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ALMEIDA, Maria Isabel de,


GHANEM, Elie, BICCAS, Maurilane
de Souza. Formação de
professores(as) na perspectiva d...
Elie Ghanem

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FORMAÇÃO DO PROFESSOR E OS DIÁLOGOS NECESSÁRIOS


Eder Carlos Cardoso Diniz

Formação docent e em Ensino de Ciências: uma reflexão a part ir da epist emologia da ignorância
Fábio Silva

Professor-pesquisador: mit os e possibilidades


Selma G A R R I D O Piment a
Pesquisa em educação
Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação
Selma Garrido Pimenta
Maria Amélia Santoro Franco
[Orgs.]

Pesquisa em educação

volume 2
Possibilidades investigativas/
formativas da pesquisa-ação
PREPARAÇÃO: Maurício Balthazar Leal
DIAGRAMAÇÃO: So Wai Tam
REVISÃO: Cristina Peres

Edições Loyola
Rua 1822 no 347 – Ipiranga
04216-000 São Paulo, SP
Caixa Postal 42.335 – 04218-970 – São Paulo, SP
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pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma
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banco de dados sem permissão escrita da Editora.

ISBN: 978-85-15-03519-9
© EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2008
Sumário

Introdução .................................................................................. 9
Selma Garrido Pimenta

A investigação-ação e a construção de conhecimento


profissional relevante .................................................................. 27
Julia Oliveira-Formosinho

Pesquisa-ação: limites e possibilidades na formação docente ....... 41


Maria Amélia Santoro Franco
Verbena Moreira Soares de Sousa Lisita

Formação de professores(as) na perspectiva de


uma aprendizagem participativa .................................................. 71
Maria Isabel de Almeida
Elie Ghanem
Maurilane de Souza Biccas

Pesquisa-ação como espaço de formação de professores:


análise de uma experiência vivida ................................................ 95
Yoshie Ussami Ferrari Leite

Formar e formar-se: a voz e a vez dos professores ........................ 113


Marineide Gomes de Oliveira
Léa das Graças Camargos Anastasiou
Este livro é dedicado à querida Verbena Lisita,
que desde 2002 vinha enriquecendo as pesquisas,
dissertações e teses dos colegas do GEPEFE com
seu senso crítico e sensível, e que abruptamente foi
ceifada de nosso convívio em setembro de 2007.
(In memoriam)
Introdução
Selma Garrido Pimenta

O
presente livro, composto de dois volumes, se insere no con-
texto de publicações que recentemente vêm sendo produzi-
das sobre metodologias de pesquisa em educação e procura
responder a algumas das interrogações que pesquisadores nessa área
formulam sobre a pesquisa-ação. Em sua gênese vamos encontrar o
livro Pesquisa em educação – Alternativas investigativas com objetos
complexos, por nós organizado juntamente com Evandro Ghedin e
publicado também por Edições Loyola, em 2006, no qual apresenta-
mos o texto “Pesquisa-ação crítico-colaborativa: construindo seu sig-
nificado a partir de experiências na formação e na atuação docente”.
A aceitação do livro entre pesquisadores, mestrandos, doutorandos e
coordenadores de grupos de pesquisa em educação nos encorajou a
publicar mais este, subdividido em dois volumes, cujo objeto — a pes-
quisa-ação — suscita, na mesma proporção, adesões freqüentes entre
os jovens pesquisadores e dificuldades de numerosa ordem quanto
a seu sentido e a seu significado e em que difere (ou se assemelha) a
projetos de intervenção, não necessariamente de pesquisa.

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Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

A construção de caminhos a partir das dúvidas e dificuldades so-


bre as questões metodológicas na realização de pesquisas em contex-
tos educacionais pode ser resgatada na apresentação que se segue.
Há quase duas décadas tenho orientado mestrandos, doutoran-
dos e pós-doutorandos na área de didática, pedagogia e formação de
professores num processo que combina a orientação individual e a
coletiva. Esse processo tem se constituído em significativo espaço de
formação inicial de pesquisadores, mas também de formação con-
tínua de futuros orientadores, uma vez que seus participantes têm
permanecido no grupo após sua titulação, quando estréiam como
docentes nos programas de pós-graduação de suas respectivas insti-
tuições. Tenho também desenvolvido pesquisas de natureza teórica e
prática da formação e do exercício da docência em contextos escola-
res. Essa atividade possibilitou a consolidação do Grupo de Estudos
e Pesquisas sobre Formação de Educadores (GEPEFE)1 e do Grupo
Integrado de Pesquisa2, a partir de questões teórico-epistemológi-
cas-metodológicas e políticas comuns: conhecer e aprofundar con-
ceitos, teorias e perspectivas de análise de fenômenos educativos,
particularmente os escolares, em seus nexos com situações escolares
de ensinar e aprender, como possibilidade de novas vias de demo-
cratização social, que contribuam para a inversão do quadro de de-
sigualdades sociais presentes na escola pública brasileira. O grupo

1. A coordenação do GEPEFE na Faculdade de Educação da Universidade


de São Paulo é partilhada com os professores Drs. José C. Fusari e Maria Isabel
de Almeida. Seus desdobramentos situam-se na Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT), com coordenação de Silas Borges Monteiro; na Universidade
Estadual do Ceará (UECE), com coordenação de Maria Socorro Lucena Lima;
na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), com coordenação de Evandro
Ghedin; na Universidade Católica de Santos (Unisantos), com coordenação de
Maria Amélia Santoro Franco; e na Universidade Estadual Paulista (Unesp),
de Presidente Prudente, com coordenação de Yoshie Ussami Ferrari Leite, que
também colabora na coordenação do GEPEFE–FEUSP.
2. O grupo apresentou e obteve apoio do CNPq para a realização do Projeto
Integrado Formação de Professores e suas contribuições para a reinvenção do
trabalho docente, do espaço escolar e das políticas públicas, 2003-2008.

10
Introdução

integra doze subprojetos que se estruturam em torno de três focos


conceituais: a pesquisa na e sobre a formação docente; a pesquisa na
e sobre a profissionalização docente; a pesquisa na e sobre a prática
docente. Os procedimentos metodológicos inscrevem-se em metodo-
logias qualitativas, com vistas a procedimentos formativos e eman-
cipatórios, que emanam dos pressupostos epistemológicos que nos
identificam enquanto grupo, quais sejam: a) a pesquisa em educação
carrega diversas peculiaridades, pois trabalha com um objeto mul-
tidimensional, mutante, complexo e historicamente situado; b) para
entrar na dinâmica da realidade educativa, a pesquisa em educação
precisa superar os procedimentos que pressupõem a neutralidade do
pesquisador e a linearidade dos fenômenos; c) a pesquisa em educa-
ção deve propiciar processos formativos nos sujeitos que dela parti-
cipam; d) a base da nova epistemologia da prática será encontrada
na mediação entre pesquisa educacional e ação reflexiva docente; e)
a investigação educacional deve buscar formas inovadoras para en-
trar na dinâmica das práxis, em sua gênese e desenvolvimento, supe-
rando procedimentos característicos da racionalidade técnica, que
pesquisam apenas o visível, o aparente das práxis, portanto apenas
a tecnologia das práticas. Nesse sentido temos considerado funda-
mental o diálogo construtivo entre pesquisador e pesquisados.
Nesse caminhar com o projeto integrado, o grande desafio foi
enfrentar a complexidade das questões imbricadas no processo de
prática/formação de docentes e de exercitar, na prática, a propos-
ta dessa integração. Tentamos organizar uma metametodologia que
levasse em consideração que a investigação da práxis docente, con-
forme a epistemologia crítico-reflexiva, requer procedimentos cien-
tíficos diferentes daqueles utilizados para investigar a prática numa
perspectiva epistemológica tecnicista. Dessa forma, os projetos fo-
ram se organizando em torno de uma abordagem que denominamos
prático-interpretativa e caminharam mediante ações crítico-cola-
borativas. Reafirmamos, no decorrer desse processo, que a incor-
poração da dialética como pressuposto às pesquisas sobre a prática
docente traz grandes perspectivas à investigação. Tais pesquisas

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Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

requerem que os pesquisadores adentrem na dialética da realidade


social, compreendam e acompanhem a dinâmica do movimento da
práxis, estejam atentos ao saber produzido na prática social dos ho-
mens e, conseqüentemente, às transformações que tal dinâmica vai
solicitando aos sujeitos e às circunstâncias em transformação. A me-
todologia utilizada por todos os pesquisadores considera como pres-
suposto que o pesquisador realize, no coletivo, as interpretações em
contexto, realçando as mediações do particular com a totalidade, o
que vai desvelando aos participantes da pesquisa a dinâmica das con-
tradições inerentes ao movimento histórico, produzindo compreen-
são das sínteses provisórias de saber que vão sendo constituídas.
Este trabalho foi permitindo ao grupo compreender que as diferen-
tes abordagens da pesquisa-ação são bastante adequadas para atin-
gir os pressupostos epistemológicos que estávamos perseguindo.
Nesta trajetória o grupo foi se constituindo em um espaço de
crítica propositiva na perspectiva de consolidar reflexões, propostas,
projetos e ações com vistas à formação, organização e divulgação de
conhecimentos, que fundamentam ações emancipatórias à formação
de docentes, à melhoria da escola pública, à redefinição de políticas
públicas. Politicamente, o grupo entende a formação de docentes
como uma área estratégica da educação, capaz de abrir espaço de
possibilidade para a transformação do fazer docente, das relações
pedagógicas, da gestão e da institucionalização da educação. Dessa
forma, reafirma que investir em estudos e pesquisas sobre a forma-
ção docente implica a escolha de um caminho consistente com vistas
à transformação da escola e à democratização da sociedade3.
Nas pesquisas que os componentes do grupo têm realizado
nos últimos anos4 com professores nas escolas, são utilizados di-

3. Conforme texto/documento gerador do projeto integrado, coordenado por


Pimenta e Almeida (2003).
4. A didática na Licenciatura – Um estudo dos efeitos de um programa
de curso na atividade docente de alunos egressos da Licenciatura (PIMENTA,
1999); Qualificação do ensino público e formação de professores (PIMENTA et

12
Introdução

ferentes designs metodológicos na abordagem investigativa que


denominamos prático-interpretativa (PIMENTA, 1999b). Dessas
pesquisas emergiram e/ou se consolidaram algumas questões que
justificam uma elaboração teórica na área de formação de professo-
res e que encontram ressonância nas pesquisas realizadas por outros
pesquisadores. Entre essas, enfatizamos:
— A importância das investigações em situações concretas. As
possibilidades e os limites nos contextos escolares.
— Da pesquisa-ação à pesquisa em colaboração.
— A epistemologia da prática e os processos de construção de
conhecimentos do professor.
— Saberes e identidade do professor.
— A concepção professor-reflexivo — suas possibilidades e seus
limites; a utilização indiscriminada dessa perspectiva na lite-
ratura da área.
— O emergir da profissionalidade docente como campo de
investigação no âmbito das políticas de democratização da
educação.
— A polêmica “professor-pesquisador”.
— Do professor-reflexivo ao intelectual crítico.
Essas questões conduziram à estruturação do referido projeto in-
tegrado, cuja categoria central de análise é a articulação da produção
teórica com as condições da práxis, no que se refere tanto à episte-
mologia da pesquisa como à epistemologia da prática docente. Essa

al., 2000); A pesquisa na área de formação de professores e as tendências in-


vestigativas contemporâneas: questões teórico-epistemológicas-metodológicas e
políticas (PIMENTA, 2002); ABDALLA, Maria de Fátima B. Formação e desen-
volvimento profissional do professor: o aprender da profissão (um estudo em es-
cola pública). Tese de Doutorado. FEUSP, 2000; GUIMARÃES, Valter. Saberes
docentes e identidade profissional: um estudo a partir da licenciatura. Tese de
doutorado. USP, 2001; Action Reseach: Possibilities and Constraints in Teacher
Education (FRANCO e LISITA, 2004). Culminou no livro Pesquisa em educa-
ção — Alternativas investigativas com objetos complexos (PIMENTA, FRANCO e
GHEDIN [orgs.], São Paulo, Loyola, 2005).

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Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

categoria tem induzido ao movimento dialético de nas investigações


teóricas buscar compreensões da prática e nas investigações da práxis
buscar novas apreensões da teoria. Articulada aos eixos conceituais
centrais, permitiu a delimitação das seguintes linhas de pesquisa:
LP.1 – Pesquisa na/sobre a formação docente: significando
um dos níveis da articulação entre pesquisa (produzida) e forma-
ção (em processo), mas também a práxis da formação criando novas
formas de produzir conhecimentos e novos mecanismos no exercí-
cio investigativo (pesquisa), ampliando as perspectivas no campo de
investigação e abrindo possibilidades para conhecimento e exercício
renovado da prática.
LP.2 – Pesquisa na/sobre a profissionalização docente: o mes-
mo movimento de articulação descrito na LP.1, empreendido a par-
tir do produto das pesquisas sobre a profissionalização docente, de
como estão sendo vistos e apreendidos os movimentos na prática
da profissionalização, a que pesquisas induzem, ou mesmo de que
práticas emergem como possíveis e necessárias a partir do olhar arti-
culado pesquisa/práxis.
LP.3 – Pesquisa na/sobre a prática docente: investigando novas
articulações entre o que já se produziu sobre a prática docente e,
fundamentalmente, como se produziu, indagando como estão ocor-
rendo as práticas docentes nos diversos níveis e espaços sociais, o
que solicitam do pesquisador para qualificá-las, como estão sendo
apreendidos os saberes da prática e como reconhecê-los através de
novas mediações investigativas.
Reafirmamos nesse processo a extrema necessidade do exercício
crítico que a cada instante esclarece a linha de coerência lógica e de
consistência teórica sobre as possíveis articulações entre intenciona-
lidades da pesquisa e ação investigativa, entre perspectiva declarada
para a pesquisa e possibilidade de ações nesta direção, garantindo o
rigor e evitando discrepâncias entre teoria e método.
Verificamos que esse exercício crítico poderia fornecer ao co-
letivo de pesquisadores o caminho para alimentar a pesquisa no/
para o coletivo, caminhando para além do já sabido, para além

14
Introdução

do senso comum, para além da mera justaposição de conheci-


mentos erigidos.
Esse processo permitiu ao grupo confrontar-se com os grandes
desafios de realizar pesquisas na concepção dialética da realidade;
mais que isso, confrontamo-nos com o desafio maior de trabalhar,
concomitantemente, com dois níveis de realidade: a) a realidade do
objeto de pesquisa de cada pesquisador e b) a realidade da articula-
ção entre e com as doze pesquisas.
Essa situação requer que os pesquisadores adentrem a dialéti-
ca da realidade social, compreendam e acompanhem a dinâmica do
movimento da práxis do sujeito construtor de sua realidade, estejam
atentos ao saber produzido na prática social humana e, conseqüen-
temente, às transformações que tal dinâmica vai produzindo nos su-
jeitos e nas circunstâncias em transformação. Percebemos na prática
a importância de o pesquisador estar atento para realizar as interpre-
tações em contexto, para perceber as mediações do particular com a
totalidade, para ressignificar a dinâmica das contradições inerentes
ao movimento histórico, sempre respeitando e superando as sínteses
provisórias de saber que vão se constituindo.
Essa condição foi exigindo um firme aprofundamento dos re-
ferenciais teóricos que subsidiaram as propostas iniciais do projeto
integrado, impondo a necessidade do reexame crítico de alguns con-
ceitos e práticas, especialmente os fundamentos dos conceitos volta-
dos à prática investigativa, na busca contínua de melhor compreensão
da complexidade das realidades que estão sendo pesquisadas.
Muitas dúvidas nos perseguiram e ainda fazem parte das preo-
cupações do grupo. Como adentrar a práxis? Como perceber os mo-
vimentos contraditórios que fundamentarão a construção de sínteses
provisórias? Como reconhecer a construção do concreto para além
do empírico? Como caminhar do todo às partes e destas ao novo
todo? Como interpretar em contexto? Como articular, mediar, cons-
truir o novo sobre os novos conhecimentos que vão se organizando?
Kosik (1976, p. 45), auxiliando nas pistas para tal enfrenta-
mento, observa que o conhecimento da realidade histórica é um

15
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

processo de apropriação teórica, isto é, “de crítica, de interpretação


e de avaliação dos dados — processo em que a atividade do homem,
do cientista, é condição necessária ao conhecimento objetivo dos fa-
tos”. Ajuda-nos também a afirmação de Marx (1983, p. 20) de que
“a pesquisa tem de captar detalhadamente a matéria, analisar suas
várias formas de evolução e rastrear sua conexão íntima”.
Uma das propostas de aprofundamento teórico e prático sur-
giu em torno da epistemologia da pesquisa-ação. Vários projetos
do grupo integrado caminhavam nessa direção metodológica, coe-
rentes com o pressuposto coletivo de que a pesquisa da práxis pre-
cisa ter um caráter formativo para os sujeitos que dela participam.
Partíamos do pressuposto de que pesquisa e ação devem e podem
caminhar juntas, de forma dialógica e interpenetrante. No entanto,
ao analisarmos criticamente os procedimentos e fundamentos epis-
temológicos utilizados para dar conta dessa abordagem metodo-
lógica de pesquisa, percebemos que um mesmo discurso sobre os
referenciais teóricos pode redundar em diferentes modelos e práti-
cas investigativas. Assim, defrontamo-nos com a questão de reexa-
minar a pesquisa-ação em suas abordagens críticas, colaborativas,
interventivas e participativas5. Paramos para refletir as diferenças
entre pesquisa-ação, ação pesquisada e pesquisas que transformam
ações pedagógicas. Verificamos que os referenciais teóricos acabam
se mesclando com apreensões subjetivas do pesquisador e de suas
circunstâncias históricas e isso produz diversidades no exercício
investigativo. Percebemos que era preciso considerar a multirrefe-
rencialidade como forma de absorver as diferenças e trabalhar na
intersubjetividade. Sem essa postura não iríamos conseguir superar
a superficialidade de encontrar apenas pontos de interseção entre os
projetos. Queríamos mais do que o encontro paralelo entre os proje-
tos, queríamos aprofundar uma melhor compreensão da complexi-

5. Vários trabalhos foram produzidos nesta direção , entre eles Franco e Lisita
(2004); Franco (2004) e outros trabalhos foram ressignificados e serviram de
referência ao grupo, como o de Pimenta e Moura (2000).

16
Introdução

dade que cerca a tarefa de pesquisa coletiva com a prática docente e


a prática investigativa.
Foi nesse espaço e tempo investigativo que se criou a possibi-
lidade do presente livro. Em virtude da grande quantidade de tra-
balhos, fomos obrigados a subdividi-los e organizá-los em dois
volumes. Chamamos outros pesquisadores para discutir conosco as
possibilidades, dificuldades e abrangências da pesquisa-ação. Nesse
diálogo participaram, entre outros, Julia Oliveira-Formosinho, da
Universidade do Minho, e Gilles Monceau, da Université de Paris
VIII, cujos textos compõem o livro. Os demais textos são de autoria
de membros participantes do GEPEFE.
Assim, os dois volumes trazem a preocupação de discutir a
complexa estrutura e a desafiante possibilidade da pesquisa-ação,
metodologia que adquire muitas formas, muitas possibilidades e
diferentes percursos investigativos. Selecionamos diferentes tra-
balhos que trazem abordagens diferentes da prática investigativa,
todos carregando, no entanto, a mesma intencionalidade de com-
preender a prática docente de forma a buscar subsídios para sua
transformação.
Para o volume 1, selecionamos os textos que trazem reflexões
sobre a epistemologia da pesquisa-ação; para o volume 2, aqueles
cuja ênfase se encontra no estudo das possibilidades práticas desta
forma de investigação.
Compõem o primeiro volume os seguintes trabalhos:
1 – O artigo de Gilles Monceau, da Université de Paris VIII, re-
porta-se à abordagem socioclínica da pesquisa-ação, também conhe-
cida como análise institucional em situação de intervenção. No texto
denominado “Como as instituições permeiam as práticas profissio-
nais: socioclínica institucional e formação de professores”, o autor
demonstra, mediante alguns exemplos entre os trabalhos socioclíni-
cos que realizou na França com sua equipe, como um procedimento
de pesquisa pode aliar-se a um procedimento de formação, conju-
gando uma postura reflexiva entre formação, pesquisa e prática.
Analisa a identidade profissional como uma produção institucional

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Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

que, para ser pesquisada, deve reportar-se à análise da implicação


profissional, ou seja, realçando que a análise do papel profissional só
pode ser pesquisada a partir do modo como o profissional é conside-
rado nas instituições onde trabalha. Realça que na França o Estado
é imediatamente implicado por essa análise, uma vez que lá o poder
público mantém uma relação estreita com a instituição escolar. As
diferentes experiências relatadas pelo autor mostram a diversidade
de dispositivos aos quais se pode recorrer para entrar no âmago das
implicações que circunscrevem os comportamentos dos docentes,
trazendo compreensões relevantes sobre as determinações institu-
cionais sobre a prática docente.
2 – No artigo “Contribuições da teoria histórico-cultural à
pesquisa qualitativa sobre formação docente”, os autores Elaine
Sampaio Araujo e Manoel Oriosvaldo de Moura analisam a forma-
ção dos professores como processo de aprendizagem mediado, em
uma perspectiva histórico-cultural que, para se realizar, necessita de
ações de formação pautadas em concepções de natureza interati-
va, colaborativa e mista, que possibilitem o desenvolvimento pro-
gressivo e equilibrado dos sujeitos para sua autonomia. Reiteram
que um processo formativo precisa desencadear, no professor e no
pesquisador, mudanças qualitativas em sua atividade profissional,
possibilitando o desenvolvimento de seu psiquismo. Assumem en-
tão a pesquisa colaborativa como uma metodologia de formação de
professores pesquisadores.
3 – O artigo elaborado por Maria Amélia Santoro Franco, “Pes-
quisa-ação e prática docente: articulações possíveis”, analisa os
pressupostos que embasam o conceito e a práxis de professor pes-
quisador. A autora analisa também a pesquisa-ação formativa como
um instrumento estratégico e crítico para a formação de profissio-
nais pesquisadores. No decorrer de suas análises, a autora realça
três questões fundamentais que devem ser consideradas: a) a inerên-
cia da pesquisa à prática docente; b) as possibilidades da pesquisa
na transformação da prática; c) a possibilidade de conciliação entre
os papéis de pesquisador e de docente. Nessa análise a autora realça

18
Introdução

contradições que devem ser enfrentadas pelo investigador da práti-


ca: a) a garantia da especificidade da pesquisa-ação; b) a produção
diferenciada de saberes e conhecimentos num processo de pesquisa-
ação; c) os tempos da pesquisa-ação.
4 – O artigo final, elaborado por Silas Borges Monteiro, “Pes-
quisa-ação e produção de conhecimento na formação docente”,
analisa a partir de Franco (2005) as seguintes questões: 1) as conse-
qüências decorrentes do fato de que a pesquisa-ação, em sua gênese,
nasce como pesquisa experimental; 2) o lugar dessa pesquisa no de-
senvolvimento profissional; 3) o sentido de pesquisa e de produção
do conhecimento na formação de professores. Defende a idéia de
que a produção escrita significativa de processos formativos, chama-
da aqui de redescrição — a partir do sentido atribuído por Richard
Rorty —, é poderosa ferramenta para a pesquisa-ação, pois por meio
dela se evoca mais o desejo de construir comunidades colaborativas
do que a produção que clama por objetividade.
O segundo volume é composto dos seguintes artigos:
1 – Inicialmente, Julia Oliveira-Formosinho, da Universidade
do Minho, analisa no texto “A investigação-ação e a construção de
conhecimento profissional relevante” a complexidade que a nova
configuração social tem solicitado à escola. Realça que essa nova
configuração escolar requer profissionais críticos e reflexivos que
possam se contrapor ao “frenesi normativo e à retórica nominalis-
ta” que permeiam as orientações das políticas públicas, mediante
uma postura crítica que fecunda as práticas nas teorias e nos valores.
Analisa a autora que essa triangulação praxiológica entre as práticas,
os valores e a teoria tem muitas inspirações, mas realça que a princi-
pal delas é a investigação-ação. Assim, considera a investigação-ação
como uma alavanca para as mudanças educativas, para a ressignifica-
ção dos processos de ensinar e de aprender e para a emancipação dos
sujeitos da prática, salientando a trilogia de atributos dessa forma de
investigar: ganhos na pessoa, na profissão e na prática educativa.
2 – Em seguida, no artigo “Pesquisa-ação: limites e possibilida-
des na formação docente”, Maria Amélia Santoro Franco e Verbena

19
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

Lisita analisam a natureza do trabalho docente, realçando a dimen-


são humana, ética e transformadora dessa práxis. Nessa direção,
destacam a necessária autonomia intelectual dos docentes como
princípio de emancipação e superação das condições que impedem
a prática educativa de se exercer na direção da transformação ética
da sociedade. Diante desse entendimento, a pesquisa-ação é abor-
dada em sua dimensão formativo-emancipatória, dando sustenta-
ção às concepções que referendam a necessidade e a possibilidade
de formação do professor pesquisador. As autoras discutem como
a pesquisa-ação pode produzir o “empoderamento” dos sujeitos da
prática, o que lhes possibilita administrar as condições objetivas e
subjetivas necessárias à construção de sua autonomia intelectual.
Considerando o contexto institucional e social de prática docente,
também discutem os entraves à concretização desta proposta.
3 – O artigo subseqüente denomina-se “Formação de professo-
res(as) na perspectiva de uma aprendizagem participativa”, e foi ela-
borado por um trio de pesquisadores: Maria Isabel de Almeida, Elie
Ghanem e Maurilane de Souza Biccas. Nele, os autores apresentam
um projeto de investigação sobre a atuação de docentes em um cur-
so de licenciatura. A proposta é a de se realizar uma pesquisa-ação
sobre a própria prática, de forma a elaborar transformações em pro-
cesso, durante a concretização do curso de formação de docentes
(licenciatura) que ministram. O projeto baseia-se na possibilidade
de oferecer aos futuros docentes vivências reflexivas que poderão
propiciar tomada coletiva de decisões, permitindo a apropriação de
experiências desenvolvidas em diferentes contextos formativos.
4 – O artigo de Yoshie Ussami Ferrari Leite, “Pesquisa-ação
como espaço de formação de professores: análise de uma experiên-
cia vivida”, tem por objetivo compreender como uma pesquisa-ação
pode intervir na formação de professores do Ensino Médio e con-
tribuir para o seu desenvolvimento profissional a partir de seu pró-
prio local de trabalho. A autora analisa a evolução dos pressupostos
epistemológicos de seu processo investigativo, que partiu de uma
abordagem institucional-interventiva e, gradativamente, a partir do

20
Introdução

envolvimento dos professores, foi tomando um caráter essencial-


mente participativo e colaborativo, configurando, assim, as possi-
bilidades de espaço formativo dos docentes. A autora realça que a
metodologia utilizada possibilitou aos docentes do curso de forma-
ção de professores a criação de condições reais para que se tornassem
investigadores de suas próprias práticas. Uma das compreensões que
traz à análise é que o processo de pesquisa empreendido permitiu
que se criasse na escola pesquisada uma cultura de análise e transfor-
mação das práticas docentes. Reafirma a autora que a reflexão sobre
a prática, as críticas partilhadas entre professores da universidade e
da escola e as mudanças dos docentes, apoiadas pelos pesquisadores
e por todo o grupo de docentes, criaram as condições para melhorar
o desenvolvimento profissional de todos os sujeitos.
5 – Finalmente, o artigo de Marineide de Oliveira Gomes e Léa
das Graças Camargos Anastasiou, “Formar e formar-se: a voz e a
vez dos professores”, apresenta uma análise das experiências de
pesquisa e formação que suas autoras vivenciaram em diferentes
instituições de ensino superior no Brasil e analisa a complexidade
da imbricação dos processos de ação pedagógica com processos de
pesquisa participativa. Apresenta também a análise dos limites, pos-
sibilidades e perspectivas da pesquisa colaborativa, evidenciando
diferentes níveis de ação e de produção de conhecimento em dife-
rentes abordagens da pesquisa-ação. As narrativas de professores
são apresentadas como um caminho para apreensão das identidades
dos docentes. Acrescentam dados de uma pesquisa-formação que
investigou a construção de identidades de crianças pequenas e anali-
sam também a experiência de elaboração de memoriais no processo
de profissionalização continuada de docentes.

Referências bibliográficas

ABDALLA, Maria de Fátima B. (2000). Formação e desenvolvimento profis-


sional do professor: o aprender da profissão (um estudo em escola
pública). Tese (Doutorado). São Paulo, FEUSP.

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Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

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25
A investigação-ação e a construção de
conhecimento profissional relevante
Julia Oliveira-Formosinho1

Do frenesi normativo à aparente paralisia da escola

A
s circunstâncias sócio-históricas e culturais dos nossos tem-
pos suscitam um enorme desafio ético a quem investiga a
ação social. A situação dos grupos discriminados ou desfa-
vorecidos devido à sua condição socioeconômica, étnica, religiosa,
lingüística, de gênero, de orientação sexual ou outra não permite
uma neutralidade disfarçada de objetividade ou eqüidistância.
A resposta aos ideais da modernidade de liberdade, igualdade e
fraternidade tem na escola um centro vital. Na escola espelham-se,
encontram-se e entrecruzam-se todas essas condições sociais com o
natural questionamento das soluções encontradas na escola seletiva
para assegurar o bem-estar e para definir os conteúdos a ensinar e os
valores a promover.

1. É professora associada do Instituto dos Estudos da Criança, da Universidade


da Minho, Portugal.

27
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

Essa encruzilhada de problemáticas, conjugada com os novos de-


safios tecnológicos postos à escola, tem conduzido alguns governos a
uma política educativa baseada num frenesi de medidas e iniciativas,
acompanhadas de uma retórica legitimadora. Mas esta catadupa nor-
mativa e retórica tem muitas vezes um efeito contraproducente de pa-
ralisia, podendo conduzir a um deserto de aprendizagem experiencial
reflexiva de modos inovadores de construir a escola para todos.
Assim, a escola que temos (em continentes tão diferentes como
a Europa e a América) é, bastas vezes, uma escola onde se naturali-
zou a distância entre as propostas consecutivas e a realidade peda-
gógica construída e experienciada por alunos e professores, onde a
inovação se remete, muitas vezes, a uma retórica nominalista — a
manipulação nominal de conceitos antigos sem qualquer influência
no cotidiano praxiológico, a adoção do “nome” sem o respectivo con-
teúdo praxiológico. Estes dois fenômenos interligados, o da natura-
lização da distância entre propostas e realidade e o da manipulação
nominalista, levam a uma vivência meramente retórica da inovação
em que uma nova roupagem, por vezes apenas uma nova cosmética,
envolve a mesma realidade (FORMOSINHO, MACHADO 2007).
A complexidade da configuração social, tal como a complexida-
de da configuração da organização que é a escola, requer outros mo-
dos de ensinar, pois o ensino se faz no aqui e agora cultural, social
e histórico, não numa sala asséptica que a escola “desinfetasse” dos
problemas sociais exteriores (OLIVEIRA-FORMOSINHO 2007).
Tomar consciência dessa necessidade de promover outros mo-
dos de ensinar obriga-nos a assumir-nos como profissionais reflexi-
vos e críticos (PIMENTA, GHEDIN 2002). Ser profissional reflexivo
é, assim, antes do mais, criar uma proteção em relação ao frenesi
normativo e à retórica nominalista; é fecundar as práticas nas teo-
rias e nos valores, antes, durante e depois da ação; é interrogar para
ressignificar o já feito em nome do projeto e da reflexão que cons-
tantemente o reinstitui (OLIVEIRA-FORMOSINHO 2007).
Esta triangulação praxiológica entre valores, teorias e práticas é
um processo exigente que, contudo, tem fontes de inspiração muito

28
A investigação-ação e a construção de conhecimento profissional relevante

ricas na herança pedagógica do século XX (OLIVEIRA-FORMOSINHO,


KISHIMOTO, PINAZZA 2007). Uma dessas inspirações é exatamente
a investigação-ação, pois ela tem um papel muito relevante na for-
mação do profissional docente reflexivo.

A investigação-ação e a construção de conhecimento


profissional prático

Tradicionalmente, as universidades desenvolveram uma episte-


mologia institucional que valoriza um modo específico de erudição:
a obtenção do conhecimento como valor em si mesmo, para ser dis-
cutido e transmitido dentro da elite acadêmica. Contudo, durante o
século passado as universidades abriram, gradualmente, as portas à
formação de profissionais, o que trouxe necessariamente o desafio
de rever a epistemologia institucional, abrindo-a ao conhecimento
prático, pois a formação de profissionais tem um referencial central
na epistemologia da prática.
O reconhecimento da natureza complexa do conhecimento prá-
tico tem sido debatido por sociólogos (BORDIEU 1997), por filósofos
(DUNNE 1993) e, evidentemente, pelos formadores (CARR, KEMMIS
1986; SCHÖN 1995; NÓVOA 1992; PIMENTA 1999; FORMOSINHO
2002a; 2002b). Esse reconhecimento pelos formadores visa à cria-
ção de um dispositivo pedagógico que permita que o conhecimento
prático seja o sustentáculo da renovação epistemológica.
Embora a identidade de professor e a de formador sejam pro-
fundamente interativas e integradas, a construção de uma identi-
dade de formador dentro da universidade tem sido relegada ao
plano individual da experiência solitária do docente universitário
(PIMENTA 1999).
O conhecimento profissional prático é uma janela para uma
compreensão e uma apropriação melhores da prática profissional
pelos estudantes profissionalizandos. Não pode ser conceitualiza-
do nem como conhecimento provindo da reflexão de um prático
individual, nem como conhecimento provindo da teorização de um

29
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

formador individual. O conhecimento prático é construído em con-


textos culturais, sociais e educacionais específicos, tem caracterís-
ticas coletivas que cada profissional experiencia na sua história de
vida. É, assim, experienciado por cada profissional nos níveis inter e
intrapessoal.
O conhecimento profissional prático é de natureza evolutiva,
o que significa que está aberto a mudança. Mudar o conhecimento
profissional prático não é mera questão do prático individual ou do
teórico alinhado, pois requer uma ampla reflexão cultural e social
tanto quanto uma mudança nos contextos profissionais, nas rela-
ções pessoais, nas relações de poder que os habitam.
A consciência crítica em torno desta complexidade tem condu-
zido ao desenvolvimento de processos e de percursos identitários
que habitam este locus — a recriação pela universidade do conheci-
mento prático e a reconceitualização de uma epistemologia da prá-
tica a partir da construção progressiva da identidade profissional do
professor universitário como formador de profissionais.
É ainda muito escassa a investigação e a teorização dessas reali-
dades, mas é muito necessária para se compreender a especificidade
de cada uma, o seu encontro no âmbito da práxis, o seu contributo
cooperado para os processos de mudança, melhoria e inovação da
realidade profissional concreta que urge transformar para criar res-
postas alternativas aos problemas educacionais e sociais. Para que a
escola seja uma escola para todos.

A investigação-ação como alavanca da mudança educativa

É neste contexto do contributo cooperado do formador univer-


sitário e do profissional do terreno para os processos de mudança,
melhoria e inovação da realidade profissional concreta que tomei a
decisão de revisitar a investigação-ação, de equacionar o seu papel
na formação do profissional reflexivo. É neste contexto que este li-
vro se propõe dialogar com um passado rico de propostas que colo-
cam a investigação-ação no coração da mudança.

30
A investigação-ação e a construção de conhecimento profissional relevante

Neste contexto, invocar Dewey é mais que invocar um nome, é


invocar uma sensibilidade emergente que lê o professor não como
mero artesão ou técnico da transmissão, mas como dispondo de
agência reflexiva que em comunidade recria a escola a serviço da
democracia. Invocar Lewin (1946) é invocar aquilo que são, ain-
da hoje, as características centrais da investigação-ação: o caráter
participativo, o impulso democrático e o contributo simultâneo
para a mudança social e para a ciência social; invocar Lewin é in-
vocar uma sensibilidade emergente ao “paradigma da complexida-
de” (MORIN 1982) na investigação nas ciências humanas e sociais.
Invocar Stenhouse (1987), que é influenciado por Lewin, é invo-
car o professor investigador do currículo que desenvolve, é invocar
uma sensibilidade emergente ao currículo contextualizado. Invo-
car Kemmis e Carr (1986) é invocar integração de desenvolvimen-
tos: o desenvolvimento do professor e o do currículo, integrar a mu-
dança nas escolas com a mudança das políticas.
O diálogo entre estes e outros expoentes da investigação-ação
torna clara a idéia de que a realidade social e educacional está preg-
nante da possibilidade de mudança e transformação e de que os ato-
res centrais dessa mudança são os profissionais quando desenvolvem
a necessidade de refletir sobre a própria prática, isto é, de investigar
o próprio trabalho a fim de melhorá-lo.

A investigação-ação como integração


dos direitos de ensinar e de aprender

A investigação-ação parte do pressuposto de que o professor é


competente e capacitado para formular questões relevantes no âmbi-
to da sua prática, para identificar objetivos a prosseguir, para escolher
as estratégias e metodologias apropriadas para atuar em conformida-
de, para monitorar tanto os processos como os resultados.
Este é um avanço qualitativo no que se refere quer à imagem de
professor, quer à teoria da formação de professores — o professor pas-
sa de objeto da investigação dos acadêmicos a sujeito da sua própria

31
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

investigação. Enquanto ator, assume o questionamento, a operaciona-


lização e a documentação da reflexão profissional contextual. Como
a maioria das correntes de investigação-ação desafia os profissionais
a desenvolver este processo de forma cooperada, podemos dizer que,
assim, se realiza um duplo avanço qualitativo: de objeto a sujeito de
investigação, por um lado, de sujeito a participante de um proces-
so cooperado de investigação, por outro (OLIVEIRA-FORMOSINHO,
FORMOSINHO 2001; OLIVEIRA-FORMOSINHO, KISHIMOTO 2002).
Na linguagem de Paulo Freire — que, dentro da corrente co-
munitária, é considerado um segundo fundador da investigação-
ação —, este processo de passagem de objeto a sujeito, e de sujeito a
participante num processo cooperado, é um processo de conscienti-
zação que redefine o estatuto hierárquico na investigação — quer o
estatuto hierárquico entre o professor e o investigador, quer o esta-
tuto hierárquico entre a investigação e a ação.
Nos últimos dez anos, vem se reconstruindo no âmbito edu-
cacional um complexo movimento que emergiu fora do domínio
educativo (SENGE 1990; 1992): a conceitualização de grupos pro-
fissionais e das escolas como comunidades de prática (WENGER
2001; BOLÍVAR, 2000). Trata-se de reconceitualizar os centros edu-
cativos como organizações que aprendem, que criam memória da
aprendizagem organizacional (BOLÍVAR 2000). A construção social
da aprendizagem organizacional, desenvolvida e documentada em
ciclos de investigação-ação, constitui-se em memória de uma comu-
nidade de prática.
Nas comunidades de prática, o papel do projeto da comunidade
é constantemente refletido na sua concretização através da investi-
gação-ação. Nesse contexto a investigação-ação é posta a serviço de
uma aprendizagem organizacional concebida como construção da
melhoria da educação oferecida. O desenvolvimento dos profissio-
nais e da organização educativa é visto em interatividade, porque a
organização se torna um espaço qualificante de todos e de cada um,
porque este processo é analisado em função do projeto social da or-
ganização, que é o projeto de educar melhor as gerações mais novas.

32
A investigação-ação e a construção de conhecimento profissional relevante

Assim, a comunidade de prática numa organização que aprende


é concebida na interatividade com a aprendizagem das crianças. Em
cada sala de aula a comunidade de práticos é responsável por uma
comunidade de aprendizagem, em cada sala o desenvolvimento da
prática serve ao desenvolvimento da aprendizagem das crianças.
Assim, um fator importante de mobilização das comunidades
de prática é a integração dos direitos de ensinar e aprender, dos di-
reitos do professor e das crianças. Essa integração do direito de en-
sinar com o direito de aprender representa um avanço qualitativo
(OLIVEIRA-FORMOSINHO 1998).

A investigação-ação como processo de emancipação

Tudo o que acabamos de dizer remete à complexidade da inves-


tigação-ação. Essa complexidade advém da natureza dos seus obje-
tivos, que se inscrevem em patamares diferentes: agir e investigar
a ação para transformá-la; formar na ação transformando-a; e in-
vestigar a transformação. Estamos perante uma estratégia que visa
formar para transformar através da investigação da transformação.
Assim, a investigação-ação forma, transforma e informa. Informa
através da produção de conhecimento sobre a realidade em transfor-
mação; transforma ao sustentar a produção da mudança praxioló-
gica através de uma participação vivida, significada e negociada no
processo de mudança; forma, pois produzir a mudança e construir
conhecimento sobre ela é uma aprendizagem experiencial e contex-
tual, reflexiva e colaborativa.
No âmbito educativo, produzir a mudança através da investiga-
ção-ação pode constituir-se num importante processo emancipatório
ao propor uma resposta a problemas concretos, situados, locais, longe
do frenesi normativo e da retórica nominalista — formular as questões
a estudar, elaborar os objetivos a prosseguir e as metodologias para
abordá-los e monitorá-los, definir formatos para avaliar os resultados.
O professor como sujeito e participante na investigação-ação
colaborativa participa também na avaliação dos resultados e do

33
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

impacto da ação, sem deixar essa tarefa meramente a autoridades


externas ao processo, tais como a inspeção ou investigadores exter-
nos. Não se trata de recusar essas instâncias avaliativas, mas de as-
sumir proativamente a avaliação interna do processo, dos resultados
e do impacto como parte integrante da investigação-ação.
Na linguagem de Paulo Freire, estamos perante um novo pro-
cesso de conscientização em que se redefine o estatuto hierárquico
do poder avaliativo dos serviços que se prestam, porque a avaliação
das conseqüências do processo de ensino–aprendizagem dos alunos
é feita, em primeira instância, no interior da organização educativa,
à luz do seu projeto, baseada na sua visão e na sua missão.
Este é também um contributo para um processo de emancipa-
ção, pois o professor, como prestador de um serviço social essencial,
sabe que todos os serviços sociais devem ser analisados nas suas
conseqüências. Por outro lado, trata-se de um processo em que o
professor passa de objeto a sujeito da avaliação; porque o processo
ocorre de forma cooperada, podemos dizer que nem é objeto, nem
sujeito, mas participante nos processos avaliativos.

A complexidade da investigação-ação

Tudo o que acabamos de dizer remete à complexidade da in-


vestigação-ação. Essa complexidade advém também da integração
dos papéis educacionais do professor com o papel de investigador,
advém da aproximação do subjetivo e do objetivo, do prático e do
investigador, do observador e do observado.
Essa integração leva muitos pesquisadores a negar a investiga-
ção-ação como processo válido de produção de informação e conhe-
cimento. Na ciência moderna, positivista, o conhecimento científico
é objetivo, rigoroso, quantificável, casual, generalizável, universal.
Para fazer esta ciência produz-se a separação entre sujeito e objeto de
investigação, entre os fatos e quem os produz, pensando deste modo
evitar a interferência de valores, juízos e crenças dos sujeitos. A inte-
ligibilidade é conseguida porque se privilegia o mais simples (SOUSA

34
A investigação-ação e a construção de conhecimento profissional relevante

SANTOS 1987). B. Sousa Santos (1989) distingue dois tipos de para-


digmas: o da ciência moderna e o da ciência pós-moderna; a investi-
gação-ação situa-se inequivocamente neste segundo paradigma.
Na ciência pós-moderna considera-se que os conhecimentos
científicos são também autobiográficos e auto-referenciáveis (SOUSA
SANTOS 1989). Em conseqüência, tudo o que forma a visão do mun-
do e a cultura dos investigadores (valores, crenças, representações)
torna-se parte da explicação científica deste outro paradigma. E, nes-
te contexto, Sousa Santos afirma mesmo que a ciência pós-moderna
deve dialogar com outras formas de conhecimento, designadamente
com o senso comum, o conhecimento vulgar e prático com que no
cotidiano orientamos as nossas ações, damos sentido à nossa vida.
Sousa Santos reconhece nesta forma de conhecimento virtua-
lidades para enriquecer a compreensão da realidade, pois o senso
comum é prático e pragmático e emerge das trajetórias e das ex-
periências de vida dos sujeitos ou de grupos sociais; é por isso su-
perficial e metódico. Contudo, para o autor, este conhecimento, em
diálogo com o conhecimento científico, amplia a dimensão do co-
nhecimento. Essa forma de conhecimento em diálogo com o conhe-
cimento científico dá origem a uma nova racionalidade, outra forma
de conhecimentos que é simultaneamente mais reflexiva e mais prá-
tica, mais democrática e mais emancipadora do que qualquer deles
em separado.
A pós-modernidade tem afirmado que a realidade é multifaceta-
da, caleidoscópica e a nossa compreensão dela é sempre imperfeita
e incompleta (MOSS 2003). A compreensão da realidade e a realida-
de em compreensão constituem-se interativamente a partir do que
Sousa Santos denomina a “pluralidade metodológica”. O estudo da
realidade e a construção de conhecimento são feitos a partir da plu-
ralidade metodológica.
Bruner referiu a necessidade de a investigação ser simulta-
neamente rigorosa e relevante — relevante para o cotidiano das
aprendizagens, assumindo a complexidade, e rigorosa nos modos al-
ternativos de pesquisa. Tocava na questão do paradigma tradicional

35
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

da investigação, que perante a complexidade do mundo dos fenôme-


nos utiliza princípios simples e leis gerais. Aquilo que Morin (1982)
vem a chamar de paradigma da simplificação.
Morin (1982) ajuda à compreensão desta questão quando
analisa a ciência positivista: esta é baseada na idéia de que a com-
plexidade do mundo dos fenômenos pode e deve resolver-se a par-
tir de princípios simples e de leis gerais. Contrariamente, Morin
(1982) olha para a realidade de outra forma e apresenta, como
alternativa ao paradigma da simplificação, que caracteriza a ciên-
cia clássica, o paradigma da complexidade, que assenta no pressu-
posto da incerteza:
A incerteza, a indeterminação, a álea, as contradições apare-
cem, não como resíduos a eliminar pela explicação, mas como
ingredientes não elimináveis da nossa percepção-concepção do
real, e a elaboração de um princípio de complexidade precisa
que todos estes ingredientes, que arruinavam o princípio de ex-
plicação simplificadora, alimentem daqui em diante a explica-
ção complexa (MORIN 1982, p. 211).

Assim, a complexidade dos métodos é inevitável na investiga-


ção-ação educativa, pois esta parte do cotidiano de um processo de
ensino–aprendizagem que se caracteriza pela contradição, pela in-
certeza e pela indeterminação dos dilemas emergentes.
Essas características configuram uma realidade complexa em
constante transformação que exige da criação do conhecimento um
paradigma que lide com a complexidade. Um paradigma que use
métodos plurais para compreender a realidade, sabendo-se que ne-
nhum método a “faz falar” na sua totalidade. Os métodos acedem
a parte da realidade, reconstituem-se nesse acesso e reconstituem a
realidade. Essas características não são assumidas no âmbito do pa-
radigma da ciência positivista, que, porque de natureza causal, tem
de eliminar a complexidade e situar-se na sua simplificação.
No recente A Handbook of Action Research (2001), Zeichner
apresenta investigações que evidenciam que os professores que viven-
ciam projetos de investigação-ação para a mudança revelam ganhos

36
A investigação-ação e a construção de conhecimento profissional relevante

pessoais, tais como melhoria da auto-estima e da autoconfiança, e


ganhos profissionais, tais como maior capacidade de auto-análise,
melhoria das interações com outros professores, desenvolvimento de
atividades de colegialidade e desenvolvimento da atenção aos pro-
blemas dos alunos e à aprendizagem centrada nos alunos.
Estamos aqui perante a trilogia de atributos que caracteriza o
contributo da investigação-ação: ganhos na pessoa, na profissão e
na prática educativa.

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39
Pesquisa-ação: limites e possibilidades
na formação docente
Maria Amélia Santoro Franco1
Verbena Moreira Soares de Sousa Lisita2

“A pesquisa como instrumento de formação não existe descolada de um


contexto político, estando comprometida com fins e valores sociais. Nem a
pesquisa e nem a formação são constructos arbitrários, pois suas propostas
decorrem de uma concepção de educação e do trabalho que operacionalizam.
Portanto, formação para quem? Com que sentido? — são balizadoras da
compreensão dos processos formativos.
Sem um esforço para respondê-las corre-se o risco de tratar as questões da
pesquisa e da formação de forma naturalizada, como se não estivesse atuando
num campo minado de ideologias e compromissos.”
MARIA ISABEL DA CUNHA, Pesquisa e pós-graduação em educação…

A
epígrafe escolhida para abertura deste artigo é o ponto de
partida para se compreender as razões pelas quais acredita-
mos no potencial formativo da pesquisa-ação na formação
docente. Trata-se de uma opção teórico-metodológica que expressa
um determinado posicionamento acerca da sociedade, da escola, do
ensino, da profissão docente e do professor que se deseja formar.
Formação entendida como projeto de desenvolvimento humano,
por meio do qual se trabalha para que se possam produzir transfor-
mações no professor como pessoa. Concebemos o professor como
um profissional que realiza um trabalho de natureza pública, que o
compromete moralmente, pois o exercício de sua profissionalidade
ocorre em um contexto de práticas institucionais e sociais.

1. Coordenadora do Programa de Mestrado em Educação da Universidade


Católica de Santos (Unisantos).
2. Professora de didática e prática de ensino da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Goiás (UFG).

41
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

Considerando a especificidade do fazer profissional docente e a


relevância social de sua práxis, impõe-se a necessidade de um projeto
de formação que considere prioritária a construção de sua autonomia
como forma de potencializar seu trabalho educativo, com independên-
cia intelectual, consciência crítica e compromisso social. Nessa dire-
ção, torna-se relevante a busca de alternativas teórico-metodológicas
que criem condições para que os professores consigam se formar como
intelectuais críticos, de forma a capacitá-los a participar do debate pú-
blico da profissão e da produção do conhecimento educacional.
Nessa perspectiva, este trabalho aborda o potencial pedagógico
da pesquisa-ação na formação docente. Para tanto, enfoca os pressu-
postos que fundamentam a formação do professor como intelectual
crítico, capaz de produzir e recriar saberes, bem como as condições
de formação de um professor autônomo que busca no conhecimento
qualificado as possibilidades para renovar e inovar em sua prática
educativa. A pesquisa-ação é vista em sua concepção formativo-
emancipatória, dando sustentação às concepções que referendam a
necessidade e a possibilidade de formação do professor pesquisador.
A referência à pesquisa-ação como instrumento pedagógico
quer sinalizar a concepção que damos à ação pedagógica como prá-
tica social destinada à formação de indivíduos inseridos na práxis so-
cial, conscientes de seu papel na construção da realidade, entendido
como domínio da natureza e como exercício da liberdade, concomi-
tantemente. Essa tarefa da pedagogia exige um trabalho educacional
crítico, que pressupõe sempre uma ação coletiva, pela qual os indiví-
duos tomarão consciência de que são possíveis e necessários, a cada
um, a formação e o controle da constituição do modo coletivo de
vida. É uma tarefa eminentemente política, social e emancipatória.

Sobre a natureza do trabalho docente e a


necessidade da pesquisa na formação

Qualquer projeto para a formação de professores supõe uma


concepção sobre a função da profissão docente. O professor é um

42
Pesquisa-ação: limites e possibilidades na formação docente

profissional do ensino. Qual é a natureza desse trabalho? O que sig-


nifica formar o professor para exercer a profissão de ensinar? São
perguntas às quais diferentes projetos e perspectivas de formação
têm procurado responder, contrapondo-se à racionalidade técnica,
especialmente desde que Schön, na década de 1980, demonstrou a in-
suficiência desse paradigma de formação profissional universitária3.
A racionalidade técnica, de fundamentação positivista, postu-
la um valor determinante para a investigação científica sobre as si-
tuações práticas. Os modelos de formação de professores baseados
nessa perspectiva investem, em primeiro lugar, na aprendizagem
dos fundamentos dos conhecimentos científicos para que, depois, os
professores possam aplicá-los de acordo com seus princípios ou re-
gras. Essa forma de conceber a formação tem contribuído para criar
hierarquias acadêmicas e sociais entre as ciências que se dedicam à
pesquisa do fenômeno educativo e entre as pessoas que nele traba-
lham. Assim, no âmbito da cultura de formação docente universitá-
ria, verifica-se uma naturalização da divisão entre quem produz e
quem consome o conhecimento educacional e um distanciamento
entre a pesquisa educacional denominada “acadêmica” e as necessi-
dades sentidas pelos professores e suas escolas.
Uma conseqüência dessa divisão e desse distanciamento tem se
convertido em um tema clássico da educação: a desarticulação en-
tre teoria e prática na formação docente. O problema manifesta-se,
principalmente, na discrepância entre os conhecimentos científicos
ensinados na formação e os que realmente praticam os professores

3. Na década de 1980, Donald Schön, ao estudar a formação profissional uni-


versitária utilizando como referência o curso de arquitetura, denunciou sua vin-
culação à racionalidade técnica e propôs a formação de profissionais reflexivos,
produtores de saberes e conhecimentos sobre sua prática. Essa proposta desen-
cadeou uma crítica generalizada à racionalidade técnica e teve grande repercussão
nas propostas e pesquisas sobre formação de professores. A esse respeito, con-
sultar: NÓVOA 1992; PÉREZ-GÓMEZ 1992; ZEICHNER 1993; MENEZES 1996;
SACRISTÁN, GÓMEZ 1998; GARCIA 1992; 1999; CORINTA 1998; LIPOVETSKY
2001; MIZUKAMI 2002; PIMENTA, GHEDIN 2002; ROSA 2003.

43
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

em seu campo profissional. Eis a questão que se põe: por que os profes-
sores praticam teorias outras que não aquelas ensinadas nos processos
de formação? Segundo Contreras (1994a), esse problema, se ana-
lisado pelos parâmetros positivistas, leva a supor que a dificuldade
encontra-se nos consumidores do conhecimento produzido pelas
pesquisas educacionais: os professores. Em vista disso, argumenta, a
solução seria construir currículos à prova de professores, isto é, cur-
rículos que neutralizassem as resistências às inovações educacionais
e as divergências sobre os significados dos conhecimentos científi-
cos ensinados. Concordando com o autor, a alternativa, pelo visto,
é outra, e passa pela compreensão de que o ensino move-se por uma
racionalidade diferente da que vem orientando a formação profissio-
nal dos professores.
Essa racionalidade é insuficiente para a compreensão do trabalho
docente porque o ensino é uma prática humana, realizada por seres
humanos que buscam a transformação de outros seres humanos. O
conhecimento que o professor utiliza em seu trabalho é mais do que
um conjunto de proposições teóricas. Ele implica uma compreensão
para atuar que engloba aspectos emotivos, afetivos, morais e éticos.
Trata-se de um conhecimento impregnado na pessoa que exerce a
profissão de ensinar, cujo principal recurso e meio de realização é ela
própria, com suas vicissitudes e formas de entender, sentir e viver.
Arriscaríamos dizer que o êxito da formação nessa profissão depende
mais de uma sensibilidade para a compreensão das questões huma-
nas do que do domínio de proposições científicas, pois é impossível
determinar quais teorias dão base científica aos problemas do ensi-
no, que são dominados por complexidade, incerteza, instabilidade,
singularidade e conflito de valores (GÓMEZ 1998).
Além desses aspectos, a racionalidade técnica é pragmática,
isto é, não contempla os problemas políticos e morais de ativida-
des profissionais que visam à formação humana (HABERMAS 1971,
apud GÓMEZ 1998). O ensino é uma prática social que busca a con-
cretização de pretensões educativas. Segundo Contreras (1994b),
compreender o ensino como prática social significa: a) entender

44
Pesquisa-ação: limites e possibilidades na formação docente

o contexto institucional em que se insere e sob o qual se constitui


como prática que ocorre em sociedade; b) reconhecê-lo como um
processo público, inserido em uma tradição que lhe exige um sig-
nificado, pelo qual se definem seus propósitos e expectativas quan-
to a sua realização; c) compreender que são pessoas concretas que
assumem o compromisso com as pretensões do ensino, a partir de
uma tradição sobre suas práticas, interpretando os significados e os
propósitos do contexto de sua atuação.
Por isso, nessa visão, o ensino é também uma prática moral e
ética, que depende dos julgamentos de quem o realiza sobre o sig-
nificado e as conseqüências de sua prática. Como prática moral, o
ensino realiza-se como possibilidade de concretização de valores e
intenções postos pela sociedade em que ocorre. Em sua dimensão
ética, o ensino supõe uma atitude crítica em relação a esses mesmos
valores e intenções. Essa atitude crítica, do plano da ética, é funda-
mental para uma concepção de ensino como prática social humana
que não pretenda meramente a reprodução dos valores e das práti-
cas sociais vigentes — marcados pelas desigualdades e injustiças so-
ciais —, mas sua transformação na direção de práticas sociais mais
humanas, justas e dignas. Atentando para o fato de que
Não há jeito de separar a ética da moral. Toda vez que pensa-
mos criticamente nossa ação, que tem uma dimensão moral, es-
tamos no terreno da ética. Mas a ética não é um terreno no qual
se possa permanecer. Deve-se sempre retornar ao terreno da
moralidade, pois é no terreno da moralidade que está a prática,
que se desenvolvem as ações. Tendo um caráter teórico, a ética
é sempre um recurso para olhar, voltar e reconduzir à prática
(RIOS 2000, p. 127).

Essa compreensão traz a necessidade de trabalharmos para uma


formação de professores como profissionais que exercem um tra-
balho de natureza intelectual, cujas implicações morais e éticas de-
mandam uma postura de autonomia, entendida como um processo
de construção permanente de emancipação pessoal e coletiva das
limitações das atuais condições institucionais e sociais de realização

45
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

do ensino. Essa aspiração para a formação docente fundamenta-


se na concepção de professor como intelectual crítico, formulada
por Contreras (2002) a partir de uma revisão crítica do conceito de
professor reflexivo, de Schön (2000), de professor como intelectual
transformador, de Giroux (1997), e apoiada na proposta de reflexão
crítica de Smyth (1991) e Carr e Kemmis (1988).
A figura do intelectual crítico é a de um profissional que parti-
cipa ativamente do esforço para descobrir o oculto, para desen-
tranhar a origem histórica e social do que se apresenta como
“natural”, para conseguir captar e mostrar os processos pelos
quais a prática do ensino fica presa em pretensões, relações e
experiências de duvidoso caráter educativo. Do esforço tam-
bém para descobrir as formas pelas quais os valores ideológicos
dominantes, as práticas culturais e as formas de organização
podem não só limitar as possibilidades de ação do professor,
mas também as próprias perspectivas de análise e compreensão
do ensino, de suas finalidades educativas e de sua função social.
Igualmente, o intelectual crítico está preocupado com a capta-
ção e potencialização dos aspectos de sua prática profissional,
que conservam uma possibilidade de ação educativa valiosa,
enquanto busca a transformação ou a recondução daqueles as-
pectos que não a possuem, sejam eles pessoais, organizacionais
ou sociais (CONTRERAS 2002, p. 185).

O autor refuta uma concepção de autonomia como status, atri-


buto ou qualidade individual para o exercício da profissão de ensi-
nar, tal como propõe o modelo de professor como um técnico ou
expert. Também critica a idéia de autonomia como capacidade para
resolver criativamente as situações problemáticas e incertas da prá-
tica profissional, na concepção de professor como um profissional
reflexivo. Propõe que a construção da autonomia dos professores
seja vista, primeiramente, como uma reivindicação profissional e
uma exigência educativa, ou seja, como sendo própria da nature-
za de um trabalho intelectual que, se realizado a partir de prescri-
ções externas, de forma dependente de um conhecimento alheio,
perde sua autonomia e se desumaniza. Argumenta que, em última

46
Pesquisa-ação: limites e possibilidades na formação docente

instância, a responsabilidade pela condução do ensino em situações


complexas, singulares, conflituosas e incertas é do próprio profes-
sor. E que essa responsabilidade somente pode ser exercida com
independência de juízo, a partir de intenções e valores próprios.
Como diz ele, “não há forma de atuar moralmente com a moralida-
de do outro” (2002, p. 12).
Porém, independência de juízo não significa demarcação de terri-
tórios, nem que o ensino seja um assunto de decisão unilateral do pro-
fessor. Entender o ensino como prática social implica inseri-lo num
contexto de atuação mais amplo, no qual estão envolvidos fatores cul-
turais, históricos, ideológicos, entre outros. Significa entendê-lo, tam-
bém, como prática profissional pública exercida na relação com os
outros. Por isso, a idéia de autonomia como processo em construção
depende de que esta possa se constituir na relação com as pessoas im-
plicadas na prática educativa. Partindo desse entendimento, Contreras
(2002) argumenta que a autonomia somente pode ser construída se
os professores entram em diálogo com as pessoas implicadas na prá-
tica educativa, tendo como base o entendimento e a cooperação. Essa
visão, sem desconsiderar que esta possa ser uma construção proble-
mática e conflitiva, baseia-se na aspiração da autonomia para todos os
envolvidos no processo e não apenas para os professores.
O fato de que a autonomia exista em relação com as pessoas im-
plicadas na prática educativa não significa que ela seja fruto de um
equilíbrio de posições. A idéia de autonomia como emancipação exi-
ge um distanciamento crítico em relação aos interesses e demandas
das pessoas implicadas na prática educativa. Não vivemos em uma
sociedade meramente plural, mas dividida em classes sociais, com
desiguais condições materiais e culturais de existência. Por isso, a
construção da autonomia como emancipação supõe uma posição
a respeito da transformação das atuais condições que distorcem e
limitam a prática educativa, aí incluídos os interesses e conflitos
que permeiam as relações que ocorrem no ensino. Para Contreras
(2002), é essa postura que possibilitará que o ensino não se realize
apenas como reprodução dos valores e das práticas sociais vigentes,

47
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

mas também como condição e possibilidade de pretensões educati-


vas guiadas por valores de justiça e igualdade.
Por último, essa concepção de autonomia implica a consciência
da incompletude de nossos valores e intenções, bem como de nós
mesmos como seres humanos. Ao mesmo tempo em que a autono-
mia exige um compromisso com valores que expressam determina-
dos interesses e intenções, não é possível reduzi-la a uma posição
única e unificada, aceita como verdade universal para todos, ainda
que esta se situe no campo dos que defendem valores voltados para
o bem comum e a justiça social. O autor fala, aqui, do respeito às
diferenças de posições, da necessidade de aceitação das dimensões
do humano que não são compreensíveis pela razão pura ou não se
enquadram em uma posição ideologicamente correta. Fala também
da dimensão emotiva de um trabalho como o de ensinar, assentado
na relação entre pessoas e não entre coisas. As pessoas têm senti-
mentos, emoções e desejos. São esses aspectos que estão na base
do compromisso pessoal com um trabalho de natureza moral e éti-
ca como é o de ensinar. Por isso, o exercício da autonomia na rela-
ção com os outros supõe prestar atenção aos outros e a nós próprios,
todos na condição de humanos incompletos e imperfeitos. É muito
relevante sua formulação para essa dimensão humana da autono-
mia, exercida na relação com os outros:
No encontro com os outros (tanto os alunos como as mães e
pais, colegas e outros setores sociais), a autonomia profissional
ou, caso se queira, a emancipação deveria começar juntamente
com essa sensibilidade moral, pelo reconhecimento de nossos
próprios limites e parcialidades na forma de compreender os
outros. Um reconhecimento que não é espontâneo, mas busca-
do de forma auto-exigente e trabalhosa, mas tampouco imposto
ou dogmaticamente estabelecido mediante verdades já liberta-
doras. Vista assim, a autonomia profissional perde seu sentido
de auto-suficiência para aproximar-se da solidariedade.

A partir das considerações sobre a natureza do ensino como prá-


tica social e da necessidade de se buscar formar professores tendo

48
Pesquisa-ação: limites e possibilidades na formação docente

como horizonte a construção da autonomia docente é que se preten-


de argumentar sobre a necessidade da pesquisa-ação na formação de
professores. Se a autonomia não é uma qualidade presente, mas um
processo, no qual é necessário que as pessoas que dele participam
possam ter as condições objetivas e subjetivas de sua construção,
é importante trabalhar para que os professores se sintam sujeitos
ativos desse processo. É o que vários autores críticos da área da edu-
cação vêm denominando “empoderamento”4, isto é, um processo de
construção do poder dos sujeitos que dele participam; poder aqui
entendido como consciência de si como sujeito da práxis. O concei-
to de “empoderamento” será discutido mais adiante, quando explici-
tarmos a proposta de pesquisa-ação crítica que pretende concretizar
a formação docente na perspectiva trabalhada neste estudo.
Cunha (2003), ao analisar o sentido político e pedagógico da
pesquisa na formação, apresenta argumentos que justificam a união
entre pesquisa e formação. Em primeiro lugar, a pesquisa tem um
papel formador porque requer uma atitude constante de indagação e
de aprendizagem, estimulando a formação de capacidades e atitudes
que auxiliam a autonomia intelectual dos sujeitos e sua cidadania.
Em segundo lugar, a pesquisa realizada de uma perspectiva crítica
estimula um modo de pensar também crítico sobre a realidade, pos-
sibilitando compreender que a produção do conhecimento é tarefa
social e coletiva. Daí a necessidade de diálogo e interlocução com os
outros na produção do conhecimento. Em terceiro lugar, na condi-
ção de realizar-se criticamente como diálogo, a pesquisa supõe um
modelo de racionalidade comunicacional que busca superar o senso
comum, sem desqualificá-lo, mas valorizando-o como ponto de par-
tida e de chegada para novas possibilidades.
A pesquisa tem, portanto, muitas potencialidades para a formação
na direção da autonomia docente. A realização do ensino como prática
social demanda a formação de capacidades e atitudes que a pesquisa
requer e possibilita. Concordando com Cunha (2003, p. 2), “quando

4. Como tradução ao termo de língua inglesa empowerment.

49
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

se tem como pressuposto que a pesquisa pode ser um elemento-chave


para a formação, está se adotando a idéia de coerência entre os proces-
sos investigativos e uma proposição valorativa de educação”.
É buscando essa coerência que defendemos a articulação entre
pesquisa e formação, valorizando, nesse movimento, as pesquisas
realizadas pelos e com os professores na linha proposta pela pesqui-
sa-ação crítica.

Sobre a concepção de pesquisa-ação em articulação


com a formação docente

Quando se fala em pesquisa-ação, há que se definir o sentido


epistemológico que lhe estamos imprimindo. Grundy (1988, p. 353)
discute três tipos dessa forma de investigação:
— técnico-científica;
— prático-colaborativa;
— crítico-emancipatória.
O autor realça que não é apenas a estrutura metodológica que
produz a diferença entre essas abordagens: a diferença se constrói
nas concepções de mundo que os sujeitos compartilham, em suas
atitudes filosóficas, em suas crenças a respeito das relações homem–
mundo. Fazendo uma livre adaptação de seus escritos, realçamos no
quadro abaixo alguns aspectos diferenciadores das propostas.

Pesquisa-ação Pesquisa-ação Pesquisa-ação crítico-


técnico-científica prático-colaborativa emancipatória
Base Ciências naturais Fenomenologia Ciências críticas
filosófica – hermenêutica
– historicidade
Natureza Simples, quantificável, Múltipla/construída/ Dialética/social/econômica/
da realidade fragmentada multirreferencial contradições
Problema Definido a priori Definido em situação Definido em situação com
base em processos de
esclarecimento
Relação Separada. Objetividade Interacional/subjetivista/ Interacional/crítica/
sujeito–objeto Pesquisador é dialógica socialmente construída
pesquisador

50
Pesquisa-ação: limites e possibilidades na formação docente

Pesquisa-ação Pesquisa-ação Pesquisa-ação crítico-


técnico-científica prático-colaborativa emancipatória
Foco O problema mecanismo Compreensão mútua/ Mútua emancipação/práxis/
de ação dedutivo sentidos/mecanismo mecanismos dedutivo/
indutivo indutivo
Conhecimento Normativo Descritivo Normativo/descritivo/
produzido crítico
Duração Pequena Relativamente mais Longa, estrutural/mudanças
da mudança longa/na dependência nos contextos sociais/
dos sujeitos emancipação
Natureza Eventos explicados em Eventos compreendidos/ Eventos são criticamente
da termos de causas e ressignificados/trabalho compreendidos em termos de
compreensão efeitos reflexivo condicionantes econômicos/
sociais, com vistas a critérios
para equalização social
Propósito Descobrir leis que regem Compreender os Analisar criticamente os
da pesquisa a realidade; solucionar contextos em que se condicionantes da condição
um problema vive, descobrir os de hegemonia/superar a falsa
sentidos atribuídos consciência e produzir
mudanças sociais
emancipatórias
Relações entre A direção da ação é O poder de ação é O poder de emancipação
participantes impressa pelo partilhado, mas a ênfase resulta totalmente do grupo,
pesquisador recai na possibilidade de advém das compreensões da
ação individual práxis, guiada por interesses
do coletivo

Como é possível observar, a concepção crítica da pesquisa-ação,


fundamentada na teoria crítica, procura atingir objetivos emancipa-
tórios por meio da razão. Habermas (1987), ao desenvolver a propos-
ta de uma ciência social crítica, entende que a emancipação somente
será possível pela mediação de uma teoria crítica que possibilite aos
indivíduos as condições para conscientizar-se das limitações e dis-
torções de suas condições de existência. O meio para alcançar essas
intenções é o da crítica ideológica, tal como propôs Marx. Nesse sen-
tido, a proposta de uma ciência social crítica é desvelar as limitações
e distorções da realidade, tornando-a um pouco mais visível para
aqueles a quem afeta. Segundo Rosa (2003, p. 51),
Para Habermas, a ciência social crítica é aquela que vai além da
crítica, abarcando a práxis crítica, isto é, uma forma de prática

51
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

em que a “ilustração” dos agentes tenha sua conseqüência di-


reta em uma ação social transformadora. Isto requer a integra-
ção da teoria e da prática em momentos reflexivos e práticos
de um processo dialético de reflexão, ilustração e de luta po-
lítica desenvolvidos por grupos com o objetivo de sua própria
emancipação.

Assim, diferentemente das perspectivas técnica e prática, a


abordagem crítica da pesquisa-ação compromete-se tanto com a
produção de conhecimento sobre a realidade social como com sua
transformação em um sentido emancipatório. Para alcançar esse ob-
jetivo, as propostas de pesquisa-ação críticas (GRUNDY 1982; CARR,
KEMMIS 1988), fundamentando-se em Habermas, condicionam sua
realização a uma reflexão sistemática sobre a prática e à análise teóri-
ca sobre como os contextos institucionais e sociais limitam a atuação
dos sujeitos. A finalidade é que esse processo de compreensão possa
transformar a prática não-reflexiva em práxis, isto é, em ação com-
prometida socialmente e fundamentada teoricamente, a qual, por sua
vez, pode transformar a teoria que a informou (CONTRERAS 1994a).
Nessa perspectiva, espera-se que a realização da pesquisa-ação
constitua-se em um processo por meio do qual os participantes pos-
sam desenvolver um estilo de questionamento crítico sobre suas prá-
ticas, visando transformá-las. Segundo a proposta de Carr e Kemmis
(1988, p. 174), a pesquisa-ação crítica é “uma forma de indagação
auto-reflexiva que empreendem os participantes de situações sociais
com o intuito de melhorar a racionalidade e a justiça de suas pró-
prias práticas, seu entendimento das mesmas e as situações dentro
das quais têm lugar”5.
De acordo com esses e outros autores6, são condições básicas
para o desenvolvimento da pesquisa-ação nessa perspectiva:

5. Para maiores esclarecimentos sobre a pesquisa-ação crítica, consultar


FRANCO 2005.
6. KEMMIS 1984; MORIN 1985; LAVOIE, MARQUIS, LAURIN 1996; FRANCO
2003b.

52
Pesquisa-ação: limites e possibilidades na formação docente

a) ser uma pesquisa que integre, formativamente, os pesquisa-


dores e os participantes, comprometida com processos de
emancipação de todos os sujeitos que dela participam e vin-
culada a compromissos sociais com o coletivo, ou seja, ela
deve emergir da complexidade da práxis;
b) ser uma forma de pesquisa que induza, motive e potencia-
lize os mecanismos cognitivos e afetivos dos sujeitos, na di-
reção de irem assumindo, com autonomia, seu processo de
autoformação;
c) ser uma pesquisa que trabalhe com a complexidade dialé-
tica do processo formativo: que implique uma flexibilida-
de criativa; que evolua de acordo com a imprevisibilidade
do contexto; que ofereça espaço ao não-previsto, ao novo e
emergente, ao mesmo tempo em que oferece possibilidade
de inteligibilidade aos conhecimentos que vão emergindo
no processo;
d) ser uma pesquisa que permita aos professores, em processo
de formação: aprender a dialogar consigo próprios, dando
direção e sentido a seu desenvolvimento pessoal; aprender
a dialogar com a prática docente, quer a exercida por eles
próprios, quer a exercida por colegas, e que nesse diálogo
possam ir construindo um olhar crítico e reflexivo sobre elas;
aprender, também, a dialogar com os contextos de sua práti-
ca, os condicionantes de sua profissão.
Com essas características, verifica-se que o propósito da pes-
quisa-ação crítica não se restringe a produzir dados e teorias sobre
a atividade educativa. A intenção é, fundamentalmente, permitir
aos participantes uma cognição metateórica sustentada pela refle-
xão e baseada num contexto sócio-histórico (KINCHELOE 1997).
Esse entendimento, entretanto, não significa uma secundarização do
processo de produção do conhecimento nesse tipo de pesquisa. Ao
contrário, por tratar-se de um conhecimento fortemente vinculado à
transformação da realidade, necessita ser produzido de forma rigo-
rosa, sistemática e ética (CONTRERAS 1994b).

53
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

Sobre as possibilidades e os limites da pesquisa-ação crítica na


formação para a autonomia docente

Como explicitado anteriormente, a autonomia docente não é


uma capacidade individual de cada professor, mas um processo de
construção permanente de emancipação pessoal e coletiva dos im-
plicados na prática educativa. Na perspectiva apresentada, a pes-
quisa-ação não se reduz a um mero procedimento de resolução de
problemas práticos, mas trata-se de um meio de contribuir com a
emancipação pretendida. Entre os motivos para essa compreensão,
destacamos três possibilidades da pesquisa-ação nessa direção: a)
a contribuição para os processos de “empoderamento” dos profes-
sores, considerados como sujeitos de conhecimento e de transfor-
mação da prática; b) a articulação da teoria na prática e da prática
como possibilidade de construção da teoria; e c) a produção de co-
nhecimentos sobre a realidade educativa por meio da integração en-
tre conhecimentos científicos e saberes práticos.

a) A pesquisa-ação como instrumento de “empoderamento” dos


sujeitos, na direção da efetiva consideração dos professores como
sujeitos do conhecimento

Tardif (2002, p. 243) analisa, com base em suas experiências


e pesquisas sobre a profissão docente em diversos países, que os
professores somente serão reconhecidos como sujeitos do conheci-
mento quando lhes for realmente concedido o status de verdadeiros
atores, em substituição ao status corrente de tomá-los como técni-
cos que reproduzem e executam reformas educativas concebidas
com base numa lógica burocrática, em que as medidas e prescrições
vêm de cima para baixo. Segundo a análise do autor, na maioria dos
países o professor encontra-se em último lugar na esfera hierárquica
dos mecanismos de decisão e das estruturas de poder que regem os
sistemas escolares.
No caso do Brasil, esta é uma realidade presente em todos os
níveis escolares, especialmente no que diz respeito a professores da

54
Pesquisa-ação: limites e possibilidades na formação docente

educação básica. O poder desses docentes em influir na vida dos


estabelecimentos escolares, na estruturação do currículo com que
trabalham, na estrutura da organização pedagógico-administrativa,
ou seja, em situações que afetam o trabalho cotidiano, é realmente
bastante reduzido ou, muitas vezes, nulo7.
Como construir condições para que o professor sinta-se sujeito de
seu próprio trabalho, ator de suas práticas, encorajado para mobilizar
seus saberes, com forças para decidir e criar em situações complexas?
Essa é uma tarefa que os formadores de docentes necessitam enfren-
tar. Temos observado que muitos cursos, capacitações e programas
de formação continuada de docentes nem sempre têm conseguido re-
sultados relevantes na direção de capacitar os participantes a fazer de
suas práticas espaços de transformação e recriação de saberes.
Nessa direção, Tardif (2002, p. 238-239) propõe algumas mudan-
ças nas concepções e nas práticas de pesquisa atualmente em vigor:
a) trabalhar para que os professores deixem de ser vistos como
objetos de pesquisa e passem a ser considerados sujeitos do
conhecimento;
b) investir na elaboração de novas práticas de pesquisa que con-
siderem os professores como colaboradores ou co-pesquisa-
dores, dando-lhes espaços nos dispositivos de pesquisa;
c) produzir não apenas pesquisas sobre o ensino e os professo-
res, mas pesquisas no ensino e com os professores;
d) trabalhar para que os professores se considerem produtores
de conhecimento e aprendam a reformular, em linguagem
com certa objetivação, seus próprios discursos, perspectivas,
interesses e necessidades individuais ou coletivos.
Será na direção de encontrar mecanismos para dar conta dessas
necessidades expostas que daremos ênfase à questão do “empodera-
mento”. Como explicitado anteriormente, a autonomia docente não

7. A esse respeito consultar: GARRIDO, PIMENTA, MOURA 2000; LISITA,


ROSA, LIPOVETSKY 2001; PIMENTA, GEDHIN 2002; entre outros.

55
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

é uma qualidade presente individualmente em cada sujeito, mas um


processo que vai, gradativamente, garantindo a assunção por parte
do professor de sua responsabilidade social pela condução do ensi-
no em situações complexas, historicamente construídas e ideologica-
mente comprometidas. Isso só pode ser feito com um sujeito que se
sinta, se aperceba como ator de sua história, um sujeito “empodera-
do”, habilitado ao exercício do poder que advém de sua práxis.
Eis a questão que se põe: como os professores, em sua grande
maioria, formados segundo os pressupostos de uma racionalidade téc-
nica, saberão inverter a epistemologia que rege suas práticas e trans-
formar-se em sujeitos críticos de uma nova concepção de prática?
Ainda mais, perguntamos: como os professores, inseridos em
um contexto social e político que desvaloriza cotidianamente sua
profissão, imersos num modelo hegemônico de democracia repre-
sentativa liberal (SANTOS 2002, p. 46) que desconsidera o papel da
mobilização social e da ação coletiva, podem romper com tais con-
dicionantes e fazer-se sujeitos históricos, compromissados com uma
práxis política emancipatória?
E ainda: como os professores, alijados historicamente do papel
de participante ativo e inseridos em sua maioria em processos de
pauperização da profissão (CUNHA 1999), podem encontrar forças
e caminhos para se constituírem como atores sociais, críticos e com-
prometidos com uma nova concepção de vida e mundo?
Suojanen (1999) tem um trabalho denominado “A pesquisa-
ação como estratégia para o empoderamento”. Segundo sua análise
nesse trabalho, o exercício criativo e transformador de uma prática
profissional só pode ser exercido pelos sujeitos que têm o sentimen-
to de controle de sua vida e de suas decisões, o que lhes dá a capaci-
dade de sentir-se encorajados para mudar, rever, transformar. Para
a autora, “empoderar” é um ato de construção de capacidades, de
desenvolvimento pessoal e coletivo, de apreensão de crescente poder
de conhecimento e controle, que vai se incorporando por meio do
exercício da cooperação, do compartilhamento de saberes e do traba-
lho coletivo. A autora apóia-se em Wilson (1996, p. 3) para afirmar

56
Pesquisa-ação: limites e possibilidades na formação docente

que “empoderamento” significa comprometer-se com os objetivos


comuns, assumindo riscos e demonstrando iniciativa e criatividade.
Realça também que o “empoderamento” sempre implica uma dire-
ção ética advinda do compromisso social coletivamente assumido.
Candau (2000, p. 11), ao referir-se ao trabalho de educação em
direitos humanos, afirma que
todo trabalho em Educação em Direitos Humanos tem que co-
meçar por “empoderar” esses sujeitos para construir um pro-
cesso afirmativo de sua identidade, seja ela pessoal, étnica, seja
sua identidade de gênero, ou social, mas a construção de uma
identidade positiva é fundamental nos processos de educação
em Direitos Humanos.

Acreditamos que a consideração de Candau pode ser generali-


zada para processos gerais de formação de docentes: é preciso que
professores, ou futuros professores, revejam e assumam no coletivo
a identidade de seu papel social e profissional, reafirmando a dig-
nidade de seu trabalho e as potencialidades de uma práxis compro-
metida com o coletivo. O professor, para se assumir como sujeito
de conhecimento, precisa antes, e concomitantemente, assumir-se
como sujeito histórico.
Vários estudos8 evidenciam que os saberes docentes compõem-
se de uma multiplicidade de dimensões, entre as quais se destacam
os saberes da formação profissional, os saberes disciplinares, os sa-
beres curriculares e os saberes da experiência. No entanto, há que se
considerar que tais saberes se organizam, se entrecruzam, se mobi-
lizam, se reformulam pela capacidade do sujeito interrogante, dialo-
gante, crítico e criativo. Nessa direção, pode-se dizer que o sujeito,
para integrar e potencializar tais saberes em sua prática profissional,
precisa ser um sujeito “empoderado”, ou seja, com capacidade de
diálogo e contato consigo próprio, com disponibilidade de aprovei-
tar-se da crítica e do coletivo para recompor e atualizar tais saberes.

8. Entre eles TARDIF 2002; PIMENTA 1999; THERRIEN 1993; TARDIF,


LESSARD 1999.

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Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

Por seus pressupostos, a pesquisa-ação crítica pode contribuir


com esse processo. Em primeiro lugar, porque trabalha sempre com
o pressuposto da autoria individual, da participação dos sujeitos em
todo processo de construção dos conhecimentos. Em segundo lu-
gar, porque possibilita sistematizar os processos críticos reflexivos,
dando-lhes uma dimensão científica, para além do bom senso e do
espontaneísmo. Para tanto, organiza as reflexões dos participantes
em torno dos condicionantes ideológicos, políticos e econômicos,
“desvelando as forças tácitas que constroem a consciência no nível
da vida cotidiana” (KINCHELOE 1997, p. 219). Em terceiro lugar,
porque induz os participantes a uma reconceitualização crítica de
suas práticas, de suas crenças e de suas concepções na direção da
construção de práticas mais adequadas a seus objetivos atuais. Por
último, a pesquisa-ação crítica busca substituir a colonização cogni-
tiva e emocional dos professores por uma pedagogia da participação,
que vai procurando aproximar o sujeito de sua consciência, seu sa-
ber de seu fazer, sua intencionalidade de sua prática — encaminhan-
do o sujeito a substituir, na linguagem de Paulo Freire, a consciência
ingênua por caminhos de uma consciência crítica.

b) A pesquisa-ação crítica permite conhecer a teoria na dimensão


da prática e esta em processo de construção da teoria

Como dissemos anteriormente, um dos grandes desafios da for-


mação de professores tem sido a questão da articulação entre teo-
ria e prática, considerando a insuficiência da perspectiva técnica,
que separa e fragmenta a realidade da práxis, valorizando apenas a
tecnologia da prática, seu observável, seu aparente, o visível. Nesse
sentido, reafirmamos, com Grundy (1982, p. 358), que somente me-
diante a crítica, em especial a reflexão crítica, será possível estabele-
cer as mediações entre teoria e prática.
A reflexão pautada na crítica esclarece os condicionantes que
organizaram as práticas anteriores, referendando ou refutando con-
cepções que não estão mais presentes nos contextos atuais. Segundo

58
Pesquisa-ação: limites e possibilidades na formação docente

Grundy, quando uma pessoa reflete sobre uma teoria à luz da práxis
ou do julgamento prático, o conhecimento que emerge desse processo
é um conhecimento pessoal ou tácito. Esse conhecimento tácito é pos-
sibilitado pela interação crítica entre teoria, esclarecimento e ação.
O professor em processo de formação, na perspectiva de uma
epistemologia crítica da prática, precisa aprender como construir,
rever, criticar e ressignificar, em processo, tais conhecimentos. A
pesquisa-ação poderá ser um instrumento a colocá-lo em contato
com suas construções cognitivas, suas concepções de prática, suas
representações culturais.
É preciso verificar como a pesquisa-ação viabiliza a tarefa de
trabalhar com a práxis. Para isso, talvez seja relevante reportar-nos
aos dois eixos fundamentais que estruturam a pesquisa-ação crítica:
o eixo da ação, que parte de uma ação individual para uma ação
estruturada coletivamente; e o eixo da representação da ação, que
parte de concepção individual, pautada em bom senso, e chega ao
esclarecimento crítico ideológico. Mediando os dois eixos, encontra-
se a reflexão coletiva e emancipatória.
A pesquisa-ação crítica contempla a articulação desses eixos por
meio do trabalho dialético das espirais cíclicas em torno do processo
reflexivo. Assim, podemos explicitar:
•฀ Eixo da ação: a pesquisa-ação crítica organiza-se em torno da
abertura do individual ao coletivo, permeando essa relação
com os processos de socialização e crítica coletiva. Com o mo-
vimento de reflexão cíclica se desencadeando pela prática da
pesquisa, o fazer individual vai se socializando, compondo-se
com o coletivo, incorporando os anseios que vão sendo escla-
recidos na práxis investigativa, coletivamente construída.
•฀ Eixo da representação: como os sujeitos concebem as razões
de suas ações? Como identificam as teorias que as funda-
mentam? Normalmente os docentes atribuem às suas ações
práticas um significado intuitivamente elaborado, fruto de
bom senso, de teorias não-explícitas. Quando mergulham
em processos de pesquisa-ação, eles vão sendo interpelados

59
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

pelo grupo, entram em processos de dissonância cognitiva e


buscam no coletivo novas formas de perceber o mundo, de
analisar os condicionantes ideológicos de sua prática. Nesse
mergulho, com o processo de práxis investigativa, os discur-
sos que fundamentam sua prática vão sendo substituídos não
por outros discursos, mas por uma nova maneira de perceber
o mundo, que implica a reconstrução da ação, o que normal-
mente coloca sob suspeita discursos anteriores. A pesquisa-
ação, por congregar a concomitância de pesquisa com ação,
vai criando uma reciprocidade entre ações e discursos, entre
pensar e agir, entre saberes e práticas.
Esses dois eixos são bem visualizados nos trabalhos de Morin
(1992, v. 2, p. 21), em que o autor, ao descrever os modos de fun-
cionamento da pesquisa-ação integral, assim se refere: “a pesquisa-
ação integral visa a uma mudança pela transformação recíproca da
ação e do discurso, isto é, de uma ação individual em uma prática
coletiva eficaz e instigadora, e de um discurso espontâneo em um
diálogo esclarecido e até mesmo engajado”.
A mudança dessas duas esferas relativa à ação e às suas formas
de representação implica propriamente um processo formativo do
sujeito e das condições existenciais de sua ação. É um trabalho emi-
nentemente pedagógico e, nessas condições, político.
Nessa direção, Charlot (2002, p. 94) pode ajudar a referendar
o papel da pesquisa-ação como integrador da teoria com a prática.
O autor diz que não acredita que haja problema no diálogo da teo-
ria com a prática, o que existe “é um problema de diálogo entre dois
tipos de teoria: uma teoria enraizada nas práticas e uma teoria que
está se desenvolvendo na área da pesquisa e das próprias idéias en-
tre os pesquisadores”. Ele nos ajuda a refletir em duas direções: a
primeira sinalizando que muitas vezes a própria pesquisa, distante
dos sujeitos da prática, elabora teorias que pouco têm a ver com a
realidade da prática desempenhada pelos docentes; a segunda nos
induz a refletir que os docentes possuem uma teoria que fundamen-
ta suas práticas.

60
Pesquisa-ação: limites e possibilidades na formação docente

Assim, quando os professores participam de processos como os


descritos acima, eles têm oportunidade de compreender a origem
histórica de suas teorias e, com base nessa compreensão, de pro-
por e operar mudanças nas teorias que fundamentam suas práticas.
É o que confirmam pesquisas desenvolvidas nessa perspectiva, tais
como a de Rosa (2003), cujo resultado de investigação colaborati-
va sobre práticas docentes na formação continuada de professores
universitários foi o desenvolvimento político, pessoal e profissional
dos participantes.

c) A pesquisa-ação crítica permite a articulação entre os


saberes científicos e os saberes práticos, fazendo emergir novos
conhecimentos sobre a realidade educativa

Um dos pressupostos fundamentais de qualquer forma de pes-


quisa-ação é a convicção de que a pesquisa e a ação podem e devem
caminhar juntas. Caminhar juntas não significa apenas uma con-
comitância temporal, mas essencialmente uma articulação dialéti-
ca desses dois aspectos: o fazer e o pesquisar; o fazer pesquisando
e o pesquisar fazendo. Na pesquisa crítica, é fundamental que o
fazer junto signifique também a construção de movimentos inter-
subjetivos, interdialogais, intercomunicantes. Esses movimentos
irão construindo um universo de significações coletivas organizado
pelas mediações entre as experiências e os saberes individuais, for-
mando uma rede de co-formadores e gerando processos de autofor-
mação continuada.
Franco (2003a, p. 99) considera que todos os envolvidos na prá-
tica reflexiva precisam constituir-se em investigadores no contexto
da práxis, e nesse sentido poderão desenvolver saberes no sentido de
sua emancipação como sujeitos.
Esses saberes referem-se tanto a predisposições para participar
de um processo de pesquisa como à disponibilidade para se cons-
truir como pesquisador de sua prática ou, ainda, à possibilidade de
se transformar em um sujeito produtor de conhecimento.

61
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

Morin e Landry (apud LAVOIE, MARQUIS, LAURIN 1996, p. 83)


analisam algumas condições básicas que diferenciam a pesquisa-ação
de uma pesquisa tradicional, demonstrando os processos formativos
que são desencadeados pela própria especificidade da pesquisa-ação
crítica. Essas condições são analisadas em cinco categorias: contra-
to; participação; mudança; discurso e ação.
No contrato, uma das categorias básicas da dinâmica de uma
pesquisa-ação, há que se superar a rigidez da pesquisa em que o pes-
quisador determina os caminhos e processos e os pesquisados a ele
se submetem, para se chegar a um contrato aberto, dialogado, nego-
ciado. Isso requer que os participantes, aos poucos, se apropriem de
saberes ligados à construção e à convivência coletiva organizada. Ou
seja, requer processos de envolvimento, de motivação, de aprendi-
zagem e de disciplina. No entanto, são saberes importantes que vão
se construindo no professor e que por certo serão ressignificados e
trabalhados em sua prática cotidiana.
No que se refere à participação, é muito comum encontrarmos
professores que ainda não vivenciaram processos participativos,
cooperativos, processos de co-gestão. Como a tradição das pesquisas
esteve sempre ligada à dissociação entre pesquisadores e práticos,
como nossa tradição acadêmica perpetuou vínculos de submissão
entre docentes e pesquisadores, na conhecida pressuposição de que
“uns pesquisam, outros aplicam”9, os professores construíram pos-
turas de aplicadores dos saberes produzidos por outras esferas. A
pesquisa-ação, para se realizar, precisa romper com esse paradigma
e, mais que isso, com as representações desse paradigma. Será fun-
damental que os professores, em processo de pesquisa-ação, supe-
rem as posturas de aplicadores, reprodutores e construam saberes
na direção da negociação, da valorização dos próprios saberes, da
participação colegiada.

9. Conforme acima citado, Charlot, Zeichner, Sacristán, entre outros, têm já


insistentemente se referido a essa relação assimétrica entre esses dois pólos: a
pesquisa e os sujeitos pesquisados.

62
Pesquisa-ação: limites e possibilidades na formação docente

Em relação à categoria mudança, a pesquisa-ação crítica se pro-


põe a produzir mudanças em diversos níveis: nos sujeitos que dela
participam, nas condições que não permitem às práticas se realizar
em sua plenitude e nas próprias práticas e seus contextos.
Ao vivenciar mudanças, o sujeito participante de uma pesquisa-
ação começa a se sentir e a se perceber protagonista de processos
de transformação e autotransformação. No entanto, será preciso
que desconstrua saberes que nada mais significam, construindo per-
cepções favoráveis em relação à sua identidade profissional. Como
resultado, conseguirá valorizar e expressar seus saberes da experiên-
cia e vinculá-los ao coletivo, socializá-los, referendá-los com novos
pressupostos de mudança.
Considerando a categoria discurso, podemos dizer que a pes-
quisa-ação crítica pressupõe a construção de um discurso crítico,
dialógico10, comunicativo, compreensível a todos e vinculado à rea-
lidade prática. A pesquisa-ação pressupõe o consenso, a partilha,
a comunicação intersubjetiva. Nessa direção, há muito a caminhar,
pois normalmente não estamos acostumados a uma relação dialógi-
ca e simétrica na comunicação.
Os envolvidos na pesquisa-ação precisam ir construindo sabe-
res na direção da explicitação do discurso, na construção de for-
mas objetivas de comunicação, oral e escrita, pois há que se pensar
que os produtos dos processos de pesquisa-ação devem ser redigi-
dos coletivamente, de forma a se estruturar e socializar os conhe-
cimentos produzidos. Aqui, mais uma vez vale citar Barbier (2002,
p. 83): “Agindo em espiral com a reflexão, a ação questiona ininter-
ruptamente o discurso estabelecido”. A pesquisa-ação se propõe a
ser um processo que forma os sujeitos para conviver criticamente
nessa relação de discurso e ação, possibilitando a revisão de teo-
rias e práticas. Essas palavras de Barbier referendam, em parte, o
que consideramos a respeito da ação pedagógica: em processos de

10. No sentido proposto por Paulo Freire desde a Pedagogia do oprimido até
a Pedagogia da autonomia.

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Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

formação o importante é produzir a dissonância entre o preestabele-


cido e o possível, entre o sujeito e sua realidade circundante, entre o
discurso internalizado e o discurso necessário. Ouçamos mais uma
vez Barbier (2002, p. 48): “Mudar é aquilo por meio do qual o repri-
mido sai de seu ciclo de repetições”.
Finalmente, na última categoria dessa forma de pesquisa, a ação
é compartilhada, grupal, coletiva, comunitária. Podemos até dizer
que é uma ação reflexiva, no sentido em que se adéqua e se flexibili-
za com as requisições do novo que emerge a cada momento; é uma
ação dialógica, que interpela o discurso e o induz a mudanças; é
uma ação crítica, que se olha a si e se reorganiza, exigindo uma espi-
ral de revisões que reorganiza o pensamento e a reflexão. O exercí-
cio dessas ações requer e produz saberes. Não estamos acostumados
a trabalhar em grupo, muito menos em coletivos. A pesquisa-ação,
para se efetivar, precisa organizar cenários e mecanismos que cons-
truam a capacidade de trabalhar junto, a vontade de partilhar no e
para o coletivo. Não há práxis sem o saber da convivência coletiva.
Se consideramos todas as possibilidades abertas em cada cate-
goria acima citada, podemos perceber o imenso potencial pedagógi-
co dessa forma de pesquisar, que é também uma forma de produzir
saberes, pois o processo é formativo e autotransformador.
Apesar de considerarmos que a reflexão investigativa e coletiva
das práticas seja um processo fundamental à profissionalização do-
cente e que a pesquisa-ação crítica pode conduzir à construção de
uma cultura investigativa que impregne os docentes e a instituição em
que atuam, há limites imensos a serem enfrentados nessa direção.
Há um grande caminho quando se enfrenta a mudança nas re-
presentações do papel docente: os professores precisam começar
a considerar transitório, problemático aquilo que, a princípio, era
considerado saberes. O processo de reflexão crítica e coletiva impõe
ao grupo afrontamentos, constrangimentos, equívocos. Isso exige
a construção de uma maturidade do grupo, que impõe um efetivo
trabalho de controlar e conduzir as emoções que emergem num pro-
cesso de mudança, de se confrontar com a cultura organizacional

64
Pesquisa-ação: limites e possibilidades na formação docente

das escolas, que nem sempre se organizam para favorecer um clima


propício à emancipação e à autonomia de seus membros.
Um trabalho efetivo de reflexão crítica exige dos envolvidos o
desencadear de processos cognitivos e metacognitivos, que incluem
a opção pela mudança, pela comunicação, pela solidariedade, pelo
confronto, pela introspecção e ainda pelo afrontamento dos pró-
prios valores. Além disso, os professores formadores de docentes
nem sempre estão preparados para trabalhar como investigadores,
mobilizadores de movimentos que ponham em questão os saberes
práticos do grupo. Precisam contestar os contextos, pensar além do
familiar, organizar equipes colaborativas, tudo isso em uma cultu-
ra que valoriza o individualismo e a competição. Uma análise das
relações de poder que se estabelecem na formação de professores
possibilita identificar as razões dessas dificuldades na racionalidade
técnica dominante nos currículos de formação, cuja matriz é o para-
digma positivista de ciência.
Até a concretização de uma cultura profissional reflexiva há um
longo caminho: os professores têm ritmos e tempos diferentes; as
aulas demandam muitas vezes procedimentos de urgência e neces-
sidades que emergem dos contextos. Há um descompasso freqüente
entre as expectativas geradas pela introdução de um projeto inovador
e a concretização de uma nova cultura. Esse espaço é normalmente
preenchido de ansiedades, dúvidas, retrocessos, frustrações. Essa si-
tuação de latência em relação às mudanças pretendidas na direção
de uma nova cultura profissional é bastante evidenciada no trabalho
de Mizukami e colegas (2002, p. 196), no qual as autoras analisam
os resultados de um trabalho de quatro anos junto a professores de
escola elementar. Na síntese dos resultados, assim se expressam:
“Os processos vividos foram lentos, árduos e envolventes para todos
os professores. As pequenas mudanças são sementes para mudanças
mais significativas… os progressos e sucessos não são lineares para
todos os envolvidos”. Finalizando o parágrafo, as autoras utilizam-
se de uma metáfora utilizada por uma professora participante: “É
como se estivéssemos caminhando com botas de chumbo”.

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Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

Ao avaliar os processos de desenvolvimento profissional de pro-


fessores, Day (2001) realça a necessidade de um sincronismo nos
ritmos e tempos dos professores e das próprias instituições. Destaca
que os professores possuem “fases críticas” de aprendizagem e que
estas nem sempre coincidem com os momentos de avaliação e nem
sempre se expressam num mesmo momento. Salienta ainda o autor
a não-linearidade e a não-previsibilidade dos produtos de formação,
uma vez que cada professor encontra-se em um momento de sua
carreira, está imerso em condições pessoais e profissionais diferen-
tes, portanto há em cada um um tempo e um espaço diferentes para
mudanças. Tempo e espaço que é preciso considerar e respeitar. E
assim consideramos que a pesquisa-ação pode referendar proce-
dimentos que permitam aos participantes ter espaço de troca para
suas angústias e tempo para organizar emocional e cognitivamen-
te suas necessidades e possibilidades de mudança.

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70
Formação de professores(as)
na perspectiva de uma
aprendizagem participativa
Maria Isabel de Almeida1
Elie Ghanem2
Maurilane de Souza Biccas3

Introdução

E
ste texto apresenta um projeto de investigação sobre a atua-
ção de quatro4 docentes que atuam no curso de Licenciatura
da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
(FEUSP). Suas disciplinas são oferecidas semestralmente. Entre os

1. Formada em história, com doutorado em didática, professora do Depar-


tamento de Metodologias do Ensino e Educação Comparada da FEUSP, onde
atua em cursos de graduação e pós-graduação.
2. Formado em pedagogia, com doutorado em sociologia da educação, pro-
fessor do Departamento de Filosofia de Educação e Ciências da Educação da
FEUSP, onde atua em cursos de graduação e pós-graduação.
3. Formada em psicologia, com doutorado em história da educação, pro-
fessora do Departamento de Filosofia de Educação e Ciências da Educação da
FEUSP, onde atua em cursos de graduação e pós-graduação.
4. Uma das docentes envolvidas, professora Diana Gonçalves Vidal, atuará
somente na implementação das ações aqui propostas.

71
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

docentes, uma leciona a disciplina Didática e os outros três lecio-


nam a disciplina Introdução aos Estudos da Educação.
Seu objetivo central é acompanhar e avaliar o desenvolvimento
das disciplinas em foco durante um semestre. O ponto de partida
— ou a hipótese desta pesquisa — é a idéia de que o curso pode pro-
vocar maior interesse, trazer contribuições mais significativas aos
estudantes e conseguir um maior nível de envolvimento e respon-
sabilidade deles com seu processo formativo se, desde a formula-
ção de seu programa, os alunos participarem ativamente, indicando
o que realmente lhes interessa conhecer e estudar sobre a atuação
docente. Assim, propomo-nos a organizar nossos cursos de manei-
ra participada, constituindo seu desenvolvimento num processo de
pesquisa-ação, visando propiciar aos futuros professores uma for-
mação crítica e transformadora, que lhes assegure, acima de tudo,
a construção de uma consciência profissional sustentada na com-
preensão de que eles precisam tomar para si a definição de seu per-
curso de formação ao longo da carreira.
Também é propósito desta pesquisa reunir elementos que con-
tribuam para o desenvolvimento de novos modos de formação de fu-
turos professores, uma vez que até este momento a formação desses
profissionais para o ensino básico e profissional está estruturada na
USP, com algumas exceções, na combinação da formação em nível de
Bacharelado com a formação pedagógica do curso de Licenciatura,
realizada pela Faculdade de Educação. Os alunos da Licenciatura
vêm de outros cursos enraizados nas diferentes áreas do conheci-
mento. Tal maneira de estruturar a formação de professores(as)
baseia-se numa concepção que faz do Bacharelado o pressuposto da
formação pedagógica, o que dá ao curso de Licenciatura um cará-
ter de complementação. Dessa forma, um bacharel em história ou
em química, por exemplo, tornar-se-á habilitado a lecionar história
ou química em escolas de ensino fundamental ou médio.
A Faculdade de Educação recebe alunos que, de maneira geral, já
estão na segunda metade de seu processo formativo; muitos deles já
atuam profissionalmente como professores(as). Também freqüentam

72
Formação de professores(as) na perspectiva de uma aprendizagem participativa

nossos cursos alguns(mas) professores(as) de escolas públicas de edu-


cação básica, aceitos como alunos especiais, que voltam à universida-
de para atualizar seus conhecimentos. Isso tudo faz que a composição
das turmas tenha um matiz variado de concepções e posturas diante
do conhecimento, da educação, da escola e da própria formação.

Uma concepção de formação de professores(as)

O grupo de docentes que propõe este projeto, entre outros apec-


tos, procura enfrentar a marcada desarticulação entre os conheci-
mentos peculiares do Bacharelado e os da Licenciatura, identificados
como pedagógicos. Tomando como ponto de partida o tipo de traba-
lho que vínhamos realizando em semestres anteriores, dispusemo-nos
a desenvolver e a analisar sistematicamente a experiência de organizar
e implementar o ensino de nossas disciplinas (Didática e Introdução
aos Estudos da Educação). Este ensino está proposto de modo que o
processo de elaboração de seus programas se dê conjuntamente com
os alunos e sua realização também ocorra de maneira participativa.
Pretende-se incentivar o diálogo com/entre os alunos, fazendo des-
te o eixo da experiência de formação. Essa experiência baseia-se em
pontos comuns e pressupostos, entre os quais destacamos:
•฀ Nossos alunos são predominantemente portadores de concep-
ções tradicionais sobre a educação, a escola, a didática e seu
próprio papel como futuros formadores. Suas posturas são
coerentes com essas concepções também quanto ao seu pró-
prio processo de formação, colocando-se na expectativa de
encaminhamentos excessivamente formais em sala de aula,
segundo papéis estabelecidos em sua vida escolar pregressa.
•฀ A educação é um fenômeno social e cultural que ganha vida
como uma prática social complexa, sendo interpretada e
realizada pelos(as) professores(as) em conjunto com seus
alunos. Devemos buscar identificar as origens das crenças
pedagógicas que nossos alunos trazem, problematizá-las e
reorientar as perspectivas que as embasam, tanto no plano

73
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

dos conhecimentos tratados como na própria maneira de or-


ganizar metodologicamente os cursos.
•฀ A identificação e a análise das origens dessas concepções e
atitudes são possibilitadas pelo debate, que é fundamental
para que os alunos possam se constituir como educadores
que intervêm no próprio fenômeno educacional de modo a
contribuir para sua reorientação. Por isso, não se trata de
formá-los para simplesmente fazer funcionar estabelecimen-
tos escolares, em suas rotinas regulares e funções esperadas.
•฀ Uma contribuição importante para o desenvolvimento de uma
consciência emancipatória dos(as) futuros(as) professores(as)
é a vivência de um processo formativo que conte com engaja-
mento de todas as pessoas nele implicadas, abordando a for-
mulação e o desenvolvimento, centrado na investigação desse
percurso e evidenciando a dimensão política, tanto na educa-
ção como na investigação educacional.
•฀ Não basta que os(as) professores(as) em processo de forma-
ção construam imagens e representações sobre sua futura
atuação ou firmem compromissos com transformações. É
preciso também que vivenciem processos participativos de
efetiva construção de conhecimento que favoreçam a percep-
ção da importância de assumirem a definição de caminhos
para seu processo formativo.
•฀ Nessa perspectiva formadora, os alunos precisam desenvolver
a capacidade de analisar criticamente a diversidade de idéias,
os problemas e os pontos de vista. Essa é a capacidade de
estabelecer referenciais para a formulação de seus próprios
pontos de vista. Nesse movimento afirmativo da identidade
e dos saberes que sustentam a prática docente, desenvolvem
atitudes indispensáveis para trabalhar com as necessidades,
os limites e as possibilidades presentes no cotidiano escolar.
•฀ Igualmente importante é a possibilidade de que, de manei-
ra individual e coletiva, os alunos desenvolvam seu pensa-
mento sistematizando suas percepções e idéias, elaborando

74
Formação de professores(as) na perspectiva de uma aprendizagem participativa

propostas de ação a ser examinadas. Para tanto, precisam


trabalhar com leituras e formas diferenciadas de registro do
campo educativo que, até então, não fazem parte das preocu-
pações e estudos de suas áreas de origem.
•฀ Docentes e discentes coordenam e vivenciam com intensida-
des variáveis um processo de formação com essas preocupa-
ções. Tal processo requer um rigor especial com o registro e
o controle dos instrumentos e procedimentos construídos e
implementados aula a aula, de maneira a permitir a avaliação
e o replanejamento dos rumos do curso.
Embora sejam cada vez mais numerosas as tentativas de formar
educadores, procurando aproximá-los das características do contex-
to em que atuam ou atuarão, estas não constituem a prática predo-
minante, inclusive se consideradas as características que se referem
ao próprio perfil e às condições de trabalho dos educadores. Mais
comum é que tais características sejam apontadas por eles, mas não
sejam tomadas como objeto de uma atuação transformadora.
Contudo, atividades de formação vêm sendo implementadas em
vários lugares com essa orientação, e algumas delas tomaram como
referências proposições decorrentes de consensos estabelecidos in-
ternacionalmente, consagradas na Declaração Mundial de Educação
para Todos (Jomtien, 1990). São assim as práticas desenvolvidas e
analisadas por Vóvio e Ghanem (2003, p. 44), que trazem,
… em especial, três grandes contribuições. A primeira é o concei-
to amplo de educação, considerando seu início com o nascimen-
to e sua duração ao longo de toda a vida. Duas conseqüências
importantes dessa visão são o fato de que as pessoas (inclusive
os educadores) estão permanentemente se educando, e que a
educação não se restringe ao que ocorre no âmbito escolar.
A segunda contribuição extraordinária é a colocação da apren-
dizagem no lugar central da abordagem educativa, antes ocupa-
do pelo ensino. Ser coerente com essa mudança de enfoque
implica redirecionar as atenções para criar múltiplas e variadas
oportunidades de aprendizagem, em vez de dedicar esforços a

75
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

realizar práticas de ensino naturalizadas. Também obriga a va-


lorizar aquilo que se aprende independente da intenção de quem
ensina, assim como os saberes prévios às situações de ensino.
Finalmente, há a importância de conectar educação e necessi-
dades básicas das populações. Afirmá-la significa questionar
que a oferta educacional seja automaticamente a resposta a es-
sas necessidades e que estas últimas sejam de todo evidentes.
Não basta escolarizar-se para exercer cidadania, tampouco para
integrar-se à economia, ainda que se tenha em vista apenas em-
pregar-se no mercado de trabalho.
Essas balizas são compatíveis com abordagens de contextos
locais a partir de uma visão cosmopolita, principalmente por
suas implicações em termos de ação política em um raio muito
mais amplo que o das relações diretas entre professores(as) e
alunos. Nem sempre essas proposições encontraram uma tra-
dução prática satisfatória. Entretanto, elas constituíram o pano
de fundo das tentativas que se empreenderam na tarefa de for-
mação. Um empenho permanente, contrariando as condições
típicas da organização e funcionamento dos programas, assim
como as principais características do contexto acima mencio-
nadas, dedicou-se a envolver todos os interessados. Seja para
refletir sobre o objetivo de formar-se, seja para tomar decisões a
respeito da sua orientação e modos de execução.

Por isso estamos nos propondo a organizar nossos cursos de


maneira participada, constituindo seu desenvolvimento num pro-
cesso de pesquisa-ação, tomando como pressuposto a assertiva de
que essa metodologia traz embutida uma concepção de investiga-
ção que pode contribuir para a construção de um conhecimento edu-
cacional crítico, transformador e emancipatório, como defendem
Grabauska e Bastos. Esses autores, ao tentarem evidenciar o poten-
cial emancipador da pesquisa-ação, buscam na pedagogia dialógica
de Freire os fundamentos para tanto. Dizem eles (2001, p. 11):
… para que exista a educação libertadora, o educador-educando
necessita investigar a realidade do educando-educador, para, do
universo temático desta realidade, conceber os temas geradores

76
Formação de professores(as) na perspectiva de uma aprendizagem participativa

que, codificados e decodificados, podem levar este último a


uma compreensão mais refinada de sua situação. Tal compreen-
são possibilitaria enxergar determinada situação-limite como
um inédito viável.

O trabalho que aqui projetamos parece estar em sintonia com


uma das características que têm marcado o campo educacional em
nosso país na última década: “A valorização da estreita relação en-
tre ensino e pesquisa nos projetos de formação docente e a concep-
ção do professor-pesquisador ao lado do pesquisador-professor”
(OLIVEIRA 1997, p. 130).

O projeto de formar por meio de pesquisa-ação

A partir dos pontos comuns e pressupostos de nossas práticas


de ensino, optamos por desenvolver a investigação sobre elas ten-
do como foco a interação com os(as) futuros(as) professores(as). A
finalidade é, como nos aponta Pérez Gómez (1998), ao sintetizar
as intenções de Stenhouse e Elliott sobre a pesquisa-ação na forma-
ção docente, provocar o desenvolvimento do currículo, a melhora
da qualidade do ensino e o desenvolvimento profissional dos(as)
professores(as). Para tanto buscamos então produzir respostas às si-
tuações reais ocorridas no contexto das aulas e verificar que percep-
ções nossos alunos desenvolvem a respeito de sua implicação com o
desenvolvimento, a construção e a avaliação de seu percurso formati-
vo. Acreditamos que vivenciar um processo de pesquisa-ação educa-
cional favorece aos envolvidos refletir sobre as práticas aí realizadas,
para que caminhem na direção da compreensão crítica dos objetivos,
teorias e métodos a elas pressupostos, o que pode favorecer a cons-
cientização e as atuações que levem à transformação da realidade.
Os objetivos específicos que nos orientam nesse processo de
pesquisa são:
•฀ Melhorar o percurso e os programas de formação dos(as) fu-
turos(as) professores(as), de maneira a possibilitar o desen-

77
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

volvimento de uma formação crítica, transformadora e


emancipatória quanto ao contexto cultural e social brasileiro.
•฀ Envolvê-los(as) de maneira articulada e sistemática com o
processo de formação que estão vivenciando, para que se
tornem protagonistas de suas aprendizagens.
•฀ Compreender os contextos em que se desenvolvem as práti-
cas educativas e as necessidades pessoais e sociais dos alunos
que influem na qualidade da formação.
•฀ Criar espaços de reflexão sobre a problemática educacional
identificada pelos alunos, visando elaborar estratégias de
intervenção.
•฀ Possibilitar aos docentes das disciplinas envolvidas condições
para o autodesenvolvimento profissional e para a produção
de conhecimentos sobre a formação de professores(as).
•฀ Favorecer o caráter cooperativo do trabalho entre professo-
res(as) de diferentes disciplinas de um mesmo curso de for-
mação de professores(as) (Licenciatura).
A formação participativa, nesta acepção, implica, entre outros
aspectos: 1) envolvimento na definição dos rumos do processo for-
mativo; 2) aprendizado mútuo; 3) posicionamento (formulação de
respostas) diante de problemas do contexto.
Nosso foco recai sobre o primeiro aspecto, pois queremos des-
cobrir os efeitos do envolvimento dos alunos na definição dos rumos
do processo de formação para: a) o aluno atualmente em formação;
b) o(a) futuro(a) professor(a), quando estiver em pleno exercício
profissional; c) o(a) futuro(a) professor(a) em sua atuação junto
aos alunos. Sobre esses dois últimos pontos abordaremos as repre-
sentações formuladas a respeito de uma possível ação futura como
professores(as) e/ou como eles(as) projetam as contribuições dessa
vivência formativa nas respostas que constroem aos problemas pre-
sentes nos contextos educacionais brasileiros. Sobre o envolvimento
dos alunos na definição dos rumos do processo de formação obtere-
mos dados mais diretos, coletados durante o desenvolvimento dessa
proposta de pesquisa-ação.

78
Formação de professores(as) na perspectiva de uma aprendizagem participativa

Acreditamos que o envolvimento dos alunos na definição dos


rumos do processo formativo e no diálogo com seus professores e
pares propiciará transformações no cenário das aprendizagens (cur-
rículo, métodos de ensino e na relação de todos que participam do
curso), levando-os a descobrir e desenvolver, por si mesmos, suas
capacidades. Supomos que este processo trará:
a) para o aluno atualmente em formação:
•฀ motivação para ler e escrever mais;
•฀ motivação para trocar experiências educativas;
•฀ compreensão das contribuições de seu processo formativo
na construção de sua identidade profissional.
b) para o(a) futuro(a) professor(a) quando em pleno exercício
profissional:
•฀ compreensão da importância da formação contínua para
sua atuação profissional;
•฀ compreensão da importância de suas necessidades de
formação;
•฀ compreensão da importância de participar da definição
dos rumos de sua formação;
•฀ compreensão da importância das condições concretas que
influem em sua atuação profissional;
c) para a atuação profissional futura junto a seus alunos:
•฀ compreensão da importância de tratar os alunos como su-
jeitos na construção de conhecimentos;
•฀ articulação entre teoria e prática nas propostas educativas
que formulam;
•฀ planejamento e organização de práticas educativas centra-
das no diálogo;
•฀ compreensão da articulação estreita entre o processo for-
mativo e a dimensão avaliativa de seus alunos;
•฀ compreensão da importância da formação contínua para
sua atuação.
Assim, nesse projeto estamos tomando como ponto de parti-
da a elaboração de um plano de ação comum aos quatro docentes,

79
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

que desenvolverão um processo de acompanhamento e de contro-


le da ação planejada (ANDRÉ 1992). Isso significa que, nesse pro-
cesso, estão pressupostos a participação e o envolvimento dos(as)
professores(as) em formação — que se constituem em sujeitos da
ação — e que, simultaneamente, desenvolveremos a pesquisa-ação
como uma responsabilidade dos docentes.
Porém, ao longo do curso pretendemos debater e analisar seu
desenvolvimento com os formandos, na perspectiva de que perce-
bam como esse movimento de pesquisa oferece apoio ao trabalho
educativo, possibilita a reorientação da ação, bem como o questio-
namento e o aprofundamento da produção teórica.
Chartier (2000), ao analisar a articulação entre pesquisa e for-
mação de professores, afirma a esse respeito (p. 165):
As formas de organização e as técnicas de trabalho, os proce-
dimentos de aprendizagem e as modalidades de avaliação, as
intervenções educativas são tanto herdados, imitados e repro-
duzidos quanto produzidos empiricamente, construídos e jus-
tificados tecnicamente, ou teoricamente, ou referidos a um
conjunto de valores.

Essa compreensão fortalece a idéia de que abrir aos formandos os


bastidores do que estamos desenvolvendo nesse processo de pesquisa-
ação poderá propiciar a compreensão dos procedimentos de trabalho,
subjacentes ao campo dos saberes da prática, no qual, ainda segundo
Chartier (2000, p. 164), reside o grande fosso que separa os conteú-
dos da formação das atitudes desenvolvidas na prática profissional:
O fazer ordinário da classe não tem estatuto no discurso de
transmissão do saber profissional gestado na instituição esco-
lar. Com efeito, é largamente ignorado pelas instituições de for-
mação que, ao longo de sua história, estão menos preocupadas
em transmitir táticas elementares que em anunciar a renovação
das condutas pedagógicas ou didáticas.

Esperamos que tal procedimento possa propiciar o acesso


dos(as) futuros(as) professores(as) aos saberes da prática, uma vez
que buscaremos explicitá-los por meio de procedimentos variados.

80
Formação de professores(as) na perspectiva de uma aprendizagem participativa

Estamos falando de uma mudança de postura diante da forma-


ção, tanto para os docentes como para os(as) futuros(as) profes-
sores(as), o que exige rever o papel da teoria e da prática pedagógica,
bem como o lugar e o modo de se produzir conhecimento em edu-
cação. Nossa expectativa é conseguir o que Pérez Gómez (1998,
p. 377) descreve como fruto de situações organizadas por meio da
pesquisa-ação:
A realidade é transformada porque este processo de interações
inovadoras requer novas condições sociais, nova distribuição
do poder e novos espaços para ir situando os retalhos de nova
cultura que emergem na aula. Como todo processo de mudan-
ça conduz inevitavelmente a confrontos polêmicos, dentro de
uma realidade plural, o desenlace, ainda que imprevisível, será
obviamente uma modificação da realidade.

Nesse trabalho de pesquisa será fundamental uma atitude de


diálogo sobre seu desenvolvimento, especialmente sobre os papéis
que desempenharão a equipe pesquisadora e os docentes em forma-
ção. Daremos atenção especial ao esforço de sistematização, contro-
le e fundamentação teórica. Para tanto há que se ter o cuidado de
evitar que as questões pertinentes à formação dos(as) futuros(as)
professores(as) não sejam relegadas a um plano de menor importân-
cia em decorrência das preocupações e derivações da pesquisa-ação
em desenvolvimento, uma vez que a problemática da pesquisa é dos
pesquisadores e não dos alunos. Consideramos assim que são atri-
buições da equipe pesquisadora o planejamento, o acompanhamen-
to e a avaliação da investigação.
Com os pressupostos e objetivos apresentados, optamos por de-
senvolver a investigação sobre a nossa prática na instituição em que
atuamos tendo como foco uma interação deliberadamente destina-
da a: a) ampliar a influência dos alunos na definição e na condu-
ção das atividades e como fim produzir respostas às situações reais
ocorridas no contexto das aulas; b) verificar quais percepções eles
desenvolvem a respeito de sua implicação com a construção/desen-
volvimento/avaliação de seu percurso formativo; c) possibilitar-lhes

81
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

condições para a construção de respostas a problemas presentes na


realidade educacional brasileira.

Por que a pesquisa-ação como caminho


para a formação de professores(as)?

Muito se tem escrito e pesquisado sobre as contribuições da


pesquisa-ação no campo da formação continuada de professores(as)
(ZEICHNER 2000; GARRIDO et al. 2000; ELLIOTT 1990; 1998;
GERALDI et al. 1998; GIOVANNI 1994; PÉREZ GÓMES 1998; MIZU-
KAMI et al. 2002; ROSA 2003; FRANCO, LISITA 2004, entre outros),
em que a retomada, a problematização e a análise das práticas aí
desenvolvidas colocam-se como o ponto de partida para o seu re-
posicionamento diante do trabalho com o conhecimento na forma-
ção de seus alunos. A experiência profissional é, então, reconhecida
como um campo fértil a ser questionado, debatido e analisado num
processo de reflexão coletiva e que abre espaço para a compreen-
são e a transformação das práticas desenvolvidas no interior das es-
colas. Segundo Franco e Lisita (2004), a pesquisa-ação vem sendo
utilizada como base metodológica para propostas formadoras que
referendam a necessidade e as possibilidades de formação do pro-
fessor pesquisador, capaz de se colocar como um intelectual crítico,
de produzir saberes, de se sustentar de maneira autônoma na bus-
ca de possibilidades para renovar e inovar sua prática educativa.
No entanto, para nós, essas são premissas que vêm orientan-
do o trabalho que temos desenvolvido na formação inicial de pro-
fessores(as), pois consideramos que esta se constitui na primeira
fase de um longo e diferenciado processo de desenvolvimento pro-
fissional (GARCIA 1992), que deve estar fundamentado nas mesmas
premissas voltadas para a busca de novos posicionamentos e respos-
tas à incessante demanda por inovações educacionais e à reconfigu-
ração da profissão de professor.
Na sociedade contemporânea ganha importância que os(as)
futuros(as) professores(as) se percebam como sujeitos capazes de

82
Formação de professores(as) na perspectiva de uma aprendizagem participativa

se apropriar de seu processo de desenvolvimento profissional e de


produzir sua profissionalidade, o que significa entender a formação
como uma aprendizagem constante, vivenciar experiências que va-
lorizem as trocas entre eles(as), desenvolver a capacidade de partici-
par ativamente dos rumos decisórios de sua formação, desenvolver a
percepção sobre suas necessidades formativas e investigar sobre suas
próprias ações (ALMEIDA 1999b). Estamos, então, concebendo a
educação como uma atividade investigadora, e a investigação, como
uma atividade auto-reflexiva, realizada pelos(as) professores(as)
com a finalidade de melhorar suas práticas. Assim, a educação cons-
titui-se numa prática social complexa, socialmente construída, inter-
pretada e realizada pelos(as) professores(as) (LATORRE 2003).
Essa compreensão nos afasta da maneira como a formação de
professores(as) vem sendo desenvolvida tradicionalmente, assen-
tada na concepção epistemológica de raiz positivista, que encara a
prática docente como um mero momento de aplicação de teorias e
propostas preconcebidas e seus profissionais como viabilizadores de
respostas práticas mediante a aplicação de teorias e instrumentos
técnicos. Canário (2000, p. 84) assim descreve esse movimento:
… o trabalho dos(as) professores(as) seria suscetível de uma descri-
ção a priori, que permitiria identificar os pré-requisitos necessários,
suscetíveis, por seu turno, de ser traduzidos e operacionalizados
em objetivos e técnicas de formação. Os efeitos da formação pode-
riam, então, ser “transferidos” para a prática profissional, através
de um processo de “aplicação”. Desse ponto de vista, a formação
é encarada como um processo de treino, de caráter instrumental e
adaptativo, enquanto o exercício do trabalho corresponde à repro-
dução de normas e de gestos anteriormente aprendidos.

É dessa concepção de docência que procuramos nos distanciar,


para criar para os(as) futuros(as) professores(as) situações forma-
tivas que lhes possibilitem uma forte implicação com o processo vi-
vido, já que os reconhecemos como sujeitos de sua formação, como
produtores de sua história pessoal e profissional. Assim, suas preo-
cupações, hipóteses e construções explicativas para os fenômenos

83
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

no campo educativo precisam ser tomadas como relevantes em sua


formação, sedimentando processos críticos reflexivos com dimensão
científica, de maneira a superar o senso comum e o espontaneísmo
(FRANCO, LISITA 2004).
Trabalhar nessa perspectiva pressupõe, para nós, uma identifi-
cação genuína das necessidades de nossos alunos, o que trará à tona
preocupações e questões relativas aos indivíduos e aos contextos em
que eles estão inseridos, revolvendo o território dos valores, pressu-
postos e crenças. Buscamos implicá-los desde a fase de concepção
do curso, pressupondo que assim utilizarão a força mobilizadora da
motivação intrínseca, obtida por meio do envolvimento na detecção
e na análise de seus interesses, hipóteses e aspirações (RODRIGUES,
ESTEVES 1993), o que será feito como primeira etapa deste projeto.
Dessa forma, a própria análise das necessidades torna-se parte do
processo formativo, com o formando concebido não como um obje-
to da formação, mas como um sujeito privilegiado dela.
Nessa configuração, o trabalho coletivo constitui-se num pressu-
posto que perpassa toda a proposta do trabalho formador e da pes-
quisa-ação a ser desenvolvido no curso. Buscamos centralmente criar
espaços para efetivar a interação entre professor/equipe de colabo-
radores e os alunos e dos alunos entre si, de maneira a criar vínculos
e compromissos coletivos, a desenvolver a capacidade reflexiva e a
reafirmar a idéia de que a produção coletiva de respostas e de conhe-
cimentos a respeito das necessidades identificadas é um processo que
depende da disposição e do empenho dos envolvidos, necessitando
evidentemente de algumas condições práticas para se efetivar e de
possibilidades de implicação social, cultural e política. Pérez Gómez
(1998, p. 377) afirma que “os participantes se transformam ao se
verem induzidos a recompor seus esquemas padronizados de pensa-
mento, pressionados pelas evidências construídas pelo processo cria-
tivo de interações que são estimuladas na aula e na escola”.
Propiciar aos(às) futuros(as) professores(as) vivências forma-
tivas calcadas na participação, no diálogo, na interação, na cons-
trução e na tomada coletiva de decisões se constitui em elemento

84
Formação de professores(as) na perspectiva de uma aprendizagem participativa

essencial ao processo formativo desses profissionais. Nesse proces-


so, as trocas entre os envolvidos no curso abrem a possibilidade de
apropriação de experiências desenvolvidas em diferentes contextos,
uma vez que cada um contextualizará e datará suas vivências para
que o outro possa atribuir-lhes sentido.
Quem relata puxa da lembrança bons ou maus exemplos vivi-
dos, situações interessantes ou desagradáveis, referidas a um
dado contexto. O esforço de relatar o mais fielmente possível
o processo vivido faz aparecer toda a teia de situações comple-
xas que envolvem uma dada experiência. Quem ouve um relato
procura sempre colocar-se na situação de quem relata para, de
certo modo, avaliar se a experiência pode servir-lhe de dado ou
exemplo. À medida que ouve vai guardando informações que
lhe parecem interessantes para seu caso particular. Quem ouve
vai selecionando elementos que julga significativos. Isso revela
que a troca de experiência é sempre um processo de apropria-
ção. É justamente a aquisição seletiva de informações de um
relato que permite aos ouvintes desdobrá-lo, com a criação de
novas experiências (VALENTE 1997, p. 4).

Partilhamos a idéia de Alarcão (1996, p. 175) de se “devolver


à escola [ou à universidade] sua condição de lugar onde se intera-
ge para aprender”. Esse pressuposto está em sintonia com a idéia
de que ele se forma na prática que vivencia e desenvolve, idéia que
tem se colocado como um elemento forte no movimento de reorien-
tação da formação docente que temos vivido nas últimas décadas.
Cunha (1989, p. 32) defende que “pela educação de professores(as)
deverá passar, certamente, uma nova concepção do processo de en-
sino-aprendizagem”. Assim, a constituição de uma identidade pro-
fissional que incorpore como essencial as dimensões da crítica, da
competência técnica e política, da transformação requer que o futu-
ro professor vivencie situações que o levem a desenvolver e a incor-
porar essas habilidades e comportamentos.
Outro aspecto fundante desse processo coletivo é o desenvolvi-
mento da capacidade de reflexão sobre as práticas (SCHÖN 2000),

85
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

perspectiva que vem sendo muito debatida e ampliada na direção


de fazer que os processos reflexivos insiram-se num horizonte his-
tórico, social e coletivo que desvele os interesses e valores pressu-
postos ao exercício da docência, bem como nos contextos nos quais
ela se desenvolve e nas maneiras como se organiza a própria profis-
são, assegurando-lhe um caráter público e ético (CONTRERAS 2002;
PIMENTA 2002; ALARCÃO 1996).
Igualmente importante nesse processo formador-investigativo é
investigar nossa própria prática como caminho para a melhora edu-
cacional, pressupondo reconhecer que: a) nossos alunos são porta-
vozes da realidade social em que estamos inseridos; b) a compreensão
crítica dessa realidade requer entender o conhecimento como fruto
de contextos sociais e históricos determinados; c) esse processo re-
quer uma articulação estreita com teorias capazes de ajudar a expli-
car, compreender e transformar a realidade. Com isso afirmamos
nossa preocupação com a importância da teoria como elemento nu-
clear no processo de constituição do alicerce, que permitirá a atua-
ção crítica e contextualizada dos(as) futuros(as) professores(as). A
esse respeito afirma Pimenta (2002, p. 24):
A teoria tem importância fundamental na formação dos docen-
tes, pois dota os sujeitos de variados pontos de vista para uma
ação contextualizada, oferecendo perspectivas de análise para
que os(as) professores(as) compreendam os contextos históri-
cos, sociais, culturais, organizacionais e de si próprios(as) como
profissionais.

Sedimentar a compreensão de que estudos comprometidos


com a teoria subsidiam e qualificam a análise das práticas, abrin-
do possibilidade para a superação do praticismo, parece-nos um
elemento importante no processo de formação inicial dos(as) pro-
fessores(as), pois será a compreensão das concepções teóricas que
embasam suas práticas que lhes permitirá compreender e enfrentar
os limites históricos e sociais que as informam, assim como enten-
der o âmbito da problemática pressuposta às práticas para além da
sala de aula e da escola.

86
Formação de professores(as) na perspectiva de uma aprendizagem participativa

A organização da pesquisa-ação

Quanto ao tempo de realização desta pesquisa-ação, é impor-


tante ressaltar que há um fator externo com incidência determinante
sobre o seu desenvolvimento: as disciplinas que servirão de campo
para que a pesquisa se desenrolam ao longo de um semestre letivo,
o que delimita cabalmente o tempo de convivência dos sujeitos en-
volvidos. Esse aspecto coloca uma contingência especial à pesqui-
sa, pois delimita o que Latorre (2003, p. 39) e outros estudiosos
chamam de “ciclos de investigação”, normalmente articulados na
seguinte dinâmica: “os ciclos de pesquisa-ação se transformam em
novos ciclos, de modo que a pesquisa pode ser vista como um ciclo
de ciclos ou como uma espiral de espirais, que tem o potencial de
continuar indefinidamente”.
É consagrada a idéia de que a pesquisa-ação tornar-se-á mais
rica se for realizada em grupo, já que a convivência e as trocas per-
mitirão um enriquecimento só possível de alcançar por meio da
relação intensa com parceiros de pesquisa participantes do grupo.
Em nosso caso específico, a pesquisa envolverá o conjunto dos alu-
nos, que serão interlocutores primordiais, mas ao longo do trabalho
contaremos com outros colaboradores que cumprirão papéis impor-
tantes em seu desenvolvimento. Durante a realização do trabalho, a
equipe precisará estar atenda para “acolher” a todos no interior da
pesquisa, “escutar” o que dizem os participantes, “olhar” os múlti-
plos aspectos que se desenrolam ao longo das atividades, “gerir” as
informações, “dialogar” com dados. Isso se traduz na idéia de impli-
cação de todos com o processo em desenvolvimento, sem deixar de
atentar para a especificidade dos distintos papéis.
O professor-pesquisador é o responsável pelo curso e pelo pro-
cesso de pesquisa-ação, coordenador da aula, coordenador das ações
dos colaboradores, responsável pela elaboração dos instrumentos da
investigação e pela coleta e análise dos dados. Lüdke e André (1986,
p. 56), na descrição do papel do pesquisador em situações de pes-
quisa qualitativa, afirmam que

87
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

é ele que deve captar diretamente as informações importantes,


à medida … que elas vão surgindo. Por isso é fundamental que
o pesquisador domine suficientemente o assunto focalizado,
para que possa ao longo dos trabalhos garantir a avaliação e
a seleção correta dos pontos a serem registrados. Ele funciona
como verdadeiro filtro das constatações que comporão a massa
de dados. O que ele não puder perceber, ou não considerar im-
portante, estará automaticamente eliminado do estudo.

Também farão parte da equipe de pesquisa como colaboradores


alunos de pós-graduação, que realizam em algum momento de seu
curso um estágio de acompanhamento da docência no ensino univer-
sitário, num programa chamado PAE (Programa de Aperfeiçoamento
do Ensino), e alunos de graduação, que já cursaram essas disciplinas
anteriormente e estão interessados em participar do projeto como
atividade de iniciação científica. Eles terão papel destacado em seu
desenvolvimento, participando das aulas e atividades, coletando e
sistematizando dados, participando das discussões para a análise
crítica sobre o processo vivido, identificando dificuldades, avanços,
transformações etc. Fundamentalmente, eles compartilharão critica-
mente a implementação da pesquisa-ação.
A partir de Escudero (apud LATORRE 2003), concebemos o se-
guinte desenho para o desenvolvimento desta pesquisa-ação:
•฀ Identificação inicial do problema de pesquisa.
•฀ Elaboração de um plano estratégico de atuação, controle de
seu desenvolvimento, incidências, conseqüências e resulta-
dos de sua implementação.
•฀ Reflexão crítica sobre o que ocorreu, buscando elaborar uma
resposta teórica sobre o processo, capaz de iluminar novas
atuações no referido curso.
Nesse desenho estamos pressupondo dar conta dos quatro ci-
clos que classicamente perfazem o processo de implementação da
pesquisa-ação: planejamento, ação, observação e reflexão.

88
Formação de professores(as) na perspectiva de uma aprendizagem participativa

Aspectos metodológicos: instrumentos e


procedimentos para o curso/pesquisa-ação

Optamos por um enfoque teórico adequado à proposta de se


fazer uma pesquisa-ação sobre a nossa própria prática, tendo como
referência o modelo de Elliott (1990) que pressupõe: um proces-
so progressivo de mudanças a partir do diagnóstico de situações-
problema; uma priorização das necessidades pedagógicas; imaginar
possíveis soluções; planejar estratégias e colocar em prática ações
que possibilitarão aprimorar a proposta de trabalho em andamento.
A proposta de formação ancorada na pesquisa-ação e no cur-
so de maneira tão articulada apresenta para os docentes a necessi-
dade de superar desafios como, por exemplo, diferenciar postu-
ras, procedimentos, atribuições e responsabilidades que são suas
e dos(as) professores(as) em formação envolvidos no projeto com
uma dupla dimensão. De maneira geral os docentes deverão es-
tar atentos para observar, descrever e avaliar as práticas por eles
planejadas e implementadas. No caso dos(as) professores(as) em
formação, espera-se que possam perceber as etapas do processo
desencadeado tanto pela pesquisa-ação como pelo curso, como a
identificação de instrumentos que permitirão as análises, a reflexão
e a teorização sobre a teoria e a prática.
A prática reflexiva aponta a necessidade de que o(a) professor(a)
em formação desenvolva atitudes como estudos sistemáticos, moti-
vação, entusiasmo, compromisso e responsabilidade com a sala de
aula. Soma-se a isso a competência do docente para interrogar e
refletir sobre e com os sujeitos envolvidos nos processos educati-
vos empreendidos, pois somente assim poder-se-á obter mudanças
baseadas tanto nos conhecimentos teóricos como nos produzidos a
partir da análise e da investigação sobre a própria prática em aula.
A coleta sistemática de informações e dados será realizada no
decorrer do curso. Para isso contaremos com a participação de
nossos colaboradores, por meio de algumas técnicas e procedimen-
tos, tais como diário das aulas, fichas, questionários, entrevistas.

89
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

A seguir apresentaremos como este trabalho será realizado com os


alunos no desenvolvimento do curso.
•฀ Apresentar e discutir a proposta do curso com os alunos,
dando ênfase aos objetivos a seremos desenvolvidos conjun-
tamente (docentes e educandos). Um primeiro objetivo refe-
re-se à investigação da própria prática docente empreendida.
O segundo pretende fazer que alunos elaborem propostas de
intervenção e ação para serem discutidas e implementadas
junto às escolas públicas.
•฀ Diagnóstico dos alunos. Este procedimento será realizado
por meio de dois instrumentos:
a) primeiro por uma ficha a ser preenchida pelos alunos e
sistematizada pelos docentes e colaboradores, que permi-
tirá coletar informações como nome, idade, sexo, etnia/
cor, curso de origem, atividade profissional etc.
b) o segundo instrumento propiciará um caráter mais quali-
tativo do diagnóstico, além de promover interação e troca
de experiências entre os alunos. Essa atividade será feita
por escrito, quando eles serão convidados a escrever sua
autobiografia, abordando a trajetória escolar, por que fa-
zer licenciatura e quais suas expectativas em relação ao
curso. Posteriormente, em roda, eles socializarão com a
classe seus depoimentos.
•฀ Definição dos temas a serem trabalhados com os alunos, le-
vantando curiosidades, interesses e hipóteses que gostariam de
aprofundar especificamente nos campos de didática, sociologia
e história da educação. O resultado desse levantamento será
sistematizado em temas a serem trabalhados com os alunos na
perspectiva da elaboração de propostas de ação para a escola.
•฀ Propor que os alunos preencham uma ficha com quatro per-
guntas. Esta ficha será respondida pelos alunos mais duas
vezes durante o desenvolvimento no curso, no meio e no fi-
nal. As questões são as seguintes: a) Como compreende o seu
papel como aluno?; b) Na sua opinião, que tipo de relação

90
Formação de professores(as) na perspectiva de uma aprendizagem participativa

professores e alunos devem ter?; c) Qual a importância de vi-


venciar e aprender com os outros colegas de curso?; d) Que
atitude e postura o aluno deve ter em relação ao conhecimen-
to trabalhado no curso?
•฀ Propor uma ficha de avaliação a ser respondida pelos alunos
ao final do desenvolvimento de cada unidade, com questões
sobre trocas de experiência, aprendizagens adquiridas na re-
lação com os colegas, com o professor ou com o conheci-
mento apresentado, discutido, sistematizado.
As temáticas a serem abordadas no curso serão definidas pelos
alunos e pelo docente. Para isso os alunos trabalharão de maneira
individual e coletiva, lendo e discutindo textos, assistindo e anali-
sando filmes e conhecendo novas práticas educativas. A partir deste
trabalho os alunos deverão priorizar questões que fundamentarão as
propostas de ação para a escola. Dessa forma, a sistematização por
escrito poderá ser, além de um indicador de avaliação da proposta
do curso, uma maneira relevante de disseminar para todos os envol-
vidos os resultados de uma etapa importante da pesquisa-ação.
Por último, faremos entrevistas semi-estruturadas para obter
uma avaliação dos(as) professores(as) em formação sobre a propos-
ta de curso vivenciada por eles.
Pretendemos organizar um banco de dados na perspectiva de
traçar uma caracterização dos alunos. As informações obtidas por
meio das observações, a partir da tabulação das fichas, questionários
e entrevistas, serão processadas no desenvolvimento do curso, para
que possamos junto com os alunos discutir e propor encaminhamen-
tos necessários para redirecionar a proposta em andamento.
Em linhas gerais podemos dizer que o curso será desenvolvido
em três etapas:
1. Primeira
a) apresentação da proposta de investigação-ação a ser de-
senvolvida (objetivos, fundamentos, modo de funciona-
mento, atribuições etc.);
b) levantamento e discussão dos objetivos para o curso;

91
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

c) construção de parâmetros para o funcionamento do curso


(adesão à proposta da pesquisa-ação, comprometimento
com os objetivos do curso);
d) caracterização dos alunos;
e) identificação de temas/metodologias/recursos a serem
estudados.
2. Segunda
a) acordo quanto aos enunciados dos objetivos do curso;
b) acertos quanto às responsabilidades nas atividades do
curso;
c) apresentação do programa de curso formulado a partir
do levantamento realizado junto com os alunos (temas,
bibliografia, experiências educativas e filmografia a ser
estudada).
3. Terceira
a) desenvolvimento das aulas;
b) avaliação sistemática durante todo o curso;
c) elaboração, discussão e disseminação das propostas cole-
tivas de ação para a escola pública produzidas pelos gru-
pos de trabalho;
d) promoção do diálogo entre os autores das propostas de
ação com outras experiências educativas realizadas na
cidade.

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94
Pesquisa-ação como espaço
de formação de professores: análise
de uma experiência vivida
Yoshie Ussami Ferrari Leite1

Introdução

O
presente texto tem como propósito compreender como
uma pesquisa-ação pode intervir na formação de professo-
res e contribuir para o desenvolvimento profissional, par-
tindo do próprio local de trabalho. Para tanto, serão reconstruídos
os momentos de uma pesquisa-ação vivenciada pela autora junto ao
curso de formação de professores em nível médio.
Serão destacados os aspectos que evidenciaram a necessidade de o
professor, em trabalho coletivo, rever a própria prática a partir de aná-
lise de suas percepções cotidianas, de seus valores, das concepções que
fundamentam suas ações em sala de aula, bem como de suas necessida-
des que, aos poucos, foram sendo ressignificadas e reconstruídas.

1. Profa. Dra. do Departamento de Educação e Coordenadora do Programa


de Pós-Graduação em Educação – Mestrado – da Faculdade de Ciências e Tecno-
logia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) de
Presidente Prudente.

95
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

O processo de pesquisa-ação que referenda este estudo partiu


de uma abordagem institucional-interventiva e, gradativamente, a
partir do envolvimento dos professores, foi tomando um caráter es-
sencialmente participativo e colaborativo, configurando, assim, as
possibilidades de espaço formativo dos docentes.

Contextualizando a pesquisa-ação

A pesquisa-ação foi realizada no Projeto “Melhoria no ensino


público: a formação de professores para as séries iniciais do Ensino
Fundamental de Presidente Prudente”2, desenvolvido no decorrer
de quatro anos, junto ao curso formador de professores de 1ª a 4ª
série, nível médio. Durante esse período, o projeto se iniciou na
Habilitação Específica do Magistério na EEPSG Maria Luiza Bastos
(no ano seguinte, foi transferido para a EEPSG Norma Clarinda
Carvalhaes, com o nome de Curso Normal Parcial) e foi extinguin-
do-se gradualmente em razão da política educacional do Estado de
São Paulo3. Na fase final, o trabalho concentrou-se apenas junto aos
professores do Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento
do Magistério (CEFAM), que se tornara, nesse momento, o único
espaço formativo de professores em nível médio.
As mudanças ocorridas com a denominação do curso estudado,
além das mudanças das unidades escolares que sediavam o curso,
constituíram grandes dificuldades para o desenvolvimento do traba-
lho em decorrência das implicações que isso refletia nas mudanças

2. Projeto aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São


Paulo — FAPESP —, dentro da linha de financiamento “Ensino Público”. A
pesquisa contou ainda com a participação do Prof. Dr. Alberto Albuquerque
Gomes e do Prof. Gelson Yoshio Guibu, ambos do Departamento de Educação
da Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP de Presidente Prudente.
3. Tal política procurava responder às orientações da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional — Lei nº 9.394/96 que, em seu artigo 87, §4º, prescreve
que até o final da Década da Educação somente serão admitidos professores
habilitados em nível superior.

96
Pesquisa-ação como espaço de formação de professores: análise de uma experiência vivida

no corpo docente e administrativo, além dos próprios problemas


que são inerentes a qualquer mudança.
Por que pesquisar a formação de professores das séries iniciais?
A formação desses profissionais sempre foi considerada um dos
elementos importantes para se assegurar o ensino de boa qualidade
na escola pública. Apesar da relevância de seu papel junto às crian-
ças, vários estudos4 têm mostrado que os professores não são sufi-
cientemente preparados pelas agências formadoras para enfrentar
os desafios do processo ensino–aprendizagem apresentados pela
realidade do ensino fundamental.
Diante desse quadro, propôs-se a realização desse projeto, que
tinha como principal objetivo proporcionar ao professor do curso
formador de docentes em nível médio a oportunidade de pesquisar
sobre sua prática pedagógica, buscando redefini-la com vistas à me-
lhoria da formação inicial dos futuros professores das séries iniciais,
por meio da construção do projeto pedagógico do curso.
Foram definidos como objetivos específicos do projeto:
•฀ construir conhecimento sobre o professor que leciona no
curso em relação à sua atuação didático-pedagógica, median-
te a análise de seu plano de ensino, das metodologias, dos
materiais didáticos utilizados e dos questionamentos acerca
das dificuldades por ele encontradas;
•฀ contribuir para a formação do professor do curso formador
de docentes em nível médio, oferecendo condições para que
ele possa atuar como investigador de sua prática e como lei-
tor crítico de um mundo em processo de transformação;
•฀ continuar a parceria estabelecida com a rede pública de
ensino, com o propósito de transformar a dinâmica do en-
sino ministrado no curso e, com isso, propiciar uma forma-
ção mais sólida dos professores das séries iniciais do ensino
fundamental.

4. LEITE 1994; MACHADO 2003; NUNES 2000; ALMEIDA 1999; PIMENTA


2002.

97
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

A proposta de investigação apoiou-se nos princípios de pesqui-


sa-ação:
A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica
que é concebida e realizada em estreita associação com uma
ação ou com a resolução de um problema coletivo e na qual os
pesquisadores e os participantes representativos da situação ou
do problema então envolvidos de modo cooperativo ou partici-
pativo (THIOLLENT 2003, p. 14).

A opção metodológica fundamentou-se na possibilidade de se


criar um espaço permanente de pesquisa, de reflexão e de análise
das práticas didático-pedagógicas no interior das escolas, efetuadas
pelo coletivo docente em parceria com a universidade, pois se en-
tendia que a ação dos professores como sujeitos investigadores era
fundamental, pelo fato de que nenhuma prática em sala de aula defi-
ne-se como mera execução. Os professores devem ser autores de sua
ação, planejando-a, refletindo acerca de seus problemas e recriando
uma nova ação.
O início da realização da pesquisa na unidade escolar foi em
setembro de 1997 e todos os participantes reuniam-se na escola pú-
blica a cada quinze dias. Participaram dessa pesquisa dois grupos de
sujeitos: três professores pesquisadores da universidade e dezeno-
ve professores do curso formador de professores das séries iniciais.
Esse número foi decrescendo ao longo do tempo: de 1998 a 2000,
contamos com quatorze, doze e onze professores, respectivamente.

Da pesquisa-ação institucional-interventiva
para a pesquisa-ação colaborativa

Diante do quadro de precariedade que caracterizava o processo


de formação de professores das séries iniciais, constatado em alguns
estudos5, os pesquisadores da UNESP, que já vinham realizando

5. Vide nota 2.

98
Pesquisa-ação como espaço de formação de professores: análise de uma experiência vivida

atividades centradas nessa linha de preocupação6 e dentro do próprio


curso que forma professores em nível médio, conseguiram financia-
mento para a pesquisa, aprovado pela FAPESP, para um período
de quatro anos. Além de despesas de consumo, previa o pagamen-
to de “bolsas de estudo” para os professores da unidade escolar que
viessem a participar do projeto de pesquisa.
Embora se prevendo no início a utilização da metodologia da
pesquisa-ação, o projeto teve um caráter muito mais institucional,
como também interventivo. A partir da constatação da precarie-
dade do processo formativo dos professores, os pesquisadores da
UNESP procuraram refletir em como propor mudanças que pudes-
sem alterar o perfil do curso, em busca da formação de professores
de melhor qualidade, de modo que assegurasse, em parte, o ensino
de qualidade na escola pública.
Conforme Thiollent (2003, p. 15), na pesquisa-ação os pesqui-
sadores podem desempenhar “um papel ativo no equacionamento
dos problemas encontrados, no acompanhamento e na avaliação das
ações desencadeadas em função dos problemas”.
Por outro lado, o projeto também atendia ao que aponta Barbier
(2002, p. 54). Segundo ele, a pesquisa-ação reconhece que o proble-
ma nasce em um determinado contexto de um grupo. O pesquisador
constata-o e seu papel consiste em ajudar a coletividade a determinar
todos os detalhes mais importantes ligados ao problema, por meio
da tomada de consciência dos atores do problema constatado nu-
ma ação coletiva. Portanto, esse processo inclui o diagnóstico de
uma dada situação que se quer melhorar, a formulação de uma es-
tratégia de trabalho, o desenvolvimento das estratégias e a avaliação
de sua eficiência, a análise e a compreensão da nova situação, resul-
tado desse processo inicial — e assim por diante.

6. Desenvolvia-se o projeto Núcleo de Ensino. Esse projeto foi criado pela


Pró-Reitoria de Graduação da UNESP, em 1989, com o objetivo de aproximar
a universidade da rede pública de ensino do Estado de São Paulo, visando à sua
melhoria por meio de atividades de ensino, pesquisa e extensão e por meio da
participação de professores e de alunos da universidade e professores da rede.

99
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

Com a concordância formal da responsável pela Diretoria


Regional de Ensino, representando no ato a Secretaria de Educação
do Estado de São Paulo, a proposta do projeto foi encaminhada para
aprovação da FAPESP e apenas depois apresentado aos professores
do curso de formação de professores em nível médio, introduzindo-
se, dessa forma, os pesquisadores no meio pesquisado, embora as
ações de formação continuada já tivessem sido realizadas anterior-
mente junto a esses docentes.
A universidade foi que decidiu agir de forma ativa no equaciona-
mento dos problemas a partir da elaboração do projeto de pesquisa
e de seu encaminhamento à FAPESP, com a concordância formal da
Diretora Regional de Ensino. Nesse sentido, a parceria da pesquisa-
ação veio de cima para baixo, a partir do corpo docente da univer-
sidade e da Administração Regional de ensino, buscando uma ação
deliberada de transformação da realidade a partir do envolvimento
do corpo docente do curso de formação de professores. A participa-
ção da universidade passou de pesquisadora a interventora e agente
de mudança. Por isso, caracterizamos essa etapa de pesquisa-ação
como institucional e interventiva.
Todavia, também estava claro que o que se pretendia era fazer
a pesquisa no curso e não sobre o curso, isto é, buscava-se trabalhar
com os docentes do curso e não sobre os docentes.
A utilização da metodologia da pesquisa-ação foi considerada
mais adequada, uma vez que possibilitava aos docentes do curso
de formação de professores muito mais do que analisar suas ações
didático-pedagógicas realizadas: permitia criar condições reais para
que eles se tornassem investigadores de suas próprias práticas.
Conforme Elliot (1990, p. 24):
O propósito da investigação-ação consiste em aprofundar a
compreensão dos professores (diagnóstico) de seus problemas.
Portanto, adota uma postura exploratória frente a quaisquer de-
finições iniciais de sua própria situação que porventura o pro-
fessor possa manter. Esta compreensão não impõe nenhuma
resposta específica, mas indica de maneira mais geral o estágio
de resposta adequada.

100
Pesquisa-ação como espaço de formação de professores: análise de uma experiência vivida

O propósito do projeto era fazer o professor refletir sobre sua


prática pedagógica, em parceria com um grupo de professores da
universidade, de forma a conscientizá-lo de seu papel político na es-
cola pública, visando à construção de uma nova prática e a produ-
ção de novos saberes, que pudesse resultar em melhoria no processo
de ensino-aprendizagem e na formação de novos professores.
Sobre isso, Gomes (1990, p. 18) tece as seguintes considerações:
A investigação-ação que requer a participação de grupos, in-
teragindo no processo de indagação e diálogo, participantes e
observadores, é, para Elliot, um instrumento privilegiado de de-
senvolvimento profissional dos docentes: ao requerer um pro-
cesso de reflexão comparativa mais que privada; ao enfocar a
análise do conjunto de meios e fins na prática; ao propor-se à
transformação da realidade mediante a compreensão prévia e
a participação dos agentes no delineamento, desenvolvimento
e avaliação das estratégias de mudança, permite expor como
imprescindível a concentração do contexto psicossocial e ins-
titucional não só como importante fator indutor de compor-
tamentos e idéias; mas como forma de propiciar um clima de
aprendizagem profissional baseado na compreensão e orienta-
do para facilitar a compreensão.

Dessa forma, a metodologia de pesquisa-ação foi considerada a


mais adequada aos objetivos do projeto, pois considerou, como di-
zem Pimenta, Garrido e Moura (2001, p. 9), “suas características de
propiciar uma contínua interlocução no sistema pesquisado, um en-
volvimento dos sujeitos de pesquisa na mesma e mudanças seguidas
de ação, ditadas pela reflexão”. Além disso, a pesquisa-ação “supõe
uma forma de ação planejada de caráter social, educacional, técnico
ou outro, que nem sempre se encontra em proposta de pesquisa par-
ticipante” (THIOLLENT 2003, p. 7).
Thiollent (2003, p. 16) resume alguns dos principais aspectos
da pesquisa-ação:
•฀ a existência de uma ampla interação entre pesquisadores e
pessoas implicadas na situação investigada;

101
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

•฀ dessa interação resulta o estabelecimento de prioridade dos


problemas a serem pesquisados ou das soluções a serem en-
caminhadas sob a forma de ação concreta;
•฀ o objeto da investigação não é constituído pelas pessoas, mas
resulta de uma situação social e dos problemas encontrados
nesta situação;
•฀ o objetivo da pesquisa-ação consiste em resolver ou, pelo
menos, esclarecer os problemas da situação observada;
•฀ há um acompanhamento das discussões, das ações e de toda
atividade intencional dos sujeitos da situação;
•฀ a pesquisa não se restringe a uma forma de ativismo; preten-
de acumular o conhecimento dos pesquisadores e o “nível de
consciência” das pessoas e dos grupos considerados.
Embora a propositura da pesquisa tenha sido em caráter, ini-
cialmente, de fora para dentro do curso, a partir da realização dos
trabalhos passou a existir uma grande interação entre todas as pes-
soas imbricadas no projeto, condição necessária para a realização
da pesquisa-ação. Devido à grande mobilidade do corpo docente
responsável pelas diferentes disciplinas do curso de um ano letivo
para outro, foi impossível assegurar essa ampla interação entre os
pesquisados durante os quatro anos do projeto. Procurar construir
essa interação foi tarefa árdua, que se procurou conquistar em todos
os anos da vivência do projeto. A cada ano, eram novos docentes
que assumiam as aulas do curso, professores que começavam pela
primeira vez a participar do projeto. Porém, logo que os docentes
percebiam os objetivos e os propósitos da pesquisa, passavam a par-
tilhar o trabalho e a manter um bom diálogo.
Em relação ao segundo aspecto apresentado por Thiollent (2003,
p. 16), observou-se também que a prioridade dada ao tratamento dos
problemas a serem pesquisados e das soluções a serem encaminha-
das foi resultado da interação entre os sujeitos nessa dada situação
investigativa e não de uma proposta inicial, anteriormente concebida
como intenção primeira. Inicialmente, o projeto tinha como princi-
pal objetivo a construção coletiva do projeto pedagógico do curso, a

102
Pesquisa-ação como espaço de formação de professores: análise de uma experiência vivida

partir de uma elaboração coletiva, envolvendo todos os docentes em


todos os momentos. Isso foi impossível porque nunca conseguimos
envolver a totalidade do corpo docente e também devido à grande
mobilidade dos professores de um ano para outro, resultado da polí-
tica da atribuição de aulas da Secretaria Estadual de Educação.
Desconsideramos a pretensão de pesquisar com o coletivo dos
professores e com o projeto pedagógico do curso como um todo e
passamos a trabalhar apenas com os professores que se mostraram
interessados, refletindo com eles, pesquisando com eles, aspectos
relevantes de sua prática, de sua atuação e de seu trabalho docen-
te. Por diversas vezes, alteramos os rumos do trabalho, em comum
acordo com os professores, principalmente para atender às necessi-
dades e aos problemas apresentados pelo corpo docente, ora para
suprir lacunas teóricas verificadas, ora para alterar o objeto a ser
considerado relevante, ora para atender a necessidades prementes
em relação ao fazer pedagógico.
Todavia, todas as atividades desenvolvidas estavam ligadas ao
objetivo principal do projeto: proporcionar ao professor do curso
a oportunidade de reflexão, de forma coletiva, sobre a sua prática
pedagógica, buscando redefini-la com vistas à melhoria da formação
inicial dos futuros professores das séries iniciais do ensino funda-
mental. Portanto, o foco da situação pesquisada era especificamente
o curso que forma os professores em nível médio, a situação real
do trabalho realizado pelos docentes dentro desse curso, e não es-
pecificamente apenas as pessoas. Nesse aspecto, a investigação vi-
vida também contemplou o terceiro aspecto apontado por Thiollent
(2003, p. 16): “o objeto de investigação não é constituído pelas pes-
soas, mas resulta da situação inicial e dos problemas encontrados
nessa situação”.
Thiollent (2003, p. 16) afirma ainda, como quarto item, que “o
objetivo da pesquisa-ação consiste em resolver ou, pelo menos, em
esclarecer os problemas da situação observada”.
Foi possível refletir coletivamente a respeito das deficiências e dos
problemas verificados no curso, a partir das discussões e das reflexões

103
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

entre os docentes, e buscar saídas para a sua superação. Essa reflexão


foi de fundamental importância para que o professor pudesse refletir
sobre sua própria formação, seus conhecimentos e sua prática em sala
de aula, de forma a redimensioná-los de modo mais adequado.
Esses momentos de discussão, de análise, de diálogo apontavam
que o caminho de uma efetiva mudança no curso de formação de
professores passava por uma modificação atitudinal do corpo do-
cente, que se encontrava fragilizada, sem uma compreensão política
do problema, que acabava por culpabilizar os alunos como os úni-
cos responsáveis pela má qualidade do curso.
A reflexão e o trabalho realizado permitiram aos docentes uma
análise e uma compreensão mais crítica das representações dos pro-
fessores acerca do curso, dos alunos matriculados, de suas dificulda-
des e de suas expectativas, além da produção de conhecimentos que
possibilitaram sua participação em eventos educacionais e científi-
cos fora do ambiente escolar.
Os professores afirmaram que após a percepção da necessidade
da definição do perfil do professor a ser formado pelo curso houve
mudanças nos programas de ensino a serem ministrados, na prepa-
ração das aulas e na realização do trabalho em sala de aula. Essas
mudanças nos docentes e nas aulas eram acompanhadas pelo cole-
tivo do grupo de pesquisadores, que sempre dialogou e avaliou as
atividades. Dessa forma, o trabalho realizado também cumpriu o
quinto aspecto apontado pelo autor citado.
Ao longo da realização do trabalho, houve grande ênfase no tra-
balho coletivo, sempre reafirmando a importância e a necessidade do
diálogo e de que as decisões fossem tomadas, sempre, em conjunto,
nas reuniões. O exercício do diálogo no grupo, em que se procurava fa-
zer e receber críticas e avaliações com seriedade, gerou boas e algumas
más situações. Na maioria das vezes, deixou um saldo amplamente po-
sitivo, permitindo aos professores a percepção de seu papel nos cursos
em que ministravam, conscientizando-os da necessidade de uma nova
prática pedagógica e não se restringindo a uma forma de ativismo ime-
diato, como se estivessem recebendo uma simples “receita”.

104
Pesquisa-ação como espaço de formação de professores: análise de uma experiência vivida

Ao se trabalhar o coletivo, fortaleceram-se as atitudes de forma-


ção, de cooperação, de responsabilidade e de autonomia dentro do
grupo, fatores necessários para a realização de um trabalho qualita-
tivamente diferenciado.
A pesquisa não se limitou a oferecer uma ação fragmentada e
isolada. Procurou acumular o conhecimento dos sujeitos pesquisa-
dos, da universidade, da escola e o “nível de consciência” das pes-
soas envolvidas. Com isso, contemplou também o último aspecto da
pesquisa-ação ressaltado por Thiollent (2003, p. 16).
Considerando, portanto, os principais aspectos da pesquisa-
ação apontados por Thiollent, podemos constatar que o projeto rea-
lizado junto com os docentes do curso de formação de professores
se constituiu verdadeiramente num trabalho de investigação que
cumpriu os preceitos apontados pelo autor.
Dessa forma, embora o projeto de pesquisa-ação tenha se
apresentado de “cima para baixo” — a partir da Universidade
e da aprovação da Delegacia Regional de Ensino — e com uma
conotação institucional-interventiva dentro do curso de forma-
ção de professores, constatou-se que o trabalho realizado passou
a ter configuração de pesquisa-ação colaborativa a partir de seu
desenvolvimento.
Para Elliot (apud MIZUKAMI et al. 2002, p. 138):
… a tarefa do pesquisador acadêmico seria a de estabelecer
uma forma de pesquisa colaborativa que fosse transformadora
da prática curricular e que, no processo, favorecesse uma forma
particular de desenvolvimento do professor, sobretudo o desen-
volvimento de capacidade para transformar flexível e discursi-
vamente sua própria prática …

Conforme Mizukami e colaboradores (2001, p. 118), ao se assu-


mir uma pesquisa de modelo construtivo-colaborativo, investiga-se o
desenvolvimento profissional de professores de uma escola de ensino
fundamental, por exemplo, e promove-se o referido processo a todos
os membros do grupo (universidade e escola) simultaneamente.

105
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

Clark e colaboradores (1996; 1998) (apud MIZUKAMI et al.


2002) concebem colaboração como diálogo, implicando professores
da universidade e professores da rede engajados em conversações
e trocas sobre desenvolvimento profissional, beneficiando a todos
os diferentes participantes. Significa trabalhar juntos, por meio de
troca e de ajuda mútua.
Para Clark e colaboradores (apud MIZUKAMI et al. 2002, p. 128),
um objetivo fundamental da pesquisa colaborativa é assegurar
a compreensão e a participação de todas as partes em todas as
fases do processo de pesquisa de tal forma que todos trabalhem
participativamente, na identificação dos problemas, na sua dis-
cussão, na resolução dos problemas, na escolha da metodologia
e na resposta dos resultados.

Pimenta, Garrido e Moura (2002, p. 11), afirmam que “a pes-


quisa colaborativa tem por objetivo criar nas escolas uma cultura
de análise das práticas que realiza a fim de possibilitar que os seus
professores, auxiliados pelos professores da universidade, transfor-
mem suas práticas”.
Exatamente a reflexão sobre a prática, as críticas partilhadas
entre professores da universidade e da escola e as mudanças dos
docentes, apoiadas pelos pesquisadores e por todo o grupo de do-
centes, criaram as condições para melhorar o desenvolvimento pro-
fissional de todos os sujeitos.
Dessa forma, a pesquisa iniciada com características de institu-
cional-interventiva pôde, a partir do atendimento das expectativas e
da abertura de espaços para os participantes em todos os momentos,
ir aos poucos se transformando em uma pesquisa-ação colaborativa,
a partir da construção da parceria, do diálogo e da reflexão conjunta.

A pesquisa-ação como espaço de formação de professores

Mizukami e colaboradores (2002) afirmam que uma das ca-


racterísticas da pesquisa-ação colaborativa é a potencialidade para

106
Pesquisa-ação como espaço de formação de professores: análise de uma experiência vivida

melhorar o desenvolvimento profissional por meio de oportunida-


des para a reflexão sobre a prática, críticas partilhadas e mudan-
ças apoiadas.
O desenvolvimento dos professores pressupõe um contexto prá-
tico no qual possam refletir, avaliar, experimentar. No caso em pauta,
o contexto prático foi o curso de formação de professores do curso
médio e as práticas dos docentes formadores envolvidas nesse cur-
so. Desenvolver projetos de pesquisa-ação mostrou-se uma estratégia
importante para desenvolver o processo de mudanças nas práticas
pedagógicas e na formação do professor, caracterizando-se, portan-
to, como um verdadeiro processo de desenvolvimento profissional.
As atividades de pesquisa desenvolvidas a partir da própria
prática docente, fundamentalmente no processo de reflexão–ação–
reflexão, possibilitaram aos professores ter mais clareza da impor-
tância de um curso de formação de professores, do sentido de suas
ações em sala de aula, da necessidade de entender e de refletir sobre
as dificuldades para melhor conduzir suas aulas e, principalmente,
propiciaram aos docentes mudanças atitudinais necessárias para
assegurar um processo de ensino–aprendizagem mais condizente
com uma boa formação dos futuros profissionais das séries ini-
ciais do ensino fundamental. As reflexões permitiram uma análise
mais crítica da representação que os professores tinham acerca do
curso, de seus alunos, de suas dificuldades e de suas expectativas,
além de leituras individuais e das possibilidades de participação
em diversos eventos científicos e educacionais fora do ambiente
escolar. Todos esses procedimentos possibilitaram mudanças nos
programas de ensino das disciplinas lecionadas pelos participan-
tes da pesquisa, resultando em melhorias no processo de ensino e
aprendizagem.
Enfim, com a pesquisa-ação pretendeu-se alcançar transfor-
mações ou mudanças dentro do curso de formação de professores.
Buscou-se alcançar essas transformações a partir da conscienti-
zação acerca da situação em que atuam como autores. Conforme
Freire (apud THIOLLENT 2003), a conscientização supõe um desen-

107
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

volvimento crítico da tomada de consciência, permitindo o desvela-


mento e a compreensão da realidade.
Segundo depoimento de uma das professoras, o trabalho reali-
zado incentivou mudanças na atitude do docente:

… a partir da definição do perfil do Curso Normal Parcial e do


perfil do professor que se deseja formar, a atividade do corpo do-
cente dentro da sala de aula também se modificou, pois formar
um professor crítico, reflexivo, compromissado politicamente e
que goste do que faz exigiu mudanças na postura do professor
em relação ao aluno. No decorrer da pesquisa, percebeu-se a
importância da participação mais efetiva do aluno no processo
de ensino–aprendizagem, ou seja, passou-se a estimulá-lo mais
a expressar as suas opiniões e impressões a respeito do curso, da
disciplina e do conteúdo… O modo de se avaliar a participação
e a aprendizagem do aluno também foi modificado. Passou-se a
atribuir mais atenção à produção continuada do aluno em sala
de aula do que à avaliação escrita aplicada ao final de cada eta-
pa. Após essas mudanças de atitudes do professor, observou-se
um melhor aproveitamento e interesse da classe em relação ao
conteúdo, melhor disciplina em sala de aula, e melhor relacio-
namento entre professor e aluno … (Professora Carla).

Tem-se clareza de que isso só foi possível em decorrência do


método e da estratégia utilizados.
Apesar dos obstáculos e das dificuldades ao longo do desenvol-
vimento do projeto, houve significativos avanços, não só no que diz
respeito à produção de conhecimentos sobre a formação de professo-
res, como também com relação à formação dos docentes envolvidos
no curso. A partir da necessidade de se definir o perfil do profissio-
nal a ser formado no curso, como também da tentativa de se pen-
sar no projeto pedagógico, houve necessidade de avaliar e refletir as
ementas das disciplinas, seus objetivos, conteúdos e metodologias a
serem usados. Essa reflexão se constituiu num verdadeiro momen-
to de desenvolvimento profissional do docente a partir da análise
do seu trabalho dentro do curso. Foi possível refletir coletivamente

108
Pesquisa-ação como espaço de formação de professores: análise de uma experiência vivida

sobre os problemas e as deficiências percebidas no curso e buscar


saídas para a sua superação. Isso foi de fundamental importância
para que os professores passassem a refletir sobre a sua prática em
sala, a redimensioná-la de modo mais adequado. Constituiu-se numa
verdadeira modificação atitudinal do corpo docente, cuja formação
profissional se encontrava fragilizada, sem uma percepção política
do problema, e que acabava por culpabilizar os alunos como os úni-
cos responsáveis pela má qualidade do curso.
Segundo a professora Dirce, a pesquisa-ação
[…] nos levou a refletir sobre a prática pedagógica adotada.
Todo o trabalho em sala de aula deve estar voltado para os
alunos que o coletivo deseja formar, e isso exige mudança de
atitude, trabalho voltado para o coletivo (ter objetivos claros e
comuns), exige um professor reflexivo, que repense o seu papel
a partir das necessidades dos alunos.

As reflexões coletivas que ocorreram permitiram uma possibili-


dade de crescimento, de formação dos docentes, tanto em relação à
sua atitude em sala de aula como em relação à sua pessoa, alterando
significativamente as relações do docente com o seu fazer pedagógi-
co, como as relações do docente com os alunos, futuros professores
em formação.

Considerações finais

É necessário reafirmar que desenvolver projetos de pesquisa-


ação nas unidades escolares, no curso de formação de professores,
mostrou-se uma estratégia importante para desencadear o processo
de mudanças nas práticas do docente e no processo de formação do
professor, caracterizando-se como um verdadeiro processo de de-
senvolvimento profissional.
As atividades realizadas, voltadas fundamentalmente para um
processo de reflexão–ação–reflexão, possibilitaram aos professo-
res ter maior clareza da importância de um curso de formação de

109
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

professores, do sentido de suas ações em sala de aula, da necessidade


de entender e refletir sobre as dificuldades para melhor conduzir suas
aulas e, principalmente, propiciaram aos docentes mudanças atitudi-
nais necessárias para assegurar um processo de ensino e aprendizagem
mais condizente com uma boa formação dos novos profissionais.
Eis alguns dos resultados positivos observados:
— melhora qualitativa na prática didático-pedagógica de alguns
docentes;
— modificação da atitude negativa que os professores apresen-
tavam em relação a seus alunos;
— mudança na forma de “ver” o aluno, passando a auxiliá-lo
como sujeito de sua aprendizagem e não apenas como mero
receptáculo de conteúdos;
— melhoria das relações interpessoais entre os professores do
curso;
— mais consciência do professor em relação a seu trabalho den-
tro do curso de formação de professores.
Em relação à metodologia da pesquisa-ação realizada, é possível
afirmar:
— para que haja desenvolvimento profissional dos professores,
é recomendável que a pesquisa-ação adquira as característi-
cas da abordagem colaborativa;
— o pesquisador precisa estar organizado para utilizar estra-
tégias que produzam o envolvimento do grupo, de modo a
criar espaços para a negociação de sentidos e de compromis-
sos, condições necessárias para garantir o desenvolvimento
de um processo participativo e colaborativo;
— para que o processo de pesquisa não fique apenas no ativis-
mo imediato, é preciso que os sujeitos se conscientizem da
complexidade da situação, que compartilhem o estabeleci-
mento dos problemas e das reais necessidades de mudança;
— as políticas de formação deveriam ser organizadas a par-
tir das necessidades dos docentes, explicitadas por eles, de

110
Pesquisa-ação como espaço de formação de professores: análise de uma experiência vivida

forma que seja possível integrá-los em processos participati-


vos de mudança de suas práticas;
— é preciso lembrar Hargreaves (1996), quando este afirma que
as práticas docentes só mudam por convicção, e que todas as
práticas e convicções só mudam de forma interativa e coletiva.
Tendo em vista o caminho percorrido pela investigação e con-
siderando a necessidade da universidade como agência formadora
responsável pela definição e pela concretização de políticas públicas
voltadas para a formação dos professores em serviço, o texto mostra
alguns desafios a serem considerados como contribuições para a for-
mação de professores e para o seu desenvolvimento profissional.

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111
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

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THIOLLENT, M. (2003). Metodologia da pesquisa-ação. 12ª ed., São Paulo,
Cortez.

112
Formar e formar-se:
a voz e a vez dos professores
Marineide de Oliveira Gomes1
Léa das Graças Camargos Anastasiou2

“Eu vejo o futuro repetir o passado,


eu vejo um museu de grandes novidades,
o tempo não pára, não pára não, não pára…”
ARNALDO BRANDÃO E CAZUZA

E
ste texto retrata alguns elementos de experiências de pes-
quisa e formação de docentes vivenciadas por professores/
pesquisadores em instituições de educação superior, entre os
anos 2000 e 2002, em duas situações específicas configuradas na
forma de estratégia de autoconhecimento no ensino universitário e
de pesquisa/formação.
Em comum, buscamos o enfoque relativo a processos de auto-
conhecimento, no caminho de construção de identidades, pela me-
todologia de história de vida, por meio da escrita do memorial e do
relato autobiográfico, com a utilização de roteiros, numa perspecti-
va emancipatória.

1. Profa. Dra. do Centro Universitário Fundação Santo André (SP).


2. Profa. Dra. associada do Programa de Mestrado em Medicina da Univer-
sidade Federal de Santa Catarina.

113
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

A experiência relativa ao relato autobiográfico utiliza um rotei-


ro que objetiva um recorte no percurso formativo, ao longo da vida,
finalizando com as impressões dos autores sobre a vivência. A es-
crita do memorial, efetivada em processo de profissionalização con-
tinuada, configura-se como um registro simultaneamente histórico
e reflexivo, identificando fatos e acontecimentos que constituíram
a trajetória acadêmico-profissional de seus autores, expressando os
momentos que caracterizam essas histórias pessoais. As etapas do
roteiro visam sistematizar dados da historicidade em relação aos pe-
ríodos em que os docentes ingressaram e efetivaram sua trajetória
escolar no sistema de ensino brasileiro, possibilitando articulação
entre a história pessoal e social, a legislação e as tendências educa-
cionais, as reformas educacionais das últimas décadas, as formas e a
organização do trabalho escolar.
Iniciamos este texto situando o debate da cientificidade em
pesquisa que se vale da investigação-ação na busca de referências
conceituais, uma vez que a instabilidade, as incertezas e a proviso-
riedade, marcas da sociedade atual, encontram-se presentes também
na produção de conhecimentos e colocam em discussão os proces-
sos atuais de pesquisa-ação e de ação pedagógica.
Em seguida, ainda do ponto de vista teórico, enfocamos as nar-
rativas de professores como um caminho para a apreensão de suas
identidades. A partir de tais elementos, destacamos as experiências
de pesquisa, que buscam enfatizar:
•฀ a investigação da construção de identidades de educadoras
de crianças pequenas, evidenciando itinerários plurais pela
via do relato autobiográfico — pesquisa realizada com estu-
dantes de um curso de pedagogia e com educadoras de duas
instituições de educação infantil (creche e pré-escola);
•฀ questões relativas à pesquisa-ação e à ação pedagógica em
caminhos que se imbricam, via escrita e socialização do me-
morial — pesquisa realizada com docentes universitários em
processo de profissionalização contínua.

114
Formar e formar-se: a voz e a vez dos professores

As considerações complementares que se seguem visam retomar


a concepção de conhecimento desenvolvida, destacando o papel da
experiência e das construções invisíveis de ser professor, tecidas ao
longo do percurso formativo de cada um, salientando a potenciali-
dade das autobiografias na formação de professores.

A investigação-ação na produção do conhecimento

A especificidade das situações de pesquisa que envolvem ação


pedagógica tem sido questionada pelo uso de meios e processos im-
bricados, pelos elementos comuns e diferenciados e ainda pelas for-
mas de validação desses processos. Alguns desses questionamentos
referem-se à viabilidade da ação pedagógica e da pesquisa-ação, a
serem executadas com propriedade por um mesmo agente ou equipe
de pesquisa, numa situação única e integrada.
Tomando como referência experiências de processo de profis-
sionalização continuada com professores, verificamos haver desa-
fios de vários aspectos:
•฀ a efetivação de dois tipos de ação para o pesquisador, uma vez
que na ação de pesquisa participativa se inclui uma ação pe-
dagógica; uma e outra têm como sujeitos a equipe coordena-
dora e os docentes participantes, sendo essencial a definição
de princípios de participação e compromisso institucional3;
•฀ a definição de um projeto de pesquisa-ação que integre um
projeto de ação pedagógica, pelo diagnóstico, pela definição
e pela complementaridade de objetivos, pela especificação de
princípios e focos e por uma teoria pedagógica e de pesquisa4;

3. Esse compromisso inclui a questão das condições concretas de efetivação


do processo, tais como: critérios de adesão, a não-retaliação, o pagamento das
horas de participação, a reversão destas como pontuação no plano de carreira
docente e outros elementos que façam parte da proposta em ação.
4. Definição do processo a partir dos dados do diagnóstico: cronograma,
conteúdos mínimos, metodologia de pesquisa e de ação pedagógica, instru-

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Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

•฀ a flexibilidade para que o caminho se faça e se refaça no ca-


minhar, tanto na pesquisa-ação como na ação pedagógica;
•฀ a definição de produtos a ser construídos no/a partir do pro-
cesso: experiência vivenciada, dificuldades, entraves, avan-
ços percebidos a partir dos participantes/pesquisadores,
ações que podem ser sistematizadas, organizadas e socializa-
das, além das mudanças pessoais, profissionais e institucio-
nais decorrentes do processo.
•฀ A clareza de que no foco estabelecido, ação pedagógica em
processo de pesquisa-ação, o tempo, as ações, as ativida-
des, a documentação, os instrumentos dirigem-se às ações
de construção de uma pesquisa envolvendo um processo de
profissionalização continuada para além do período defini-
do para a pesquisa-ação; na ação de pesquisa, pretende-se
abstrair um quadro referencial que possibilite a continuidade
e/ou transformação das práticas.
Desse ponto de vista, propomos a utilização da pesquisa-ação
integrada à ação pedagógica como meio de produzir conhecimento
sobre o cotidiano de trabalho, com o intuito de atingir melhorias no
desenvolvimento profissional dos sujeitos, da coletividade investiga-
da, assim como das instituições educacionais envolvidas, desafiando
o professor a partir de sua prática docente, pela ação em grupos
integrados, cooperativos. Busca-se assim a profissionalização conti-
nuada, a superação de situações ou problemas práticos num proces-
so espiral reflexivo.
Ao se ampliar a compreensão e formular e desenvolver estraté-
gias de ação, efetivam-se dois tipos básicos de movimento: a investi-
gação de uma situação prática visando à sua transformação em algum
aspecto (reflexão iniciando a ação) ou a modificação de um aspecto
da prática, como resposta a problemas, gerando a reflexão sistemáti-
ca (a ação iniciando a reflexão). Como esse processo visa, sobretudo,

mentos de pesquisa e de ação pedagógica, formas de acompanhamento dos


processos.

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Formar e formar-se: a voz e a vez dos professores

favorecer a autonomia profissional dos docentes, a pesquisa-ação é


vista como uma estratégia de formação, de pesquisa educativa e de
mudança social como prática educativa (ELLIOTT 1998).
Como pesquisa-ação, caracteriza-se por uma ação sistemática,
coordenada pelo pesquisador e equipe, em que se propõe um pla-
no de ação baseado em objetivos estabelecidos coletivamente. O
mesmo ocorre no processo de acompanhamento e controle da ação
planejada, como comumente ocorre numa pesquisa de intervenção.
Para verificar aspectos de melhoria ou prejuízo, faz-se necessária a
avaliação contínua do processo por parte de todos os participantes.
Um alerta feito a pesquisas que se valem desse tipo de abor-
dagem se refere à ação do pesquisador, descrito como aquele que
possua condição humana que lhe permita flexibilidade para lidar
com dúvidas, incertezas e ambigüidades, aceitando um esquema de
trabalho aberto, em que as decisões possam ser tomadas na medida
e no momento em que se fizerem necessárias. Sobretudo, é neces-
sário que tenha habilidade comunicativa e estabeleça empatia com
a equipe, formulando questionamentos adequados, ouvindo atenta-
mente e sendo extremamente paciente. É essencial a capacidade de
colocar-se no lugar do outro, buscando entender melhor o que diz,
sente, percebe, criando um clima de confiança, para que os dados
coletados ao longo do processo sejam significativos. Apresenta-se
também como fundamental a competência para realizar correta-
mente a expressão escrita, registrando o que se observou, viu, ouviu
e coletou5. Essas características são também essenciais à condução
de processos de ação pedagógica, sendo este mais um importante
ponto de intercessão entre tais ações.
A esse respeito, Vieira Pinto (1979) destaca a importância do
pesquisador como ator social, como homem, com a consciência de si
e do mundo, capaz de definir e assumir suas ações.

5. Consideramos que a questão da autoria na pesquisa-ação requer uma rede-


finição, pois os sujeitos colaboradores na pesquisa são co-autores no processo
da pesquisa, e via de regra a autoria do trabalho é atribuída somente ao pesqui-
sador responsável pela pesquisa.

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Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

Do ponto de vista da pesquisa-ação, trata-se de um desafio de-


finir qual o caso a ser investigado, como os dados serão coletados,
quais os procedimentos metodológicos serão utilizados, quais serão
as atividades gerais a serem propostas no plano inicial, com flexibi-
lidade para ser reformuladas, redefinidas, repensadas ao longo do
processo. Salientamos que decisões sobre como analisar os dados
e apresentá-los não podem ser efetivadas de modo rígido, exigindo
capacidade para trabalhar com o novo, o incerto e o impreciso, em
contínua análise e/ou com o redirecionamento do processo.
O conhecimento a ser construído é então tomado não como de-
finitivo nem inquestionável, mas em contínua transformação e evo-
lução, resultante da relação teoria e prática, que se retroalimentam
no movimento efetivado; é derivado de ação individual e coletiva, da
práxis intencional, constantemente posta à análise. Sob esse aspecto,
a relação entre a teoria e a prática, a reflexão e a ação, e a reflexão
da reflexão na ação são elementos fundamentais de continuidade do
processo de trabalho grupal.
Estudos das práticas pedagógicas vivenciadas implicam a análise
correlata e contextualizada dos processos históricos, revisões teóri-
cas como essenciais e constantes no processo, buscando nesta aná-
lise os elementos de inter-relações entre os fenômenos. Atentamos
hoje para a visão de que o complexo é o que é tecido junto (MORIN
2000). Tal dinâmica se faz necessária desde a análise dos dados do
diagnóstico até o direcionamento dos objetos de estudo.
O princípio da complexidade se funda — como o da simplifica-
ção — na necessidade de distinguir e analisar; porém, propõe estabe-
lecer comunicação entre o objeto e o contexto, a coisa observada e seu
observador. Importa nesse caso estabelecer o diálogo entre a ordem, a
desordem e a organização para conceber os fenômenos investigados.
No método proposto, Morin6 destaca a necessidade de associar
o objeto ao contexto (interação e auto-organização), de unir o objeto

6. EDGARD MORIN, Ciência com consciência, Barcelona, Anthropos/Editorial


del Hombre,1994. Seminário: Novos Paradigmas da Ciência, USP, março de 2000.

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Formar e formar-se: a voz e a vez dos professores

ao observador, pontuando no objeto o organizado ou o “organizan-


te” (social, vivente), considerando a importância da desintegração
do elemento simples (ordem/desordem/organização) e da confron-
tação e contradição. Sugere como orientação complementar uma
abertura a novas investigações, a criação de novas e mais flexíveis
instituições de pesquisa, a capacitação dos cientistas para se auto-
investigarem e da ciência para se auto-estudar, além do estímulo a
processos de transformação de estruturas de pensamento.
Os elementos acima constituem-se hoje, ao mesmo tempo, em
desafio e alento para os processos de pesquisa que envolvem ações
pedagógicas, no que se refere às exigências para se definirem ou se
“enquadrarem” (pesquisa-ação ou ação pedagógica?; pesquisa-ação
ou ação colaborativa?) em relação à comunidade científica.
Consideramos ser oportuno definir os termos que estamos utili-
zando. Por pesquisa-ação conceituamos:
É um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida
e realizada em estreita associação com uma ação ou com a reso-
lução de um problema coletivo e na qual os pesquisadores e os
participantes representativos da situação ou do problema estão
envolvidos de modo cooperativo ou participativo (THIOLLENT
1988, p. 14).

Por ação pedagógica entendemos uma ação planejada a partir


de determinadas questões, desafios e problemas, enfrentadas pelos
sujeitos do processo (no caso, administradores, professores e alunos)
na área pedagógica, visando superá-los. Organiza-se a partir de diag-
nóstico inicial, construído coletivamente, da definição de objetivos de
curto, médio e longo prazo, do delineamento dos objetos de estudo
(pelo menos os iniciais), da metodologia e das formas de acompanha-
mento do processo. Sua característica fundamental é a flexibilidade.
Mesmo sendo fruto de solicitação institucional, com uma orienta-
ção externa à instituição, deve ser construída, assumida, vivenciada,
compartilhada e encaminhada pelos sujeitos do processo.
Por pesquisa-ação colaborativa entendemos uma ação partilha-
da apresentada como demanda por parte dos agentes que almejam

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Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

uma ação dessa natureza e que buscam equipes de pesquisa que ali-
mentem e se construam mutuamente na condição de parceiros e res-
ponsáveis pelo projeto.
A conceituação explicitada evidencia que os instrumentos de
pesquisa científica não se limitam aos implementos manejáveis, mas
estendem-se igualmente às idéias gerais, pelas quais o cientista re-
presenta o mundo, as propriedades dos corpos, as leis da natureza,
funcionando como instrumentos de trabalho análogo às ferramentas
e aos artefatos materiais. Embora distintas dos instrumentos de pes-
quisa, as idéias operam sobre a realidade e se comportam como for-
ças que se opõem ao desconhecimento das propriedades das coisas e
vencem as resistências dos objetos a conhecer (VIEIRA PINTO 1979).
Vieira Pinto (1979) propõe a tese dialética existente entre o ins-
trumento e o método, pontuando esse método como uma seqüência
de atos físicos e/ou mentais, comandado por uma concepção geral
que justifica a racionalidade de uma ou outra ordem de procedimen-
tos, em função da finalidade que o pesquisador tem em vista. Assim,
é duplo o papel desempenhado pelas idéias: ao tecer a concepção
geral do procedimento operatório representam a percepção teórica
que a consciência tem de sua intervenção na realidade, e funcionam
como instrumento para execução do método, em cada etapa coman-
dando ou reordenando as operações realizadas.
As idéias fazem parte também da unidade lógica existente entre
o método e a interpretação dos dados, referendada por determinado
conjunto teórico. A interpretação, convertida em teoria, constitui o
momento supremo da criação científica, pois surge como “mutação”
no processo lógico de interpretação da realidade, sendo pensada a
partir dos conceitos já existentes.
Diferentemente da pesquisa, que revela, desvela, descreve e ana-
lisa, a dimensão axiológica do ensino e da ação pedagógica propõe
metas objetivas, aquilo que deve ser. Ao pesquisar esses processos,
constatamos que a ação pedagógica nem sempre se operacionaliza
conforme pretendida. Difere da pesquisa, que é analítica, estabelece
um juízo de verdade, constata e desnuda. A pesquisa-ação tem como

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Formar e formar-se: a voz e a vez dos professores

função oferecer ferramentas e instrumentos conceituais para am-


pliar as escolhas e decisões dos professores, facilitando o processo
(CHARLOT 2002).
Nessa mesma direção, Charlot ainda observa que existe um sa-
ber docente coletivo, que os pesquisadores precisam conhecer para
interpretar a prática, ponto central na linguagem que expressa a
teoria vivida pelo professor. Segundo o citado pesquisador, os pro-
fessores estão querendo uma teoria que fale, que dialogue com sua
teoria da prática. Esse é um importante aspecto a ser considerado
nos processos de pesquisa-ação envolvendo ação pedagógica, pois,
quando isso se efetiva, ocorre comunicação, interesse, troca, víncu-
lo, na medida em que o sentido da fala, da teoria da pesquisa esteja
enraizado nas práticas, nas vivências reais. O autor destaca que o
problema existente nessa área não é entre teoria e prática, mas entre
uma teoria que seja alcançada pela teoria da prática, que com ela
fale, troque, respeitando o saber e a teoria da prática de que o pro-
fessor é portador.
É preciso considerar o pesquisador como elemento externo e
estranho e também como partícipe dos grupos e processos de pes-
quisa. Já em 1967, analisando as mudanças sociais da época, Vieira
Pinto nos mostrava que o avanço se daria das pesquisas individuais
para os processos em parceria, para a questão do autor coletivo de
pesquisas, produzidas na ação convergente de grupos, nos trabalhos
conjuntos instigados pelas dificuldades, o que poderíamos associar
às questões da complexidade (MORIN 2000), o que, por vezes, leva
cientistas a unir-se em processos colaborativos, respondendo a obje-
tivos superiores e coletivos, em esforços de múltiplos indivíduos.
É Vieira Pinto quem reforça ainda o caráter desse tipo de pes-
quisa (1979, p. 220):
Na pesquisa científica, a prática eleva-se a um grau superior. …
O fundamento da prática encontra-se na necessidade da inclusão
do homem no processo em que produz aquilo de que precisa, ao
mesmo tempo se produzindo a si próprio, pelo acúmulo de conhe-
cimento que adquire. Para agir dever ter prefigurado em idéias a

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Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

situação em que se empenha, o aspecto da realidade que vai inter-


rogar e o valor da confirmação que, espera, virá a receber.

Explica-se e justifica-se, assim, o atual movimento envolvendo o


processo de reflexão dos docentes, proposto tanto na formação inicial
como na contínua, bem como o desenvolvimento dos pesquisadores
e dos professores, seja como pesquisador, coordenador, seja como
participante, na pesquisa de sua própria prática, na sala de aula.
Trata-se de situação prática simultaneamente subjetiva e objeti-
va. É subjetiva na origem, preconcebida em idéias, vivida antecipa-
damente na expectativa dos resultados, não se tratando de ato cego,
impulsivo, mas de elucidativa invenção. É também subjetiva pela
produção de novas idéias: os resultados confrontam-se com idéias
antecedentes ao processo. E é objetiva, pois indaga sobre o conheci-
mento do mundo e ao término resulta na constatação do que ocorreu
e que fica registrado, para análise e interpretação. Daí a importância
da problematização e da investigação da ação pelo próprio professor
que a executa, como inserção social, no espaço onde o homem pro-
duz sua existência (VIEIRA PINTO 1979, p. 223).
Nos processos de investigação permitem-se modificar, ampliar,
rever, transformar as explicações elaboradas inicialmente. Critérios
como probabilidade, demonstração, plausibilidade, evidência lógica
e empírica são adotados também como ferramentas do pensamento.
Trabalha-se com a investigação como processo cognitivo, próprio
ao ser humano, sem necessariamente acrescentar elementos teóricos
ao quadro científico. Como prática social de uma comunidade cien-
tífica, ocorre a preocupação com os produtos obtidos, as sínteses
elaboradas, os elementos teóricos refutados, o que resulta em modi-
ficações da teoria existente (PERRENOUD 1993).
Podemos destacar em ambas as ações que vários elementos estão
interligados e mutuamente dependentes no processo e na avaliação.
No entanto, é importante que o pesquisador efetive a condução ou
acompanhamento do processo da ação pedagógica — que se constitui
num dos fins da pesquisa-ação —, exercendo sua função e seu papel

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Formar e formar-se: a voz e a vez dos professores

como pesquisador. Como tal, promoverá cooperativamente uma ação


subjetiva, que é concebida em idéias, comportando a expectativa dos
resultados, elucidativa, criadora e inventiva, e também objetiva, bus-
cando a indagação do conhecimento do mundo, cujo processo fica
registrado para análise e interpretação (VIEIRA PINTO 1979).
Esses níveis de ação — subjetivo e objetivo — encontram-se
presentes tanto na pesquisa como na ação pedagógica, mas cul-
turalmente, até o presente momento, verificamos que na ação
pedagógica o hábito de registrar, analisar e interpretar não é preo-
cupação primeira e não se encontra sistematizado, tal como ocorre
nos processos de pesquisa. Vale aqui questionar as reais condições
de produção de conhecimento pelos professores brasileiros, assim
como a efetivação de condições estabelecidas pelas atuais políticas
públicas em educação.
Constatamos que o tempo para análise dos dados deve ser com-
putado no projeto de pesquisa, para além do tempo previsto para a
ação pedagógica proposta. É preciso destacar os momentos de lei-
tura e interpretação dos dados empreendidos em várias etapas da
pesquisa, por ocasião da elaboração dos relatórios periódicos, vi-
sando apreender os conteúdos, os significados, as mensagens im-
plícitas e explícitas, os valores, os sentimentos e as representações e
buscando um caminho contínuo de vaivém entre a teoria e a prática,
fundamental à análise conclusiva. Constatamos ser necessário reser-
var tempo específico para o relatório, para releituras e revisões que
dêem conta das expressões, da complexidade e do movimento dos
“achados” a serem socializados, compartilhados e validados coleti-
vamente, o que muitas vezes excede a expectativa das instituições e
das pessoas envolvidas.
O pesquisador (ou a equipe), partícipe de ambas as ações, faz
o duplo acompanhamento: na ação pedagógica auxiliando no al-
cance dos objetivos propostos, na pesquisa-ação obtendo dados para
analisar, reescrever, problematizar, complementar ou refutar o qua-
dro teórico quanto aos dois aspectos, inserindo elementos no quadro
teórico prático existente.

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Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

Em contexto de pesquisa-ação colaborativa e de ação pedagógi-


ca como aqui conceituada, a produção do conhecimento é feita tam-
bém coletivamente, embora caiba à equipe de pesquisa, de maneira
mais sistemática, operacionalizar as sínteses obtidas no processo.
As narrativas se apresentam como uma maneira privilegiada de
significar, de ser/estar na profissão, por meio da manifestação de
necessidades, potencializando apropriações e aprendizagens, em um
processo de formação que contribui para a construção de identida-
des. Questões como a temporalidade, as interpretações, os tipos de
causalidade invocadas nas narrativas, a dialética entre permanência
e não-permanência, a ocorrência versus recorrência, a continuidade
versus mudança são alguns temas identificados nesses percursos.
Assumimos a impossibilidade de neutralidade nesses processos
de pesquisa e de formação, pois, sendo o pesquisador o principal
instrumento de pesquisa, torna-se imprescindível balizar-se pela co-
municação constante com os colaboradores, pela explicitação dos
métodos e procedimentos utilizados e, sobretudo, pela apreciação
dos colaboradores.
Com essas observações, intencionamos apresentar o pano de
fundo sobre o qual trataremos as experiências de pesquisa-ação e
de ação pedagógica que serão aqui problematizadas. A busca da
cientificidade encontra-se presente nas pesquisas de base qualitativa
— especialmente na pesquisa-ação — e, dessa maneira, as caracte-
rísticas de produção de conhecimento elencadas na primeira parte
deste trabalho podem servir para balizar a forma e o conteúdo de
pesquisas dessa natureza. Salientamos a importância da flexibilida-
de, da problematização e da complexidade como elementos estrutu-
rantes no processo de análise.
A seguir, enfocaremos a potencialidade das narrativas na for-
mação de professoras, seguida da descrição das experiências de pes-
quisa referidas, evidenciando alguns procedimentos utilizados em
pesquisas dessa natureza que privilegiam a perspectiva dos docen-
tes, na forma de autobiografias, na mira da compreensão de como o
professor se constrói professor.

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Formar e formar-se: a voz e a vez dos professores

As narrativas de professores: um caminho


para a apreensão de suas identidades

Na condição de professores e de pesquisadores em educação,


temos utilizado a autobiografia numa perspectiva que conduza à au-
tonomia, no sentido de possibilitar aos professores a apropriação de
seus percursos formativos, alinhavando significações e ressignifica-
ções, que podem ser geradoras de alterações tanto das concepções
como das práticas pedagógicas.
O trabalho com histórias de vida aparece como uma das pri-
meiras metodologias para o estudo da educação, a partir do ques-
tionamento sobre o que significa uma pessoa ser educada e como
se educam as pessoas em geral. Situa-se em uma matriz de investi-
gação qualitativa, fazendo uso da experiência vivida e da qualidade
de vida e da educação produzidas em relação. Poder se apropriar
de sua história de vida, ressignificando-a com os olhos do presente,
tem sido uma abordagem muito utilizada, tanto em pesquisa como
em processos de formação de professores. Diferentemente do co-
nhecimento acerca de outras profissões, no caso do professor, todos
invariavelmente passamos pela escola, na condição de estudantes,
e desenvolvemos maneiras de construir relações com ela que inega-
velmente servem para guiar futuras atitudes e práticas profissionais.
Nesse sentido, Tardiff et al. (1999), em análise acerca dos sabe-
res profissionais em relação aos conhecimentos universitários em cur-
sos de formação de professores, aponta alguns problemas existentes
nessa formação, como o modelo aplicacionista, que não considera a
complexidade do pensamento humano, que não é auto-aplicável, nem
os filtros cognitivos, sociais e afetivos desenvolvidos pelos estudantes
ao longo de sua formação e que permanecem fortes e estáveis ao lon-
go do tempo. Estes podem terminar a formação sem ter sido abalados
em suas crenças, que serão reatualizadas em contato com a prática.
Entendemos identidades profissionais, como Dubar (1997), na
forma de construções sociais que implicam a interação entre as traje-
tórias individuais e os sistemas de emprego, de trabalho e de formação.

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Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

E é nessa condição que, ao não dissociar as dimensões pessoal, pro-


fissional e organizacional, no desenvolvimento docente (NÓVOA
1992), o trabalho com as autobiografias passa a ganhar destaque, ao
possibilitar a revelação do percurso formativo dos professores e as
significações que ele foi produzindo ao longo da vida, implicando ne-
cessariamente a tomada de consciência por parte destes.
O recurso das autobiografias e das narrativas de maneira ge-
ral, como instrumento desencadeador e produtor de subjetivida-
des, passa a ser relevado na pesquisa científica na área das ciências
humanas, sobretudo nas últimas décadas. Na educação, os estudos
com histórias de vida de professores vêm sendo utilizados em pro-
gramas de formação contínua por representarem uma possibilidade
retrospectiva e prospectiva, considerando a experiência de vida que
o adulto traz em sua trajetória, que merece ser ressignificada por
ele próprio, potencializando processos formativos. Nas palavras de
Goodson (1992, p. 71), “o direito dos professores de falarem e de se-
rem representados por si mesmos”.
Nóvoa (1995) categoriza os estudos encontrados na utilização
das histórias de vida em: objetivos essencialmente teóricos, rela-
cionados com a investigação; objetivos essencialmente práticos,
relacionados com a formação; e, por fim, objetivos essencialmente
emancipatórios, relacionados com a investigação/formação.
As narrativas produzidas na investigação educativa se justifi-
cam por naturalmente nos constituirmos como seres contadores de
histórias, que individual e socialmente vivemos vidas relatadas. O
estudo da narrativa é, portanto, o estudo da forma com que os seres
humanos experimentam o mundo. Elementos importantes na rela-
ção de investigação são a igualdade entre os participantes, a situação
de atenção mútua e os sentimentos de conexão.
Por meio das narrativas busca-se a emergência das subjetivida-
des, identidades, alteridades enlaçadas na rede de significações pre-
sentes nesse processo que é ao mesmo tempo individual e social.
Elas auxiliam também na percepção das formas diferenciadas de ser
e estar na profissão de professores.

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Formar e formar-se: a voz e a vez dos professores

A ação narrativa da história de cada um se configura como um


ato de conhecimento, para além da “contação” de uma história, e
ao mesmo tempo de reflexão sobre as práticas. Uma cadeia de ele-
mentos significantes reveladora de uma forma de representação de
mundo e da profissão anuncia ao mesmo tempo uma dada realidade
social e a produção de desejos e, conseqüentemente, de necessida-
des, potencializando apropriações e aprendizagens profissionais. Ao
narrar, o educador constrói na forma lingüística e reconstrói, por
sua vez, o discurso relacionado à prática.
Bosi (1994, p. 81) considera que proceder ao resgate do passa-
do serve para alinhavá-lo, potencializando uma reflexão sem limites.
Em suas palavras:
Não há evocação sem uma inteligência do presente, um homem
não sabe o que ele é se não for capaz de sair das determinações
atuais. Acurada reflexão, pode proceder e acompanhar a evoca-
ção. Uma lembrança é um diamante bruto que precisa ser lapi-
dado pelo espírito. Sem o trabalho da reflexão e da localização,
ela seria uma imagem fugidia. O sentimento também precisa
acompanhá-la, para que ela não seja uma repetição do estado
antigo, mas uma reaparição ….

Nessa dimensão de trazer o sujeito ao centro da cena, o traba-


lho com histórias de vida se apresenta ao mesmo tempo como uma
forma de aprender/apreender, conseqüentemente de formação e de
pesquisa.
Autores como Christine Josso (1988) e Pierre Dominicé (1985),
entre outros, em estudos desenvolvidos na Universidade de Genebra
com histórias de vida, buscam a construção de uma teoria de for-
mação de adultos que ressignifique a aprendizagem e que assinale a
complexidade dos percursos/processos de formação destes, a partir
de novos elementos de análise e da compreensão e produção de co-
nhecimento situados na interface de vários saberes.
Originalmente, o trabalho com histórias de vida na perspectiva
de projeto de conhecimento e de informação, e de ter a subjetivida-
de como modo de produção de saberes, trouxe alguns marcos nas

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Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

pesquisas em educação. De início, estas reabilitaram o sujeito e o


ator no lugar de uma visão determinista e linear, passando por abor-
dagens interdisciplinares, pelas relações entre psicologia e educação
ampliadas com as relações biopsicossociais e culturais. Utilizadas
também em abordagens fenomenológicas, é a partir da década de
1980 que as histórias de vida se colocam a serviço também da lógica
de projetos, na consideração da experiência dos adultos formandos,
a serviço da formação inicial de estudantes de enfermagem, e a auto-
biografia temática no quadro de um projeto de formadores de enfer-
magem (JOSSO 2002).
Nesse sentido, ouvir as singularidades considerando a formação
do ponto de vista do aprendente permite articular o saber-fazer e os
conhecimentos, a funcionalidade e as significações, permite ainda a
autodescrição de um caminho de continuidades, rupturas, frontei-
ras individuais e coletivas, com vistas à apropriação de um conheci-
mento sobre si. Alguns autores ilustram esse processo de tomada de
consciência de si apontando que ele ocorre em etapas.
Larrosa (1994) assinala a premência dos processos reflexivos na
formação docente que passe pela reelaboração do educando consi-
go mesmo. Denomina “tecnologias do eu” as possibilidades em que
o sujeito pode estabelecer uma relação consigo mesmo para uma
transformação, considerando que nessa reelaboração é preciso di-
mensionar as relações existentes entre saber e poder, em cujo inte-
rior se produz o sujeito. Apresenta cinco dimensões presentes nas
narrativas que se encontram nos dispositivos pedagógicos de produ-
ção e mediação da experiência de si. A primeira, a dimensão ótica,
é considerada por ele como a estrutura básica da reflexão (ver-se).
A segunda dimensão, a discursiva, apresenta-se no momento da ex-
pressão oral ou escrita elaborada pelo sujeito. A terceira dimensão,
jurídica, é a capacidade que o sujeito tem de julgar suas próprias
ações e experiências. Já a quarta dimensão associa a dimensão dis-
cursiva com a jurídica, produzindo uma auto-identidade narrativa.
Por último, a quinta dimensão se apresenta como a dimensão práti-
ca, que ocorre na forma de questionamento acerca do que se pode

128
Formar e formar-se: a voz e a vez dos professores

ou não fazer consigo mesmo, após um processo de autoconsciência


e de ressignificações.
Josso (2002, p. 41) nos esclarece ainda que “a formação experien-
cial relança o debate sobre a relação teoria e prática, nas atividades
educativas ou, por outras palavras, o lugar respectivo da teorização e
da exploração pessoal”.
O sentido da formação envolve a integração na consciência e
nas atividades de aprendizagem, descobertas e significados, efetua-
dos em qualquer espaço social (JOSSO 1998). Ouvir o professor,
permitindo que ele possa situar o lugar de que fala, dimensionar
sua percepção no momento da reflexão sobre sua história de vida,
apropriar-se das memórias para elaborá-la, ressignificar o presente e
projetar o futuro, amplificando suas vozes, alicerçando o trânsito
para outro patamar de desenvolvimento profissional apresentam-se
como possibilidades potenciais tanto de formação como de pesqui-
sa. Um caminhar em que viagem e viajante são apenas um,

Uma viagem ao longo da qual ela vai explorar o viajante — re-


constituindo o itinerário, os diferentes cruzamentos com os
caminhos, as paragens, os acontecimentos, as explorações e
as atividades que lhe permitem localizar-se no tempo/espaço,
compreendendo o que o orientou, fazer o inventário da sua ba-
gagem, recordar os seus sonhos, contar as cicatrizes dos inci-
dentes de percurso. (JOSSO 2002, p. 42-43)

O trabalho com a memória permite apresentar diversas vozes


expostas nas lembranças do passado que demonstram a interferên-
cia de outros fatores, entre eles o caráter seletivo da memória, que
envolve o silenciamento e o esquecimento. Em situações de socia-
lização oral dos relatos autobiográficos, comumente as pessoas se
apercebem de que “esqueceram” de fatos, situações que, ao ser ou-
vidos de outra pessoa, selam um processo de identificação, o que faz
acreditar que o narrado expressa as relações entre a individualidade
do sujeito e sua condição social mais ampliada, servindo para recon-
ceitualizar o passado de acordo com o momento presente, levando

129
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

em consideração a pessoa com quem se está falando, assim como o


objetivo da narrativa.
O processo, tanto de pesquisa como de formação, pode ser
considerado a dinâmica em que se vai construindo a identidade do
sujeito. Processo em que cada um, permanecendo ele próprio e re-
conhecendo-se a si mesmo ao longo de sua história, se forma, se
transforma, em interação (MOITA 1992). Uma construção e uma
reconstrução permanente se processam, conjugando compreensão,
interpretação e emancipação. A possibilidade de ouvir a si mesmo,
associada à teorização sobre a própria experiência, tendo a lingua-
gem como uma pedagogia crítica da palavra e do mundo.
Na seqüência, apresentamos as investigações que se valeram da
autobiografia, no sentido de ilustrar a potencialidade dessa aborda-
gem na pesquisa e na formação de professores.

Investigando a construção de identidades de educadoras de


crianças pequenas: itinerários plurais

Objetivamos, nesta pesquisa, que chamamos de pesquisa/forma-


ção, identificar os caminhos de construção das identidades de edu-
cadoras de crianças pequenas que atuam em creches e pré-escolas e
com estagiárias de um curso de pedagogia, que estão se habilitando
na área da educação infantil7, num total de doze participantes, todas
do sexo feminino. As narrativas desenvolvidas na forma de relatos
autobiográficos associados a entrevistas evidenciaram um grande
desejo de comunicação da parte das colaboradoras, de se fazer ouvir
pelo outro (FERRAROTTI 1988).

7. Originalmente, a pesquisa citada se intitula “As identidades de educadoras


de crianças pequenas: um caminho do ‘eu’ ao ‘nós’”, desenvolvida como tese de
doutorado pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, de auto-
ria de Marineide de Oliveira Gomes e orientada pela Profa. Dra. Selma Garrido
Pimenta (FEUSP, Brasil) e pela Profa. Dra. Júlia de Oliveira-Formosinho (Uni-
versidade do Minho/Instituto de Estudos da Criança, Portugal).

130
Formar e formar-se: a voz e a vez dos professores

Com base em um roteiro previamente sugerido, que envolvia


as lembranças da infância até a entrada na escola formal, passan-
do pelas memórias sobre a escola e as marcas que esta deixou na
vida de cada uma, foi sendo delineado um percurso formativo
que serviu para apontar as razões da inclinação para a profissão,
que era finalizado com um breve comentário sobre o significado
que cada uma atribuía naquele momento à realização do relato
autobiográfico.
Utilizamos três critérios para efetuar os recortes necessários para
posterior análise desse material, quais sejam: a clareza de expressão;
a possibilidade de proceder a transferência/transposição das situa-
ções lembradas para o trabalho com a criança pequena; e a causali-
dade — permeados pelas significações que conduziam a narrativa.
Efetuamos dessa maneira uma seleção de forma e de conteúdo rela-
cionados aos propósitos da investigação. O relato autobiográfico foi
uma tarefa feita individualmente. De início por escrito, posterior-
mente socializado de forma oral em reunião envolvendo os subgru-
pos de educadoras de creche, de pré-escola e estagiárias. Longe de
buscar generalizações, buscamos nos guiar pela compreensão do
processo de construção de identidades profissionais sedimentado
em três ambientes distintos: uma creche assistencial, uma pré-escola
pública e uma instituição de nível superior.
A análise dessas narrativas evidenciou algumas categorias que
apresentamos a seguir.
Em primeiro lugar, constatamos que as identidades profissio-
nais, nesse caso, são plurais, pois foram sendo construídas com base
em histórias institucionais diferenciadas — de creche e de pré-escola
— e que só recentemente efetivam um diálogo por se constituírem
na primeira etapa da educação básica8. As creches estiveram histori-

8. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, denominada


“Constituição Cidadã”, inaugura o conceito de educação infantil, englobando
as creches e as pré-escolas. Tal decisão política foi reforçada pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente, Lei Federal 8069/90, e pela Lei de Diretrizes e Bases

131
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

camente ligadas à área da assistência social e da saúde, e a pré-escola


à área da educação.
Observamos nas narrativas das colaboradoras que as relações
de gênero se apresentam como a base de constituição da identidade
profissional da educadora de crianças pequenas, tratando-se de um
lugar socialmente construído no âmbito das relações de poder entre
homem e mulher. Um misto de inevitabilidade e inclinação natural
para a profissão se apresenta, justificado por razões de compatibili-
dade com o lar e a educação dos filhos, como podemos observar na
narrativa abaixo:
Desde pequena eu falava que ia ser professora. Eu sempre anda-
va com uma lousinha e giz embaixo do braço. Então não tinha
jeito mesmo: eu ia ser professora (Giovanna – professora).

As relações entre docência e gênero têm sido tratadas de ma-


neira a revelar que a profissão se confunde com a história das mu-
lheres. O magistério era assim compreendido como uma atividade
de entrega, de amor, de doação, para a qual acorreria quem tivesse
vocação (LOURO 1997). As transformações que a infância sofreu
ao longo do tempo, maneiras diferentes de interação familiar, para
meninos e meninas, demonstram as possibilidades que as colabora-
doras tinham de viver a infância.
Com relação às marcas da escola na vida de cada uma, compreen-
demos que para a maioria das colaboradoras foi construída uma ima-
gem negativa de escola, associada ao fracasso individual, revelando
uma distância entre as reais necessidades da infância e as ações pro-
movidas pela escola, como demonstrado na narrativa abaixo:
A professora chamava-se Dona Letícia, era autoritária, arrogan-
te, tinha tom de voz agudo. Eu só sentia medo. Quando cha-
mava para ir à lousa, se o aluno não ia, ela ia buscar na base
da reguada, do puxão de orelha e dos beliscões. Certo dia ela

da Educação Nacional, LDB (EN), 9394/96, caracterizando-a como a primeira


etapa da educação básica.

132
Formar e formar-se: a voz e a vez dos professores

me chamou à lousa para fazer lição de matemática e uma das


continhas estava errada. Nesse dia ganhei tantos beliscões que
a partir daí comecei a inventar dores para não ir à escola. Hoje
eu tenho várias dificuldades, uma delas é justamente em mate-
mática. Quando tenho que fazer um cálculo e usar o raciocínio
lógico, fico muito nervosa (Tina — educadora).

Justificadas como razões da “escolha” profissional, as colabora-


doras assinalam, além das relações de gênero, a influência de amigos
e/ou familiares e a possibilidade de ser professora, reconhecendo-a
como um curso que lhes traria maior significação social. Idas e vin-
das por vários caminhos até a definição profissional se apresentaram
como percursos possíveis até a inserção na área. A narrativa abaixo
permite essa compreensão:
A minha escolha profissional ocorreu inicialmente por interfe-
rência e sugestão da minha família, já que todos eram educa-
dores. Deu-se também pela possibilidade de trabalho em curto
prazo, já que havia a condição de trabalhar logo ao término do
curso de Magistério. O tipo de trabalho e o gosto pelo trabalho
com crianças menores foram as principais razões que me fize-
ram optar pela educação infantil (Paula – professora).

Destaca-se a riqueza que essas reflexões possibilitam, re-


levando a função da memória, como parte central da formação
humana, juntando o objetivo com o subjetivo. Uma visão retros-
pectiva e prospectiva serve para contribuir para a tomada de po-
sições. Nessa direção, após a socialização oral dos relatos, uma
estagiária aponta:
O relato de cada uma me fez pensar sobre o que faria ou não
faria com as crianças. Saber ouvir, saber esperar para falar é um
exercício terapêutico para o nosso dia-a-dia diante da ansiedade
do mundo em que vivemos (Maria da Conceição — estagiária).

Valer-se do passado para desenvolver a percepção do presente


trouxe a possibilidade da apropriação do percurso formativo de cada
uma, com as suas singularidades e subjetividades. A potencialidade

133
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

da narrativa promoveu um diálogo consigo mesmas, na forma de um


balanço pessoal construído em um movimento simultâneo de imer-
são nas memórias, de distanciamento pessoal e de apropriação de
um itinerário que passa a ser ressignificado.
As narrativas abaixo demonstram isso.
Tive a impressão de estar escrevendo um livro, com histórias vi-
vidas por mim que ficaram guardadas num cantinho, um certo
baú que quando você abre saem de lá sentimentos e lembran-
ças. A experiência de escrever foi maravilhosa, uma mistura
de sentimentos que provocam ora tristeza, ora alegria (Tina
— educadora).
Fazer o relato autobiográfico me deixou muito em conflito.
Pensar nas professoras que tive e como sou como professora.
Acho que algumas características delas eu tenho: falo alto e
conquisto as crianças e as famílias. Hoje parei para pensar que
a minha prática é uma e eu já penso de outra forma, mas não é
fácil mudar (Giovanna — professora).
Não deixei ninguém ler. Tem coisas que não precisamos dividir
com ninguém e que só servem para a gente mesma. Fazer o rela-
to me fez um bem enorme (Mônica — professora).

A potencialidade das autobiografias na formação de professores


possibilita novos conhecimentos sobre si mesmos, sobre a profissão
e sobre a forma de organização institucional, uma tríade indissociá-
vel. Um trabalho solitário que avança para o solidário, quando so-
cializado em grupo, envolvendo a dimensão relacional e, portanto, a
construção de identidades.

A experiência do memorial no processo de profissionalização


continuada de professores

A experiência de escrita do memorial que relataremos foi viven-


ciada pelos professores universitários participantes de um processo
de profissionalização contínua em 2000/2001, procurando retomar
os reflexos das análises das lembranças nos processos formativos e

134
Formar e formar-se: a voz e a vez dos professores

profissionais, associando-os a um maior entendimento do contexto


educacional em que se atua.
No Projeto de Profissionalização Contínua dos Docentes da
Educação Superior do Centro Universitário de Jaraguá do Sul9, cen-
trado institucionalmente num processo de ação pedagógica, viven-
ciamos diferentes momentos, dos quais destacamos:
•฀ discussão sobre os modelos de influência (jesuítico, napoleô-
nico e alemão) na universidade brasileira e sua relação com a
forma de trabalho docente e com a organização curricular;
•฀ análise da visão moderna e pós-moderna de ciência, a deriva-
da visão de conhecimento e saber escolar de nossos currícu-
los e a forma fragmentada e disciplinar adotada e presente na
realidade universitária.
Após esses momentos, iniciamos a escrita do memorial das lem-
branças educacionais, acompanhada de discussão de alguns elemen-
tos ali pontuados, identificando características das últimas décadas
da história da educação brasileira, vivenciadas como estudantes dos
diferentes níveis de ensino.
A escrita desse memorial, referente ao contexto educacional vi-
vido, operacionalizou-se em documento que também possibilitou
várias sínteses. Adotou-se o princípio do professor sujeito de sua
própria história, o que inclui consciência, competência e reflexão/
revisão do desempenho como docente. Tal processo reflexivo, inicia-
do com a construção coletiva do diagnóstico das dificuldades insti-
tucionais, buscou um aprofundamento contínuo na análise de dados
registrados, o que se verificou nas avaliações dos participantes.
Reconhecemos que tais iniciativas possibilitam aos participantes
momentos de autoconhecimento e revisão de elementos destacados
como importantes na trajetória profissional, com a predominância

9. O Centro Universitário de Jaraguá do Sul situa-se na região sul do país e,


segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/EN, 9394/96),
deve assegurar atividades de ensino, pesquisa e extensão.

135
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

da escrita de “história de vida”; no entanto, optamos pela constru-


ção do “memorial” das experiências educacionais vividas.
Sabemos que em nenhuma profissão existe a neutralidade pro-
fissional. No caso da docência, por tratar-se de uma profissão efeti-
vada entre seres humanos que precisam se posicionar como “sujeitos
em relação”, tal neutralidade não se aplica. A competência técnica e
o compromisso político, fundamentos de uma relação dessa nature-
za, há muito vêm sendo destacado por estudiosos da área. É preciso
saber quem somos para saber quem seremos (FREIRE 1975).
Como rever o que somos como pessoa e profissional? No caso
dos docentes universitários brasileiros, como se constroem as repre-
sentações acerca do ser professor se a grande maioria “dormiu” pro-
fissional de uma área específica e “acordou” professor universitário?
(ver ANASTASIOU, PIMENTA 2002). Em que momento nos detemos
para refletir sobre ser profissional docente?
Questões como essas nortearam a opção por deliberadamente
incluir, no processo de profissionalização contínua, a vivência de es-
crita e revisão de memórias, visando retomar elementos determinan-
tes na construção das representações da profissão docente.
Segundo Severino (1996, p. 175), o memorial constitui
Uma autobiografia, configurando-se como uma narrativa simul-
taneamente histórica e reflexiva. Deve então ser composto sob
a forma de um relato histórico, analítico e crítico, que dê conta
dos fatos e acontecimentos que constituíram a trajetória acadê-
mico-profissional de seu autor … e deve dar conta também de
uma avaliação de cada etapa, expressando o que cada momento
significou, as contribuições ou perdas que representou … a his-
tória particular de cada um de nós se entretece numa história
mais envolvente da nossa coletividade. É assim importante res-
saltar as fontes e as marcas das influências sofridas, das trocas
realizadas com outras pessoas ou com as situações culturais …
deve expressar a evolução, qualquer que tenha sido ela, que ca-
racteriza a história particular do autor.

Adotando a conceituação acima, propusemos a escrita do me-


morial seguindo tópicos de abordagem que partiram das iniciais

136
Formar e formar-se: a voz e a vez dos professores

experiências escolares até as lembranças como estudantes univer-


sitários, complementando-o com aspectos relativos à atuação como
docentes universitários, chegando às relações com as disciplinas le-
cionadas, com o currículo, com o colegiado do curso, com os alunos
e com a sociedade em que nos inserimos.
Foi proposto um roteiro para operacionalização do documen-
to escrito10. Naturalmente, tratava-se de tópicos de referência, pois
seus itens poderiam ser excluídos ou adotados, conforme as esco-
lhas do autor. Ficou estabelecido que essas lembranças, por terem
cunho pessoal, biográfico, só seriam compartilhadas se seus autores
desejassem sua socialização, sendo portanto tais conteúdos de uso
pessoal e exclusivo de cada autor.
A construção do processo identitário profissional contínuo re-
sulta de uma mescla dinâmica: como cada um se vê, se sente e se
diz professor. Neste processo, Nóvoa (1992, p. 15-16) destaca três
elementos: a adesão, a ação e a autoconsciência11. No caso da expe-
riência relatada, a adesão ocorreu durante a escrita do memorial e
nos trabalhos de grupo, que possibilitaram a descrição vivida das
diferentes tendências educacionais presentes na realidade brasilei-
ra e a análise dos currículos e disciplinas. Elementos presentes nas
tendências tradicional, tecnicista, escolanovista apareceram com di-
ferentes ênfases, comparando grupos que iniciaram a escolarização
nas décadas de 1950, 1960, 1970 ou 1980.
Quanto à ação, os professores identificaram situações vividas
como estudantes em diferentes décadas da história, e que hoje se re-
petem nas salas de aula onde atuam. A possibilidade de se verem em
ação, identificando a origem e os determinantes dessa formas de agir,

10. O roteiro encontra-se publicado no texto “Profissionalização continuada


do docente universitário” (in: ANASTASIOU 2003).
11. Os três “As” para Nóvoa se referem a: Adesão a um conjunto de princí-
pios, crenças e convicções; Ação — após a tomada de decisões acerca de várias
opções, como proceder com vistas ao desenvolvimento de uma ação pedagógica;
Autoconsciência — a tomada de consciência acerca do pensar e do fazer, de
maneira crítica.

137
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

foram temas postos em discussão, possibilitando a autoconsciência,


a relação do eu profissional e do pessoal, num reaparecimento dos
sujeitos diante das estruturas e dos sistemas, numa reconstrução de
identidades e de maneiras de ser/estar na profissão.
Tal procedimento possibilita ao professor abrir-se à investiga-
ção de si mesmo, liberar-se para poder falar e, principalmente, para
ouvir. Ouvir a si próprio e aos outros.
Não se trata de algo simples ou até mesmo fácil de fazer: não es-
tamos acostumados a nos re-ver, a falar conosco mesmos e sobre nós
mesmos. Além da busca por este equilíbrio que está implícito no re-
ver, a ação de conhecer-se implica ousadia e coragem. Ousadia para
lançar-se a desafios, a mundos estranhos, ainda não explorados, des-
conhecidos. Coragem e ousadia são características imanentes a uma
atitude interdisciplinar, que busca resgatar a unidade do ser. Unidade
que foi fragmentada na história vivida pelo fechamento da abertura
natural inerente ao ser humano, pela negação do desejo de mostrar-se
e de investigar-se, inserida pela objetividade que predominou e pre-
domina principalmente no campo educacional (RANGHETTI 1999).
As ocorrências escolares, especialmente as que fogem à norma-
lidade, uma vez revisitadas, constituem oportunidades de aprendi-
zagem e fontes enriquecedoras para um melhor conhecimento da
natureza do processo de ensino/aprendizagem e da associação entre
as histórias pessoais e a história da educação brasileira. Tal ativida-
de realizou-se a partir de uma síntese das vivências em relação às
tendências pedagógicas descritas na história da educação brasileira,
tendo como base as proximidades temporais dos registros.
Os grupos se organizaram respeitando as décadas em que cursa-
ram a primeira etapa da escola básica, o antigo curso primário (pri-
meiro grupo: entre 1955 e 1964; segundo grupo: entre 1965 e 1980;
terceiro grupo: entre 1981 e 1990). Foi possível descrever, a partir
dos dados do memorial socializados, as características da organiza-
ção física das instituições de ensino e das salas de aula, a caracteriza-
ção dos docentes e dos alunos, os comportamentos deles esperados.
Identificamos dessa maneira as formas dominantes de metodologia

138
Formar e formar-se: a voz e a vez dos professores

e avaliação, assim como as técnicas de ensino utilizadas, os valores


presentes e a teoria pedagógica dominante, as formas de controle
disciplinar, a organização curricular, as relações entre as discipli-
nas, obtendo elementos que possibilitaram replanejar as disciplinas
hoje desenvolvidas pelos docentes, tornaram possível problematizar
acerca de determinantes que influenciaram decisões, ações e esco-
lhas, assim como as marcas desses períodos que influenciam ainda
nos dias de hoje a prática docente.
Houve espaço para algo essencial: o professor observar seu tra-
balho a partir do contexto de sua vida profissional, partindo da sua
voz, considerando os elementos destacados num rico fluxo de diá-
logos e dados. Essa experiência possibilita aos próprios professores
maior autoridade e controle da investigação sobre a ação profissio-
nal, sobre as escolhas feitas até então, delineando as escolhas pre-
sentes e futuras.
Observamos que no trabalho com o memorial se enfatiza o pro-
cesso pessoal e singular da construção da pessoa.
A unidade do ser é atravessada e questionada por dois tipos de
pluralidade: uma pluralidade sincrônica de trocas incessantes
e de múltiplos componentes internos e externos, e uma plurali-
dade diacrônica de diferentes momentos, de diferentes fases de
transformação do ser (PINAU, apud MOITA 1992, p. 114).

Compreender como cada um se formou é encontrar as relações


entre as pluralidades que atravessam a vida, numa ação dinâmica
em que se vai construindo a identidade pessoal e na qual cada pes-
soa, permanecendo ela própria e reconhecendo-se ao longo de sua
história, se forma e se transforma em interação. Ninguém se forma
no vazio: trocas, experiências, interações sociais, aprendizagem, um
sem-fim de relações, um desenrolar complexo, um conjunto em mo-
vimento, uma globalidade própria, num processo global de forma-
ção (MOITA 1992, p. 115).
Buscamos preservar no processo com o memorial três elementos
indissociáveis: pessoa, profissão e instituição. A identidade pessoal

139
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

como sendo a percepção subjetiva que um sujeito tem de sua indi-


vidualidade, incluindo noções como consciência e definição de si. A
identidade profissional com uma dimensão espaciotemporal, cons-
truída desde a fase da opção pela profissão até os momentos subse-
qüentes de permanência nela. É uma construção que tem a marca
das experiências realizadas e ressignificadas, das opções tomadas,
das práticas desenvolvidas, das continuidades e descontinuidades,
quer no nível das representações, quer no nível do trabalho concre-
to, portanto relacionado com a identidade da organização institu-
cional… inter-relacionando o papel da profissão na vida e da vida na
profissão (MOITA 1992).
A vivência da construção e análise do memorial proporciona um
encontro de cada um consigo e com seus pares. Pode objetivar tam-
bém elementos de revisão para os estudos sobre o curso, o currículo,
a disciplina ou disciplinas em que atuamos, sobre os modos de fazer
acontecer o ensino e a aprendizagem…
Neste sentido, Freire (1975, p. 104) já nos alertava:

Detenhamo-nos neste ponto. Mesmo que possa parecer um lu-


gar-comum, nunca será demasiado falar em torno dos homens
como os únicos seres, entre os “inconclusos”, capazes de ter
não apenas sua própria atividade, mas a si mesmos como objeto
de sua consciência, o que os distingue do animal, incapaz de
separar-se de sua atividade.

Das experiências apresentadas, temos em comum que a pes-


quisa-ação e a ação pedagógica caminharam simultaneamente, im-
bricando-se e alicerçando novas ações, tanto de pesquisa como de
formação, por vezes sobrepondo-se, na forma de oferecer suporte e
apoio tanto à pesquisa como à ação pedagógica.
Consideramos que nos formamos educadores e pesquisado-
res sobretudo na prática, e as experiências de pesquisa-ação e de
ação pedagógica acima apresentadas alinhavaram perspectivas teó-
ricas, servindo para reforçar referências e condutas e ampliar ou-
tras, evidenciando nosso papel como formadores/pesquisadores na

140
Formar e formar-se: a voz e a vez dos professores

condição de atores sociais, portadores de crenças, utopias e sonhos.


Salientamos nessa significativa experiência de revelar nossas práticas
de pesquisa e de formação o fato de pertencermos a instituições de
ensino superior diferentes, geograficamente distantes, porém muito
próximas em termos de adesão a princípios, valores que norteiam
ações dessa natureza, revelando pontos de união, como o estímulo
à troca constante e a abertura para o debate, a produção de conhe-
cimentos em colaboração, de partilha de saberes e de concretização
da nossa humana docência (ARROYO 2000).
Além disso, o fato de desenvolvermos ações com autobiografias
em diferentes espaços em pesquisa e em formação nos aproximou
ainda mais, e a escrita do presente texto contribuiu para sistematizar
essas experiências, trazendo-a publicamente e, ao mesmo tempo, à
problematização. Vamos nos construindo educadores e pesquisado-
res junto aos nossos pares e especialmente junto àqueles que conos-
co partilham tais experiências em um movimento dialético de ir e
vir, de dar concretude àquilo que se considera teoricamente comple-
xo, permitindo nos expor, buscando dessa forma razões para conti-
nuar a caminhar, como nas palavras de Assmann:

Amigos africanos me asseguraram que, em muitos idiomas na-


tivos da África, há um montão de termos para “caminho e ca-
minhar”, com incríveis nuances. Caminhar com uma criança,
se fala de um modo. Caminhar com os pais, já se fala de outra
maneira. Caminhar com amigos, se diz de um jeito, com uma
pessoa amada, ainda de outro. Mas segundo me disseram esses
amigos da África, apesar de tantas palavras para “caminhar”,
nas línguas deles não existe nenhuma palavra para “caminhar
sozinho” (ASSMANN 1995, p. 92).

Entendemos que ao longo desse caminho novos conhecimen-


tos foram produzidos e/ou serviram para questionar conhecimentos
existentes, de maneira que o envolvimento e a produção coletivos, as
relações construídas, a valorização dos sujeitos, dos saberes da expe-
riência, as ressignificações, a reflexão e a possibilidade de alteração

141
Pesquisa em educação. Possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação – vol. 2

sobre as práticas profissionais podem representar maneiras de for-


mar, uma formação que se desenvolve ao longo da vida, e de, simul-
taneamente, formar-se.

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Este livro foi composto nas famílias tipográficas
Baker Signet, Frutiger e Life
e impresso em papel Offset 75g/m2

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