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Trajetórias, “Identidades” e formas de resistências no movimento

estudantil na Universidade Federal do Acre (1970 - 1980)

Queila Batista dos Santos 1

O presente texto pretende discutir o movimento estudantil no estado do


Acre entre os anos de 1970-1980, destacando sua trajetória inicial, sua
“identidade” e nesse percurso, evidenciaremos, as formas de resistência do ME
no contexto da Ditadura Militar visto que o mesmo vai se consolidar dentro dessa
conjuntura política no Brasil.

No estado do Acre o movimento estudantil foi se formando a partir da


implantação do ensino superior no recém-criado estado, em meio a processos
de mudanças e transformações econômicas, políticas e sociais decorrentes da
passagem de Território Federal a Estado (1962) e de expropriação de terra e
deslocamento de seringueiros no sentido floresta-cidade. A ocupação da
Amazônia se torna prioridade máxima após o golpe de 1964, quando
fundamentado na Doutrina da Segurança Nacional, o objetivo básico do governo
militar torna-se a implantação de um projeto de modernização nacional
(BECKER, 1990, p.12). As implicações geopolíticas, que estas questões traziam,
provocavam uma intensificação dos esforços da ditadura militar para “ocupar” e
garantir a “soberania nacional” na região.

No final da década 60, a empresa seringalista chega ao fim no estado do


Acre, transformando drasticamente a estrutura social do mesmo, tanto na cidade
como na floresta. Aos antigos donos dos seringais não restam outras alternativas
que não fosse a venda nos mesmo, pois endividados, tinham decretado a
falência. A região Amazônica passa a ser o principal alvo, nesse processo de
modernização e acumulo de capital, sendo alvo de cobiça principalmente do
capital internacional.

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Licenciada em História pela Universidade Federal do Acre; Especialista em História do Brasil pelo Instituto
Pro-Minas (UCAM) e Mestranda no Programa de Mestrado de Letras Linguagem e identidade –
Universidade Federal do Acre.

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Durante o regime ditatorial os governos empreendiam esforços para que
essa ocupação fosse efetivada, é quando temos uma política para o incentivo à
agricultura na região. A região passar a receber pessoas de outros estados
principalmente da região centro-sul, que ficaram conhecidos como “sulistas”, na
década de 60, o que continuou na década de 70, milhares de pessoas se
instalaram na região, pois,

Foram numerosas as famílias de pequenos proprietários


camponeses centro-sulistas que venderam suas terras em seus
estados de origem e adquiriam áreas de loteamento particulares na
Amazônia acreana. Esses são os camponeses que buscavam mais
amplas para cultivar, bem como um lugar para fugir das
transformações que se processavam no espaço rural do centro-sul,
(modernização da agricultura). Assim esperam obter áreas capazes
de comportar toda a família e, se possível, tornarem-se prósperos
médios fazendeiros (SIMIONE, 2011, p. 123)

Agora ao seringalista e consequentemente também ao seringueiro, cabia


encontrar novas formas de sobrevivência nesse cenário, onde se junta a falência
da empresa seringalista a iniciativa do governo de “ocupar” a região. Nessa nova
conjuntura econômica coube ao seringalista a venda dos seringais, porém o
seringueiro

Elo mais fraco da cadeia de dominação mercantil, as


consequências dessa crise seriam dramáticas, diferente dos
períodos de crise anteriores, quando podiam permanecer nos
seringais criando e recriando e recriando formas variadas de
sobrevivência, a situação desse momento é outra e sua
permanência no seringal estava ameaçada. Aos “novos”
proprietários da terra não interessava a extração da borracha, e sim
a derrubada da floresta. Era a substituição do extrativismo pelos
projetos agropecuários e, com eles, a expulsão em massa da força
de trabalho dos seringais (PAULA, 2016, p. 54).

O golpe de 1964 repercutiu de maneira significativa para a crise instalada


nos seringais, os incentivos para a produção extrativista, foram direcionados
para o processo de modernização no qual passava a sociedade brasileira, onde
o estado era o agente dessa modernização.

É importante ressaltar que entre meados da década de 60 e a metade da


década de 70, a região amazônica, principalmente a floresta se torna alvo do

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capital internacional, principalmente do norte-americano, onde a floresta era
vista como algo a ser vencido. (PAULA: 2005). O “progresso” representava a
retirada de uma parte da floresta, que era justificada pela necessidade de se
resguardar as fronteiras nacionais. O estado passa a ser o principal agente
nesse processo, onde

Procura impor um projeto de modernização na Amazônia que, a


exemplo das demais regiões do pais, caracterizava-se pelo
agravamento das condições sociais de vida de uma significativa
parcela da população, e privilegia grandes grupos empresariais com
diversos incentivos fiscais e financeiros no intuito de dirigir
investimentos para essa nova fronteira. Em 1966, o governo
Castelo Branco, direcionou o para a região um conjunto de medidas
legais e institucionais denominado “Operação Amazônica”, que
tinha como finalidade de reformular e transformar a economia
regional (PAULA,2005, p. 67)

A partir da década de 70, com as políticas de incentivo a agricultura no


estado acentua-se um período de intenso conflitos sociais, a questão de terra é
elemento central nesse cenário.

Com a expansão da frente agropecuária no estado do Acre, os impactos


socais foram imediatos, a maioria da população viva na zona rural e agora com
a exploração das terras a realidade se tornava muito difícil. Os trabalhadores
rurais começam a se articularem em sindicatos e unidades representativas, onde
possam lutar pela defesa das “suas” terras. Paula afirma que diferente de como
aconteceu no Território Federal de Rondônia, na implantação e execução do
processo de modernização no Acre, o governo encontrou serias dificuldades,
que segundo ele, se deu pela existência de um poder oligárquico, e o surgimento
da resistência nos segmentos socais no estado. (PAULA: 2005). Os
seringueiros, os mais prejudicados nessa conjuntura, organizam-se dentro de
entidades representativas. Ainda segundo o autor, de toda a região amazônica
o Acre foi o estado mais afetado com as políticas governamentais que
adentraram a região na década de 70, pois a base da economia do estado ainda
era a produção extrativista e a maioria da população ainda se encontrava dentro
dos seringais (PAULA:2016).

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Nesse cenário o então governador indicado pela ditadura Wanderley
Dantas, faz uma campanha publicitária no centro-sul, para atrair colonos para a
região, onde

Exaltava o potencial de fertilidade dos solos da região e suas


múltiplas aptidões para as atividades ligadas à agropecuária em
geral, os baixos preços da terra e a abertura de uma estrada para o
Pacífico, formando um corredor de exportações para o mercado
asiático e a costa oeste dos Estados Unidos (PAULA, 2016, p. 56)

O slogan “ Acre, a nova Canaã, um Nordeste sem seca, um sul sem geada,
invista no Acre e exporte para o pacífico. Tinha-se o objetivo da vinda dos
colonos do centro-sul para a região. A propaganda aparecia no rádio, em locais
públicos, em hotéis, aeroportos e rodoviárias. E esses atrativos trouxeram para
a região um grande número de “sulistas” que de acordo com Paula, adquiriram
cerca de cinco milhões de hectares de terras, sendo equivalente a um terço do
território do estado (PAULA: 2016).

Aos “novos proprietários” da terra, não interessava a presença dos


seringueiros e demais posseiros em suas recém adquiridas propriedades, e,
começam as expulsões onde

Desencadeiam uma ação avassaladora para expulsar os seus


antigos ocupantes, promovendo a “limpeza” da área. Nesse
processo, foram usados os seguintes expedientes: obstrução de
estradas e varadouros, proibição dos cultivos, intimidações da
polícia e pistoleiros que visitavam constantemente as famílias dos
seringueiros (PAULA, 2016, p. 60)

Após a expulsão muitos seringueiros procuram a cidade, causando uma


desordem social pois, a mesma não tinha estrutura para comportar esse
contingente de pessoas, fator que causou um “inchaço populacional”, e faz com
que até hoje as consequências dessa desordem populacional sejam sentidas
nas periferias das cidades do Acre. Aos seringueiros para quem não era atrativo
a mudança para a cidade e não queriam sair do interior da floresta, coube a
mudança para os seringais bolivianos.

Uma grande aliada dos seringueiros que resolverem resistir nos seringais
foi a igreja católica, com a Prelazia do Acre e do Purus, que “a partir da década

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de 70, havia optado por uma linha de ação pastoral identificada com as
orientações da ala mais progressista do clero na América Latina (PAULA, 2016,
p. 61) ”. É através das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) que a igreja vai
defender os seringueiros, onde disseminará entre eles a ideias da resistência
pela terra, visto que muitos eram analfabetos, o que facilitava para os novos
proprietários, pois apareciam com um pedaço de papel se dizendo serem dono
das terras e muitos não dominavam a leitura para argumentar o documento.

Muitos militantes do ME acreano eram oriundos das CEBs, e que quando


chegavam a universidade, já tinham uma visão do que estava acontecendo no
estado com relação a posse da terra. Acerca da presença da juventude católica
no ME no estado cabe ressalta que o jornal o Rio Branco, na edição de abril de
1969, sua capa foi toda ocupada com a ilustração e manchete: “Paulo VI
preocupado com a juventude”. A matéria mostrava o Papa Paulo VI preocupado
com os jovens e ao mesmo tempo incentivando-os a luta, evidenciando com aos
jovens católicos que com a reunião do Vaticano II, a visão da igreja tinha
mudado, pois se tinha discutido ações da igreja de cunho social, sendo uma
delas a de prestar ajuda aos pobres e aos mais necessitados. Com isso o Papa
alertava aos jovens a irem à luta em busca de mudanças sociais. A matéria dizia
que os grupos de jovens estavam se fortalecendo a cada dia, e esses jovens
estavam encorajados em busca dos oprimidos.

No estado, o oprimido era os seringueiros que se sentiam as forças do


sistema opressor em dois aspectos, primeiro ao que insistia em permanecer na
floresta, restava a violência dos novos donos para sua expulsão, e ao que
resolvia ir para a cidade lhe cabia as piores situações de sobrevivência, vindo a
constituir o “pobre” da cidade.

As CEBs se tornam então um lugar onde os seringueiros e posseiros se


aglutinam e isso, lhe confere um caráter essencial nesse contexto, pois é
“através dessas comunidades que os trabalhadores começaram a tomar
consciência de seus direitos e a compreender a necessidade de construir uma
união entre si para lutar contra o inimigo (PAULA, 2016, p. 65) ”.

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O movimento estudantil no estado começar a dialogar com questões do
universo amazônico, onde a partir da chapa Seringueira que concorrerá as
eleições para o Diretório central dos estudantes em 1977, que apesar das
pressões da reitoria, recebe boa porcentagem dos votos. Com a vitória da
chapa, questões da realidade Amazônicas começaram a ser discutidas,
debatidas e a prática de ação do ME passou também a representar anseios da
sociedade em que estava inserida, como a defesa da floresta, a luta pela
melhoria da educação, reinvindicação pelo aumento do número de vagas na
universidade, ao mesmo tempo que o movimento se preocupava com questões
regionais também dialogava com o contexto nacional, sendo que o ano de 77 foi
significativo pra o movimento estudantil no Brasil, sendo que as grandes
passeatas nas principais cidades do Brasil, influenciaram os jovens do Acre a
também reagirem.
Com nossa leitura de Chartier, pensamos que esses símbolos e discursos
presentes no movimento estudantil, são representações que se tornam coletivas,
representando o meio social a até natural de “localização social”, pois para o
autor;

Será necessário identificar como símbolos e considerar como


simbólicos, todos os signos, actos ou objetivos, todas as figuras
intelectuais ou representações coletivas graças aos quais os grupos
fornecem uma organização conctual ao mundo social ou natural,
construindo assim a sua realidade compreendida e comunicada
(CHATIER, 2002, pg. 19)

Chartier com sua fala abre um debate, sobre a identificação de símbolos,


onde define a função simbólica, (dita de simbolização ou representação), que
informaria várias modalidades da apreensão do real, pois a função simbólica
informaria como função mediadora, as diferentes formas de apreensão do real
”que opere por meio dos signos linguísticos, das figuras mitológicas e da religião,
ou por conceitos do conhecimento científico (CHATIER, 2002, pg. 19).

Na perspectiva teórica sobre representação de Roger Chartier, podermos


pensar a representação de símbolos amazônicos no movimento estudantil como
uma tentativa de fazer um registro sobre a realidade que estava inserido. Onde
o registro é a imagem do real, não é o real, é apenas sua representação. Uma

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tentativa de reprodução do real por meio das narrativas. Sobro o conceito de
representação Chartier o toma de uma forma segundo ele “mais particular e
historicamente mais determinada”. Apresentando duas ordens de razões. A
primeira estaria ligada a noção que não seria estranha as sociedades do antigo
regime, onde ocupava um lugar central, onde as definições antigas do termo,
usando as definições do dicionário de Feretiére, manifestariam duas famílias de
sentindo. A primeira dessas famílias seria a representação como uma coisa
ausente, que seriam a distinção entre aquilo que representa e aquilo que é
representado. A segunda dessas famílias dentro dessa primeira ordem, seria a
representação como dando a ver uma exibição de uma presença, como a
representação pública de algo ou alguém. Fazendo distinção entre o primeiro e
o segundo sentindo, Chartier afirma que

No primeiro sentido a representação é instrumento de um


conhecimento mediato que faz ver um objeto ausente através da
sua substituição por uma imagem capaz de o reconstruir em
memória e de o figurar tal como ele é (...) outras (representações)
são pensadas num registro diferente: o da relação simbólica que,
para Furetiére, consiste na representação de um pouco de moral
através das imagens ou das propriedades das coisas naturais.
(CHATIER, 2002, pg. 19).

Por acreditarmos que, as questões que se referem ao mundo amazônico


especialmente no contexto da Amazônia acreana, que são percebidas dentro do
movimento estudantil no estado do acre são representações, é que dialogamos
com o conceito de representação de Chartier, pois o autor designa como “forma
simbólica” todas as categorias e todos os processos que constroem o mundo
com uma representação.

Inseridos no contexto amazônico, os jovens desenvolveram para si,


certas “identidades sociais’, ou as assumiram como lhe sendo próprias. A
inserção das entidades estudantis em muitos acontecimentos, políticos, sociais
e econômicos no estado do Acre, direciona nosso olhar a constituição das
“identidades sociais” presentes ou oriundas do movimento estudantil, pois as
narrativas contidas nas fontes (escritas, fotográficas, orais) que mantivemos
contanto, nos servem de subsídios , para pontuam as práticas culturais e os

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percursos formadores das identidades, bem como os conflitos sociais dela
decorrentes, ressaltando que “assim, cada um (sistema de representação) nos
situa como atores sociais e como membros de um grupo social em uma relação
particular com o processo e prescreve para nós certas identidades sociais
(HALL, 2003, p. 295).

É em meio a grande essa crise local que o movimento estudantil surge no


estado do Acre, e os desdobramentos dessa crise são sentidos no ME acreano
que transforma em bandeira de luta essas questões que nele são refletidas.

Nacionalmente no âmbito da “Política Educacional”, que tomava conta de


todo o país, que o ensino superior chegar ao estado. No ano de 1968, o então
governador do Acre, Jorge Kalume, justificando que o estado era o único da
confederação que não possuía universidade, criou o Centro Universitário do Acre
em 1970, que em 1971 passar a ser Universidade do Acre, federalizada então
em 1974. Nesse contexto de federalização, foi sendo organizado o Movimento
Estudantil (ME) dentro da Universidade Federal do Acre. Inicialmente o ME era
formado por pequenos grupos de estudantes de classe média, privilegiados por
cursarem o ensino superior e alguns já funcionários públicos. Na sua fase inicial
o ME tratava apenas de assuntos referentes a jogos escolares, atividades
culturais e religiosas

O movimento de jovens viera sendo noticia nas páginas de Nos Irmãos,


contudo, essa cobertura estivera restrita as atividades de cunho
religioso e cultural. No de maio 1977,ano VI (p.11), o boletim publicou
uma coluna com o título: Diálogos e Debates com os jovens. A coluna
trouxera várias notícias sobre o movimento estudantil em Brasília, Rio
de Janeiro e São Paulo, transcritas dos jornais Estadão e JB. (...) O
colunista do boletim aproveitara o momento para fustigar as lideranças
estudantis locais: “Aqui em Rio Branco?” todos muitos preocupados
com os “Jogos Universitários” (COSTA SOBRINHO. 2000, p. 120)

O tom de ironia do colunista, se dava pelo fato de o movimento


estudantil está somente ligado a questões festivas, onde no movimento não se
percebia uma expressão política mais direcionada ao contexto que em o
movimento estava inserido. Esta inexistente expressão se dava porque a reitoria

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exercia um forte controle sobre os estudantes e qualquer movimento formado
dentro da universidade. O movimento estudantil no Acre surge, ainda no final da
década de 60, com a criação do centro acadêmico da Faculdade de direito,
porém se tornar mais organizado de uma forma mais abrangente em 1972, com
a criação do DCE. Desde a sua formação não há registro de manifestações
dentro no órgão, mas mesmo dentro desse clima de quietude, havia uma certa
vigilância por parte da direção da universidade para com os estudantes a criação
do diretório, não foi impedida pela administração da universidade, que era uma
“representação” do regime militar no Brasil. O Reitor da época professor Áulio
Gélio, que foi o primeiro reitor da universidade e ficou sobre sua administração
por quase 10 anos, mantinha o controle nos processos de eleição para o
diretório, chegando a indicar os candidatos que simpatizavam com ideais da
ditadura militar, e esses alunos sempre acabavam ganhando as eleições. O que
mostra o pôquer nos anos anteriores à 1977, as ações políticas não existirem
dentro do movimento estudantil acreano. É interessante ressaltar a fala do reitor
Áulio, em seu Livro intitulado “Criação do Ensino superior no Acre”, onde se
referindo aos estudantes fala que atuavam em movimentos “pacíficos” e em
defesa de sua classe. Em outra fala o reitor assegura que no Acre o que
importava aos estudantes é que fossem bons estudantes (SOUZA: 2006).

Inicialmente o movimento estudantil por ser atrelado à reitoria que seguia


a cartilha dos militares, era bem contido e praticamente inexpressivo referente
as questões que ultrapassassem o universo acadêmico. Como vemos dizendo
na escrita desse texto, as práticas estudantis ganham novos significados a partir
do ano de 1977, quando os alunos são influenciados pelo movimento estudantil
brasileiro, que voltam ás ruas como um “ressurgimento”, depois de viver
clandestino nos anos de chumbo, e no regionalmente começar a trazer para
diálogo dentro do movimento questões da realidade da Amazônia acreana. Os
ventos das passeatas estudantis de 77 em várias cidades do Brasil, sobram no
cenário amazônico.

O ano de 1977, é tido como um grande marco para o movimento


estudantil brasileiro, porque o ato de retornar ás ruas representou uma nova

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possibilidade de reorganização, para que pudesse empreender uma luta mais
intensa e combativa contra a ditadura militar. Nesse momento de retorno ás ruas,
a grande imprensa brasileira exerce um papel essencial para que as grandes
passeatas tomem grandes proporções, e como resultado se juntam aos
estudantes outros segmentos sociais. É essa ampla divulgação por parte da
imprensa das manifestações estudantis em várias cidades do Brasil, com São
Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, que faz com que os estudantes acreanos
queiram participar desse momento que tomava a sociedade brasileira.

As primeiras bandeiras de lutas dos estudantes universitários, quando já


podiam ser expressar, era na defesa de livre expressão, especialmente quanto
a realização de estudos e debates que eram proibidos. A esse respeito
importante considerar o clima permanente de vigilância, sobretudo sendo o
estado do Acre uma região de fronteira importante no contexto geopolítico,
acrescentando-se a isso a existência de Revoluções e de outros movimentos
correlatos na América Latina. Fazer qualquer movimento social de contestação
na universidade do Acre em tempos de ditadura, era estar contra o governo
sendo conceituado com “subversivo” pela direção. Os movimentos eram
modestos e tímidos, e estava se formando sobre os olhares atentos dos fiéis
seguidores da “ordem e progresso”.

Uma questão que também indica a forma pouca expressiva do movimento


durante a Ditadura Militar é que diferente do restante do pais, onde na década
de 1970 o movimento de estudantes já havia se formado e possuía uma história
de luta, no estado do Acre, o movimento estava dando os primeiros fôlegos no
momento. Importante ressaltar que o movimento estudantil no estado foi
notadamente pacífico, não havendo confrontos armados envolvendo os
universitários e as forças policias.

Referente ao envolvimento desses estudantes com partidos políticos, se


no início da criação do DCE no final dos anos 70 e início dos anos 80, essa
possibilidade era remota, com a abertura política do Brasil, os partidos
clandestinos estavam se formando e assumindo uma ampla relação com ME

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acreano, passando a investir na formação de novos quadros e em novas
estratégias de combate. Importante ressaltar que na década de 1970, a
conjuntura política brasileira era caracterizada pelo bipartidarismo. A ARENA
(Aliança Renovadora Nacional) representava a direita militar e o MDB
(Movimento Democrático Brasileiro) que era o opositor “consentido” que
aglutinava os que não “simpatizavam” com a ARENA.

O ME acreano fica mais significativo, com a presença dos partidos


políticos, visto que é dentro do movimento que vão se fortalecer, especialmente
com a criação do curso de história, onde no início da década de 80, o movimento
ganha mais corpo com a chegada de professores oriundos de outros estados,
que indicam leituras de influências mais marxistas.

Dessa forma, o movimento adquire organicidade, tendo em vista que os


estudantes que se engajaram nas lutas que travaram na década de 70 e 80,
agiam no sentindo gramsciano, como “intelectuais orgânicos”, ou seja, aqueles
que colocam o conhecimento a serviço de uma causa, passando, portanto a
serem intelectuais que assumem o papel político, o intelectual que age na
sociedade para a melhoria desta, onde “ todos os homens são intelectuais (...)
mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de
intelectuais”. (GRAMSCI, 1982, p. 07).

O Movimento Estudantil na UFAC, ao longo de seu processo de formação


e atuação, vai gradativamente se apropriando de questões mais reivindicativas
quando a abertura política já é sentida na nação. Inicia suas atividades numa
dimensão teórica com leituras vindas de outros estados, porém avança no
campo da ação concreta, em virtude das práticas de reivindicação e de luta pela
democracia e pela luta em defesa a floresta tanto dentro como fora da instituição.
A experiência vivida e refletida possibilitou o “fazer-se” da luta, onde saíram do
“em si”, chegando ao “para si”, tendo como utopia transformadora o “direito a ter
direito”.

Referência Bibliográfica

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CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Trad.
de Maria Manuela Galhardo. 2ª Ed. Lisboa: Difusão Editora, 2002.

GRAMSCI, A. Os intelectuais e a Organização da Cultura. 4 ed. Tradução de


Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasiliense, 1982.

HALL, S. Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Tradução de Adelaide


La Guardia Resende. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.

PAULA, E. A. (Des) envolvimento insustentável na Amazônia ocidental. Rio


Branco: Edufac, 2005.

____________ Seringueiros e sindicatos: um povo de floresta em busca de


liberdade. Rio Branco: Nepan Editora, 2016.

SIMIONE, S. S. Resistência camponesa e desenvolvimento agrário: uma análise


a partir da realidade amazônico-acreana. Rio Branco: Edufac, 2011.

SOBRINHO, P.V.C. Meios Alternativos de Comunicação e Movimentos Sociais


na Amazônia Ocidental (Acre: 1971- 81). São Paulo. Tese (Doutorado em
Ciência da Comunicação), USP, 2000.

SOUZA, A. G. História da criação do ensino superior no Acre. Brasília:


Thesaurus, 2006.

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