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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS I- SALVADOR
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS

Literatura e História
Notas de curso- Resumos para orientação de estudo.

Licia Soares de Souza

Desconstrucionismo e Metahistória., 1973.

Hayden White- Relação entre a forma narrativa e o conteúdo histórico – enquadramento,


argumento, imposições culturais e ideológicas.

Teoria metahistórica através da Teoria da Literatura. Análise de 4 historiadores ( Michelet,


Leopold van Ranke, Alexis de Tocqueville e Jacob Barkhardt, e 4 filósofos da história, Hegel,
Marx, Nietzsche e Benedetto Croce). Identificação de 4 estilos retóricos – tropos- considerados
estória romanesca, tragédia, comédia e sátira. Emplotment (elaboração de enredo, Northrop
Frye).

Fonte: Alan Munslow (Desconstruindo a história )

Desconstrucionismo e a arqueologia dos saberes, 1969.

Michel Foucault- Distanciamento do empirismo, derivado de Nietzsche. A objetividade em si


mesma já é um construto histórico e cultural.

Nega a causalidade histórica linear entre eventos e épocas ( epistemes) . Dúvidas sobre a
capacidade do historiador em representar com precisão qualquer versão do passado.

Impacto do discurso na formatação do passado. Qual o impacto da linguagem na história e na


experiência, considerando-se que a linguagem é um sistema arbitrário de relações
significante/significado/signo socialmente construído entre a palavra e o mundo? ( Fonte:
Munslow);

A relação entre os discursos , a História, os sujeitos e a produção de sentidos forma a História


dos saberes. Uma perspectiva intertextual acentua a historicidade dos textos.

Genealogia do poder- Relações saber/poder. Procedimentos de subjetivação, idéia de


identidade. !971 ( A ordem do discurso) .

As práticas e as técnicas do poder moderno são em grau significativo discursivas.


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Metaficção historiográfica- MH, 1987

Linda Hutcheon

Discussão sobre a relação entre a arte e a historiografia é relevante para qualquer poética do
pós-modernismo, pois a separação é tradicional.

Livre da sucessão linear da escrita da história, o poeta ( ou escritor) falaria sobre o que poderia
acontecer. Confrontar os paradoxos da representação fictícia/histórica, do particular/geral,
presente/passado. Verdade e falsidade não são termos corretos para discutir a ficção. No pós-
modernismo,reescrever o passado é revelá-lo ao presente, impedi-lo de ser conclusivo ou
teleológico.

A MH demonstra que a ficção é historicamente condicionada e a história é discursivamente


estruturada, amplia o debate sobre as implicações ideológicas da conjunção foucaultiana entre
poder e conhecimento.

A MH não consegue deixar de lidar com o problema do status de seus “fatos” e da natureza de
suas evidências, seus documentos.

A paródia intertextual, desconstrução da História.

Consenso com o ataque foucaultiano contra todas as forças centralizadoras da unidade e da


continuidade na teoria e na prática ( influência, tradição, evolução, desenvolvimento, espírito,
oeuvre, livro, voz, origem, langue, disciplinas), desafia todas as formas de pensamento
totalizante que não reconhecem seu papel na própria constituição de seus objetos de estudo.

A MH rompe as resistências dos historiadores que só vêem as causas dos grandes heróis
tradicionais, guerreiros e salvadores, numa história factual contada por elos de causa e efeito.
Ela revela principalmente o cotidiano de pessoas comuns marginalizadas e mesmo esquecidas
das narrativas históricas tradicionais. Subverte uma representação de uma cultura de
conquista entre a razão e o Ocidente.

Fontes: Linda Hutcheon, (Póetica do Pós-modernimso)

Licia Souza ( Literatura&Cinema).

Cronotopo, 1925

Para Bakhtin, a visão estética será sempre resultado de visões inacabadas.

A arquitetônica das relações dialógicas dimensiona não um espaço visível,mas um ambiente de


interações, chamando a atenção para o que nele se desenvolve para além de um ponto de
vista posicionado.

Como os espaços vivenciam o tempo?


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O tempo dialógico só pode ser entendido pelas temporalidades plurais e simultâneas que são
projetadas em espaços plurais.

Tempo e espaço por não existirem em si mesmos, como entidades absolutas, são
transformações semióticas de vivências em sistemas culturais produtores de sentidos.

Cronotopo é um conceito para a observação do comportamento do tempo como dimensão do


espaço na narrativa. É uma forma arquitetônica da narrativa que configura modos de vida em
contextos particulares de temporalidades.

Como o tempo histórico se revela na literatura?

Goethe, tempo histórico, cultura do visível, do “olhar”.

Ciclo canudiano: tempo histórico, o conflito no sertão, a guerra de Canudos. Cultura popular,
cultura geológica, cultura botânica, étnica.

Território nacional, jaguncismo, messianismo, religiosidade. Guerilha.

Construção do vilarejo. Socialismo utópico.

Fontes: Paula e Staffuza (orgs.) Irene Machado, A questão espaço-temporal em Bakhtin:


cronotopia e exotopia.

Licia Souza, A poética histórica do ciclo canudiano ( O guardador de inutensílios) e A influência


centenária de uma fundação: Os sertões como a grande narrativa histórica do Brasil. ( Revista
da ANPOLL, 2004)

História cultural, 1970.

Inspiradores: Mikhail Bakhtin, Norbert Elias, Michel Foucault, Pierre Bourdieu.

O terreno comum dos historiadores culturais pode ser descrito como a preocupação com o
simbólico e suas interpretações. Símbolos, conscientes ou não, podem ser encontrados em
todos os lugares, da arte à vida cotidiana,mas a abordagem do passado em termos de
simbolismo é apenas uma entre outras. Uma história cultural das calças, por exemplo, é
diferente de uma história econômica sobre o mesmo tema , assim como uma história cultural
do Parlamento seria diversa de uma história política da mesma instituição.

Fonte: Peter Burke, ( O que é História cultural ?)

Qual a narrativa da HC? Existem diferentes formas de cultura? Existe uma forma de HC da
violência?

A História das mentalidades.

Fonte: Roger Chartier ( A “Nova” História cultural existe?)


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Pós-colonialismo, Orientalismo, Edward Said, 1978.

Reação contra a grande narrativa da civilização ocidental.

Questionar a importância da oposição binária Ocidente/Oriente.

Os textos pós-coloniais contra-escrevem as ficções imperialistas e assim as leituras pós-


coloniais podem direcionar a atenção para as diferenças culturais e produções locais de
resistência.

Passagem do universal aos múltiplos particulares, a idéia do pós-colonial compreende


conotações complexas que se destinam a mostrar a força política dos imperialismos. O pós-
colonial não apenas esteticiza o político, mas politiza o estético. Ao dar voz a personagens
colonizados os escritos pós-coloniais passam a subverter temática e formalmente os discursos
que serviam de pilares à expansão colonial.No Brasil, o romance de tese do século XIX ( Canaã,
O Missionário), pode ser o embrião do romance pós-colonial.

Elos com o pós-tradicionalismo: as tradições de sociedades colonizadas são reescritas no


romance pós-colonial e ganham uma nova dimensão histórica.

Fontes: Peter Burke e Licia Souza ( Literatura & cinema)

Percursos de vida: escritas de si, auto(biografias) e diários

Foucault, Pierre Bourdieu, Georges Gusdorf ( 1990), Pineau, Legrand ( Les histoires de vie,
2002), Gilles Mora e Claude Nori (1993).

Dissolução de certezas e crenças de validade universais, quebra das grandes narrativas, e


emergência de grupos sociais minoritários reivindicando visibilidade. Lugar do individuo na
História, tema que corre paralelo com a relativização particular do pós-colonialismo e do pós-
tradicionalismo.

Fonte: Eliseu Souza e Maria helena Abrãao(orgs.), ( tempos, narrativas e ficções: a invenção de
si, 2006)

Desconstrução das metanarrativas, Lyotard, A condição pós-moderna, 1984.

Narrativa: característica e a função essencial da formação e da transmissão cultural;


relacionada ao exercício do poder ( Foucault ).

Os acontecimentos do século XX destruíram as metanarrativas que legitimavam a ciência e a


história com fundamentos do que era respeitado como um caminho inexorável em direção à
liberdade individual e ao aperfeiçoamento da autoconsciência da condição humana.

Fonte: Alan Munslow


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Memória.

Dicionários, Paul Ricoeur ( 2007, mapeamento de significações mínimas, a partir de Platão)

Filosofia grega, memória ligada à imagem.

Memória, objetividade sobre o passado. Imaginário, infidelidade quanto ao passado. Memória,


movimento, traz ao presente, imagens do passado.

Fonte: Raquel Souza ( Memória e imaginário, Dicionário das mobilidades culturais: percursos
americanos, 2010)

Heterogeneidades.

Linha francesa da AD, bases bakhtinianas, relações dialógicas.

Dominique Maingueneau, J. Authier (1982)

Heterogeneidade mostrada- Discurso relatado, discurso citado. Intertextualidade explícita.

Citações-cultura, citações-prova, citações-autoridade.

Cenografias ( locutor, topografia e cronografia), dêixis fundadora, Ethos. Formação discursiva e


incorporação.

Heterogeneidade constituída. Discurso indireto livre. Interdiscurso. Projeção de cronotopos.

Em direção a um modelo de análise de formas e expressões do tempo histórico na


Literatura.

- Tentemos levantar os tipos de cronotopos, identificáveis em um texto ou conjunto de


textos,através dos quais poderão ser feitas diferentes leituras do hipotexto ( termo de Gérard
Genette) histórico, ou, em outras palavras, do texto histórico que é reescrito em narrativas
literárias ( enquadramentos);

- Os cronotopos podem se definir por uma série de núcleos sêmicos construída por relações
dialógicas, na medida em que os núcleos vinculam-se a um mesmo campo semântico. Se o
texto histórico reescrito refletir os conflitos entre culturas colonizadoras e colonizadas, o
campo semântico se inscreve no pós-colonialismo e revela um relacionamento lógico entre
História e Política. Em outras palavras, politiza o estético, ou a metahistória, ou a narrativa
literária a caráter histórico (enquadramento);

- Pode-se buscar os cronotopos de um texto em uma visada sintagmática de um texto, ou os


cronotopos de vários textos de um mesmo ciclo literário ou de ciclos diferenciados, em uma
visada paradigmática. Sobre o exame das manifestações sintagmáticas e paradigmáticas dos
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feixes de relações semânticas de personagens, é interessante a leitura da apresentação do


Dicionário de Personagens Afrobrasileiros, organizado por Licia Souza;

- Uma forma de observar a natureza dos campos semânticos dos cronotopos é a busca dos
enquadramentos discursivos : cartas, diários, diálogos ( tipos de discursos( direto, indireto) ),
narração com mudança de focalização ( modo e voz), discursos midiáticos,paródia intertextual
(MH), vários tipos de metaficção, interdiscursos.

- Deve-se observar também o gênero narrativo: Realismo, Naturalismo, Regionalismo, Gótico,


Realismo brutal, Hipermímese, Fantástico, Maravilhoso, Heterocronia narrativa, Ficção
Científica, Romance Policial, Romance propriamente Histórico, Romance de Terror, Romance
Noir. O Fantástico e o Maravilhoso , por exemplo, possuem artifícios para propor uma visão da
História que “deveria ser”, que transcende o passado real , desconstruído totalmente as
referências das evidências e dos fatos. Inscrevem-se então em um tempo mítico do
condicional, da probabilidade ou do hipotético, subvertendo a idéia de que a História é
narrativa de passado, e mesmo mostrando que é possível uma História “sem tempo” que pode
ser lida e interpretada pelos filtros culturais de qualquer época;

- Será considerado dominante o cronotopo que abranger maior número de núcleos em um


texto ou conjunto de textos.

- Será considerado complexo o texto ou conjunto de textos que contiver vários cronotopos
interrelacionados, isto é, vários momentos históricos em um espaço determinado ou em
espaços diferenciados. Ex. Viva o povo brasileiro, Quarup (romance de tese e pós-colonial, vide
Licia Souza, Literatura & cinema);

- É interessante , após uma análise, discutir sobre a utilidade dos interrelacionamentos dos
cronotopos para uma visada da construção de formações culturais e históricas aptas a refletir
as relações entre Ficção ( narrativas e enquadramentos), História ( evidências, fatos,
documentos e empirismo), Memória e Imaginário.

Um exemplo rapidíssimo, de forma esquemática.

Ciclo canudiano:

Hipotexto: A guerra de Canudos.

Enquadramentos narrativos: prosas poéticas, romances, narrativas históricas , narrativas


épicas( lembrando-se que o texto de Euclides é difícil de ser classificado)

Cronotopo central: o conflito nos sertões. A Luta.

Campo semântico de A Luta, o jaguncismo ( formando cronotopo secundário, guerrilheiro que


sabe conquistar o território nacional, caatinga, natureza que lhe dá força e poder), a
chouannerie (caatinga, lugar simbólico como a Vendéia na época da Revolução francesa.
Fantasma do monarquismo com apoio internacional.
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A contra-argumentação, a partir de MH e HM:

Euclides: “Atribuir a uma conjuração política qualquer a crise sertaneja, exprimia palmar
insciência das condições naturais da nossa raça ( 2000, 309)”

Fontes: “ Tenho me perguntado onde estão as armas e munições para aqui enviadas pelos
monarquistas de dentro e de fora do país...” (2002, 226). O personagem prof. Beebee envia
artigos para o jornal quebequense Le peuple souverain.

Galileu Gall de Vargas Llosa, envia artigos para o periódico de Lyon, L’étincelle de la Révolte: o
sertão é o local de solidariedade entre os desvalidos. Canudos é a concretização do socialismo
utópico europeu MH e HM.

O campo semântico da escrita., formação de opinião, explanação histórica, forma um


cronotopo do RISCO, herança euclidiana. O jornalista, sempre um personagem nas tramas,
como o próprio Pimenta da Cunha, avalia, exerce sua função metalingüística e metahistórica,
faz sua mea culpa, sabendo seu poder de persuasão e manipulação das massas: “Quase todos
os jornalistas escreviam o que não sentiam”(Fontes).

Uso da HM, em Fontes, em V. Llosa, com o uso de cartas e inscrições enunciativas que
dinamizam o campo semântico do cronotopo.

Passagem dos textos jornalísticos ao texto literário. Neste a página é mais “perigosa” e escapa
ao empirismo.Campo semântico do risco , formação de um cronotopo estético.

Euclides: “Forremo-nos à tarefa de descrever os seus últimos momentos. Nem poderíamos


fazê-lo. Esta página, imaginamo-la sempre emocionante e trágica; mas cerramo-la vacilante e
sem brilho” (2000, 5180

JJ. Veiga, constrói um campo semântico para o cronotopo estético, em A casca da serpente,
através do dispositivo maravilhoso que permite o imbricamento do cronotopo histórico ( 1897)
com o estético ( 1902, parição de Os sertões), capaz de por à luz a história social de Os
sertões , como primeira fundação sobre a guerra e para o ciclo literário e cultural ( pensando
nos documentários e filmes de ficção, quadrinhos, teatro, etc.), e suas condições de produção
e de recepção.

O bibliotecário de Veredito em Canudos do húngaro Oliver O’connel, entrelaça igualmente o


cronotopo histórico com o estético, mostrando que as fontes de informação do conflito tanto
podem ser orais, como baseadas no “grande livro, a obra-prima clássica”. FH e HM

Duas obras do século Xxi, retomam o hipotexto canudiano: Luzes de Paris e fogos de Canudos
de Ângela Gutierrez, e O Pêndulo de Euclides de Aleilton Fonseca ( esse já tem no PPGELL). O
primeiro utiliza cartas e páginas de um diário como suporte da narrativa.

Outro campo semântico suscetível de formar uma formação cronotópica histórica, que
aparece em todo ciclo, é o da religiosidade, sertão medieval, messiânico, antiguidade universal
( “ O sertão é uma Bíblia escancarada”, Fontes, 2002, 152).
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E o messiânico se alia ao sebastianismo, podendo puxar uma “perna “ cronotópica autônoma


ou não ( para ser verificado).

Campos semânticos Tb das relações comunicação/guerra, instalação do telégrafo e da


construção da estrada de ferro, a metaficção geográfica ( romper fronteiras), planos de
engenharia.

Temos largo material para examinar os cronotopos das guerrilhas contra a ditadura, luta
urbana ( aparelhos, bancos, prisões, os “porões”), luta rural ( sertão), atravessados de várias
linhas ideológicas. Antonio Callado, Gabeira, Emiliano José, Marcelo Paiva, Paulo Martins,
Érico Veríssimo, etc.

Na passagem da guerrilha ao tráfico de drogas e à formação do Comando Vermelho, vamos ter


HC, que , através do Realismo brutal, nos permitirá extrair um hipotexto histórico, com base
nos territórios urbanos denominados de favelas ou neofavelas.

Teremos o campo semântico do encontro de presos políticos e presos comuns já representado


em memórias do Cárcere de Graciliano. Como a organização do crime poderá se constituir em
formação cronotópica espelhando a história contemporânea do Brasil, com a atuação de
regimes autoritários que configuraram as formações sociais do país?

Teremos a Heterocronia, Em Liberdade, (Silviano Santiago). Heterecronia em As meninas de


Belo Monte ( Chiavenatto), mostrando que a luta pela terra em Canudos continua através da
Pastoral da Terra e MST. Nessas heterocronias, temos o Fantástico e o Maravilhoso.

Rubem Fonseca mostra a transformação das crianças de rua, mergulhadas no crime, que não
são mais os capitães de areia romantizados de J. Amado. Paulo Lins mostra como as crianças
de Cidade de Deus são treinadas para o crime e constitui o embrião do Comando Vermelho.
( Vide Dicionário de Personagens afro-brasileiros) Ferrez mostra como se formam as
quadrilhas e Soares e Pimentel debaterão, através de MH e HM, como o BOPE se transforma
em personagem de uma trama histórica. ( Tropa de Elite 1 e 2), Aqui temos realismo brutal,
gótico, Roman noir, policial......

Atenção: Nesse intervalo que teremos de greve e de minha viagem a Montreal, leiam os
textos, reflitam sobre esse esquema de análise, observando uma obra ( livro OU filme de suas
pesquisas ou de seus interesses) , procurando os campos semânticos, cronotopos, MH, HM e
HC, realismos ou maravilhoso, etc.
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