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A PESQUISA COLABORATIVA NA PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA

Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina – UFPI1


Maria Salonilde Ferreira - UFRN2

RESUMO ABSTRACT
Este artigo foi construído a partir do referencial teórico e metodológico This article was built starting from the theoretical and methodological
que dá sustentação às pesquisas colaborativas que realizamos com reference that gives support ace collaborative researches that we
professores no devir do desenvolvimento da suas atividades docentes. accomplished with teachers in the being of the development of their
As reflexões que apresentaremos, ao longo do texto, realçam o educational activities. The reflections that we will present, along the
materialismo histórico dialético como método de construção de text, present the materialism historical dialectic as method of
conhecimentos e alguns procedimentos, critérios e princípios que, construction of knowledge and some procedures, and beginnings that,
segundo a perspectiva sócio-histórica, constituem-se em um according to the partner-historical perspective, they are constituted
referencial emancipatório de produção colaborativa voltada à in a reference emancipate of production in collaboration returned
transformação da realidade educacional, via pesquisa. Com o objetivo transformation of the education reality, through research. With the
de demonstrar a importância da pesquisa colaborativa como um objective of demonstrating the importance of the collaborative research
espaço tanto de investigação quanto de formação profissional, as a space as much of investigation as of professional formation, we
dividimos o texto em quatro partes, na primeira, discutimos sobre a divided the text in four parts, in the first, we discussed about the
articulação entre reflexão, pesquisa e formação docente. Na segunda articulation among reflection, researches and educational formation.
são relacionados argumentos em favor do materialismo histórico On Monday they are related arguments in favor of the materialism
dialético como método de construção da ciência educacional. Na historical dialectic as method of construction of the education science.
terceira, apresentamos a pesquisa colaborativa, fundamentada na In the third, we presented the collaborative research, based in the
abordagem sócio-histórica, como uma modalidade de investigação partner-historical approach, as an investigation modality in that
em que professores e pesquisadores assumem, conjuntamente, a teachers and researchers assume, jointly, the responsibility of
responsabilidade de problematizar, refletir e transformar as práticas questioned to contemplate and to transform the alienating practices.
alienantes. Na última parte, reafirmamos o papel da pesquisa In the last part, we reaffirmed the paper of the collaborative research
colaborativa na produção de conhecimentos críticos construídos a as a form of production of the critical and reflective education
partir de práticas históricas concretas. knowledge that it leaves of concrete historical practices.

Palavras-Chave: Pesquisa colaborativa, emancipação e reflexão. Word-key: Collaborative research, emancipation, reflection.

1 FORMAÇÃO DE PROFESSORES E a partir dos modelos de docência que lhes são


PESQUISA apresentados. Essa idéia é, geralmente, insu-
ficiente para o exercício da profissão, pois não
abrange a complexidade da função docente e
A formação de professores e professo- do conceito de docência como profissão
ras dá-se em processo permanente que se ini- construído e sistematicamente organizado,
cia desde a formação escolar básica, quando desde o final do século passado, pela literatu-
o indivíduo está em contato com o seu pri- ra educacional.
meiro professor ou primeira professora, for- Entendemos que a superação dos limi-
mando, na vivência, e por meio da observa- tes impostos à construção da identidade
ção experencial, as primeiras idéias e, conse- epistemológica do “ser professor” se dará a
qüentemente, o conceito de “ser professor”. partir do acesso ao conhecimento construído,
Os alunos de qualquer nível de ensino, mes- via pesquisa, sendo necessária à introdução
mo os estudantes dos cursos profissionais es- de estratégias investigativas que auxiliem na
pecíficos de formação, e os professores, no seu compreensão das práticas docentes, permitin-
percurso de formação continuada em servi- do a explicação do que fazemos, como faze-
ço, constroem imagens sobre a ação docente mos e por que o fazemos e de que as opções

* Recebido em: maio de 2005.


* Aceito em: junho de 2005.
1
Doutora em Educação pela UFRN. Professora do Programa de Pós-Graduação da UFPI. e-mail – anavi@secrel.com.br
2
Doutora em Educação pela Universidade Paris. Professora do Programa de Pós-Graduação da UFRN. e-mail: Salonilde@ig.com.br
Linguagens, Educação e Sociedade Teresina n. 12 26 - 38 jan./jun. 2005
empreendidas no nosso fazer são opções fei- Atualmente, entre os pesquisadores edu-
tas, de forma consciente ou não, com base cacionais, cresce a convicção de que a pes-
em teorias. O exercício da pesquisa, nessas quisa colaborativa é uma alternativa teórica e
condições, possibilita construções mais cons- metodológica de formar o professor para além
cientes e distantes do puro praticismo e da cultura de construção técnica do conheci-
automatismo de práticas consolidadas, auxi- mento, em que os professores experimentam
liando na caminhada em direção a uma atua- e põem a prova resultados de pesquisas ex-
ção docente emancipatória. ternas e não o desenvolvimento de práticas
A dimensão reflexiva da pesquisa é es- investigativas sob o seu próprio controle. Nes-
sencial à prática docente, pois desenvolve uma sa perspectiva, essa modalidade de pesquisa
atitude científica de olhar a realidade educa- é um empreendimento para a recuperação da
cional para além dos conceitos espontâneos, profissionalização docente e sua emancipação.
não que esses não sejam importantes, mas não Essa nova maneira de produzir conhe-
são suficientes para o crescimento profissio- cimento, por meio da pesquisa e da reflexão
nal. A reflexibilidade realizada com base teó- colaborativa, é uma matriz de mudança tanto
rica (cultura objetiva) possibilita condições, por do contexto da sala de aula quanto de outros
ter um poder formativo, de fazer com que se mais gerais, pois supera, principalmente, a
possa ressignificar as práticas (cultura subjeti- prática corrente de que somos meros
va) conduzindo as análises compreensivas dos repetidores de conteúdos escolares inúteis
contextos histórico, social, cultural, porque não dão acesso real ao conhecimento
organizacional e profissional, nos quais se dá e à cultura humana e não desenvolvem o alu-
a atividade de ser professor, para neles inter- no de maneira global.
vir, transformando-os. A investigação da prática profissional
3
Estudos recentes apontam que a solu- não é algo fácil. É um desafio que exige a
ção para a profissionalização dos professores ampliação tanto do conceito de reflexão quan-
estaria justamente no desenvolvimento de sa- to de pesquisa, deixando-os mais amplos e
beres construídos no espaço da pesquisa flexíveis. Pesquisar torna-se a atividade prin-
colaborativa. Esses saberes deveriam ser cons- cipal corresponde à vontade de produzir co-
tituídos, segundo Libâneo (2002), tendo qua- nhecimentos, isto é, conhecer, descrever, no-
tro pilares fundamentais: uma cultura científica mear, relatar e explicar a realidade educativa
crítica; conteúdos instrumentais que assegurem de forma compar tilhada, para poder
o saber-fazer; uma estrutura de organização que transformá-la, também, coletivamente.
propicie espaços de desenvolvimento profissi- Nessa perspectiva, apresentamos a prá-
onal; uma base de convicção ético-política que tica da pesquisa colaborativa como uma mo-
permita a inserção do trabalho docente em um dalidade de investigação voltada para o de-
contexto sócio-cultural. senvolvimento e a emancipação profissional
Esse autor diz que os componentes cita- dos professores. Assim, na tentativa de contri-
dos somente estão sendo harmonicamente buir para a sistematização de pesquisas no
integrados nos estudos realizados pela teoria contexto da formação do professor que pos-
sócio-histórica, pois eles vêm contribuindo sam suscitar a vontade de transformar as prá-
com descobertas que nos permitem compre- ticas recorrentes em emancipatórias, sugeri-
ender a formação profissional a partir da nos- mos a utilização da reflexão crítica e da cola-
sa atividade real, de práticas correntes no con- boração como atitudes inerentes ao processo
texto em que nosso trabalho ocorre e não a de investigação. Essa nova maneira de
partir do trabalho prescrito, tal como aparece pesquisar auxilia na compreensão e explica-
no conceito espontâneo de “ser professor” que ção das situações práticas educativas com vis-
ainda vigora fortemente nas escolas. tas a transformar a realidade das escolas e dos

3
Dentre os quais destacamos, Kemmis (1993) e Magalhães (2004).

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professores, pois proporciona o aprendizado uma construção que envolve opções, seleções
de atitudes que se voltam para o desenvolvi- e combinações realizadas com a finalidade de
mento profissional. descrever, explicar e intervir na realidade
Passaremos a discutir, em seguida, al- pesquisada, constituindo-se em um modelo
guns pressupostos teóricos e metodológicos tanto para o leitor e intérprete, que após ter
que sustentam o destaque dado a pesquisa acesso à obra acabada necessita saber qual o
colaborativa no interior da matriz da corrente caminho percorrido pela investigação, quan-
sócio-histórica, para tanto, utilizamos os tra- to para o pesquisador que visa à apreensão
balhos de Kopnim (1978) e Vygotsky (1996, da estrutura da obra e da produção do seu
2000, 2001). conhecimento. Essa estrutura define a própria
arquitetura da pesquisa.
2 MATERIALISMO HISTÓRICO Método e teoria, embora sejam coisas
DIALÉTICO: MÉTODO DE CONSTRU- diferentes, são produtos e processos da ativi-
ÇÃO DE CONHECIMENTOS dade pensante e consciente do pesquisador.
Morin (2000) alerta para a necessidade dos
investigadores estarem atentos ao fato de que
A explicação do método utilizado em em todo pensamento, assim como em toda
qualquer processo investigativo, segundo investigação, corre-se o perigo da simplifica-
Bachelard (1997), é um dos requisitos indis- ção, do nivelamento, da rigidez, da moleza,
pensáveis para o exercício da vigilância do enclausuramento e da esclerose, o que os
epistemológica que deve ser praticada pelo levam a investirem em estratégias de reflexão
pesquisador, pois lhe permite optar pelo uso e criatividade, papel que cabe ao método.
mais consciente de métodos e técnicas, auxi-
Como todo sistema tende, naturalmen-
liando-o na fundamentação e legitimação das
te, a degradar-se, a sofrer o princípio de
escolhas feitas no decorrer da pesquisa.
entropia crescente, a teoria precisa regenerar-
Vygotsky (1996) afirma que a busca do se, sendo o método responsável por revitalizá-
método se torna um dos problemas mais im- la. Nessa perspectiva, a teoria não é nada sem
portantes de todo o empreendimento de com- o método. E, este, é uma atividade
preensão das formas exclusivamente huma- reorganizadora e necessária para a sua
nas de atividades psicológicas, constituindo- dinamicidade, porém, muitas pesquisas, por
se simultaneamente em pré-requisito e pro- uma carga de herança cultural, advinda do
duto, instrumento e resultado de um estudo. positivismo, trabalham com uma visão de
É por essa razão que o método reflete sempre método e teoria, por meio da qual os pesqui-
o olhar, a perspectiva do pesquisador com sadores apreendem os objetos não como ele-
relação às questões por ele estudadas. mentos de uma totalidade, mas de forma iso-
Para Morin (2000), a palavra método lada, não enquanto realidade dotada de di-
deve ser concebida fielmente em seu sentido namismo, mas como coisas acabadas.
original, e não em seu sentido derivado, de- Esse modelo de fazer ciência costuma
gradado na ciência clássica. Com efeito, na separar os fenômenos que acontecem na rea-
perspectiva clássica o método não é mais do lidade, do mundo do pensamento. Ao traba-
que uma receita de aplicações quase mecâni- lhar os conceitos de forma separada, fixa e
cas, que visa a excluir o sujeito de seu exercício rígida, segue uma ordem estrita e um método
criativo. Nessa perspectiva, o método degra- racional, estudando as coisas isoladamente de
da-se em técnicas, porque a teoria se torna um maneira unilateral, considerando as influên-
programa a ser seguido mecanicamente. cias exercidas sobre os fenômenos como de-
O método, de acordo com a Teoria Só- terminações externas independentes das cons-
cio-Histórica, precisa de estratégia, de inicia- truções internas.
tiva, invenção e arte, sendo a própria ativida- No modelo positivista de construção de
de pensante do pesquisador. Nesse sentido, é conhecimentos, os fenômenos/objetos são
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considerados somente na forma de seus con- do, pois descrevem situações que não inclu-
teúdos e abrangem elementos isolados, que em as relações complexas e contraditórias for-
se opõem entre si. A forma de pensamento madoras de uma totalidade concreta e ine-
predominante é a antítese, isto é, uma coisa rente ao objeto estudado, isto é, não levam
não pode ser, ao mesmo tempo, ela e outra em consideração em suas pesquisas produtos
coisa, pois as duas formas de oposição, a po- e processos, tampouco as diversas interações
sitiva e a negativa, devem se excluir mutua- e relações existentes entre a realidade obser-
mente, não podendo haver combinação en- vada e as condições sociais.
tre elas. Na verdade, esse modelo, trabalha No sentido de apreender essas relações
com a lógica formal, levando a uma visão e as conexões existentes entre um objeto par-
simplista e ingênua da realidade e viciando o ticular e o contexto global, percebendo o movi-
processo de pensar ao submetê-lo a uma vi- mento do real e sua dinamicidade, é necessá-
são rígida e esquemática das coisas. Essa ló- rio utilizar um outro método de elaboração te-
gica classificatória, utilizada por alguns pes- órica, capaz de refletir a realidade na sua tota-
quisadores para explicar e compreender os lidade, revelando-a como processo e produto,
fenômenos reais, retira-nos a possibilidade de desvelando os elementos de um conjunto, mas
interpretar os processos de construção dessa percebendo-os como parte de uma totalidade;
realidade e do seu movimento, que não é li- em um movimento que vai das partes ao todo
near e, sim, universal, dinâmico, contraditó- e do todo as partes, permitindo a apreensão
rio e complexo, pois trabalha com um mode- das relações e de suas contradições.
lo de explicação da realidade em que os fenô-
Nessa perspectiva, consideramos, base-
menos são tomados como um objeto cristali-
ando-nos nos princípios da Teoria Sócio-His-
zado em si mesmo e estudados de ângulos
tórica, que o materialismo histórico dialético
diferentes, segundo um instrumento selecio-
é o método que parte do estudo dos fenôme-
nado dentro de parâmetros teóricos constitu-
nos na sua forma mais madura, pelo estágio
ídos aprioristicamente. de seu desenvolvimento em que os aspectos
Superando essa forma de produção de essenciais estão suficientemente desenvolvi-
saberes e considerando que a natureza, por dos, refletindo o processo de afirmação e de-
estar em constante movimento, forma um con- senvolvimento ao longo da sua história. Os
junto interligado a outros na complexidade da degraus antecedentes e inferiores permitem re-
realidade objetiva, e mesmo quando aparen- produzir a sua essência, descobrir a sua histó-
temente parece se configurar de forma autô- ria. Melhor dizendo, o estágio mais desenvol-
noma, revela-se dependente de um conjunto vido de um fenômeno permite ao pesquisa-
maior e total, afirmamos que a realidade não dor retratar a sua história real, refletindo, não
é estável, pois está constantemente transfor- só sobre o produto em si, mas sobre o seu
mando-se. Nela, os contrários manifestam-se processo de evolução. Para Kopnin (1978),
de maneira dinâmica e, mesmo modificando- conhecer a história do objeto permite revelar
se, não se apagam, pois deixam marcas, seja esse movimento em sua essência.
na forma de herança cultural, quando se trata No materialismo histórico dialético a te-
dos humanos; seja na biológica, quando a oria é enriquecida pelo conhecimento da his-
referência é o organismo vivo. Isso demons- tória do objeto, da mesma forma que o co-
tra a dinamicidade tanto da sociedade quan- nhecimento do processo histórico sofre influ-
to da natureza, já que ambas fazem parte de ência da teoria. O estudo aprofundado da his-
uma mesma totalidade. tória do objeto permite a retomada de defini-
Essa observação nos levou a analisar as ções e a criação de novos conceitos, segundo
pesquisas sociais que usam a lógica formal, Kopnin (1978, p.186): o pesquisador ao utili-
fazendo-nos concluir que os pesquisadores, na zar esse método “se aprofunda na essência
sua maioria, não utilizam uma abordagem do objeto e em sua história”. Assim, esse mé-
globalizante ao retratar seus objetos de estu- todo auxilia na compreensão de que a ori-

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gem da vida consciente e do pensamento abs- cativas, apreendendo as leis sociais e históri-
trato é determinada na interação do organis- cas dos fenômenos na sua concretude, nas
mo com as condições de vida social, e nas suas contradições, considerando o objeto de
formas sociais e históricas de vida da espécie estudo nas suas relações, na sua especificidade
humana e não, como muitos acreditavam, no e na sua totalidade.
mundo espiritual e sensorial do homem. Des- As pesquisas realizadas com base nessa
te modo, propõe que para se analisar o refle- perspectiva compreendem e explicam a reali-
xo do mundo exterior no interior da mente, dade em seu movimento, trabalhando proces-
devemos partir das interações mantidas pelos sos reflexivos que possam apreendê-la de for-
indivíduos na realidade material e concreta em ma concreta e sensível em uma construção te-
que eles estão inseridos. órica e prática, lógico-histórica, que capte, prin-
A matriz conceitual dessa corrente de- cipalmente, as estruturas, as relações e os pro-
monstra que a conduta do homem adulto con- cessos, permitindo-nos fazer uma leitura refle-
temporâneo resulta do produto de dois pro- xiva dos elementos globais que se inserem no
cessos diferentes do desenvolvimento psíqui- âmbito da diversidade, das hierarquias, das
co: por um lado o processo de evolução bio- desigualdades, das divisões e de outras formas
lógica das espécies animais, que levou ao antagônicas e contraditórias da prática social.
surgimento do Homo Sapiens. E por outro, o Nessa direção, as investigações que ado-
processo de desenvolvimento histórico, por tam o materialismo histórico dialético revelam,
meio do qual este Homo Sapiens se realiza de forma original, a totalidade do objeto de
como ser social. Segundo Vygotsky (2000), o estudo, retratando-o de forma mais real e uni-
homem desenvolve suas funções superiores versal. Esse método oferece a oportunidade
de inteligência a partir do domínio dos meios de colocar em prática o dinamismo do pensa-
externos de desenvolvimento social. mento, auxiliando a unir lógico e histórico e
No processo de desenvolvimento histó- possibilitando que o fenômeno seja investi-
rico o homem social muda os modos e proce- gado na sua evolução.
dimentos de sua conduta, transforma os có- Para a concretização de estudos que
digos e funções inatas, elabora e cria novas priorizem esse método, recomendamos a uti-
formas de comportamento, especificamente lização de alguns elementos de mediação, um
sociais. Compreendemos que mesmo nos es- deles, é a investigação colaborativa, pois con-
tágios mais primitivos do desenvolvimento his- sideramos esta modalidade de pesquisa como
tórico, os seres humanos foram além dos limi- a que oferece as ferramentas necessárias à
tes das funções psicológicas impostas pela na- condução de um processo investigativo
tureza, evoluindo para uma organização nova, dialético.
culturalmente elaborada de seu comportamen-
to (VYGOTSKY, 2000). 3 A PESQUISA COLABORATIVA
Nesse modelo de fazer ciência, a unida-
de entre o lógico (teoria) e o histórico é uma A escolha pelo materialismo histórico
premissa metodológica indispensável à solu- dialético nos levou a pesquisar as diferentes
ção dos problemas levantados pelos pesqui- modalidades de pesquisas propostas pelos
sadores na superação da lógica formal, pois a pesquisadores da área educacional, fazendo-
lógica dialética reflete o concreto em toda a nos vislumbrar na pesquisa colaborativa o seu
sua diversidade e contradição. Utilizando-a potencial de focalizar e resolver os problemas
estamos desvelando os fenômenos não ape- educacionais de uma forma emancipatória.
nas observando os comportamentos manifes- Kemmis (1999) reforça essa afirmativa ressal-
tados segundo a lógica perceptível e imedia- tando que essa modalidade de pesquisa apre-
ta, mas por meio do processo sócio-histórico senta-se como mais pertinente para atender
que os constituiu, analisando a realidade por as preocupações dos professores sobre a sua
meio de abstrações mais complexas e signifi- profissão, já que está mais diretamente ligada
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à resolução dos conflitos por eles vivenciados. uma alternativa de trabalho, um modelo
Em decorrência da variedade teórica em investigativo que rompe com a lógica
torno da pesquisa-ação existem, atualmente, empírico-analítica, demonstrando que a refle-
várias tradições que usam essa modalidade xão, a participação e a colaboração podem
de investigação nas pesquisas educacionais. ser utilizadas pelas investigações educativas
Cada uma com o seu próprio potencial e li- como estratégias de emancipação profissio-
mitações e, crescentemente, com sua própria nal. Assim, consideramos que esse tipo de
literatura, revestida por um distintivo cultural pesquisa auxilia o professor a melhor com-
preender suas ações, pois desenvolve a capa-
e por condicionantes históricos que a fizeram
cidade de aprender a resolver os problemas
evoluir para um modelo, considerado por
relacionados à prática docente de forma
Kemmis (1999), mais emancipatório.
colaborativa. Compreendemos essa modali-
Nessa direção, as estratégias utilizadas dade de investigação como um estudo siste-
por esse modelo investigativo estão sendo, re- mático orientado para melhorar a prática
centemente, retomadas em uma perspectiva, educativa e fazer desenvolver ações reflexivas
radicalmente, preocupada com a emancipa- que possam promover o desenvolvimento
ção social e política. Estes dois aspectos - a profissional docente.
dimensão política e a intencionalidade
Nesse sentido, podemos dizer que a in-
emancipatória - colocam a possibilidade de
vestigação colaborativa surge como uma al-
tornar os professores, em geral, com mais
ternativa de desenvolvimento da investiga-
poder - “empowerment”4, para agir no senti- ção-ação no campo educacional. Os traba-
do da transformação, tanto de suas práticas lhos de Ward e Tikunoff (1982), Smulyan
mais específicas, quanto da sociedade mais (1984), Lieberman (1986), Jacullo-Noto
ampla. Assim, a pesquisa colaborativa é apon- (1984), Oja (1984), Oja e Pine (1983), Carr
tada por Magalhães (2004) como um tipo de e Kemmis (1986, 1988), Kemmis (1993,
investigação que oferece condições para a 1999), Smyth (1989, 1992, 1995) e Zeichner
transformação das práticas docentes. (1993, 2002) são exemplos mais representa-
Nesse sentido, consideramos a necessi- tivos dessa modalidade de estudo. No Bra-
dade de estimular o processo de pesquisa para sil, destacamos os estudos de Liberali (1999,
que ele possa ocorrer, preferencialmente, de 2003), Magalhães (2002, 2004), Ferreira
forma colaborativa e os parceiros da investi- (2002), Giovani (1998, 2003), Celani (2003),
gação possam ser co-participantes da cons- Ibiapina (2004), entre outros.
trução das pesquisas na área da educação, As pesquisas realizadas por esses pesqui-
porém, reconhecemos que nem todos os teó- sadores inscrevem-se como investigações que
ricos da pesquisa-ação enfatizam esse tipo de consideram a prática de ensinar como fenô-
investigação enquanto um processo meno sócio-histórico, nessa perspectiva, de-
colaborativo; alguns defendem que a pesqui- senvolvem teorias a respeito da ação e dos
sa-ação é, com freqüência, um processo soli- saberes docentes em situação de sala de aula,
tário de auto-reflexão sistemática, mesmo as- sem, contudo, perder de vista o contexto só-
sim, admitimos que a pesquisa-ação é mais cio-político mais geral, pois desvelam as rela-
bem definida em termos colaborativos, já que ções opressoras de poder, denunciam o
se volta, não somente para o estudo e a des- autoritarismo e a burocracia das relações cal-
crição das práticas sociais, mas, sobretudo, cadas no discurso cientificista que apregoa
para a reestruturação das mesmas. soluções meramente técnicas para qualquer
Reforçamos as colocações apresentadas, problema, fazem uma crítica ideológica das
referendando a afirmação de Wallace (1980) situações de opressão, auxiliando a transfor-
que investigar colaborativamente significa mar tal situação.
envolver pesquisadores e professores em pro- Nessa direção, segundo Kemmis (1999),
jetos comuns, sendo a pesquisa colaborativa o potencial da investigação colaborativa está
4
empoderamento.
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em dar conta da realidade macrossocial, pos- teoria e prática ampliam-se, complementam-
sibilitando aos indivíduos compreenderem a se e transformam-se. A reflexão implica a
ligação entre o que eles vivem e acreditam e imersão consciente do homem no mundo de
o que lhes é dito ou imposto. O caminho da sua experiência, supõe análise e uma proposta
reflexão crítica e coletiva pode dar conta da totalizadora que orienta a ação para a mudan-
miríade de interpretações e significados, dis- ça. Não é conhecimento puro, nem individual,
putas ideológicas que perpassam os é a ação cultural que implica em mudança.
microcosmos de cada sociedade, fornecendo Em síntese, a pesquisa colaborativa é um
uma explicação coerente sobre a realidade tipo de investigação que envolve investigado-
concreta de indivíduos e grupos sociais. res e professores em um processo de investi-
Compreendemos, portanto, que a inves- gação e desenvolvimento profissional em que
tigação colaborativa apresenta-se como um o trabalho de colaboração, no decorrer do pro-
modelo alternativo de indagar a realidade cesso investigativo, tem os objetivos de pro-
educativa. Sua definição enfatiza a ação em mover estudos sobre aspectos profissionais
que investigadores e educadores co-investi- compartilhados; indagar, conjuntamente, a re-
gam trabalhando conjuntamente na planifica- alidade educativa na tentativa de resolução
ção, implementação e análises de processos dos problemas práticos de ensino e aprendi-
investigativos voltados à resolução de proble- zagem, confrontando-os com as teorias pe-
mas imediatos e práticos, compartilhando res- dagógicas.
ponsabilidades na tomada de decisões e na Este tipo de pesquisa diferencia-se de
realização das tarefas de investigação outras, sobretudo, pelo caráter de participa-
(CELANI, 2003). ção e colaboração de que ela se reveste. Na
Considerando o significado de pesqui- pesquisa colaborativa os indivíduos tornam-
sa colaborativa exposto por Arnal, Del Rincón se parceiros, usuários e co-autores do proces-
e L atorre (1992, p. 260), estamos so de pesquisa. A investigação é delineada a
conceituando-a como um processo de inda- partir da participação ativa, consciente e deli-
gação e teorização sobre as práticas profissio- berada de todos os partícipes e as decisões,
nais dos educadores e sobre as teorias que as ações, análises e reflexões realizadas são
guiam. É uma forma de investigação que ca- construídas coletivamente por meio de discus-
pacita a comunidade de professores a melho- sões grupais.
rar o que faz, a partir de uma melhor compre- Experiências recentes, tanto internacio-
ensão de suas ações, pois gera informações e nais quanto nacionais6, têm demonstrado que
teorias não como produtos externos, isolados as pesquisas colaborativas realizadas com a
da fonte prática, mas como insights participação de pesquisadores e professores
contextualizados e personalizados no próprio são um recurso metodológico importante
desenvolvimento pessoal de um educador, de quando visam a enfatizar o caráter coletivo
um estudante, de um trabalhador social, de do trabalho; enfocam questões tanto de or-
um político. dem prática quanto teórica; desencadeiam
Kemmis (1999) afirma que a investiga- processos de estudo sobre problemas e ques-
ção colaborativa é uma modalidade de pes- tões que visem a implementações de ações
quisa crítica, cuja essência é a participação e em situação prática no cotidiano da sala de
o processo coletivo de reflexão. Trata-se, pois, aula, compreendendo o agir profissional pau-
de um processo sistemático de aprendizagem tado no conhecimento teórico e nos
que utiliza a crítica orientada para a ação, de determinantes da práxis, essa modalidade de
forma que esta se converta em práxis5, na qual investigação motiva os docentes a expressam

5
Práxis é a leitura das situações e intenções levando-se em consideração a história e a tradição, isto é, uma leitura mediada pela reflexão da ação
das gerações passadas, da história pessoal e social e da análise das conseqüências futuras de nossos atos.
6
Zeichener (1992); Giovanni (1994); Nóvoa (1999); Ferreira (2002); Magalhães (2004); Celani (2003) e outros já destacados no texto.

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seus pensamentos por meio da colaboração comum, a comunicação entre os investigado-
mútua. res e os agentes sociais no sentido de chega-
Para o desenvolvimento de um traba- rem a um acordo quanto às suas percepções
lho colaborativo, apontamos alguns requisi- e princípios. É uma atividade cultural em que
tos básicos, como: a criação de relações que as ações pessoais e as interpessoais se
incluam interesses pessoais e sociais comuns entrecruzam para a construção mediada de
entre os parceiros, compondo uma densa teia conhecimentos, habilidades e atitudes.
de conexões interpessoais e o planejamento Por colaboração estamos considerando,
de situações reflexivas que permitam a parti- baseando-nos na postulação de Vygotsky
lha de experiências e idéias e possibilitem a (2001), a mediação7 de um par mais experi-
ampliação do nível de desenvolvimento pro- ente no sentido de inicialmente guiar a ativi-
fissional dos professores. dade de um aprendiz, para que,
Nessa perspectiva, segundo Magalhães gradativamente, ambos possam, ao estabele-
(2004), o conceito de colaboração pressupõe cerem uma inter-relação colaborativa, dividi-
que todos os agentes tenham voz para colo- rem, partilharem e negociarem funções para
car suas experiências, compreensões e suas a solução de problemas, auxiliando-se mutu-
concordâncias e discordâncias em relação aos amente no processo de desenvolvimento pro-
discursos dos outros parceiros. Nos trabalhos fissional. Além do já exposto, a colaboração é
colaborativos, os partícipes devem colocar-se uma espécie de ação desenvolvida conjunta-
sempre como aprendizes, apreendendo com mente que faz os indivíduos avançarem no
as experiências, os conhecimentos, as refle- seu nível de desenvolvimento, na medida em
xões, objetivos e organização cognitiva do que a mediação de alguém mais experiente
outro. faz avançar a Zona Proximal de Desenvolvi-
mento (ZPD).
Essa autora (2004) ressalta que colabo-
rar em qualquer contexto, seja de pesquisa, Com base nesse princípio, compreende-
formação contínua, ou na sala de aula, signi- mos que fazer avançar o desenvolvimento hu-
fica agir no sentido de possibilitar aos partici- mano implica em investir no desenvolvimen-
pantes tornarem seus processos mentais cla- to potencial, o que se pode fazer com a ajuda
ros, explicitando-os ao grupo e, dessa manei- de outra pessoa, para se chegar ao desenvol-
ra, criando possibilidades de questionamentos, vimento real, o que se pode fazer indepen-
expansão e recolocação do que foi posto em dentemente. A colaboração, nessa perspecti-
negociação. Esse processo implica em confli- va, representa a ajuda para avançarmos nos
tos propiciadores de oportunidades de com- nossos processos de desenvolvimento pesso-
preensão crítica por parte dos envolvidos so- al e profissional.
bre o que está sendo discutido. Vygotsky (2001) afirma que na ZPD en-
Reafirmamos essa idéia colocando o contram-se as capacidades que podem aflorar
pensamento de Celani (2003, p.27) de que a partir da interferência de outros indivíduos,
“o conceito de colaboração é definido pela quando estes oferecerem estímulos para sua
igualdade de oportunidades dos participan- emergência. Em outras palavras, sob a orien-
tes da interação em colocar em discussão sen- tação de uma pessoa mais experiente, ou em
tidos/significados, valor e conceitos que vêm colaboração com companheiros mais capa-
embasando suas ações, escolhas, dúvidas e zes, é possível fazer avançar a nossa capaci-
discordâncias [...]”. dade de aprendizagem profissional.
Para Kemmis (1987), a colaboração sig- Nessa direção, a colaboração, por não
nifica tomada de decisões democráticas e ação ser algo natural, precisa ser ensinada e apren-

7
O conceito de mediação está sendo compreendido, como sendo a introdução de uma ferramenta conceptual (terceiro elemento) numa relação,
com o objetivo de fazer avançar as funções psicológicas superiores, fazendo com que essa relação deixe de ser direta, transformando-se em
virtude da relação estabelecida com esse terceiro elemento.

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dida deliberadamente. Para Celani (2003, Os processos de aprendizagem
p.27), esse processo é “um trabalho ativo, construídos colaborativamente oferecem um
consciente que pressupõe esforço, vontade e potencial de influência e auxílio não só na
que tem lugar quando condições são criadas concretização do pensamento teórico, mas
para isso”. Assim, torna-se necessário sistema- também como guias de ações futuras, fortale-
tizar situações em que os membros de uma cendo a ação e abrindo novos caminhos para
equipe aprendam a colaborar. Nessa direção, o desenvolvimento pessoal e profissional. Por
os requisitos prévios para a efetivação de pro- essa razão, recorremos à compreensão do
cessos colaborativos são as respostas às se- papel da pesquisa colaborativa no processo
guintes questões: o que é colaborar? O que de desenvolvimento profissional como fator
implica? Qual é o seu custo? Quais são seus essencial de construção de conhecimentos, em
riscos? Quais são seus benefícios? uma trajetória em que os parceiros em mo-
A colaboração é um empreendimento mentos inter e intrasubjetivos interpretam o
complexo que leva tempo para ser apreendi- material que obtêm do mundo externo, trans-
do. Para sua concretização é indispensável formando-o internamente. Nessa direção, con-
para a condução de ações formativas que cordamos com Vygotsky (2000) e Bakhtin
possam auxiliar o professor a valorizar o pen- (2000) de que é na e pelas práticas sociais
samento do outro e a construção de um am- que o homem se constitui como ser humano
biente de discussão, de autonomia e de res- e desenvolve o pensamento e a linguagem,
peito mútuo. Na visão de Vygotsky (2001) e construindo sua subjetividade. Nesse quadro,
seus seguidores, Leontiev (1978a, 1978b), o eu é resultado de interações sociais e da
Luria e Yudovich (1987) e Luria (2001), o dis- apropriação dos discursos de outros.
curso exteriorizado desempenha um papel
central no processo colaborativo voltado para 4. O ERGON
a formação de conceitos.
Dessa forma, a colaboração só se torna Conforme percebemos, após o exposto,
evidente em situações dialógicas, isto é, na as pesquisas colaborativas apresentam mode-
interação entre pares. As formulações emitidas los investigativos que rompem com a lógica
por meio da linguagem dão origem a um pro- empírico-analítica, mostrando que a reflexão,
cesso dialógico em que os enunciados emiti- a participação e a colaboração podem ser uti-
dos são reestruturados com base em uma nova lizadas nas investigações educativas. Esse tipo
apreensão. Assim, afetam e são afetados mu- de investigação auxilia os professores a me-
tuamente na elaboração de novas sínteses. lhor compreenderem suas ações, pois desen-
Giovanni (2003, p.216) destaca a im- volve a capacidade de resolver problemas prá-
portância das experiências colaborativas en- ticos. A investigação colaborativa é uma abor-
tre professores como o meio de fazê-los “an- dagem sistemática orientada para melhorar a
tecipar novas realizações, novos resultados de prática educativa de professores, suas ações
sua ação”, pois elas os levam a romper com a práticas desenvolvidas no decorrer de sua ati-
lógica de formação tradicionalmente vidade profissional, via pesquisa, pois gera
vivenciada em seus cursos de formação inici- reflexões, auxiliando-os a trabalharem com
al e em boa parte das situações de formação mais profissionalismo.
continuada. Para esse autor, o ganho na utili- Trabalhar colaborativamente é um de-
zação da colaboração está, sobretudo, em os safio. Alguns poderiam argumentar que é di-
professores não terem que estudar uma teoria fícil no contexto das escolas que não ofere-
que só futuramente poderá ser aplicada na cem nenhum tido de estrutura para o desen-
prática, mas de que a partir da tomada de volvimento desse tipo de trabalho. Lembra-
consciência das condições objetivas do traba- mos, entretanto, que, segundo a Teoria Só-
lho possam promover a articulação imediata cio-Histórica, muita coisa depende de nosso
entre a teoria e a prática. conhecimento, da nossa imaginação, de nos-

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sas emoções e, sobretudo, de nossa vontade, reflexividade crítica tranformarem-se em cate-
dessa maneira, pode até ser difícil, mas não é gorias epistemológicas válidas para a constru-
impossível, constituindo-se, verdadeiramente, ção do conhecimento teórico. Compreende-
em um desafio que nos leve a rejeitar as no- mos, com já evidenciamos, que os estudos
ções positivistas de racionalidade, de objeti- planejados segundo a lógica dialética, levam
vidade e de verdade, a valorizar as categorias em consideração as determinações históricas
interpretativas dos docentes e dos partícipes e os vieses ideológicos das práticas sociais, con-
do processo educativo; a encontrar meios de cretizando uma racionalidade emancipatória
distinguir as idéias e as interpretações defor- com base na colaboração e na reflexão crítica
madas pela ideologia, avaliando o desvio em que possibilita o desvelar das relações opres-
relação aquelas que não são, e perguntar como soras e a possibilidade da pesquisa ir além da
essas distorções podem ser superadas; empe- crítica, dando conta, não somente da com-
nharmos-nos em identificar o que, na ordem preensão da realidade macrosocial, mas
social existente, bloqueia a mudança e pro- oportunizando aos indivíduos a possibilidade
por interpretações teóricas dessas situações, de compreensão, análise e transformação des-
contribuindo, assim, para superar esses blo- sa realidade, a partir da pesquisa.
queios e a reconhecer que a prática, mesmo Retomando alguns pontos essenciais de
contaminada pela ideologia dominante, pode nossa discussão inicial, reafirmamos que a pes-
ser desvelada, desmistificada e transformada. quisa colaborativa é, ao mesmo tempo, uma
Nesse contexto, o professor deixa de ser atividade de produção de conhecimentos e
um mero objeto investigativo, compartilhan- de formação em que pesquisadores e profes-
do, juntamente com os pesquisadores, do ob- sores exercem um controle reflexivo sobre
jetivo de construir e transformar conceitos e contextos práticos com o objetivo de
práticas e, por conseguinte, as pesquisas dei- transformá-los. Nesse sentido, essa atividade
xam de investigar para o professor, passando apresenta-se sob duas faces: para o pesquisa-
a investigar com o professor, oferecendo, as- dor, ela é objeto de investigação e para o pro-
sim, oportunidade de criação de fóruns em fessor é uma oportunidade de formação, fato
que esses profissionais unem-se enquanto co- que proporciona a aproximação entre o con-
participantes na luta em prol de mudanças so- texto em que os docentes exercem a sua prá-
ciais, pois as práticas de pesquisa voltam-se tica profissional e o de pesquisa, auxiliando a
para o estudo, a reestruturação e reconstru- romper com o distanciamento entre universi-
ção da educação e da sociedade, o que pas- dade e a escola, assim como também entre
sa, necessariamente, pela construção de um teoria e prática, ajudando, assim, os professo-
conhecimento elaborado em espaços res a melhor enfrentarem a complexidade da
colaborativos. prática educativa, na medida em que aproxi-
Destacamos, como alerta aos pesquisado- ma o mundo da pesquisa ao da prática, no
res que optarem por esse modelo de investiga- contexto da profissão docente.
ção, que a pesquisa colaborativa tem muitas Nessa direção, compreendemos que a
potencialidades, mas tem também limites, como pesquisa colaborativa representa uma moda-
já evidenciamos nas discussões anteriores, quan- lidade de investigação que garante a produ-
do essa forma de produção de conhecimento é ção de conhecimentos mais próximos da prá-
organizada de acordo com a racionalidade tica docente, auxiliando tanto no desenvolvi-
positivista e a lógica formal, não ultrapassa o mento das pesquisas científicas quanto na
mero ativismo, pois se restringe a descrever ge- emancipação profissional, por meio de um
nericamente a prática pedagógica, negando a processo compartilhado de construção de sa-
possibilidade do autoconhecimento e da beres teóricos e práticos.

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