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Pesquisa-ação crítico-colaborativa: construindo seu

significado a partir de experiências com a formação


docente

Selma Garrido Pimenta


Universidade de São Paulo

Resumo

O texto apresenta o processo de reconfiguração do sentido e do


significado da pesquisa-ação como pesquisa crítico-colaborativa,
a partir de duas experiências que coordenamos junto a equipes
da universidade e de escolas públicas no estado de São Paulo e
discute seu potencial de impacto na formação e atuação docen-
te e seus desdobramentos para políticas públicas de educação.
Preocupados em realizar pesquisas nos contextos escolares de
modo a contribuir com suas equipes na compreensão e no en-
caminhamento de respostas às dificuldades nelas inerentes, en-
contramos nas abordagens qualitativas o caminho natural. Po-
rém, qual perspectiva adotar? Seria a interventiva? Não nos
parecia adequada considerando a tendência desta de se sobre-
por às responsabilidades dos profissionais das escolas. Também
não nos satisfazia a perspectiva etnográfica, considerando os
riscos de nos embrenharmos em infindas descrições dos fenô-
menos. Também não faríamos estudo de casos. A certeza que
tínhamos era a de que queríamos realizar pesquisas com os pro-
fissionais nos contextos escolares e não sobre eles. Nossa ex-
pectativa era a de contribuir nos seus processos de formação
contínua. Parecia então que a pesquisa-ação seria adequada.
Porém, considerando a complexidade de que essa abordagem se
reveste, não nos encorajamos, de início, a assim denominar a
que utilizaríamos. À medida em que foram sendo desenvolvidas,
foi se configurando o que acabamos por denominar de pesqui-
sa-ação crítico-colaborativa. É sobre esse processo que este tex-
to se debruça.

Palavras-chave

Pesquisa-ação crítico-colaborativa — Formação de professores —


Saberes docentes — Didática.

Correspondência:
Faculdade de Educação – USP
Av. da Universidade, 308
05508-040 – São Paulo – SP
e-mail: sgpiment@usp.br

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 521-539, set./dez. 2005 521


Critical-collaborative action research: constructing its
meaning through experiences in teacher education

Selma Garrido Pimenta


Universidade de São Paulo

Abstract

This text presents the process of reconfiguration of the meaning


and sense of action research as a critical-collaborative research
starting from two experiences we have coordinated involving
teams from university and from public schools in the State of
São Paulo, as well as discussing its potential for impact in
teacher education and action and its implications for public
policies in education.
Concerned with carrying out research in the school contexts, so
as to help their teams to understand and give an answer to the
intrinsic difficulties, we find in the qualitative approaches the
most natural path. But, what perspective should we adopt?
Should it be intervention-based? It did not seem to us to be the
most adequate approach given its tendency to overtake the
responsibilities of school workers. The ethnographic approach
was not satisfying either, considering the risks of entangling
ourselves in endless descriptions of phenomena. Neither did we
want to carry out case studies. We were sure that we wanted to
conduct research with the professionals in school contexts and
not about them. Our expectation was one of contributing to
their processes of continuing education. It thus seemed that the
action research would be an adequate approach. However,
considering the complexity that usually surrounds this approach,
we were not tempted, at first, to give its name to the approach
we were going to employ. As the study progressed, it gave shape
to what we shall call critical-collaborative action research. It is
with this process that the present text shall deal.

Keywords

Critical-Collaborative Action Research — Teacher education —


Teaching knowledges — Didactics.

Contact:
Faculdade de Educação – USP
Av. da Universidade, 308
05508-040 – São Paulo – SP
e-mail: sgpiment@usp.br

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Os objetivos deste texto são o de explicitar A pesquisa colaborativa, por sua vez, tem
o processo de reconfiguração do sentido e do por objetivo criar nas escolas uma cultura de
significado da pesquisa-ação como pesquisa crí- análise das práticas que são realizadas, a fim de
tico-colaborativa, a partir de duas experiências possibilitar que os seus professores, auxiliados
que coordenamos junto a equipes da universida- pelos docentes da universidade, transformem
de e de escolas públicas no estado de São Pau- suas ações e as práticas institucionais (Zeichner,
lo, e discutir seu potencial de impacto na forma- 1993). A análise dos dados das pesquisas no
ção e atuação docente e seus desdobramentos campo teórico e nos contextos político-
para políticas públicas de educação. institucionais permitiu que a pesquisa-ação
A primeira pesquisa, A didática na licen- colaborativa adquirisse o adjetivo de crítica,
ciatura — um estudo dos efeitos de um progra- conforme o pressuposto e o compromisso dos
ma de curso na atividade docente de alunos envolvidos de que a realização de pesquisas em
egressos da licenciatura, contou com a colabo- escolas investe na formação de qualidade de
ração de três auxiliares e dois professores de seus docentes, com vistas a possibilitar a trans-
duas escolas, egressos de nosso curso de licen- formação das práticas institucionais no sentido
ciatura. A segunda, Qualificação do ensino de que cumpram seu papel de democratização
público e formação de professores, contou com social e política da sociedade (Gramsci, 1968;
uma equipe de cinco docentes da universida- Habermas, 1983; Kincheloe, 1997).
de e de 24 professores de uma escola. Ambas A importância da pesquisa na formação
em instituições públicas estaduais. A partir de professores acontece no movimento que
delas, foi possível a reafirmação do que segue. compreende os docentes como sujeitos que
A pesquisa-ação tem por pressuposto que podem construir conhecimento sobre o ensinar
os sujeitos que nela se envolvem compõem um na reflexão crítica sobre sua atividade, na di-
grupo com objetivos e metas comuns, interessa- mensão coletiva e contextualizada institucional
dos em um problema que emerge num dado e historicamente. Nessa direção, encontramos
contexto no qual atuam desempenhando papéis pesquisas denominadas de colaborativa, realiza-
diversos: pesquisadores universitários e pesquisa- das na relação entre pesquisadores-professores
dores (professores no caso escolar). Constatado o da universidade e professores-pesquisadores nas
problema, o papel do pesquisador universitário escolas, utilizando como metodologia a pesqui-
consiste em ajudar o grupo a problematizá-lo, ou sa-ação. Nestas, os professores vão se constitu-
seja, situá-lo em um contexto teórico mais am- indo em pesquisadores a partir da problema-
plo e assim possibilitar a ampliação da consciên- tização de seus contextos. Na reflexão crítica e
cia dos envolvidos, com vistas a planejar as for- conjunta com os pesquisadores da universidade,
mas de transformação das ações dos sujeitos e são provocados a problematizar suas ações e as
das práticas institucionais (Thiollent, 1994). En- práticas da instituição e a elaborar projetos de
tendemos, com Sacristán (1999), que prática di- pesquisa seguidos de intervenção (Zeichner,
fere de ação. Esta pertence aos sujeitos, é pró- 1998; Fiorentini; Geraldi; Pereira, 1998; Pimen-
pria dos seres humanos que se expressam nelas. ta; Garrido; Moura, 2000).
Na ação, agimos de acordo com o que somos e,
no que fazemos, é possível identificar o que so- Configurando a pesquisa-ação
mos. A prática pertence ao âmbito do social e
expressa a cultura objetivada, o legado acumu- A pesquisa A didática na licenciatura - um
lado, sendo própria das instituições. É certo, no estudo dos efeitos de um programa de curso na
entanto, que nossas ações expressam práticas atividade docente de alunos egressos da licenci-
sociais e que estas são constituídas a partir dos atura teve por objetivo analisar a contribuição de
sujeitos historicamente considerados. nosso curso de didática na licenciatura na ativi-

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dade docente de alunos egressos, professores em transformar o mundo natural e social humano,
escolas públicas, verificando seus processos de por isso cumpre investigar qual a contribuição
construção identitária, tendo por base seus sabe- que a didática pode dar nessa formação.
res pedagógicos, dos conteúdos específicos e da Colocando a atividade docente como
experiência. Ao indagar até que ponto o ensino objeto de nossa investigação, necessário se fez
da disciplina didática tem significado para a ati- compreendê-la em suas vinculações com a prá-
vidade docente dos professores em suas realida- tica social na sua historicidade. Assim, um es-
des de trabalho em escolas públicas, colocamos tudo da atividade docente cotidiana dos egres-
em questão a contribuição da teoria didática para sos envolveu o exame das determinações soci-
a ação docente de professores concretamente si- ais mais amplas, bem como da organização do
tuados. E, num movimento contrário, qual a con- trabalho nas escolas.
tribuição das atividades práticas dos docentes A partir dessas considerações, indagamo-
para a revisão dos cursos de didática e para a nos em que medida a organização pedagógi-
ressignificação da teoria didática. co-administrativa das escolas favorece uma boa
A questão inicial da pesquisa foi desdo- atividade docente?
brada em outras, que definiram seus procedi- Dos estudos teóricos e de campo, emer-
mentos: examinar e discutir os pressupostos da giram três categorias da pesquisa: como acon-
didática como teoria de ensino na formação de tece o processo de construção do saber fazer
professores; examinar e acompanhar o desen- docente (ensinar) na atividade de professores
volvimento de um programa de curso de didá- concretamente situados em (duas) escolas (pú-
tica na formação de professores na licenciatura blicas estaduais de São Paulo); como a orga-
da Faculdade de Educação da Universidade de nização do trabalho na escola (ou o entorno
São Paulo (FEUSP); acompanhar a atividade administrativo, burocrático da sala de aula) de-
docente de alunos egressos, identificando nessa termina essa construção; e como os professo-
prática os processos de construção do saber res se colocam diante do conhecimento na so-
fazer docente e seus vínculos com o curso de ciedade contemporânea (e como lidam com ele
didática; colher subsídios da atividade docen- na atividade de ensinar nas escolas), constru-
te dos alunos egressos para a reformulação/ indo sua identidade.
proposição de programas de cursos de didáti- Do ponto de vista metodológico, uma
ca na licenciatura da FEUSP; levantar os limi- questão fundamental emergiu da pesquisa:
tes e possibilidades de um programa de curso seria esta, que inicialmente denominamos de
de didática na formação de professores. prático-interpretativa, uma pesquisa-ação?
Diante desses objetivos, a categoria princi- O objetivo não era o de avaliar os profes-
pal que norteou a pesquisa ficou sendo a atividade sores, mas verificar como mobilizariam seus saberes
que os professores realizam em escolas públicas e, para tomar decisões na escola e na sala de aula e
nessa atividade, como acontece o processo de como mobilizariam a situação docente na relação
construção de seu saber fazer docente. com os alunos para dar respostas às questões pro-
Entendemos que a atividade docente é postas pelas diversas situações com as quais esta-
ligada à ação educativa mais ampla que ocorre riam lidando. Restringimo-nos a um professor de
na sociedade que é o ensinar. Na sua acepção geografia e a uma professora de língua portugue-
corrente, é definida como uma atividade práti- sa, ex-alunos de nosso curso de didática, ambos
ca. O professor em formação está se preparan- trabalhando em escolas públicas de diferentes re-
do para efetivar as tarefas práticas de ser pro- giões periféricas de São Paulo. Utilizamos entre-
fessor. Dado que não se trata de formá-lo como vistas, questionários e observações semi-estru-
reprodutor de modelos práticos dominantes, mas turados e abertos, história de vida e fizemos
capaz de desenvolver a atividade material para gravações em vídeos e fitas cassete.

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Uma vez que as pesquisadoras não se vivenciada por nosso grupo de pesquisa: pes-
resumiam a coletar os dados, senão que refle- quisadores e pesquisados, sujeitos e atores de
tiam e orientavam os professores sempre que uma prática social em movimento. Temática
estes solicitavam, levavam subsídios teóricos e que desvela a necessidade, como diz
instrumentais, formando com eles (e na refle- Kincheloe (1997, p.197), de pensar sobre
xão que fazíamos no grupo da pesquisa) uma nosso pensar, porque exploramos a nossa
pequena comunidade de análise e reflexão, própria construção da consciência, nossa
seria esta uma pesquisa de intervenção? Seria auto-produção, mas, principalmente, necessi-
esta uma pesquisa-ação? dade de compartilhar nossos pensamentos
Tínhamos claro, desde o início, que as para engajar-nos em uma prática pedagógica
pesquisadoras não teriam uma ação de avaliar mais efetiva, mais educativa.
as práticas dos professores a partir de critéri- [...] Afinal, que pesquisa é esta? Muitas ve-
os externos e pretensamente oferecer suges- zes, lançamos esta pergunta para nós mes-
tões. Porém, também tínhamos claro que não mos, na tentativa de torná-la inteligível,
se tratava de apenas observar e registrar. En- interpretável e compreensível. Inteligível, na
tão qual seria a atitude de investigação que medida em que conseguimos descodificá-la;
daria conta dos objetivos da pesquisa e, ao interpretável, quando pudemos exercer uma
mesmo tempo, que garantiria o espaço de re- atitude crítica diante das situações determi-
flexão almejado pelas pesquisadoras e pelos nadas e/ou que determinam a prática peda-
professores? A reflexão de Jany Pereira, ex-alu- gógica; e compreensível, enquanto
na e auxiliar de pesquisa, é esclarecedora1: problematizamos e discutimos os problemas
relacionados no contexto das diferentes situ-
A partir da percepção da forma de como o ações que foram compartilhadas, na troca de
professor trabalha as questões na relação nossas experiências.
ensino-aprendizagem, as pesquisadoras deve-
riam ajudá-lo a refletir sobre a própria práti- Silas3 , um dos professores pesquisados,
ca, problematizar as situações, refletindo so- participando de uma de nossas reuniões da
bre o porquê de ele ter tomado determinada equipe, afirmou que a Fátima Abdalla o auxiliou
decisão, promovendo, assim, uma apropria- nas aulas: “eu sempre tive preocupação, mas
ção de seu próprio saber, do que está apren- não tinha o costume de registrar, de
dendo, pois à medida que o professor esquematizar as aulas; a Fátima fazia o relató-
reelabora e reflete sobre sua própria prática, rio, gravou e filmou algumas aulas e isso me
ele se torna sujeito e objeto do processo ajudou a ter o hábito de sistematizar algumas
vivenciado por ele. aulas”. A partir de então, passou a gravar algu-
mas, ajudado por alunos: “[...] e tem sempre um
Após estudos sobre a metodologia da pes- aluno que quer filmar, o que possibilita depois
quisa-ação, concluímos que as pesquisadoras atu- até discutir com eles o que aconteceu na aula”.
aram como observadoras-participantes, uma das Assim, foi se configurando a pesquisa da práti-
características dessa abordagem metodológica. O ca como uma modalidade de desenvolvimento
que permitiu que a pesquisadora Maria de Fátima
Abdalla (doutoranda) assim se expressasse2: 1. Relatório de Campo. Pesquisa A Didática na Licenciatura: um es-
tudo dos efeitos de um programa de curso na atividade docente de
alunos egressos da licenciatura. FE-USP, 1997.
A questão de como se dá o processo de 2. Relatório de Pesquisa: A Didática na Licenciatura: um estudo dos
construção do saber-fazer docente ao lado efeitos de um programa de curso na atividade docente de alunos egres-
sos da licenciatura. FE-USP, 1997.
da reflexão sobre a formação do professor
3. Os nomes dos professores pesquisados são reais e foram utiliza-
pesquisado fundamentaram a temática dos com as suas autorizações.

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profissional de docentes em situação, conforme Ao realizar-se dentro do contexto escolar e
Abdalla (1997): mais precisamente na sala de aula a pesquisa-
ação pode constituir uma estratégia pedagógi-
Compreendemos a pesquisa, quando na relei- ca, um espaço de conscientização, análise e
tura dos momentos significativos foram sendo crítica [...]. Os professores que vivenciam esta
desveladas as múltiplas experiências dos profes- modalidade de pesquisa têm a possibilidade de
sores em relação ao corpo organizado de conhe- refletir sobre as suas próprias práticas, sua con-
cimento sobre a matéria de ensino a ser desen- dição de trabalhador, bem como os limites e
volvida, a forma e coerência como a mesma era possibilidades do seu trabalho. As cinco exi-
apresentada e/ou construí-da a partir dos diver- gências de pesquisa-ação apresentadas por
sos momentos interativos, a maneira como o Kincheloe (1997), dizem claramente das tarefas
professor procurava estabelecer relações do tex- importantes que ela se propõe a realizar, quais
to/conteúdo ao contexto, provocando situações sejam: ter métodos e questões políticas; relaci-
pedagógicas e/ou questões metodológicas que onar valores e compromissos; consciência da
levavam os alunos à reflexão, à crítica, à diver- construção da profissão; identificar aspectos da
gência de posições, a incertezas, desconstruindo ordem dominante, que minam os nossos esfor-
conceitos, hábitos, atitudes e reconstruindo-os. ços e a melhoria da prática docente. Quando
[...] Assim, a pesquisa nesse contexto foi se conduz à organização das informações, inter-
configurando como um princípio cognitivo de pretando-as, a pesquisa-ação abre espaço para
compreensão da realidade e como um princípio a produção crítica do conhecimento e nesse
formativo na docência, (Pimenta, 1997, p. 51). processo leva-nos pensar sobre a nossa própria
Princípio cognitivo e formativo, na medida em forma de ver e de interpretar a realidade.
que se incentiva a construção coletiva de sa- [...] Dessa forma, a práxis pedagógica dos pro-
beres, se valoriza os processos de reflexão na fessores envolvidos na pesquisa, partindo da
ação, de reflexão sobre a ação e de reflexão própria ação docente, refletida, fundamentada
sobre a reflexão na ação (Schön, 1987), na teoricamente e sistematizada se constitui uma
busca de alternativas comprometidas com a modalidade de formação contínua com am-
prática social, que revela escolha, opção de plas possibilidades transformadoras e emanci-
vida, espaço de construção, de troca de expe- patórias.
riências, de desejo e de devir.
Duas características da pesquisa-ação se
Também a pesquisadora doutoranda fizeram fortemente presentes no processo da
Maria Socorro Lucena Lima4, diante dos proble- pesquisa: a autoformação e a práxis docente si-
mas metodológicos que a pesquisa nos coloca- tuadas nos contextos mais amplos da organi-
va, foi buscar referências que nos ajudaram a zação das escolas e da comunidade nas quais
explicitá-la como pequisa-ação. Vejamos o se inserem. Assim, concluímos que realizamos
depoimento de Patrícia: uma pesquisa-ação:

Depois das visitas da Socorro e da reunião Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, com
passei a observar o meu ‘fazer pedagógico’ um trabalho de reflexão sobre a prática, que
com um olhar mais crítico e construtivo. Co- procurou promover a aproximação dos profes-
mecei a dedicar mais tempo à elaboração das sores da pesquisa, tornando-os também parti-
aulas e analisar o ‘porquê’ de certas atitudes cipantes, através da compreensão de que pes-
que tomo, perante determinadas situações.
4. Relatório de Campo. Pesquisa A Didática na Licenciatura: um es-
Enfim, comecei a relacionar o meu fazer pe- tudo dos efeitos de um programa de curso na atividade docente de
dagógico com minha vida escolar e pessoal. alunos egressos da licenciatura. FE-USP, 1997.

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quisa se estava realizando com eles e de seus por nós escolhidos, concordaram em participar
objetivos, ao mesmo tempo em que foram na qualidade de pesquisados. No processo da
compartilhados textos com os professores pesquisa, os pesquisadores e os pesquisados
para participarem dos rumos da pesquisa. As foram se constituindo em um grupo de análi-
pesquisadoras procuraram dar estímulo à ini- se e de reflexão. Por outro lado, a delimitação
ciativa e projetos dos professores, sendo que do campo e o tempo de duração da pesquisa
eles relataram uma maior consciência de sua não incluíram os contextos mais amplos, para
prática a partir do trabalho com a pesquisa, além da sala de aula. No caso da organização
sistematizando mais suas aulas, o que foi escolar, somente foram considerados os aspec-
considerado já um embrião de um resultado tos que se manifestaram explicitamente na sala
de maior reflexão sobre a prática docente. de aula. Os aspectos das políticas educacionais
(Pereira, 1997) se fizeram presentes apenas pontualmente e não
foram considerados pelos professores pesqui-
A partir do processo metodológico e dos sados como determinantes de suas práticas. No
resultados obtidos nessa pesquisa e analisando- caso da comunidade de alunos, somente foram
os conforme as características da pesquisa-ação levantados indicadores socioeconômicos gerais.
apontadas por Kincheloe (1997), algumas se Assim, concluímos que os conhecimentos pro-
fizeram presentes: construir uma consciência duzidos pela pesquisa, conforme apontados no
profissional; abrir espaço para a produção crí- parágrafo anterior, são generalizáveis para situ-
tica do conhecimento; conduzir à organização ações que tomam a sala de aula como objeto de
das informações, interpretando-as; permitir re- estudo. No entanto, esses conhecimentos neces-
lacionar valores e compromissos; possibilitar sitam ser expandidos com a análise de outros
alterações nas ações cotidianas dos professores fatores contextuais mais amplos e com a obser-
em sua sala de aula. vação de transformações efetivas na aprendiza-
Assim, foi possível concluir que a pesqui- gem dos alunos, o que permitirá se praticar a
sa-ação foi a modalidade de pesquisa qualitativa característica de compromisso político e públi-
praticada na pesquisa em pauta. Foi possível co da pesquisa-ação crítica (Kincheloe, 1997).
também perceber suas diferenças em relação a Essas inquietações foram equacionadas
outras modalidades: a constatação de que os na pesquisa Qualificação do ensino público , a
professores que vivenciam processos de pesqui- seguir analisada.
sa-ação têm a possibilidade de refletir sobre as
suas próprias práticas, sua condição de trabalha- De pesquisa em colaboração e
dor, bem como os limites e possibilidades do seu de pesquisa-ação
trabalho. Nesse sentido, ela se constitui em uma
estratégia pedagógica de cons-cientização, aná- A pesquisa Qualificação do ensino públi-
lise e crítica e propõe, a partir da reflexão pro- co e formação de professores foi desenvolvida no
piciada na interlocução com os pesquisadores- período de 1996 a 2000. Teve por objetivos ana-
observadores e na participação nas discussões lisar as mudanças nas práticas e nas teori-zações
com o grupo de pesquisa, alterações de suas pedagógicas da equipe escolar (professores e
práticas, sendo delas os autores. coordenadores) num processo de intervenção
No entanto, algumas inquietações per- pedagógica que enfatizava a construção coleti-
maneceram. A pesquisa se iniciou a partir de va de saberes no local de trabalho (uma escola
uma problematização definida pela pesquisado- pública estadual). Insere-se na tendência de in-
ra-coordenadora do grupo; as orientandas de vestigação que valoriza a formação contínua
doutorado nela se incluíram como pesquisado- como desenvolvimento profissional e institu-
ras participantes e os professores das escolas, cional, conforme perspectiva teórica desenvolvi-

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da por Fusari (1988) e recentemente por Nóvoa A pesquisa Qualificação do ensino públi-
(1992), considerando o professor como um pro- co e formação de professores foi definida, ini-
fissional crítico-reflexivo (Contreras, 2002). cialmente, como uma pesquisa colaborativa,
Essa perspectiva tem se configurado entendendo-se que esta tem por objetivo criar
como fertilizadora para as pesquisas cujo nas escolas uma cultura de análise das práticas
enfoque é o de colaborar com os processos de que são realizadas, a fim de possibilitar que os
construção identitária de professores. Enten- seus professores, auxiliados pelos professores da
dendo que o exercício da docência não se re- universidade, transformem suas ações e as prá-
duz à aplicação de modelos previamente esta- ticas institucionais (Zeichner, 1993). Nesse sen-
belecidos, mas que, ao contrário, é construído tido, pode ser concebida como uma abordagem
na prática dos sujeitos-professores historica- facilitadora para o desenvolvimento profissional
mente situados. Assim, um processo formativo de professores. Esse projeto teve início a partir
mobilizaria os saberes da teoria da educação da solicitação de alguns dos professores do
necessários à compreensão da prática docente, Centro Específico de Formação de Professores
capazes de desenvolverem as competências e “Prof. Ayres de Moura”5 — CEFAM — junto aos
habilidades para que os professores investi- pesquisadores da FEUSP, de quem alguns havi-
guem a própria atividade docente e, a partir am sido alunos quando na graduação em peda-
dela, constituam os seus saberes-fazeres do- gogia. Estes, por sua vez, já se encontravam
centes, num processo contínuo de construção empenhados na realização de pesquisas em es-
de novos saberes. colas, por acreditarem que seu compromisso na
Entendemos que uma identidade profis- universidade era o de produzir conhecimento
sional se constrói a partir da significação social compromissado com a melhoria dos sistemas
da profissão; da revisão constante dos significa- públicos de educação.
dos sociais da profissão; e da revisão das tradi- A problemática da pesquisa foi então a
ções, mas também da reafirmação de práticas de verificar até que ponto uma pesquisa cola-
consagradas culturalmente e que permanecem bora-tiva pode favorecer processos de constru-
significativas. Práticas que resistem a inovações ção identitária grupal, colocando os sujeitos em
porque prenhes de saberes válidos às necessida- condições de proceder a análises e alterações em
des da realidade, do confronto entre as teorias suas ações docentes e na cultura institucional,
e as práticas, da análise sistemática das práticas fortalecendo-os pessoal e profissionalmente para
à luz das teorias existentes, da construção de a elaboração de projetos pedagógicos coletivos
novas teorias. Constrói-se, também, pelo signi- que visem melhoria qualitativa no processo
ficado que cada professor, como ator e autor, formativo dos alunos.
confere à atividade docente no seu cotidiano a Assim, a pesquisa partia de uma aposta:
partir de seus valores, de seu modo de situar- a da possibilidade e necessidade ética da arti-
se no mundo, de sua história de vida, de suas culação emancipatória entre pesquisador e su-
representações, de seus saberes, de seus anseios jeitos pesquisados, conferindo à atividade cien-
e angústias, do sentido que tem em sua vida o tífica um compromisso com a fertilização de
ser professor, assim como a partir de sua rede teorias e ações que subsidiassem a práxis dos
de relações com outros professores, nas escolas,
nos sindicatos e em outros agrupamentos. 5. Escola de nível médio específica para formar professores para a edu-
Por isso, é importante mobilizar os sa- cação infantil e as séries iniciais do ensino fundamental, os CEFAMs cons-
tituíram um projeto do governo do estado de São Paulo com característi-
beres da experiência, os saberes pedagógicos e cas que os diferenciavam das demais escolas: período integral, oferta de
os saberes científicos, como constitutivos da bolsa aos alunos, definição do quadro docente com características vin-
do-cência nos processos de construção da culadas ao projeto de formação de professores (primários) e outras. O
Estado contou com uma rede de 52 CEFAMs desde sua criação em 1986
identidade de professores. até a sua extinção em 2002.

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professores, no sentido da transformação das caminho para superar a divisão entre acadêmicos
condições de ensino e de aprendizagem, por e professores, mas não é qualquer pesquisa
meio da transformação de sentido que passa- colaborativa que faz isso”, importava-nos
riam a conferir às práticas institucionais (Pi- configurá-la como pesquisa-ação crítica
menta et al., 2000). (Kincheloe, 1997).
Partiu de dois pressupostos básicos. O pri- Nesse sentido, configura uma política de
meiro, sobre o papel dos pesquisadores na pesqui- valorização e desenvolvimento pessoal-profissional
sa, é o de que adentrem na realidade a ser estu- dos professores e das instituições escolares, uma
dada e se integrem nos modos de produção da vez que supõe condições de trabalho propiciadoras
existência da realidade que foi criada pelos sujei- da formação contínua dos professores.
tos que serão investigados. O segundo, sobre o Um dos principais desafios da pesquisa
papel dos professores, o de que, por meio da re- colaborativa é o estabelecimento dos vínculos
flexão colaborativa, tornem-se capazes de entre os pesquisadores da universidade e os pro-
problematizar, analisar e compreender suas própri- fessores da escola. Nos dois primeiros anos da
as práticas, de produzir significado e conhecimen- pesquisa (na escola em questão), buscamos su-
tos que permitam orientar o processo de transfor- perar as desconfianças e estabelecer parceria
mação das práticas escolares, gerando mudanças efetiva com os professores, ajudando-os a en-
na cultura escolar, criando comunidades de aná- caminhar projetos de ação. Para isso, partimos
lise e investigação, crescimento pessoal, compro- de suas inquietações fortemente vinculadas às
misso profissional e práticas organizacionais suas práticas cotidianas, que emergiam de suas
participativas e democráticas. Portanto, considera necessidades. Evitamos ‘começar’ a pesquisa
justo que esses sujeitos participem das observações levando textos para os professores lerem, o que
do pesquisador, interfiram em suas conclusões, poderia reforçar o velho lema de que ‘na práti-
apropriem-se de seu olhar, partilhando e contribu- ca a teoria é outra’. Também era necessário su-
indo com a qualidade do conhecimento produzi- perar a representação de que os professores da
do nesse processo, constituindo-se também eles universidade (especialmente os da USP, uma das
como pesquisadores e autores das mudanças ne- mais conceituadas do país) levariam, ou teriam
cessárias nas escolas. a pretensão de fazê-lo, as respostas ou receitas
Envolveu dois grupos de professores: do que deveriam fazer para resolver seus proble-
cinco docentes da universidade e 24 docentes mas. Nesse período, a forma e os direcionamentos
de uma escola pública que forma professores que imprimíamos ao projeto, às suas instalações e
para as séries iniciais do ensino fundamental. às ações desencadeadas, a partir das questões que
Realizada num período de quatro anos, teve surgiam do contexto, escolar e de fora deste, era
por objetivos: favorecer mudanças na cultura reveladora das teorias de que somos, os pesquisa-
organizacional; analisar os processos de cons- dores, portadores.
trução dos saberes pedagógicos pela equipe Conquistada a relação de parceria e a
escolar; articular os diferentes tipos de institui- confiança dos professores, passamos a priorizar
ções envolvidos na formação de professores; e o diálogo sistemático das questões cotidianas,
oferecer subsídios às políticas públicas de for- os problemas, dilemas e dificuldades no âmbito
mação de professores. A metodologia utilizada da sala de aula (em pequenos grupos) e no
foi a configurada como pesquisa colaborativa âmbito da instituição escolar, dos alunos, da
(Zeichner, 1993). No decorrer do processo, con- carreira de magistério, das políticas públicas
figurou-se como uma pesquisa-ação crítico- (em grupo com todos, incluindo a direção).
colaborativa (Thiollent, 1994; Kincheloe, 1997). Desses encontros, surgiam as questões. Sua
Concordando com Zeichner (1998, p. 223) análise possibilitava as problematizações, com
que “a pesquisa colaborativa é um importante a colaboração de textos (escritos e filmes). O

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 521-539, set./dez. 2005 529


grupo se dedicou a estudos. Selecionamos tex- no grupo de professores, quando se pergunta-
tos, propusemos questões, escrevemos, dialoga- vam que pesquisa é esta, tão diferente da con-
mos com os autores, envolvemos os alunos cepção tradicional de pesquisa, em que os
(futuros professores) e sistematizamos as ques-
tões da pesquisa em alguns eixos: pesquisadores da universidade chegavam na
escola, observavam, colhiam dados e infor-
• Finalidades sociais da escola e da educa- mações, perguntavam e depois iam embora,
ção; para que formar professores: a profissão nos deixando, quando muito, algumas recei-
de professor na sociedade contemporânea; tas para a nossa ação; na maioria das vezes
que professor sou/quero ser: o saber, o saber nos deixando com a sensação de que tudo o
fazer, o saber ser professor. O que é ser pro- que fazíamos estava sob suspeita, e que tudo
fessor? Como cheguei aqui? Por que e como o que eles diziam era incompreensível para
permaneço? O que pretendo para o futuro? nós (depoimento).
Competência ética e compromisso político: o
que é ético na escola e nesta escola? As re- Permanecia então a inquietação: que
lações na escola: democracia? Democratice? pesquisa é esta que fazemos? Somos professo-
O compromisso com o ensinar. As relações res-pesquisadores? Se sim, em que somos dife-
da escola com o sistema de ensino e os ór- rentes dos pesquisadores da universidade? Estes
gãos superiores; o autoritarismo do sistema e ganham mais do que nós; eles é que têm obri-
o espaço de autonomia da escola; trabalho gação de produzir pesquisas. E se pesquisam,
coletivo: o que nos une, o que nos motiva sabem resolver questões que não sabemos. Po-
para estarmos aqui, qual o projeto individual rém, se vão resolver nossas questões, vão des-
de cada um frente o ser professor? E as ten- qualificar nosso trabalho!?
sões grupais: competição, autoritarismo; in- Superada essa percepção, estabelecidas
dividualismo ao partilhar experiências, ao relações de parceria, restava clarear nossa com-
buscar juntos novos saberes. preensão de que pesquisa estávamos realizan-
• E a pesquisa? Sou professor-pesquisador? O do. Para isso, foi importante retomar os obje-
que é ser professor-pesquisador? Quais os tivos do projeto e ampliar nossos estudos.
parâmetros de aferição do professor-pesquisa-
dor? É possível ser professor-pesquisador nas Pesquisa-ação colaborativa
condições atuais de trabalho? Estamos sendo?
Para explicitar a pesquisa-ação colabo-
O segundo conjunto de temas sobre a rativa a partir da pesquisa realizada, retomamos,
natureza da pesquisa e as condições de cada um a seguir, seus objetivos e dados de campo e pro-
nela emergiu na medida em que o grupo ia per- cedemos a uma análise cruzada com as caracte-
cebendo que a pesquisa que estávamos realizan- rísticas da pesquisa colaborativa, apresentadas por
do diferia daquela tradicional na qual os pesqui- Zeichner (1998) e as contribuições de Thiollent
sadores da universidade vão às escolas para co- (1994), quando aquele expõe as características, os
letar os dados e, depois, procedem à interpreta- objetivos e os aspectos próprios da pesquisa-ação.
ção, sem a participação dos profissionais da es- Também nos valemos da avaliação externa a que
cola. Embora valorizando nossos procedimentos, submetemos a pesquisa em pauta.
por vezes esperavam que apresentássemos solu- Com efeito, os objetivos da pesquisa Qua-
ções para seus problemas e dificuldades. lificação do ensino público e formação de profes-
A opção desde o início do projeto de sores eram de articular o desenvolvimento profis-
utilizarmos uma abordagem de pesquisa qua- sional dos professores envolvidos; analisar os
litativa gerou, no início, algumas perplexidades processos de construção dos saberes pedagógicos

530 Selma Garrido PIMENTA. Pesquisa-ação crítico-colaborativa:...


pela equipe escolar; estimular mudanças na cul- colaborativa, realizamos um trabalho de reflexão
tura organizacional; oferecer subsídios para as retrospectiva sobre os dois primeiros anos do
políticas públicas de formação contínua de pro- projeto, solicitando que os professores estabe-
fessores. E seu pressuposto era o de que todo lecessem um diálogo entre os objetivos, pressu-
professor pode produzir conhecimentos sobre o postos e metodologia do projeto e a experiên-
ensino. Esperavam-se, como resultados da ação cia vivida até então e as questões colocadas pelo
colaborativa da pesquisa, mudanças pedagógicas autor. A seguir, as questões que orientaram a
que produzissem valorização do trabalho, cresci- discussão e os depoimentos dos professores:
mento pessoal, compromisso profissional, desen-
volvimento de uma cultura de análise e de prá- 1. Qual o significado e a relevância da pes-
ticas organizacionais participativas. quisa? Possibilitou “ampliar o conhecimento
Os caminhos metodológicos adotados per- e a visão da prática; questionar a prática e
mitiram uma convivência negociada ao longo do as ações; tornar o professor mais exigente
processo e podem ser sintetizados como segue: consigo mesmo, com os alunos e com os co-
legas. A prática é que ´bateu´ com a teoria
• organização de quatro subgrupos — Arte e (isto é, a prática validando e questionando a
Comunicação; Educação Matemática; Estági- teoria). Nos tornamos autores”.
os; e C.R.I.ação (Cidadania, Reflexão, Inter- 2. Há colaboração entre professores (da escola
disciplinaridade-ação) — por áreas de interes- e da FEUSP) e entre os professores da escola?
se com reuniões semanais; “No início, queríamos a participação dos pro-
• reuniões coletivas quinzenais na escola fessores (da USP) nas nossas práticas; hoje,
com todos; percebemos que somos parceiros. Hoje cons-
• definição de dois professores para coordenar truímos nossa prática, tendo papéis diferentes;
o projeto na escola, escolhidos dentre eles; nova valorização de papéis no grupo todo. O
• pesquisa com (e não sobre) os professores; não reconhecimento dos ritmos e estilos indi-
valorização das decisões conjuntas e de pro- viduais gera conflitos: como trabalhar isso no
jetos coletivos; reflexão sobre a prática: grupo? Importante diferenciar ‘respeito ao ou-
problematização, partilha com os pares, pro- tro´ de ‘reconhecimento do outro’. Nesta se-
posição de inovações; gunda perspectiva, há uma atitude de incorpo-
• elaboração e realização de projetos de pes- ração, de fazer junto. Há colaboração genuína”.
quisa pelos professores: formulando questões 3. O projeto tem oferecido subsídios aos pro-
investigativas; experimentando as inovações jetos individuais e aos dos subgrupos6 : “Sim,
(testando as hipóteses); levantando dados; na medida em que as informações ampliam
documentando; realizando leituras de apoio; nossa percepção das práticas; importante
procedendo a análise sistemática e divulgando também a informação e a troca entre os
o trabalho das pesquisas (criação e publicação subgrupos”.
de boletins para toda a comunidade, redação
de textos individuais e em grupos e apresen- Analisando o movimento da pesquisa
tação em eventos e congressos científicos). colaborativa nessa escola, foi possível também
Nessa etapa, os professores começaram a se configurá-la como uma pesquisa-ação a partir
identificar como autores, o que resultou em de seus pressupostos (Thiollent, 1994).
aumento da auto-estima e da qualificação
profissional e plena adesão ao projeto.
6. A dinâmica da pesquisa incluía a realização de reuniões quinze-
nais com todos os participantes e a reunião de subgrupos, organiza-
Com as indagações feitas por Zeichner dos conforme a linha de pesquisa dos professores universitários e os
(1998) no texto no qual explicita a pesquisa interesses e demandas dos professores do CEFAM.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 521-539, set./dez. 2005 531


Características da metodologia da prática, pautadas pelas políticas de governo,
pesquisa-ação freqüentemente se configuravam como
limitadoras do tempo para o conhecimento. O
Sobre as características da pesquisa-ação que exigia dos pesquisadores cuidados para
— contínua intervenção no sistema pesquisado; manter equilíbrio entre os objetivos práticos e os
envolvimento dos sujeitos da pesquisa na mes- de conhecimento na condução da pesquisa.
ma; mudanças seguidas da ação, a partir da re-
flexão, conforme o autor. Os professores da es- 3. Objetivo de produzir e socializar conheci-
cola que assumiram a responsabilidade de coor- mento que não seja útil apenas para a cole-
denadores do projeto USP–Ayres chegaram até a tividade diretamente envolvida na pesquisa,
redigir o texto Pesquisa-ação e o projeto quali- mas que possibilite certo grau de generaliza-
ficação do ensino público e formação de profes- ção. Esse objetivo se fez presente ao longo
sores (Camargo et al., 1999)7 , no qual apresen- do processo da pesquisa, percebido pela
tam os dados de campo que ilustram as caracte- identificação de outros CEFAMs, nos encon-
rísticas elencadas, destacando o movimento im- tros de socialização, das questões e dos en-
presso pelo grupo do projeto no CEFAM. caminhamentos realizados pelos professores
do CEFAM “Ayres de Moura”. Também nos
Objetivos da pesquisa-ação textos produzidos pelos professores envolvi-
dos, apresentados em eventos científicos na-
No que se refere aos objetivos da pes- cionais, houve a sistematização do conheci-
quisa-ação, ainda conforme Thiollent (1994), mento gerado a partir dos dados de campo,
pudemos analisar o que segue. que contribuem para a ampliação da área.

1. Objetivo prático (ou de resolução de proble- Aspectos da metodologia de pesquisa-


mas): a pesquisa-ação visa contribuir para o ação
equacionamento do problema central na pes-
quisa, a partir de possíveis soluções e de propos- Thiollent aponta também alguns aspec-
tas de ações que auxiliem os agentes (ou atores) tos que configuram a pesquisa-ação:
na sua atividade transformadora da situação;
2. Objetivo de conhecimento (ou de tomada 1. Há uma ampla e explícita interação entre
de consciência): a pesquisa-ação propicia pesquisadores e pessoas (professores da escola,
que se obtenha informações de difícil acesso no caso) implicados na situação investigada;
por meio de outros procedimentos e, assim, 2. Dessa interação, resulta a definição de pri-
possibilita ampliar o conhecimento de deter- oridades dos problemas a serem pesquisados
minadas situações. Desse item, são exemplos e das soluções a serem encaminhadas sob
da pesquisa: reivindicações dos professores; forma de ações concretas;
suas representações, dos alunos e da socie- 3. Objetivo da investigação não é constituído
dade sobre a profissão, sobre os alunos, so- pelas pessoas e sim pela situação social e
bre as questões pedagógicas; suas capacida- pelos problemas de diferentes naturezas en-
des de ação ou mobilização etc. contrados na situação;
4. Objetivo da pesquisa-ação consiste em re-
Segundo o autor, a relação entre esses solver ou, pelo menos, em esclarecer os pro-
dois objetivos é variável. De modo geral, maior blemas da situação observada;
conhecimento leva a melhor condução da ação.
No entanto, no caso da pesquisa em pauta, 7. Relatório de pesquisa: Qualificação do ensino público e formação
constatamos que as exigências cotidianas da de professores. FEUSP, 1999.

532 Selma Garrido PIMENTA. Pesquisa-ação crítico-colaborativa:...


5. Há, durante o processo, um acompanha- ferentes olhares – do conhecimento sobre
mento das decisões, das ações e de toda ati- processos de desenvolvimento e aprendiza-
vidade intencional dos atores da situação; gem profissional de professores no local de
6. A pesquisa não se limita a uma forma de trabalho [...].
ação (risco de ativismo): pretende-se aumen- • Como síntese geral, considerou-se tratar de
tar o conhecimento dos pesquisadores ou o um tipo de pesquisa que não tem um delinea-
“nível de consciência” das pessoas e dos gru- mento configurado de forma detalhada e con-
pos considerados. trolada a priori, mas que se constrói processu-
almente, tendo como eixo o problema sob in-
Analisando esses aspectos com o grupo vestigação e como prováveis direções a serem
e utilizando-os como categorias de análise do seguidas às análises oferecidas pelos dados
processo até então desenvolvido, concluímos parciais obtidos que podem, inclusive,
tratar-se efetivamente de uma pesquisa-ação a redirecionar procedimentos para focos não pre-
que estávamos realizando. vistos. Sob essa ótica, a manutenção de coe-
O relatório da avaliação externa, a que rência teórico-metodológica faz-se imprescin-
submetemos os projetos do Programa Melhoria dível em termos de vigilância grupal. Trata-se
do Ensino da FAPESP, confirma o referencial de um modelo construtivo-colaborativo: estra-
teórico-metodológico de pesquisa-ação colabo- tégias ao mesmo tempo de ação e de investi-
rativa presente nos projetos e apresenta análi- gação concebidas e desenvolvidas ao longo do
se que amplia a compreensão de seu significa- processo investigativo, objetivando oferecer
do, de seu potencial e de suas dificuldades, respostas — mesmo que parciais — ao problema
apontando a necessidade de se ampliar e de pesquisa e informações imprescindíveis para
aprofundar as questões teóricas que envolvem tomada de decisão em relação aos próximos
essa modalidade de pesquisa qualitativa. passos a serem tomados na continuidade do
projeto [...]. A compreensão desse tipo de pes-
• As pesquisas, em sua maioria, apresentam quisa como sendo um processo em aberto:
características de um modelo construtivo- cada projeto constrói seus próprios caminhos a
colaborativo, o que implica a definição pro- partir do problema geral e de questões especí-
cessual dos elementos que compõem a par- ficas relacionadas à sua investigação [...]8 .
ceria entre universidade e escola-campo de
pesquisa. Apresentam como característica a Pesquisa-ação crítico-
realização de experiências que resultam em colaborativa
produtos, sendo que tanto os processos em-
preendidos quanto os produtos alcançados – Tendo configurado, por fim, a pesquisa-
mesmo que parciais – são dados de pesquisa ação colaborativa no processo da pesquisa
cujas análises oferecem, constantemente, ru- Qualificação do ensino público, restava ainda
mos a serem tomados pela investigação. uma questão: seria essa uma pesquisa-ação
• Desse modo, as pesquisas em pauta têm, crítico-colaborativa?
predominantemente, um caráter processual e Apoiada em Kincheloe (1997), Maria
a análise dos processos constitui produção Amélia Franco (2004) apresenta a seguinte
de conhecimento sobre os problemas investi- consideração ao analisar o que define a pesqui-
gados, o que aponta para a importância (e a sa-ação colaborativa como crítica:
dificuldade) da organização parcial dos da-
dos de pesquisa que possam configurar uma
8 . Relatório do Seminário Universidade e escola: pesquisa
produção de conhecimento mais sistematiza- colaborativa para melhoria do ensino público - Universidade – FAPESP
da e possível de ser partilhada a partir de di- – Escola Pública. FEUSP. 1999.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 521-539, set./dez. 2005 533


Quando a busca de transformação é solicita- ção da realidade prática de ensinar — no con-
da pelo grupo de referência à equipe de pes- fronto com suas experiências anteriores, com
quisadores, a pesquisa tem sido conceituada sua formação de base, com a experiência de
como pesquisa-ação colaborativa, onde a outros no ambiente escolar e com as teorias ela-
função do pesquisador será a de fazer parte boradas —, encontrar soluções para as deman-
e cientificizar um processo de mudança an- das que a prática lhes coloca e, a partir daí,
teriormente desencadeado pelos sujeitos do produzir conhecimento. O desenvolvimento
grupo. desse método não ocorre espontaneamente.
Requer colaboração. Daí que a metodologia da
A pesquisa foi realizada a partir da so- pesquisa-ação colaborativa se impôs como a
licitação de um grupo de professores da esco- mais adequada.
la, que se encontrava diante de situações com- Um dos fatores preponderantes, que
plexas, conflitivas e instáveis, situações estas aglutinou a equipe de pesquisadores da universi-
que caracterizam a atividade docente. Os pes- dade na proposição e na realização da pesquisa, foi
quisadores da universidade realizaram com eles o compromisso por realizar uma pesquisa em uma
e demais membros da instituição uma pesqui- escola pública e que tivesse por característica ser
sa-ação colaborativa, cuja finalidade foi a de realizada com os professores (e não sobre esses) e
criar uma cultura de análise das práticas na es- que fosse realizada com o coletivo escolar, envol-
cola, tendo em vista suas transformações pe- vendo professores, diretores e coordenadores. Isso
los professores, com a colaboração dos pesqui- porque é nosso pressuposto que uma das moda-
sadores da universidade. lidades mais profícuas de formação contínua é
Prossegue Franco (2004): aquela que toma os contextos escolares como
objeto de análise, o que favorece a relação teoria
Se esta transformação é percebida como neces- e prática, uma vez que nas modalidades tradicio-
sária a partir dos trabalhos iniciais do pesquisa- nais de formação contínua, como cursos e treina-
dor com o grupo, decorrente de um processo mentos diversos, a mediação entre essas modali-
que valoriza a construção cognitiva da experi- dades e os contextos escolares não têm sido
ência, sustentada por reflexão crítica coletiva, estabelecidas, resultando num investimento mais
com vistas à emancipação dos sujeitos, e das na profissio-nalização do professor e menos na al-
condições que o coletivo considera opressivas, teração das práticas institucionais necessárias à
esta pesquisa vai assumindo o caráter de criti- melhoria dos resultados da escolaridade.
cidade, e então, tem-se utilizado a concei- A opção por configurar a pesquisa no
tuação de pesquisa-ação crítica. espaço escolar evidenciou toda a problemática
que envolve a escola como organização num
Franco (2005) afirma que nem toda pes- dado sistema (no caso, o público estadual),
quisa-ação colaborativa é necessariamente crí- apontando importantes questões para as polí-
tica. Se, ao contrário, a transformação é pre- ticas públicas e governamentais de educação.
viamente planejada, sem a participação dos
sujeitos, e apenas o pesquisador acompanhará A condição para ser pesquisa-ação crítica é o
os efeitos e avaliará os resultados de sua apli- mergulho na práxis do grupo social em estudo,
cação, essa pesquisa perde o qualificativo de de onde se extraem as perspectivas latentes, o
pesquisa-ação crítica, podendo ser denomina- oculto, o não familiar que sustentam as práti-
da de pesquisa-ação estratégica. cas, e as mudanças serão negociadas e geridas
A pesquisa partiu do pressuposto de que no coletivo. Nesta direção, as pesquisas-ação
os professores são capazes de desenvolver um colaborativas, na maioria das vezes, assumem
método de problematização, análise e investiga- também o caráter de criticidade. (Franco, 2004)

534 Selma Garrido PIMENTA. Pesquisa-ação crítico-colaborativa:...


Para Kincheloe (1997), práticas escolares, gerando mudanças na cultura
escolar, criando comunidade de análise e de
[...] a pesquisa-ação crítica não pretende apenas investigação, crescimento pessoal, compromisso
compreender ou descrever o mundo da prática, profissional e práticas organizacionais partici-
mas transformá-lo; [...] é sempre concebida em pativas e democráticas.
relação à prática – ela existe para melhorar a prá- O diálogo entre os autores referidos e
tica. Os pesquisadores críticos da ação tentam aspectos da pesquisa em pauta possibilitam
descobrir aqueles aspectos da ordem social domi- que a identifiquemos como uma pesquisa-ação
nante que minam nossos esforços para perseguir crítico-colaborativa.
objetivos emancipatórios. (p. 179)
Contribuições da pesquisa-ação
E prossegue Franco (2005): crítico-colaborativa à formação
de professores
A pesquisa-ação crítica considera a voz do su-
jeito, sua perspectiva, seu sentido, mas não Na década de 90 do século XX, a litera-
apenas para registro e posterior interpretação tura sobre a formação de professor reflexivo se
do pesquisador, a voz do sujeito fará parte da deslocou de uma perspectiva excessivamente
tessitura da metodologia da investigação. Neste centrada nos aspectos metodológicos e cur-
caso a metodologia não se faz através das eta- riculares para uma perspectiva que leva em
pas de um método, mas se organiza pelas situ- consideração os contextos escolares. As orga-
ações relevantes que emergem do processo. Daí nizações escolares produzem uma cultura inter-
a ênfase no caráter formativo desta modalida- na que lhes é própria e que exprime os valo-
de de pesquisa, pois o sujeito deve tomar cons- res e as crenças que os membros da organiza-
ciência das transformações que vão ocorrendo ção partilham. Não são apenas divulgadoras,
em si próprio e no processo. É também por mas também produtoras de práticas sociais, de
isto que tal metodologia assume o caráter valores, de crenças e de conhecimentos, movi-
emancipatório, pois mediante a participação das pelo esforço de procura de novas soluções
consciente, os sujeitos da pesquisa passam a para os problemas vivenciados.
ter oportunidade de se libertar de mitos e pre- A valorização das dimensões contextuais
conceitos que organizam suas defesas à mu- desloca o debate sobre a formação de professo-
dança e reorganizam a sua autoconcepção de res de uma perspectiva excessivamente cen-trada
sujeitos históricos. na sala de aula, em seus aspectos disciplinares,
metodológicos e curriculares (Sacristán, 1999;
A metodologia pesquisa-ação colabo- Baird, 1987; Porlán, 1987), para uma perspec-
rativa possibilitou esse envolvimento. Conside- tiva mais complexa que considera novas dimen-
rou questões relacionadas ao processo de sões. Conforme Zeichner (1993), a formação
interação entre a equipe de pesquisadores e a passa sempre pela mobilização de vários tipos de
equipe escolar (natureza e superação de confli- saberes: saberes de uma prática reflexiva, sabe-
tos); à natureza da reflexão e ao conhecimento res de uma teoria especializada, saberes de uma
que os professores empreenderam sobre suas militância pedagógica (Pimenta, 1997). E con-
práticas; e ao processo e ritmo das mudanças. forme Nóvoa (1992), o processo de formação
Mediante à reflexão colaborativa, os professores crítico-reflexivo implica em produzir a vida do
se tornaram capazes de problematizar, analisar professor (desenvolvimento pessoal), produzir a
e compreender suas próprias práticas, de produ- profissão docente (desenvolvimento profissional)
zir significado e conhecimento que lhes possi- e produzir a escola (desenvolvimento organi-
bilitou orientar o processo de transformação das zacional).

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 521-539, set./dez. 2005 535


Assim entendida, a formação constitui construção da realidade histórica; necessita de
não só um processo de aperfeiçoamento profis- espaços institucionais não excessivamente bu-
sional, mas também um processo de transforma- rocratizados [...] onde se valorize os comporta-
ção da cultura escolar, em que novas práticas mentos colaborativos, solidários, críticos,
participativas e de gestão democrática vão sendo intersubjetivos [...]; precisa se consolidar no
implementadas e consolidadas. Nesse sentido, a sentido da não-aceitação de verdades prontas
formação de professores reflexivos configura um [...]; todos os envolvidos na prática reflexiva
projeto pedagógico emancipatório (Kincheloe, precisam constituir-se em investigadores no
1997; Pimenta, 1998, 1999). contexto da prática.
Essa proposta de transformar a escola em
comunidade crítica encontrou obstáculos a sua Conclusões
concretização no caso da pesquisa Qualificação do
ensino público e formação de professores. Dizem Analisando os resultados das duas expe-
respeito às atitudes de resistência à mudança, à riências de pesquisa-ação crítico-colaborativa
burocratização do sistema de ensino, à estrutura apreciadas neste texto, é possível se acrescen-
hierarquizada e profundamente autoritária da es- tar algumas características que permitem me-
cola, à fragilidade do estatuto de profissionalidade lhor configurar o sentido e o significado des-
dos professores. Tanto do ponto de vista da ins- sa abordagem metodológica do ponto de vis-
tabilidade funcional, das precárias condições de ta teórico-metodológico e do ponto de vista
trabalho que favorecem mais a um trabalho indi- político-institucional. Quanto ao primeiro:
vidual e menos um trabalho coletivo, mais a uma
presença fragmentada e difusa na escola, quanto a) confirma-se a importância da realização de
devido aos baixos salários que obrigam os profes- pesquisas-ação crítico-colaborativas entre a
sores a, quando possível, trabalhar em outras es- universidade e as escolas como condição fun-
colas e/ou atividades. No entanto, apesar de seu damental no processo de desenvolvimento
peso na equipe da escola pesquisada, esses aspec- profissional de professores (investimento no
tos foram contrariados pelo compromisso de seus estudo, na análise das práticas pedagógicas e
professores para com a profissão e o trabalho, institucionais);
inúmeras vezes demonstrado ao longo dos quatro b) nesse processo, é requisito essencial partir
anos. Os professores resistiram aos desatinos dos das necessidades dos professores envolvidos
autori-tarismos. Resistiram propondo soluções que e delas evoluir, consensualmente, para obje-
nem sempre foram ouvidas pelas autoridades. O tivos de pesquisa;
projeto de pesquisa foi, em grande parte, respon- c) a pesquisa-ação crítico-colaborativa apre-
sável por manter acesa a resistência ao propiciar senta resultados de alterações das práticas ao
um aumento da auto-estima dos professores e ao longo do processo. Este, no entanto, requer
possibilitar a eles os instrumentos teóricos para tempo para se implantar e amadurecer;
suas análises e seus encaminhamentos. d) à medida que os professores se percebem
Para fazer essa virada de rumo da reflexão como capazes de analisar, refletir e alterar
individual a compromissos emancipatórios, a pes- suas práticas, eles se fortalecem como pesso-
quisa educacional precisa dispor aos envolvidos as e como profissionais. No entanto, as difi-
na ação os instrumentos de análise crítica do real. culdades vivenciadas na Escola Alípio9 , para
Como sugere Franco (2000, p. 13): a implantação de um projeto pedagógico co-
letivo envolvendo os cursos ensino funda-
[...] a prática reflexiva, como uma proposta po-
lítico-pedagógica, necessita, para se efetivar,
9. No terceiro ano de realização da pesquisa, o nome da escola foi
que se assuma a dialeticidade como forma de alterado conforme decisão da Delegacia de Ensino.

536 Selma Garrido PIMENTA. Pesquisa-ação crítico-colaborativa:...


mental e CEFAM, revelam a fragilidade do ria de definição de projetos pelos órgãos cen-
estatuto de profissionalidade dos professores trais e a partir, apenas, da análise que estes
da rede pública: estão nas mãos das ‘autori- realizam do que é bom para a escola. Não há
dades de plantão’. Foi impossível fazer frente espaço para proposições pedagógicas a partir
às idas e vindas da administração da escola e dos problemas enfrentados pela escola. Quan-
dos órgãos centrais; do esta o faz, graças ao envolvimento dos pro-
e) os pesquisadores da universidade não po- fessores, o apoio material e de recursos humanos
dem (não lhes compete) alterar o sistema de é inexistente. Pesquisas realizadas em diferentes
ensino, a hierarquia, o autoritarismo vigente. países revelam que a ausência de participação dos
Cabe-lhes fortalecer a profissionalidade dos atores envolvidos na definição de inovações, es-
professores, por meio de explicitação, regis- pecialmente dos professores no caso das institui-
tro, reflexão compartilhada, proposição, rea- ções escolares, não se efetivam (Nóvoa, 1992;
lização, acompanhamento e análise de proje- Garcia, 1992; Charlot, Beillerot, 1995; Canário,
tos participativos a partir das necessidades 1999; Almeida, 1999).
dos professores e da percepção destes pelos Apesar desse quadro, a pesquisa mostrou
pesquisadores. Com isso, possibilitam o alar- as brechas nas quais atuou e as brechas que
gamento dos espaços de decisão e de auto- ampliou. Foram muitas as dificuldades. Porém,
nomia dos professores frente às imposições seus resultados se fizeram identificáveis: nas pos-
que lhes são impingidas. sibilidades de formação contínua dos professores
– estes tiveram seu estatuto de profissionalidade
No que se refere às políticas públicas, as ampliado: desenvolveram habilidades de pesqui-
pesquisas — em especial a segunda — mostra- sa; ampliaram os espaços de atuação coletiva;
ram, de um lado, as inúmeras dificuldades para efetivaram, em inúmeros momentos, práticas de
viabilizar-se na escola em estudo, principal- análise dos problemas da escola, criando nela
mente no que se refere às condições precárias uma cultura de análise; apresentaram propos-
de trabalho dos professores: horistas e com tas e executaram projetos que resultaram em
contratos provisórios10. O horário de trabalho melhoria do ensino nas aulas; instauraram
pedagógico e coletivo (HTPC), incluído na jor- práticas democráticas de discussão com os alu-
nada dos professores, no entanto, reveste-se de nos; ensaiaram novas práticas de ensinar com re-
uma perspectiva meramente burocrática, uma sultados efetivos de melhoria da aprendizagem;
vez que, na prática, com professores horistas e ampliaram suas competências no que se refere
provisórios, inviabiliza-se especialmente o co- aos conteúdos específicos das áreas e no que se
letivo, uma vez que na composição curricular refere aos saberes pedagógicos; e tantos outros11.
é impossível combinar o horário coletivo entre No entanto, também evidenciou as di-
professores em situações funcionais tão diver- ficuldades para a instauração de coletivos. A ar-
sas e desencontradas. Por outro lado, a pers- raigada prática competitiva, presente na soci-
pectiva da escola burocrática se faz presente na edade e altamente estimulada pelo sistema de
relação fortemente autoritária e hierarquizada ensino por meio da fragilidade de um precário
da Secretaria da Educação. O que ficou eviden-
ciado nesses quatro anos pela mudança abrup- 10. No caso da pesquisa realizada com o apoio da FAPESP, os pro-
ta do local de funcionamento do CEFAM de fessores que nela se envolveram recebiam uma bolsa. Vários assu-
um bairro para outro, com graves conseqüên- miram o ônus de participar para além de seus compromissos
institucionais.
cias para alunos e professores e pelas inúme- 11. Além disso, é relevante o dado de que quatro professores ingres-
ras modificações no quadro dirigente da escola, saram em cursos de mestrado em universidades públicas, outros fo-
ram aprovados em concursos públicos de efetivação nas redes estadu-
dificultando o estabelecimento de projetos al e municipal de ensino e quase todos estão se organizando para pros-
compartilhados. Também pela prática autoritá- seguir seus estudos.

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estatuto de profissionalidade, foi um dos fato- me potencial de transformação das práticas pos-
res mais fortemente evidenciados como de di- sibilitadas pela pesquisa-ação colaborativa. Tam-
fícil ruptura. Também a prática instaurada nos bém revelam a importância de seus resultados
órgãos intermediários do sistema (Delegacia de virem a fertilizar o encaminhamento de trans-
Ensino) de uma política de ‘favores’, ‘jeitinhos’ formações nas políticas públicas e, em especi-
evidenciado nos momentos de atribuição de al, nas formas de gestão dos sistemas de ensi-
aulas, além do autoritarismo e centralidade no, valorizando e apoiando iniciativas e proje-
administrativa, que não reconhece a competên- tos oriundos das escolas, criando as condições
cia como critério de promoção na carreira, di- estruturais para que estas se constituam em
ficulta qualquer proposta de projetos e de espaços de análise e de proposições políticas e
transformação das práticas a partir de proces- pedagógicas, a partir de uma finalidade comum
sos coletivamente discutidos e assumidos. de efetiva democratização quantitativa e quali-
Os dados de campo das pesquisas reali- tativa da educação, tendo em vista uma escola
zadas confirmam resultados de outros estudos que seja, de fato inclusiva. Inclusiva socialmente,
avaliativos realizados por pesquisadores no Brasil politicamente, economicamente, culturalmente,
e em outros países, que apontam para o enor- científica e tecnologicamente.

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Recebido em 22.06.05
Aprovado em 19.10.05

Selma Garrido Pimenta é professora titular de didática na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. É diretora
da FEUSP no quadriênio 2002-2006. Coordena o GEPEFE – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação do Educador,
vinculado ao Programa de Pós-graduação em Educação desta Faculdade. É autora de seis livros e de cerca de duzentos
artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais.

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