Brasil .
Já são conhecidas e clássicas as análises que situam a produção realizada
•
nos anos 1960 e inicios dos 70 (Viana, 1978 e 1984) e que distinguem
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Nào seria possível, contudo, mapear o campo dos esutdos políticos sem
fazer uma menção, ainda que muito breve, à revitalizaçào dos trabalhos sobre
o que em nossa tradição intelecrual é chamado de "pensamento político e social
brasileiro". De um lado, porque tal revitalização ocorreu in1pulsionada pelas
mesmas razões teórico-metodológicas que comandaram o "retorno" do político
e seu vínculo com o culrural. De outro, porque também foi a dramática questão
da compreensào do fenômeno do autoritarismo que exigiu tal esforço, não
casualmente acenruado na segunda metade dos anos 1970.
Como no caso dos esrudos sobre partidos políticos, o tema das "idéias"
políticas era razoavelmente bem secundário até os anos 1 960. Se os partidos
eranl "artificiais"l sobre o pensanlento social e político pairava dúvida ainda
mais profunda: haveria "rea lmente" um pensamento social e político " brasileiro"?
Tal interrogação carregava em si, como pano de fundo, uma certa
perspectiva marxista que entendia serem as "idéias" e o comportamento político
"reflexos" de realidades sócio-econômicas mais profundas.
Portanto, a produção intelecrual dos autores poderia ser entendida
como o "resultado" de suas origens de classe e/ou da manipulação/cooptaÇ"do
p
do poder estatal. Associada a tal visão, mas odendo-se real izar distinções
analíticas, estava a posrulação de que as "idéias políticas" no Brasil eram
"in1portadas" do exterior, razão pela qual ou elas estavam "fora do lugar", não
sendo operativas e produzindo equívocos; ou elas estavam "no lugar", cons
truindo uma justificativa um tanto maquiavélica de estratégia s de domina
çã% pressão política (de classe, do Estado etc.).
A estes elementos, suficientemente compartilhados, somava-se um
descrédito, alimentado durante os anos 1950 e inícios dos 60, em especial por
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Notas
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texto de 1976 é dos mais conhecidos e Dados, Rio de Janeiro, Campus, vaI.
utilizados. 24, nll 2.
11. O noriciário dos jornais nos meses silldicalismo. São Paulo, Brasil
de agosto e setembro (em insistido em
Urgente.
uma possível agregação de siglas tanto
à "direitt'" (o novo "PC", partido do ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. 1993.
"candidato" ou partido do " cargo" de GllCn-Q e paz: Casa Grande e Senzala
Paulo MaluO, quanto à "esquerda", e a obra de Gilberto Freyre nos anos
envolvendo líderes de várias 30. Rio de Janeiro, 34 I.etrns .
organizações, com destaque Leonel BaiTa JH., Annando (org.). 1991. O
Brizola. Aliada a essa "classificação" do sindicalismo brasileiro nos atlOS 80.
espectro ideológico, estaria a eliminação Rio de Janeiro, Paz e Terra.
de legendas, por numerosas e
mexpresslvas.
• •
BARROS, Roque Spencer Maael de.
1986 11 " ed. 19591. A ill/stração
12. Vários trabalhos de Oliveira Viana brasileira e a idéia de 1l1l.fvel'sidade.
seriam o melhor exemplo da primeira São Paulo, Convívio.
vertente de análise; inúmeros textos
i1ustrarial11 a segunda vertenre, já que BOSI, Alfredo. 1992. Dialética da
todas estas idéias estavam presentes e colonização. São Paulo, Cia das
dispersas em quase rudo o que se Letras.
escrevia sobre sindicatos até os anos BASTOS, E. e MOH.A,ES, J. Q. (orgs.).
1980. 1993. Opemamellto de Oliveira
13. Cabe mencionar também o trabalho Vian.na. São Paulo, Ed. Unicamp.
de S. Schwartzman, publicado primeiro BENEVIDES, Maria Vitória de Mesquita.
em 1 975 e depois em 1982. 1976. O gO/iemo Kubitscheilc
14. Seria tentador, mas perigoso, dese'lV6lvimenlo econômico e
acrescentar à bibliografia, ainda que estabilidade política. Rio de Janeiro,
resumidamente, uma amostra da Paz e Terra.
literatura que está sendo mencionada. 1981. A UDN e O udenismo..
..
ambigüidades do liberalismo
exemplificação: Araújo (993). Bastos e brasileiro (1945-1965). Rio de
Moraes (993). Janeiro, Paz e Terra.
_. 1989. O P/H e o trabalhismo. São
Paulo, Brasiliense .
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