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Concurso UFC/2018 - Arte-educação e Estágio Supervisionado nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental

Ponto 08 – O estágio nos anos iniciais do ensino fundamental como pesquisa

Autor(a) Categoria Conceito


No Brasil, o estágio como pesquisa começa a ganhar solidez no início dos anos
1990, período marcado pela redemocratização do país, na qual a Constituição de 1988
delega a educação como direito fundamental de todo cidadão. Fortalece-se aí, no
Contexto campo educacional, sob a influência das tendências pedagógicas progressistas, a
compreensão da educação, e consequentemente escola, como mecanismos de
transformação social. Decorre desse contexto, entre outras, demandas como: a
universalização da educação básica, o reconhecimento e a valorização da profissão
docente e a necessidade de ampliação e aprimoramento da formação de professores.
A pesquisa como Os estudos críticos e analíticos das práticas de formação de professores
caminho apontam como unanimidade a pesquisa como caminho metodológico para a
metodológico formação docente, em contraponto às concepções tradicionais e às políticas anteriores
para a formação que reduziam a formação a simples treinamento de habilidades e competências, como
docente as geradas a partir das recomendações do Banco Mundial.
A epistemologia
da prática O “estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu
Maurice Tardif (2002)
profissional dos espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas” (TARDIF, 2002).
professores
Gimeno J. Sacristán A proposta da epistemologia da prática, conforme Sacristán (1999), considera
A epistemologia
(1999) inseparáveis teoria e prática no plano da subjetividade do sujeito (professor), baseada
da prática
na ideia de que sempre há um diálogo do conhecimento pessoal com a ação.
Diálogo do A ideia de que sempre há um diálogo do conhecimento pessoal com a ação.
conhecimento Este conhecimento não é formado apenas na experiência concreta do sujeito em
pessoal com a particular, podendo ser nutrido pela ‘cultura objetiva’, ou seja, as teorias da educação,
ação de modo a possibilitar aos professores trazê-los para as situações concretas,
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configurando seu acervo de experiência ‘teórico-prático’ em constante processo de re-
elaboração.
Articulações Nessa perspectiva, Tardif (2002) ressalta que a prática docente integra
entre a diferentes saberes, sendo essencial que se estabeleçam múltiplas articulações entre a
prática docente prática docente e os saberes, pois, como uma condição para a prática docente,
e os saberes precisam “dominar, integrar e mobilizar tais saberes” (TARDIF, 2002).
O autor define o saber docente “como um saber plural, formado pelo
amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da:
O saber docente (1) Formação profissional
(plural) (2) Saberes disciplinares
(3) Curriculares
(4) Experienciais
A pluralidade e a Nessa perspectiva, os saberes profissionais dos professores são temporais,
heterogeneidade plurais e heterogêneos, personalizados e situados, e carregam as marcas do ser
Maurice Tardif (2002) do saber humano. Tardif (2002), valoriza a pluralidade e a heterogeneidade do saber docente,
docente destacando a importância dos saberes da experiência.
Conforme podemos observar, o tema da diversidade do saber dos professores
concretiza a ideia da natureza social desse saber, pois não se originam neles mesmos e
Natureza social nem no seu trabalho cotidiano, mas sim “possuem uma origem social patente”.
do saber
docente Ou seja, “[...] o saber profissional se dá na confluência de vários saberes oriundos da
sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educacionais, das universidades,
etc.”.
Essa perspectiva parte do questionamento que se fazia no campo da didática e
Movimento de
da formação de professores sobre a pretensa indissociabilidade entre teoria e prática,
valorização da
de maneira a constituir-se como um movimento de valorização da pesquisa no estágio.
pesquisa no
Aqui, o estágio é compreendido como “atividade teórica que permite conhecer e se
estágio
aproximar da realidade”.

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Perspectiva de O estágio é compreendido como “atividade teórica que permite conhecer e se
Estágio aproximar da realidade”.
A partir dessa perspectiva, Pimenta & Lima, 2005/2006, definem a pesquisa no
A pesquisa no estágio como “uma estratégia, um método, uma possibilidade de formação do
Pimenta & Lima,
estágio como estagiário como futuro professor”. Lembram ainda que “ela pode ser também uma
(2005/2006)
uma estratégia possibilidade de formação e desenvolvimento dos professores da escola na relação com
os estagiários”.
Assim, a formulação do estágio como “atividade teórica instrumentalizadora da
Estágio como
práxis” (Pimenta, 1994), abriu espaço para um início de compreensão do estágio como
uma
Selma Garrido uma investigação das práticas pedagógicas nas instituições educativas, tendo por base
investigação das
Pimenta (1994) a concepção do professor (ou futuro professor) como intelectual em processo de
práticas
formação e a educação como um processo dialético de desenvolvimento do homem
pedagógicas
historicamente situado.
Aqui o conceito de práxis como “uma atividade material, transformadora e
Conceito de
ajustada a objetivos” (VASQUEZ, 1968)
Práxis
Vasquez (1968)
Práxis É importante para pensar que “toda práxis é atividade, mas nem toda atividade
X é práxis”, O que as difere é o fato de haver atividade teórica que não se materializa, ou
Atividade seja, não é transformadora.
O professor Essa visão de estágio, para além da instrumentalização técnica da função
Socorro Lucena Lima como um docente, ver o professor como um profissional pensante, que vive num determinado
(2001) profissional espaço e num certo tempo histórico, capaz de vislumbrar o caráter coletivo e social de
pensante sua profissão (LIMA, 2001), um agente da práxis social.
Donald Schön (1992) Professor A expressão ‘professor reflexivo’, elaborada por Donald Schön (1992), tomou
reflexivo conta do cenário educacional como um movimento teórico de compreensão do
trabalho docente. Donald Schön (1992) propõe que a formação dos profissionais não
mais se dê nos moldes de um currículo normativo, “fragmentado e
descontextualizado” (GATTI, 2010), de modo a valorizar a experiência e a reflexão na

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experiência, baseadas numa “epistemologia da prática”, ou seja, na valorização da
prática profissional como momento de construção de conhecimento, por meio de
reflexão, análise e problematização desta e o reconhecimento do conhecimento tácito.
Abre perspectivas para a valorização da pesquisa na ação dos profissionais,
Professor–
colocando as bases para o que se convencionou denominar o “professor–pesquisador
Donald Schön (1992) pesquisador de
de sua prática”, mas uma prática refletida, que os possibilita responder às situações
sua prática
novas, lembra Schön (1992).
Crítica ao Crítica ao modelo de currículo normativo dos cursos de licenciatura no Brasil,
Bernardete Gatti
currículo por serem “fragmentado e descontextualizado” (GATTI, 2010).
(2010)
normativo
Selma Garrido O desenvolvimento desse processo é possibilitado pela atividade de pesquisa, que se
Pimenta (2002) inicia com:
(1) a análise e a problematização das ações e das práticas;
Atividade de (2) confrontadas com as explicações teóricas sobre elas;
pesquisa (3) com experiências de outros atores e olhares de outros campos de
conhecimento;
(4) com os objetivos que se pretende;
(5) com as finalidades da educação na formação da sociedade humana.
Assim, a pesquisa no estágio se traduz pela:
(1) mobilização de pesquisas que permitam a ampliação e análise dos contextos
A pesquisa no
onde os estágios se realizam, mas também e, em especial;
estágio
(2) na possibilidade de os estagiários desenvolverem postura e habilidades de
pesquisador a partir das situações de estágio.
Privilegiando a
análise de Pimenta (2002), afirma que assim estão privilegiando a análise de situações da prática
situações da e dos contextos escolares e revelando a importância que a perspectiva da
prática e dos epistemologia da prática vem assumindo, ao trazer dados das situações concretas e
contextos propositivas, superam os discursos e adentrando a complexidade prática.

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escolares
Nessa perspectiva, o estágio:
(1) abre possibilidade para os professores orientadores proporem tanto a
mobilização de pesquisas para ampliar a compreensão das situações
vivenciadas e observadas nas escolas, nos sistemas de ensino e nas demais
situações, como;
(2) pode provocar, a partir dessa vivência, a elaboração de projetos de
pesquisa a ser desenvolvidos concomitante ou após o período de estágio.

No entanto, é preciso que se examine seus limites e possibilidades, de modo a


Limites e ter a clareza de qual reflexão se está falando:
Pimenta & Lima possibilidades: (1) o tipo de reflexão realizada pelos professores;
(2005/2006) (2) se as reflexões incorporam um processo de consciência das implicações
qual reflexão? sociais, econômicas e políticas da atividade de ensinar;
(3) as condições dos professores para refletir e para pesquisar.
Pimenta & Lima (2005/2006) apontam, ainda, para alguns de seus limites de
natureza política:
(1) as condições que a escola pública oferece para espaços de reflexão coletiva e
de pesquisa por seus profissionais;
Limites de
(2) o desenvolvimento de uma cultura de análise nas escolas onde corpo
natureza política
docente é rotativo;
Pimenta & Lima
(3) o interesse dos sistemas públicos - que adotam políticas com práticas
(2005/2006)
autoritárias e de desqualificação do corpo docente em investir na valorização
e no desenvolvimento profissional dos professores.
O PIBID como Um exemplo concreto desse último limite é a experiência da iniciação à docência
exemplo de do Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID), no qual alunos de
limites de licenciatura atuavam em escolas públicas com objetivo de aproximá-los da realidade
natureza política escolar. Apesar da avaliação positiva, o PIBID foi interrompido, pelo atual governo.
Limites de Aa autoras pontam, ainda, limites de natureza teórico/metodológica, como:
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(1) as possibilidades efetivas de o professor pesquisar a prática;
(2) aos aportes teóricos e metodológicos necessários para que desenvolva
natureza
pesquisas;
teórico /
(3) os modos como as teorias são consideradas nessa perspectiva;
metodológica
(4) a capacidade de análise da prática (pelos professores) para além de si,
criticamente, com critérios externos de validade do conhecimento produzido.
Limites na Outra questão diz respeito às limitações na formação inicial dos professores, que
formação dos historicamente apresenta-se, muitas vezes, com fragilidades nos campos teórico e
professores prático.
Sobre a perspectiva do professor reflexivo e pesquisador, alguns autores
Os riscos sobre a
apontam alguns riscos como:
perspectiva do
(1) praticismo, (hegemonia da prática);
professor
(2) individualismo, (reflexão em torno de si própria);
reflexivo e
(3) hegemonia autoritária, (reflexão resolveria os problemas da prática);
pesquisador
(4) modismo, (banalização da da reflexão e da pesquisa).
Contreras (1997) Contreras (1997) chama a atenção para o fato de que a prática dos professores
Analisar a precisa ser analisada, considerando que a sociedade é plural, no sentido da pluralidade
prática docente de saberes, mas também desigual, no sentido das desigualdades sociais, econômicas,
considerando a culturais e políticas.
sociedade é Assim, concorda com Carr (1995) ao apontar sobre o caráter transitório e
plural e desigual contingente da prática dos professores e da necessidade da transformação da mesma
numa perspectiva crítica.
A superação dos A superação desses limites se dará a partir de teoria(s) que permita(m) aos
Pimenta & Lima limites professores entenderem as restrições impostas pela prática institucional e pelo
(2005/2006) histórico social do ensino, de modo a identificar o potencial transformador das
práticas.
Libâneo (1998) Na mesma direção, Libâneo (1998) destaca a importância da apropriação e
produção de teorias como marco para a melhoria das práticas de ensino e dos seus

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resultados.
A análise crítica A análise crítica contextualizada do conceito de professor reflexivo permite
contextualizada superar suas limitações, afirmando-o como um conceito político-epistemológico que
do conceito de requer o suporte de políticas públicas para sua efetivação. Caso contrário, se
Pimenta & Lima
professor transforma em mero discurso ambíguo, falacioso. Assim, essa análise subsidia a
(2005/2006)
reflexivo permite proposta de superar-se a identidade necessária dos professores, de reflexivos para a
superar suas de intelectuais críticos e reflexivos.
limitações
O grande desafio é tirar do papel e tentar operacionalizar a ideia de professor
O desafio
reflexivo e pesquisador.

REFERÊNCIAS

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