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Daniele Motta

A CONTRIBUIÇÃO DE HELEIETH SAFFIOTI PARA A ANÁLISE

DOSSIÊ
DO BRASIL: gênero importa para a formação social?

Daniele Motta*

Este artigo tem o objetivo de questionar se as ideias desenvolvidas por Heleieth Saffioti podem ser lidas
como uma contribuição para a análise da Formação Social do Brasil. Dessa forma, apresenta a leitura da
autora sobre as relações patriarcais existentes no país explicitando que a formação da sociedade brasileira
se deu impregnada por este tipo de dominação e trazendo para esta análise a perspectiva das mulheres.
Estabelecemos um diálogo com Florestan Fernandes, a partir da ideia das reminiscências de relações so-
ciais do “passado no presente”. Por fim, avançando no que entendemos como o salto teórico-metodológico
da autora, fazemos uma exposição sobre sua contribuição da leitura do problema de gênero na sociedade
brasileira, com suas formulações sobre o nó (gênero, raça/etnia e classe) fundamental para a compreensão
das relações na sociedade capitalista contemporânea.
Palavras-chave: Heleieth Saffioti. Patriarcado. Formação social. Nó. Capitalismo.

INTRODUÇÃO explicita a importância de um debate sobre as


mulheres no capitalismo brasileiro, com uma
A tradição do pensamento social bra- interpretação inovadora e original. Mas o que
sileiro é marcada por ser majoritariamente deve fazer um autor/autora entrar para esse rol?
masculina, quantas mulheres são lembradas? Heleieth Saffioti faz um diálogo entre a
Quais obras clássicas discutem a presença e acepção feminista do patriarcado, a partir da
o papel das mulheres na sociedade brasileira? leitura sobre a dominação das mulheres pelos
Nos últimos anos assistimos a uma ampliação homens, e as interpretações do pensamento
do interesse pelo pensamento das mulheres e social brasileiro. A autora apresenta mudanças
o surgimento de uma epistemologia feminista, nas suas leituras sobre a dominação patriar-
que trouxe à tona uma infinidade de autoras cal, revelando seu pensamento em movimento
que refletem sobre a sociedade brasileira, evi- constante com os diálogos teóricos que travava
denciando as desigualdades de gênero a partir e o contexto social e político que enfrentava.
da perspectiva e das experiências das mulhe- A autora vem de uma família humilde do in- Caderno CRH, Salvador, v. 33, p. 1-14, e020027, 2020

res. Dessa forma, ficou explícita a necessidade terior de São Paulo, e teve que ir morar longe
da teoria social refletir sobre as diferentes rela- de seus pais para estudar na capital, onde se
ções sociais (como as de gênero, classe e raça) formou como Socióloga pela Universidade de
e suas imbricações. Trazendo esse debate para São Paulo (USP) em 1960. Mesmo em plena di-
o tema da formação brasileira, defendemos tadura militar, a autora manteve sua convicção
que Heleieth Saffioti deveria compor o rol de marxista e estimulou a difusão das categorias
pensadores sociais brasileiros, pois, a sua obra de Marx através das análises que fazia, com
destaque para o livro “A Mulher na Sociedade
* Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de de Classes”, publicada no ápice da repressão
São Paulo (IFSP) ditatorial no país. Resistiu ao regime ditatorial,
Avenida Doutor Ênio Pires de Camargo, 2971. São João
Batista. Cep: 13360-000. Capivari – São Paulo – Brasil. da- publicando suas pesquisas sem abrir mão de
niele.motta@ifsp.edu.br
https://orcid.org/0000-0002-7296-3688 suas convicções.

http://dx.doi.org/10.9771/ccrh.v33i0.37969 1
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A autora dedicou uma vida à pesquisa, fletindo sobre suas possibilidades e limites.
debruçando-se sobre o tema das desigualdades Partindo da ideia de que Heleieth Saf-
de gênero, e para isso analisou as profissões fioti oferece uma contribuição ao pensamen-
mais feminizadas no país, como as empregadas to social brasileiro e deveria estar presente
domésticas, professoras primárias e trabalhado- em bibliografias das disciplinas sobre o tema,
ras da indústria têxtil. Sua vinculação ao mar- bem como ser considerada nas reflexões sobre
xismo fez com que se voltasse durante boa parte as possibilidades democráticas no Brasil, este
de sua vida ao estudo das relações de trabalho, texto a situa como herdeira da Escola Paulista
buscando compreender a exploração capitalis- de Sociologia. Para tal, buscamos apresentar
ta na vida das mulheres, e especificamente na de forma breve a acepção da autora sobre a he-
vida das mulheres moradoras de países perifé- rança patriarcal e estabelecer um diálogo com
ricos. Inicia a sua pesquisa acadêmica já inau- Florestan Fernandes a partir da ideia da rela-
gurando uma tradição: olhar para as mulheres ção do tradicional com o moderno e da relação
como sujeitas da história. Só essa constatação já entre a diversidade e a desigualdade. Uma ca-
seria suficiente para situar uma nova leitura so- racterística dos estudos realizados pela autora
bre a formação social do Brasil, entretanto, He- é o comprometimento com a análise empírica,
leieth ainda dialoga diretamente com os autores o que fez em vários trabalhos que envolveram
clássicos1 da formação brasileira e utiliza no- um mergulho no campo de pesquisa, uma vez
ções consagradas para a análise da situação das que buscava desvendar os lugares ocupados
mulheres. Em seu primeiro livro, “A Mulher na pelas mulheres na sociedade brasileira. Em
Sociedade de Classes: Mito e Realidade” (1969) seguida, será discutido o que consideramos o
a autora dedica a parte II à análise da “Evolução salto teórico-metodológico da autora a partir
da condição da mulher no Brasil”.2 da ideia do imbricamento das relações de gê-
Entretanto, o diálogo da autora não se nero, raça/etnia e classe como resultado de seu
dá apenas com o pensamento social brasilei- diálogo intenso com a teoria feminista.
ro. Heleieth trava um debate intenso com os Por fim, a intenção é refletir em que me-
clássicos da sociologia, principalmente Marx dida as formulações da autora, tratada como
– a quem se vincula teoricamente – e além de uma clássica da sociologia brasileira, podem
grandes nomes do marxismo dialoga com a iluminar nossas reflexões para a compreensão
antropologia, a ciência política, a psicanálise da sociedade brasileira até os dias atuais.
e a teoria feminista. Sua leitura sobre o Brasil,
ancorada na experiência das mulheres, está
em constante movimento, sofrendo alterações HELEIETH SAFFIOTI: uma pensa-
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conforme avança nas suas pesquisas. A auto- dora social do Brasil?


ra põe em evidência o fato de que transitamos
para o moderno, o modo capitalista de produ- Sob a perspectiva da formação da so-
ção, sem romper com o tradicional, representa- ciedade capitalista, a colocação do problema
do pelas relações patriarcais. Dessa forma a au- das mulheres demonstra sua importância para
tora nos leva a crer que a análise das relações a análise da sociedade como um todo. Ainda
entre homens e mulheres é parte fundamental que Heleieth Saffioti perceba as especificida-
para a compreensão do autoritarismo no país. des da questão de gênero, não a trata de forma
Daí a relevância do tratamento da questão de autônoma; esta é uma questão metodológica
gênero para a compreensão da democracia, re- crucial para o entendimento da sua sociologia,
inclusive, apontada por Antonio Candido no
1
Caio Prado Jr ([1942] 2000), Gilberto Freyre([1933]2004),
Florestan Fernandes. prefácio do seu primeiro livro:
2
Cf. Saffioti ([1969a] 2013).

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O grande mérito da autora foi não separar o proble- Heleieth é herdeira de uma agenda de
ma da mulher dos problemas gerais da sociedade, pesquisa que visou compreender a relação en-
mostrando como formigaram racionalizações ideo-
tre a diversidade do povo brasileiro olhando,
lógicas aliadas à estrutura e às formas de dominação
(CANDIDO, [1969] 2013 p. 28).
sobretudo, as sujeitas que estão à margem do
processo social, em relação aos aspectos da de-
A autora coloca a questão de gênero di- sigualdade. Se Florestan Fernandes escreveu a
retamente associada com a formação da socie- partir da análise da população negra, Heleieth
dade capitalista e das classes sociais no Brasil, Saffioti desvelava tal relação a partir do estudo
tratando-a como um elemento essencial para sobre as mulheres, o que torna possível perce-
pensarmos a formação social. Por isso, para ber algumas aproximações nas leituras de am-
tratar dos problemas que acometem as mulhe- bos sobre a interpretação do capitalismo brasi-
res é preciso pensá-los junto com o processo leiro. Não queremos com isso afirmar que Saf-
de modernização do país. Destacaremos da fioti está totalmente vinculada ao pensamento
análise de Heleieth algumas questões que sua do autor em questão, ou da escola paulista de
pesquisa sobre o emprego doméstico suscitou. sociologia, pois, também é possível destacar
Não iremos analisar a categoria de trabalha- distanciamentos teóricos e metodológicos.
doras empregadas domésticas, mas apontar as Tanto Heleieth quanto Florestan em
formulações que a autora, a partir desse estu- seus estudos sobre a diversidade social estão
do, faz sobre a relação entre formação social e refletindo a partir da possibilidade de integra-
modo de produção, questionando as relações ção ao mercado de trabalho, e chegam a res-
de mercado tipicamente capitalistas e as desi- postas parecidas. Florestan ao final de “Inte-
gualdades de competição no Brasil. gração do negro na sociedade de classes” (Cf.
Suas análises sobre as possibilidades e Fernandes, [1964] 2008) chega à conclusão de
dificuldades de inserção das mulheres nas ins- que a população negra não foi totalmente inte-
tituições sociais modernas, principalmente no grada, sendo alijada do processo de moderni-
mercado de trabalho, levam em conta o proces- zação. Heleieth, por outros caminhos, também
so de desenvolvimento do capitalismo, mos- percebe a marginalização das mulheres no
trando que a problemática de gênero é parte desenvolvimento do capitalismo. A diferença
essencial da questão democrática e da forma- crucial entre essas leituras é que Florestan,
ção do capitalismo no Brasil. Entendemos He- quando escreveu “Integração do negro na so-
leieth Saffioti como tributária do pensamento ciedade de classes” parecia acreditar na possi-
Uspiano, mais especificamente da leitura em bilidade de inclusão no capitalismo, caso fos-
torno da cadeira de sociologia I, liderada por sem adotadas medidas específicas. Já Heleieth
Florestan Fernandes, orientador de sua tese de nunca pareceu acreditar na possibilidade de Caderno CRH, Salvador, v. 33, p. 1-14, e020027, 2020
livre docência. O fato de ter estudado na USP as mulheres não ficarem alijadas do mercado
e sido orientada por Florestan transparece nas de trabalho, e defendeu esse posicionamento
suas formulações. Isso fica evidente em “A Mu- em “ A Mulher na sociedade de classes” até
lher na Sociedade de Classes: Mito e realida- o final de sua vida.3 Nesse sentido, a questão
de”, quando parafraseia o autor: teórico-metodológica se impõe, pois Saffioti
Se, todavia, o desejo de compreender a problemática sempre se vinculou ao marxismo como forma
feminina nas sociedades de classes e de vislumbrar de explicação social, o que a fez desde o início
as vias de sua superação interferir negativamente
nas interpretações aqui realizadas, poder-se-ia di- 3
Em entrevista a Gonçalves e Branco (2008, p.81) Heleieth
zer, parafraseando Florestan Fernandes, que tantos reafirma sua tese de 1969: “Esse livro, claro que hoje faria
alguns reparos, mas a tese central continua valendo. Muita
já erraram por motivos diferentes, deformando e de- gente diz: “Ah, mas você diz no livro que à medida que o
tratando a mulher, que não haveria mal maior em tal capitalismo se desenvolve, o mercado se restringe para as
mulheres, mas não é isso que acontece. (…) Vai ver onde
compensação (Saffioti, [1969A] 2013, p. 49). estão as mulheres!

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de sua pesquisa se aliar a uma leitura na qual a aponta esta como uma instituição chave fun-
igualdade entre homens e mulheres não cabe- damental para a manutenção dos mitos sobre
ria no capitalismo. as mulheres, que as mantinha (e ainda man-
Queremos destacar dois diálogos impor- têm) em posição de inferioridade.6
tantes que a autora faz com a escola paulista de Neuma Aguiar (2000) apresenta uma lei-
sociologia: a leitura sobre as relações patriar- tura sobre o patriarcado a partir da escola de
cais e a permanência do passado no presente Florestan Fernandes e inclui, de forma acerta-
(ou a relação entre o arcaico e o moderno). da, a contribuição de Heleieth Saffioti. Aguiar
afirma que tal leitura aponta para um caráter
dúbio do processo de desenvolvimento no Bra-
AS RELAÇÕES PATRIARCAIS sil, articulando capitalismo e patriarcado, esta-
mento e classe. Mostra que, em alguma medi-
A análise da família patriarcal marcou a da, o comportamento do patriarca se manteve
leitura sobre a colonização do Brasil, partindo nas classes dominantes do país, mesmo com
da ideia de dominação segundo o referencial o fim do sistema escravocrata. Esse eixo in-
weberiano, no qual existem três tipos de domi- terpretativo é fundamental para pensarmos a
nação: carismática, tradicional, legal-racional.4 sociedade brasileira em perspectiva, refletindo
A dominação patriarcal é um tipo de domina- sobre as continuidades e rupturas dos proces-
ção tradicional, sistema de normas baseado sos sociais. Segundo Aguiar (2000) um dos ei-
na tradição, na autoridade de um senhor, do xos que Saffioti utiliza ao desenvolver o tema
chefe de família. Ancorados nessa ideia de do patriarcalismo é a situação das mulheres se-
dominação diversos autores escreveram sobre gundo sua racialização, diferenciando o efeito
a família patriarcal como o sustentáculo do da família patriarcal para as mulheres brancas
Brasil colonial, centrado no senhor de terras e negras. Segundo Nascimento,
como o patriarca que centralizava o poder e a
(...) O Brasil herdou de Portugal a estrutura patriar-
autoridade. Esta seria inclusive uma herança cal de família e o preço dessa herança foi pago pela
ibérica. E com o olhar sobre esse tema, Heleie- mulher negra, não só durante a escravidão. Ainda
th Saffioti vai formular em sua primeira obra nos dias de hoje, a mulher negra, por causa da sua
a indagação sobre quais seriam os impactos condição de pobreza, ausência de status social, e to-
dessa relação na vida das mulheres, apontan- tal desamparo, continua a vítima fácil, vulnerável
a qualquer agressão sexual do branco (Nascimento,
do inclusive para uma leitura racializada so-
1978, p. 61).
bre esse processo.5 No entanto, ela já apresenta
uma novidade, um caráter cultural a partir da
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A análise das relações patriarcais consti-


mística feminina, um diferencial que dá a base tui um embrião do que viria a ser o peso do pa-
para a sua posterior formulação feminista so- triarcado em sua obra (Modda,2019) demons-
bre o tema (Modda,2019). Portanto, a leitura trando o potencial que suas formulações viriam
de Saffioti sobre a família patriarcal presente a ter: como uma interpretação sobre as mulhe-
em “A Mulher na Sociedade de Classes” não res no capitalismo brasileiro. A autora perce-
é só uma leitura sobre a família colonial, pois be uma continuidade das relações patriarcais
mesmo com o fim da sociedade escravocrata
4
Weber (2009) se preocupa em pensar a dominação a par-
tir de sua legitimidade social, como fundamento do poder
numa determinada sociedade, levando a população a acei-
6
Foi somente na década de 1970 que as feministas, sobre-
tar a obediência a uma determinada ordenação social. tudo no interior do que ficou conhecido como feminismo
radical, passaram a utilizar o patriarcado para denunciar
5
Saffioti (2013) aponta a diferença entre as relações pa- a dominação dos homens sobre as mulheres. Isso também
triarcais para as mulheres negras e brancas na colônia, explica o fato de a autora não utilizar esse referencial, pois
mostrando que o poder patriarcal era exercido de forma seu livro foi publicado em 1969 mas foi escrito em 1966. A
diferente entre as mesmas. Já discutimos essa diferença ideia de patriarcado difundida pelo feminismo será trazida
em outro texto (Cf. Motta, 2018). posteriormente por Heleieth Saffioti.

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e senhorial e, sem se furtar ao debate sobre as da vida púbica e privada, estruturando toda a
transformações capitalistas, mostra como pa- sociedade (Saffioti, [2004] 2015).
triarcado e capitalismo foram se embrenhando
historicamente. Entretanto, o enfoque sobre a
vida das mulheres faz com que, ao invés de O PASSADO NO PRESENTE
se tornar uma das autoras clássicas do pensa-
mento social brasileiro, da sociologia brasilei- Outro ponto de convergência que busca-
ra, se torne clássica nos estudos de gênero, já mos estabelecer entre a autora e o pensamento
que como ela mesma disse, tratou de um tema do seu orientador, Florestan Fernandes, é so-
da área das perfumarias.7 Enquanto pioneira bre o processo de mudança social no Brasil,
na temática das mulheres, Heleieth teve que ou melhor, de resistência à mudança social.8 O
combater a ideia de que fazia uma “Sociologia que aproxima a leitura entre ambos é a influ-
menor”, já que a questão de gênero por muito ência que têm da tese de Lênin sobre a lei do
tempo foi considerada uma leitura específica, desenvolvimento desigual do capitalismo. Por
de identidade, por isso menos importante para caminhos diferentes, pois Heleieth Saffioti vai
tratar dos “grandes dilemas da sociedade”. dedicar sua agenda de pesquisa aos estudos so-
Florestan Fernandes, a partir de uma bre as mulheres, apontando a persistência de
pesquisa empírica sobre a população negra, relações sociais vinculadas às ordens sociais
mostrou como o racismo e o capitalismo se ar- do passado no processo de transformação ca-
ticulam. Desse modo, ambos os autores foram pitalista no Brasil, e mostrando a desigualdade
fundamentais para que pudéssemos avançar de ritmos no desenvolvimento. Isso faz com
na teoria social e refletir sobre a relação entre que ambos percebam o processo de margina-
a diversidade social e as desigualdades histori- lização de grandes contingentes da população
camente construídas. A análise dos aspectos da brasileira do mercado de trabalho institucio-
diversidade brasileira, especificamente gênero nalizado, como já dito anteriormente. Heleieth
e raça, possibilita aos autores ver as perma- percebe a mescla das estruturas, segundo ela,
nências de estruturas históricas da sociedade
A conservação de sistemas de valores originados em
escravocrata e senhorial no desenvolvimento estruturas sociais anteriores permitiria às sociedades
do capitalismo brasileiro e percebem que tais de classes utilizar de modo diverso a força de traba-
estruturas não atrapalhavam o desenvolvimen- lho feminina. (…) na condição das mulheres esta-
to do capitalismo, mas permitiam um potencial vam presentes contradições próprias de formações
maior de exploração e dominação. Apontar a in- sociais anteriores e contradições típicas do modo
capitalista de produção (Saffioti, 2013, p. 108).
tegração entre patriarcado, racismo e capitalis-
mo foi fundamental para a compreensão da es- Caderno CRH, Salvador, v. 33, p. 1-14, e020027, 2020
Essa concepção da autora se vincula a
pecificidade da formação brasileira, atentando uma leitura desta formação, a partir da ideia
para os atores sociais presentes na sociedade. do capitalismo dependente, próxima aos ter-
A reflexão que a obra de Saffioti nos traz mos de Florestan. Ainda que sob tal influên-
é: qual o lugar do patriarcado no capitalismo? cia, sua análise reflete muito do marxismo e do
Ela ousa responder tal questão ao longo de toda feminismo, o que a leva a outros caminhos. Por
a sua vida, concebendo as suas transformações isso, a teoria de Heleieth Saffioti enquanto uma
ao longo dos processos históricos, entenden- leitura sobre os processos de transformação da
do-os como potencializadores do processo de sociedade brasileira a partir do feminismo, é
exploração e dominação que penetra as esferas também uma crítica à teoria da modernização

7
A frase irônica “Descobertas da área das perfumarias” dá 8
Esse é um termo utilizado por Florestan Fernandes. Ain-
título a um capítulo do livro “Gênero, Patriarcado e violên- da que Saffioti não use acreditamos que sua teoria em al-
cia” (Cf. Saffioti, [2004] 2015). guma medida corrobora tal leitura.

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no Brasil, tendo em vista que traz a cegueira de me de classes para pressionar o desenvolvimento
gênero presente nas grandes interpretações.9 econômico capitalista. O horizonte cultural orienta
o comportamento econômico capitalista mais para
Se por um lado, Florestan traz um apor-
a realização do privilégio que para a conquista de
te sobre a discussão da relação de raça e classe um poder econômico, social e político autônomo,
no Brasil, Heleieth o faz com a relação entre o que explica a identificação com o capitalismo de-
gênero e classe.10 O ponto central da discussão pendente e a persistência de complexos econômicos
de ambos os autores é pensar a herança da so- semicoloniais (Fernandes, [1975] 2006, p. 199).
ciedade escravocrata e senhorial (racista e pa-
Já Heleieth percebe a impossibilidade
triarcal) na formação da sociedade de classes
de existirem condições iguais de competição a
no Brasil, considerando as diferentes relações
partir da questão das mulheres:
sociais e os contextos históricos que inter-
feriram no processo de formação das classes Já que a estrutura de classes é altamente limitativa
trabalhadoras. Florestan (2008) aponta para a das potencialidades humanas, é preciso renovar,
constantemente, as crenças nas limitações impostas
impossibilidade de competição em condições
pelos caracteres naturais de certos contingentes po-
de igualdade a partir da questão racial. Para
pulacionais (contingentes este que pode variar e efe-
ele, a transformação na organização do traba- tivamente varia segundo as condições sócio-culturais
lho (de escrava à assalariada) perpetuou com de cada concreção singular da sociedade de classes)
a “inferioridade dos negros”, ocasionando um como se a ordem social competitiva não se expandis-
processo de exclusão destes em relação à or- se suficientemente, isto é, como se a liberdade formal
não se tornasse concreta e palpável em virtude das
dem social. Essa herança colonial é um aspec-
desvantagens maiores com que cada um joga no pro-
to da continuidade de elementos “arcaicos”
cesso de luta pela existência (Saffioti, 1984, p. 60).
na sociedade brasileira e será uma das esferas
típicas do regime de classes no Brasil. Para Flo- A partir de suas pesquisas destacam-se
restan, a competição era neutralizada pelos as- as características de raça e gênero, e o modo
pectos tradicionais que ainda imperavam: como interferem na integração ao regime de
classes, colocando tais questões como dilemas
Operando como um fator de retenção ou de revita-
lização de privilégios estamentais, a competição se
da sociedade brasileira, e percebendo sua atu-
vinculou a processos que inibiram e perturbaram o ação como um limitador nos processos sociais.
desenvolvimento do regime de classes ou mantive- Saffioti resume da seguinte maneira:
ram indefinidamente padrões de comportamento
Os contingentes humanos sobre os quais pesam
e de relação social variavelmente pré e anticapi-
discriminações sociais são direta e pesadamente
talistas. (...) incorporada a contextos histórico-so-
afetados pela presença maior ou menor de formas
ciais ou socioculturais mais ou menos arcaicos, os
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não capitalistas. Os trabalhadores dos setores não


dinamismos sociais engendrados pela competição
capitalistas não usufruem das pequenas vantagens
concorrem para manter ou preservar o “passado
oferecidas pelo capitalismo. Nesse sentido, pode-se
no presente”, fortalecendo elementos arcaicos em
afirmar que estão à margem do capitalismo. Estão à
vez de destruí-los. Essa conexão, não obstante ter
margem também do modo de produção capitalista,
sido mal estudada, é deveras importante. A ela se
já que suas atividades, não organizadas nestes ter-
prende, aparentemente, a baixa vitalidade do regi-
mos, caem fora de tal esquema. Contudo, na medida
9
É interessante perceber que a mulher aparece nos livros em que tais trabalhadores desempenham tarefas ne-
de autores importantes da Sociologia. O próprio Florestan cessárias à reprodução ampliada do capital, não so-
Fernandes em “Integração do Negro na Sociedade de Clas-
ses” aponta para a importância que as mulheres negras mente estão integrados no sistema capitalista, como
cumpriram no seio da família negra. No entanto, essas lei- permitem a este alcançar uma taxa mais acelerada
turas ainda apresentam uma ideia mistificada das mulhe-
res, tendendo a naturalizar papéis e padrões sociais que de acumulação. Assim, na articulação entre as for-
são imputados para as mulheres. Saffioti coloca a leitura mas capitalistas e não capitalistas de produção, as
sobre as mulheres em outro patamar.
primeiras beneficiam-se não apenas da exploração
10
Isso num primeiro momento, depois elabora a teoria do de que são objeto os agentes do trabalho subordina-
nó, articulando junto a questão racial. Trataremos adiante
dessa formulação da autora. do diretamente ao capital, como também da explo-

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Daniele Motta

ração de que são alvo os agentes do trabalho não- de Heleieth é o olhar para as mulheres nesse
-remunerados ou remunerados com renda. Dentre processo, conectando as relações entre gênero
estes, embora haja homens, as mulheres constituem
e classe, com o pé fincado na realidade histó-
os contingentes quantitativamente mais significati-
vos (Saffioti, 1979, p. 26).
rica social do Brasil, fazendo com que não se
vincule a uma visão idealizada/fetichizada do
Com base na teoria marxista, a autora processo capitalista, mais especificamente das
faz uma distinção entre modo de produção e mulheres nesse processo, entendendo as per-
formação social. Isso porque cada formação manências e as mudanças na sociedade brasi-
social carrega consigo um modo de produção leira. No fundo o que a autora está analisando
dominante (no caso, a dominância capitalista) é como o capitalismo se apropria das relações
de maneira integrada com relações sociais que patriarcais que o antecedem e o faz pensando o
não são tipicamente capitalistas. Heleieth per- patriarcado de maneira geral, como uma forma
cebe isso a partir das suas pesquisas empíricas de dominação e exploração das mulheres no
sobre o trabalho das mulheres, e olhando para o mundo, mas também trazendo-a para a parti-
trabalho doméstico no Brasil compreende que cularidade histórica brasileira.
as relações de trabalho não tipicamente capita- As desigualdades presentes nas relações
listas ficam mais evidentes. Sua preocupação é raciais e patriarcais da ordem senhorial e es-
entender esse trabalho, feito por mulheres (de cravocrata foram reabsorvidas e redefinidas
forma remunerada e não remunerada) no inte- com o advento do trabalho livre e das novas
rior do desenvolvimento capitalista. Trava um condições histórico-sociais. Por isso o proces-
intenso debate sobre o caráter produtivo das so de formação do mercado de trabalho no Bra-
empregadas domésticas e as entende como um sil, assim como da classe trabalhadora, deve
exército industrial de reserva, estando à dispo- ser entendido paralelamente ao processo de
sição do capital em momentos de expansão e integração das mulheres e da população negra
de retração. Nas palavras da autora: no desenvolvimento capitalista, percebendo o
processo de exclusão da população feminina e
a empregada serve ao sistema capitalista, nele inte- negra do mercado de trabalho. Para tal análise
grando-se na medida em que cria as condições para
devemos levar em conta não só as relações de
sua plena reprodução. Não podendo usufruir dos be-
produção e de mercado, mas entender como
nefícios oferecidos por este, pode ser definida como
elemento superexplorado das formações sociais do- os critérios de avaliação social foram (e ainda
minadas pelo capitalismo (Saffioti, 1979, p. 42-43). são) largamente apoiados na ideia da “inferio-
ridade” racial e/ou de gênero.
Percebendo a funcionalidade que o A análise de Heleieth, bem como os da-
emprego doméstico exerce em formações ca- dos coletados sobre as trabalhadoras, ainda Caderno CRH, Salvador, v. 33, p. 1-14, e020027, 2020
pitalistas periféricas, aponta para a superex- que possam iluminar as reflexões de hoje, são
ploração dos trabalhos feitos pelas mulheres. datados. Se as relações de classe, raça e gênero
É interessante perceber que esse debate (da são dinâmicas e históricas, elas sofrem trans-
mescla do tradicional com o moderno) é um formações o tempo todo. Entretanto, compre-
tema que foi bastante debatido no Brasil até a ender seu processo de formação é importante
década de 196011. A especificidade da leitura para o entendimento dos pontos de partidas e
suas possíveis transformações. Ainda que na
11
A tese da dualidade brasileira pautou o debate duran-
te as décadas de 1950 e 1960, entendiam que a economia Sociologia não se utilize mais o termo relações
brasileira dividida em dois setores essenciais: um “atra-
sado” (produção agrária) e outro “moderno” (produção pré-capitalistas, já que foi preferível qualificar
industrial). Enquanto não houvesse a superação do setor essas relações em outros termos, entenden-
atrasado não haveria a plena modernização do Brasil. Cor-
rentes de pensamento importantes da época como o Insti- do-as capitalistas, o debate feito por Heleieth
tuto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e a Comissão
Econômica para a América Latina (CEPAL), além o Partido Comunista Brasileiro (PCB).

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A CONTRIBUIÇÃO DE HELEIETH SAFFIOTI PARA A ANÁLISE ...

Saffioti nos parece consonante com as trans- possamos perceber as transformações de con-
formações na organização do trabalho nas cepções anteriormente defendidas, e entender-
últimas décadas. Assistimos a uma mudança mos os avanços teóricos que ela faz. Durante
nas relações de trabalho que acompanhou as o tempo de sua trajetória, ainda que perceba a
transformações das estruturas produtivas em importância da análise sobre as relações entre
nível mundial. Esse processo, chamado de re- homens e mulheres, a condiciona à questão de
estruturação produtiva, atingiu o Brasil ocasio- classe, sendo esta considerada a mais impor-
nando o aumento do desemprego, a diminui- tante para pensar a sociedade e suas transfor-
ção do trabalho formal, aumento do trabalho mações. A autora transformará radicalmente
informal, e redução dos salários. As relações tal visão ao formular a teoria do enovelamento
de trabalho assalariado e a garantia dos direi- de gênero, raça/etnia e classe (Saffioti, 2004).
tos trabalhistas são cada vez menos frequentes Isso não significa que o seu pensamento ante-
no país, no qual as novas formas de contrata- rior deva ser rechaçado e tomado como menos
ção através da subcontratação, da contratação importante, as concepções e análises feitas an-
de pessoas jurídicas para a realização de ati- teriormente sobre os temas até aqui expostos,
vidades exercidas anteriormente por trabalha- são fundamentais para que a autora formule
dores assalariados, eximem os empregadores uma nova perspectiva sobre as questões por
das obrigações trabalhistas. Ainda que tenha ela estudadas. Entendemos que as suas formu-
ocorrido a entrada massiva das mulheres no lações sobre as reminiscências do passado no
mercado de trabalho (principalmente a partir presente são fundamentais, pois, a permitiram
dos anos 1970), não houve a superação da di- ver como atuam gênero, raça e classe na reali-
visão sexual do trabalho e das desigualdades dade empírica, articulando as relações morais,
de gênero, sendo que as mulheres continuam culturais, ideológicas e econômicas que já de-
a ocupar trabalhos com altas taxas de informa- veriam ser uma relíquia histórica. Nesse senti-
lidade, em condições precárias e instáveis (Cf. do, é fundamental situarmos a alteração na sua
Araujo, 2012). As mulheres são parte impor- leitura sobre as relações patriarcais.
tante desse mercado informal. Se em “A Mulher na Sociedade de Clas-
Existe, portanto, no Brasil uma divisão ses” a autora está fundamentada numa leitura
racial e sexual do trabalho que coloca os ne- herdada do pensamento social, posteriormente
gros (as) e as mulheres em posição desvanta- radicaliza sua concepção a partir da leitura fe-
josa no mercado de trabalho e, sobretudo, as minista do tema,12 inclusive, refutando a tese
mulheres negras. Dessa forma há um obstáculo da dominação patriarcal sob influência de We-
de raça e de gênero a ser enfrentado quando ber, e situando-se no debate feminista. A sua
Caderno CRH, Salvador, v. 33, p. 1-14, e020027, 2020

pensamos o acesso aos trabalhos mais bem re- formulação sobre a relação de exploração/do-
munerados e ao próprio mercado de trabalho minação como duas faces do mesmo processo,
formal. Com o olhar afiado para as transforma- já a afasta da leitura de Weber, para quem as
ções do trabalho a partir das clivagens de gêne- esferas (sociais, econômicas, políticas e cul-
ro e raça Heleieth Saffioti formulou sua teoria turais) devem ser analisadas de forma sepa-
do enovelamento. rada. Heleieth Saffioti chega à formulação de
que exploração e dominação são duas faces do
12
É importante olhar para a autora e seu contexto. O de-
O ENOVELAMENTO DE GÊNERO, bate do patriarcado emerge com força a partir dos anos
1970, sobretudo no interior do que ficou conhecido como
RAÇA/ETNIA E CLASSE feminismo radical, passaram a utilizar o patriarcado para
denunciar a dominação dos homens sobre as mulheres.
Isso também explica o fato de a autora não utilizar esse
É importante olharmos para o pensa- referencial, pois seu livro foi publicado em 1969, mas foi
escrito em 1966. A ideia de patriarcado difundida pelo fe-
mento da autora em movimento, para que minismo será trazida posteriormente por Heleieth Saffioti.

8
Daniele Motta

mesmo processo, entendendo que não existe, cas começaram a pensar uma proposta analíti-
de um lado a exploração capitalista, e de outro ca sobre a origem das diferenças entre homens
a dominação patriarcal, uma se alimentando e mulheres na sociedade e suas articulações,
e prescindindo da outra, “não há de um lado sem privilegiar a análise para uma ou outra
dominação patriarcal e, de outro, a exploração relação. Surgiu então uma proposta que traba-
capitalista, não existe um processo de domina- lhasse com as diferentes categorias – de gêne-
ção separado de outro de exploração” (Saffioti, ro, raça, classe, sexualidade, geração, naciona-
2015, p. 138). lidade – de forma articulada. Além da já citada
Na contramão dos estudos de gênero, a teoria do Nó de Heleieth Saffioti, conhecemos
autora não renunciou ao patriarcado como cate- ao menos outras duas perspectivas que auxi-
goria analítica, situando-o não só na esfera pri- liam na reflexão articulada: a da interseccio-
vada (da família) mas também na esfera pública nalidade e da consubstancialidade. Podemos
(nas instituições sociais). O amadurecimento dizer que existem semelhanças e diferenças
do conceito de patriarcado que Heleieth abor- entre tais perspectivas: as semelhanças se de-
da, incorporando as leituras feministas na sua vem ao fato de ambas surgirem no interior de
análise é, sobretudo, para pensar nessa inter-re- perspectivas de análises feministas e partirem
lação que ela faz da exploração e dominação. da deia de não hierarquização de gênero, raça
O seu conhecimento sobre o proces- e classe; no entanto, existem diferenças em
so da formação social do Brasil, conforme já relação às suas origens e concepções. A inter-
situamos acima, é fundamental para que ela seccionalidade foi cunhada nos Estados Uni-
entenda o patriarcado como uma realidade e dos por uma afrojurista, Kimberlé Crenshaw
uma categoria de análise que não foi superada (1989), a partir das demandas de justiça social
e deve ser trabalhada para compreensão das para as mulheres negras. Pensam a partir de ca-
relações de exploração/dominação das mulhe- tegorias sociais que se cruzam, e se abrem para
res, sendo parte estruturante da sociedade, e a possibilidade do entrecruzamento de várias
compondo o que ela denominou de simbiose categorias de opressão, como: gênero, religião,
entre patriarcado-racismo-capitalismo (Sa- nacionalidade, geração, raça, classe etc.
ffioti, 1987). Considerando que o estudo do Por outro lado, a perspectiva da consubs-
pensamento deva levar em consideração tanto tancialidade surgiu na França a partir dos de-
os conceitos e categorias elaboradas quanto o bates da sociologia do trabalho, sendo cunhada
contexto político-social em que se escreve, a pela socióloga Daniele Kergoat (2010). A con-
obra de Heleieth Saffioti apresenta uma fértil substancialidade pensa em termos de relações
contribuição para a análise articulada de gê- sociais e entende a imbricação somente a par-
nero, raça e classe, a autora transformou sua tir das relações que consideram estruturantes, Caderno CRH, Salvador, v. 33, p. 1-14, e020027, 2020

perspectiva analítica, dando importância para como as relações sociais de sexo, raça e classe;
a questão de gênero e raça da mesma maneira não se abre, portanto para outros pontos de
que para a classe social. Essa mudança é per- entrada, como a interseccionalidade.13 Esse é
ceptível nos seus textos da década de 1980 e se um ponto da crítica elaborada pelas francesas,
consolida no “Poder do Macho” (1987). Nesse que afirmam uma multiplicidade de pontos de
primeiro livro a autora trabalha com a ideia de entrada que podem levar a uma fragmentação
simbiose entre racismo-machismo-capitalismo das práticas sociais (Cf. Hirata, 2014; Kergoat,
para posteriormente chegar à ideia do nó, que 2016). É importante frisar que, ainda que cada
está bem formulada em seu livro “Gênero, Pa- uma a sua maneira, as formas de explicação
triarcado e Violência” (2004). das relações que eram vistas como menos im-
A partir do final da década de 1980 no 13
Para saber mais sobre a interseccionalidade ver Crenshaw
campo da teoria feminista, as reflexões teóri- (1989), já sobre a Consubstancialidade ver Kergoat (2010).

9
A CONTRIBUIÇÃO DE HELEIETH SAFFIOTI PARA A ANÁLISE ...

portantes – gênero, raça, etnia, nacionalidade, e classe. O MNU foi responsável pela revalori-
geração etc. –; do campo da cultura e da identi- zação da consciência negra. É com esse pano
dade, passam a ser tratadas no campo da orga- de fundo que Heleieth se inspira para alçar seu
nização social, ganhando novo status. grande salto teórico-metodológico.
Podemos dizer que a perspectiva de He- Esse salto não acontece repentinamente,
leieth Saffioti, por se situar no campo da so- é processual, e suas formulações anteriores são
ciologia e ter uma base analítica marxista, se fundamentais para que, ao perceber a conti-
aproxima mais da consubstancialidade. No nuidade das relações tradicionais (patriarcais,
entanto, também cabe colocar que a ideia do arcaicas, não capitalistas) afirme a importância
nó frouxo desenvolvida por Heleieth (que será de outros critérios de classificação, também
apresentada adiante) pode ser diferenciada fundamentais para a manutenção das relações
pois se abre à possibilidade de análise para de exploração e dominação, estruturando a so-
outras formas de relações sociais, ainda que ciedade capitalista. Sua intenção é apreender
diretamente relacionada as três relações fun- de que forma as características raciais e de gê-
dantes (que são as de gênero, raça/etnia e clas- nero operam como marcas sociais que hierar-
se).14 Torna-se importante situar a tensão entre quizam posições e justificam a marginalização
teoria e movimento social para compreensão de grandes contingentes da população, seja
da disseminação dessas teorias. do sistema de produção, seja da estrutura de
Entre fins da década de 1970 e início poder da sociedade brasileira (Saffioti, 2013).
da década de 1980 assistimos a uma inten- Entendemos que sua síntese que melhor expli-
sificação na luta dos trabalhadores no Brasil cita esse salto teórico-metodológico é a do nó
que culminou na constituição do Movimento frouxo. Segundo a autora,
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na
O nó formado por estas três contradições apresen-
criação da Central Única dos Trabalhadores ta uma qualidade distinta das determinações que o
(CUT) e do Partido dos Trabalhadores (PT). A integram. Não se trata de somar racismo + gênero
reorganização do movimento negro e da luta + classe social, mas de perceber a realidade compó-
antirracista no Brasil ocorre nesse mesmo mo- sita e nova que resulta dessa fusão (…) uma pessoa
mento de grande articulação nacional pela re- não é/ discriminada por ser mulher, trabalhadora e
negra. Efetivamente, uma mulher não é duplamente
democratização e de grande efervescência no
discriminada, porque, além de mulher, é ainda uma
plano internacional de luta antirracista.15 Nes- trabalhadora assalariada. Ou, ainda, não é tripla-
se contexto surgiu o Movimento Negro Uni- mente discriminada. Não se trata de variáveis, mas
ficado (MNU)16 e no interior deste destaca-se sim de determinações, de qualidades, que tornam a
Lélia Gonzalez. Segundo Gonzalez (1982) não situação destas mulheres muito mais complexa (…)
Caderno CRH, Salvador, v. 33, p. 1-14, e020027, 2020

dava mais para ignorar essa questão concreta Não se trata do nó górdio nem apertado, mas do nó
frouxo, deixando mobilidade para cada uma de suas
colocada pelo MNU: a articulação entre “raça”
componentes (Saffioti, 2015, p.133).
14
Em nossos estudos sobre a obra de Heleieth não encon-
tramos nenhum diálogo direto com as perspectivas da in- Essa imagem do nó frouxo é interessan-
terseccionalidade ou da consubstancialidade. Ainda que a
autora dialogue com as feministas francesas no seu texto te, pois, ao mesmo tempo que coloca as rela-
em nenhum momento faz referência a perspectiva da con- ções que são fundantes e estruturantes, não
substancialidade.
as engessa, permite mobilidades. É importan-
15
O protesto negro estadunidense no período projetou im-
portantes lideranças na luta pelos direitos civis como Mal- te ressaltar que ao tratar essas relações como
com X, e as organizações negras como a dos Panteras Ne-
gras influenciaram na criação de um discurso racial mais fundantes não queremos dizer que importam
radicalizado. Além disso a luta pela libertação dos países
africanos também foram fontes de inspiração para assumir mais que outras relações (ou marcadores de
um discurso radicalizado. diferença) como a nacionalidade, geração, re-
16
O MNU surgiu em 1978 com o nome Movimento Negro ligiosidade, capacitismo, etc. Em cada contex-
Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR) e foi
rebatizado no ano seguinte.

10
Daniele Motta

to é preciso situar as relações de dominação e na imprescindível para quem busca compre-


exploração que afetam a vida das pessoas. No ender as desigualdades de gênero na sociedade
entanto, quando analisadas a partir da inser- brasileira. Isso posto, conclui-se que a obra de
ção na sociedade brasileira, todos os marcado- Heleieth deve ser considerada como uma con-
res de diferença passam necessariamente pelas tribuição no pensamento brasileiro, porque
questões de gênero, raça e classe. Isso porque é pioneira em trazer o estudo da questão da
essas são as desigualdades fundantes que es- mulher na sociedade, atualiza a leitura da fa-
truturam a sociedade brasileira pois se con- mília patriarcal com uma nova acepção sobre
solidaram historicamente dessa forma. Uma o patriarcado, apresenta a partir da questão de
lacuna salta aos olhos quando analisamos o gênero uma importante reflexão sobre as bases
pensamento de Heleieth: o seu silêncio dian- do autoritarismo e os limites da democracia no
te do debate feito pelas mulheres negras, que Brasil. Podemos dizer que ela ajuda a pensar
tanto no contexto internacional quando nacio- um projeto sobre o Brasil, que vincule a mu-
nal já estavam tratando da mesma temática da lher como um sujeito social de direitos.
articulação de gênero, raça e classe. Nos últimos anos os estudos que traba-
Apesar de, às vezes, pouco reconheci- lham com gênero, raça e classe de forma inter-
da, Heleieth Saffioti é um nome que poderia ligada ganharam visibilidade. A disseminação
vir a tomar parte no debate sobre as imbrica- dessa teoria nas universidades e movimentos
ções que emergem no cenário contemporâneo fez com que ela ganhasse diferentes interpreta-
das Ciências Sociais. Sua teoria do nó, acima ções. Não queremos aqui entrar nas diferenças
apresentada, representa uma leitura das imbri- entre elas, apenas apontar para a necessidade
cações entre gênero, raça/etnia e classe à bra- de enfrentar esse debate como um dos dilemas
sileira e está em discussão desde a década de analíticos para pensarmos o mundo de hoje.
1980, momento de efervescência e surgimento Para tal, a autora em foco deveria ser levada
dessa discussão nos movimentos de mulhe- em consideração para trazer mais tempero a
res negras. Retomar esta autora é um apelo à esse debate, sobretudo, do ponto de vista da
reflexão a partir de teorias que considerem a realidade brasileira.
realidade brasileira a partir da diversidade do A autora também continua atual pelos
povo, em suas relações com as desigualdades mitos que aponta, em sua obra de 1969, mos-
sociais. Nesse sentido, o trabalho da Saffioti trando como insistem em manter a condição
é singular e original e a realidade social vem feminina de maneira inferiorizada. Podemos
mostrando a importância do aprofundamento dizer que, pelo menos desde a eleição do atual
de seus textos. presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que o ca-
ráter patriarcal se desnudou, e os mitos sobre Caderno CRH, Salvador, v. 33, p. 1-14, e020027, 2020

as mulheres e as pautas feministas ganharam


CONSIDERAÇÕES FINAIS corpo em forma de falsas notícias e atuam para
impedir que as mulheres avancem para a sua
Se a área de pensamento social supõe libertação. Heleieth Saffioti já percebia isso
diálogos com muitas disciplinas, Heleieth as como um recurso político, quando afirmou que
faz com maestria, trazendo uma reflexão a par- “Cria-se, então, a imagem da feminista como
tir de pesquisas das diversas áreas: história, um monstro que visa a destruir a família e a re-
sociologia, política, antropologia, estudos de duzir os homens à escravidão, numa completa
gênero, psicanálise etc. Dialoga, dessa forma subversão das leis divinas” (Saffioti, 2013, p.
com várias vertentes teórico-metodológicas. A 179). Qualquer semelhança com a realidade
obra de Heleieth Saffioti traz com êxito a arti- não é mera coincidência, é mais uma vez as
culação da teoria marxista e feminista e se tor- feridas históricas do Brasil se inflamando.

11
A CONTRIBUIÇÃO DE HELEIETH SAFFIOTI PARA A ANÁLISE ...

Hoje com o desenvolvimento das comu- terferem na dinâmica social brasileira explici-
nicações em tempo real vivemos a ambiguida- tando a necessidade da luta política por uma
de de por um lado ter mais acesso a debates e transformação nas estruturas históricas trazer
informações de diferentes lugares e perspecti- a conjunção dos embates de gênero, racial, ét-
vas, de outro vimos a disseminação de ideais nico e de classe.
autoritários e odiosos por estes mesmos meios. Reiterar a importância de Saffioti na
É preciso olhar para essas novas tendências leitura sobre Brasil é uma forma de sair do
a partir de nossa formação, pois “até mesmo apagamento das mulheres na interpretação da
no caso desses novos suportes de comunica- sociedade brasileira, tanto como intérpretes,
ção, nunca esteve tão firma a imagem de um quanto como sujeitas da história, e reafirmar
presidente-pai, um pater famílias: autoritário a questão de gênero como um dos pilares para
e severo diante daqueles que se rebelam; justo as análises.
e “próximo” pra quem o segue e compartilha
suas ideias” (Schwarcz, 2019, p. 63). É o novo
e o velho se mesclando mais uma vez.
Recebido para publicação em 20 de julho de 2020
Nos últimos anos foram implementadas Aprovado em 13 de novembro de 2020
diversas políticas que mexeram com as estru-
turas históricas das desigualdades, ainda que
não tenham corroído sua sustentação. Houve REFERÊNCIAS
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domésticas, as cotas raciais e a ampliação do patrimonialismo. Sociedade e Estado. Brasília, v. 15, n. 2, p.
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LEITE, Marcia de Paula; GEORGES, Isabel P. H. (orgs.)
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CRENSHAW, Kimberle. Demarginalizing the Intersection
a compreender que no Brasil “O privilégio é of Race and Sex: A Black Feminist Critique of
tão ‘justo’ e ‘necessário’, para as camadas do- Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and
Antiracist Politics, " University of Chicago Legal
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12
Daniele Motta

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Caderno CRH, Salvador, v. 33, p. 1-14, e020027, 2020

13
A CONTRIBUIÇÃO DE HELEIETH SAFFIOTI PARA A ANÁLISE ...

HELEIETH SAFFIOTTI CONTRIBUTION TO THE CONTRIBUTION DE HELEIETH SAFFIOTI À


ANALYSIS OF BRAZIL: Does gender matter for L’ANALYSE DU BRÉSIL: le genre est-il important
social formation? pour la formation sociale?

Daniele Motta Daniele Motta

This article is intended to question whether the Cet article entend se demander si les idées
ideas developed by Heleieth Saffioti can be read développées par Heleieth Saffioti peuvent être lues
as a contribution to the analysis of the Formation comme une contribution à l’analyse de la formation
of Brazil. Thus, it presents the author’s reading on du Brésil. Ainsi, il présente la lecture de l’auteur sur
patriarchal relations in the country, explaining that les relations patriarcales dans le pays, expliquant
the formation of Brazilian society was impregnated que la formation de la société brésilienne a été
with patriarchal domination, bringing the imprégnée de domination patriarcale, apportant la
perspective of women to this analysis. We established perspective des femmes à cette analyse. Nous avons
a dialogue with Florestan Fernandes, based on the établi un dialogue avec Florestan Fernandes, basé
idea of reminiscences of social relations from the sur l’idée de réminiscences des relations sociales du
“past in the present”. Finally, advancing in what “passé au présent”. Enfin, en avançant dans ce que
we understand as the theoretical-methodological nous entendons par saut théorique-méthodologique
leap of the author, we make an exposition about her de l’auteur, nous exposons sa contribution à la lecture
contribution to the reading of the gender trouble in du problème du genre dans la société brésilienne,
Brazilian society, with her formulations on the knot avec ses formulations sur le nœud (genre, race/
(gender, race / ethnicity and class) fundamental to ethnicité et classe) fondamental compréhension des
the understanding of relationships in contemporary relations dans la société capitaliste contemporaine.
capitalist society.

Keywords: Heleieth Saffioti. Patriarchy. Social Mots clés: Heleieth Saffioti. Patriarcat. Formation
formation. Node. Capitalism. sociale. Noeud. Capitalisme.
Caderno CRH, Salvador, v. 33, p. 1-14, e020027, 2020

Daniele Motta – Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. Integra o
Núcleo de Estudos Heleieth Saffioti: gênero, sexualidades, feminismos, da Universidade Federal de São
Paulo, desenvolvendo pesquisas na área de pensamento social brasileiro, gênero e interseccionalidades.
Professora Substituta de Sociologia do IFSP – campus de Capivari. Publicações recentes: O dilema
das desigualdades frente ao marxismo. In: Os desafios do feminismo marxista na atualidade / Danilo
Enrico Martuscelli (org.) – 1. ed. Chapecó, Coleção marxismo21, 2020; Desvendando Heleieth Saffioti. In:
Revista Lutas Sociais, v. 22, n. 40, 2018; Do universal ao específico: entrelaçando gênero, raça e classe.
In: Cadernos Cemarx, n. 11, Campinas, 2018; A originalidade de Heleieth Saffioti na análise crítica da
mulher na sociedade capitalista no Brasil. (co-autoria com Elaine Bezerra). In: Anais do IX Colóquio
Internacional Marx e Engels, Campinas, 2018.

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