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HISTÓRIA
GRADUAÇÃO
Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor Executivo de EAD
William Victor Kendrick de Matos Silva
Pró-Reitor de Ensino de EAD
Janes Fidélis Tomelin
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi
TEORIAS DA HISTÓRIA
CARO(A) ACADÊMICO(A)!
É com muita satisfação que apresento a você o livro que fará parte da disciplina de Te-
orias da História. Sou a professora Giselle Rodrigues e o preparei com muita dedicação
para que você conheça as principais concepções aplicadas à pesquisa e à construção
histórica.
Meu objetivo ao escrever esse livro foi o de discutir o que o historiador Marc Bloch deno-
minou de o “ofício do historiador”, na produção do conhecimento histórico, chamando
a atenção para os métodos, as técnicas e as práticas de pesquisa demonstradas pelas
usuais abordagens historiográficas nos últimos cento e cinquenta anos.
Para tanto, nas duas primeiras unidades do livro, discutiremos conceitos historiográficos
que permeiam o trabalho do historiador e a construção do conhecimento histórico, a
saber: o conceito de História; os fatos históricos e as fontes históricas; a noção de tempo
e de memória. Nas demais unidades, apresentaremos, em seus pressupostos teórico-
metodológicos, as mais conhecidas escolas históricas reveladas nos séculos XIX e XX.
Esse percurso que faremos possibilitará a você, acadêmico(a), compreender que a es-
crita da História, bem como o pensar crítico e reflexivo do historiador, envolve neces-
sariamente teorias. Desse modo, é fundamental estudar as diversas teorias que foram
elaboradas para analisar as múltiplas manifestações humanas ao longo do tempo.
Bom estudo!
Professora Giselle
09
SUMÁRIO
UNIDADE I
15 Introdução
26 Os Fatos Históricos
31 As Fontes Históricas
33 Considerações Finais
UNIDADE II
39 Introdução
53 Definição de Memória
56 Considerações Finais
SUMÁRIO
UNIDADE III
61 Introdução
77 Considerações Finais
UNIDADE IV
83 Introdução
UNIDADE V
115 Introdução
141 CONCLUSÃO
143 REFERÊNCIAS
Professora Me. Giselle Rodrigues
I
O CONCEITO DE HISTÓRIA
UNIDADE
E A FUNÇÃO DO
HISTORIADOR
Objetivos de Aprendizagem
■ Abordar o conceito de História, discutindo seus diversos sentidos.
■ Analisar o trabalho do historiador na produção do conhecimento
histórico.
■ Discorrer sobre os fatos históricos e as fontes históricas em diferentes
abordagens historiográficas, a fim de mostrar como elas atuam no
conceito de História e no ofício de historiador.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ O conceito de História e trabalho do historiador
■ Os fatos históricos
■ As fontes históricas
15
INTRODUÇÃO
Todavia, essa concepção de pesquisa nem sempre foi assim. Desde o momento
em que se fundamentou como disciplina e ciência – a partir da segunda metade
do século XIX – até as primeiras décadas do século XX, a História era entendida
como uma ciência objetiva, da mesma forma que as exatas, e, por isso, devia se des-
vencilhar das impressões de um presente recente e das interpretações subjetivas.
Nessa direção, o entendimento que o historiador tinha acerca da sua reali-
dade poderia, de forma alguma, interferir no exame do passado. A História era
entendida, portanto, como uma ciência neutra e não interpretativa. Cabia ao
historiador apenas narrar o que aconteceu, sem exprimir seus valores. Ao con-
trário, poderia comprometer a verdade dos fatos, assim como a objetividade
conquistada pela disciplina.
A partir do momento em que a História passou a ser reconhecida como uma
ciência subjetiva, no decorrer do século XX, muita coisa mudou na construção
histórica. Assim, os conceitos e métodos considerados inadequados cederam
lugar a novas ferramentas e objetos, porém, sem perder de vista as conquistas
do período anterior que imprimiram à História um caráter científico.
Nesta unidade, discutiremos as mudanças pelas quais passou a História, a par-
tir do momento em que angariou o status de ciência no século XIX. Nesse sentido,
traremos ao nosso estudo, algumas das concepções apresentadas por três grandes
correntes historiográficas: Escola Positivista, Escola Marxista e Escola dos Annales.
A discussão perpassa por essas correntes porque o objetivo principal desta
unidade é apresentar o conceito de História e o trabalho do historiador. Assim,
notar-se-á que cada abordagem apresenta uma visão peculiar sobre esses assun-
tos, conforme o contexto em que foram produzidos.
Introdução
I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
HISTORIADOR
A palavra “História”, conforme Marc Bloch (2001, p.51), é bastante antiga, pois
surgiu há mais de dois milênios. Por ser milenar, ao longo dos séculos, vários
estudiosos tentaram definir seu significado, na medida em que buscaram res-
ponder a pergunta “O que é História?”.
Na Antiguidade, o considerado Pai da História, Heródoto (484-425 a.C), ao
expor o objetivo principal de sua célebre obra, intitulada História, confirma o
sentido de “investigação” da palavra História:
Esta é a exposição das investigações de Heródoto de Halicarnasso, para
que os feitos dos homens não se desvaneçam com o tempo, nem fiquem
sem renome as grandes e maravilhosas empresas, realizadas quer pelos
Helenos, quer pelos Bárbaros; e, sobretudo, a razão porque entraram
em guerra uns com os outros (HERÓDOTO, 1994, p.53 apud PRIORI,
2010, p.12).
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essa diferença linguística, o termo bárbaro era empregado para se referir
aos povos considerados não gregos e não romanos. A partir das invasões
germânicas, nos primeiros séculos da era cristã, a palavra adquiriu o signi-
ficado de ferocidade, crueldade e desumanidade, tanto que a derivação do
latim barbarus é brabus, que significa enraivecido e colérico. Por outro lado,
bárbaro também passou a expressar o sentido de valoroso, corajoso e deste-
mido, em referência ao espírito guerreiro dos guerreiros bárbaros.
Disponível em: http://emdiacomalp.wordpress.com/2008/07/08/origem-da-
-palavra-%E2%80%9Cbarbaro%E2%80%9D/. Acesso em: 2 abr. 2014.
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“passado”. Em relação ao termo “homem”, observar-se-á, conforme Marc Bloch, na
obra Apologia da História ou o ofício de historiador (2001, p.54), que o objeto da
História é necessariamente o “homem”, ou melhor, os “homens”, no plural, já que
Por trás dos grandes vestígios sensíveis da paisagem, [os artefatos ou
máquinas], por trás dos escritos aparentemente mais insípidos e as ins-
tituições aparentemente mais desligadas daqueles que a criaram, são
os homens que a história quer capturar. Quem não conseguir isso será
apenas, no máximo, um serviçal da erudição. Já o bom historiador se
parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali
está a sua caça.
será que esse passado humano pode ser revisto de qualquer maneira? A res-
posta, mais uma vez, é não. Deve ser retomado de maneira científica, por meio
da investigação e pesquisa. Pelo contrário, a História seria fruto da imaginação;
um conto de fadas.
Portanto, a pesquisa científica acerca do “passado” dos “homens” implica na
adoção de um rigor metodológico e pressupostos teóricos bem definidos. Além
disso, “para fazer ciência (pesquisa científica) não basta apenas reunir aquilo
que já conhecemos e organizá-lo; é preciso buscar mais, descobrir aquilo que
não conhecemos” (PRIORI, 2010, p.13). Isso significa que o historiador, ao olhar
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tos são todos os vestígios que apresentam informações sobre as atividades humanas.
Desse modo, podem ser escritos ou não escritos (BOURDÉ; MARTIN, 2003).
Nessa direção, para a historiografia mais atual, todos os registros que se relacionam
às atividades humanas, e que permitem extrair informações, são considerados
documentos. Assim, além dos documentos escritos, são considerados materiais
de pesquisa para o historiador: vestígios arqueológicos, arquitetônicos, imagé-
ticos, sonoros, orais, e digitais; séries estatísticas etc. Contudo, “o historiador
precisa saber interpretar esses documentos. Formular as questões adequadas para
obter as repostas adequadas às suas perguntas” (PRIORI, 2010, p.17). Em suma, o
documento não fala por si mesmo. Fala apenas quando o historiador o trabalha.
Por essa atuação, podemos concluir que o historiador apresenta uma cumplici-
dade com seus objetos de pesquisa.
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cação de informações. Da enciclopédia ao atlas, passando pelo livro escolar,
todo discurso produzido com intenção de comunicar os elementos do sa-
ber disciplinar pertencem à esfera dos suportes informativos. Esses suportes
apresentam-se como informativos, descritivos, analíticos ou sintéticos. Por
oposição aos suportes informativos, definiremos como documentos, todo
conjunto de signos, visual ou textual, produzido numa perspectiva diferen-
te da comunicação de um saber disciplinar, mas utilizado com fim didático
– [...] os signos que não são reconhecidos como tais (documentos), senão
quando inseridos no quadro de uma problemática científica”.
Fonte: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar História.
São Paulo: Scipione, 2004.
Nada disso. De fato a História é subjetiva, pois não tem como seguir os mode-
los objetivos das ciências exatas, tendo em vista que não trabalha com objetos,
mas com homens. Nesse sentido:
Os fatos humanos são, por essência, fenômenos muito delicados, entre
os quais muitos escapam à medida matemática. Para bem traduzi-los,
portanto para bem penetrá-los (pois será que se compreende alguma
vez perfeitamente o que não se sabe dizer?), uma grande finesse de lin-
guagem, (uma cor correta no tom verbal) são necessárias. Onde calcu-
lar é impossível, impõe-se sugerir (BLOCH, 2001, p.54-55).
nos, a História não deixa de ser uma ciência, tendo em vista que essas explicações
não decorrem da pura imaginação do historiador, mas de uma análise detida
sobre os documentos. Essa análise envolve um modelo teórico e metodológico
bem definido, como discutiremos nas três últimas unidades.
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cumprida: observar, analisar a paisagem de hoje (BLOCH, 2001, p.67).
OS FATOS HISTÓRICOS
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Voltando à perspectiva positivista, se os fatos
falavam por si, o papel do historiador não
era explicá-los, mas reuni-los e organizá-los, segundo um processo minucioso
e desprendido de julgamentos. A união entre os fatos, organizados cronologi-
camente, possibilitava a explicação histórica.
Deste modo a construção histórica deve fazer-se com uma massa inco-
erente de pequeninos fatos, uma espécie de poeira de conhecimentos
pormenorizados. Esta massa se constitui de materiais heterogêneos,
que diferem por seu objeto, sua situação, seu grau de generalidade ou
de certeza. Para classificá-los, a prática dos historiadores não conse-
guiu estabelecer um método próprio; a história, nascida de um gênero
literário, continua a ser a menos metódica das ciências (LANGLOIS;
SEIGNOBOS, 1946, p.150).
Os Fatos Históricos
I
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Os fatos estão disponíveis para o historiador nos documentos, os quais,
como vimos, podem ser de várias espécies (imagéticos, escritos, esculturais,
arquitetônicos, orais, sonoros, digitais, estatísticos, arqueológicos etc). No
entanto, para os positivistas, os fatos poderiam ser encontrados apenas nos
documentos escritos.
Fonte: BOURDÉ, Guy; MARTIN, Hervé. As escolas históricas. 2. ed. Lisboa:
Publicações Europa-América, 2003.
Os Fatos Históricos
Para Croce toda interpretação produzida
pelo historiador acerca dos fatos é con-
temporânea porque “por muito distan-
tes que pareçam cronologicamente os
fatos por ela referidos, a história se rela-
ciona sempre com a necessidade e a si-
tuação presente, nas quais aqueles fatos
propagam suas vibrações. Assim, se eu,
decidindo-me ou recusando-me a um
ato de expiação, me recolho mentalmen-
te para compreender o que seja – isto é,
como tenha sido formado e transforma-
do – este intuito ou sentimento [...] são
parte do drama presente de minha alma
neste momento e, fazendo expressa ou
subentendidamente a sua história, faço
a da situação em que me encontro”.
Fonte: CROCE, Benedetto. A História:
pensamento e ação. Trad. Darcy Damas-
ceno. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar Edito-
res, 1962, p.14-15.
Benedetto Croce. Filósofo, historiador e político Italiano, que viveu entre 1866 e 1852.
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Benedetto_Croce>.
31
Mas, se o historiador analisa os fatos segundo sua concepção de vida, assim como
a pessoa que os registrou, também expressa uma visão de um mundo. Assim,
poder-se-ia imaginar que os fatos não são apresentados de maneira pura, como
diziam os positivistas. Nesse caso, revelam-se de maneira transformada, pois:
Os fatos da história nunca chegam a nós ‘puros’, desde que eles não
existem nem podem existir numa forma pura: eles são sempre refra-
tados através da mente do registrador. Como conseqüência, quando
pegamos um trabalho de história, nossa primeira preocupação não
deveria ser com os fatos que ele contém, mas com o historiador que o
escreveu (CARR, 2006, p.58).
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AS FONTES HISTÓRICAS
As Fontes Históricas
I
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rumo, a partir da consideração de novas fontes, ligadas às atividades econômi-
cas e sociais, bem como interpretação dessas fontes. Assim,
Sob a influência desses parâmetros, desenvolveram-se os estudos de
Economia e Sociologia, voltando-se à coleta e interpretação de fontes
– antes focadas na área política e na atuação de grandes personagens
– para documentos sobre atividades econômicas, devassando-se car-
tórios, processos judiciais, censos, contratos de trabalho, movimento
de portos, abastecimento e outros e cunho coletivo e reivindicatório
(JANOTTI, In: PINSKY, 2005, p.11).
Notar-se-á que a Escola dos Annales – também conhecida nas últimas décadas
como “História Nova”, por se contrapor à História Positivista tida como tradi-
cional – ampliou imensamente o campo documental, ao valorizar diversos tipos
de fontes, não necessariamente baseadas em textos escritos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações Finais
1. Conforme a discussão apresentada no primeiro tópico desta unidade, intitulado:
O conceito de História e Trabalho de Historiador, liste as várias definições da
palavra HISTÓRIA.
2. Ainda de acordo com o primeiro tópico da unidade, redija um texto de 15 a 20
linhas, considerando o trabalho de historiador.
3. Segundo a discussão efetuada nos dois últimos tópicos desta unidade, estabe-
leça um contraponto entre a concepção positivista e analista (em referência
a Escola dos Annales) sobre fato histórico e fontes históricas.
MATERIAL COMPLEMENTAR
Apologia da história
Marc Bloch
Editora:Zahar
Sinopse: Apologia da História, ou o ofício de historiador,
foi produzida por Marc Bloch antes de ser fuzilado pelos
nazistas, no contexto da Segunda Guerra Mundial, em
1944. Mesmo inacabada, a obra em questão foi publicada
pela primeira vez em 1949, pelo historiador e amigo Lucien
Febvre. Nela, Bloch evidencia os encaminhamentos
teóricos e metodológicos da escrita da História,
segundo a perspectiva da Escola dos Annales,
corrente historiográfica a qual ele e Lucien Febrve
haviam iniciado no final da década de 1929 e que tinha
como propósito fazer oposição às técnicas tradicionais
demonstradas pela Escola Positivista.
Que É História ?
Edward H. Carr
Editora:Paz e Terra
Sinopse: Nesta obra, o historiador Edward H. Carr
(1892-1982) também discute o ofício de historiador,
a partir da apresentação das grandes questões
teóricas e metodológicas que norteiam a escrita da
História, segundo o paradigma historiográfico do
Marxismo.
Material Complementar
Professora Me. Giselle Rodrigues
O TEMPO E A MEMÓRIA NA
II
UNIDADE
PRODUÇÃO HISTÓRICA
Objetivos de Aprendizagem
■ Discutir o conceito e representação do tempo, abordando sua
importância na escrita da História.
■ Compreender a problemática do tempo nos diferentes paradigmas
do conhecimento.
■ Definir o conceito de memória, bem como seu emprego na pesquisa
histórica.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ A importância e a definição de tempo histórico
■ A representação simbólica e coercitiva do tempo: o relógio e o
calendário
■ A noção de tempo nos diferentes paradigmas
■ Definição de memória
■ Relação entre história e memória
39
INTRODUÇÃO
Introdução
II
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A IMPORTÂNCIA E A DEFINIÇÃO DE TEMPO
HISTÓRICO
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Não podemos perder de vista, contudo, que, nesse período histórico, a sociedade
caminhava para um processo de desenvolvimento industrial e capitalista. Desse
modo, era extremamente concebível que as concepções de tempo baseadas em
elementos da natureza, que ainda perduravam, fossem desfeitas em favor de um
tempo cronometrado e voltado à produção de mercadorias.
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Buscou-se, então, a partir desse momento, um tempo que aplicasse uma disci-
plina do trabalho e exercesse sobre o ser humano o poder coercitivo, advindo da
sociedade capitalista, isto é, das pressões por uma maior produtividade. Segundo
Elias (1998, p.13-14), o indivíduo seria levado, desde criança, a se enquadrar a
este modelo.
Notar-se-á que, para Elias (1998), o tempo introduzido pela modernidade não
provém de um processo de aprendizagem elaborado socialmente, mas de uma
dinâmica imposta por uma sociedade coercitiva – ou melhor, por um mercado
de trabalho – que exige do sujeito uma autodisciplina. Quando esse sujeito destoa
desse modelo, é considerado pela sociedade que o rodeia como um desajustado.
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encarado como eterno. Nesse sentido, o tempo existia segundo um movimento
circular, o qual passava por estágios sucessivos que se repetiam com constân-
cia, como no ciclo da vida.
Esse entendimento sobre o tempo pode ser observado, segundo José Carlos
Reis (1998), no pensamento mítico, poético e filosófico grego, cujas reflexões –
sobre a ética, a estética, a política e as coisas humanas – estiveram voltadas às
ideias eternas e aos movimentos regulares e sucessivos.
Em Zanirato (1999, p.91-92), notamos que esse pensamento aparece em
Aristóteles, pois ao discutir a física dos corpos, esse filósofo acreditava que o
tempo era um contínuo que não poderia ser desvencilhado da história. Assim:
Para Aristóteles o Universo é único e finito, eterno, seu movimento é
circular, é passagem em atos sucessivos. Não tem início, meio ou fim.
O tempo também se coloca nessa concepção, é eterno, isto é, existe
sempre, e as coisas é que são temporais, havendo um tempo para cada
gênero ou espécie. Cada ser tem um tempo: nascimento, desenvolvi-
mento e morte (ZANIRATO, 1999, p.92).
Aristóteles (384 – 322 a.C.) foi um filósofo. Seus pensamentos filosóficos e ideias
se relacionam a diversas áreas do conhecimento (como a física, a matemática,
a retórica, a ética, a biologia e a zoologia) e causam influências significativas na
educação e no pensamento ocidental contemporâneo. É tido como criador do
pensamento lógico, bem como da filosofia ocidental.
Conforme a autora, essa visão aristotélica de tempo circular e eterno foi supe-
rada com o surgimento de novas concepções embasadas nos escritos bíblicos.
Tais concepções, que se denominam de judaico-cristãs, viam o tempo de maneira
singular, linear e progressivo, uma vez que havia data exata para começar (cria-
ção divina) e data certa para acabar (juízo final).
Influenciados por essa forma de pensar, o tempo e a
história passaram a ser vistos como uma sucessão iniciada
com a criação Divina e predestinada a terminar como o
Juízo final. Traçou-se uma linha voltada para frente, o
tempo tornou-se linear e progressivo, seu movimento
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Esse modo de ver o tempo foi bastante comum na Idade Média, tendo em vista
que, nesse período, a sociedade conservou, conforme o historiador da arte
Arnold Hauser (1995), um caráter espiritual e religioso. Seguindo essa perspec-
tiva, o filósofo e teólogo medievalista Santo Agostinho acreditava, conforme
Zanirato (1999), que o tempo era estabelecido por Deus, pois o universo havia
sido criado por ele.
Essa noção de tempo finalista religioso, que sinalizava a criação e o fim dos
tempos, foi sendo superada com o Renascimento. Esse movimento científico,
cultural, artístico e filosófico – ocorrido na transição do período medieval para o
período moderno – provocou mudanças significativas
no campo do conhecimento, a partir dos princípios
do racionalismo e cientificismo.
Todavia, para Hauser (1995), é importante res-
saltar que as descobertas do Renascimento já vinham
sendo ensaiadas desde a Idade Média. Desse modo, o
que o movimento fez foi apenas avançar, de maneira
empírica, em relação aos aspectos que vinham sendo
desenvolvidos nos períodos anteriores, sobretudo,
a partir dos séculos XI e XII, quando a sociedade e
a vida econômica passaram a se emancipar dos gri-
lhões do dogma eclesiástico.
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O paradigma positivista, surgido no século XIX, é um forte expoente dessa
crença de que a racionalidade e cientificidade, advindas do homem, superam
a providência divina na problemática do tempo, como podemos notar em José
Carlos Reis (1994, p.93):
No século XIX, portanto, a filosofia e sua influência espiritual, seu tem-
po da alma ou da consciência, começaram a recuar em relação ao avan-
ço da influência do tempo da física sobre o vivido e o conhecimento
das sociedades. O tempo da ciência começou a se impor ao tempo da
consciência.
Vejamos como as questões que abordamos acima aparecem de maneira bastante escla-
recedora em um extrato da obra de José Carlos Reis.
“O tempo do conhecimento reflete, em geral, o tempo vivido embora nem sempre coin-
cida com ele. Antes do século XIX, o vivido histórico e seu conhecimento foram marca-
dos pelo tempo da ‘alma’, por um tempo ou mitológico, ou teológico, ou filosófico. As
sociedades míticas, religiosas ou ‘racionalistas’ elaboraram uma forma de conhecimento
histórico que tinha como base um tempo mítico, religioso e filosófico. O tempo vivido
era pensado com conceitos como Deus, alma, graça, rei, milagres, salvação, fim do mun-
do, mal/bem, quando a sociedade era religiosa; quando era racionalista, o tempo vivi-
do era pensado com conceitos como espírito, liberdade, história, ação intensão, justiça,
fases, emancipação, sujeito, homem, etc. Para essas sociedades e modos de saber do
humano, o tempo natural, se é importante, não é determinante. A história humana não
é inscrita no tempo cósmico, mas na história divina ou racional, em que o tempo cósmi-
co ganha um sentido cultural. Convivendo com esses tempos, começou a preocupação
com a datação rigorosa, na Renascença, que perde de vista o lado da alma e da cultura.
O esforço dos ‘eruditos’ de então era o de adequar a história ao calendário. Esse esforço
foi prosseguido pelos ‘positivistas’, no século XIX.
Nesse século, aliás, o tempo físico se impôs sobre todo conhecimento da sociedade. A
filosofia e sua influência espiritual começaram a recuar em relação ao avanço do tempo
da física sobre o conhecimento humano. O ‘tempo da ciência’ começava a se impor ao
tempo da ‘consciência’”.
Fonte: REIS, José Carlos. Tempo, História e Evasão. Campinas: Papirus, 1994, p.87-88.
II
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O TEMPO MÚLTIPLO
Na obra intitulada História e Ciências Sociais (1990), Braudel aborda que a expli-
cação acerca dos acontecimentos humanos, ou melhor, a escrita da História, se
desenvolve em uma tripla duração de tempo: curta duração, média duração e
longa duração.
A curta duração é o tempo do acontecimento, das datas, para as quais se
busca apenas a narração dramática e ruidosa, sem atentar-se ao estudo das suas
motivações e significações. Para nosso autor em questão, esse tempo é ilusório,
porque é passageiro, por isso é próprio dos jornalistas e cronistas.No entanto, a
história tradicional ou positivista explicava a história dos homens na curta dura-
ção, mediante a reunião de fatos que mantinham alguma significância entre si.
Acreditava-se que a narração desses fatos organizados cronologicamente, de
maneira linear, esclarecia o passado. Para Braudel (1990, p.11), entretanto, a sim-
ples narração dos fatos não dava conta de explicar as ações dos homens, tendo
em vista que:
O passado é, pois, constituído, numa primeira apreensão, por esta mas-
sa de pequenos factos, uns resplandecentes, outros obscuros e indefini-
damente repetidos; [...]. Mas esta massa não constitui toda a realidade,
toda a espessura da história, sobre a qual a reflexão científica pode tra-
balhar à vontade.
Nesta direção,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A ciência social tem quase o horror do acontecimento. Não sem razão:
o tempo breve é a mais caprichosa, a mais enganadora das durações
(BRAUDEL, 1990, p.11).
Essa ideia de que a curta duração é enganosa aparece em Alfredo Bosi (1992).
Para ele, as datas são apenas pontos de orientação, como as pontas de icebergs
que, quando entendidas de maneira isolada, nada significavam. Para compreen-
dê-las, é preciso mergulhar nas profundezas de sua atividade processual. Assim:
A data é, nessa perspectiva, um número-índice, o elo mais ostensivo de
uma cadeia dotada de sentido. 1492: Colombo chega às ilhas do Caribe,
o que significa um momento alto da expansão da cultura européia e do
catolicismo, de que o Novo Mundo seria continuador. 1792: Tiradentes
é enforcado após uma abortada conspiração anticolonial; hora cruel,
sem dúvida, mas prenunciadora de uma nova nacionalidade, o Brasil,
que trinta anos mais tarde se destacaria de Portugal por obra de um
príncipe, Pedro, neto daquela mesma dona Maria que ordenara o sa-
crifício dos inconfidentes. 1822: faz sentido como o que veio depois de
1792. O antes é a semente, o germe, a raiz do depois (BOSI, 1992, p.21).
Dentro dessa tripla duração sugerida por Braudel (1990), notamos que o tempo
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DEFINIÇÃO DE MEMÓRIA
Definição de Memória
II
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passadas”.
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Mas de que maneira é possível esclarecer as memórias? Uma das respostas
mais recorrentes na historiografia contemporânea é: confrontar as memórias
com outros documentos.
A análise de outros tipos de fontes permite verificar se as informações con-
tidas nas memórias procedem. Segundo Moreira (2011, p.3), o exame desses
documentos propicia aos historiadores elaborarem uma crítica da reminiscên-
cia, ou seja, das lembranças.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tempo e História
José Carlos Reis (org). Vários autores
Editora: Qualquer
Sinopse: Nesta obra, organizada por José Carlos Reis,
é apresentada ao leitor textos de diversos autores que
apresentam em comum a preocupação em discutir a questão
do tempo. Nota-se, nestas construções, que a problemática do
tempo é vista como uma constante, cuja construção se articula
às ações humanas, que ocorrem segundo uma configuração
social, política, intelectual, etc.
AS ESCOLAS HISTÓRICAS: O
III
UNIDADE
POSITIVISMO
Objetivos de Aprendizagem
■ Discutir o desenvolvimento do paradigma historiográfico do
positivismo, destacando sua origem e características gerais.
■ Discutir as regras metodológicas elaboradas pelos positivistas para
fazer da História uma ciência.
■ Debater o modo como se processa o conhecimento histórico,
segundo os positivistas.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ O surgimento da Escola Positivista
■ As características gerais da Escola Positivista
■ Langlois e Seignobos e o método de pesquisa em História
■ A crítica dos documentos e o rigor metodológico
■ O modo como se processa o conhecimento histórico: as operações
sintéticas
61
INTRODUÇÃO
Introdução
III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O SURGIMENTO DA ESCOLA POSITIVISTA
©wikipedia
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
das do século XIX, pois sua tese representou um divisor de águas na produção
histórica, em relação às técnicas de investigação, coleta e utilização das fontes.
Resumidamente, conforme Schaff (1983, p.102), a tese de Ranke se revelava da
seguinte forma: não há nenhuma interdependência entre o historiador e seus
objetos de estudo. O historiador estuda os acontecimentos de maneira mecani-
cista, segundo uma interpretação
passiva e contemplativa, ao apre-
sentar os acontecimentos, ele
deve fugir das emoções, fobias
e predileções, enfim de todo tipo
de condicionamento.
Em suma, para Schaff (1983,
p.102-103,), a produção histó-
rica de Ranke surgiu da junção
de “um número suficiente de
fatos bem documentados, dos
quais nasce espontaneamente a
ciência da história”.
Leopold von Ranke nasceu na Prússia, dor diante do material com que trabalha.
no final do século XVIII (1795), e viveu Ranke tentou, tanto quanto possível, eli-
praticamente todo o século XIX (1886). minar os pontos de vista pessoais que
Seu pensamento caracterizou-se pela poderiam desfigurar o ‘verdadeiro’ con-
busca da objetividade e da aplicação do teúdo da história. A fórmula empregada
método histórico na investigação dos para garantir essa neutralidade foi a de
fenômenos sociais. A chamada história fundar os estudos das questões sociais
científica, divulgada por Ranke, tinha sobre métodos rigorosamente científicos.
como bases principais a neutralidade Os estudos históricos sob a perspectiva
científica, a objetividade e a fidelidade de Ranke diferenciam-se dos estudos filo-
aos documentos. Seu desejo, ao estudar a sóficos por serem a “ciência do único” e
história, era o de “mostrar” o passado sem terem como base a observação dos fatos,
sucumbir às paixões terrenas. Foi grande enquanto a filosofia se ocupa de abstra-
a influência desse pensador alemão sobre ções e generalizações.
a historiografia européia. Encontra-se, em
suas idéias, a maior parte dos pressupos- Fonte: FAUSTINO, Rosângela Célia;
tos de Charles Langlois, Ernest Lavisse, GASPARIN, João Luiz. A influência do
Charles Seignobos, Fustel de Coulanges - positivismo e do historicismo na edu-
professores de história e autores de vários cação e no ensino de história. In: Acta
livros destinados ao ensino dessa disci- Scientiarum. Maringá, 23(1):157-166,
plina - cujas premissas correspondem à 2001. Disponível em: <http://periodicos.
recusa de toda reflexão teórica, à redução uem.br/ojs/index.php/ActaSciHuman-
do papel da História, à coleta de fatos e SocSci/article/view/2765/1896>. Acesso
à afirmação da passividade do historia- em: 12 mar. 2014.
III
A tese desse historiador alemão serviu de base para que outros autores, contempo-
râneos ao século XIX, pensassem a escrita da História. Entre eles, destacar-se-iam
Langlois e Seignobos, autores que trataremos mais adiante.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Vimos que, ao longo do século XIX, os trabalhos históricos buscaram se des-
vencilhar das concepções filosóficas, tendo em vista que a História ansiava por
ser uma ciência empírica, amparada na observação e experimentação, tais quais
as ciências exatas.
Nesse sentido, os positivistas, a exemplo de Fustel de Coulanges, acredi-
tavam que a História era uma ciência pura e, por isso, deveria ser vista com
exatidão, ou seja, mediante a observação minuciosa dos textos com o propó-
sito de estudar apenas suas causas determinantes. Assim, “tal como o químico
ou o naturalista, não tem que investigar a causa primeira ou as causas finais”
(BOURDÉ; MARTIN, 2003, p.102).
Se do ponto de vista positivista a História
deveria ser tratada como uma ciência exata,
sua compreensão não se vincularia à inter-
pretação e análise dos fatos (que expressam
os atos dos homens, os costumes gerais de
um povo, a história dos países etc.), mas na
observação e narração desses, uma vez que
ao interpretar o acontecimento, o historiador
poderia mudar o verdadeiro curso do pas-
sado, retomando a perspectiva da Filosofia.
Esse era um risco que os positivistas não que-
riam correr. Desse modo,
shutterstock
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Deste modo a construção histórica deve fazer-se com uma massa inco-
erente de pequeninos fatos, uma espécie de poeira de conhecimentos
pormenorizados. Esta massa se constitui de materiais heterogêneos,
que diferem por seu objeto, sua situação, seu grau de generalidade ou
de certeza (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1946, p.150).
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ficaram “o método científico aplicado ao estudo da história”.
Como vimos, a época em que os historiadores positivistas desenvolveram suas
ideias foi marcada pela luta da História para se transformar em ciência. Segundo essa
constante, a História precisava de métodos científicos, os quais pudessem ser verifi-
cados e comprovados. Esse era o único caminho para se distanciar das concepções
metafísicas e filosóficas, que deram a ela o estigma de construção literária. Assim,
Os historiadores do século XIX deveriam associar, com um desprezo
condescendente, o qualitativo de ‘literária’ a esta forma de história,
opondo-se à nova forma, que se empenhavam em definir: a forma cien-
tífica (GLÉNISSON 1977, p.20).
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tratavam dos eventos ligados ao Estado.
A história, tal como é entendida no século XIX – a história organizada
no quadro dos Estados, como a quer Ranke – é, antes de tudo, uma
história política: a dos reinados, guerras, negociações diplomáticas, das
perturbações causadas pelas revoluções na ordem dos governos (GLÉ-
NISSON 1977, p.22).
ele, até ao manuscrito (ou ao impresso), que temos hoje diante dos
olhos. Esta cadeia, tomamo-la em sentido inverso, começando pela ins-
peção do manuscrito (ou do impresso), para chegarmos ao fato antigo.
Tais são o fim e a marcha da análise crítica (LANGLOIS; SEIGNOBOS,
1946, p.46).
Essa inspeção a que Langlois e Seignobos se referem dizia respeito à crítica externa
aos documentos, a qual consistia nos trabalhos preliminares que o historiador
estabelecia, após ter selecionado os vestígios do passado a que pretendia estu-
dar. Tais trabalhos se referiam ao estudo “da escrita, da língua, das formas das
fontes, etc”, bem como na análise de procedência para verificar o local de origem
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dos documentos, seu autor, sua data de produção, enfim seu valor (LANGLOIS;
SEIGNOBOS, 1946, p.46). E síntese, a crítica externa consistia no levantamento
das características físicas do documento.
Selecionados os documentos, feita a crítica externa acerca deles e, também,
a análise de procedência, o terceiro passo da construção do conhecimento histó-
rico, segundo os historiadores positivistas, era a crítica interna dos documentos,
a qual tinha “por objeto discernir nos documentos o que pode ser aceito como
verdadeiro” (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1946, p.100).
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língua demonstra significações que variam de acordo com o tempo.
A língua se transforma por um envolver contínuo. Cada época tem sua
língua própria que deve ser tratada como um sistema especial de sinais
(LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1946, p.104).
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ções, tais como:
a) Entendimento de que a análise de documento e o raciocínio construtivo
eram coisas diferentes.
b) Os fatos extraídos do exame dos documentos não eram iguais aos resul-
tados de um raciocínio. O historiador não devia misturar essas duas faculdades.
c) O raciocínio não devia ser inconsciente.
d) O raciocínio não devia deixar qualquer sombra de dúvida.
4ª) A partir das operações citadas – imaginação, classificação e formação
de um raciocínio acerca dos fatos – sobressaía a quarta e última operação, que
buscava aglutinar todo o trabalho anteriormente executado em fórmulas, afim
de destacar-lhe as características gerais e suas relações. Esse processo final “nos
conduz às conclusões últimas da história e coroa
a construção histórica do ponto de vista cientí-
fico” (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1946, p.160).
Apesar de a História seguir a mesma
orientação das outras ciências, na elabora-
ção de perguntas e de respostas metódicas,
em relação ao material evidenciado, ela, con-
tudo, por ser uma ciência distinta da Biologia
ou Matemática, por exemplo, requeria um
método próprio, o qual se relacionava ao fato
estudado.
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A análise histórica não é mais real que o ato de ver os fatos históricos;
é um simples processo abstrato, uma operação puramente intelectu-
al. A análise de um documento consiste em procurar mentalmente as
informações nele contidas, para criticá-las uma por uma. A análise de
um fato consiste em distinguir mentalmente os diferentes pormenores
dêsse fato (episódios de um acontecimento, característicos de uma ins-
tituição) para fixar sucessivamente a atenção em cada um dêstes por-
menores; dizemos que esta operação consiste em examinar os diversos
aspectos de um fato (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1946, p.152).
Como se nota, para os positivistas, a História era uma ciência bastante complexa
e, por isso, exigia uma série de operações metodológicas particulares. A partir
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações Finais
1. Produza um texto dissertativo sobre o surgimento do paradigma historiográ-
fico do Positivismo, chamando a atenção para a crítica que os metódicos fizeram
em relação à Filosofia da história.
2. Compreendido o conceito de Positivismo, agora, é preciso caracterizá-lo. Assim,
de acordo com o segundo tópico desta unidade, enumere as características
gerais da Escola Positivista.
3. No penúltimo tópico desta unidade, debatemos o modo como os positivistas
estudam os documentos. Segundo esse debate, descreva a crítica efetuada
pelos positivistas em relação aos documentos.
MATERIAL COMPLEMENTAR
Material Complementar
Professora Me. Giselle Rodrigues
AS ESCOLAS HISTÓRICAS –
IV
UNIDADE
O MARXISMO
Objetivos de Aprendizagem
■ Discutir o desenvolvimento do paradigma historiográfico do
Marxismo, destacando sua origem e características gerais.
■ Apresentar quem foi Karl Marx e quais foram suas contribuições ao
conhecimento histórico.
■ Apresentar o materialismo histórico, discutindo sua aplicação à
produção historiográfica.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Os princípios da Escola Marxista e suas características gerais
■ Quem foi Karl Marx
■ O materialismo histórico e a produção historiográfica
83
INTRODUÇÃO
Introdução
IV
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
OS PRINCÍPIOS DA ESCOLA MARXISTA E SUAS
CARACTERÍSTICAS GERAIS
total modificação do caminho que vinha sendo percorrido pelas idéias socialis-
tas” (SPINDEL, 1986, p.29).
Os trabalhos desenvolvidos por Marx foram feitos no século XIX, sobretudo,
a partir de 1840, em um contexto europeu marcado por profundas transforma-
ções de ordem econômica, social, científica e tecnológica.
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É certo que o Positivismo, a partir dos pressupostos de Leopold Von Ranke, foi
pertinente às ciências humanas, por ter sido a primeira escola a criar uma meto-
dologia de pesquisa em História, ao introduzir regras, métodos e conceitos ao
trabalho do historiador. Para Eric Hobsbawm (1998), essas realizações não foram
insignificantes, porém, foram limitadas, já que
os positivistas propuseram criar uma linha
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
de evolução para explicar os acontecimen-
tos humanos e transformações históricas nos
moldes das ciências exatas.
O pensamento hegeliano, por sua vez,
partia do princípio de que as ideias que
moviam a realidade eram formuladas pelo
espírito humano, o qual governava o mundo
e motivava transformações na natureza das
coisas, ou seja, na ordem social, econômica,
política e cultural.
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Karl Marx, apesar de ter sido formado na escola hegeliana, opostamente, acre-
ditava que as ideias que moviam e transformavam a realidade, como políticas e
jurídicas, não partiam do espírito humano, mas da atividade prática do homem
na produção de bens materiais e de consumo. Assim, seu pensamento contra-
riava o de Hegel, por supor que as transformações não aconteciam de cima para
baixo, mas de baixo para cima, ou seja, na base econômica e social.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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ideias posteriormente à sua morte. É nesse sentido que Eric Hobsbawm (1998)
discute, como veremos mais adiante, que muitas interpretações que são atribu-
ídas ao marxismo não se referem ao pensamento real de Marx.
Podemos ainda supor que, no momento histórico em que Marx propôs que
a mudança da ordem econômica, política e social, do contexto do século XIX,
dependia das transformações das relações de trabalho, possivelmente, tenha
causado um choque social. Por um lado, a burguesia industrial, a qual detinha
os meios de produção (capitais, máquinas, fontes de energia e matérias-primas)
seria prejudicada. Do outro lado, os operários, que tinham em posse apenas a
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força de trabalho, possivelmente, visualizaram essas novas ideias com descon-
fiança, pois estavam ainda se acostumando com o processo industrial, o qual já
havia modificado seus modos de vida, para alguns autores de maneira positiva
e outros de maneira negativa.
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Van Gogh. Os comedores de Batatas, 1885.
REPRESENTANTES
Socialismo - Tinha como intenção descrever detalha- Saint Simon
Utópico damente a vida social, como os padrões de (1760-1825)
reprodução, a organização familiar, a alimen-
Charles Fourier
tação e o vestuário dos membros da comuni-
dade. (1772-1837)
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- Exigia, também, “mudanças radicais na Robert Owen
economia e nas relações de propriedade da (1771-1858)
sociedade existente” (VINCENT, 1995, p.100).
Socialismo - Constitui uma poderosa Interpretação histó- Karl Marx
Revolucionário rica das sociedades. (1818-1883)
- Revela que as condições materiais e eco- Friedrich Engels
nômicas de produção formam a base das
(1820-1895)
sociedades e são responsáveis pela consti-
tuição das instituições jurídicas, políticas e
ideológicas.
- Aborda, também, o conceito de Luta de
Classes.
Socialismo - Repudia e reexamina o marxismo. Eduard
Reformista - Defende a democracia gradual e a reforma Bernstein
constitucional como caminhos para o socia- (1850-1932)
lismo, bem como a utilização do Estado no
Fabianos
alcance dos objetivos, tais como: igualdade e
justiça social. (final do século
XIX)
- Afirma que o sistema capitalismo é ruinoso,
ineficaz e não imoral. Socialismo Cros-
londita Britânico
(após 1950)
Fonte: a autora.
Karl Marx foi um intelectual alemão que nasceu em 5 de maio de 1818, na cidade
de Trier, também denominada de Trèveris, localizada na capital da província
alemã do Reno – Renânia. Faleceu em 14 de março de 1883, em Londres.
Existem poucas informações sobre seu passado. Sabe-se apenas que seu pai,
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a Universidade de Berlim, onde se aproximou da Filosofia, a fim de estudar a
filosofia de Hegel.
Nesse momento, segundo Giannotti (1996, p.6), Marx se reaproximou de
sua amiga de infância, Jenny von Westphalen, e “ficou noivo dessa jovem de rara
beleza e alta posição social”. Porém, como a condição social entre os noivos era
bastante díspar, o casamento somente foi realizado oito anos mais tarde. Nota-se
que essa união foi amigável, apesar do casal ter sofrido muitas privações, prin-
cipalmente Jenny, que estava acostumada com fartura.
Se na vida pessoal Marx enfrentou dificuldades, principalmente financei-
ras, no campo profissional, nota-se que teve uma carreira bastante promissora.
Em 1841, defendeu sua tese de doutorado em Filosofia, relacionada ao pensa-
mento grego. Na sequência, começou a colaborar na elaboração de artigos na
revista Anedota, no jornal Gazeta Renan, do qual se tornou editor chefe em 1842.
Em 1844, Marx passou a atuar em Paris, nos Anais Germânico-Franceses.
Nessa revista, selou uma importante amizade e parceria intelectual com Friedrich
Engels (1820-1895). O início dessa amizade remonta a época em que Marx ainda
dirigia a Gazeta Renana.
O encontro entre os dois filósofos deu origem a uma série de obras e artigos,
pautados nos estudos filosóficos e científicos, relacionados aos grandes temas do
século XIX, os quais faziam referência à economia, à política e à sociedade. Porém,
antes de selar parceria com Engels, Marx produziu vários manuscritos, relativos à
filosofia de Hegel, dentre os quais se destacam: Introdução a uma Crítica da Filosofia
do Direito de Hegel (1843), A Questão Judaica (1843), Economia, Política e Filosofia
(1844), Manuscritos Econômicos-Filosóficos (1844) e Teses sobre Feuerbach (1845).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
(GIANNOTTI, 1996, p.12).
O Manifesto foi preparado para o segundo congresso da Liga Comunista
e simboliza, para alguns estudiosos, um marco na história do pensamento da
humanidade, uma vez antecipa as tendências políticas do movimento socialista,
denotando as formações sociais, econômicas e políticas expressadas no contexto
do século XIX.
De maneira geral, a obra em questão discute a produção capitalista e as
consequências que esse sistema gerou na organização social e econômica, fun-
damentada na divisão entre classes sociais. Essa questão foi desenvolvida logo
nas primeiras páginas do texto, em que os autores convocam “os operários do
mundo inteiro à união” (GIANNOTTI, 1996, p.12).
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de
corporação e oficial, numa palavra, opressores e oprimidos, em cons-
tante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora
disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transfor-
mação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das suas
classes em luta (MARX; ENGELS, 1980, p.8).
Como podemos notar, a divisão entre classes sociais não é uma caracte-
rística exclusiva do mundo moderno, ou seja, da realidade histórica em
que Marx e Engels escreveram o Manifesto. Tal divisão remonta às mais
diferentes épocas históricas, a começar pela antiguidade.
Da mesma maneira,
A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade
feudal, não aboliu os antagonismos de classes. Não fez senão substituir
velhas classes, velhas condições de opressão, velhas formas de luta por
outras novas (MARX; ENGELS, 1980, p.9).
Essa divisão ou antagonismo de classe, para Marx e Engels, só poderia ser superada
a partir da união dos explorados do mundo inteiro. Nesse sentido, o Manifesto
do Partido Comunista teve como missão a transformação econômica e social, na
qual os operários pudessem “sonhar com uma sociedade sem classes, em que a
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
o entendimento dos acontecimentos, bem como a escrita histórica. Contudo, na
época em que elaborou seus escritos, ele não imaginava a repercussão que suas
ideias iriam causar no campo das ciências humanas (HOBSBAWM, 1998). É
também importante frisar que as proposições de Marx não foram criadas dire-
tamente para explicar os fatos históricos, ou seja, não se deslocaram como uma
teoria pronta dentro da História. Desse modo, foram os historiadores que se
apropriaram de Marx para renovar a historiografia moderna.
Muitas das ideias de Marx, apropriadas pelos historiadores modernos, foram
interpretadas de maneira simplista e equivocada, por se distanciarem das con-
cepções de Marx em sua fase madura. Essas interpretações deturpadas foram
denominadas por Hobsbawm (1998, p.159) como “marxismo vulgar”.
...a influência marxista entre os historiadores foi identificada como
umas poucas idéias relativamente simples, ainda que vigorosas, que, de
um modo ou de outro, foram associadas a Marx e aos movimentos ins-
pirados por seu pensamento, mas que não são necessariamente marxis-
tas, ou que, na forma em que foram mais influentes, não são necessaria-
mente representativas do pensamento maduro de Marx. Chamaremos
a esse tipo de influência de ‘marxista vulgar’, e o problema central da
análise é separar o componente marxista vulgar do componente mar-
xista na análise histórica.
Na época em que esse princípio foi formulado, certamente, houve uma grande
comoção no campo da História, pois ele se distanciava da explicação tradicio-
nal, ao apresentar outro entendimento sobre os fatos históricos, cuja essência
não partia do político. Dessa maneira,
É difícil resgatar a admiração sentida por um cientista social inteligen-
te e culto ao final do século XIX, ao se deparar com as seguintes obser-
vações marxistas sobre o passado: ‘que a própria Reforma é atribuída
a uma causa econômica, que a duração da Guerra dos Trinta Anos se
devia a causas econômicas, as Cruzadas à fome feudal por terras, a evo-
lução da família a causas econômicas, e que a concepção de Descartes
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Nesse sentido,
A influência marxista (e marxista vulgar) até agora mais eficaz é parte
de uma tendência geral de transformar a história em uma das ciências
sociais, uma tendência a que alguns resistem com maior ou menor so-
fisticação, mas que indiscutivelmente tem sido a tendência em vigor no
século XX. A principal contribuição do marxismo a essa tendência no
passado foi a crítica do positivismo (HOBSBAWM, 1998, p.162).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tica do homem, a qual envolve
meios materiais (como maté-
rias-primas e fontes de energia)
e intelectuais (saberes técnicos ©shutterstock
e científicos) de produção.
[...] as fontes de energia (madeira, carvão, petróleo, etc.), as matérias-
-primas (algodão, borracha, minério de ferro, etc.), as máquinas (moi-
nho de vento, máquina a vapor, cadeia de montagem, ferramentas de
todos os gêneros); ao examiná-las mais de perto, comportam também
conhecimentos científicos e técnicos (por exemplo, as invenções de La-
voisier que conduzem aos fabricos da indústria química) e aos traba-
lhadores (segundo o seu peso demográfico, a sua repartição no espaço,
a sua qualificação profissional) (BOURDÉ; MARTIN, 2003, p.154).
Em síntese, conforme Bourdé e Martin (2003), as forças produtivas não são ape-
nas materiais, são também humanas, uma vez que os componentes materiais,
feitos pelos homens, criam mecanismos os quais possibilitam a produção de
bens. Segundo Priori e Martin (2010, p.93-94), esse pressuposto:
....representa o reconhecimento do domínio do homem sobre a nature-
za e sua capacidade de transformação da mesma, colocando-a acima do
reino animal. Assim, o homem modifica a natureza de acordo com seus
interesses, transformando-a e junto com ela transforma-se a si mesmo.
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O fator social, por sua vez, revela- se nas relações sociais de produção, que deter-
minam as relações estabelecidas pelos homens entre si, como forma de construir
e dividir os bens que foram produzidos (BOURDÉ; MARTIN, 2003).
Notar-se-á que essas relações que os homens estabelecem entre si, como
forma de produzirem os bens necessários à sua manutenção, são formadas graças
à integração e convívio social do homem no campo do trabalho e da produção
nas mais diferentes épocas históricas, inclusive em nossa contemporaneidade.
Nas sociedades rurais do Ocidente medieval são relações de produ-
ção: o âmbito do domínio senhorial, com a repartição das terras entre
a reserva e as dependências do feudo, o sistema do trabalho gratuito,
o recebimento das taxas e das banalidades; mas também os diversos
estatutos dos camponeses – servos, forros, colonos, proprietários de
alódios – e a organização da comunidade aldeã, com a rotação das
culturas, os pastos incultos, as charnecas e os bosques comunais. Nas
sociedades industriais do ocidente contemporâneo são relações de pro-
dução: a propriedade dos capitais, autorizando a tomada das decisões,
a escolha dos investimentos, a divisão dos lucros, tal como o funcio-
namento das empresas, com a hierarquia do pessoal, a disciplina de
oficina, a ordenação das normas e dos horários; e a situação dos operá-
rios, variando segundo a grelha dos salários, o processo de emprego e
de despedimento, a importância dos sindicatos (BOURDÉ; MARTIN,
2003, p.154-155).
Como podemos notar, nas épocas históricas em que o maior bem era a “terra”,
como na Idade Média, as relações sociais de produção eram norteadas pelas deter-
minações ligadas ao solo, que apontavam o tipo de trabalho e as obrigações que
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
sistema financeiro etc.
Os conceitos de forças
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produtivas e de relações
de produção constituem, de
acordo com Bourdé e Martin (2003), a infraestrutura econômica das socieda-
des humanas, um dos grandes pressupostos do Marxismo.
A infraestrutura, por representar a soma das forças produtivas e das rela-
ções de produção, simboliza, dessa maneira, a base concreta de uma sociedade.
Acima dessa base concreta, edifica-se outra estrutura: a superestrutura jurídica
e política, a qual abarca aspectos ideológicos (como religião, filosofia e artes).
A noção de superestrutura jurídica e política pode compreender-se fa-
cilmente: abrange as instituições jurídicas, as instituições políticas, as
formas do Estado. Eis dois exemplos. No tempo da República romana,
do século IV ao século I a.C., as instituições políticas prevêem a repar-
tição dos poderes entre os magistrados, o Senado e a Assembleia do
Povo; definem a cidadania com os seus direitos e deveres; organizam as
legiões em função das classes de idade e das categorias fiscais; regula-
mentam a administração dos municípios, das colônias e das províncias.
Na época da Terceira República em França, no final do século XIX e
no início do século XX, as instituições políticas dispõem de um exe-
cutivo fraco – um presidente-ornamento e um governo muitas vezes
efêmero –, de um legislativo forte – o Senado e sobretudo a Câmara
dos Deputados –, de uma administração centralizada que controla os
departamentos, de uma vida democrática assegurada por eleições re-
gulares e leis liberais sobre a imprensa, a associação e o ensino. A noção
de consciência parece mais difícil de determinar. Entre as suas formas,
é possível alinhar as expressões literárias e filosóficas, desde os tratados
de Platão, Aristóteles ou Cícero, passando pelos ensaios de Kant, Vol-
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Os modos de produção
foram relatados por Marx
em diferentes épocas histó-
ricas, desde o mundo antigo,
até o mundo moderno e
burguês. Segundo Bourdé e
Martin (2003), o que favore-
ceu o teórico a distinguir um
modo de outro foram as rela-
ções de produção reveladas
em cada período. Conforme http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/
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Secessão, de 1861 a 1865. Vencedor, o grupo dirigente do Nordeste li-
berta os antigos escravos negros, manda vir imigrantes europeus, mul-
tiplica as empresas industriais, conquista novos espaços; (BOURDÉ;
MARTIN, 2003, p.158).
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do trabalho escravo, no Sul dos Estados Unidos (base material daquela região),
era vista pelos industriais da região Norte como um empecilho ao desenvolvi-
mento do progresso econômico. O fim do trabalho escravo somente ocorreu
por meio de uma guerra entre as duas regiões, vista pelos marxistas como uma
contradição.
Essa capacidade de uma sociedade saltar de um estágio para outro, a par-
tir da contradição que ocorre nas relações de trabalho e nos meios materiais
de produção, na teoria marxista, é identificada como “luta de classe”. Dentro
do paradigma historiográfico do Marxismo, o conceito de luta de classe é bas-
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Na obra A Era do Capital (1977), Eric
Hobsbawm aborda que a Revolução de
1848 parece ter sido profetizada pelo mem-
bro da Câmara dos Deputados na França,
Alexis de Tocqueville, que alertou os seus
partidários contra um possível levante
social contra as forças legisladoras, bem
como pelos alemães Marx e Engels, que
escreveram o Manifesto.
No início de 1848, o eminen- ©shutterstock
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desta unidade, notamos que o Marxismo Científico, que foi apropriado
pelo conhecimento histórico, buscou uma transformação na realidade do século
XIX, marcada por grandes transformações de ordem econômica, social, cientí-
fica e tecnológica, advindas da chamada Segunda Revolução Industrial, as quais
haviam modificado drasticamente a vida de uma porção de pessoas.
Notamos também, segundo Karl Marx, que essa transformação não ocorre-
ria no âmbito político nem ideológico, mas no âmbito socioeconômico, tendo em
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vista que a teoria elaborada por esse pensador dizia que as instituições políticas,
jurídicas e ideológicas, que possuíam a capacidade de modificar as condições
humanas, eram formadas a partir dos mecanismos de produção, compostos pelas
forças produtivas e pelas relações de produção.
Vimos ainda que o grande motor dessa transformação era associado ao con-
ceito de contradição, bastante evidente entre as classes sociais nos mais diferentes
períodos históricos.
Por demonstrar uma reflexão teórica inovadora sobre os acontecimentos e
transformações históricas, as noções desenvolvidas por Marx – em sincronia com
a realidade apresentada no século XIX – foram apropriadas pela historiografia a
qual buscava se renovar e manter o status de cientificidade já demonstrado pelos
historiadores positivistas.
Disponível em:
<http://www.recantodasletras.com.br/artigos/1316373>.
Lorem ipsum
No vídeo Manifesto Comunista em Cartoon, de 8 minutos, produzido pelo cineasta Jesse Drew,
a partir de trechos extraídos dos desenhos famosos da Disney, notamos, de maneira bastante
descontraída, trechos de o Manifesto do Partido Comunista. Assistam ao vídeo no endereço
abaixo.
AS ESCOLAS HISTÓRICAS –
V
UNIDADE
A ESCOLA DOS ANNALES
Objetivos de Aprendizagem
■ Discutir o desenvolvimento do paradigma historiográfico analítico,
destacando sua origem e características gerais.
■ Apresentar as três fases da Escola dos Annales, refletindo sobre seus
conceitos, métodos e contribuições ao conhecimento histórico.
■ Destacar os campos de pesquisa atual da História e seus
pressupostos teórico-metodológicos.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Os princípios da Escola dos Annales e suas características gerais
■ A Primeira Geração: a elaboração de uma história problema
■ A Segunda Geração: o tempo múltiplo
■ A Terceira Geração: a fragmentação do conhecimento
■ Os campos da historiografia atual e seus pressupostos teóricos e
metodológicos
115
INTRODUÇÃO
Introdução
V
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A Escola dos Annales – liderada inicialmente pelos franceses Lucien Febvre e Marc
Bloch – teve como direção principal se opor à História Positivista, mediante o
desprezo da História do acontecimento, da insistência na longa duração, da transfe-
rência da vida política para outras atividades (econômicas, sociais e culturais) e da
tentativa de aproximação com outras ciências humanas (BORDÉ; MARTIN, 2003).
Os Annales, nesse sentido, abriram novas perspectivas ao ofício do historiador.
Nesta última unidade, discutiremos essas questões ao abordarmos o sur-
gimento desse movimento, suas características gerais e transformações.
Procuraremos, também, refletir sobre os caminhos apresentados pela historio-
grafia atual.
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Sociologia, mais precisamente dos sociólogos durkheimianos que romperam
com a influência da Filosofia sobre os estudos históricos.
Na terceira unidade deste livro, discutimos que os positivistas se esforça-
ram para acabar com a influência exercida pela Filosofia sobre a História, uma
vez que a filosofia legava concepções metafísicas e especulativas, as quais eram
incompatíveis com o ideal científico proposto no
século XIX. Entretanto, apesar do esforço, conti-
nuaram repetindo seus pressupostos.
As Ciências Sociais, sob a influência do soció-
logo francês Durkheim (1858-1917), por outro lado,
conseguiram romper com essas concepções metafí-
sicas advindas da tradição filosófica, ao estudarem as
condutas humanas sob o ponto de vista racionalista,
baseado na observação, descrição e comparação dos
fatos sociais e não na tomada de consciência com
base nas próprias ideias (REIS, 2000).
O modo como Durkheim concebeu as condu-
tas humanas e o desenvolvimento das sociedades
proporcionou a atualização teórica e metodológica
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da História. Nesse ínterim, a história produzida e
contada pelos metódicos foi vista como desatua-
lizada e, por isso, foi combatida pelos Annales que notaram as transformações
ocorridas nas Ciências Sociais.
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outras áreas do conhecimento, como as Ciências Sociais, a fim de se reno-
var e emprestar seus métodos.
A terceira geração se iniciou em 1968 e perdura até os dias atuais. Nela, nota-
-se uma fragmentação do conhecimento histórico, por meio da ampliação dos
temas e das abordagens de pesquisa.
Nos tópicos seguintes, discutiremos separadamente cada geração, dando
ênfase a seus pressupostos teórico-metodológicos que revolucionaram a escrita
da História.
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O traço marcante dessa fase foi a luta constante contra a História Política e
Tradicional. Segundo Jacques Le Goff (1995), a História Política era a pedra no
sapato de Lucien Febvre e Marc Bloch, pois, por um lado, era vista como uma
história-narrativa e, por outro, como uma história factual e dos acontecimentos.
Conforme Reis (2000), a história-narrativa foi combatida pelos Annales por
contar a história dos fatos históricos (com ênfase nos políticos, diplomáticos e
militares) segundo uma ordem cronológica, evolucionista, linear e irreversível,
desprendida de análise e interpretações, uma vez que o objetivo maior era nar-
rar os eventos de maneira fidedigna.
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Na primeira unidade deste livro, estudamos que o olhar que o historiador lança
sobre o passado é, necessariamente, um olhar do presente, pois esse historia-
dor pertence ao tempo presente e não ao passado. Sendo assim, para entender
o documento que está sendo analisado, e inclusive formular hipóteses de traba-
lho acerca dele, o historiador precisa conhecer muito bem seu presente, já que a
ciência histórica é “uma resposta a perguntas que o homem de hoje necessaria-
mente se põe” (FEBVRE apud DOSSE, 2003, p.100).
Se a relação entre presente e passado se revela imprescindível para os Annales
– já que os problemas e hipóteses que motivam o historiador a estudar os acon-
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tecimentos humanos são gerados segundo as preposições de seu presente – as
perguntas que esse profissional formula, em face dos problemas e hipóteses iniciais
que levantou, devem ser confrontadas com os documentos, a fim de comprovar
a veracidade e procedência de suas hipóteses iniciais.
A pesquisa histórica é a resposta a problemas postos no seu início e
verificação das hipóteses-respostas possíveis. A partir da posição do
problema o historiador distribui suas fontes, dá-lhes sentido e organiza
as séries de dados que ele também terá construído (REIS, 2000, p.74).
Nessa direção,
A organização da pesquisa é feita a partir do problema que a suscitou:
este vai guiar na seleção dos documentos, na seleção e construção das
séries de eventos relevantes para a verificação das hipóteses, cuja cons-
trução ele exigirá (REIS, 2000, p.75).
Documental”, tendo em vista que até o surgimento dos Annales eram conside-
rados documentos apenas escritos e de cunho político, militar e diplomático.
A história nova ampliou o campo do documento histórico; ela subs-
tituiu a história de Langlois e Seignobos, fundada essencialmente nos
textos, no documento escrito, por uma história baseada numa multipli-
cidade de documentos (LE GOFF, 1995, p.28).
Conforme Reis (2000, p.78), essa ampliação das fontes de pesquisa está intima-
mente associada ao projeto da história problema, pois “É o problema posto que
dará a direção para o acesso e construção dos corpus necessários à verificação
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das hipóteses que ele terá suscitado, o que devolve ao historiador a liberdade na
exploração do material empírico”. Nesse sentido, as fontes não mais determinam
o tipo de pesquisa que o historiador irá realizar, mas a construção dos problemas
e hipóteses iniciais de trabalho que o levará a delimitar o tipo de fonte.
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Outra proposta inovadora dos primeiros Annales foi a História total, também
denominada de História global, cujo fundamento se liga à ampliação do campo
documental e enfoque dos diversos grupos sociais.
Na abordagem da primeira e da terceira unidades, vimos que os positi-
vistas, ao considerarem apenas fontes escritas de caráter político, produziram,
consequentemente, uma História de grandes personagens, como reis, rainhas,
monarcas e governadores. Em contrapartida, a Escola dos Annales, ao consi-
derar fontes de todos os tipos, ofereceu aos historiadores a possibilidade de
contar a História de grupos marginalizados da História. No entanto, não pode-
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mos esquecer a contribuição do Materialismo Histórico a essa inovação, pois
os historiadores marxistas, contemporâneos aos analistas, ao privilegiarem fon-
tes ligadas ao econômico, também somaram à abordagem dos marginalizados,
com ênfase nos operários.
A questão da interdisciplinaridade, segundo Reis (2000), foi proposta por
Lucien Febvre e foi considerada como o “espírito” dos Annales, por afastar a
História definitivamente da Filosofia, oferecendo-a o estatuto de ciências.
A interdisciplinaridade propunha estabelecer um contato metodológico
entre a História e as Ciências Sociais (mediante a troca de conceitos, técnicas,
problemas, hipóteses e dados), uma vez que essas duas áreas do conhecimento
possuíam o mesmo objeto de análise: o homem.
Todas essas propostas inovadoras permitem-nos comprovar que o objetivo
maior dos primeiros Annales, principalmente Lucien Febvre e Marc Bloch, foi
o de romper com os pressupostos teórico-metodológicos da tradicional História
Política.
O Retorno da Narrativa
Nas últimas décadas, mais precisamente no início dos anos de 1980, muitos
historiadores anunciaram o retorno da narrativa em face das transforma-
ções mundiais que fizeram esses profissionais repensarem a produção his-
tórica. Como veremos no último tópico dessa unidade, os eventos que mar-
caram a segunda metade do século XX (como guerras e crises econômicas)
levaram a crer que nem tudo podia ser explicado pelo modelo determinista
econômico de análise histórica. Nesse ínterim, vários historiadores reconhe-
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das quais – como o prefácio esclarece – exemplifica uma abordagem
diferente do passado. Primeiramente, há a história ‘quase sem tempo’
da relação entre o ‘homem’ e o ambiente; surge então, gradativamente,
a história mutante da estrutura econômica, social e política e, final-
mente, a trepidante história dos acontecimentos (BURKE, 1997, p.46).
Desse modo:
O historiador de hoje é um historiador da cultura, um historiador eco-
nômico, um historiador das mentalidades, um especialista em História
da Mulher, um medievalista ibérico ou um especialista nos estudos da
Antigüidade Clássica, ou quem sabe ainda um doutor em História do
Brasil Colonial mais particularmente especializado nos processos de
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visitação da Inquisição do Santo Ofício (BARROS, 2004, p.18).
Contudo, essa divisão de saberes não ocorre apenas na História. Ela atinge
também diversas áreas do conhecimento em nossa atualidade, inclusive, as rela-
cionadas às ciências exatas.
Naturalmente que este não é um fenômeno que ocorreu apenas com
a história: uma ciência como a Física também foi se dividindo a partir
dos seus primórdios em muitos compartimentos internos, como a Ter-
modinâmica, a Ótica, a Mecânica e tantos outros. Longe vão os tempos
iluministas, em que um mesmo físico podia se interessar por diversifi-
cados objetos de investigação que iam da ótica à termodinâmica (BAR-
ROS, 2004, p.18-19).
Essas diversas ilhas, redes ou campos que povoam a História atual versam a vários
domínios, expressos, por exemplo, na História Serial, na História Quantitativa,
na História Urbana, na História das Mulheres, na História da Vida Privada, na
História da Sexualidade, na História das Mentalidades, na Micro-História, na
História Cultural e na Nova História Política. É importante ressaltar, conforme
expõe Barros (2004), que mesmo dividida em diversos campos – o que pode
causar interpretações particulares para aqueles que se utilizam da História para
concretizar uma formação na sua trajetória acadêmica – toda produção histórica
deve se pautar em uma pesquisa ampla. Assim, não importa a linha historio-
gráfica a qual o historiador se filia. O completo sucesso de seu ofício depende
do conhecimento acerca de todos os enfoques possíveis. Nessa tarefa, uma pes-
quisa expansiva pode auxiliar.
Desse modo, o historiador, mesmo que se identifique com algum campo
histórico, precisa conhecer todos os campos, porque todos fazem parte de um
contexto em específico, sem contar que oferecem subsídios ao historiador para
entender a sua realidade e melhor elaborar sua pesquisa.
Nas linhas seguintes, trataremos de dois campos da História atual que cos-
tumam fazer esse exercício: a História Cultural e a Nova História Política.
Durante muito tempo, a História das Mentalidades, apesar de ter sido rele-
gada do projeto dos Annales, sobreviveu e, como vimos, na Terceira Geração,
ganhou notoriedade por expressar as novas temáticas abordadas pelos historia-
dores. Contudo, conforme expõe Vainfas (apud CARDOSO, 1997, p.132), essa
valorização do mental, apesar de não ter sido exposta de maneira intensa pelas
primeiras gerações, já era feita antes mesmo da fundação dos Annales. Assim,
Bloch e Febvre inauguraram, pois, nos primórdios dos Annales, o estu-
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do das mentalidades, delas fazendo um legítimo objeto de investigação
histórica. Mas não se pense que foram eles os primeiros a se dedica-
rem ao estudo de sentimentos, crenças e costumes na história ocidental
(VAINFAS apud CARDOSO, 1997, p. 132).
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A quarta e última característica não é inédita, mostra que a História Cultural
é uma história do plural, pois continua a abordar inúmeros temas relacionados
ao mental, tal qual faziam as mentalidades.
Todas essas características apontam que a História Cultural constitui uma
tendência historiográfica, cujo desenvolvimento remonta aos pontos positivos
demonstrados pela História das Mentalidades. A História Cultural ainda realiza
uma conexão com outras modalidades historiográficas, as quais proporcionam
um ambiente rico para os historiadores, como relata José D’ Assunção Barros
(2011, p.60):
A História Cultural, enfim, tem permitido precisamente o estabeleci-
mento de um novo olhar sobre objetos que habitualmente têm sido
beneficiados por um tratamento historiográfico econômico, político
ou demográfico. Sua expansão, por conseguinte, vai muito além dos
objetos e processos habitualmente tidos por culturais, de modo que é
sempre oportuno enfatizar como a História Cultural tem se oferecido
cada vez mais como campo historiográfico aberto a novas conexões
com outras modalidades historiográficas e campos de saber, ao mesmo
tempo em que tem proporcionado aos historiadores um rico espaço
para a formulação conceitual (BARROS, 2011, p.60).
revistadehistoria
revistadehistoria
Material Complementar
V
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As razões para o descrédito e revalorização do político na História, segundo
Rémond (1996, p.22), devem ser buscadas no contexto em que os historiadores
formularam essas concepções, pois:
Assim como, para explicar o declínio e o desaparecimento progressivos
da história política, foi necessário considerar ao mesmo tempo o movi-
mento próprio da pesquisa histórica e o ambiente ideológico, também
para compreender as razões da sua volta com plena força é necessário
escrutar alternadamente os dados gerais que desenham o contexto e as
iniciativas que são obra apenas dos historiadores.
A percepção de que o político está em toda parte, e se aplica nas ações e trans-
formações históricas, fez com que muitos historiadores das últimas décadas do
século XX voltassem os olhares para a História Política, não para reafirmar a
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reprovação feita pelas primeiras gerações dos Annales, mas para entender por-
que o político é importante e como pode ser apropriado pela produção histórica.
Segundo os historiadores interessados em História Política, como Réne
Remónd (1996), essa “Nova História Política”, para se contrapor à “Velha História
Política” realizada pelos metódicos, apresenta as seguintes características:
a. Pluridisciplinaridade: permite à Nova História Política estabelecer contato
com outras ciências e disciplinas (como a Sociologia, a matemática, lin-
guística, direito, psicologia e informática), as quais oferecem técnicas de
trabalho e entendimento acerca de vocabulários e conceitos específicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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e compreensão dos fatos históricos.
Esse modelo foi o da história problema, baseada na ampliação dos temas,
das fontes e das abordagens de pesquisa, bem como na multiplicidade do tempo,
estruturado na curta, média e longa duração. Considerou-se também a interdis-
ciplinaridade, a qual aproximou a História das demais ciências humanas, como
a Sociologia.
Em suma, os Annales proporcionaram a abertura de novos horizontes e,
graças às transformações apresentadas em suas gerações, sua permanência e atu-
ação na construção histórica continuam notáveis, apresentando-se em diversos
campos do conhecimento.
Neste percurso que fizemos sobre as concepções demonstradas pelas Escolas Me-
tódica, Marxista e dos Annales, notamos o modo como se processa o conhecimento
histórico, bem como no que consiste o conceito de História e o ofício de historiador.
Porém, se considerarmos que a escrita da História desenvolveu-se desde a Antigui-
dade, a partir de Heródoto, o “pai da História”, é óbvio que essa discussão não se es-
gota por aqui, mesmo porque, detivemo-nos ao exame das principais correntes his-
toriográficas apresentadas, aproximadamente, nos últimos cento e cinquenta anos.
Para as questões que foram apresentadas, percebemos que a produção do saber
histórico segue padrões específicos que saltam do modelo teórico pelo qual o his-
toriador se interessa. Esse modelo teórico norteia todas as ações desse profissional
e o induz a pensar em uma concepção específica sobre o conceito de História, assim
como nas técnicas e métodos aplicados à sua pesquisa e escrita.
Na primeira unidade, vimos que o saber histórico se relaciona a diversos concei-
tos, tais como: investigação, seleção e interpretação do objeto de pesquisa, relação
entre presente e passado, tempo múltiplo, diferentes fontes e abordagens. Esses
conceitos, contudo, foram construídos pelas abordagens mais recentes da historio-
grafia. Isso demonstra que as teorias da História se transformam com o tempo e
apresentam visões diferenciadas sobre os acontecimentos humanos e transforma-
ções históricas.
Na segunda unidade, observamos que o tempo, apesar de ser uma construção hu-
mana difícil de ser definida, é crucial à História, não somente porque delimita tem-
poralmente o período ao qual o historiador irá se debruçar, mas, principalmente,
porque revela os vestígios (sociais, econômicos, políticos, culturais, religiosos etc.)
de uma época. Observamos também que a memória constitui uma importante fon-
te de pesquisa ao ofício do historiador, por retomar uma temporalidade com a ajuda
das lembranças.
Por sua vez, nas três últimas unidades, estudamos os principais modelos teóricos
revelados nos séculos XIX e XX: o Positivismo, o Marxismo e os Annales. Notamos
que cada modelo formulou uma visão específica sobre os principais conceitos que
norteiam a produção do conhecimento histórico (como fato histórico, fontes de
pesquisa, tempo etc.), segundo uma conjuntura (econômica, social, política, cien-
tífica, ideológica etc.) específica. Nesse sentido, por se relacionar a uma conjuntura
e por expressar características próprias, verificamos que as teorias da História são
diferentes entre si.
Por conseguinte, se o trabalho do historiador apresenta uma sincronia com as te-
orias da História, que são peculiares, ele também é específico e, assim como as te-
orias, transmite uma resposta conceitual, metodológica e teórica a um problema.
143
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