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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE HUMANIDADES, ARTES E CIÊNCIAS PROFESSOR


MILTON SANTOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

ADALTO RAFAEL NASCIMENTO SILVA

A PROMESSA DO NACIONALISMO: MANUTENÇÃO/RESISTÊNCIA


NO SISTEMA INTERNACIONAL

Salvador
2019

ADALTO RAFAEL NASCIMENTO SILVA

A PROMESSA DO NACIONALISMO:
REPRODUÇÃO/RESISTÊNCIA NO SISTEMA
INTERNACIONAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Relações Internacionais da
Universidade Federal da Bahia – UFBA.

Linha de Pesquisa: Organizações Internacionais e


Processos Políticos Contemporâneos

Orientador: Prof. Dr. Marcos Guedes Vaz Sampaio

Salvador
2019

RESUMO

O texto que segue nas próximas páginas trata-se de uma pesquisa científica elaborada no
âmbito das Relações Internacionais, e tem por intuito a análise da evolução histórica do
conceito de nacionalismo, pressupondo a possibilidade que este conceito tenha sido utilizado
para produzir, reforçar ou reproduzir os pilares estruturais de um sistema que permite a
construção de assimetrias relacionais que levariam à opressão (formal e informal) de uma
parte dos atores partícipes deste mesmo arcabouço. Durante a pesquisa desenvolveu-se um
marco teórico do nacionalismo, reforçado por dois pressupostos principais. O primeiro diz
respeito à natureza do nacionalismo, que seria caracterizado como uma doutrina política. O
segundo trata do momento fundador desta doutrina, tomada aqui como produto da
modernidade, e das possíveis consequências de seu surgimento neste período específico.
Verificou-se, a partir de revisão bibliográfica e análise comparativa de textos centrais da
literatura que trabalha conceitos de nação e nacionalidade, que os movimentos nacionalistas
não possuem caráter único, flutuando entre ações revolucionárias ou reacionárias a depender
do momento histórico e dos interesses das classes envolvidas. No entanto, o nacionalismo
atua, independentemente do lado definido, no sentido de reproduzir uma lógica que permite e
legitima relações assimétricas, refinando e sofisticando as estruturas de opressão e violência
no sistema internacional.

Palavras-chave: Nacionalismo; nação; emancipação; opressão.



ABSTRACT

The text that follows in the next pages is a scientific research elaborated in the scope of the
International Relations discipline, and aims to analyze the historical evolution of nationalism,
mainly as a concept, assuming the possibility that it has been used to create, reinforce or
reproduce the structural pillars of a system that allows the construction of relational
asymmetries that would lead to the oppression (formal and informal) of a part of the
participating actors of this same framework. During the research, a theoretical framework of
nationalism was developed, reinforced by two main assumptions: nationalism would be a
political doctrine, product of modernity. It was verified, from bibliographical review and
comparative analysis of central texts of the literature that works concepts of nation and
nationality, that the nationalist movements do not have a unique character, fluctuating
between revolutionary or reactionary actions depending on the historical moment and the
interests of the classes involved. However, nationalism acts, no matter what side, to reproduce
a logic that allows and legitimizes asymmetrical relations, refining the structures of
oppression and violence in the international system.

Key-words: Nationalism; nation; emancipation; oppression.



SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................6
2. DEBATES E CONCEITOS ............................................................................................12
2.1 O NACIONALISMO E SUA PROBLEMATIZAÇÃO ................................................12
2.1.1 PRIMEIRAS TENTATIVAS: O SURGIMENTO DA DICOTOMIA
NACIONALISTA ...................................................................................................................13
2.1.2 NACIONALISMO: IDEOLOGIA E POLÍTICA .......................................................21
3. PRAGMATISMO SENTIMENTAL: PRESSUPOSTOS PARA A CONSTRUÇÃO
DE UMA VISÃO SOBRE NAÇÃO O NACIONALISMO .................................................34
3.1 QUESTÕES FUNDADORAS: O PRIMORDIALISMO ..............................................35
3.2 MODERNIDADE E POLÍTICA ...................................................................................43
4. A PROMESSA DO NACIONALISMO.......................... Erro! Indicador não definido.
4.1 O(S) NACIONALISMO(S) E O(S) MUNDO(S) ..........................................................69
4.1.1 O MUNDO DO SISTEMA INTERNACIONAL ...................................................69
4.1.1.1 NAÇÃO NO MUNDO DO SISTEMA INTERNACIONAL ....................................72
4.1.1.2 O PODER NACIONAL .............................................................................................75
4.1.2 EMANCIPAÇÃO .....................................................................................................81
4.1.3 MANUTENÇÃO ......................................................................................................91
5. CONCLUSÃO................................................................................................................101
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................108
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1. INTRODUÇÃO

O debate acerca dos nacionalismos, apesar de adormecido nos últimos anos, não é novo,
mesmo nas Relações Internacionais. O que o traz de volta para o centro dos debates
contemporâneos é uma união de dois movimentos: o primeiro, relacionado ao próprio campo
das Relações Internacionais; o segundo, a uma conjuntura política específica, de agitação de
ânimos e discursos de segregação, muitas vezes pautado nas questões étnica e nacional.

A ascensão de estudos relacionados à importância da identidade nas relações internacionais é


sensível após os anos 1990, e o nacionalismo é muito comumente vinculado a questões
identitárias. Essa virada é produto das críticas construtivistas à visão de mundo das teorias de
base epistemológica positivista. O debate inter-paradigmático (WAEVER, 1996) surge no
intuito de incluir novas perspectivas e questionamentos às Relações Internacionais, presas a
uma mesma visão de mundo, apesar de composta por teorias diversas (SMITH, 1996;
RUGGIE, 1998). Essa preocupação possibilitou que novos caminhos se abrissem, permitindo
que mais atenção fosse dada a questões relacionadas à cultura, idiossincrasias e
especificidades relacionais. Dentre os diversos elementos identitários passíveis de influenciar
as relações internacionais, destaca-se o nacionalismo, por sua intimidade umbilical com o
Estado (BREUILLY, 1985; 1996; HOBSBAWN; RANGER, 2008), mas também em função
da sua capacidade de delimitação, exclusão e inclusão. Este último ponto se dá em fina
sintonia com a conjuntura da política internacional atual.

O segundo ponto traz à tona a discussão acerca do fortalecimento, nos últimos anos, de uma
extrema direita nacionalista, de base xenófoba. A defesa da nação se impõe como dever e a
auto-percepção identitária aparece como elemento primordial para a garantia do bem-estar
social. O cosmopolitismo das tentativas de criação de uma sociedade internacional, defendido
como essencial para o correto tratamento a problemas globais (e não apenas internacionais)
vêm sendo substituído rapidamente por um movimento de retorno às fronteiras. A primazia do
local em detrimento do global. Endossando este discurso, o nacionalismo é vocalizado de
maneira agressiva, como escudo contra a invasão bárbara da imigração, miscigenação étnica,
multiculturalidade. O discurso nacional é encarado como boia de salvação à maldição da
globalização, fechando seus precursores em bolas de bilhar, tal qual desenhadas pelas teorias
realistas dos anos 1950 a 1970. Paradoxalmente, a voz desse debate defende que o nacional é
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suficiente (ou ao menos o ponto mais importante) para se compreender "identidade", fechando
as portas para perguntas que aprofundem o debate e as fronteiras para tudo aquilo que é
diferente.

Não são raras as vezes em que grandes esforços tomam lugar a partir de pequenos passos. No
caso deste trabalho, assim como de tantos outros, a pergunta norteadora era curta e simples,
mas escondia por detrás de si imensa complexidade: o que é nacionalismo?

O processo para responder à pergunta foi doloroso e metamórfico, com tantas idas e vindas
quanto se pode imaginar. No final, a situação se resume numa decisão quase contraditória de
não apenas abandonar a empreitada de responder, definitivamente, o que seria nacionalismo,
mas também de desistir de problematizar o termo, caminhos mais conhecidos da pesquisa
social.

A escolha pelo abandono destes caminhos se deu justamente em função da complexidade do


termo frente à maturidade do pesquisador: uma dissertação de mestrado talvez não
comportasse a musculatura necessária para um debate desta profundidade. Além disso,
descontruir de maneira crítica não é simples, mas seria um caminho alternativo ao que de fato
se buscava.

E o que de fato se buscava não era explicar o nacionalismo, mas entender sua função no
sistema internacional, no mundo ontológico da pesquisa em RI. Os temas referentes à
formação do sistema internacional ganham papel de destaque na hierarquia de interesses deste
pesquisador, pois parecem ser capazes de formar a maneira pela qual as relações
internacionais se tornam possíveis. Em última instância, o jogo da política internacional deve
obedecer a determinadas regras, e é o seu entendimento que inicia um processo de
aprofundamento na compreensão das ações dos jogadores envolvidos. Questionar não o
nacionalismo, mas a estrutura do sistema internacional foi o ponto de partida real desta
pesquisa, que finalmente se afastou do campo do senso comum e da dúvida genuína e
gradativamente se aproximou da epistemologia das Relações Internacionais.

Como já foi dito, a intenção não é a realização de uma análise meta-teórica do nacionalismo,
produzindo uma síntese paradigmática capaz de responder à pergunta posta nas primeiras
linhas deste texto. Pelo contrário, aqui se buscará avaliar o nacionalismo como conceito em
seu estado atual e real, in natura. Sem necessariamente questioná-lo, a pergunta se direcionará
para a compreensão de como este conceito foi capaz de moldar o sistema internacional, a
partir do pressuposto de que, mesmo nos casos de luta de emancipação, há reprodução de um
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sistema intrinsecamente excludente. É importante frisar que aqui não se busca afirmar que o
nacionalismo é o único, ou mesmo o mais relevante conceito formador do sistema
internacional, mas, sim, um dos mais relevantes.

Essa iniciativa foi facilitada após a decisão de incluir alguns pressupostos na pesquisa, que foi
diminuindo seu caráter crítico ao longo das leituras e ganhando um ar mais voltado para a
compreensão do conceito de nacionalismo. O primeiro pressuposto é de que o nacionalismo
trata-se, acima de tudo, de uma expressão política, que toma a forma de ideologia, doutrina ou
movimento. Foi necessário, para se chegar a esse pressuposto, adicionar um marco histórico
para o surgimento da nação, já que o nacionalismo seria, em tese, um movimento político
pautado neste conceito. Tomando como base a literatura monumental selecionada para o
trabalho, chegou-se à conclusão que nação e sentimento nacional só surgem a partir do Estado
moderno, ou seja, do século XVII, mas se consolidam como forma de organização social após
a Revolução Francesa. Nesse sentido, a lógica construiu o segundo pressuposto, qual seja, o
nacionalismo seria um produto da modernidade.

Tomando como base os pressupostos definidos bem como o problema supracitado, partiu-se
para a elaboração de algumas hipóteses, visando abarcar grande parte das possibilidades de
resposta. As próprias terminologias utilizadas para definir o nacionalismo e a posição
temporal das respostas hipotéticas é um indicador do enraizamento dos pressupostos.

Nesse sentido, o esforço não partiu do interesse de construir hipóteses auto-excludentes, mas
complementares, já que o problema é amplo e cheio de nuances. A primeira delas trabalha a
possibilidade de as lutas nacionalistas alcançarem algum nível de emancipação, mas, apesar
do relativo sucesso da maioria delas, a lógica de opressão no sistema internacional se
manteria, havendo apenas uma substituição da fonte desta opressão, que passaria das antigas
metrópoles para o sistema (leia-se o capitalismo e hegemonia neoliberal).

A segunda hipótese entra num campo mais construtivista, defendendo que a normatização do
mundo obrigaria novos atores recentemente emancipados a se conformarem à lógica do
sistema internacional. Essas normas seriam criadas no seio de instituições de base ocidental,
quando não colonial e, dessa forma, posicionariam novos atores em locais de fala menos
privilegiados e perpetuariam relações desiguais. Em outras palavras, a emancipação
nacionalista apenas reafirmaria a posição subalterna destes novos atores, contribuindo para
que esta posição seja reforçada do ponto de vista da legitimidade normativa do sistema
internacional contemporâneo, que não mais comporta relações coloniais formais. O
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nacionalismo seria, nesse sentido, uma ferramenta de reprodução e sofisticação do sistema


colonial.

A terceira hipótese indica que as lutas de resistência nacionalista possuiriam importância


étnica e geográfica essencial para o desenho do sistema internacional, pois é apenas a partir da
emancipação do jugo colonial que novos atores surgem para gerar mudanças no tabuleiro
político global, uma visão mais otimista dos movimentos nacionalistas.

Seguindo na esteira da última hipótese, a quarta possível resposta à pergunta-problema


também tem nuances mais positivas, pois enxerga que a emancipação política com viés
nacionalista contribuiria para o surgimento de uma nova visão acerca do sistema internacional
que, se não o modificaria imediatamente, certamente o faria de maneira gradativa. Os novos
arranjos que nasceriam destas mudanças contribuiriam para que imperialismo e
hierarquização colonial fossem, ao menos, suavizados.

A quinta hipótese traz o debate para o campo da contemporaneidade, pois no sistema


internacional contemporâneo, as lutas de resistência e emancipação com base nacionalista
contribuiriam diretamente para a diminuição das relações de opressão, à medida que
posicionariam horizontalmente os novos atores frente a seus antigos opressores. Une-se a isso
o papel destacado das instituições internacionais na atual conjuntura, e seu esforço para
suavizar relações desiguais.

A sexta e última hipótese é ainda mais otimista que as últimas, e visualiza que qualquer
movimento que transforme em ilegítimas relações fundamentalmente desiguais é benéfico
para a diminuição da opressão no sistema internacional. As lutas nacionalistas seriam, nesse
sentido, centrais para diminuir o peso da opressão entre os povos, e o nacionalismo não
possuiria relação direta com as bases hierárquicas do sistema internacional.

Como já deve ter ficado claro, as hipóteses acima não são reducionistas, mas abrem amplas
possibilidades de compreensão e resposta à pergunta-problema, criando avenidas conceituais
que poderiam ser seguidas. Visando recortar estas possibilidades, os objetivos do trabalho
precisavam ser muito bem definidos.

O primeiro problema que surge destas leituras e conjecturas gira em torno da conceituação do
que seria nacionalismo. Esse é o objetivo específico mais relevante do trabalho, e que traz
consigo a necessidade de também compreender o que seria e como surge a nação. Por mais
que estas sejam questões centrais do trabalho, não haveria espaço para um debate abrangente
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sem perder o foco, voltado para a explicação de como o nacionalismo molda o sistema
internacional. Ou seja, outro objetivo do trabalho é questionar a possibilidade de mudança ou
reforma do sistema internacional a partir do nacionalismo e suas expressões políticas,
verificando se o nacionalismo possui capacidade emancipatória, se na verdade trabalha no
sentido da manutenção das estruturas de dominação, ou se é uma ferramenta de reprodução do
sistema internacional, independente do caminho a ser tomado.

Responder a essa questão sem entrar em estudos de caso foi o maior desafio deste estudo, pois
seria quase impossível pontuar o poder emancipatório do nacionalismo sem acessar
indicadores de emancipação e testá-los em movimentos reais. O caminho escolhido para
resolver essa questão e manter a natureza teórica do trabalho foi incluir a bibliografia da
Teoria Crítica, e expor o nacionalismo aos seus teoremas. Nesse sentido, compreender
emancipação é outro objetivo central desta pesquisa.

Esse esforço seguirá uma estrutura metodológica baseada em dois eixos principais que por sua
natureza acabam por se tocar em diversos momentos. O primeiro diz respeito à revisão
bibliográfica, onde será construído o alicerce teórico necessário para análises posteriores.
Neste ponto será importante identificar textos centrais relacionados à base teórica do trabalho,
especialmente aqueles que discutam nação, nacionalismo e criação do Estado. O segundo eixo
do trabalho se baseará em metodologias de análise de discurso, conforme trazido no trabalho
de Ivan Neumann (2008). Segundo o autor, chama-se de discurso todo um conjunto de ações
realizadas por agentes sociais com base em interpretações de realidades únicas. Para tanto, o
autor recomenda três passos, que devem ser seguidos nesta pesquisa: 1) delimitar os textos a
serem analisados, identificando os monumentos, ou textos centrais daquele tópico; 2) mapear
quaisquer assimetrias entre representações nestes mesmos textos; e 3) hierarquizar estas
representações, sempre levando em consideração a historicidade na qual cada representação
se inclui (NEUMANN, 2008).

É neste momento que o cerne metodológico do trabalho vem à tona. A partir da identificação
dos textos monumentais, seria possível realizar inferências e comparações acerca das
interpretações de nacionalismo na visão destes teóricos centrais ao mesmo tempo em que os
faz dialogar com a lógica do nacional no sistema. Ao interpretar e comparar a visão de
nacionalismo em cada autor central será possível consolidar uma visão acerca do conceito,
baseada principalmente nos pressupostos definidos acima.
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Finalmente, se buscará, a partir de revisão bibliográfica e análise de discurso, compreender de


que maneira os conceitos de nacionalismo e nacionalidade permeiam a vida política
internacional. Para isso, se faz necessário cruzar as informações teóricas e verificar, a partir
destas, se a organização do sistema internacional é estruturada a partir de uma "lógica
nacional", e quão profundamente este conceito está inserido em suas bases. Com isso,
questiona-se se a geometria deste ordenamento está enraizada nestes conceitos, gerando
instituições que o tomem como pedra fundamental.

No entanto, buscar-se-á compreender qual o nível de causalidade entre estes conceitos e a


construção do sistema, experimentando partir do pressuposto que, mesmo que permeados por
questões relacionadas à nacionalidade, não estão automaticamente algemados aos
nacionalismos.

Seguindo para o fechamento desta seção, pode-se resumir o raciocínio empreendido na


construção deste trabalho da seguinte maneira: o sistema internacional seria construído a
partir de uma base nacional, influenciado por conceitos de nacionalidade. Sua disposição,
mesmo que informalmente, seria hierarquicamente organizada, o que permitiria e contribuiria
para a existência de relações desiguais. A opressão gerada por esta assimetria relacional
provocaria a rebelião de certos atores, que se utilizariam muitas vezes de um discurso de base
nacional para se emancipar. No entanto, este mesmo caminho poderia ser tomado por
movimentos que busquem a manutenção de suas posições privilegiadas, chamando ao
nacionalismo quando percebem que suas vantagens comparativas podem estar sob ameaça.

Assim surge o último dos pressupostos do tripé formador desta pesquisa, que dá título ao
trabalho: apesar de conter diversas faces, o nacionalismo serviria, em última instância, como
ferramenta de reprodução deste sistema internacional, levando consigo todas as suas
vantagens e desvantagens.
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2. Debates e Conceitos

A primeira parte deste trabalho servirá como poço fundamental de onde serão retirados os
gatilhos conceituais desenvolvidos em seções posteriores. Para isso, inicia-se a discussão
trazendo à tona uma reconstrução histórica do conceito de nacionalismo, elencando de
maneira enciclopédica seus principais paradigmas. É certo que neste primeiro momento não
será imprescindível cravar o motivo que leva determinados grupos organizados a levantar a
bandeira nacional como principal hino de sua luta, muito menos se estas lutas são de
emancipação ou reacionárias: para além disso, esse capítulo tentará realizar um apanhado
histórico e, na medida do possível, generalista, do nacionalismo.

2.1 Debates e conceitos: o nacionalismo e sua problematização


Existe grande debate na literatura das ciências sociais acerca do período de surgimento do
nacionalismo, seja como conceito, ideologia, movimento político. Não cabe a este trabalho
responder qual o mais acertado, mas, por questões de parcimônia metodológica, se faz
necessária a escolha de um caminho.

Em certa medida, a definição deste momento (surgimento do nacionalismo) depende muito da


compreensão do que é nacionalismo. Greenfield (1992) defende que há evidências de que o
sentimento nacional ganha força na Inglaterra apenas no século XVI. Certos teóricos
enxergam que laços étnico-nacionais já podiam ser observados na Europa no século XV
(SMITH, 1995). Hastings (1997) consegue identificar este mesmo sentimento ainda antes,
quando pontua o desenvolvimento do sentimento nacional inglês por volta do século XIV.
Seguindo numa linha diferente de todos, mas talvez mais condizente com o escopo deste
estudo, define-se o século XVIII como marco principal do surgimento do nacionalismo em
todas as instâncias trabalhadas no capítulo, inclusive no que diz respeito ao seu estudo
conceitual. De maneira geral, os conceitos atualmente tratados como elementos básicos da
doutrina nacionalista foram elaborados por pensadores do século XVIII (BENNER, 2013, p.
167).
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Essa escolha se dá em função de uma assunção conceitual, defendida principalmente (mas não
exclusivamente) por Benedict Anderson, Ernest Gellner e Eric Hobsbawm, que posiciona o
nacionalismo como um elemento bastante específico, que só pode ser percebido em sua
essência mais completa após a Revolução Francesa (BURKE, 2013, p. 109). Antes disso, é
possível perceber elementos da nacionalidade, com o compartilhamento de expressões
culturais, identitárias, ou mesmo étnicas, que contribuíam para a coesão social. No entanto,
este conjunto de sentimentos não é suficientemente organizado para que possa ser
considerado nação em sua acepção moderna, que é o foco deste trabalho.

Ozkirimli (2000) assevera que ainda nesse período não era possível divisar correntes teóricas
que promovessem um debate sobre o surgimento do nacionalismo: todas tomavam a
nacionalidade como algo dado e inquestionável. A preocupação dos teóricos do período dizia
respeito à aplicação destes conceitos e não ao seu questionamento. Estas primeiras tentativas
são normalmente vinculadas ao Romantismo Alemão do século XVIII que, por sua vez, é
bastante influenciado por teóricos ainda mais antigos, como Immanuel Kant (Ibid.). Ou seja,
se faltam textos monumentais no estudo do nacionalismo, também não se pode negar a
existência da problemática dentro dos trabalhos de grandes autores clássicos.

Tomando este pressuposto como base, seria possível secionar as primeiras produções
epistemológicas aderentes ao estudo do nacionalismo nos séculos XVIII e XIX em duas
esferas distintas: os nacionalismos partidários e os críticos (Ibid.).

2.1.1 Primeiras tentativas: o surgimento da dicotomia nacionalista


A primeira turma, formada pelos teóricos voltados para o nacionalismo partidário (Ibid.), é
permeada, em sua maioria, por historiadores. Basicamente, o historiador enquanto cientista, é
capaz, se assim entender, de criar mitos no passado. Por mais paradoxal que a afirmação
possa parecer, existe certa lógica em sua concepção: uma vez identificado certo fato histórico,
o mesmo pode ser ressignificado dentro de uma teia de ações e reações que reverbere nos
tempos atuais. O historiador estaria, dessa forma, trabalhando no sentido de dobrar a verdade,
aproximando-a de um ideal não necessariamente factual (HOBSBAWN; RANGER, 2008).
Além da capacidade de literalmente reescrever a História, os historiadores teriam, segundo
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Anthony Smith (1996), a capacidade de hierarquizar elementos, dentre eles movimentos


sociais. Essa ação geraria o reposicionamento da relevância de determinadas pautas em
função de outras, sendo o sentimento e ligação nacional apenas um exemplo.

Para além dos historiadores, boa parte da primeira leva de teóricos do nacionalismo partidário
possuíam uma visão essencialmente ambígua, se aproximando da crítica em vários momentos.
Para este grupo de autores, formando por filósofos como Rousseau, Herder, Kant, Fichte,
Hegel, Mill (alguns desses serão analisados com maior profundidade nas seções
subsequentes), a formação nacional e seu casamento com as estruturas políticas era um
movimento necessário, mas nunca totalmente livre de problemas (BENNER, 2013, p. 168).

O próprio surgimento do nacionalismo (ou do debate sobre o nacional) diz respeito às


condições da evolução do pensamento filosófico do Iluminismo Europeu. Kant, por exemplo,
produz uma contribuição no sentido de pontuar a relevância do livre arbítrio, posicionado em
sua teoria como a forma ótima de liberdade: “[t]he end of man was to determine himself as a
free beign, self-ruling and self-moved, and religion, rightly understood, was the perpetual
quest for perfection” (KEDOURIE, 1961, p. 25-6). Esse raciocínio leva Kedourie a pontuar a
inseparabilidade da nacionalidade e política, partindo do princípio de que a legitimidade é
essencial para a governabilidade de um povo. Em suma, o único tipo de governo legítimo
seria um formado nas bases nacionais (KEDOURIE, 1961, p. 9). A Revolução Francesa é a
reificação deste sentimento, a realização factual do programa proposto pelo Iluminismo
Europeu. É como fica explícito na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, quando
define que a soberania reside essencialmente na nação (Ibid. p. 12).

As contribuições de Kant, por sua vez, podem ter sido influenciadas pelo trabalho de
Rousseau, responsável por dar mais espaço ao debate nacional dentro da filosofia política. O
argumento moral em torno da autodeterminação e soberania só ganham centralidade nos
debates sobre nacionalidade e legitimidade após as intervenções rousseunianas. O próprio
conceito de nação passa, em Rousseau, pelo voluntarismo e capacidade de autogerência: a
única ligação necessária dentro de uma comunidade é o acordo em torno da forma de governo
e respeito à autoridade; laços históricos e culturais podem ser relevantes, mas não são
superiores aos primeiros, e serviriam apenas para dar maior sustentação à legitimidade gerada
pelo respeito às instituições (BENNER, 2013, p. 170).

A visão de Rousseau traz consigo uma carga de originalidade, propondo uma diferenciação
dos nacionalismos focados nas semelhanças biológicas, mas não se afasta totalmente deste
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argumento. O autor chama a atenção, no entanto, para as agências individuais e para a


precedência das escolhas políticas em relação a quaisquer outras questões. O nacionalismo
voluntarista, pautado na cidadania pós-Revolução Francesa, seria tão racional quanto um
nacionalismo xenofóbico, pautado no ideal de defesa contra invasões. É por esse motivo que
Rousseau apoia as causas de córsegos e poloneses, defendendo que, em um determinado
momento, não seria irracional se estes se pautassem em elementos étnicos. Por fim, o que
Rousseau pontua é que ambas as visões estão baseadas no mesmo princípio, qual seja, o
desejo de autodeterminação.

O último clássico escalado para esta sessão é Johann Gottfried von Herder, teórico de
importância capital para o desenvolvimento da filosofia alemã, seja em função da qualidade
de seu produto intelectual, seja pela sua larga influência em outros autores de peso atemporal,
como Hegel, Schleiermacher, Nietzsche, Dilthey ou mesmo Mill, que bebeu na fonte de
Herder em busca da consolidação de sua filosofia política (FORSTER, 2018). Sua
importância fica clara quando se entra em contato com o extrato abaixo:

Herder’s fame rests on the fact that he is the father of the related
notions of nationalism, historicism and the Volkgeist, one of the
leaders of the Romantic revolt against classicism, rationalism and
faith in the omnipotence of scientific method – in short, the most
formidable of the adversaries of the French philosophes and their
German disciples (BERLIN, 2013, p. 208).

Assim como Kant, Herder também acessou os trabalhos de Rousseau para construir seu
pensamento, mas aparentemente os encarou de um ponto de vista mais crítico, se afastando de
seus mestres em quase todo o percurso. Destarte algumas afinidades, como a aceitação dos
nacionalismos partidários e sua importância para a sobrevivência dos Estados mais fracos
perante às pelejas entre as potências europeias, o nacionalismo em Herder (e a construção da
nação de uma forma geral) não se parece em nada com os trabalhos de Kant ou Rousseau. Seu
trabalho tem raízes numa aversão visceral contra o racionalismo, muito provavelmente em
função da natureza teorizadora e generalista desta corrente. Essa posição abre espaço para que
Herder questione diversos tipos de generalização, não apenas no sentido acadêmico e teórico,
mas também social, permitindo que sua atenção fosse cooptada pelos particularismos do
mundo que o cercava.
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Basicamente, a visão do autor prussiano se cristaliza nas especificidades nacionais, fazendo


frente às tentativas universalizantes de seus predecessores. Mas busca, com esse movimento,
o mesmo fim: a garantia da autodeterminação dos povos. Como pressuposto principal da
formação nacional estariam os laços linguísticos, capazes de desenhar as teias de significado
necessárias para consolidar a legitimidade tão discutida por Kant ou Rousseau (BENNER,
2013, p. 173). Em outras palavras, a nacionalidade não seria tão voluntarista quanto disse
Rousseau, ou tão racional quanto disse Kant, mas quase natural, fincada em princípios mais
próximos às subjetividades do indivíduo. Indo além, a universalização em si não deveria ser
encarada como algo positivo, pois abriria espaço para legitimar movimentos dominantes por
parte das potências europeias. “Echoing Martin Luther, he suggested that vernacular
languages (...) were closer to nature and God’s truth than the ‘dead’ Latin of priests, or the
stilled French favoured in many German courts” (Ibid.).

Herder foi capaz de analisar, de uma forma bastante sofisticada, as relações internacionais de
seu período, e a organicidade de seu pensamento, focado na defesa do nacionalismo, era
totalmente justificável frente à sua visão de mundo. Suas asserções sobre o nacionalismo se
afastam um pouco da esfera política e entram mais na cultural, inaugurando um novo
momento no estudo deste conceito. Principalmente, Herder elabora uma nova fronteira para a
legitimidade nacional: nenhum outro filósofo tinha, até aquele momento, identificado a
linguagem como fonte primordial da legitimidade de comunidades políticas.

Essa afirmação gera uma inspiração ambígua nos movimentos nacionalistas do século XVIII,
mas que mantém seus ecos em situações mais atuais. Seja visando um multiculturalismo
pacífico, seja defendendo o nacionalismo étnico, questões culturais serão trazidas à tona com
certa frequência. Herder evidentemente não será introduzido na íntegra em todos os
movimentos nacionalistas, mas algumas partes do seu trabalho certamente corroboram a tese
de separação e exclusividade de determinados povos. Por mais que o filosofo compreendesse
a importância da multiculturalidade e até rechaçasse as tentativas de criação de estados
monoglotas, muitas interpretações de seu trabalho darão voz a movimentos racistas e
violentos. De modo geral, o que Herder buscava chamar a atenção é de como o idioma e a
linguagem podem servir como elemento de união nacional, assim como o podem ser
instrumentalizados para facilitar a dominação de povos mais fracos (HERDER, 1913, p. 65-8
apud BENNER, 2013, p. 174). Outrossim, sua tese não fora criada com intenções a servir
como panfleto justificante para a violência nacionalista, mas sim como elemento de reflexão
acerca da necessidade de se respeitar a multiculturalidade e promover a coexistência nacional.
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Numa época em que impérios multiétnicos eram regra na Europa, os escritos de Herder
podem ter adquirido carácter explosivo, pois evidenciavam a violência da dominação
linguística.

Partidário, Herder tentou esclarecer de que maneira a influência francesa, cultura


preponderante na Europa, poderia criar um universalismo nocivo, em especial à cultura
germânica. Provavelmente referindo-se à capilaridade da Revolução Francesa e à potência
militar da França Napoleônica, Herder urge seus correligionários à resistência através do
fortalecimento de instituições essencialmente germânicas1. O mesmo esforço é encapando por
um contemporâneo, Johann Gottliebe Fichte, que apesar de concordar com Herder no que
tange à importância capital do idioma para a formação nacional, se afasta do último ao adotar
uma postura de guerrilha. No texto Adresses to the German Nation, elaborado em 1808,
Fichte não se interessa mais pelas posições iniciais dos seus trabalhos filosóficos, e ataca a
invasão napoleônica. Seu texto era um chamado à população germânica, que deveria lutar
pela manutenção de sua cultura e realidade específica (MOORE, 2009). Heirich von
Treitschke escreve um pouco depois de Herder e Fichte, mas parece se valer do mesmo
partidarismo de seus compatriotas.

Para von Treitschke, o Estado era o fim último da organização social, e este deveria se
organizar com base na nacionalidade da sua população (OZKIRIMLI, 2000, p. 23). No
entanto, sua contribuição é carregada de certa originalidade, pois confere ao Estado a
capacidade de unificar uma população a partir de determinados elementos culturais, como o
idioma, por exemplo. É justamente por atribuir uma carga mais dinâmica ao nacionalismo,
que von Treitschke prefere atribuir valor às questões biológicas, como laços de sangue, por
exemplo. Sua visão o leva a defender a unificação da Alemanha sob liderança prussiana,
justamente em função do argumento étnico-cultural que envolvia este pleito à época.

O nacionalismo e a preocupação em compreender os processos de formação nacional podem


não estar no cerne do pensamento destes autores, mas Benner (2013) consegue identificar
padrões nestes escritos, principalmente no que diz respeito à relevância da nacionalidade para
a consolidação da unidade interna, baseada na legitimidade; e na defesa contra invasores
externos, baseada no princípio da autodeterminação. De maneira similar, já neste período

1
Esse movimento é interessante, pois os princípios de autodeterminação nacional surgem das cinzas da Casa
Bourbon; ao tentar se afastar do domínio cultural francês, Herder acaba por se apropriar das ferramentas criadas
no seio da Revolução. É um paradoxo bastante comum entre cientistas sociais, e de fato não invalida o trabalho
do autor prussiano; mas é um fato interessante o suficiente para ser trazido à tona, inclusive em função da sua
proximidade com as hipóteses básicas deste trabalho.
18

algumas questões referentes à universalização de preceitos frente ao interesse nacional são


possíveis de ser extraídas, questões estas que se refletem na contemporaneidade (Ibid.). O que
os diferencia pode ter sido importante para delimitar os caminhos dos paradigmas e visões
que buscam compreender o nacionalismo, já que se falou de autores que buscam identificar no
voluntarismo, leis e moral a legitimidade necessária para coesão nacional, enquanto outros se
preocupam em posicionar as características culturais como superiores a todas as outras. Como
síntese do debate elaborado acima, pode-se dizer que enquanto Rousseau e Kant entendem
que a legitimidade parte das leis e instituições, e que a liberdade depende da evolução moral,
Herder adentra um terreno mais sociológico, pautado na coexistência pacífica de culturas
definidas a partir de princípios linguísticos.

É evidente que cada visão carrega suas verdades, que por sua vez podem ser criticadas e
desconstruídas ao limite. No entanto, para facilitar o salto conceitual que se segue, seria
interessante elaborar um pouco mais a crítica à visão de Herder, de acordo com o que Benner
(2013, p. 177-8) chama a atenção. Em suma, por mais que a identificação cultural seja um
fator relevante para coesão social e, por conseguinte, para geração de legitimidade, há uma
dificuldade fundamental em posicioná-la acima das vontades políticas. Num primeiro
momento, já seria complicado pré-definir estes grupos, pois dificilmente existiu
(principalmente na Europa) uma divisão territorial coesa baseada apenas em princípios
linguísticos. Avançando um pouco mais, mesmo se outras características culturais ou mesmo
fenotípicas fossem adicionadas ao julgamento, ainda assim seria quase impossível trabalhar
no sentido de separar estas populações apenas com base nestas escolhas. Enfim, a
legitimidade e coesão social dependem de escolhas, e estas quase sempre estarão vinculadas a
interesses e lutas políticas extremamente complexas, que podem perpassar questões étnico-
culturais, mas que não necessariamente serão direcionadas por elas. É com base nesta visão
que o segundo grupo de teóricos mais proeminentes no século XIX trouxe à tona
características mais críticas ao estudo do nacionalismo, seja em função de um posicionamento
cosmopolita (e por isso crítico ao nacionalismo do ponto de vista idealista) ou marxista (que
já trabalha uma crítica mais pragmática, percebendo nas estruturas nacionais a possibilidade
de aprofundamento das distâncias entre classes).

Inicialmente, pode-se recorrer aos trabalhos de Lord Acton, mais especificamente o artigo
trazido no tomo Mapping the Nation, organizado por Gopal Balakrishnam. Nesse texto, Acton
defende a multiculturalidade, pregando a necessidade e as vantagens das organizações sociais
multiétnicas. A nacionalidade e o nacionalismo seriam, nesse sentido, um passo retrógrado na
19

História (ACTON, 1996), pois forçam o estacionamento das relações sociais à medida em que
freiam a possibilidade de construção de uma nova lógica relacional, que vá além da
nacionalidade. É importante ressaltar que, apesar de ser posicionado aqui no campo crítico,
Acton é um pensador de viés liberal, e por esse motivo defende que a união nacional, em
função da sua natureza constritora, levaria, invariavelmente, à revolução.

Apesar da relevância deste tipo de interpretação crítica mais cosmopolita do nacionalismo,


talvez as contribuições de maior peso partam de autores de base marxista. O problema dos
marxistas com o nacionalismo poderia ser encarado de duas formas: o primeiro, muito
vinculada à sua raiz metodológica; o segundo, de caráter mais aplicado, serviria como
impedimento para a consolidação de seu ideal maior, qual seja, o internacionalismo
revolucionário.

Em função do seu enraizamento no racionalismo iluminista, os teóricos marxistas criticam o


nacionalismo pelo simples fato de o mesmo não ser capaz de produzir mais vantagens
individuais do que as estruturas de classe. O nacionalismo não seria, seguindo este ponto de
vista, uma escolha racional, pois o mundo se organiza com base em relações essencialmente
materiais, dando importância muito menor a questões subjetivas. No cálculo de custo-
benefício, o indivíduo preferiria, frente às dificuldades da vida cotidiana, abrir mão da
convivência com base na identificação cultural em função de uma possibilidade de melhoria
na qualidade de vida. E identificação de classe seria muito mais forte do que a identificação
nacional: na visão marxista, o operário da Alemanha não é tão diferente daquele da Inglaterra.
Na verdade, um operário inglês se identifica mais facilmente com um trabalhador alemão, o
que com os lordes da corte londrina.

Os marxistas seriam muito cautelosos ao analisar a possibilidade de o nacionalismo produzir


paixão suficiente para pagar os abismos entre as classes sociais (KITCHING, 1985), mas não
mede esforços para desmistificar suas origens. Se não se afastam totalmente da possibilidade
de encarar os elementos identitários elencados no romantismo alemão, certamente a visão
crítica marxista enxerga a possibilidade de instrumentalização destes estímulos, visando a um
interesse político mais intrincado. O nacionalismo passa a ser encarado como uma projeção
ideológica, irracional e emotiva (Ibid.) utilizada pelas classes dominantes como ferramenta de
opressão. Etnia, cultura, idioma, seriam apenas elementos retóricos utilizados pelas classes
dominantes visando manter afastadas as classes oprimidas. E é nesse ponto que a crítica
marxista evidencia suas nuances mais orgânicas.
20

Para além do falseamento racional, a visão crítica de base marxista entende o nacionalismo
como um entrave à aplicação prática da sua ideologia. Diante da visão de que seria necessário
derrubar as barreiras nacionais e unir o proletariado de todo o mundo, o nacionalismo seria
um elemento refreador do internacionalismo marxista, seja em função da instrumentalização
encampada pelas camadas mais abastadas da sociedade, seja pela simples sugestão de que o
mundo precisaria ser organizado com base na nacionalidade e não em quaisquer outros
elementos de exclusividade.

Ozkirimli (2000) encampa numa crítica acerca de possíveis inconsistências em O Manifesto


do Partido Comunista, defendendo que o texto abre mão de levar o nacionalismo em conta
quando sugere a união do proletariado internacional. O que Ozkirimli (2000) deixa passar, no
entanto, é que Marx e Engels não apenas estavam cientes da relevância do nacionalismo como
sugerem ativamente que o mesmo seja superado em primeira instância. A consistência da
crítica marxista se faz perceber exatamente neste momento, pois em ambos os casos, o foco
principal se dá na capacidade de as classes dominantes se apropriarem da retórica nacionalista
para dificultar a identificação de classes. Ao trabalhar no sentido de impulsionar, ou
simplesmente trazer à tona, questões étnicas e culturais, o nacionalismo trabalharia no sentido
oposto à luta do proletariado, que vê a necessidade de superação destas diferenças para que
finalmente a emancipação possa se concretizar2.

Obviamente a visão marxista leva em consideração um período em que a luta de classes de


fato se consolida por toda a Europa, não se preocupando em criticar com tanta precisão algum
tipo de manifestação nacional anterior à Revolução Industrial. O modelo de Estado-nação que
se formava no período era a expressão última da vitória do modo de produção capitalista
sobre o feudalismo (NIMNI, 1991), o extrato mais refinado da era da modernidade. Em outras
palavras, apesar do teor crítico, os marxistas se mantêm afastados de uma questão central para
este trabalho, qual seja, a narrativa de construção do nacionalismo. Ao relegá-lo à posição de


2
Uma visão marxista bastante influente pode ser extraída dos trabalhos de Otto Bauer, que se debruçou sobre os
conflitos entre tchecos e alemães pelo domínio da região da Boêmia. Bauer admite que tanto as diferenças de
classes quanto as nacionais são realidades objetivas. Nesse ponto estaria se distanciando um pouco dos marxistas
de uma forma geral, mas só num primeiro momento: sua hipótese principal mantém o foco na luta de classes e
sustenta a sugestão que, uma vez apagadas as distâncias entre as classes sociais, as diferenças nacionais seriam
motivo de cooperação e não de conflito. Olhando esta imagem com mais atenção, é possível até mesmo fazer
uma ligação com Herder, que também via nas sociedades multinacionais uma forma de progresso cooperativo e
não de atraso conflitivo.
A principal crítica ao trabalho de Bauer aponta que o mesmo cai no clássico erro marxista: reducionismo
referente à luta de classes. Aceitar a visão de Bauer seria como retornar ao terreno da cegueira onde tudo diz
respeito à batalha entre classes dominantes e oprimidas (BREUILLY, 1985).
21

inferioridade quando comparado à luta de classes, o nacionalismo passa a ser encarado como
um conceito pouco caro aos marxistas, que são criticados por esse reducionismo excessivo,
como já trazido há pouco.

2.1.2 Nacionalismo: ideologia e política


Por mais que a cisão entre nacionalismos partidários e críticos seja positiva do ponto de vista
didático, é importante frisar que, de maneira alguma, ela é abrangente o suficiente para
elucubrar todos os debates produzidos entre os séculos XVIII e XIX. Certamente, ela não
daria conta de produzir um ponto sólido o suficiente para que o salto temporal até o século
XX se faça de maneira satisfatória. É por esse motivo que alguns dos autores abaixo
precisaram ser retirados desta primeira seção, e trazidos para uma problematização mais
intensa neste momento.

Ozkirimli (2000) dá grande importância aos trabalhos nacionalistas do século XX,


subdividindo o século em três períodos principais. O primeiro se iniciaria ao final da Primeira
Guerra Mundial, se estendendo até o início da Segunda Guerra Mundial; o segundo momento
acontece justamente entre 1945 e 1980, enquanto o terceiro compreenderia os trabalhos do
pós-Guerra Fria até o final do século. Por mais que o mesmo recorte não seja trazido neste
momento, ele será muito útil para categorizações mais generalistas, assim como para a
identificação dos principais textos de cada período. De uma maneira geral, o que se buscará
demonstrar aqui é a evolução conceitual do nacionalismo, que se torna um objeto de estudo
das ciências sociais, abrindo espaço para questionamentos interdisciplinares, principalmente
tocados pelas Ciências Políticas (inclusive as Relações Internacionais) e Sociologia.

O material encontrado para cimentar a ponte entre o século XIX e o século XX é fornecido
pelos produtos dos estudos do filósofo e historiador francês Ernst Renan. Influenciado por
Kant e Hegel, Renan vive o final de uma era, e já experiencia os primeiros sinais da queda dos
impérios do mundo do século XIX. Num esforço de consolidação do entendimento do
nacionalismo como expressão política, característica que começa a se consolidar neste
período, Renan (2000) se volta à questão básica de “o que de fato dá forma uma nação”.

But what is a nation? Why is Holland a nation, when Hanover, or the


Grand Duchy of Parma, are not? How is that France continues to be a
nation, when the principle which created it has disappeared? How is
22

that Switzerland, which has three languages, two religions, and three
or four races, is a nation, when Tuscany, which is so homogeneous, is
not one? Why is Austria a state and not a nation? In what ways does
the principle of nationality differ from that of races? (Ibid. p. 12)

A ideia por trás do pensamento de Renan é enriquecedora e debate com pressupostos já


levantados neste texto. Segundo o autor, a nação não é perene, mas uma expressão temporal,
não necessariamente vinculada a questões étnicas ou culturais. A nação teria um início assim
como um potencial fim, e a identidade necessária para sua sustentação existencial estaria
ligada a um passado glorioso, um mito fundador fantástico, uma vitória antológica sobre os
inimigos externos. A nação seria formada por um espírito único, o Volksgeist dos alemães
(como Herder, mas também para Renan), responsável por nortear a nação no sentido do seu
destino e missão, mas também servir como memória do seu passado (SMITH, 2001, p. 38). O
que se percebe até o momento é o afastamento das leituras mais naturalistas promovidas pelo
romantismo alemão e uma reaproximação do racionalismo kantiano, ou mesmo
rousseauniano. Renan abre mão das visões objetivistas, que definem a nação simplesmente
em função de características fenotípicas ou mesmo culturais. É por esse motivo que Ozkirimli
(2000, p. 23) assevera que os trabalhos de Renan representam o esforço mais sofisticado para
a compreensão do nacionalismo do seu período.

Para Renan, uma característica muito relevante para a construção de uma nação é a sua
capacidade de esquecer. Não o esquecimento ativo como trazido na clássica obra de George
Orwell (2009), ou a história anacrônica construída pelos historiadores partidários: Renan
(2000) menciona a passiva capacidade de permitir que certas verdades se tornem tácitas,
depois fantasmagóricas e, por fim, inexistentes. Esta seria uma habilidade passiva e inerente
ao ser humano, um elemento constitutivo da nação e a constante na fórmula social do
nacionalismo. Por esse motivo, Renan é visto como o mais eminente promulgador da ideia do
nacionalismo voluntarista, ou subjetivo, sendo inclusive posicionado no espectro dos
nacionalistas partidários (OZKIRIMLI, 2000). Seria possível resumir essa afirmação em torno
da ideia de produção voluntária (mas não necessariamente autônoma ou racional) de um
sentimento agregado, constantemente validado pelo indivíduo (BREUILLY, 1985, p. 8;
BLOOM, 1993, p. 23; SMITH, 2001, p. 36-8, 49).

Essa afirmação abre largo espaço para o debate acerca da atemporalidade da nação,
promovido por alguns dos autores já citados até o momento e revisitada com maior força nas
visões paradigmáticas subsequentes. Um dos mais famosos teoremas criados por Renan
23

(2000) diz respeito à metáfora de sobrevivência da nação vinculada a um plebiscito tácito e


contínuo, apresentado à população, nos níveis da subconsciência, vinte e quatro horas por dia.
Ou seja, a perenidade da nação não estaria vinculada apenas a questões externas ao indivíduo
(como o pertencimento étnico ou linguístico) mas por ações que trabalhem no sentido de
reafirmar sua existência continua e ativamente. As ações podem até não parecer
automaticamente vinculadas ao reforço da nacionalidade, mas assim o são. Em outras
palavras, a sobrevivência da nação depende destes movimentos de reafirmação incutidos em
cada movimento individual. Quem forma e significa a nação são os indivíduos: uma vez que
os indivíduos param de se compreender como membros de uma nação, a mesma deixa de
existir. O nacionalismo estaria, portanto, no dia-a-dia e não apenas num movimento distante e
formalmente organizado. A nação estaria menos ligada a questões de identificação natural e
automática, para não dizer totalmente desligada destas marcações; e totalmente vinculada à
decisão e vontade individual. Se faz quase desnecessário salientar o claro retorno às visões
voluntaristas de Rousseau e Kant, e o abandono do nacionalismo do romantismo alemão. Em
uma palavra, esta visão voluntarista posiciona o nacionalismo no campo das liberdades e dá
ao indivíduo o poder de construir e constituir a nação.

Ao analisar as contribuições de Renan, John Breuilly (1985) evita as simplificações


exageradas e busca trazer à luz elementos que certamente nortearam o seu próprio trabalho
(que será avaliado nos próximos capítulos). Para o autor britânico, não é como se ao defender
que as liberdades de escolha e formação nacionais, Renan simplesmente abrisse mão dos
níveis de organicidade necessários para que um movimento subjetivo ganhe força. Na
verdade, o trabalho de Renan adiciona um nível analítico que contribui para maior
problematização do nacionalismo: neste momento atinge-se um ponto em que se aceita a
mutabilidade, questionamento e entendimento da nacionalidade como uma expressão e não
como um objeto antológico. As nações são, inclusive, formadas por motivos diferentes e
emanam de fontes diferentes, dificultando sua conceituação como um grupo único (RENAN,
2000). Este movimento de teorização excessiva foi produzido até mesmo por autores como
Herder, que tentaram ativamente se afastar das generalizações, e por isso que os trabalhos de
Renan são caros para Breuilly.

O século XX significa uma guinada para tentativas de relacionar o nacionalismo com as


ciências políticas (GELLNER, 1987; OZKIRIMLI, 2000). Como deve ter ficado evidente, a
progressão do pensamento nacionalista passa por batalhas epistemológicas que hora
24

posicionam características biológicas acima das nuances políticas da sociedade, hora tomam a
forma inversa.

Neste século bastante movimentado para todas as ciências sociais, as principais contribuições
da sua primeira metade dizem respeito à tipificação dos nacionalismos, mais encarados como
movimentos políticos do que como conceitos problematizáveis. Nesse sentido, é possível
perceber grande influência da História além das Ciências Políticas na tentativa de diminuição
do buraco conceitual que já vinha sendo sentido há anos (JAMES, 1996, p. 182).

Ozkirimli (2000) pontua o início desta progressão do estudo do nacionalismo nos anos 1920,
a partir dos estudos de Hayes e Hans Kohn: eles definiram o nacionalismo como objeto de
investigação; entendem o nacionalismo mais como fato positivo, do que como norma;
entendem que o nacionalismo é, em certa medida, um desenvolvimento histórico; utilizam
análises comparativas; e normalmente evitam análises biológicas do nacionalismo. Seria
como dizer que, a partir de 1920, inicia-se um movimento de abandono dos nacionalismos
apaixonados dos séculos XIX (exclusive os trabalhos de Renan) ao mesmo tempo que se
ensaia uma aproximação mais sociológica do conceito. É também em função disso que o
presente estudo deverá se debruçar com mais atenção nesse recorte histórico, e trabalhará com
foco especial, em dois momentos distintos, com diversos autores que escreveram nesse
período, visando relacionar estas teorias com aquelas das Relações Internacionais advindas da
mesma motivação fundamental sociológica.

Hayes pode ter sido o primeiro a tomar uma postura mais asséptica quanto ao nacionalismo. O
autor pregava a existência de uma forte empatia quanto à cidade, comunidade, líder, império,
mas não necessariamente vinculada à nação. Essa ligação nacional não é tão antiga quanto
algumas correntes pregam, e só se tornaria amplamente sensível no século XVIII (HAYES,
1955, p.10).

Hayes trabalha no sentido de produzir uma tipificação do nacionalismo, visando facilitar uma
compreensão mais generalista acerca do tema. A verdade é que, a partir deste tipo de esforço,
os autores buscavam construir uma espécie de mapa, que abrisse os caminhos para a
compreensão dos nacionalismos a partir da identificação de padrões do passado. A
enumeração de Hayes prevê seis tipos principais de nacionalismo, que serão explicitados de
maneira genérica. Seriam eles: nacionalismo humanitário, que encara a nação como evolução
natural da sociedade (1); nacionalismo jacobino, visão mais extrema do nacionalismo
humanitário, que traz consigo um forte zelo missionário e intolerância às dissidências (2);
25

nacionalismo tradicional, mais vinculado às aristocracias conservadoras, que trabalha de


forma reacionária, diferente dos dois exemplos trazidos acima (3); nacionalismo liberal, de
inspiração kantiana, via no nacionalismo como forma última de autodeterminação dos povos
(4); nacionalismo integral, que pregava que a nação deveria ser vista como um fim em si
mesmo, e sua manutenção e progresso eram mais importantes do que as liberdades e desejos
individuais (5); e o nacionalismo econômico, expressão mais moderna do nacionalismo, trata
o interesse nacional a partir de uma visão essencialmente materialista, posicionando cada
nação numa raia elaborando, metaforicamente, uma espécie de corrida internacional por
matérias-primas e mercados (6) (HAYES, 1955, p. 13-287).

A visão de Hayes gerou críticas por se tratar de uma tipologia essencialmente europeia
(SNYDER, 1968) ou mesmo anglo-francesa (SMITH, 1983), o que seria difícil de negar já
que a própria acepção de nação detém forte base europeia. Tipificar nações e nacionalismos
significaria, quase sempre, analisar o que acontece na política europeia. Saindo desta ceara,
avaliar o nacionalismo para fora da Europa dependeria, no máximo, da aplicação de signos
identificados inicialmente em nações europeias. Em seguida à primeira crítica, Smith (1983)
pontua que seria muito complicado tipificar o nacionalismo em função da sua base
essencialmente ideológica e multifacetada: o mesmo nacionalismo pode ser visto em
movimentos totalmente separados entre si. A tipologia de Hans Kohn poderia, então, ser
considerada mais completa e foi amplamente utilizada por diversos autores da História e
Sociologia: o teórico estava muito mais preocupado em compreender as diferenças morais dos
nacionalismos do que simplesmente estabelecer uma tipologia fria, movimento que mitiga o
risco de cair no mesmo eurocentrismo presente no esforço de Hayes (OZKIRIMLI, 2000, p.
41-2).

Em A Era do Nacionalismo, Hans Kohn escreve que o nacionalismo sofreu uma evolução
histórica iniciada no século XVIII pelos países do norte da Europa e suas colônias, e se
consolida como movimento essencialmente europeu já no século seguinte. A “era do
nacionalismo” evidenciou as diferenças entre os seres humanos e sociedades, basicamente
separados entre ocidente e oriente. Não obstante, sua tipologia segue essa lógica: os
nacionalismos ocidentais estavam muito conectados com questões de classe, divisão do
trabalho e expansão das liberdades individuais; os nacionalismos orientais surgem somente
após a formação dos Estados, têm forte conexão com mitos e conexão histórica e são
utilizados como ferramenta de emancipação da dominação externa (KOHN, 1963).
26

Segundo Kohn (1963), os nacionalismos ocidentais diziam respeito à manutenção das


liberdades e direitos de uma classe média europeia, enquanto os nacionalismos orientais
seguiam uma linha de luta de resistência e emancipação. Enquanto no primeiro pode-se dar
mais relevância a questões econômicas, luta de classes, ou mesmo dever civilizatório, no
segundo fica quase impossível não trazer à tona os mitos e as questões subjetivas que vinham
sendo abandonadas ao longo de décadas de estudo do conceito. Os nacionalismos ocidentais
buscavam manter o estado de coisas enquanto os orientais se preocupavam em questionar este
mesmo estado, sem necessariamente fugir à sua lógica básica. Já em Kohn é possível perceber
a mistura entre as visões sobre o nacionalismo trabalhadas até o momento, e um certo pudor
em estabelecer leis imutáveis para todas as nações. A nação criada à imagem e semelhança da
Revolução Francesa não é refutada por estes autores, mas é certamente questionada, abrindo
espaço para as problematizações dos anos vindouros.

A tipologia de Hans Kohn (1963) acaba abarcando a de Hayes (1955), pois trata de maneira
mais geral as questões referentes à aplicação do nacionalismo como ferramenta política. Ao
invés de separar os movimentos em pequenas peças, Kohn parece fazer um trabalho mais
complexo e desafiador: unir as peças complexas que formam os movimentos nacionais,
buscando encontrar padrões mínimos em sua aplicação no terreno político real.

Essa visão pode ser agrupada à visão de Snyder (1954) que tipifica o nacionalismo de maneira
um pouco mais simplória, mas ainda assim muito útil a esse estudo. Seu trabalho divide os
nacionalismos em integrativo, disruptivo, agressivo e contemporâneo (Ibid.). Suas principais
características seriam autoexplicativas. No entanto, por mais importante que seja, o esforço de
Snyder acaba perdendo força quando comparado ao de Hans Kohn, principalmente porque o
primeiro autor cai num vício de tentar posicionar as manifestações nacionalistas de sua
tipologia em momentos históricos precisos. Ou seja, enquanto os nacionalismos integrativos
ficam presos entre as décadas de 1810 e 1870, os agressivos representam os momentos que
precedem e antecedem a Primeira e Segunda Guerras Mundiais (SNYDER, 1954). Não que
não exista certa verdade nesta concepção, mas o reducionismo desta tipologia a aprisiona e
impede que a mesma análise seja realizada fora da Europa, por exemplo. Em outras palavras,
não é porque os nacionalismos verificados na Europa durante as primeiras décadas do século
XVII são de natureza integrativa que os identificados no mesmo período em outros lugares do
mundo poderão ser interpretados como possuidores da mesma natureza. Indo além, não seria
possível afirmar que exista uma progressão lógica e imutável para o desenvolvimento dos
nacionalismos.
27

Tentando se afastar desse problema, Snyder (1968) tenta, em outra obra, trabalhar uma nova
tipificação, dessa vez com enfoque regional, analisando os movimentos nacionalistas nascidos
na Europa, África, Oriente Médio, Ásia, América Latina e Estados Unidos, além da União
Soviética. Cada região recebeu um selo, capaz de compreender as principais características
dos movimentos empregados. Smith (1996) defende que o esforço de Snyder é válido para
afastar o fantasma do eurocentrismo, mas não se pode abrir mão de criticar o reducionismo
novamente trabalhado pelo autor: se em sua primeira tipificação Snyder (1954) exagera na
prisão temporal, na segunda (SNYDER, 1968) estabelece fronteiras regionais quase
intransponíveis. Uma vez mais, há problematização acerca das especificidades dos
nacionalismos temporais e regionais, mas não necessariamente um questionamento sobre o
nacionalismo ou a nação em si. Dizer que os nacionalismos europeus são diferentes dos
africanos é quase um truísmo, mas ao mesmo tempo é o reforço de uma doutrina que
posiciona a nação como forma universal de organização social.

Por fim, se faz mostrar a tipificação elaborada pelo historiador e clássico teórico das Relações
Internacionais, Edward Carr (1968). Seu princípio é que o nacionalismo é totalmente
questionável: não é imutável, não é atemporal, não é natural. É histórico. Questionar o
nacionalismo não é apenas possível, mas recomendável. Pode-se, segundo Carr, dividir a
moderna história das relações internacionais em três períodos principais, cada qual
entendendo a nação de maneira muito específica e distinta.

O primeiro diz respeito à dissolução dos impérios no imediato pós-Revolução Francesa


(CARR, 1968, p. 2- 6). Até esse momento a nação era reduzida à figura do soberano: o povo
se unia e se identificava em torno da liderança institucional absoluta. Tomando como exemplo
o mercantilismo, Carr defende que o interesse nacional de enriquecer explorando as colônias
de além-mar nada tinha que ver com a garantia do bem comum ou interesse nacional
conforme se pensa nos dias atuais, e sim com o enriquecimento do Estado e da coroa. Ou seja,
interesse nacional era, na verdade, o interesse de uma classe aristocrática muito diminuta,
conquistado através da utilização de uma base de súditos que não tinham direito ou não
estavam automaticamente incluídos na divisão de seus espólios.

O segundo momento (Ibid. p. 6 – 17) compreende o fim das Guerras Napoleônicas até 1914.
Nesse período foi possível perceber uma relação mais íntima entre nacionalismo e
internacionalismo, já que os ideais da Revolução Francesa falavam de liberdade, inclusive
nacional, de maneira universal. Na introdução de Nationalism and the State, Breuilly (1983)
trabalha essas divergências de maneira muito precisa.
28

O cataclismo que significou a Primeira Guerra Mundial põe fim ao desenvolvimento desta
agenda liberal (CERVO, 2007) e abre espaço para o terceiro momento (CARR, 1968, p. 17 –
26), que tem fim no ano de 1939. Aqui percebe-se um retorno do nacionalismo em detrimento
do internacionalismo, com o fortalecimento de discursos agressivos. O interesse nacional
volta a se posicionar como principal fator de atuação internacional dos Estados e por isso há
uma tendência ao conflito em detrimento da cooperação na política europeia.

A tipologia de Carr (1968) pode até finalizar no ano de 1939, mas o que interessa de verdade
é a sua natureza histórica conferida ao conceito. A partir desta tipificação, percebe-se o
nacionalismo como um movimento pendular e metamórfico, que adquire características
específicas de acordo com a roupagem histórica que lhe é imposta, visão muito similar a
desenhada por Adam Watson (2002) em The Evolution of International Society.

É este o gancho que abre espaço para o último período histórico trabalhado nesta seção: a
segunda metade do século XX. Esse período pode ser considerado como o ponto de ebulição
do estudo do nacionalismo, muito em função dos movimentos emancipatórios na África e na
Ásia (OZKIRIMLI, 2000). Ainda seguindo o vácuo produtivo das décadas passadas, a
maioria dos autores se ateve em tentar precisar, através do recurso da tipificação, os
nacionalismos existentes, mas não ficaram presos a esses modelos. O ponto de partida foi a
diferenciação entre sociedades tradicionais e modernas, que abre espaço para toda uma veia
paradigmática que será analisada mais à frente.

Dentre outras contribuições, esta primeira separação colabora no sentido de diminuir o peso
dado às experiências nacionais europeias, abrindo o espectro de discussão para outros locais
do planeta. Esse movimento, no entanto, ainda está vinculado a um divisor de águas
essencialmente europeu, qual seja, a industrialização e surgimento da sociedade moderna
como um todo.

As visões deste período trazem consigo um certo apego a questões relacionadas ao


desenvolvimento, se preocupando mais com o último do que com o nacionalismo em si. A
preocupação destes estudiosos era compreender como uma série de preceitos pode ser
definitivo para confirmar o ponto de evolução social de uma dada comunidade. Nesse sentido,
seria possível dividir a evolução das sociedades em três momentos: a tradição, momento mais
primordial, onde as leis ainda encontram-se incipientes e o mito vale mais que a moral; a
transição, que é quando ideais mais avançados começam a se entranhar nas camadas internas
as instituições tradicionais; e finalmente a modernização, estágio final de desenvolvimento
29

das sociedades, quando se quebra totalmente com a ordem tradicional e novas regras são
instituídas no seio da sociedade (SMITH, 1983, p. 49-50; OZKIRIMLI, 2000, p. 48). O
nacionalismo teria uma função nessa modernização, motivando o povo na direção de
mudanças, criando identidade em momentos de crise ou motivando a união em momentos de
glória. Esse papel modernizador do nacionalismo permitiria que o mesmo fosse
instrumentalizado e utilizado para direcionar massas de indivíduos na direção de um
movimento específico. A relação entre essas características será revisitada com maior
precisão no segundo capítulo deste trabalho e por isso não se relegará tanto tempo à sua
explanação neste momento.

Avançando nesta linha do tempo, esbarra-se nos trabalhos de Karl Deutsch, autor que retoma
a tese central do romantismo alemão e reinsere a comunicação como elemento principal da
identificação coletiva. Mas está um passo à frente de Herder e Fichte: em Deutsch, a nação
seria formada essencialmente por indivíduos capazes de compartilhar e cooperar através da
comunicação social, que iria além do idioma comum. Basicamente, essa visão abre um espaço
para uma interpretação mais funcionalista do nacionalismo, já que o mesmo dependeria de
ações voluntárias e involuntárias produzidas no seio das relações sociais para que se
considerasse vivo. Os processos de construção nacional partiriam muito mais de processos
sociodemográficos (como a urbanização) do que por quaisquer outros elementos naturais. O
fato de a comunicação social ganhar a abrangência que ganhou nos anos pós-industrialização
apenas servem para fortalecer o argumento de Deutsch.

Outros autores vieram na esteira destes teoremas, consolidando as visões modernistas como
mainstream no que tange ao estudo do nacionalismo até os anos 1980. Elie Kedourie inicia
Nationalism (1961) conceituando nacionalismo como uma doutrina política criada na Europa
ao final do século XIX com o intuito de facilitar a organização populacional em torno de um
território legitimamente governado. Sua visão modernizadora, porém crítica, aponta que o
nacionalismo é o responsável por resignificar a nação: “(...) the very word nation has been
endowed by nationalism with a meaning and a resonance which until the end of the
eighteenth century it was far from having” (KEDOURIE, 1961, p. 9). Em última instância,
Kedourie traça o surgimento do nacionalismo e o entrelaça ao desenvolvimento do
pensamento romântico alemão, assim como foi feito há pouco, mas elabora o pensamento no
sentido de pontuar os aspectos científicos, mas também sociais do surgimento desta doutrina.
De um lado, o nacionalismo deve ser visto como uma doutrina elaborada por Fichte e Herder
30

(principalmente) significando uma coletivização dos ideais de autonomia kantiana, aplicados


em grupos culturais, étnicos e, sobretudo, linguísticos.

Por outro lado, o nacionalismo seria uma doutrina subversiva, essencialmente revolucionária e
perigosa, criada por intelectuais que se sentiam cada vez mais afastados da tradição e pouco
reconhecidos em função da sua superioridade educacional (SMITH, 2000, p. 63). É como se o
nacionalismo fosse um espasmo raivoso dos intelectuais alemães, que viam na tradição um
impedimento à sua merecida ascensão social. A micronização nacional poderia enfraquecer os
poderes imperiais tradicionais e reorganizar as camadas sociais de maneira mais proveitosa.
Smtih (2000, p. 23;31) reforça as características críticas da visão de Kedourie, que vê no
nacionalismo uma ideologia perigosa, capaz de gerar a paixão irracional responsável pelos
maiores atos de terror presenciados pela humanidade.

O outro trabalho seminal do período partiu dos esforços de Ernest Gellner que, juntamente
com Kedourie, cimentaram o paradigma modernista do estudo do nacionalismo. Seu texto
duro e direto expões uma visão crítica bastante agressiva, que ataca os estudos nacionalistas
sem exceção, sejam eles críticos ou partidários. Para Gellner, a psicologia rasa e utilitarista do
século XIX, seja em sua variação cínica ou na sua forma hedonística, não conseguiram
explicar a potência do nacionalismo (1978, p. 148). “Man is, istead, the prey of his Dark
Gods” (Ibid. p. 149), sendo estes deuses obscuros uma representação metafórica da lealdade
étnica e territorial que, segundo Gellner, retomam uma posição de centralidade no século XX.

A crítica de Gellner o leva a elaborar uma espécie de tipificação paradigmática dos


nacionalismos, elencando apenas três tipos principais de corrente de pensamento. É bem
verdade que Gellner prefere chamar esse exercício de separação de componentes, o que abre
espaço para uma interpretação de que o nacionalismo poderia ser explicado e/ou
compreendido através de uma equação constante. O primeiro componente comum às
doutrinas nacionalistas seria produto da filosofia e antropologia, mais voltado para uma defesa
da naturalidade da nacionalidade; o segundo, traria consigo argumentos advindos da
psicologia, pois se preocuparia em compreender as vontades humanas e explicar porque os
nacionais preferem viver em comunidade; a terceira via (ou componente), mais voltada para o
estudo da ética e legitimidade nacionais, serviria quase como um apoio, ou estaria quase
sempre vinculada à segunda visão, pois se voltaria para as explicações avaliativas acerca da
razão por trás da escolha nacional.
31

Essa tipificação é extremamente interessante, pois adiciona um nível de originalidade inédito


ao estudo do nacionalismo. Buscando falsear o racionalismo kantiano ao mesmo tempo em
que se afasta do naturalismo excessivo dos primeiros teoremas nacionalistas, Gellner (1978)
estabelece que, apesar de não poder ser biologicamente defensável, o nacionalismo seria, sim,
um elemento constitutivo do ser humano. O que parece ser contraditório é justamente o que
confere esta originalidade aos seus estudos: Gellner elabora o argumento em torno da
modernidade e, a partir desta visão temporal limitada, seria possível defender que o
nacionalismo seria uma condição necessária para o sucesso das organizações políticas (1978,
p. 151). O nacionalismo não seria algo inventado, mas uma condição real do desenvolvimento
humano (puxado pela locomotiva da modernização), uma necessidade sociológica (SMITH,
2000, p. 64).

Anthony Smith (2000), elabora um debate entre Gellner e Kedourie (debate este promovido
pelo próprio Gellner no sétimo capítulo de Thought and Change) que será retomado neste
momento em função da sua capacidade sintetizadora.

A primeira desvaneça entre os dois autores aparece na posição do pensamento kantiano dentro
de suas visões sobre o nacionalismo. Gellner rechaça o argumento de que Kant seria o “pai do
nacionalismo” ao afirmar que a boa vontade kantiana teria forças, no máximo, para atuar no
nível individual (GELNNER, 1978, p. 151; SMITH, 2000, p. 63; OZKIRIMLI, 2000, p. 54).
Gellner também não entendia o nacionalismo como um elemento tão pernicioso da vida
social, mas como um instrumento poderoso que poderia ser utilizado no sentido do
desenvolvimento humano. Essa visão não é, no entanto, totalmente positiva, como já trazido
acima. Isso se faz perceber quando Gellner (1978) posiciona a classe intelectual como líder do
nacionalismo, mas que não poderia levar à cabo suas ideias não fosse a força social do
proletariado (ou das classes sociais menos favorecidas, extrapolando o argumento para níveis
mais generalistas).

Nesse ponto, o pensamento de Gellner é endossado por Tom Nairn em The Break up of
Britain (1977), que aponta o desenvolvimento desigual (promovido mais pelas ondas
assimétricas de expansão do capitalismo do que pela modernização industrial, no entanto)
como maior responsável pelo recrudescimento dos nacionalismos no mundo colonial.
Seguindo essa realidade, tudo que as populações coloniais tinham era a si mesmas, em
comparação às armas e tecnologias das metrópoles. Nesse sentido, a mobilização popular
passava a ser encarada como elemento de sobrevivência: linguagem e cultura eram
32

canalizadas através dos sentimentos de massa, nacionais, transformados em movimentos de


resistência.

A última fronteira deste debate recai sobre a própria natureza ideológica do nacionalismo.
“For Gellner, in particular, ideology – nationalist ideology – is largely irrelevant, and
erroneous” (SMITH, 2000, p. 66). Volta-se ao argumento da naturalidade, onde Gellner
defende que o nacionalismo cria nações, e é a modernidade que impõe a necessidade de dar ao
nacionalismo tendências de naturalidade. O nacionalismo serviria como mediador da
modernidade, facilitado pelo processo de canalização dos ideais através da cultura.

Finalmente, o debate é brilhantemente resumido por Smith (2000) da seguinte maneira:


Kedourie vê o nacionalismo como uma doutrina da vontade humana, enquanto Gellner o
encara como uma expressão cultural do industrialismo. Enquanto Kedourie relega uma força
original ao nacionalismo, Gellner não aceita que as ideias promovidas pelo nacionalismo
raramente seriam mais fortes do a industrialização e modernidade no sentido de unir e separar
indivíduos.

O debate destes dois textos monumentais marca o fim da produção intelectual dos anos 1980,
marcada pela visão do nacionalismo como um produto da modernidade. Este paradigma se
mantém forte até os dias atuais, com leves alterações em suas asserções mais gerais. Para
Ozkirimli (2000, p. 56) as teorias nacionalistas que surgem a partir dos anos 1980 bebem
nessa fonte, mas tentam se afastar desta questão (modernização) para se concentrar em uma
problematização de base mais meta-teórica. Nesse sentido, estas novas visões buscam
identificar os fatores que levam à contínua produção e reprodução do nacionalismo como
elemento discursivo essencial das comunidades modernas e contemporâneas (CALHOUN,
1997, p. 123; BILLIG, 1995 apud OZKIRIMLI, 2000, p. 56).

O presente estudo se apoia na abertura destas novas possibilidades e busca justamente acessar
este questionamento mais central acerca da natureza binária do nacionalismo no mundo atual.
A preocupação não estaria voltada à análise do surgimento do nacionalismo como elemento
emocional dos seres humanos, ou mesmo de sua tipificação, trabalho realizado por diversos
autores conforme trazidos nesta seção. O esforço empreendido aqui diz respeito a uma espécie
de desconstrução e questionamento do nacionalismo com base em alguns pressupostos.

Nesse sentido, o próximo capítulo se voltará para a consolidação destes pressupostos, visando
garantir a musculatura conceitual necessária para sua aplicação e crítica no capítulo final deste
texto. O primeiro destes pressupostos segue na esteira do paradigma modernista (que será
33

trabalhado e problematizado). Essa assunção leva a crer que o nacionalismo não é um


sentimento perene, e abre espaço para duas interpretações complementares: nações possuem
uma data de nascimento (para este estudo, o final do século XVIII e início do XIX); e uma
possível data de superação (para não dizer fim). O segundo pressuposto diz respeito ao
falseamento do nacionalismo como produto da natureza, um sentimento puro, espasmódico,
uma implosão incontrolável que direciona a ação dos indivíduos, mas muito mais como uma
ideologia política poderosa e instrumentalizável.
34

3. Pragmatismo Sentimental: Pressupostos para a Construção de uma Visão Sobre


Nação e Nacionalismo

Uma vez realizada a exposição da evolução histórica do nacionalismo como objeto de estudo,
abre-se espaço para uma discussão mais localizada. A análise do desenvolvimento do conceito
de nacionalismo ao longo dos anos será utilizada neste momento para evitar anacronismos
epistemológicos, mas também para extrair padrões e exemplos que contribuam para possíveis
conclusões.

Este capítulo tem por função realizar uma apresentação crítica dos pressupostos do trabalho.
Em outras palavras, os conceitos básicos para o início dessa pesquisa serão expostos a teste
quando colocados em perspectiva em relação aos principais textos de estudiosos do
nacionalismo. É importante frisar, no entanto, que a construção de um conceito único ou uma
teoria geral do nacionalismo não é o objetivo deste trabalho. Com isso se quer dizer que, de
maneira alguma, os pressupostos confirmados ou questionados nessa seção, bem como o
resultado desse exercício, devem ser encarados como uma resposta última aos problemas
relacionados à compreensão do nacionalismo.

Nesse sentido, vale lembrar os principais pressupostos do trabalho sendo o primeiro deles a
natureza moderna do nacionalismo. A primeira verificação a ser realizada é se, de fato, o
nacionalismo pode ser considerado como uma expressão da modernidade a partir do ponto de
vista dos autores trabalhados na seção ou se o mesmo já se fazia presente no mundo pré-
moderno. Evidentemente essa seção se preocupará em conceituar modernidade e diferenciar
nacionalidade, identidade e nacionalismo. O segundo pressuposto diz respeito à natureza do
nacionalismo, que deve ser encarado por esse trabalho incialmente como uma ideologia
política. Neste ponto será necessário reacender o debate acerca da naturalidade do
nacionalismo e da nação versus sua instrumentalidade.

Para a elaboração de ambos os pressupostos se partirá de uma análise introdutória do primeiro


paradigma do nacionalismo, de onde serão retiradas as questões necessárias à
problematização dos conceitos.

Em suma, as próximas sessões devem trabalhar uma evolução menos linear do pensamento
nacionalista, focada no surgimento de paradigmas para o estudo do conceito. Esse movimento
35

foi necessário, pois grande parte do esforço de problematização do nacionalismo se concentra


no século XX, mas muito do que se produziu em momentos anteriores precisou ser revisitado
para que determinados preceitos pudessem se consolidar. De uma maneira geral, os recortes
paradigmáticos selecionados contribuirão no sentido de acender o debate necessário para a
consolidação de dois dos três pressupostos deste trabalho, quais sejam, que nacionalismo é
uma expressão modernidade, flexível o suficiente para ser instrumentalizada como elemento
retórico.

3.1 Questões fundadoras: o primordialismo


A compreensão do nacionalismo parte de um triplo questionamento, comum a quase todos os


estudos que se voltaram para esta questão. Num primeiro momento, se faz necessário precisar
quando o nacionalismo surge. Logo após esse esforço, normalmente os estudos posicionam
seu Norte para a compreensão do que é nação e nacionalismo. Normalmente, o último
momento é dedicado à explicação (ou defesa) do que para que serve o nacionalismo ou o
como é utilizado. Como bem define Ozkirimli (2000) poucos são os trabalhos que buscam, de
fato, atingir a última pergunta.

Sem nenhuma intenção de fugir à regra, é exatamente assim que se organizará esta seção. É
nesse sentido que se faz necessário estabelecer, antes de mais nada, o quando, o momento
fundador da nação e do nacionalismo. Se no capítulo anterior se buscou comprovar que o
surgimento do nacionalismo como objeto de estudos se dá por volta do século XVII, neste
momento a preocupação gira em torno da comprovação de que houve uma confluência
temporal no que tange ao surgimento do nacionalismo também como fato social.

O marco desta nova forma de organização social se dá quando da Revolução Francesa. É


neste período que o Abade de Siéyès escreve “Qu’est-ce que le Tiers État?” de onde se
extraiu a citação que segue abaixo:

The Nation exists before all things and is the origin of all. Its will is
always legal, it is the law itself (...). The exercise of their will is free
and independent of all civil forms. Existing only in the natural order,
their will, to have its full effect, only needs to possess the natural
characteristics of a will (apud. Smith, 2001, p. 43).
36

Da análise da conceituação do Abade de Siéyès é possível perceber uma máxima: a nação


sempre existiu. Ou seja, a nação como forma de identidade coletiva não emana da
modernidade, mas sim de questões compartilhadas pelos indivíduos desde o início de sua
existência. Independentemente de ter sido formalmente concebida a partir dos escombros da
França dos Bourbon, suas principais características são intrínsecas às sociedades humanas
desde tempos imemoriais até o presente (seja ele o século XVIII ou o XXI). A nação
possuiria, portanto, especificidades naturais que lhe confeririam um caráter espontâneo,
atemporal, anterior ao próprio indivíduo. É como interpreta Smith (2001, p. 51): nações
possuiriam atributos divinos de existência antes de todas as coisas, e seriam responsáveis por
gerar um sem número de outras coisas. Nações seriam primordiais. Este é o conceito que dá
corpo ao primeiro paradigma voltado para o estudo do nacionalismo, o primordialismo.

De maneira geral, pode-se afirmar que o primordialismo é o primeiro paradigma do


nacionalismo e, por incrível que pareça, ainda é a corrente mais verbalizada nos debates
acerca do verbete (BREUILLY, 1996; OZKIRIMLI, 2000; SMITH, 2001, 2003). Como o
próprio nome já leva a crer, as tentativas teóricas que compreendem esta corrente tratam a
nacionalidade como algo natural, inerente ao ser humano, primordial. O conjunto de fatores
que cria o que se entende por nação faz parte de um agrupamento de características naturais,
como o idioma, por exemplo. A relação do indivíduo com a família se dá num contexto muito
parecido: a proximidade entre os entes desta comunidade não se dá necessariamente em
função da convivência, mas por um sentimento quase etéreo, advindo de laços de sangue ou
de fontes que parecem já nascer no subconsciente (SHILS, 1957, p. 142). Nesse sentido, o
primordialismo interpreta a nação como uma espécie de grande família, unida por laços
étnicos, mas também por essa essência comum, que vai além das características fenotípicas
mais imediatas.

Quando se fala de um conjunto paradigmático certamente leva-se em consideração que o


mesmo não se trata de um monólito, mas de um conjunto de peças relativamente ordenadas.
Os primordialistas compõem um paradigma com visões que se aproximam no que tange à
naturalidade e ancestralidade que acompanham a formação nacional, mas possuem
divergências sensíveis em determinados campos3. A complexidade da identificação e
agrupamento dos primordialistas se dá principalmente pelo imenso debate em torno do

3
“To begin with, primordialism is an approach, not a theory. Is an ‘umbrella’ term used to describe scholars
who hold that nationality is a ‘natural’ part of human beings, as natural as speech, sight or smell, and that
nations have existed since time immemorial” (OZKIRIMLI, 2000, p. 64).
37

sentido da naturalidade, ou sobre o que pode ser considerado intrínseco e o que pode ser
agregado ao indivíduo em momentos posteriores da sua vida. Um conjunto de teóricos tenta
chegar ao limite desta questão, se aproximando da biologia para definir a nacionalidade como
algo tão natural quanto uma parte do corpo humano. É a partir desta percepção que se corta o
primeiro veio neste paradigma, encapsulando a corrente naturalista (SMITH, 1983; 2001).

Estes teóricos possuem uma visão extrema da nacionalidade, e são os principais responsáveis
pela hierarquização deste sentido de essência que se dá à nação. Por mais que um órgão vital
seja imprescindível para a sobrevivência do indivíduo, o mesmo poderia ser retirado; a
consequência seria a morte, ou no mínimo uma sequela gravíssima para o funcionamento do
corpo, mas a possibilidade existe. Porém, quando se trata de nacionalidade essa opção não
existe: por estar instalada na essência do indivíduo, seria impossível separá-la do mesmo.
Grosso modo, para os defensores desta visão, a nacionalidade é tão independente da vontade
humana quanto qualquer outra característica comportamental que nos acompanha desde o
nascimento.

Há uma visão crítica que posiciona os primordialistas como míopes às alterações da nação,
bem como às suas aplicações políticas, pois relegam relevância exagerada às questões
identitárias que envolvem a nacionalidade. Tentar compreender o que é a nação poderia
impedir os teóricos deste grupo de fazer perguntas mais voltadas para a compreensão do como
o nacionalismo é utilizado. Smith (2000, p. 46) tenta diminuir o peso desta crítica abrindo
espaço para alguns caminhos alternativos dentro do próprio paradigma, chamando atenção
para as visões mais atuais do primordialismo. De maneira geral, essa escola de pensamento
chama a atenção para a relevância dos laços étnicos para a definição da nação, mas não perde
de vista que nacionais carregam um modo de vida distinto, possuem apego à sua terra natal
além de um desejo de autonomia política (HUNTCHINSON, 1994, p. 3). A chave para
compreender o sentimento nacional está no correto alinhamento destes interesses, e é por isso
que estas afirmações precisam ser avaliadas em separado.

O “modo de vida distinto” diz respeito às características culturais específicas, não


necessariamente únicas se analisadas de maneira isolada, mas que certamente adquirem
natureza diferenciada quando avaliadas em seu conjunto. Uma sociedade religiosa não é algo
raro de se ver; mas quando se especifica mais o fenômeno (uma com religiões baseadas num
profeta específico, que tenham maior ou menor nível de interferência em questões políticas
etc.) essa diferenciação fica mais clara. Mesmo as sociedades que acreditam nos mesmos
mitos religiosos podem conter diferenças culturais enormes se analisadas com uma lente mais
38

aproximada. Além deste ponto, esse “modo de vida distinto” é responsável por criar uma ideia
geral do que seria parte e do que seria alheio a essa comunidade.

É justamente esse desenho geográfico da comunidade baseada nos preceitos únicos do seu
estilo de vida que criam as separações territoriais. Normalmente, essa comunidade possui um
“apego à sua terra natal” o que a imbui de uma série de mitos únicos. A construção desta ideia
serve de reforço para a tese de que a nacionalidade é natural e depende de características
fenotípicas, local de nascimento, exposição cultural. Essa visão é reforçada por Steven Grosby
(1991), que realiza uma análise comparativa de civilizações da antiguidade evidenciando a
importância do sentimento de pertencimento àquela terra, muitas vezes tida como prometida
e/ou exclusivamente separada para aquele povo pelo seu panteão particular. Grosby defende
que esse comportamento se repete entre egípcios e judeus, edomitas e gregos. Seguindo nesse
sentido, a sociedade primordial egípcia é um excelente exemplo deste apego à terra natal,
conforme explicitado por Siliotti:

Os antigos egípcios chamavam seu país kemet, ‘a terra negra’, para


diferenciá-lo do deserto ou deshret, ‘a terra vermelha’ que o rodeava,
e chamavam a si próprios de remet-em-kemet, ‘o povo da terra negra’
(2006, p. 16).

Caso tivesse oportunidade de entrar em contato com o trecho acima, Anthony Smith
provavelmente concordaria. Para o autor, o povo egípcio demonstra uma ligação fortíssima
com sua terra (em especial com as ricas várzeas das margens do Nilo), acreditando piamente
no mito de que o Egito pertence, de maneira inquestionável e exclusiva, aos egípcios
(SMITH, 2001, p. 105). Esse processo se desenvolve num nível muito mais intrincado quando
se pensa que ao se auto-intitular “povo da terra negra”, ao mesmo tempo em que define o que
é “terra negra” os egípcios criam uma barreira geográfica para seu grupo
étnico/cultural/religioso. O terceiro ponto deriva justamente da sofisticação deste processo de
separação, quando a comunidade inicia o desenvolvimento de regras e consolidação de
instituições capazes de organizar as relações entre seus indivíduos.

Algumas destas questões serão levantadas novamente para questionar o momento de


surgimento da nação, mas o argumento naturalista traz algo de diferente, que entende a nação
como este conjunto de identidades compartilhadas desde tempos imemoriais, e não
necessariamente como a expressão organizada do pós-Revolução Francesa.
39

A evolução do pensamento primordialista vai, aos poucos, o afastando das visões de essência
naturalista, incluindo aos poucos os trabalhos de autores que entendiam que um conjunto de
fatores sociais primordiais é o que de fato formava as nações. Peter Burke, por exemplo,
realizou um esforço intelectual formidável quando engloba a evolução do nacionalismo como
objeto de estudo entre os anos de 1500 e 1800, elaborando uma clara relação entre o mesmo e
as línguas vernaculares. É nesse sentido que Smith desenha a linha do nacionalismo socio-
biológico (2001, p. 52).

Pierre van den Berghe (apud SMITH, 2001), principal teórico desta corrente, desenvolve o
conceito de kin selection (uma visão claramente inspirada no darwinismo social), perfeito para
compreensão da maneira de pensar quase paradoxal desta teoria do nacionalismo. Em suma,
seria necessário separar elementos naturais dos sociais, mas a sua união é que daria força
suficiente para que um determinado grupo social pudesse se manter unido. O conceito se
baseia na ideia de que haveria uma espécie de seleção natural entre entes similares, e esta
mesma relação seria responsável por fortalecer todo tipo de laço étnico, biológico e cultural.
De maneira resumida, na visão do autor, o comportamento de preservação do material
genético é comum no reino animal, mesmo entre seres humanos. Evidentemente, essa seleção
é mais sofisticada em humanos do que em outras espécies, mas essa percepção só é possível
caso se extrapole o conceito de entes familiares para uma esfera menos pautada em
similaridades morfológicas. Mais uma vez é possível perceber a natureza passiva que a
corrente primordialista dá ao nacionalismo, postulando que essa essência poderia apenas ser
sentida, e que seleção nacional estaria além da capacidade de escolha dos indivíduos.

Ao analisar o trabalho supracitado, Smith (2001) aponta que as estratégias usadas para a
formação da rede social mencionada em Van den Berghe possuem caráter cultural, e é
justamente isso que permite ao indivíduo se perceber inserido numa rede familiar mais ampla
(wider kin network). O mesmo raciocínio é elaborado por Pierre Renouvin (2000) em
Introducción a la historia de las relaciones internacionales. Neste trabalho, o autor francês
desenvolve a íntima relação entre família e nação, defendendo que o início da última se dá na
primeira, argumento que se parece muito com a teoria de wider kin network e que ainda se
mantém dentro do escopo mais abrangente do paradigma primordialista. Tanto Van den
Berghe (apud SMITH, 2001) quanto Renouvin (2000) entendem que a família vai além das
características fenotípicas, corroborando o pensamento de Shils (1957, p. 130) que, dentre
outras questões, postula a relevância da família e da nação como elementos formadores da
ação individual muito em função da proximidade que estas instituições detêm do indivíduo.
40

Ou seja, nação e família possuiriam algo para além do sentimento de auto-identificação


exterior, um misto de características biológicas e culturais.

Como já deve ter ficado claro, Van den Berghe significa um avanço nas teorias
primordialistas, no sentido do afastamento da esfera estritamente biológica. O autor relega
mais importância a fatores culturais, diminuindo a potência da natureza na definição da
nacionalidade, mas sem abandoná-la totalmente. As estratégias de seleção possuem um certo
grau de racionalidade e justamente por isso não poderiam ser simplesmente encaradas como
naturais. As características supracitadas seriam utilizadas como marcadores culturais estando
o sucesso da nação (em termos de sobrevivência) atrelado à sua capacidade diferenciadora.
Esses simbolismos e aderências é que expõem a comunidade entre os entes de um povo, e
comumente se traduz em nação. “That is why people who are not directly related are
prepared to treat unknown co-ethnics as ‘kin’” (SMITH, 2001, p. 52, aspas no original). Ou
seja, não são os laços per se, sejam eles biológicos ou culturais, que promovem a coesão
necessária para a criação da nação, mas a interpretação e significação ativamente promovidas
pelo indivíduo a estes mesmos estímulos e signos. Indo além “(...) we, as individuals and
members of collectivities, feel and believe in the primordiality of our ethnies and nations”
(SMITH, 2001, p. 54, itálico no original).

A visão de Van den Berghe promove uma união analítica que permite a progressão do estudo,
justamente por sugerir que a natureza não seria, por si só, a principal fonte da nação.
Tomando esse ponto como base, infere-se que os significados dados aos símbolos são mais
importantes do que os próprios símbolos. Essa asserção deriva-se dos trabalhos de Edward
Shils (1957) e Clifford Geertz (1973) que, segundo Smith (2000) e Ozkirimli (2000), são
expoentes do chamado primordialismo cultural, uma visão que se apoia nas teias de
significado (no sentido weberiano) tecidas pelos próprios indivíduos que as compõem (Ibid. p.
73).

In other words, primordial attachments rest on perception, cognition,


and belief. It is individual members who assume that these cultural
features are givens, who attribute overwhelming importance to these
ties, who feel an overpowering sense of coerciveness, and so on
(SMITH, 2000, p. 47-8).

Seguindo nessa linha, os trabalhos do filósofo prussiano Johann Gottfried von Herder, muito
anterior à maioria dos autores citados até o momento, merecem uma releitura. No que tange
ao estudo do nacionalismo, Herder defende a comunicação como ferramenta primordial para a
41

definição dos laços identitários necessários para a consolidação da nacionalidade. Seria como
afirmar que o ser humano só pode ser assim entendido após o advento da capacidade de
comunicação, mais especificamente, da linguagem. O que Herder entende é que a capacidade
cognitiva estaria ligada à linguagem; isso define o ser humano mais do que o contrato social
ou o convívio social organizado (segundo a visão rousseauniana). Essa visão é compartilhada
com outros teóricos contemporâneos a Herder, ou mesmo policy makers que entendiam a
importância de um idioma comum para gerar o sentimento de comunidade necessário à sua
regência (BURKE, 2013).

O que posiciona Herder de maneira um tanto diferenciada é sua percepção de que o


pensamento é essencialmente dependente da linguagem: alguém só pode pensar se este
alguém domina as facetas da linguagem; e este mesmo alguém só consegue pensar naquilo
que é capaz de expressar linguisticamente (HERDER, 2002). A comunicação estaria,
portanto, acima de qualquer outra expressão ou relação social, sendo capaz de definir a
maneira pela qual um agrupamento social “pensa”. Para Herder, linguagem e pensamento são
indissociáveis: literalmente, pessoas que se comunicam em idiomas diferentes pensam de
maneira diferente (Ibid.; BERLIN, 2013; FORSTER, 2018). Ou seja, a Nationalsprache
(BURKE, 2013, p. 110) não seria apenas um instrumento, mas um elemento constitutivo da
nação.

Herder concordava com a visão mais ou menos aceita em seu tempo de que poetas e artistas
literários no geral se conformavam como uma importante fonte para compreensão de um
povo, pois suas palavras significavam a emanação da essência deste conjunto social
(BERLIN, 2013, p. 211), o que é mais ou menos o argumento que Burke (2013) constrói em
Nationalism and the Vernaculars. A literatura teria, inclusive, um papel destacado para a
compreensão de uma determinada sociedade em função da sua capacidade de expressar o
pensamento e sentimento, enquanto a História e as Ciências Políticas iriam tão longe quanto
fosse possível no relato técnico dos governos e governantes (SMITH, 2000, p. 50). A
contribuição fina de teoria de Herder para o desenvolvimento do conceito de nacionalismo
está pautada justamente na capacidade que a linguagem/comunicação possuem na criação de
significados e, por este motivo, se alinha à visão do primordialismo cultural recortado por
Smith (2000) e Ozkirimli (2000). O conjunto de características culturais que tornam um
determinando grupamento como único estaria pautado, nesse sentido, em sua capacidade
linguística e comunicativa, pois apenas assim seria possível desenvolver mitos fundadores
próprios, crenças e regras únicas e comuns apenas àqueles pertencentes ao grupo em questão,
42

à nação. Tomando esse argumento como base, entende-se que Herder de fato hierarquiza os
pressupostos de alinhamento social, mas não exclui a importância de outras fontes
fundamentais, inclusive as biológicas.

Em suma, a corrente primordialista defende a relação intrínseca entre o sentimento nacional e


o ser humano. A grande contribuição da corrente primordialista diz respeito justamente à
atenção dada às questões étnicas, mantendo abertas as vias analíticas que buscam
compreender o papel dos símbolos e do sagrado dentro dos movimentos nacionalistas. De
maneira geral, mesmo levando em consideração as diferenças existentes no interior desse
paradigma, a nação seria um elemento atemporal, sendo no máximo identificável, quando não
totalmente perceptível, dentro de realidade históricas pré-modernas. É como postula Smith
(2000):

It is exactly the so-called organic and primordial features of nations


and nationalisms, which Rousseau, Herder, and the Romantics first
highlighted, that we need to recall: the role of “sacred ethnicity” in
the rituals and ideals of the French Revolution and the elements of
pan-Turkist historicism in secular Turkish nationalism, of Russian
national fervor in Stalin’s Soviet Union, of mystical naturalism in
early socialist Zionism and liberal Indian nationalism (...) (p. 54).

Todavia, o que se busca provar aqui é que o nacionalismo não se trata de uma expressão
atemporal, mas produto de um período específico. Não que estes signos não sejam
verdadeiramente sentidos pelas populações nacionais, ou que expressões muito similares à
nação tenham existido num período pré-moderno. Na verdade, o que se busca caracterizar é
que estas expressões identitárias emanam de outras fontes, que mais tarde servirão no sentido
de contribuir para a geração da nação. A própria etnicidade, talvez o mais natural dos signos
nacionais, não pode ser assim visto, como defende Joshua Fishman (apud SMITH, 2000, p.
50-4): a própria etnicidade estaria vinculada a questões imateriais, em determinados
momentos até mesmo alheia à materialidade fenotípica. Etnicidade iria além do
compartilhamento sanguíneo: “(...) demands from members authentic activities and behavior
that seek to preserve and augment the heritage of ancestors, and it requires genuine ethnic
responses and wisdom, preferably in an authentic linguistic medium” (SMITH, 2000, p. 51).
Com isso se defende que a etnicidade não é estanque, mas que possui um dinamismo
hereditário que depende da atividade do grupamento social.
43

Nesse sentido, parte-se para uma das questões centrais deste estudo, que busca desconstruir
essa visão atemporal do nacionalismo, posicionando-o como expressão da modernidade e um
conceito instrumentalizável, normalmente utilizado como ferramenta política.

3.2 Modernidade e política

Seguindo o fio lógico desvelado ao início deste texto, abre-se a via de análise do nacionalismo
como ferramenta de pressão social, posta em prática através de movimentos políticos.
Buscando dar mais corpo ao que se chamará, a partir desse momento, de movimento
nacionalista, se faz emergir, como ponto de partida, a visão de Wallerstein (2004), que
conceitua esse verbete como sendo:

(…) movements whose objective is to defend a “nation” which its


adherents argue is being oppressed by another nation, either because
the other nation has colonized them, or because their “national”
(often meaning linguistic) rights are being ignored within the state, or
because persons of the particular ethnic group that is asserting
“nationhood” have been assigned to inferior social and economic
positions within the state. National movements often seek formal
independence of the oppressed nation, that is, separation from the
state said to be the oppressor (p. 96).

Essa visão traz alguns problemas, que devem ser mencionados e ajustados para que, quando
utilizado, o verbete possa refletir com fidelidade o que se propõe neste trabalho. Em primeiro
lugar, Wallerstein (2004) aparenta tratar todos os movimentos nacionalistas como
posicionados no sentido da resistência à opressão de outros grupos. Viotti e Kauppi (1998, p.
487) parecem concordar com essa visão, principalmente no que tange à sensação de
automatismo causal criada em torno da resistência política. Nesse sentido, parece que ambos
os textos definem o nacionalismo como uma expressão revolucionária, consonante com
interesses fortemente baseados na percepção de identidade. Por mais que tenha certa relação
com a realidade, essa velocidade em vincular o nacionalismo a apenas um tipo de pressão
política acaba por reduzir o espectro destes movimentos.

Em segundo lugar, o autor se preocupa em generalizar as características identitárias como


sendo “quase sempre linguísticas” o que é prejudicial para sua própria análise. Se se defende
que grupos nacionalistas buscam trabalhar no sentido de diminuir a desigualdade em relação a
outros grupos sociais, qual seria o sentido do separatismo quebequense, onde a sobrevivência
44

da língua francesa é assegurada por lei (KALANT, 2005)? Em suma, não há como negar que
o idioma seja uma característica identitária importante, como já foi mostrado a partir dos
trabalhos de Herder (2002). Porém, não se pode, de forma similar, reduzir os interesses de
movimentos nacionalistas à segurança de direitos linguísticos.

Por fim, a última crítica a Wallerstein se dirige a quando este afirma que, normalmente,
movimentos nacionalistas buscam o separatismo. Essa afirmação tem uma série de problemas,
o primeiro deles conceptivo: assumindo que existem movimentos nacionais com
características opressoras, sua intenção certamente não seria a separação para um novo
Estado, mas o afastamento do grupo étnico visto como estranho. De maneira estrita, haveria
separação, mas não separatismo, já que o núcleo nacional permaneceria estanque, apenas
excluindo aqueles elementos indesejados. Como exemplo, pode-se citar o caso dos
movimentos nacionalistas poloneses no século XIX, que tinham interesses distintos, porém
baseados no mesmo princípio de nacionalidade (SMITH, 1998).

A partir das críticas acima, tentou-se mostrar que 1) movimentos nacionalistas não possuem
características gerais no que tange aos seus objetivos; 2) nem sempre estão vinculados à luta
contra a opressão e/ou separatismo; 3) são quase sempre baseados em similaridades étnicas,
mas não necessariamente linguísticas. É nesse sentido que o estudo faz uma curva
epistemológica buscando aproximar-se do que Ozkirimli (2000) chama de corrente
instrumentalista. É a partir desta visão que se buscará fortalecer o pressuposto de que o
nacionalismo é mais uma ferramenta político-ideológica instrumentalizável do que um
sentimento identitário genuíno e natural, como defendiam os primordialistas. A partir deste
movimento será possível verificar tanto a natureza temporal quanto conceitual do
nacionalismo.

De maneira geral, a corrente instrumentalista entende, assim como os primordialistas, que a


nacionalidade é uma questão mais envolvida com a etnicidade do que com qualquer outro
elemento identitário. Surgida entre os anos 1960 e 1970, seus principais questionamentos se
voltavam para a análise da flexibilidade de conceitos fenotípicos, notadamente nos Estados
que Jason McDonald (2007) chama de crisóis de raças. O diferencial destes estudos reside na
sugestão de que, mesmo em locais desta natureza, a homogeneidade cultural poderia ser
evocada ao bel prazer do indivíduo, abrindo espaço para intepretações acerca da sua
naturalidade, perenidade e rigidez. Esse recorte evidencia a clara distinção entre a corrente
instrumentalista e as visões mais focadas nas características naturais das teorias
primordialistas: mesmo que ambas tratem as questões étnicas como relevantes, a última
45

entende que estes elementos identitários não podem ser desvinculados do indivíduo ou grupo
analisado, enquanto os primeiros adotam uma postura mais cética, compreendendo a sua
importância, mas adicionando mais racionalidade ao processo analítico.

Essa interpretação abre precedente para debates sobre como esses grupos étnicos deveriam ser
vistos e que tipo de fenômeno social seriam capazes de gerar. É certo que seus interesses e
capacidades de pressão deveriam ser levados em consideração; a questão é até que ponto. A
instrumentalidade ficaria evidenciada justamente quando etnia/similaridade identitária fossem
aplicadas ao discurso político como ferramenta retórica. Líderes utilizariam estes argumentos
para facilitar o controle de massas e aumentar suas chances de acesso a poder e recursos.
Smith (2001, p. 55) chega a dizer que esse tipo de grupo via em sua argumentação questões
mais fortes até mesmo do que as relacionadas às lutas de classe, o que deixaria claro o poder
destes argumentos, já que esta temática e o discurso em seu entorno marcam boa parte dos
anos de industrialização e consolidação do capitalismo.

Seguindo neste ponto e tomando a liberdade de tangenciar o debate antes de encarar a questão
da instrumentalidade de frente, a relação nem sempre amigável entre nacionalismo e
marxismo pode ser um indicativo de como o primeiro se posiciona do ponto de vista
ideológico. Wallerstein (2007, p. 71-3), por exemplo, elabora uma rica comparação acerca da
tratativa de movimentos sociais frente ao nacionalismo, primordialmente encarado pelo autor
como uma emanação de grupos étnicos. Nessa análise, fica evidente que existe um mínimo de
ceticismo quando se trata da questão étnica. Quando se compara essa afirmativa à visão do
que seria nacionalismo para o mesmo autor, rapidamente se percebe que há uma
hierarquização de fatores sociais, onde a identidade e sentimento de pertencimento perdem
quando em conflito com questões mais práticas como emprego e renda. Na maioria das vezes,
ao expor essas demandas sociais a uma estrutura de classes, as análises marxistas categorizam
os interesses nacionais como menos importantes, distantes ou mesmo contrários aos
interesses de classe. Certamente Wallerstein (2007) bate o martelo acerca dessa questão
baseado no que disseram Marx e Engels (apud SMITH, 1998), quando defendem que, se
deixados livres para escolher, os trabalhadores sempre preferirão a solidariedade de classe
frente à nacional.

Questionar a historicidade da afirmação de Marx e Engels (apud SMITH, 1998) abre espaço
para uma discussão mais profunda sobre a expressividade e mudança dos movimentos
nacionalistas ao longo dos anos, assim como já faz surgir questionamentos sobre a relevância
de determinados assuntos em tempos específicos. Uma vez mais, confirmar que interesses de
46

classe estarão sempre acima de quaisquer outros, é tomar como exemplo um período histórico
muito específico, em que o proletariado se entendia como classe, a mobilidade social era
ainda menor do que nos dias de hoje e as próprias barreiras nacionais eram mais rígidas no
sentido territorial. Quando se transporta esse questionamento para a contemporaneidade se
percebe o surgimento do que Marx e Engels poderiam entender como um paradoxo: o
interesse de classe está vinculado ao interesse nacional. O internacionalismo marxista
adormece. Alemães e britânicos levantam suas bandeiras e pedem o fim da aceitação de
imigrantes justamente porque entendem que seus postos de trabalho estão sendo solapados
por trabalhadores mais baratos e, não raro, mais competentes. Mas a afirmação de Wallerstein
(2007) é mais madura e sofisticada do que isso. O interesse de determinados movimentos
nacionalistas poderia mudar no sentido de facilitar a entrada dessa mão-de-obra mais barata,
precarizando relações de trabalho dentro do seu próprio território. O mesmo não acontece
quando a competição internacional chega a níveis incontroláveis, e as elites industriais se
veem sem saída. Seria nesse momento de crise que o nacionalismo voltaria à caixa de
ferramentas dos mais influentes.

Ao diminuir a importância do nacionalismo frente às questões de classe, é possível perceber


sua natureza instrumentalizável, defendendo que, com o advento da modernidade,
determinadas questões subjetivas vão perdendo espaço para um pragmatismo social mais
evidente. Esse mesmo pragmatismo pode, no entanto, se apropriar do discurso nacional,
evocando questões mais relacionadas à identidade étnico-cultural ou simplesmente diminuí-lo
na comparação com outras questões.

Esse debate é posicionado de forma a demonstrar a lógica de exploração (muitas vezes de


base colonial) na qual o nacionalismo se apoia. Como já foi trazido na seção anterior, a crítica
marxista ao nacionalismo (como ideologia) tem grande parte de sua inspiração advinda da
tese que o construto nacional é, na verdade, uma expressão de uma elite burguesa, não
automaticamente preocupada em fazer avançar pautas sociais ou mesmo trabalhar a igualdade
entre os indivíduos pertencentes àquele grupo.

Within countries, the workers’ movements saw ethnic movements of


any kind as mechanisms through which to divide the working classes.
(...) the antagonism was even stronger when it was a question for the
worker/social movements of relating to a full-fledged nationalist
movement, seeking secession from the state within which the workers
movement was formed. (...) Basically, the worker/social movements
charged such nationalist movements (...) with being essentially
47

bourgeois (...). In any case, socialist parties tended to insist that all
bourgeois states were alike and that the only important question was
whether the working class would be able to come to power in one state
or the other. Hence, nationalism was a delusion and a diversion
(WALLERSTEIN, 2007, p. 70-3, grifo nosso).

Esse ceticismo, presente no trecho evidenciado dentro do recorte acima, de fato faz emergir a
maneira pela qual o nacionalismo pode ser utilizado por elites para garantir vantagens em
relação a grupos “não nacionais”, seja através da separação ou anexação; seja para acumular
benefícios, abrir possibilidades para novos, ou mesmo assegurar aqueles que já estão
presentes. A promiscuidade dessa ideologia a tornaria, portanto, instrumentalizável: o
nacionalismo pode ser utilizado para atingir determinados fins. É tomando essa afirmação
como gancho, que novamente o texto se vira para o debate central deste tópico.

Como já mencionado em outros locais, a questão-problema deste trabalho diz respeito à dupla
função do nacionalismo, partindo do pressuposto que, mesmo quando utilizado no sentido
revolucionário, o mesmo contribui para a manutenção de uma lógica de dominação desigual.
É evidente que há influência da visão marxista para a construção deste pressuposto, porém sua
precisão e foco em questões econômicas (além de uma tendência à hierarquização de
interesses sociais) é visto como excessivamente reducionista. Por mais que o nacionalismo
responda a uma lógica de dominação específica, ela não estaria necessariamente vinculada a
um interesse de classe. Portanto, mantendo o trilho analítico que vinha sendo montado pelos
marxistas, mas adotando uma postura menos reducionista, recorre-se aos trabalhos de Paul
Brass, “(...) the ‘quintessential’ illustration of the instrumentalist position” (OZKIRIMLI,
2000, p. 110), um texto de proporções arrebatadoras para o estudo do nacionalismo.

O grande movimento que Brass (1991) toma para distanciar sua visão do nacionalismo das
teorias primordialistas é assumir que a mudança étnica é possível, algo próximo ao que Joshua
Fishman (apud SMITH, 2000, p. 50-4), defendia. O foco que os primordialistas impõem na
história é na verdade voltado para a história daquela nação ou grupo étnico, e não nas
diferenças geradas com o passar dos anos. A história dessa nação remontaria a tempos áureos,
onde existiam heróis, grandeza e riqueza (BREUILLY, 1996), e não ao presente caótico que
se busca superar. Não é o que acontece com o instrumentalismo de Brass (1991), que levanta
o ponto de que o foco na história precisa mudar para evidenciar que a mesma nação ou grupo
étnico sofreu alterações, sem necessariamente perder sua essência. Ou seja, a construção da
identidade nacional faria parte de um processo histórico, dependente de variáveis quase
48

sempre únicas, mas que, ao invés de simplesmente estancarem um grupo étnico num
determinado ponto, o moldariam, sem necessariamente destituí-los de características
identitárias únicas. Talvez a grande discussão presente em seu trabalho seja a relevância dada
a questões mais ideacionais, principalmente relacionadas à cultura e similaridade identitária
frente às de natureza mais pragmática, como a influência de elementos políticos e vantagens
econômicas na construção da identidade. A competição por estes recursos limitados, quase
sempre traduzidos em termos de poder, geraria rusgas entre grupos de elite. A natureza dessa
competição poderia, segundo Brass (1979; 1991), contribuir para o posicionamento destes
grupos na hierarquia social, evidenciando sua relevância em detrimento de outros grupos e
possibilitando a construção de discursos étnicos.

Com isso se busca dizer que estes símbolos poderiam facilitar a criação de uma identidade
política e gerar o suporte necessário para o atingimento das metas da elite em questão. Logo,
os significados destes símbolos estariam intimamente ligados às circunstâncias políticas,
inclusive abrindo precedentes para questionar a possibilidade de retração do discurso
nacionalista. A adoção desse posicionamento leva em consideração a possibilidade de ação da
elite analisada, qual seja, a partir do momento em que o cálculo demonstrar que a
aproximação deste grupo com questões nacionalistas não trará benefícios, as mesmas serão
abandonadas (BRASS, 1991, p. 13-6). Essa afirmação estabelece uma clara rota de colisão
com o conceito de Wallerstein (2004), que define movimentos nacionalistas como sempre
vinculados à resistência.

É importante ressaltar que, mesmo ao adotar essa postura em relação à identidade nacional,
Brass não constrói sua teoria totalmente afastada da importância destes elementos. É como
fica evidente nas concessões feitas à Robinson no (já considerado) clássico debate acerca da
criação dos Estados da Índia e Paquistão. Brass (1979; 1991) entende a relevância das
tradições, principalmente se leva-se em consideração a maneira pela qual a sociedade indiana
é organizada, através de uma rica herança cultural entranhada em sua estrutura institucional
(SMITH, 2001, p. 55). No entanto, sua posição primordial é mantida quando se percebe que
seu texto não abre mão da hierarquização das influências, sempre posicionando os signos
culturais como secundários ou mesmo subordinados a questões de natureza mais pragmática.
A cultura e identidade seriam relevantes, mas não suficientes para iniciar um processo de
transformação. Em outras palavras, se Brass aumenta o escopo analítico marxista ao definir
que nem sempre o nacionalismo está vinculado às elites econômicas, o faz sem abrir mão da
necessidade de hierarquizar interesses sociais, sugerindo que questões ideacionais estariam,
49

em sua maioria, subordinadas àquelas de natureza mais prática. Logo, Brass não abre mão da
importância dos signos e símbolos que formam uma identidade coletiva, apenas aceita que os
mesmos são mutáveis e podem ser trabalhados para se adequar aos interesses de certas elites.
Indo um pouco além na interpretação, Brass (1991) defende que, posta a oportunidade, esses
signos serão manipulados4. No fim, nem tudo irá se resumir apenas à competição entre etnias
por vantagens econômicas ou poder burocrático. Mesmo se fosse esse o caso, o sucesso de um
grupo ou outro estaria sempre ligado a fatores políticos, segmentados em três grupos
principais.

O primeiro deles diz respeito à existência e natureza de grupos políticos organizados. Para
Brass o nacionalismo é, por natureza, um movimento político e, por isso, necessita de
recursos, um discurso bem formado, boas lideranças. Só assim seria capaz de atingir sucesso
em quaisquer que sejam suas empreitadas. Para comprovar essa questão elenca cinco
pressupostos que corroborariam diretamente para o sucesso dos pleitos de um determinado
movimento nacionalista (1991, 48-9).

Em primeiro lugar, organizações que controlam recursos comunitários tendem a ser mais
efetivas. A relação destas organizações com a comunidade também precisa ser levada em
consideração, no sentido de que, quanto maior a conexão entre a organização e o meio onde
atua maiores serão suas chances de sucesso. É necessário que a organização seja capaz de se
identificar com a comunidade como um todo e não somente com algumas partes dela (Ibid.).

O terceiro argumento importante e intimamente ligado ao anterior evidencia a capacidade de


produzir (e reproduzir) discurso. Esse ponto está em total sintonia com a visão
instrumentalista de Brass e resolveria o problema da falta de identidade evidenciada há pouco.
Uma vez que o movimento nacionalista se mostra capaz de salientar aquilo que considera
mais importante, já não importa mais se fala-se de interesse geral ou localizado: aquele
interesse passa a ser traduzido como a vontade da comunidade.

O quarto ponto também se relaciona com os anteriores, já que Brass infere que quanto maior a
resistência à mudança de lideranças, maiores as chances de sucesso de um dado movimento. É
possível interpretar essa informação como uma maneira de defender que o ideal do grupo
precisa estar acima dos indivíduos que o controlam. Ou seja, os dois últimos pontos trabalham
no sentido de consolidar a visão de que, se o objetivo tiver aderência às necessidades da


4
Esse debate também deve ser reacendido no próximo capitulo, a partir e em função de provocações e
contribuições da corrente construtivista das Relações Internacionais.
50

comunidade e tiver sido construído em termos de discurso de maneira satisfatória, é muito


provável que alcance aquilo que deseja, pois as mudanças em sua liderança podem afetar sua
forma de trabalho ou pressão, mas nunca aquilo que se busca como fim (Ibid.).

O último ponto trabalhado por Brass no que diz respeito às organizações políticas se refere à
capacidade combativa dos movimentos. Ou seja, a preparação realizada nos quatro pontos
anteriores de nada adiantaria se os interesses da comunidade não puderem ser atendidos
satisfatoriamente, ou se outra organização consiga atingir aqueles mesmos objetivos com
maior velocidade ou qualidade (Ibid.).

Essa questão evidencia, uma vez mais, o caráter instrumental do nacionalismo, ou mesmo a
possibilidade de hierarquização de interesses de indivíduos em uma comunidade. A disputa
pelo acesso a melhores condições de vida pode ou não estar ligado ao discurso nacionalista.
Existem situações onde o crescimento econômico se relaciona com o neoliberalismo,
enquanto em outros momentos históricos as elites econômicas preferirão aderir a uma lógica
protecionista (normalmente em períodos de crise econômica). Essa comparação deixa claro
que as mesmas elites que buscam gozar de um posicionamento estratégico privilegiado podem
levar em consideração fatores diferentes quando da construção de seus discursos, e posicionar
o nacionalismo como benéfico ou pernicioso.

Seguindo nesse sentido o próximo fator político relevante para o sucesso destes interesses é a
natureza do governo em situação e sua aderência ao discurso de um determinado grupo
nacionalista. Ou seja, a diferenciação situacional exposta acima pode muito bem significar
uma mudança no discurso de um determinado governo, o que significa maior ou menor fôlego
a uma questão social específica. No caso do nacionalismo, a defesa dos interesses de
determinados grupos étnicos poderia ou não fazer parte do foco de atuação daquele
determinado governo, mudando totalmente a possibilidade de sucesso e mesmo de
sobrevivência de alguns movimentos. Essa questão é atacada por governos das formas mais
diversas, seja através de assassinatos em massa visando ao extermínio de uma determinada
etnia ou mesmo, de maneira oposta, assimilando o grupo através da educação, transformando-
o aos poucos através dos processos de aculturação. Zizek (2014, p. 23-7) não seria tão veloz
em sugerir esse contraste, evidenciando claramente que ambas as formas se tratam de
violência.

Para ilustrar as práticas citadas acima, se faz necessário, novamente, um pequeno corte na
progressão do trabalho. No que diz respeito ao processo de extermínio sistemático de uma
51

nação, poder-se-ia recorrer ao horror do holocausto, ou à guerra civil de Ruanda, ocorrida na


segunda metade da década de 1990, ambos responsáveis pela morte de milhões de pessoas.
Ainda assim, talvez buscando trazer uma visão um pouco distinta acerca do assunto, mas
certamente pela contribuição analítica para o estudo destas questões, se faz menção ao esforço
empreendido por Heather Rae (2002) na análise da violência presente no processo de
separação da Iugoslávia, momento em que o termo “limpeza étnica” passa a ser utilizado com
maior frequência. Esse caso é emblemático pois o processo seguido dá início à construção de
um Estado-nação a partir do extermínio de minorias (HAYDEN, 1996 apud RAE, 2002). Ou
seja, a constatação de que um determinado grupo étnico poderia causar problemas do ponto de
vista do atingimento de determinados objetivos, ou mesmo empecilho para o alcance de
benefícios, motiva atores sociais na promoção de ações de violência objetiva no sentido de
impedir que a competição atinja níveis incontroláveis. O discurso promovido quando do
extermínio, no entanto, foi formado a partir da ideia de homogeneização nacional.

These policies were implemented through a number of means,


including systematic mass murder, the systematic rape and
impregnation of women and girls, torture and the mass deportation of
civilians. It also included the systematic destruction of sites of
cultural, historical and religious significance in an attempt to
obliterate the past which did not accord with history as nationalists
were intent on rewriting it (Ibid. p. 165).

O estudo segue avaliando o desenvolvimento histórico da Iugoslávia em suas duas principais


formações nos períodos pós-Primeira Guerra Mundial e Segunda Guerra Mundial,
respectivamente, objetivando a construção de uma linha do tempo que permita analisar o
contexto que o país enfrentava nos anos 1990. Para a análise que se faz aqui, vale a pena focar
apenas na construção do que Rae chama de “nacionalismo virulento” (2002, p. 166). O mais
interessante é que a professora da Universidade de Queensland evidencia nessa análise o
caráter racional e cínico do discurso promovido pelo governo de Slobodan Milosevic, capaz
de identificar e exacerbar diferenças étnicas visando diminuir o peso de outras questões
sociais (como a emergência da democracia). Ao elevar a formação de um Estado-nação
etnicamente homogêneo acima de quaisquer outros interesses, a elite governamental
situacional elabora um discurso hierarquizante capaz de trazer à tona questões não
automaticamente percebidas, garantindo legitimidade a uma série de atrocidades.

Em suma, o caso da Iugoslávia se encaixa com certa facilidade em todos os pressupostos


elencados por Brass (1991). Visto de maneira positiva ou negativa, a questão é que estas
52

estratégias representam formas de lidar com a pressão que determinados grupos étnicos
exercem sobre a máquina pública, em especial quando essa pressão não se relaciona com os
interesses da elite que detém o poder naquele momento (Ibid., p. 50).

Por fim, o terceiro grupo de fatores determinantes para o sucesso dos movimentos
nacionalistas é formado pela conjuntura política. Ao analisar esse ponto na teoria de Brass
(1991) é possível adotar uma postura mais crítica, e vincular essa conjuntura a já mencionada
propensão do governo e elites dominantes em aceitar o discurso nacionalista. Brass (1991)
tenta defender a necessidade de abrir um espaço específico para discussão da conjuntura
dividindo-o em mais três subitens, sendo eles

(...) the possibilities for realignment of political and social forces and
organizations the willingness of elites from dominant ethnic groups to share
power with aspirant ethnic group leaders, and the potential availability of
alternative political arenas (p. 55).

A sofisticação da teoria de Brass vai muito além do que foi exposto até o momento, mas seria
suficiente apontar para a importância dada pelo autor a questões relacionadas à competição
entre elites por recursos econômicos e posições de poder na burocracia estatal, questões essas
que seriam fortes o suficiente para que a autopercepção identitária pudesse ser relativizada e,
em última instância, instrumentalizada. Essa interpretação está na natureza do
instrumentalismo, mas também desta seção: é a partir deste ponto que se assumirá que o
nacionalismo possui uma característica político-ideológica, produzida a partir do advento da
modernidade. É tomando essa máxima como verdadeira que o estudo segue, agora visando
relacionar ainda mais os elementos identitários à burocracia política nascida do modernismo.
Para isso, deve-se retomar os trabalhos do professor John Breuilly, marco conceitual desta
interpretação.

A contribuição desse autor inicia uma nova etapa analítica, agora mais madura em função de
suas recomendações. Diversas perspectivas teóricas (e históricas) trabalharam o conceito de
nacionalismo tentando identificar características formadoras, fazendo referência ao
compartilhamento de ideias, classe e seus interesses, modernização econômica, cultura. O
incômodo de Breuilly, no entanto, diz respeito à incapacidade destes aspectos de contribuir de
maneira generalista para a compreensão do nacionalismo. Este incômodo significa apenas que
diversas questões podem influenciar certos movimentos, mas de fato não seriam onipresentes,
dificultando o processo de criação de uma teoria geral do nacionalismo. Ozkirimli faz uma
leitura muito similar do mesmo problema, asseverando que todos estes pontos deixariam a
53

desejar no sentido de não tomarem como referência a natureza política do nacionalismo, e que
toda política seria primordialmente subordinada ao poder (2000, p. 105). Como exemplo,
pode-se retornar ao texto de Bloom (1993, p. 132), que menciona a força da identificação,
mas parece sugerir que essa potência só é relevante quando se desenvolve no sentido da
aplicação política.

[Breuilly] “(...) argumentaria, entretanto, que os historiadores


costumam considerar importante o tema do nacionalismo quando há
um movimento nacionalista significativo. Poucos se disporiam a
estudar o trabalho de intelectuais que elaboram doutrinas nacionalistas
e os mitos que as sustentam, se estes não fossem usados de um modo
politicamente significativo. Quanto aos sentimentos nacionais, eles
são tão difusos e variados que, normalmente, os historiadores só os
selecionam como tema de estudo quando geram movimentos políticos
(BREUILLY, 1996, p. 157).

Em seu clássico, Breuilly estabelece uma tipologia do nacionalismo muito próxima aos
pontos elencados nessa seção como relevantes. Partindo diretamente para as palavras do
autor:

The term ‘nationalism’ is used to political movements seeking


or exercising state power and justifying such actions with
nationalist arguments. A nationalist argument is a political
doctrine built upon three basic assertions: a) There exists a
nation with an explicit and peculiar character. b) The
interests and values of this nation takes priority over all other
interests and values. c) The nation must be as independent as
possible. This usually requires at least the attainment of
political sovereignty (BREUILLY, 1985, p. 3).

Adentremos na análise pontual desta conceituação. Em primeiro lugar, Breuilly define


nacionalismo como um movimento político, corroborando diretamente um dos pressupostos
trabalhados nesta seção. A partir deste movimento, Breuilly estabeleceria um repelente
conceitual forte o suficiente para afastar os perigos da imprecisão e exageros de abrangência,
fazendo claros os tons instrumentalizáveis do nacionalismo (SMITH, 2003) e, em menor
instância, sua característica moderna. Por mais que não seja automática, essa última
interpretação é explicada pelo próprio autor, quando diz que seu “(...) interesse concerne ao
54

nacionalismo como política. (...) Os movimentos políticos que fazem essas afirmações são
modernos, essencialmente movimentos dos dois últimos séculos” (BREUILLY, 1996, XXX).

A construção do que Breuilly chama de argumentos nacionais também se relaciona


intimamente com o que já foi exposto até então. Para ser considerado relevante, este
argumento (ou discurso) precisa ter como base uma nação; esta nação precisa ter seus
interesses entendidos como mais importantes do que quaisquer outros, sejam próprios ou
alheios a si, finalizando com a indicação da necessidade de independência e autodeterminação
nacional. Não seria exagero interpretar esta afirmação como reducionista, mas que faz sentido
dentro da sua teoria, que leva em consideração o desejo nacional por separação e, por
conseguinte, formação de um Estado-nação próprio. Esse é um ponto estrutural na teoria de
Breuilly, e se relaciona à já mencionada acepção de que nacionalismo está ligado ao acesso ao
poder que, no mundo moderno, significa controle do aparato do Estado (1985, p. 11).

Ou seja, ao expor os pressupostos do nacionalismo ao tempo, Breuilly (1985; 1996) identifica


que suas nuances naturais podem ser percebidas em diversos momentos, mas que fatalmente
serão melhor explicadas por teorias antropológicas mais voltadas à identificação de
características culturais comuns. A própria etnia poderia ser problematizada, partindo deste
ponto de vista, e comparada ao nacionalismo na base de seus argumentos. Dizer que um
agrupamento social é nacional simplesmente porque carrega características fenotípicas
comuns é pouco: pode-se dizer, apenas, que se trata de uma etnia. Essa afirmação não
depende de nenhum outro argumento para se manter.

No entanto, quando se fala de nação, outros elementos precisam ser unidos para dar
sustentação ao argumento, e a autodeterminação política talvez seja o mais forte deles. A
organização do mundo a partir do signo da nacionalidade é fruto do esforço destes
movimentos; e os mesmos só acontecem após o advento do Estado, se consolidando após a
Revolução Francesa (BREUILLY, 1996).

O peso dado à relação entre movimento político e Estado gera uma classificação intrincada e
original, trabalhada de forma a separar os movimentos nacionalistas em três tipos específicos
de acordo com sua motivação: separação, reforma ou unificação. Todos os verbos
mencionados requerem auxílio de um objeto direto sobre o qual incidirá a ação mencionada,
ou seja, cada tipo de nacionalismo deve agir sobre uma estrutura política, seja essa uma
55

“nação sem Estado”5 ou Estado-nação (BREUILLY, 1985, p. 12). Sua empreitada ousada
segue no sentido da criação de uma tipologia generalista, mas ao mesmo tempo precisa, que o
municiaria com a tranquilidade necessária para trabalhar sua análise histórica dentro de uma
metodologia pré-determinada, já que o autor estabelece muito cedo em seu trabalho sua
aversão às tentativas de se criar uma teoria geral do nacionalismo (Ibid.). Tudo que foi
trabalhado até agora pode ser trazido à tona através das palavras do próprio autor, conforme
fragmento abaixo retirado do seu texto:

(...) nationalism is best understood as an especially


appropriate form of political behavior in the context of
modern state and the modern state system. (...) To focus upon
culture, ideology, identity, class or modernization is to neglect
the fundamental point that nationalism is, above and beyond
all else, about politics and that politics is about power. [For
that] I do not develop a general theory and then apply it to
cases: I am skeptical about the use of such a procedure in
historical investigation (BREUILLY, 1985, p. 1-2).

Como já deve ter ficado evidente, Breuilly se preocupa em analisar dois aspectos do
movimento nacional, sendo o primeiro a sua relação com o Estado ao qual se opõe ou
controla. Essa relação evidenciaria a necessidade principal da elite nacional a ser estudada,
uma vez que os interesses mudariam estruturalmente caso a mesma elite se encontre num
Estado-nação considerado “próprio”. É esclarecedor quando se percebe que essa sensação só
seria possível uma vez que esta instituição política (ou ao menos boa parte de sua capacidade
operativa) fosse objetivamente controlada por essa elite nacional, evidenciando as pontas que
serão responsáveis por atar o nó teórico que posiciona o nacionalismo como primordial para
azeitar a relação entre Estado e sociedade. A contribuição desta afirmação para o presente
trabalho é magistral, uma vez que facilita em grande medida o esforço necessário para
demonstrar de que maneira o nacionalismo foi utilizado ao longo dos anos para atingir este
objetivo único, capaz de unir em apenas uma luta, todos os interesses esparsos trabalhados ao
longo de séculos de estudo histórico6.

Em outras palavras, o método que Breuilly desenvolve em Nationalism and the State não
admite variações, partindo sempre da construção de uma tipologia básica que só pode ser
aplicada após um levantamento catalográfico de movimentos nacionalistas (ou de

5
Non-nation states no original (BREUILLY, 1985, p. 12). O próprio autor abre uma nota para mostrar sua
insatisfação com o termo ao mesmo tempo em que admite não ter encontrado uma conceituação mais apropriada.
6
Concordando com a citação trazida há pouco, isso não significa uma teoria geral do nacionalismo, apenas o
entendimento de um padrão recorrente ao longo dos séculos que compreendem sua existência.
56

nacionalismos). Por fim, estes movimentos seriam postos em perspectiva para serem
analisados de maneira comparativa, através da sobreposição de seu desenvolvimento
histórico. É uma tipologia focada essencialmente na face política do nacionalismo e sua
floração moderna.

O outro ponto capital no desenvolvimento da teoria de John Breuilly está associado com a
transformação histórica das relações sociais, primordialmente na divisão do trabalho, e isso
reabre a questão entre modernidade e nacionalismo. Esse assunto é tratado por Breuilly a
partir de três vertentes diferentes. A primeira trata a questão a partir do ponto de vista das
transformações da consciência e aceitação das ideias nacionais. Breuilly sugere uma análise
mais próxima da obra Comunidades Imaginadas.

Basicamente, Benedict Anderson empodera o subconsciente humano, elevando a capacidade


de extrapolação para a criação subjetiva de mundos, ou comunidades. Assim como quaisquer
outras comunidades, também a nação é imaginada, e só existe porque assim o é. A nação é,
portanto, uma comunidade limitada e exclusiva, soberana e digna de sacrifício, normalmente
organizada a partir de pressupostos identitários gerais. Breuilly (1996) relaciona essa visão à
modernidade, e busca compreender por que esse tipo de imaginação tão particular é capaz de
gerar tamanha aceitação e submissão. Esse movimento se assenta no fato de que Anderson
elabora uma clara relação entre a imaginação destas comunidades nacionais e o avanço do
capitalismo a partir de sua faceta imperialista. Em suma, Anderson buscaria elaborar um
raciocínio para o desenvolvimento histórico do sentimento nacional, passando sempre do
inconsciente para a realidade: primeiro se inicia um processo de criação de comunidades
imaginadas, reificadas a partir dos movimentos políticos que representariam este conjunto de
ideias, culminando na aceitação coletiva dos sentimentos de uma comunidade inteira.
“Entretanto, (...) há problemas nessa teoria dos estágios. Por exemplo, existem casos em que
uma visão nacionalista elaborada tem que ser desenvolvida depois da formação de um
movimento político nacionalista, ou tem que ser importada do exterior” (BREUILLY, 1996,
p. 169, itálico no original).

O segundo grupo analítico relaciona nacionalismo e modernidade a partir do ponto de vista


das transformações societárias ocorridas com a industrialização. “Anderson refere-se à
difusão do capitalismo, mas ela constitui apenas um pano de fundo para sua exposição
principal” (BREUILLY, 1996, 170). Para isso se apoia em Hroch e Gellner, visando
evidenciar a natureza moderna e altamente difundida da cultura nacional padronizada. Num
57

primeiro momento, seria importante pontuar a ligação entre a formação das sociedades
industriais e a educação de massa, aspecto que também será trabalhado por Eric Hobsbawm.

A educação e escolarização das sociedades modernas foi moldada a partir de uma estrutura de
cima para baixo, onde os indivíduos são burocraticamente moldados de maneira a atender às
necessidades da sociedade no que tange, principalmente, à oferta de mão-de-obra. As
transições sociais ocorreriam a partir de zonas culturais definidas primordialmente pela oferta
de escolarização. Para Breuilly (1996), essa visão pode ser falseada simplesmente porque não
existe nexo causal completo entre o industrialismo, a educação de massa e o nacionalismo.
Em suma, é possível verificar movimentos nacionalistas em sociedades que ainda não
atingiram o estágio da educação em massa, ou mesmo que não possuem características
industriais claras, apesar de estarem certamente incluídas na lógica da modernidade. Existem
meios de difundir uma cultura nacional em sociedades não industrializadas, assim como
exemplos de movimentos politicamente relevantes e sociedades do mesmo tipo, e nenhuma
destas expressões estaria totalmente ligada ao advento da educação de massa. Portanto, a
relação entre nacionalismo e industrialização não é tão estanque quanto faz parecer a teoria de
Ernst Gellner (Ibid.).

A preferência pessoal de John Breuilly assenta-se na terceira vertente dos estudos modernistas
do nacionalismo, aquela que o trata diretamente como doutrina política moderna. Como este
assunto já foi abordado anteriormente, buscar-se-á desenvolver a visão do autor em aspectos
pontuais e originais ao texto.

Tomando o nacionalismo como um elemento modernizador, seria possível vincular a etapa da


evolução histórica que forma o Estado moderno e compará-la com situações pré-nacionais.
Para Breuilly, a diferença básica estaria na natureza da burocracia presente naquele
determinado momento histórico, traduzida na instituição do Estado-nação. Em outras
palavras, a transformação das relações de trabalho seriam um ponto bastante relevante para a
compreensão dos processos de acesso ao poder institucional, já que a natureza destas relações
seria originalmente conflituosa. Mais uma vez se faz presente a questão da competição de
elites, classes, grupos de interesse/pressão, pelo acesso a recursos escassos, traduzidos por
Breuilly como recursos de poder estatal. Esse movimento era muito menos fluído antes do
advento do Estado-nação e, portanto, antes da modernidade.

Para entender essa relação se faz necessário adentrar na questão da transformação e


desenvolvimento do Estado-nação, que para Breuilly (1996) acontece com base em preceitos
58

liberais: concentrou poderes públicos em instituições estatais especializadas, deixando as


questões de natureza privada sob o jugo de instituições não políticas, como os mercados e as
famílias, por exemplo. As mudanças históricas ocorridas no sentido de estabelecer os limites
da ação pública e privada são determinantes para essa questão, e a construção do Estado-
nação serve como lanterna para esclarecer essas diferenças.

O primeiro movimento neste sentido vem na esteira da Paz de Vestfália, que garante todos os
poderes coercitivos à instituição moderna da soberania que, apesar de ainda não estar
totalmente desenhada a partir do ponto de vista nacional, já estava totalmente vinculada ao
Estado. Pode-se retomar o texto de Anderson (2006) para pontuar o reducionismo subjetivo
da criação de comunidades imaginadas pura e simplesmente, e comparar à teoria mais robusta
e pragmática que Breuilly (1985; 1996) tenta desenhar. Enquanto o primeiro preocupa-se em
compreender o processo de criação do sentimento nacional e sua extrapolação para o mundo
real, o segundo trata de identificar os pressupostos lastradores desta extrapolação, sendo a
delimitação territorial precisa e segura o primeiro deles. As ideias claras e distintas do Estado
como única fonte de soberania são marcos da modernidade (BREUILLY, 1985; 1996).

A separação das esferas pública e privada de maneira mais clara e até mesmo o transplante de
certas questões de um conjunto para o outro, é desencadeada fundamentalmente junto à
modernidade, que permitiu o recrudescimento das estruturas políticas, segregadas a esse
campo, e a delimitação do que diz respeito à sociedade civil. Os processos de separação entre
os dois âmbitos supracitados acabam por dificultar o estabelecimento de uma conexão entre o
Estado e a sociedade. Aqui percebe-se a abertura de um vale, que teve seu terreno perpassado
com correntes ideológicas tentativas que, ao fim, tiveram pouco ou nenhum sucesso em unir
extremos. Esse elo perdido poderia, segundo Breuilly (1985), ser resolvido através do
nacionalismo, num processo batizado por Smith (2003) como “bridging the gulf”:

(...) nationalism offered a pseudo-solution, by holding up a vision of


the community defined simultaneously as the cultural and the political
‘nation’ of a theoretically equal citizens. (...) nationalism sets out to
tackle a real problem: the split between state and society which
modernity opens up (p. 84-7, aspas no original).

Essa afirmação se desdobra em três outros caminhos. Em primeiro lugar, vale a pena adentrar
um pouco mais na complexidade do significado por trás da afirmação de que o nacionalismo
não existe fora da modernidade. Adotando um misto das visões apresentadas até então, mas
focando um pouco mais em Breuilly e Herder, já se tem conteúdo suficiente para se afirmar
59

que, em seu estado “natural”, cada povo teria idiossincrasias suficientes para transformá-los
em conjuntos civilizacionais totalmente diferenciados. Tomando a linguagem como uma
expressão cultural multifacetada é possível avançar para a crítica etnosimbolista e defender o
ponto de que, em sua essência, qualquer luta nacional buscará reacender o espírito primordial
de um povo, solapado pela modernidade. A virada neste ponto se dá quando se admite o que
foi dito há pouco sem perder de vista a necessidade da organização política para atingir este
fim. Ou seja, para que a modernidade seja afastada e a nação original seja restaurada, se faz
necessário que o movimento nacionalista adote uma postura pragmática, aceitando que sua
identidade cultural é também nacional, e que essa nacionalidade precisa ser politizada,
movimento similar ao que já foi dito acerca do trabalho de Bloom (1993). Apenas com a
reconexão entre nação, território e Estado, é possível garantir a diferenciação básica que
constitui o desejo de todo movimento nacionalista ao longo da História, seja essa
diferenciação necessária para unificar povos separados; separar povos com características
nacionais distintas; ou reformar, com vias a garantir mais representatividade a certas elites
étnicas, uma estrutura institucional.

O segundo deles se relaciona com o marco histórico do desenvolvimento da cidadania, um


diferenciador poderoso da autoimagem projetada pelo indivíduo e sua sensação de
pertencimento a um determinado agrupamento social (BREUILLY, 1985; 1996;
HOBSBAWM, 1994; WATSON, 2002; SARAIVA, 2007). Tomando como base o que
escreve Anthony Smith (2000, p. 20), nação diria respeito a um conjunto humano que
compartilha um território, valores e mitos; possui cultura e economia comuns; e é regido por
um sistema de leis comum a todos. Antes do Estado-nação a verdade é que cidadãos não
existiam, sendo muito mais comum encontrar indivíduos que se viam como súditos ou, no
máximo, ligados à terra e a questões culturais (WATSON, 2002). E é justamente em função
deste último ponto que se pode inferir que a nação só passa a existir como conceito
largamente difundido após a Revolução Francesa, pois apenas neste momento a sociedade
passa a ser organizada em torno da cidadania, e não mais da figura régia, da religião ou
mesmo do território comum. No entanto, o debate se abre e torna-se tão complexo porque
muitas das características elencadas por Smith (2000) podem ser percebidas em outras
realidades históricas, ao menos em parte, quando não em sua totalidade. O movimento
contrário é quase sempre verdadeiro: sociedades que são reconhecidas como nações
contemporâneas, mas que possuem apenas alguns dos pressupostos supracitados.
60

Essa diferenciação abre um ponto para um possível debate acerca da existência de “nações
pré-modernas”, já que este sentimento de pertencimento, muitas vezes traduzido como sendo
nacional, já deveria existir antes do século XVI. Traduzido ou entendido, simplesmente
porque o desenho conceitual da nação depende de outras questões que não apenas a auto-
identificação coletiva. Bloom (1993) discorre acerca da relevância das teorias de
identificação, fortemente lastreadas na ontologia da psicologia, para compreender a relação
entre o indivíduo e sua identidade, sugerindo uma certa naturalidade por essa busca de
identificação coletiva. Para Breuilly, antes de tomar essa necessidade como um fato, é
mandatório realizar um movimento no sentido de historicizar o fato analisado, pois a
necessidade de auto-identificação não é automática e os movimentos e interesses nacionalistas
são historicamente intermitentes. Essa visão o leva a crer que o indivíduo não convive com
essa necessidade com tanta frequência quanto sugerem as perspectivas psicológicas, ou
mesmo primordialistas, representadas aqui pelo plebiscito tácito e contínuo de Ernst Renan
(2000). Uma vez analisado este debate, fica claro que, para as visões modernistas, a
necessidade de afirmação cultural é uma constante apenas após o marco da modernidade, pois
revela a cultura como degrau necessário no caminho para o atingimento de outros objetivos.
Em suma, por mais que essa visão acerca do nacionalismo abra espaço para que a identidade e
cultura sejam levadas à sério (BREUILLY, 1985, p. 35), não seria o mesmo que dizer que
questões identitárias seriam características primordiais do nacionalismo.

Breuilly (1996) critica determinados teóricos que, de maneira proposital ou não, acabam por
tratar o nacionalismo como uma ferramenta promotora da modernidade, e não como seu
produto. Ou seja, esses teóricos concordariam acerca da instrumentalidade do nacionalismo,
até mesmo da sua faceta política, mas não necessariamente sobre o marco temporal de seu
surgimento. Breuilly (1985, 1996) trata essa afirmação com cautela, admitindo que isso
aconteceu em determinados momentos, mas também o contrário é perceptível. Para fechar a
questão o autor diz que o nacionalismo surge como aspecto de uma modernidade intencional,
e que apenas após sua consolidação é que é possível adotar uma postura funcionalista e
reposicionar a interdependência dos dois fenômenos. Quando se volta para as leituras
marxistas, por exemplo, Breuilly sugere que a burguesia poderia ter se apropriado de outras
expressões ideológicas, ou mesmo da religião, para manter o controle das populações
oprimidas, mas escolheu, em determinados momentos, se valer do nacionalismo para
combater o internacionalismo proletário. Para Breuilly, as características exclusivas do tempo
em que se passa essa luta explicam essa escolha, seja a ela diferença entre os poderes
61

econômico e político, seja a relevância das instituições nacionais, como o Estado-nação, por
exemplo.

É possível perceber que o cuidado de Breuilly não está relacionado ao que chama de
funcionalidade do nacionalismo, e sim a um aparente descuido de certos teóricos que,
simplesmente consideram seu funcionalismo sem prestar atenção nos elementos estruturais
que o cercam e/ou permitem sua existência. Em maior ou menor grau, nenhuma das funções
do nacionalismo seria percebida da maneira que é atualmente não houvesse uma clara ligação
entre o fato social e seu momento histórico. Em outras palavras, a modernidade seria condição
sine qua non do nacionalismo.

Finalmente, há uma relação muito mais íntima entre cidadania e nacionalismo do que entre
etnia/identidade e este mesmo nacionalismo. O objetivo máximo do nacionalismo seria a
instituição de um organismo político representativo, que levasse em consideração os
interesses de determinados grupos, étnicos ou não, já que as características identitárias, por
mais objetivas que sejam, podem ser manipuladas pelo discurso e instrumentalizadas para
facilitar a mobilização da massa social numa determinada direção. Por fim, os movimentos
nacionalistas são constituídos de fatores objetivos e tangíveis, e não fazem referência (apenas)
ao caráter ideacional e metafísico do mito nacional. A autoimagem do cidadão é reificada
através do advento do Estado e, consigo, da cidadania, garantindo a tangibilidade que, quando
em falta, enfraquece a aderência das ideologias.

Muito mais interessado nos nacionalismos com relevância política do que no estudo
metacrítico das ideologias per se (SMITH, 2003, p. 85), Breuilly (1985) estabelece um elo
entre o instrumentalismo livre de Brass e o ceticismo dos marxistas, ao dar relevância central
ao papel das elites intelectuais no nacionalismo, que deverá ser um pouco aprofundado nesse
momento. O nacionalismo não seria, automaticamente, a política dos intelectuais não podendo
ser entendido como um produto de suas divagações. Não seria paradoxal, seguindo o mesmo
raciocínio, cravar a impossibilidade dessa afirmação. É se aproveitando desta abertura que o
papel da intelligentsia será debatido, crucial para compreender o nacionalismo como doutrina
política moderna.

A elite intelectual seria muito mais plural do que as elites econômicas ou políticas, porque não
se limitariam apenas a interesses econômicos ou a representatividade política dentro de uma
esfera social, pelo menos não de maneira automática. Seriam, em tese, naturalmente mais
influentes no nível das ideias, pois sua capacidade de produção de conhecimento de fato
62

transforma a realidade à sua volta através da construção de um discurso mobilizador. A versão


teórica de Gellner leva isso em consideração, principalmente quando se preocupa em analisar
o potencial homogeneizador da escolarização no industrialismo. Um dos mais poderosos
recursos desta elite reside no fato de que seu conhecimento e discurso são muito comumente
tomados como “puros” e não ideológicos, sendo, portanto, mais confiáveis na visão do
indivíduo comum. A capacidade de persuasão dessa elite intelectual reside não apenas em seu
potencial retórico, mas numa (muitas vezes autoproclamada) tendência à assepsia técnica.
Números, dados e fatos históricos falariam por si só, e agiriam de maneira devastadora na
construção de mitos e verdades necessárias para a mobilização social de massas7.

É possível ilustrar essa questão quando se retoma o trabalho de Heather Rae (2003) acerca da
separação da Iugoslávia. Em uma passagem, a autora se refere ao preciso texto de Sells (1996)
acerca do mesmo período histórico, onde são trazidas evidências históricas sobre o processo
de destruição de templos muçulmanos. O autor relata que, por vezes seguidas, o processo
iniciado com a desintegração física seguia através da solvência de suas evidências históricas,
fazendo avançar o discurso de que “nunca existiram mesquitas nessa localidade” em troca do
“mesquitas não existem mais nessa localidade”. O mito construtor da pureza étnica e nacional
recai num esforço de natureza posterior ao fato, mudando uma verdade material através da
palavra escrita e do poder institucional da burocracia. Outra questão determinante diz respeito
à mudança de atitude dos intelectuais que contribuíram de maneira direta para a consolidação
dessa ideia através da publicação de estudos e pareceres que comprovavam abusos e
desmandos operados pelas minorias étnicas, que precisavam ser suprimidas para permitir o
respiro da unificação (RAE, 2003). Essa mesma mudança na natureza dos intelectuais
envolvidos pode ser sentida em diversos momentos históricos não tão distantes,
principalmente quando se diz respeito à complementaridade entre o discurso nacionalista e o
desenvolvimento econômico.

Essa mudança de ritmo é brilhantemente trabalhada por Bresser-Pereira (2018) num recente
artigo intitulado Nacionalismo Econômico e Desenvolvimento. Dentre outras questões trazidas
em seu texto, Bresser-Pereira evidencia o papel das elites econômicas e intelectuais na
construção da política econômica de um Estado, e como o nacionalismo seria uma ideologia


7
Seria possível abrir um debate acerca da construção destas ideologias anti-ideológicas, para utilizar um termo
de István Mészáros (2004), ou mesmo do papel dos esforços civilizatórios de algumas iniciativas metodológicas,
mas essa divagação custaria muito caro do ponto de vista estrutural, relegando esta pesquisa um papel de
confrontadora e questionadora de todas as coisas. Aqui busca-se apenas a contestação, no sentido da crítica
acadêmica, do nacionalismo e sua utilização como ferramenta política nas relações internacionais.
63

subordinada ao interesse particular destas elites. Em momentos em que o Estado-nação


garante parte satisfatória do excedente de capital para as elites em questão, a defesa da
nacionalidade não se faz relevante, já que o mercado aparentemente joga em favor do
empresariado local. O mesmo não pode ser dito em momentos de crise, que costumam
inflamar a necessidade de proteger o capital “nacional” (aqui leia-se “das elites nacionais)8 a
todo custo; é nesse momento que as elites econômicas trabalhariam no sentido de
instrumentalizar um discurso vitimista, elaborado no sentido de fazer valer as similaridades
dos cidadãos nacionais, frente à opressão externa causada pelo subdesenvolvimento e
dependência (BRESSER-PEREIRA, 2018). Alguns casos são emblemáticos, outros soam
quase como contraditórios; mas todos trazem, como característica comum, a volatilidade de
suas opiniões e flexibilidade conceitual. Ser nacional pode significar coisas diametralmente
opostas num intervalo temporal ínfimo.

Encaminhando para o fechamento do raciocínio de Breuilly no que tange a instrumentalização


de conceitos identitários visando à construção de um ideário com potencial mobilizador,
chega-se na máxima de que a modernidade trouxe consigo a necessidade de criar linguagens
políticas mais universalistas, capazes de adentrar interesses de classes distintas e garantir o
acesso à esferas de poder estatal (BREUILLY, 1985). Essa característica deu ao nacionalismo
um ponto de diferenciação com relação ao liberalismo, que para Breuily (1996, p. XXX) é a
primeira grande ideologia do século XX. Retomando o conceito de bridging the gulf (SMITH,
2003, p. 84-7), Breuilly (1985; 1996) escreve que o liberalismo teve dificuldade em
estabelecer um diálogo saudável entre interesses coletivos e comunitários. Essa separação
ficaria ainda mais clara quando determinados grupos comparassem sua situação real com as
promessas contidas nos direitos formais do mundo liberal em formação. Estes grupos
poderiam sentir atração pela linguagem nacional, capaz de dialogar com uma vasta gama de
grupos heterogêneos no sentido social. A sociedade moderna conviveria com um eterno
debate entre a organização com base na cidadania ou na coletividade cultural, e o
nacionalismo serviria como um passe de mágica ideológico que procura aproximar estes dois
polos (Ibid.).

Smith sintetiza o pensamento de Breuilly nesse sentido da seguinte forma:


8
É importante problematizar esse ponto. Quando se fala de “proteger o capital nacional”, a ideia de patriotismo
pode vir à tona, e não é esse o caso apresentado por Bresser-Pereira (2018). O “capital nacional” aqui seria algo
como o “meu capital”. A diferença importante de ser salientada é que, ao invés de defender o interesse da
coletividade, essa elite visa defender seus interesses próprios, usando para isso um discurso mobilizador.
64

Broadly speaking, nationalism is able to seize power in the state


because it can generate mass support, bring different social
groups together and provide an underlying rationale for their
separate social interests. Because it performs the functions of
social mobilization, political coordination and ideological
legitimation so effectively, nationalism has spread across the
globe, drawn in a variety of social groups and remained a
powerful force for the last two centuries (2003, p. 85).

Por fim, o terceiro trabalho relevante na construção deste pressuposto é o de Hobsbawm,


principalmente em Nations and Nationalism Since 1780, mas também ao longo de toda sua
extensa obra. Hobsbawm se debruça sobre o nacionalismo como parte imprescindível de sua
obra, que visa, basicamente, reconstruir a história da modernidade (OZKIRIMLI, 2000, p.
116), e trabalha de maneira diferente de Breuilly, mas não totalmente oposta. Para
Hobsbawm, o Estado-nação também deve ser o centro da análise. Portanto, o nacionalismo
seria, acima de tudo, uma expressão política e um produto da modernidade.

De maneira geral, Hobsbawm estabelece a última fronteira em termos de originalidade do


pensamento modernista, que posiciona o nacionalismo no campo da política. Seguindo um
caminho ligeiramente diferente daquele pavimentado nas páginas deste texto, Hobsbawm trata
a nação como um produto do nacionalismo, e não o contrário. Quem mais se aproximaria
desta afirmação seria Benedict Anderson (2006) que, assim como Hobsbawm, parte de um
referencial marxista, mas vai além da economia política e adentra no campo das análises
culturais, evidenciando a natureza moderna do nacionalismo assim como a necessidade de
desconstrução desta máxima (SMITH, 2003, p. 117).

Smith (2003, p. 1) escreve nas linhas iniciais de Nationalism and Modernism, que o
nacionalismo é a linha vermelha que separa o mundo moderno dos outros períodos históricos.
Nesse belíssimo parágrafo, sua conceituação deixa muito claro que o nacionalismo se trata de
uma ideologia e movimento político essencialmente moderno, surgido na Europa ocidental e
América por volta do século XVIII. A visão de Hobsbawm seria, nesse sentido, um passo
adiante no pragmatismo dos instrumentalistas e diversas visões modernistas do nacionalismo,
à medida em que o autor abre mão quase que totalmente das características subjetivas, dando
ao nacionalismo um tom essencialmente prático e objetivo.

Para Hobsbawm, o historiador é o produtor da matéria prima do nacionalismo. Jamais abrindo


mão do lirismo, o lendário historiador inglês defende que o que faz uma nação é o seu
passado; e o historiador é o responsável por produzir este passado (HOBSBAWM, 1996, p.
65

255). Nesta bela passagem, não é recomendável se perder na superioridade estilística do autor,
e assumir que a metáfora aparece apenas como forma de enriquecer seu texto. Em verdade, os
verbos empregados por Hobsbawm tem tanta precisão quanto beleza. Assumir que a nação é
algo passível de ser criado é um claro indicativo desta visão prática. Definir o historiador
como alguém capaz de produzir aquilo que analisa, ou seja, o passado, é ácido, ousado,
crítico. No entanto, ao mesmo tempo em que chega a estas conclusões, Hobsbawm mantêm-se
sereno e sóbrio, garantindo a inseparabilidade da costura entre História e nação, uma trama
que fica muito mais evidente quando se analisa sua obra.

A relação vem às claras na obra The Invention of Traditions, um esforço crítico conjunto com
Terence Ranger, que visa questionar o naturalismo dos costumes, culturas e tradições sociais
em várias partes do globo. O primeiro passo desse trabalho diz respeito à conceituação de
tradição e seu papel na consolidação do nacionalismo. Basicamente:

“Invented tradition” is taken to mean a set of practices, normally governed by


overtly or tacitly accepted rules and of a ritual or symbolic nature, which seek
to inculcate certain values and norms of behaviour by repetition, which
automatically implies continuity with the past. In fact, where possible, they
normally attempt to establish continuity with a suitable historic past
(HOBSBAWM; RANGER, 2013, p.1, aspas no original).

Novamente, se faz necessário um trabalho de separação sintáxica para compreender a


relevância desta passagem. A repetição de normas tácitas ou abertamente aceitas cria um
padrão, que se estica do presente ao passado. Para tal, é necessário recorrer ao passado, mas
não qualquer passado: muitas vezes trata-se de um recorte específico, um mito particular;
outras tantas trata-se de um passado escolhido, modificado ou mesmo inventado. A
continuidade é fabricada do presente para o passado, e não o contrário: trabalha-se no sentido
de identificar o passado que mais se adequa ao interesse do grupo presente.

A História é usada como ferramenta legitimadora da ação do grupo, muitas vezes como
cimento da coesão social necessária para fazer avançar sua agenda. A capacidade de se
utilizar da tradição a torna um instrumento nas mãos das elites políticas, que podem se apegar
a tradições antigas ou simplesmente desenhar novas. Tudo dependerá de suas intenções
presentes. O nacionalismo pode ser encaixado no discurso da tradição, e já se provou capaz de
garantir a “unidade nacional” nos mais diversos momentos. Seja para unir um povo na direção
da libertação, seja para impedir a mudança ou “invasão cultural estrangeira”, o nacionalismo
66

se interliga com as tradições e mitos do passado e se metamorfoseia num elo poderoso, que
mostra sua força real entre 1870 e 1914 (OZKIRIMLI, 2000; HOBSBAWM; RANGER,
2013). Num momento de massificação política, que coincide justamente com o advento da
modernidade, o controle da população e garantia da coesão social ficam mais difíceis de
alcançar. Novas tradições são criadas com base em costumes ou eventos passados. Esse
conjunto de tradições inventadas formaria a nação, sendo impossível estudar o último sem ter
total atenção ao fenômeno que envolve o primeiro (HOBSBAWM; RANGER, 2013, p. 14).

Se aproximando de Gellner, Hobsbawm faz um movimento de encapsulamento conceitual,


defendendo que o nacionalismo moderno pode (e deve) ser separado de outras expressões de
organização nacional pré-modernas. O nível de demanda e coesão social necessárias no
nacionalismo moderno (doravante apenas tratado por nacionalismo, levando em consideração
que já se mencionou o pressuposto da modernidade em outras partes deste trabalho) são
inéditas até então. A impressão da nação na vida do indivíduo se dá em função da sua relação
com as formas de organização políticas da modernidade:

Like most serious students, I do not regard the 'nation' as a primary nor as an
unchanging social entity. It belongs exclusively to a particular, and
historically recent, period. It is a social entity only insofar as it relates to a
certain kind of modern territorial state, the 'nation-state', and it is pointless to
discuss nation and nationality except insofar as both relate to it. Moreover,
with Gellner I would stress the element of artifact, invention and social
engineering which enters into the making of nations. 'Nations as a natural,
God-given way of classifying men, as an inherent ... political destiny, are a
myth; nationalism, which sometimes takes preexisting cultures and turns them
into nations, sometimes invents them, and often obliterates preexisting
cultures: that is a reality.' In short, for the purposes of analysis nationalism
comes before nations. Nations do not make states and nationalisms but the
other way round (HOBSBAWM; RANGER, 2013, p. 9-10).

Em suma, o motivo mais pujante para o surgimento do nacionalismo, seu objetivo máximo,
seria a construção de um organismo político capaz de definir a maneira pela qual as relações
sociais se organizam, proteger os indivíduos (idealmente nacionais) etc. Apenas após a
criação e consolidação deste organismo, poder-se-ia falar de nacionalismo; nunca o inverso.
Ou seja, o nacionalismo cria a modernidade, pois, assim como disse Smith (2003), ele se
torna a linha vermelha que separa os períodos históricos onde a organização social primordial
é a nação daqueles que não o eram. Para manter o equilíbrio social, o nacionalismo apropria-
se de um discurso metamórfico, e faz emergir questões do passado, quando não criando-as
67

totalmente. O processo de criação das tradições evidencia a tendência instrumentalizável desta


doutrina política.

Para dar substância à essa afirmação, Hobsbawm trabalha com uma série de estudos de caso,
como a relativamente recente criação da cultura das highlands escocesas, a redescoberta da
cultura galesa, a cerimônia de coroação britânica, as invenções das tradições da África
colonial, além da efervescência de tradições de massa criadas no seio da Europa do século
XIX (apud SMITH, 2003, p. 120). No entanto, todas essas tradições, assim como inúmeras
outras, estão ligadas ao Estado, pois são necessárias para garantir o controle populacional
pelas elites políticas dominantes, ou para incitar a revolta nas classes sociais oprimidas.

Essa dualidade finaliza esta seção e abre espaço para o último capítulo deste trabalho. Nesse
sentido, visando reforçar os pressupostos que foram trazidos até o momento, bem como para
servir como uma espécie de resultado de toda a problematização conceitual empreendida até
agora, é válido pontuar, de maneira mais precisa, o que seria nação e, por conseguinte,
nacionalismo para efeitos desta pesquisa.

A conceituação de nação se aproximará muito daquela trazida por Anthony Smith em The
Nation in History: nação é o termo utilizado para definir um conjunto populacional composto
por seres humanos, normalmente (mas não necessariamente) ocupantes de um território
comum, compartilhantes de mitos, cultura de massa, economia e um sistema normativo de
direitos e deveres.

Já o conceito de nacionalismo trará um pouco mais dos pressupostos citados até aqui, visando,
principalmente, o afastamento da visão de sentimento nacional e aproximação de uma
interpretação mais pragmática. Nacionalismo seria, portanto, o termo utilizado para designar
uma doutrina política de autoafirmação nacional, pautada na assunção da existência de
unidade de interesses entre um determinado conjunto populacional, normalmente baseada em
similaridades fenotípicas, étnicas, históricas e/ou culturais. Seu objetivo seria traduzido na
afirmação do interesse nacional e desejo de autodeterminação, que seria alcançado através da
criação de uma estrutura político organizacional formal, o Estado-nação.
68

4. A Promessa do Nacionalismo

Até o presente momento, a maior preocupação deste trabalho foi expor, analisar e criticar
teóricos e conceitos que contribuam para a apreensão do nacionalismo e sua atuação nas
relações internacionais. Grande tempo e esforço foram empreendidos para tentar elucidar
certos pontos, bem como testar os pressupostos hipoteticamente levantados no início do
estudo. Com os dados e referências deste esforço em mãos, é possível adentrar num terreno
menos pavimentado, mas exatamente por esse motivo, muito mais rico.

Os mistérios deste capítulo são os mistérios deste estudo. Este é o momento para que dúvidas
sejam trazidas à tona. Se estas não forem respondidas imediatamente a partir do retorno a
momentos anteriores do texto, é porque devem ser deixadas em aberto, como reflexão crítica
inerente à natureza teórico-conceitual desta pesquisa.

A pergunta basilar para o início desta investigação se refere à capacidade construtiva do


nacionalismo, ou seja, até que ponto esse conceito teria condições de influenciar a disposição
hierárquica do sistema internacional. Todas as hipóteses levam em consideração uma mesma
verdade, qual seja, a de que o nacionalismo seria capaz de construir realidades. Seu poder iria
além do presente, se estendendo ao passado, pois os mitos fundadores da nação e
combustíveis do sentimento nacional nem sempre são reais, como bem observaram
Hobsbawm (2013) e Anderson (2006).

O nacionalismo se mostrou de diversas maneiras ao longo dos anos: vezes como discurso,
vezes como ferramenta política, vezes como ideologia. Seu objetivo mudou e moldou as
realidades que o envolviam ao mesmo tempo em que foi mudado e moldado por essa mesma
realidade. Esse duplo movimento invariavelmente impele o estudo aos escritos construtivistas,
principalmente ao trabalho de Onuf (2013), que será acessado neste primeiro momento e
revisitado sempre que necessário.

Mas também ao futuro. Se nos capítulos anteriores todo o esforço foi empreendido no sentido
de conceituar e escavar as bases históricas do nacionalismo, a energia que resta deve ser
empregada na análise da capacidade deste mesmo conceito em construir realidades no futuro,
69

seja através da ruptura, seja através da manutenção de um estado de coisas interessante para
determinadas camadas sociais9.

4.1 O(s) nacionalismo(s) e o(s) mundo(s)


O que mantém o mundo funcionando, se pergunta John Ruggie em seu artigo de 1998.
Mundo, mundos... todos vivem em mundos próprios, mas também compartilhados; essa
relação culmina na criação de apenas um mundo, único apesar de heterodoxo (ONUF, 2002,
p. 21). As palavras de Onuf, admitidamente inspiradas em suas leituras da teoria kantiana,
soam paradoxais até para o próprio autor, mas a verdade é que não são: viver no mundo
significa agir no mundo, e não apenas atuar, em sua constituição e construção.

Mesmo que ainda muito embrionário, este será o argumento base para uma discussão acerca
do sistema internacional. Importante para posicionar o teste conceitual da atuação do
nacionalismo como ferramenta dupla, esse debate servirá para trazer à tona algumas nuances
deste sistema, principalmente no que diz respeito ao seu material constitutivo: o mundo das
relações internacionais é mundo em si (Ibid.), e sua capacidade de adequação de conceitos
bem como transformação dos mesmos em realidade objetiva, confere um distinto grau de
elasticidade, muito importante para a compreensão do argumento proposto até aqui.

A este momento se segue uma bifurcação, direcionada, por um lado, à avaliação do


nacionalismo como ferramenta de mudança/emancipação; e do outro, para o acesso à sua
capacidade de manter estáticas as bases sociais. A intenção é que estes caminhos se cruzem
em alguns momentos, e finalmente se encontrem para o fechamento do capítulo.

4.1.1 O Mundo do Sistema Internacional



9
A escolha do verbo “construir” realidades foi pensada especialmente visando dar ao leitor a ideia de que o
nacionalismo se ampara na capacidade de gerar mudança, mesmo quando esta mudança significa a morte do
elemento novo. O que se busca dizer com isso é: mesmo quando se fala em manutenção do estado de coisas,
fala-se de uma construção de realidade, que depende de um embate de forças sociais. A vitória ou derrota do
nacionalismo não estaria, portanto, automaticamente ligada à emancipação ou manutenção, mas sim ao seu
objetivo.
70

Como desenhar, mesmo que virtualmente, os mundos das relações internacionais e do sistema
internacional? Como não cair numa falha interpretativa, e utilizar a teoria de Onuf contra suas
próprias bases, ao sugerir que existe um mundo e que a nação é seu fundamento principal?
Para inaugurar essa nova etapa, recorre-se novamente à Nicholas Onuf e às palavras iniciais
de um dos seus mais famosos trabalhos:

All of us experience the world actively. Living in a world means acting


on the world, and not just acting in it. We are agents, not actors—
agents of change, bulwarks against change—in worlds that are always
changing and always resistant to change. Together we have made the
world what it is now, and we go on making the world what it shall
become. As we make the world, it makes us individually what we are
and it makes our worlds uniquely what they are. (2002, p. 21)

Em primeiro lugar é importante ressaltar que Onuf (1998; 2002) não abre mão da
materialidade do mundo físico, e admite a sua existência. Em alguns momentos, chega mesmo
a sugerir a possibilidade de distanciamento entre analista e objeto, virando as costas para o
radicalismo pós-moderno. No entanto, é central em sua teoria a afirmação de que este
movimento é apenas momentâneo, e muito menos perfeito do que defendem os positivistas.
Não seria plausível defender que há uma realidade material existindo para além do alcance do
analista, e, por isso, passível de ser compreendida a partir da observação, mas que existe um
mundo real, composto por vários mundos. O mundo da pesquisa aceita este distanciamento,
mas o objeto pesquisado invariavelmente sofrerá deformidades interpretativas, quando não
alterações diretas a partir da interferência do cientista.

Tomando esse raciocínio como base, é possível apontar certos conceitos e instituições
buscando verificar seu papel na construção de uma determinada realidade. Essa construção
pode tomar as bases de outra pré-existente, destruí-la completamente ou mesmo se defender
contra invasões conceituais alienígenas. Dentro dos mundos do sistema internacional, vários
destes conceitos se chocam, misturam e sobrepõem, dentre eles a nação. Nesse sentido, o que
interessa filtrar desta correlação é que a nação ajuda a compreender bem como formar este
mundo e esta realidade, mesmo que não seja totalmente responsável pela sua constituição.

Como já foi discutido em seções anteriores, o nacionalismo é um movimento baseado nos


conceitos de nação, e como a última se conforma como epifenômeno da modernidade,
também pode-se considerar que o primeiro o seja. No mundo moderno, as instituições
71

combinam o poder estatal, duro, firme, positivo, com a leveza e paixão da ideologia
nacionalista, criando uma combinação irresistível. Essa fórmula é pesada pelas balanças das
escolhas pessoais e quase sempre enfrenta pouca ou nenhuma resistência, pois conversa com
as necessidades humanas nos mais diversos níveis. Se o ser o humano é de fato um zoon
politikón (FRATESCHI, 2008), a diferença entre realidade física e realidade ideacional é
muito tênue: os extremos do mundo ordinário e real, onde as coisas realmente acontecem, e
do mundo dos acadêmicos, preocupados em analisar a ordem das coisas, estão mais próximos
do que pensa Onuf (2002), pelo menos no que diz respeito a um conceito altamente
instrumentalizável, como é o caso do nacionalismo. Por mais que conceitos não alterem a
lógica física das relações internacionais, o mesmo se faz em nível ideacional. Mas o mundo
onde atuam estes conceitos interfere na maneira pela qual se dão as relações sociais no mundo
material. Dessa forma, abre-se espaço para a metaforização do mundo real, que toma forma a
partir de uma dégradée de materialidade e ideia.

Obviamente ideias solitárias não conseguiriam se materializar, e a agência humana é o meio


pelo qual essa transformação ocorre. Talvez a agência que Onuf relega ao indivíduo seja
exagerada, mas o ponto que se busca levantar é a capacidade humana de inventar e reinventar
realidades. Em outras palavras, seria possível afirmar que há capacidade nos seres humanos
de gerar realidades a partir de ideias. Mais ainda: há capacidade de instrumentalizar conceitos
em prol da construção de uma determinada realidade, seja ela dependente de uma ruptura
social, seja um produto da manutenção de uma série de pressupostos.

Os últimos degraus desta escalada conceitual para a construção do mundo do sistema


internacional atingem um zênite teórico dentro do raciocínio construtivista de Onuf, que diz
respeito à importância das regras para a formação de instituições. Onuf (1998; 2012) adiciona
um novo nível à já evidenciada ideia de que os seres humanos teriam capacidade de alterar
realidades a partir da aplicação de conceitos antes relegados ao mundo das ideias: “(...) people
make society, and society makes people. This is a continuous, two-way process” (1998. p, 4).
Balança de poder, anarquia e soberania estão entre as mais importantes instituições (ou
regimes, termo popularizado por Stephen Krasner, mas também utilizado por Onuf). Mas
aqui, pontua-se nação como o conceito-chave para compreender o mundo do sistema
internacional, bem como para defender que, por carregar signos e instituições próprias, o
sistema internacional se constitui num mundo.
72

4.1.1.1 Nação no Mundo do Sistema Internacional


Se na antiguidade, as relações entre povos e civilizações poderiam acontecer numa esfera


quase pessoal, focada na royal personae dos agentes (WATSON, 2002; ONUF, 2002, p. 24),
na identidade do príncipe, que se confundia com o próprio Estado, quando se fala de
modernidade, talvez nenhuma instituição seja mais determinante para a construção deste
mundo do que a nação, e nenhuma organização seja mais relevante do que o Estado. Pode
parecer um truísmo afirmar que a nação é importante para o mundo das relações
internacionais (afinal de contas, fala-se de relações entre nações) e muito disso se deve
justamente à proximidade entre estas duas instituições imprescindíveis para o funcionamento
deste mundo. Karl Deutsch, Kedourie, Gellner e tantos outros historiadores são categóricos ao
afirmar que o advento da modernidade teria sido capaz de criar um mundo de nações e
Estados-nação, permeados por uma ideologia nacionalista (SMITH, 2000, p. 60). A
Revolução Francesa marca essa nova era missionária nas relações internacionais, pois traz à
tona uma nova proposta de organização social. Esse momento é marcado pelo
recrudescimento do

(...) culto da liberdade, a aspiração de nacionalidade una e indivisível,


o anseio de uma nova coesão e um novo espírito nacionais, a ideia de
um Estado fundamentado na concordância popular e apoiado na
participação ativa do povo (...). (KOHN, 1962, p. 15)

Onuf (1998; 2002) colabora para o exercício de sopesar a relevância do componente estatal
para o mundo das relações internacionais, defendendo que o último é bastante exclusivo: o
protagonista neste cenário é o Estado. Isso não quer dizer que outros agentes não tenham
relevância ou que suas interações não precisem ser levadas em consideração, apenas que, no
século XXI, o Estado é a organização política que se constitui como maior depositária do
poder (ARCHIBUGI, 2000, p. 137). Grande parte desse poder diz respeito à sua capacidade
de definir os requisitos da cidadania, ação que contribui para a mitigação da heterogeneidade
que lhe é intrínseca e pode ser percebida como impeditiva à sua ação ou, no mínimo,
problemática. A visão do Estado unitário, indivisível e racional já foi superada nos debates
epistemológicos das RI, e hoje se aceita que um conjunto de fatores sociais internos possui
73

grande influência na definição das políticas externas estatais. Agrupar indivíduos de etnias,
idiomas, culturas e, principalmente, interesses diferentes, sempre foi seu maior desafio do
ponto de vista doméstico. A homogeneização, ou controle da diversidade é a chave para
garantir coesão e organização e até o presente momento nenhum outro fator obteve tanto
sucesso quanto a nacionalidade.

A nação serve ao propósito de gerar esta homogeneidade sem necessariamente misturar as


coisas (Ibid). Dá a um povo um elemento identitário comum e poderoso, capaz de gerar
identificação em diversos níveis. É por esse motivo que Estado e nação poderiam ser tomados
como componentes dependentes: o primeiro necessita do último para garantir um nível
mínimo de coesão que permita sua sobrevivência como instituição. O termo Estado-nação
surge como forma de unir estas duas pontas e definir estes novos organismos, diferentes e
afastados dos cercados feudais, dos Estados absolutistas e westfalianos, dos impérios
multiétnicos, que exerciam sua força organizativa a partir de outros elementos restritivos, mas
quase nunca identitários. Afinal de contas, compartilhar um soberano não é o mesmo que
compartilhar um hino nacional; lutar pela liberdade dos povos não é o mesmo que lutar pela
vitória de uma casa nobre sobre outra. O Estado-nação seria pautado em conceitos distintos da
personae e mais focados na coletividade e identidade, precisas o suficiente para se fazer “(...)
entrar na Lebenswelt de homens e mulheres modernos (...)” (BAUMAN, 2005, p. 26).

Como debatido na seção anterior, um mundo será sempre o produto de uma série de
imposições conceituais (DEVITT, 1997, p. 235). Levando em consideração que uma dessas
imposições se desenha com nuances de nacionalidade, e esta é basilar para os organismos
políticos que atuam neste mundo, é plausível afirmar que a nação ajuda a desenhar o mundo
das relações internacionais. Ou seja, se nacionalidade é elemento formador do Estado, e estes
organismos povoam o sistema internacional, a lógica leva a crer que nação e nacionalidade
são alguns dos elementos que constituem o mundo das relações internacionais. Este mundo
seria, portanto, constituído por muitos mundos nacionais, e não de maneira indireta, mas com
sua influência total e inequívoca. É por assunções como essa que autores como John Breuilly,
Hobsbawn e Terence Ranger não conseguem (nem tentam) dissociar Estado e nação: o
objetivo máximo do nacionalismo seria, inclusive, subverter a realidade a partir do momento
que conquista o aparato estatal, permitindo que o signo da nação continue marcando as
relações internacionais, seja através de mecanismos políticos (BREUILLY, 1985), seja
através da invenção de tradições (HOBSBAWN; RANGER, 2008).
74

O sistema de constituição conjunta explorado no construtivismo (ONUF, 1998; 2002; 2012;


2013; RUGGIE, 1998) evidencia o processo de construção do agente, das normas e regras,
elementos que facilitarão a cristalização dos conceitos dentro de uma dada realidade. Ao se
extrapolar essa relação, seria possível perceber a criação de sistemas de regras, que ao se
emaranhar dão vida a uma teia de relações. Mais uma vez, a palavra sistema não foi aplicada
em vão: esse conjunto de normas, regras e procedimentos, que emana dos mundos individuais
dos agentes, se transforma na estrutura que daria forma ao que se chama em RI de sistema
internacional. O ponto capital na construção deste raciocínio diz respeito à aproximação
destes conceitos de uma natureza mais normativa e, por esse motivo, mais real. Jamais
abandonando a liquidez da realidade social (BAUMAN, 2007), Onuf entende que regras e
normas funcionam de formas diversas, em proporções diversas e, mais importante, são
etéreas, difíceis de ver (1998, p. 14). É possível que as regras mais profundas ou complexas
nunca sejam questionadas, mas tomadas como parte indissociável da realidade (Ibid.). Esse
conjunto de regras determina as opções de escolha dos agentes em questão a partir do
momento que desenham os limites da sua atuação, criando uma linha que, quando
ultrapassada, gerará represálias. É possível perceber a normatização da nação e do
nacionalismo, como instituição e ideologia globalmente difundidas (MAYALL, 1990), e a
consolidação da nação como norma internacional de organização política (SMITH, 2001, p.
139). Um conjunto de conceitos identitários, linguísticos, territoriais etc, que não se pautam
necessariamente numa realidade histórica precisa, dão forma a uma instituição capaz de
definir o sistema internacional.

Nesse sentido, surge uma pergunta muito importante para nortear o restante da análise: quem
ou o que teria capacidade para definir quais regras serão levadas em consideração? A resposta
para esta pergunta encontra-se na centralidade do poder como elemento das relações
internacionais. Indo além, compreender de que forma as relações internacionais se organizam
com base nas assimetrias de poder e capacidades de seus agentes principais. O esforço
primordial deste momento é tentar identificar como a nação permite que esta lógica seja
mantida. Responder a esta questão ajudará na compreensão do nacionalismo como expressão
de um desejo de emancipação e/ou manutenção da realidade.
75

4.1.1.2 O poder nacional


O conceito de poder passou por diversas modificações ao longo dos anos e toda sorte de
discussões dão fôlego a questionamentos acerca da origem do poder, como o mesmo é
exercido, se pode ser quantificado. Isso não significa, no entanto, que não houve resistência
aos chamados novos temas: historicamente, a teoria política encara o poder como animal
quase perfeito, que se mostra inalterado frente a anos de evolução social. A Guerra do
Peloponeso e as disputas comerciais entre Estados Unidos e China poderiam ser explicadas
tomando como base os mesmos teoremas.

A emergência de correntes teóricas mais pautadas na sociologia e psicologia, caracterizadas


por um desapego às análises estritamente quantitativas bem como uma proximidade das
questões ideacionais e intersubjetivas que envolvem e constroem as relações sociais marcam
um desenvolvimento epistemológico que permite incluir novas nuances ao estudo do poder. É
essa evolução que permite debater o poder imaterial exercido por conceitos e materializado a
partir das relações sociais, fenômeno tão caro a este estudo: as mudanças no mundo estão
ocorrendo, e as formas de dominação estão se tornando mais complexas e sofisticadas,
partindo de locais e instrumentos que simplesmente não existiam (ou não eram percebidos)
em tempos mais remotos.

Já que a análise conceitual do poder não se encaixa nos interesses deste estudo, evitar-se-á
problematização excessiva, tomando-se este argumento como base suficiente para o
lançamento de mais uma pergunta, que permitirá iniciar uma análise acerca das maneiras
pelas quais a nação conformaria um elemento auxiliador para a manutenção deste tipo de
relação, baseada em assimetrias de poder. Em primeiro lugar, retoma-se a já mencionada
complementaridade entre o Estado, organização máxima da política internacional, e a nação,
conceito que se refere ao compartilhamento identitário e cultural de uma determinada
população. O Estado detém um aparato material que permite a execução de suas capacidades
em relações internacionais (forças armadas, por exemplo), mas também um referencial de
legitimidade, sendo a força um recurso acessível e normativamente garantido a estes
organismos. Stephen Walt postula que "(...) security considerations take precedence over
ideological preferences, and ideologically based alliances are unlikely to survive when more
pragmatic interests intrude" (1995, p. 24). Apesar de não estar totalmente errado, Walt
76

desconsidera diversas variáveis que interferem diretamente na construção destes interesses


mais pragmáticos. Com isso, espera-se que tenha ficado claro que em nenhum momento desta
seção se defenderá que o poder material é menos relevante, ou mesmo que perde espaço para
questões ideacionais. Na verdade, o objetivo é justamente contradizer o reducionismo realista
em sua raiz, e aceitar sua visão ao mesmo que tempo que se admite um ganho de
complexidade nas relações de poder. Talvez os conceitos de poder tenham evoluído em sua
complexidade, abrindo espaço para outros níveis de análise, mas continuarão sendo centrais
para compreensão do comportamento dos agentes internacionais (EDKINS, 2007).

Se se toma o trabalho de Hans Morgenthau (2003, p. 4-28) como exemplo, percebe-se que a
análise do poder leva em consideração elementos materiais em sua maioria, mas também
questões imateriais altamente problematizáveis. Ao comparar a importância dada pelo autor a
questões como índole nacional, é possível perceber a importância que determinados
elementos identitários teriam na construção do poder de um Estado, mesmo a partir do ponto
de vista de um autor essencialmente realista. Obviamente, o que Morgenthau define como boa
índole, bom governo, ou mesmo nacional, partem de um conjunto opinativo que diz respeito à
sua própria realidade. No entanto, não se quer desprezar essa relação: basear o poder estatal
nesta capacidade nacional serve como elemento discursivo muito relevante para se criar uma
narrativa em torno de um objetivo. Não é necessário procurar muito para encontrar momentos
na história em que a índole nacional foi acionada através do nacionalismo visando aplacar
invasões externas ou iniciar movimentos para conquista de novos territórios. Estes
movimentos, assim como tantas outras mudanças nas relações de poder, não poderiam ser
explicáveis se a esfera imaterial não fosse trazida à tona (ROSE, 2004). As teorias tradicionais
não são capazes de ler e questionar estas nuances em profundidade, tomando determinados
conjuntos normativos como dados ou perenes e isso acontece também nos primeiros
paradigmas nacionalistas (OZKIRIMLI, 2000, SMITH, 2000)10. Ao tomar a nação como
elemento basilar e incontestável do mundo das relações internacionais, se faz impossível
pensar num mundo onde não exista uma alternativa para este arranjo. Como já foi dito
anteriormente, a estrutura na qual os Estados se relacionam é primordialmente composta por
ideias e conceitos; questioná-los significa abrir espaço para modifica-los; toma-los como
realidade objetiva e imutável, significa trabalhar no sentido de sua manutenção.


10
A noção de fim da ideologia (MÉSZAROS, 2005; CHOWDHRY; NAIR, 2014), obscurece e disfarça as
relações de poder e questões ideacionais no mundo moderno.
77

Aqui se chega à última linha de raciocínio desta seção, que permitirá amarrar alguns pontos já
trabalhados com alguns fatos novos. Em primeiro lugar, é necessário compreender que não
existe apenas um mundo material, mas que materialidade e ideia se confundem e constroem
mundos diferentes, que não são perenes (1); e a nação faz parte da base constitutiva do
sistema internacional (ou do mundo das relações internacionais), tratado em certos momentos
como este mundo (2); que este mundo é povoado por Estados, que se utilizam deste conceito
para unificar suas populações e garantir legitimidade de ação (3); as relações entre estas
organizações se baseiam em poder (ideacional e material) (4); e, finalmente, que esta estrutura
culmina na institucionalização de um modelo relacional desigual, baseado nas assimetrias de
capacidades e garantido pela heterogeneidade nacional (5).

Salientar esta heterogeneidade é condição inicial para a manutenção desta lógica relacional: a
similaridade entre a segunda e última proposições não é intencional, e por isso mesmo serve
para demonstrar como um ponto de partida comum fabrica esta ideia de múltiplas faces de
uma mesma realidade. O mundo das RI seria baseado na compreensão destes conceitos, no
posicionamento do poder, racionalidade etc. como elementos primordiais. Esse movimento,
por si só, já seria suficiente para construir uma narrativa que colaborasse para a reificação de
determinadas estruturas hierárquicas e relações assimétricas. Quando se pensa que a maioria
das teorias que formam o mundo das relações internacionais são essencialmente eurocêntricas
(ou ao menos originadas no eixo Estados Unidos – Europa), se percebe a criação da mística
por trás do encadeamento entre Estado, nação e relações sociais (CHOWDHRY & NAIR,
2014, p. 3). Porém, outros fatores (materiais e ideacionais) se agregam a esta questão,
formando um conjunto normativo que não apenas permite, mas garante a existência de
relações desiguais. Poder-se-ia falar do colonialismo, do imperialismo, do capitalismo e das
lutas de classe. Exclusive o último caso, todos têm no componente nacional uma característica
imperativa para sua existência. A temática da nacionalidade se confunde com tantas outras,
mas parece se sobressair a todas elas nos momentos mais críticos, e mesmo o capitalismo
parece se dobrar aos desígnios da nação em momentos-chave da história.

Ajustando o leme para um posicionamento mais direto à pergunta que dá origem a este
debate, qual seja, de que maneira estas relações desiguais se legitimam e por que a nação é um
elemento importante para a sua solidificação, recorre-se novamente ao arcabouço
construtivista, que tende a permitir o transbordamento de características ideacionais em sua
leitura de poder, adotando uma perspectiva intersubjetiva. A verdade é que estas visões são
78

muito mais abertas a questionar os processos de legitimação que levaram certas instituições,
as vezes encaradas como dadas ou imutáveis, a se consolidarem como tal (GUZZINI, 2005, p.
507-8). Esse argumento é carregado de grande significado: as ideias e identidades seriam, na
visão construtivista, mais importantes para determinar a natureza de relações internacionais
do que a balança de poder ou distribuição de capacidades. Para melhor exemplificar estas
questões, duas variáveis específicas serão trazidas à tona: a visão de imperialismo e
colonialismo; e a problemática em torno de raça (CHOWDHRY; NAIR, 2014), ambos os
pontos muito próximos do tema da nação e nacionalismo e de forma alguma auto-excludentes.
Essas características estão interligadas entre si: os conceitos de raça estão intimamente
conectados ao imperialismo, que por sua vez raramente aparecerá separado do colonialismo
(CHATTERJEE, 1993).

One of the fundamental axis of this model of power is the social


classification of the world’s population around the idea of race, a
mental construction that expresses the basic experience of colonial
domination and pervades the more important dimensions of global
power, including its specific rationality: Eurocentrism. The racial axis
has a colonial origin and character, but it has proven to be more
durable and stable than the colonialism in whose matrix it was
established. Therefore, the model of power that is globally hegemonic
today presupposes an element of coloniality (QUIJANO, 2000, p.
533).

O argumento levantado na citação acima deixa clara a posição da questão étnica dentro das
estruturas de poder, e as visões primordialistas e naturalistas do nacionalismo dão nuances de
protagonismo à etnicidade, característica identitária fundamental. Porém, como já foi dito
anteriormente e aproveitando o movimento iniciado pelos construtivistas, é possível
extrapolar a visão essencialmente racial e adicionar componentes mais abrangentes do ponto
de vista nacional, sem necessariamente perder de vista a estrutura engessada das relações
assimétricas. A hierarquia que se inicia baseada em argumentos da natureza evolui e se
sofistica, mas não abandona seu apreço pela lógica de exclusão. Historicamente, as posições
de privilégio conquistadas pelas aristocracias europeias permitiram o controle de bens e
recursos que garantiram um desenvolvimento desigual. O trabalho forçado de indígenas e
estrangeiros lastreou o enriquecimento das elites a nível global, destarte sua nacionalidade.
Entretanto, a primeira fronteira é sempre essa, formada entre a metrópole e a colônia; a
79

segunda leva em consideração as nuances identitárias formadoras do indivíduo em questão


(QUIJANO, 2000, p. 537). De maneira geral, a nacionalidade pode não ter sido o motivo do
colonialismo, mas certamente foi o corolário que legitimou sua existência por tanto tempo.

A própria noção de progresso e desenvolvimento (majoritariamente econômico) dos países


ocidentais foi garantido pela formação destas estruturas desiguais. Por conseguinte, a visão de
retrocesso oriental leva em consideração mais do que características materiais, mas todo o
discurso e produção de conhecimento baseado na centralidade das metrópoles coloniais. Jomo
Kenyatta (1938) escreve sobre a prática Kikuyu de circuncisão feminina, definindo como
arrogante e equivocada a ação europeia de julgar este procedimento como bárbaro, levando
em consideração seu próprio ideário. A capacidade de espalhar uma visão do mundo ao
mesmo tempo em que relega todas as outras ao barbarismo foi modus operandi comum da
expansão europeia dos séculos XV a XX, procedimento que se reproduz hoje na tentativa de
universalização de determinadas pautas. Arturo Escobar (1998) postula que a construção do
“Terceiro Mundo” é outro exemplo desta questão, pois facilita o posicionamento subalterno
do eixo dos países não alinhados. Roxanne Doty (1993) trabalha de maneira similar,
sugerindo que a construção de determinadas instituições parte de um princípio de manutenção
de uma lógica distribuição e acesso desiguais ao poder. A sensação que se cria ao se perceber
a rigidez destas estruturas é uma espécie de naturalidade da desigualdade, que se torna ainda
mais perniciosa quando solidifica a sensação de inferioridade e superioridade. Quijano explica
esse raciocínio muito bem: “(…) the codification of the differences between conquerors and
conquered into the idea of ‘race’, a supposedly different biological structure that placed some
in a natural situation of inferiority to the others” (2000, p. 533). Ora, uma vez mais não se fala
exclusivamente de estruturas opressoras soltas no éter, mas de um arranjo que permite que
estas relações se consolidem. Mais do que isso, o arranjo nacional retém os agentes
internacionais numa teia de normatividade que restringe seu espaço de atuação.

Isso posto, já há material suficiente para se trabalhar a análise secionada citada acima, ou seja,
a atuação do nacionalismo como ferramenta de emancipação e/ou manutenção dentro de um
sistema internacional moldado pela influência conceitual.

Em suma, a agência dos indivíduos e Estados é determinada por limites institucionais


produzidos e mantidos através de uma estrutura que prioriza relações de poder. Em função da
profundidade destes conceitos, há certo grau de incapacidade de vislumbrar alternativas que o
80

extrapolem. Para os objetivos deste estudo as linhas mais visíveis são as nacionais. Ou seja:
“(...) states are the product of long histories of arduous social construction. On the other hand,
they exist only in formal relation to each other, and the ways in which they conduct their
relations are also formally limited” (ONUF, 2002, p. 24). Por estar na base institucional da
sociedade internacional, a nacionalidade perpassa e é atravessada por diversas outras normas e
regras, o que só aumenta o nível de complexidade das relações internacionais.

O nacionalismo possui pouco ou nenhum compromisso com essa barreira e seu emprego se
aproveita de sua capacidade de transitar e criar “mundos”, através de um quebra-cabeças de
mitos e fatos que dão forma a realidades inventadas. Estas realidades contribuem de maneira
sensível para a formação de uma normatividade específica, que permite, através de
construções sociais mutuamente exclusivas, desenhar barreiras às relações universais, naturais
nas visões de Locke e Grotius. Essa diferenciação social permite que estruturas hierárquicas
se formem, relegando às assimetrias de capacidades e poder o dever de administrar as relações
internacionais. O mundo das RI é um mundo de poder, e suas diversas nuances desenham um
círculo virtuoso da produção e reprodução das instituições que controlam estas relações. Indo
além da matéria, percebe-se que o poder é uma narrativa socialmente construída e fortalecida
a partir das relações sociais, que, incluídas na estrutura da nacionalidade, garantem sua
existência.

É importante ressaltar que, quando se parte do princípio que a nação é uma das bases do
mundo, há um flerte com o perigo de cair em determinismo, mas não do tipo forte o suficiente
para que se perca o norte metodológico. Não há assunção de irreversibilidade, não há certezas
sobre o fato. Há sim um questionamento que busca, antes de qualquer coisa, responder se, ao
se manter a lógica de organização mundial com base na nação, existe espaço para mudança
real11. Todos os discursos são contestáveis (CHOWDHRY & NAIR, 2014, p. 8) e a própria
teoria se colocaria como ferramenta de resistência a discursos dominantes, justamente por ser


11
Esta afirmação se baseia no extrato a seguir: “(...) teórico não busca separar-se do objeto que estuda, não
atribui a seus próprios procedimentos investigativos uma postura desinteressada e neutra, limitada à mera
quantificação, classificação e comparação de fenômenos observáveis. De saída, o olhar do observador está
inserido no próprio objeto estudado, a sociedade, e, com consciência do lugar que nela ocupa, a teoria lida de
forma reflexiva com os próprios contextos em que é formulada e aplicada. A teoria também é um “sujeito” do
momento histórico dentro de uma totalidade social que o comportamento crítico pretende transformar” (MELO,
2011, p. 252).
81

capaz de construir uma espécie de contra-narrativa. É com essa ideia em mente que se inicia a
construção do próximo tópico.

4.1.2 Emancipação

Para entender a função do nacionalismo como ferramenta de libertação optou-se por recorrer
às teorias críticas, justamente por seu apego ao tema da emancipação. Afinal de contas, a
orientação para a emancipação é o primeiro princípio fundamental das teorias críticas
(NOBRE, 2004), que se dedicam “(...) à forma como a ordem existente surgiu e às suas
possibilidades de transformação” (SILVA, 2005, p. 263). Para isso, serão necessários dois
esforços. O primeiro diz respeito à conceituação do que poderia ser configurado como
emancipação com base neste referencial teórico. Uma vez definido este ponto, seria possível
partir para o próximo, e analisar se o nacionalismo teria ou não capacidade de gerar o tipo de
ruptura social necessária para se caracterizar como elemento emancipatório. As teorias
críticas se adequam a esta empreitada não apenas porque geram rico material conceitual
acerca da emancipação, mas também por tratar, através da práxis emancipatória (MELO,
2011, p. 249-250), das correlações e processos externos que contribuem e atrapalham sua
concretização. Essa relação entre teoria e prática, característica das visões de mundo advindas
do marxismo, é o ponto de partida ideal para conceituar o que seria emancipação e analisar se
o nacionalismo possui a força necessária para atingir este objetivo. No entanto, vale a pena
chamar a atenção, já neste momento inicial, para a proximidade desta visão com a trazida
acima: a relação entre teoria e prática presente nas teorias críticas de Horkheimer, Habermas,
Cox e Linklater, não está tão distante do construtivismo de Onuf quanto uma leitura mais
superficial poderia sugerir12.

Quando se trata de lutas emancipatórias e revolucionárias, é possível afirmar que se fala de


um elemento recorrente na História. Essa riqueza de possibilidades de emancipação não
aparece nas primeiras versões das teorias críticas, que representavam uma variação do
pensamento marxista, particularmente vinculada aos acadêmicos alemães da Escola de
Frankfurt (SILVA, 2005, p. 251). Aqui se propõe um debate que vai além do senso comum: é
relativamente aceito que o nacionalismo funciona como ferramenta de libertação, mas se
busca verificar se esta libertação acontece de maneira substancial ou superficial.

12
Foi justamente por perceber esta proximidade entre os referenciais que se optou por manter ambos, fazendo-os
conversar sempre que possível.
82

Para o marxismo ortodoxo, a emancipação passaria obrigatoriamente pela via da revolução,


ancorada nas assimetrias inerentes ao capitalismo, sendo o proletariado seu capitão social. Em
outras palavras, o motivo da emancipação estaria sempre vinculado à superação do
capitalismo, ou ao menos da exploração que sustenta este modo de produção. Logo, a mesma
só seria completa uma vez que o subjugo do capital fosse extirpado13. Para os marxistas, o
capitalismo é a base estrutural, sendo o trabalho (em todas as suas expressões) a mais efetiva
forma de dominação social. O trabalho jamais poderia ser visto como elemento
emancipatório, mas sempre como fator de dominação (BREUER, 1977 apud MELO, 2011, p.
257).

Não seria errado afirmar que a visão de mundo marxista carrega verdade. As relações sociais
de fato se baseiam no modo de produção capitalista, e não há motivo para buscar fugir disso.
Mas o automatismo da relação entre infraestrutura e superestrutura (característica dos
primeiros trabalhos marxistas e de toda a teoria de Marx), bem como foco excessivo no papel
da luta de classes e mais especificamente do potencial revolucionário do proletariado, acaba
por causar certo nível de miopia a essa corrente, além de um bom grau de discordâncias
internas. Wallerstein (2007, p. 70), por exemplo, avalia que as sucessivas derrotas dos
projetos da Segunda e Terceira Internacionais estão mais ligadas à burocracia do que às
relações de trabalho. É claro que uma coisa acaba gerando a outra, mas ao fim das contas,
como defende Lenin, em muitos países a burguesia está tão aparelhada, que seria impossível
atravessar para o lado da emancipação sem recorrer à revolução. Enfim, capitalismo não
significaria automaticamente dominação, bem como um governo proletário não significaria
emancipação. A crítica marxista levanta o ponto principal para a compreensão de
emancipação: a necessidade de romper as amarras da dominação, afinal de contas, esse é o
significado etimológico do verbo. Mas seria verdadeiro afirmar que o cadeado só poder
atender pelo nome de capitalismo?


13
Isso se justificaria pela natureza da teoria marxiana. Esta doutrina enxerga os embates de classe como
elementos capazes de dar mais fôlego ao ser social do que qualquer outro. Por este mesmo motivo, os marxistas
não usaram muito do seu tempo em leituras nacionalistas. À medida que o capitalismo se globalizava, também a
burguesia ganhava nuances internacionalistas. Se a exploração é global, a luta por emancipação também deveria
ser: a nação estaria subordinada à classe seja ela opressora ou oprimida. O proletariado do mundo iria se unir sob
a égide da revolução, independente de nacionalidade.
83

Horkheimer (2002), figura mais influente da Escola de Frankfurt (SILVA, 2005, p. 252) e o
primeiro a se utilizar do termo “Teoria Crítica”1415, se propõe a tratar essa miopia quando
sugere uma revisão da teoria como um todo. Seu trabalho é um monumento importante para
este texto, pois inaugura a possibilidade de recorrer a outras questões que iriam além do
capitalismo quando se trata de dominação e, por conseguinte, emancipação. Num primeiro
momento, Horkheimer se preocupa em desmistificar ou simplesmente separar a metodologia
das ciências sociais da racionalidade instrumental das ciências naturais modernas,
simplesmente porque estes dois mundos estão dissociados em sua raiz. É nesse momento que
se propõe uma ruptura epistemológica, visando empregar a práxis emancipatória em seu nível
mais absoluto: a partir do momento em que se percebe que o afastamento entre o cientista e o
objeto é nocivo ao desenvolvimento das ciências sociais, Horkheimer também percebe como
esse movimento se coloca de maneira contrária à emancipação. Emancipação estaria,
portanto, vinculada à capacidade de perceber o mundo a partir de uma lente crítica, levando
em consideração a historicidade dos fatos analisados, nunca próxima da tentativa ascética do
positivismo. A teoria crítica de Horkheimer seria radical na recusa da doutrina positivista
axiologicamente neutra, afirmando que a proximidade com esta corrente significaria um
movimento apologético aos objetivos institucionais da sociedade industrial, reduzindo “(...) a
reflexão teórica a um humilde criado (...)” (HORKHEIMER, 1977 apud LÖWY, 2009, p.
168). “A percepção de que teorias estão fixadas nessas estruturas permite que os teóricos
críticos reflitam sobre os interesses atendidos por uma teoria particular” (SILVA, 2005, p.
253). A teoria teria um papel tanto na identificação quanto na afirmação e atuação das
políticas e ações necessárias para a emancipação.

Historicamente a emancipação se fez presente em diversas oportunidades, significando


sempre o acesso a liberdade, não importa de que maneira, não importa de que tipo de
dominação. Conforme exposto acima, o jugo colonial se comporta como uma das ferramentas
de dominação mais agressivas e sofisticadas já inventadas pela humanidade, e o discurso do
nacionalismo normalmente é empregado como arma para rebater argumentos étnicos
(normalmente com outros de mesma natureza), para criar mitos que corroborem a necessidade
de separação ou união, para provar a superioridade (ou ao menos a “não inferioridade”) de

14
Por esse motivo se evitará a generalização utilizada nos primeiros momentos deste texto. A partir deste ponto,
o texto se referirá à Teoria Crítica, conforme iniciada por Horkheimer e continuada pela Escola de Frankfurt e
seus afluentes.
15
Esse movimento se inspira em Linklater (2007, p. 45), que separa as teorias críticas de base marxista daquelas
com viés pós-positivista. Passos (2013) vai além e adiciona autores de viés neogramsciano, cosmopolita,
habermasianos, foucaultianos, feministas, construtivistas e pós-modernos.
84

determinado povo. Ou seja, aqui se fala de um tipo específico de luta por liberdade: indo
além, de um tipo específico de emancipação16. Há uma clara vinculação com o capitalismo e
o mundo moderno, mesmo na teoria de Horkheimer, que menciona a “sociedade industrial”,
mas já é possível perceber um movimento de flexibilização no sentido de incluir outras
nuances a estas formas de dominação mais evidenciadas pelas relações de classe.

O desenvolvimento dos sistemas de Estados que compõem a antiguidade seria um bom


exemplo disso. A fusão entre as cidades-estado da Grécia com o Império Persa dá lugar à
Macedônia, uma tentativa imperial sem precedentes, que rui em função da sua incapacidade
de manter os elementos internos sob controle. A luta por liberdade e autodeterminação
também seria um dos motores da dissolução do Império Romano, transformado, por um lado,
em Império Bizantino, por outro numa multiplicidade de Estados independentes (WATSON,
2002, p. 24 - 119). Esse desenvolvimento pode ser interpretado como parte da evolução da
sociedade no sentido da institucionalização e normatização das relações sociais, mas também
pode ser encarada como a vitória de uma visão de mundo em detrimento de outra. No fim das
contas, todas essas mudanças foram geradas no seio de movimentos disruptivos, sejam eles
emancipatórios, revolucionários, civilizatórios, ou mesmo de conquista, não necessariamente
vinculados à necessidade de substituição do modo de produção. Estes movimentos geraram
alterações profundas no Estado de coisas, não raro criando novas estruturas relacionais que
permitiam o avanço de novas ordens internacionais, não sendo responsáveis apenas pela
destruição das estruturas do ordenamento, mas pela produção de novos sentidos funcionais
(BULL, 2002, p. 8) ao conjunto a ser ordenado.

Avançando um pouco na História, é possível afirmar, à primeira vista, que a Revolução


Francesa de 1789-1799 e a Revolução Russa de 1905-1922 não guardam nenhum tipo de
semelhança. Uma análise mais aprofundada, como a trazida por Florenzano, evidencia o
contrário: elas não apenas guardam similaridades, mas seria impossível compreender a última
sem estudar a primeira (2008, p. 41). Um comunista francês, citado por Hobsbawm (1996b)
chega a afirmar que os russos conheciam a Revolução Francesa melhor que seus próprios
compatriotas. Lenin e Robespierre eram assemelhados na sua paixão pela revolução, mas


16
Este último ponto, por exemplo, poderia abrir espaço para discussões sobre separatismos, que por mais que
possuam uma natureza disruptiva, não se pode dizer que carregam, automaticamente, motivações essencialmente
emancipatórias per se. Nestes casos, há um desejo de se libertar/separar, mas não necessariamente porque a outra
parte oprime os portadores do discurso nacional, sendo o contrário até mesmo mais comum (SNYDER, 1954;
SMITH, 1983, 2001; BREUILLY, 1985; HOBSBAWM; RANGER, 2008).
85

também na sua cruzada interna pelo poder e contra a intransigência (FERRO, 1984, p. 56).
Em ambos os casos, as estruturas sociais foram drasticamente alteradas, e um sulco ideológico
foi aberto pelos gritos dos revolucionários que tomaram Paris e São Petersburgo. Se suas
origens não remontam ao mesmo berço, seu final foi idêntico: redesenho do ordenamento
social com base em pressupostos frescos, nunca antes testados. De um lado a democracia; do
outro, o socialismo. É a oficialização da obsolescência da velha política em detrimento da
nova, um discurso muito utilizado, mas raramente alcançado em sua essência original,
entretanto.

A Teoria Crítica permite avançar mais nas análises destes elementos de dominação,
contribuindo para a percepção do papel do conhecimento científico nesta balança. Mais uma
vez, fala-se da mistura entre os mundos que Onuf (2002) se esforçou tanto para separar: os
interesses impõem grande influência sobre a produção de conhecimento e este, por sua vez,
possui papel fundamental na construção do(s) mundo(s). Jürgen Habermas (1993) assim como
Andrew Linklater (1996) trabalharam no sentido de diminuir estas distâncias quando
demonstram preocupação em compreender as relações entre ideias, valores, ideologias e
poder material, fortalecendo o ponto que busca defender aqui. Em outras palavras, este novo
momento da Teoria Crítica inaugura a assunção de que conceitos e ideias podem moldar
realidades materiais e se transmudar em estruturas de poder, gerando, por conseguinte,
relações assimétricas e potencialmente exploratórias. Este movimento de aproximação com
um debate mais ao nível ideacional significa um abandono do paradigma produtivista advindo
das primeiras correntes críticas, como bem defendem Melo (2011) e Devetak (1995), e
colaboram para uma compreensão mais abrangente pois não abrem mão do componente
material da dominação imperialista, apenas adicionam o nível ideológico tão caro à
compreensão das relações coloniais. Dessa forma é possível perceber que se abre espaço para
uma nova teoria, que prevê a necessidade de abandonar a rigidez e assumir a existência de
outras maneiras de dominação, não necessariamente amparadas nas relações de exploração
por meio do trabalho, mas também em outros princípios de estratificação social, dentre eles, a
nacionalidade17 (COHEN, 1982, p. 193).

Ao precisar a dominação como algo em si (e não apenas como epifenômeno do capitalismo),


ligando-a a produção e compartilhamento do conhecimento, se abre o debate dentro das


17
Mas também gênero, etnia, status, idade etc.
86

próprias teorias de base marxista, que ganham novas características. Essa defesa permite
sugerir que o proletariado já não seria mais a única força detentora das ferramentas
necessárias para iniciar a revolução. É uma clara aproximação com o problema evidenciado
por Wallerstein e Lenin, mas sem configurar um abandono total do materialismo: mesmo
mantendo uma posição iminentemente materialista, a interdisciplinaridade de Horkheimer
abre um pressuposto para que se encaixem outras peças nesta dialética social, peças estas que
poderiam facilmente trazer a nacionalidade consigo. Mesmo que não necessariamente da
mesma forma que os autores pós-coloniais trazidos neste trabalho, não há como negar certa
aproximação entre a ideia de imperialismo em Lenin (que percebe o imperialismo como uma
fase dentro do processo de desenvolvimento do capitalismo) e a pressão e hierarquização
formada pelas relações coloniais. A questão é que uma tem características bastante duras e
visíveis, enquanto a outra está mais vinculada a questões de discurso, sem necessariamente
abandonar a matéria.

Trazendo de volta outro pressuposto deste trabalho, afirma-se que a modernidade inaugura um
período novo nesta luta por emancipação que, se se parece com os exemplos trazidos da
antiguidade, se difere dos mesmos quanto à intensidade da atuação ideológica e conceitual. A
práxis revolucionária se faz presente no dia-a-dia das lutas emancipatórias, travadas em três
campos: ideológico, antissistêmico e acadêmico, todos relacionados e interligados18
(WALLERSTEIN, 2007, p. 60). Como defende Robert Cox (1995), a teoria é o conjunto de
sinapses necessárias para traduzir a realidade nas nossas mentes, mas não se presta apenas a
esse papel: a teoria também orienta a mente no sentido de construir um ideal. Logo, Cox entra
no vácuo do trabalho de Horkheimer e se afasta das teorias tradicionais (HORKHEIMER,
2002) ou problem-solving (COX, 1995), assumindo o papel do conhecimento teórico na
reprodução e transformação social. A teoria serve para compreender a realidade, mas também
serve como molde e produto para a construção de novos mundos.

Dessa forma, os limites da ação individual e/ou coletiva são produtos da teoria
(e ditados pelos eventos históricos). (...) A experiência histórica produz a
ontologia das pessoas e incorpora-se ao mundo que estas constroem. É assim,
portanto, que o entendimento que temos do Estado, desprovido de existência

18
“The political history of the modern world-system in the nineteenth and twentieth centuries became the history
of a debate about the line that divides the included from the excluded, but this debate was occuring whithin the
framework of a geoculture that proclaimed the inclusion of all as the definition of the good society. This political
dilemma was fought out in three different arenas – the ideologies, the antisystemic movements, and the social
sciences. These arenas seemed to be separate. They claimed they were separate. But in fact, they were intimately
linked the one with the others” (WALLERSTEIN, 2007, p. 60).
87

física, apesar de produzir consequências reais e físicas, explica-se. As


ontologias, por sua vez, são estruturas implícitas (subjacentes) de pensamento
e prática. (SILVA, 2005, p. 257)

O foco escancarado da Teoria Crítica é a reforma social, a transformação da ordem


internacional. Cox (1995) ataca, por exemplo, o princípio de perenidade das instituições
internacionais, fortemente defendido pelos realistas. Segundo o autor marxista, Relações
Internacionais seriam mais do que um eterno diálogo meliano (SILVA, 2005, p. 249), sendo
suas bases conceituais passíveis de questionamento. Esse mesmo raciocínio é seguido por
Andrew Linklater, que intensifica a atenção dada por outros autores ao tema da inclusão e
exclusão já abordado acima a partir das visões pós-colonialistas. Sua teoria social da política
mundial (SILVA, 2005, p. 269) se volta para a emancipação moral de um ponto de vista
universal: quaisquer tipos de barreiras, relevantes o suficiente para separar pessoas, acabam
por gerar relações assimétricas. Adicionando esta visão à já trazida acima acerca do papel do
poder para as relações internacionais, mais uma vez se produz um raciocínio lógico acerca da
relação entre o conceito de nação e a hierarquização do mundo. Obviamente, as fronteiras
nacionais se configuram como barreiras físicas reais, além de reforçar diferenças étnicas e
identitárias (LINKALTER, 1996; 1998; 2007).

A interligação entre conceito e prática é o que separa a luta emancipatória moderna das
anteriores, pois é justamente o caráter ideológico que permite precisar o nacionalismo como
ferramenta polivalente de convencimento. Levando em consideração os numerosos grupos
sociais e seus pensamentos e estratégias de longo prazo, a ideologia se transforma no
elemento propulsor da mudança. Quanto a isso ainda há mais duas coisas a se pontuar.

A primeira é que a menção de numerosos grupos sociais, não foi feita por acaso. A hipérbole
traz consigo a necessidade de abandonar a luta de classes como fator primordial da contenda
entre manutenção e emancipação e aceitar a existência de grupos competidores em diversas
esferas, inclusive a nacional. Mas para além disso, também se faz necessário aceitar que o
nacionalismo se configura como ideologia instrumentalizável, e por isso pode ser encaixado
numa retórica materialista ou identitária com a mesma facilidade (SMITH, 2001; 2003). A
Primavera dos Povos, um período de revoluções nacionalistas e guerras de ajuste (WATSON,
2002; HOBSBAWM, 1996c, 132-145), representa essa junção, já que a classe média
insatisfeita com o sistema de Metternich se insurge, se apropriando do discurso nacionalista
para ativar as massas no sentido da revolução. Assim como em outros momentos da história
88

os indivíduos se uniam em torno da religião, dinastias, crenças políticas ou mesmo a classe,


na modernidade nenhuma ideologia teve mais capilaridade que o nacionalismo (KOHN,
1963). Na Europa do século XIX, a nação passou a ser vista como princípio político básico, e
todas as outras lealdades deveriam se acomodar no seu entorno (WATSON, 2002, p. 244).

A autodeterminação dos povos significava um imediato afastamento do modelo de


organização social com base no stato (WATSON, 2002). O rompimento do sistema
monárquico e dinástico que caracterizava a Europa do século XIX teve, à exceção da Rússia,
o nacionalismo como mola propulsora. Conforme demonstrado nas páginas iniciais deste
trabalho, os primeiros teóricos do nacionalismo eram intelectuais orgânicos no melhor sentido
gramsciano, pois defendiam a união e unicidade nacional como primordial para o bom
funcionamento do Estado. Cada povo deveria ser organizado a partir de questões nacionais:
um povo, um Estado. Os impérios multiétnicos começavam a se desfazer, um a um, e a
emancipação nacionalista seguia seu rumo. Esse movimento é relativamente vitorioso, mesmo
que não em 1848, ou mesmo até o final do século XIX. Mas, como defende Adam Watson, o
germe do nacionalismo já estava plantado, e a ruptura provocada pela Primeira Guerra
Mundial abre o solo social para os fertilizantes da mudança.

Though the revolutions of 1848 against princely absolutism seemed to fail,


over the next quarter-century the middle class substantially achieved their
aspirations in Europe, and especially in the centre. Most of Italy was united in
a nation state under the leadership of Savoy, and most of Germany under the
leadership of Prussia; while inside the defeated Habsburg Empire the German
and Hungarian elements worked out their own bargain at the expense of other
aspiring nationalisms. (...) . The new states adopted many west European
features, especially constitutional monarchy in which the crown symbolized
the sovereign nation and shared political power with its citizen-subjects
(2002, p. 247).

O “novo”, como pontua Hobsbawm (1995) em diversos momentos de seu A Era dos
Extremos, também é representado por esta mudança. O nacionalismo critica e participa das
convulsões catabólicas que transfiguraram os mundos absolutistas e anda na esteira da
construção do mundo liberal do século XIX, mas ao mesmo tempo dá forma a um sistema
internacional único e vinculado à nacionalidade.

Em uma palavra, o momento de avanço do nacionalismo como ferramenta emancipatória era


esse, justamente por se tratar de um discurso oposto ao status quo. Defender a organização da
vida social com base na nação não se aproximava da realidade do momento, mas a um projeto
89

ideológico próprio e não necessariamente associado à realidade objetiva. Logo, o


nacionalismo teria sido capaz, nesses primeiros momentos do século XIX, de desmontar a
base absolutista do mundo político, abrindo espaço para que novas peças fossem encaixadas
na engrenagem das relações internacionais.

Quando se revisita a literatura da Teoria Crítica trazida poucas linhas acima, se percebe a
aplicação do nacionalismo como ferramenta emancipatória pois exibe condições de questionar
bases sociais injustas e trabalhar no sentido de alterá-las no mais basilar dos níveis. O Estado
dinástico organizado em torno de um príncipe, do território, do idioma, da religião, passa
agora a ser organizado pela nacionalidade e cidadania. O nacionalismo é seu paladino e lutou
por mudança e emancipação, visando garantir a autodeterminação de povos nacionalmente
organizados. Esta bandeira foi hasteada em diversos lugares do mundo, construindo uma
realidade que possui espaço privilegiado para a nação. Logo, é possível adicionar também este
argumento à afirmação de que a nacionalidade é um dos princípios basilares deste sistema
internacional. Segundo a o próprio enfoque da Teoria Crítica, seria necessário quebrar essa
base para que a emancipação acontecesse, o que impele o raciocínio a um impasse.

A teoria crítica prevê a possibilidade de mudança de qualquer realidade e traz essa mesma
possibilidade no centro de sua epistemologia (LINKLATER, 2007): uma vez mais, não existe
perenidade na vida social. No entanto, o atual estágio do sistema internacional não vê no
nacionalismo seu rival, pois os mesmos advogam o fortalecimento do mesmo conceito, qual
seja, a nação. Outrossim, o nacionalismo estaria andando ao lado do conceito de nação, e não
de maneira contrária a ele, impossibilitando que qualquer movimento emancipatório se
consolidasse. Robert Cox defende esse pressuposto quando afirma que “O mundo é visto de
uma posição definida em termos de nação ou classe social” (1995, p. 87), e certamente não é
o único cientista a verbalizar este pensamento. O nacionalismo, como expressão política da
nacionalidade e identidade, possui grande relevância para a libertação do domínio
colonial/imperial; talvez mesmo para o reposicionamento dentro do sistema-mundo
(WALLERSTEIN, 2007), mas nunca mais terá a mesma capacidade que teve quando das
revoluções dos séculos XVII e XVIII. O período do nacionalismo como ferramenta
emancipatória acabou.

Quando se expõem os movimentos nacionais à realidade factual e os analisa a partir de lentes


Críticas, se percebe rapidamente que não há emancipação de fato. Aparte os primeiros
90

movimentos de libertação nacionalista e questionamento de impérios europeus, que de fato


lutaram contra o estado de coisas, criando uma nova realidade dos escombros do mundo
antigo, os nacionalismos separatistas e anticoloniais não questionaram a essência de coisa
alguma, independentemente de sua posição geográfica ou motivação pragmática
(BREUILLY, 1985, p. 90-137). No máximo, se apegaram ao nacionalismo como discurso
identitário unificador, necessário para facilitar os movimentos sociais numa mesma direção,
permitindo a libertação de uma dominação formal, mas se reorganizando dentro do mesmo
conjunto de pressupostos que permitiram esta dominação num primeiro momento. Uma vez
livres do jugo do grupo que os oprimia, ou finalmente donos das vantagens que entendiam
lhes pertencer por algum tipo de direito, não fizeram avançar estas reformas, e se posicionam
na mesma estrutura que permitiu sua subjugação inicial. Libertaram-se dos chicotes, mas não
de seus mestres.

Ou seja, um movimento emancipatório apenas se configuraria como bem-sucedido caso


conseguisse quebrar o bloco histórico (GRAMSCI, 2000) vigente, responsável pela
consolidação da nação como elemento basilar das relações internacionais e do sistema que as
compreende. A base material reificada pelo Estado-nação, bem como as práticas político-
ideológicas encabeçadas pela modernidade e suas afluências (dentre elas, o nacionalismo)
sustentam esta ordem, e serão mantidas se a luta emancipatória se basear num discurso
nacionalista. Em última instância, o discurso identitário ainda seria capaz de gerar novas
lógicas de exclusão no interior dos agentes recém libertados: a separação e não a união, é o
corolário frontal da nacionalidade. Excluir faz parte da sua natureza, pois de nenhuma outra
maneira seria capaz de desenhar as nuances que permitem o compartilhamento de signos
geradores de identificação.

A práxis emancipatória que o nacionalismo encampa na atualidade (mas desde a


modernidade) traz em seu cerne uma relação umbilical entre teoria e prática. Como exposto
nas seções anteriores, a capacidade criativa do nacionalismo permite que o mesmo se
materialize em movimentos, ou se mantenha no campo do convencimento ideológico. Essa
capacidade permite que o nacionalismo seja analisado à luz das teorias críticas, mas
principalmente em seus produtos mais atuais, que fogem da relação automática entre infra e
superestrutura, ao mesmo tempo que buscam compreender a relevância da normatividade para
as relações sociais. Aqui se optou por unir a visão construtivista de Onuf à egressos da Escola
de Frankfurt.
91

No entanto, quando se trata da capacidade do nacionalismo de gerar emancipação, o fim


máximo a ser alcançado não condiz com as necessidades básicas elencadas por este
referencial teórico para gerar a libertação completa dos povos: a destruição daquilo que
colabora para a reprodução da lógica social. Isso parte do questionamento das estruturas
ideológicas que possibilitaram a fixação deste conjunto de instituições, bem como a sugestão
de um modelo normativo que substitua a velha estrutura. Para que exista emancipação se faz
necessário destruir as regras do jogo. Porém, ao jogar de acordo, os nacionalismos conseguem
fazer os povos respirarem, mas não os tira do mar que corresponde ao mundo do sistema
internacional, pois não se cria um bloco histórico alternativo, apenas reformando ou mesmo se
reforçando o bloco vigente. Esse ponto será explorado em mais profundidade na seção
seguinte.

4.1.3 Manutenção

O debate acerca do nacionalismo como elemento de manutenção do estado de coisas pode


parecer confuso; muitas vezes até mesmo contraditório. Como defender que um conceito tão
íntimo às lutas de libertação possa contribuir para a manutenção de uma realidade?

O trabalho de Michael Löwy (2009) evidencia um debate epistemológico relevante, que se


coaduna às já levantadas questões acerca do relacionamento entre teoria e prática, conceito e
realidade, ideia e matéria. Na obra As Aventuras de Karl Marx Contra o Barão de
Münchhausen, Löwy satiriza a capacidade de reinvenção do positivismo ao compará-lo com o
personagem fantástico do folclore alemão que parece viver num mundo próprio, onde seu
heroísmo e potência superam os limites da realidade. Sua mais famosa anedota remonta ao dia
em que se viu atolado num pântano junto com seu cavalo, conseguindo escapar do charco
após puxar os próprios cabelos. O positivismo teria essa mesma capacidade, de criar um
mundo próprio onde seria possível se puxar para fora dos problemas que o acometem apenas
pela força de vontade de seus defensores.

Historicamente, essa questão estaria conectada à Revolução Francesa e seus desdobramentos,


um momento de efervescência nacional que pautou a nova organização social no conceito de
92

cidadania (KOHN, 1962, p.16; SMITH, 2000). Na esteira destas convulsões sociais, surge um
contra-movimento, que defendia que os ideias da Revolução seriam algo como um desastre
social completo (WALLERSTEIN, 2007, p. 61). Essencialmente, os conservadores seriam,
pelos anos seguintes, reacionários, contrarrevolucionários, que defenderiam o retorno às
tradições e instituições anteriores a uma ruptura abrupta da ordem de coisas (Ibid.). Se faz
perceber o nascimento de uma ideologia conservadora, diretamente oposta à ascensão do
nacionalismo e, na visão de Löwy (2009), já irmanada com o positivismo.

O que Wallerstein (2007) parece deixar passar é a natureza epistemológica dos conflitos
ideológicos que se cristalizam nos séculos XVIII e XIX, coisa que Löwy (2009) não faz. O
último consegue perceber o papel do positivismo como ferramenta de libertação contra os
dogmas da Igreja Católica, para logo mais se desenhar como a expressão da ciência pura e
inquestionável, movimento que o autor chama de doutrina da neutralidade axiológica (Ibid. p.
19). Essa visão de mundo passaria de utopia para ideologia a partir dos trabalhos de Augusto
Comte, que sistematizam a ideia no positivismo propriamente dito, que influenciará toda uma
corrente de pensamento dentro das ciências sociais por diversos anos à fio. Comte tenta se
distanciar dos preconceitos revolucionários de seus mestres e precursores e, visando ao
fortalecimento das ideias de homogeneidade epistemológica, inaugura uma nova fase, onde
“(...) o otimismo generoso do Iluminismo congelara-se numa inquietude ansiosa para com a
estabilidade social” (LICHTHEIM, 1965, p. 169 apud LÖWY, 2009, p. 25-6). Inicialmente
ligada à revolução social, a ideologia positivista passa a tentar manter o mundo estacionado,
fazendo valer suas regras.

Seria possível inferir que a ideologia positivista demonstra uma nuance mutável, que poderia
estar presente em outras visões de mundo e, levando em consideração que o nacionalismo se
configura como um movimento político-ideológico (SMITH, 2000, p. 9), seria possível
compreender, a partir do debate promovido por Löwy (2009), como o mesmo poderia ser
usado num movimento de emancipação e redesenho da realidade para imediatamente se
transformar num bastião do conservadorismo. As lutas emancipatórias que posicionaram a
nação como elemento formador do sistema internacional deram corpo a uma ideologia
contrária ao estado de coisas, mas o mesmo não poderia ocorrer uma vez que a nova realidade
estivesse consolidada. É importante frisar que este movimento não necessariamente
descaracteriza a base epistemológica da ideologia, pois muda apenas seu motivo de ser. A
93

questão não diz respeito à “qualidade” dos axiomas, mas à sua instrumentalização por
determinadas elites políticas visando à consolidação de uma realidade.

Seguindo neste ritmo, os nacionalismos de reforma (BREUILLY, 1985) poderiam ser


encarados como iniciativas reacionárias, de manutenção de certas estruturas, tomando como
base a necessidade de cumprimento de determinados interesses. É importante salientar a
natureza pragmática desta iniciativa: o objetivo não é romper, mas manter. Por esse mesmo
motivo, os movimentos devem ser vagarosos, mas constantes (Ibid., p. 251). Estes
movimentos se dariam quando da mudança de instituições internas, que gerariam alterações
na organização social e posicionamento de elites, exatamente como descrito na seção anterior
quando se tratava da capacidade de emancipação que o nacionalismo detinha no Iluminismo
europeu.

A junção entre a ideia de Löwy (2009) e a realidade objetiva e material do mundo das
relações internacionais, se dá quando se pensa que, mesmo que normalmente posicionadas de
maneira avessa a movimentos emancipatórios, as classes ou grupos dominantes tradicionais
também podem ser reinventadas (HOBSBAWM; RANGER, 2008), gerando possibilidade
para que, em situações específicas, desempenhem papel crucial em movimentos nacionalistas
(BREUILLY, 1985, p. 307). A lógica e a leitura da Teoria Crítica levam a crer que estes
movimentos visariam apenas garantir ou aumentar os espólios das relações sociais perpetradas
por aquela elite, muito raramente significando emancipação per se. Em outras palavras, fala-
se de uma tentativa de manutenção de privilégios a partir da instrumentalização do discurso
nacional, que permite gerar a exclusão necessária com mínimo esforço. Exemplos disso
podem ser retirados do Japão feudal, onde a nobreza tradicional foi crucial durante a
restauração Meiji, mas também em Estados tradicionais (como a Prússia do século XVIII),
grupos de elite colonial (como os Fulani, do norte da Nigéria) ou mesmo quando a autoridade
religiosa desempenha papel central na política local e se alia ao discurso nacional para
expulsar uma visão de mundo adversária (como ocorreu nos movimentos nacionalistas da
Irlanda) (Ibid. P. 307-312).

Defender que os movimentos emancipatórios promovem reforma e não revolução, já é o


começo da trilha para a compreensão de sua atuação no sentido da manutenção. Ao separar
reforma de revolução, é possível compreender que na verdade o nacionalismo funciona como
fator relevante para a libertação, mas apenas da dominação colonial ou outro tipo de relação
94

desigual. O que o nacionalismo é incapaz de fazer é questionar a nação: os movimentos


nacionalistas que buscam a manutenção da realidade social vigente, não se dão ao trabalho de
realizar essa autocrítica, pois seu questionamento significaria uma possível autodestruição. O
que os nacionalismos de reforma buscam não é a criação de um novo mundo para as relações
internacionais, um novo sistema internacional, mas a garantia das vantagens adquiridas a
partir das relações de poder estabelecidas neste mundo.

Isso não se dá sem conflitos, é verdade, como escreve Étienne Balibar (1990), que
compreende a nação como um palco de disputas sociais contínuas, e demonstra um certo
fascínio pela sua capacidade de se manter e reproduzir apesar dos embates em seu interior
(Ibid., p. 334). Um dos motivos para essa capacidade é o que já foi defendido por Renan
(2000): os cotidianos testes de pertencimento, impostos ao indivíduo diariamente por uma
série de estímulos externos. Michael Billig (1995) define que estes testes são mais
sistemáticos do que parecem, e é por isso que seu texto Banal Nationalism é tão relevante
para compreender o nacionalismo como ferramenta de manutenção da ordem.

Perceber o nacionalismo como elemento disruptivo e associá-lo aos movimentos de libertação


colonial que criaram novos Estados-nação na África e Ásia é lugar comum na historiografia
moderna. Billig (1995) critica essa historiografia, propondo que o nacionalismo não é um
fenômeno essencialmente terceiro-mundista, afastado do mundo ocidental e desenvolvido, no
máximo uma expressão espasmódica, invocada em momentos de crise. O nacionalismo é
diariamente produzido e reproduzido no ocidente com um fervor velado, metaforicamente
estendido na bandeira que fica no quanto diagonal do prédio, e não na hasteada na final da
Copa do Mundo de Futebol. Os símbolos da nação são absorvidos pela vida cotidiana e
reforçados pelos mecanismos sociais levantados por Smith (1995; 2001): “These small
reminders turn the background space into ‘national’ space” (OZKIRIMLI, 2000, p. 200).
Figuras políticas, jornais de massa, comunicação de larga escala, são ferramentas que
contribuem para solidificar um sentimento nacional e uma noção de identicidade capaz de
definir com precisão a linha entre “nós” e “eles”, tão importante na construção do conceito de
“internacionalização do nacionalismo” (BILLIG, 1995, p. 78-9; SMITH, 2001). Em suma:

States have attempted to drum up support by fomenting nationalist or


patriotic sentiment against a foreign menace or internal threat; they
have tried to strengthen themselves internally through the creation of
a unified cultural identity, drawing on the flag, national achievements,
95

even sports teams and television programmes. Other states, more


enlightened, have looked for institutional devices to regulate, rather
than homogenize, diversity; they have legislated for religious
tolerance and, for over two hundred years, have developed forms of
consensual government endorsed in constitutional charters.
(ARCHIBUGI, 2000, p. 138)

Como não poderia deixar de ser abordado, o trabalho de Billig também trata do papel dos
cientistas sociais para a manutenção da nação como elemento formador do mundo do sistema
internacional. Conforme definido por Craig Calhoun (1993, p. 214), muito do discurso do
nacionalismo está profundamente entranhado no cotidiano de qualquer cidadão; fugir disso
seria praticamente impossível. Sugerindo que a academia teria tanto a capacidade de projetar
quanto naturalizar o nacionalismo, o autor estabelece uma crítica àqueles que, em primeiro
lugar, afastam a nacionalidade e nacionalismo do debate interno à sua realidade; bem como
àqueles que reservam ao nacionalismo uma posição de naturalidade, inerente às necessidades
humanas. Essa segunda assertiva traz consigo uma possibilidade de problematização muito
relevante para Billig (1995), que a enxerga como última fronteira da falta de escrúpulos do
nacionalismo banal: por se tratar de uma expressão tão endêmica, este “nacionalismo de
manutenção” não apenas deixaria de ser considerado nacionalismo, como simplesmente não
mereceria espaço de estudo e questionamento, sendo considerado necessário e válido, uma
espécie de patriotismo. O nacionalismo propriamente dito estaria fadado ao selo da
irracionalidade (Ibid. p. 17)19.

A visão de mundo positivista, por exemplo, contamina a construção de conhecimento nas


ciências sociais como um todo, e as RI não ficam de fora:

The 1980s were unsettled times in the social sciences. The positivist
quest for reliable, cumulative knowledge about the world came under
assault, along with the positivist assumption that, deep down, nature
and society have the same “nature.” Critics held positivist science,
whether applied to nature or society, to be a central feature of what
they called “the Enlightenment project” or, indeed, “modernity.”
Looking back, we can see that this assault did not come out of the
blue. (ONUF, 2002, p. 27)


19
Tanto Billig (1995) quanto Calhoun (1993) defendem a necessidade de honestidade por parte do analista.
Enquanto o primeiro admite que torce para o time local, e lê as notícias de seu país com mais afinco, o segundo
procura defender que é necessário levar as paixões nacionais em conta quando se busca fazer ciência
(CALHOUN, 1993, p. 214).
96

A capacidade de criação de mundos a partir de conceitos positivistas pode ter sido relevante
para que o nacionalismo adquirisse nuances de naturalidade em seus primeiros paradigmas,
praticamente justificando as diferenças entre grupos sociais em função de características
vistas como inquestionáveis, justamente por serem advindas da natureza. A nação foi, então,
posicionada numa redoma impenetrável, protegida por uma espessa camada de fumaça
epistemológica, incapacitando ou ao menos dificultando muito o trabalho daqueles que
buscam sua problematização. Conforme explicitado no início do capítulo, a construção do
mundo com base em ideias passa pela necessidade de reificar este discurso imaterial num
construto normativo. As instituições desempenhariam papel crucial no fortalecimento dos
processos e bases necessárias para a manutenção de uma determinada ordem estabelecida.

Dificilmente se fala de instituições que vão de encontro à estrutura de poder estabelecida,


muito em função da sua natureza, que normalmente emana dos produtos destas mesmas
relações de poder. As instituições seriam, portanto, escudos de uma determinada visão de
mundo, que reificam uma imagem hierarquicamente compatível com um determinado modelo
de relações. É como quando se pensa no conceito gramsciano de hegemonia, que considera,
para além da coerção, também o consentimento. Mesmo as visões realistas são carregadas de
um viés reprodutivo, voltado para a defesa de instituições, como o equilíbrio de poder
(SILVA, 2005). Mas é em Grasmci (2000) que a hegemonia se constitui fundamentalmente
como uma ordem política relativamente incontestada, tacitamente aceita, e exercida em última
instância através do controle das organizações políticas, primordialmente o Estado. A coerção
e poder duro formam um lado da moeda hegemônica, estando o outro tomado pela capacidade
de gerar um contexto discursivo único. A manutenção dos valores nacionais se daria num
ambiente já dominado por determinadas instituições e ideologia, que se traveste não mais
como visão de mundo, mas como senso comum, mitigando as chances de emergência de
questionamentos direcionados à mesma.

Abrindo o espectro da discussão para um campo mais crítico, seria possível dizer que
instituições também podem colaborar para iniciar um processo de ruptura interna capaz de
modificar uma determinada ordem. Ao transcender as relações normativas do cenário atual,
uma instituição pautada na construção de um novo mundo pode sugerir a necessidade de
rompimento de bases antigas. Há uma visão que defende o avanço de uma série de novas
ideias, pautadas numa espécie de universalismo, que seria capaz de corroer as barreiras
nacionais. A globalização econômica, a integração regional, o cosmopolitismo seriam
97

expressões desta visão, pois este conjunto conceitual teria a capacidade de questionar as
barreiras nacionais e fazer avançar um discurso mais liberal em diversas instâncias.
Empurrando o argumento ao limite, seria possível afirmar que a globalização, por exemplo,
veria na nação uma barreira tanto conceitual quanto material. Nesse sentido, se se faz avançar
este discurso, se afirma que a soberania nacional do Estado não seria ameaçada por tanques
ou mísseis, mas por elementos que escapam à sua jurisdição de maneira espontânea
(ARCHIBUGI, 2000); a primazia da nação se esvairia não por ter sido superada ou suprimida
por outra, mais forte ou avançada, mas pelo cosmopolitismo das questões universais.

No entanto, mesmo algo tão etéreo quanto isso pode se prender no emaranhado institucional
do mundo das relações internacionais, e se fazer menor e menos importante do que o
componente nacional. Smith (2001), por exemplo, não concorda que a nação esteja perdendo
seu espaço em função da globalização. Para isso, se apoia em Giddens (1991) para defender
que a interdependência econômica (levada à cabo pelas corporações transnacionais) e a
comunicação de massa (permitida pelo advento da internet e grandes conglomerados
midiáticos) são responsáveis por um movimento aparentemente paradoxal: a
“internacionalização do nacionalismo” (SMITH, 2001, p. 137-9). O pluralismo político-
cultural da era da globalização traz como desafio a necessidade de salientar as exclusividades
de cada nação: seu idioma, seus costumes, sua história. Longe de diminuir a influência do
nacionalismo, de dissolver a matéria nacional, os processos de globalização acabam por
disseminar a influência destas instituições na constituição do mundo das relações
internacionais. Em verdade, a globalização encoraja a nação a manter e se mostrar cada vez
mais distinta (SMITH, 1995).

Essa visão não poderia estar mais próxima da realidade atual, onde se vê um questionamento
da integração regional via União Europeia e MERCOSUL, bem como um reposicionamento
protecionista de grandes economias. Assim como o capitalismo parece recorrer ao Estado em
momentos de crise, aparentemente o sistema internacional recorre à nação para se manter
vivo, destarte o nível de globalização e interdependência. A globalização não se constituiria
necessariamente na força capaz de questionar o conceito de nação em nível estrutural, estando
a alternativa mais próxima de movimentos que questionem a construção da identidade e
posicionamento da nação como fator primordial neste elemento. Os movimentos ecológicos e
de gênero, para citar alguns exemplos, possuem mais proximidade com o que Smith (2001)
entende ser necessário para questionar a nação, justamente porque os mesmos não a enxergam
98

como algo essencial, ou imune ao questionamento e problematização. A sua natureza


emancipatória descansaria no pressuposto de que a nacionalidade não é determinante para
definir a identidade de grupo. Mais ainda, que a nacionalidade não é algo perene ou imutável,
já que os mitos e tradições são passiveis de modificação e reposicionamento. A política
identitária trabalhada por Bauman (2005) volta à tona, assim como a aparente irrelevância da
nação para estes movimentos: a opressão de gênero e o sexismo, por exemplo, acontecem
num nível global, afastados do debate nacional e por isso são transversais a nacionalidade. O
foco destes novos debates se mantém na estrutura de poder e assimetria de capacidades, mas
extrapola as barreiras nacionais e posiciona o fator dominante em outras questões, que não
dependem da nacionalidade.

O círculo virtuoso se fecha neste ponto. O nacionalismo pode ter tido influência direta nos
movimentos de libertação de diversos povos, e está ligado à auto-determinação e libertação da
dominação colonial. Mas este mesmo nacionalismo também é utilizado por elites locais como
discurso para manutenção de suas estruturas opressoras, baseados do signo da nação,
nacionalidade, identidade. Mais ainda, o nacionalismo faz avançar um ideal de nacionalidade
como base da sociedade, algo que raramente é questionado.

The world of states has a remarkable capacity, through its agents and through
its effect on observers, to reproduce itself in a form that has changed very
little over the last two centuries. (...) world that would encompass most such
relations would have to relegate states to the background. A variety of other
institutions would come to the fore, and the number of agents whose world it
is would increase dramatically (ONUF, 2002, p. 25).

Mas agora se abre espaço para o debate final deste texto, vinculado justamente à percepção
produzida a partir do cruzamento entre as duas seções precedentes. Fica claro que o
nacionalismo é uma ferramenta de manutenção de realidades; é historicamente comprovado
que o mesmo foi empregado em lutas de libertação colonial, no entanto, como se discutiu
acima, a emancipação produzida pelo nacionalismo é parcial, e forma novos agentes fadados à
inclusão no mundo levando em consideração uma estrutura basilar nacional. O nacionalismo
seria, portanto, uma ferramenta de reprodução da nação e nacionalidade, seja quando
posicionado no discurso da manutenção, seja como combustível para a emancipação.

A discussão acima evidenciou alguns pontos acerca da relevância da nação para a construção
do sistema internacional bem como do nacionalismo como forma de movimento político-
99

ideológico utilizado tanto em movimentos de emancipação quanto em iniciativas reacionárias.


Visando finalizar o debate proposto neste estudo, deve-se apenas salientar de que forma estes
movimentos aparentemente contraditórios se complementam, e qual seria o produto destas
iniciativas.

De maneira geral, seria exagero afirmar que o nacionalismo perde sua utilidade quando
comparado a outras iniciativas emancipatórias que, de fato, geraram libertação dos aparatos
opressores que os constrangiam. A verdade é que o produto das lutas de emancipação colonial
foi relativamente positivo do ponto de vista normativo, ao menos incluindo determinados
atores, antes totalmente invisíveis, no mundo das relações internacionais. Mesmo que
subordinados a determinados interesses, estes novos atores possuem voz e agência, sendo
responsáveis pelos direcionamentos de suas políticas. Em outras palavras, uma vez
emancipados do ponto de vista colonial, os novos Estados precisam se adequar à lógica do
sistema internacional, baseado na nacionalidade e em tantos outros quesitos da modernidade,
mas também ganham a possibilidade de questionar todos estes pressupostos de uma posição
mais privilegiada do que a anterior.

Por outro lado, os nacionalismos reacionários não precisam ser vistos de maneira negativa,
porque podem significar uma saída para a opressão sistêmica encampada pelo avanço da
ocidentalização. Ora, mesmo que pautado em conceitos de nacionalidade importados do
ocidente, seria possível questionar a homogeneização forçada liderada pelas potências
ocidentais e sugerir a construção de uma realidade diferente da que está sendo imposta. Ou
seja, esta luta nacional estaria vinculada à tentativa de manter vivo um conjunto de signos
compartilhados, formadores de uma identidade exclusiva a um povo, ameaçada pelo modelo
de desenvolvimento que embasa o sistema internacional.

O que precisa ser aclarado, porém, é a complementaridade obrigatória destes dois


movimentos. Mesmo que acontecendo em momentos e locais separados, os nacionalismos de
resistência teriam o mesmo efeito dos nacionalismos de reforma, estando as duas faces do
nacionalismo sempre mirando o mesmo horizonte. Correndo o risco do reducionismo
excessivo, o que se busca salientar é que a nacionalidade é uma das nuances que permitem a
construção do mundo das relações internacionais, baseado em assimetrias de capacidades,
mas também nas idiossincrasias de seus agentes. É essa construção social do “nós” perante ao
“eles” que bloqueia a aproximação e garante o afastamento necessário para que relações
100

desiguais se mantenham. A nacionalidade funcionaria como uma espécie de prisão, usando


como base o raciocínio desempenhado por Blainey e Tickner (2017). Ou seja, a construção
desta estrutura estanque faria mais do que manter as coisas estáticas; faria mais do que gerar a
ilusão da liberdade, pois uma vez destruídas as amarras anticoloniais, o povo livre não estaria
emancipado, como defende o referencial teórico frankfurtiano. Essa interpretação fortalece a
visão de que a emancipação nacionalista apenas reafirmaria uma posição subalterna, agora
involucrada por uma normatividade alterada. Este movimento facilita que esta posição seja
reforçada, e a legitima frente aos novos padrões do sistema internacional contemporâneo, que
não mais comportaria relações coloniais formais. É nesse sentido que o nacionalismo, tomado
aqui como doutrina política, serviria como catalisador de um esforço de sofisticação do
sistema colonial, que carrega no seu discurso uma falsa promessa de emancipação. Se tanto a
manutenção da ordem quanto essa pseudo-emancipação se dão no mesmo conjunto de regras,
a verdade é que o movimento ideológico que corrobora com a permanência desta estrutura
acaba por contribuir para a sua reprodução.

A modernidade solapa o espírito da nação pura, anterior muitas vezes à nação nos moldes
ocidentais politizando e instrumentalizando questões identitárias, construindo mitos
fundadores, imaginando comunidades. Esse movimento estaria sempre ligado a um interesse
político, normalmente vinculado à necessidade de controle do aparato estatal. Portanto uma
luta nacionalista deveria ser, em seu âmago, também uma luta contra a modernidade, pois
apenas ao se questionar seus pressupostos seria possível sugerir a criação de uma nova
realidade.
101

5. CONCLUSÃO

As últimas palavras deste texto serão curtas e objetivas. Ao longo de muitas páginas
defendeu-se a importância dos debates menos lineares frente à exposição dos temas de acordo
com sua importância para a construção do conceito de nacionalismo, mas esse não será o caso
agora. Aqui deve-se retornar ao início, fazendo menção àquilo que se buscava alcançar e
descobrir com esta pesquisa, e comparar essas intenções com aquilo que de fato foi
descoberto e alcançado. Se procurava entender de que maneira o nacionalismo agiu no sentido
de moldar a estrutura do sistema internacional, e qual seria a sua contribuição para possíveis
reformas no mesmo, no sentido de diminuir as assimetrias entre Estados, ao menos no sentido
normativo.

Logo nos primeiros momentos da pesquisa foi possível verificar que o nacionalismo não
possui quase nada de único, seja em sua aplicação em forma de movimento político, seja em
sua definição conceitual. Em uma palavra, não há consenso entre os principais autores sobre
de que maneira este fenômeno social se manifesta. Isso deve ter ficado claro nas explicações
trazidas ao longo do trabalho, pois mesmo buscando atingir um cerne conceitual, quase nunca
era possível trazer à tona visões totalmente complementares. O debate sobre o nacionalismo é
rico e contraditório, pouco conciliatório, tangencial para a maioria dos autores, e altamente
problematizado para aqueles que o tomam como centro da sua pesquisa.

Nesse sentido, o que inicialmente era uma hipótese do trabalho acabou se transformando em
premissa, que por sua vez abriu espaço para novas hipóteses ou para o enriquecimento (do
ponto de vista do questionamento científico) de tantas outras. Estabeleceu-se assim que o
nacionalismo possuiria, grosso modo, duas funções, que foram metaforicamente definidas
como faces, e que conseguiriam, em função do caráter generalista atribuído a elas, resumir a
atuação prática deste conceito ao longo dos séculos: mesmo quando
revolucionário/anticolonial, o nacionalismo garantiria continuidade de uma estrutura
opressora, pois mantém a lógica basilar do sistema inalterada: sua organização nacional.

Essa premissa foi construída tomando o material conceitual trazido nos textos centrais
utilizados neste trabalho, que não se preocupavam em questionar se o nacionalismo é
intrinsecamente reacionário ou revolucionário, pois já tomavam como certa a maleabilidade
deste conceito. Foi a busca pela sofisticação da pergunta-problema que gerou a necessidade
da transformação da hipótese em premissa, e da sugestão de novas hipóteses que tratavam
102

agora de tentar perceber os efeitos dessa maleabilidade e função dupla dos movimentos
nacionalistas. O interesse central passaria a ser não o de provar se o nacionalismo responde a
um tipo específico de interesse, mas como a flexibilidade de sua resposta pode ter resultados
(aparentemente) diferentes no curto prazo, mas essencialmente similares no longo prazo. A
exposição desta premissa às bases do sistema internacional cria uma pergunta-problema um
pouco mais elaborada, preocupada em verificar o potencial de geração de continuidade
através da reprodução de um elemento estrutural, qual seja, a fortaleza das instituições
nacionais.

Naturalmente, essa busca por problematização no nível teórico fez surgir uma série de
possiblidades e caminhos, dentre eles a via do debate sobre o nacionalismo metodológico.
Basicamente, existia a possibilidade de trabalhar uma esfera mais crítica, abrindo espaço para
questionamentos acerca da continuidade e reprodução de um tipo específico de nacionalismo
através da pesquisa científica. Seria algo como buscar compreender de que maneira seria
possível estudar nacionalismo sem necessariamente reproduzi-lo. Infelizmente, muitas
escolhas e recortes precisaram ser realizados, e esse foi um tema pouco explorado no trabalho,
por dois motivos principais. O primeiro, e talvez mais focado na parcimônia do que numa
escolha essencialmente metodológica, diz respeito às restrições de tempo e espaço para
realizar desconstruções e problematizações acerca de todos os temas identificados como
relevantes para o nacionalismo. A avenida discursiva que se abriria é gigantesca, pois não
seria possível desconstruir e questionar o nacionalismo sem levar em conta o Estado, a nação,
o indivíduo, diversos elementos estruturais objetivos (instituições e regimes internacionais,
organizações internacionais, o modo de produção capitalista etc.), mas também uma série de
questões mais voltadas para o subconsciente humano, campo que também possui munição
conceitual para contribuir na compreensão do poder do nacionalismo e, mais especificamente,
do sentimento nacional, ao longo dos anos.

O segundo ponto, este sim mais pautado numa decisão teórico-metodológica, é formado pela
visão clara do objetivo da pesquisa: aqui se buscava desenhar o nacionalismo “como é”, em
sua atual fase evolutiva, sem se preocupar em desconstruí-lo, questioná-lo ou valorá-lo. É
verdade que esse assunto foi levantando em alguns momentos, principalmente no primeiro
capítulo, mas essas menções estariam muito distantes de uma problematização séria e
abrangente. Essa escolha se deu principalmente porque só seria possível compreender de que
maneira o nacionalismo influencia na reprodução das estruturas de opressão do sistema
internacional se o mesmo fosse tratado a partir de sua expressão mais objetiva. Por isso se deu
103

tanta ênfase à construção do nacionalismo aplicado ao sistema internacional a partir de


diversas visões, elaborando uma espécie de marco teórico original, mesmo que fortemente
lastreado nos textos clássicos. Em uma palavra, não que o questionamento do nacionalismo
seja irrelevante para compreender o sistema internacional, ao contrário: questionar este
conceito significa pensar a ontologia das Relações Internacionais a partir de outros pontos de
partida, e isso certamente é enriquecedor para a disciplina.

Seguindo neste ponto, também foi por este motivo que muitos autores do mundo colonial
foram deixados de lado, e os selecionados não foram trabalhados de maneira aprofundada.
Pensadores brasileiros e indianos, por exemplo, até foram mencionados, mas a ênfase foi dada
aos pensadores europeus, notadamente os britânicos, centrais no estudo do nacionalismo na
contemporaneidade. Mesmo as visões anticoloniais trazidas no trabalho eram fortemente
inspiradas na mesma série de pressupostos trabalhados desde o início do texto, justificando
sua seleção por esse motivo, e não por representar uma visão dispare do nacionalismo
trabalhado no restante da pesquisa. Este caminho significa um grande risco de incorrer em
reducionismos, mas entendeu-se ser este um risco controlável e, em certa medida, necessário.

Como ficou claro no parágrafo acima, a escolha de autores passou pela identificação dos
textos monumentais que formaram o centro do pensamento nacionalista ao longo dos anos,
pois o interesse era construir o marco conceitual do nacionalismo responsável por formar este
sistema internacional. Questioná-lo não é o interesse central deste trabalho, e talvez este
debate fique separado para outro momento.

Outro ponto que gerou alguma confusão quando da escrita do trabalho foi referente à primeira
hipótese, que versava sobre a possibilidade de alteração da fonte da opressão e sua conexão a
nacionalidade e nacionalismo. Ainda quando o estudo se pautava mais na análise dos
nacionalismos anticoloniais, foi elaborada uma hipótese que deveria versar sobre a
possibilidade de alteração da origem da opressão no sistema internacional, que passaria da
metrópole para o sistema, uma vez que a emancipação nacionalista se consolidasse através da
independência nacional. Todo um debate poderia ser realizado a partir desta hipótese (ou
premissa) visando compreender esse processo de transferência através do foco na
desconstrução da violência colonial como elemento essencialmente material.

Porém, o que se percebeu ao longo das leituras foi que o nacionalismo nem mesmo consegue
atingir o nível de emancipação, o que significa que o sistema de opressão colonial não se
rompe totalmente. Obviamente a premissa citada acima não perde potencial de
104

problematização, mas sua realização neste momento não seria totalmente adequada ao escopo
do trabalho. Tendo sido falseada antes mesmo do início da escrita do texto, ainda na fase de
delimitação bibliográfica, esta hipótese não perpassou a construção do texto de maneira
contínua. Em outras palavras, o que se verifica é que não há uma transferência tão clara entre
sistemas de opressão, uma vez que a fonte do poder continua se concentrando, em sua
maioria, nas antigas metrópoles. Essa concentração é mais diversificada do ponto de vista
territorial e não se assenta mais em relações formais, pois o sistema internacional atual não as
comporta. Há sim, uma mudança na lógica relacional entre estes atores, não mais subjugados
normativamente a outro Estado. A independência e reconhecimento internacionais permitem
que estes novos atores atinjam novos níveis de mobilidade, às vezes garantindo acesso a
privilégios que não gozavam antes. Todavia, como ficou claro na seção em que se analisava o
potencial emancipador do nacionalismo, não há emancipação per se.

Continuando nesse mesmo caminho, outro esforço central para o sucesso da pesquisa girou
em torno da precisa conceituação de emancipação, e de que maneira seria possível julgar o
sucesso de determinados movimentos sem entrar em estudos de caso mais profundos. Mais do
que isso, como este estudo não intendia entrar em estudos de caso de nenhuma maneira,
elaborar um panorama deste conceito parecia o caminho mais próximo do ideal. Nesse
sentido, a Teoria Crítica foi definida como marco epistemológico nesta fase do trabalho, e sua
visão sobre a emancipação seria o referencial básico para a análise da face revolucionária do
nacionalismo. Uma vez comparado ao que os autores desta corrente entendem como
emancipação, foi possível verificar até que ponto o nacionalismo contribui para a consecução
deste objetivo. Em uma palavra, o ferramental advindo da Teoria Crítica foi torcido no
sentido de adicionar a nação como elemento estrutural do sistema internacional, justificando
que a emancipação dos povos dependia, dentre outras coisas, do questionamento deste modelo
de organização social. Dessa forma foi possível analisar que, mesmo independentes, os novos
Estados não se encontravam emancipados, pois continuavam incluídos num sistema
internacional específico, formado com regras, normas e procedimentos que, muitas vezes, não
advinham de seus sistemas culturais, e altamente pautados no reconhecimento mútuo. Para
que estes novos Estados pudessem se conformar a este sistema, a aceitação do “velho” era
mais importante que a sugestão do “novo”.

Outro ponto central para a discussão foi a identificação de características histórico-temporais


que contribuíssem para a elaboração do conceito de nacionalismo. O marco da modernidade
foi o pressuposto tomado como mais indicado, já que figurava na quase totalidade das leituras
105

centrais do trabalho. Um dos primeiros cortes bibliográficos (um que acompanhou o trabalho
quase em toda a sua extensão) girou em torno da relação entre nação, política e modernidade,
dividindo os paradigmas que entendiam o nacionalismo como produto da modernidade,
daqueles que já identificavam este conceito em outros períodos históricos. Resumidamente, os
autores do primeiro grupo trabalham versões mais pragmáticas do nacionalismo,
visualizando-o como ferramenta, doutrina ou ideologia política, promíscua e
instrumentalizável. Por sua vez, o primeiro grupo adota uma visão mais focada na biologia,
mas também compreende autores que trabalham com interpretações mais subjetivas, que
posicionam o nacionalismo como uma espécie de sentimento, ou mesmo essência intrínseca
ao ser humano. A união destas duas bibliografias possibilitou a inclusão do marco teórico do
construtivismo das Relações Internacionais, principalmente quando se sugere a possibilidade
da existência de um sentimento (ou essência) nacional, mais pautada nas intersubjetividades
do ser humano, ao mesmo tempo em que existiria uma face objetiva do nacionalismo, que
poderia, por exemplo, ser entendido como ideologia reificada através de movimentos
políticos.

A visão mais naturalista do nacionalismo foi trabalhada no primeiro capítulo e debatida no


segundo, e serviu para ilustrar o desenvolvimento histórico do conceito, que se cristaliza,
neste texto, a partir da seleção dos pressupostos já citados. Como o caminho teórico escolhido
foi o do nacionalismo mais pragmático e menos sentimental, seria contraditório afirmar que o
grande papel do nacionalismo seria contribuir para a diminuição de tensões étnicas, ou que a
suavização destas diferenças contribuiria para o equilíbrio das relações internacionais. Na
verdade, se percebeu que o nacionalismo não possui uma característica geográfica própria, e
os conceitos de etnia são muito maleáveis para serem considerados como elementos
definidores. Foi como ficou pontuado acima: há certa verdade nos trabalhos que interpretam
as características subjetivas do nacionalismo, mas aqui se buscou hierarquizar a retórica e a
instrumentalização política da doutrina nacionalista em detrimento dos sentimentos.

Outras três hipóteses desenhadas ao início da pesquisa trabalhavam a possibilidade de o


nacionalismo ser um conceito relevante para a diminuição da opressão, uma vez que
reposicionavam os novos atores em estruturas normativas que permitiam uma atuação mais
independente, e menos assimétrica. Duas delas se pautavam nas mudanças ocorridas no
sistema internacional no que tange à ascensão das instituições internacionais, enquanto a
última defendia que não se pode vincular o nacionalismo à opressão de maneira direta.
106

As duas hipóteses que defendem que a opressão seria suavizada a partir da ascensão das
instituições internacionais foram avaliadas frente à literatura construtivista, e alguns pontos
precisam ser relembrados. Em primeiro lugar, a nação pode ser considerada como uma destas
instituições e, assim como tantas outras, faz parte de um arcabouço específico, geográfica e
temporalmente falando. Nesse sentido, defender que a diminuição da opressão parte do
fortalecimento das instituições internacionais não somente é uma afirmação incompleta, pois
não define exatamente de quais instituições se fala, mas também conceitualmente incoerente,
já que as leituras apontam para o nacionalismo como um dos mais importantes pilares
institucionais para a construção deste sistema internacional. Por fim, esta hipótese poderia ser
reescrita no sentido de posicionar as instituições liberais e ocidentais não como um elemento
refreador da opressão internacional, mas como catalisadoras desta mesma lógica, que surge
invariavelmente dos celeiros da modernidade. Apesar deste esforço não ter sido formalmente
registrado, fica claro que as seções do trabalho seguiram neste caminho.

Por esse motivo, seria verdadeiro afirmar que não há vínculo direto entre o nacionalismo e
opressão, o que confirmaria a sexta hipótese desta pesquisa. No entanto, algumas ressalvas
precisariam ser feitas. Mesmo que não existisse uma causalidade tão automática, de certa
forma a construção do sistema internacional passa pelo conceito de nação, fortalecido, por sua
vez, pelo nacionalismo. Este mesmo nacionalismo seria, portanto, um dos principais
elementos para a construção das regras relacionais dos sistemas internacionais moderno e
contemporâneo, justificando seu papel ao menos na construção de estruturas que permitissem
(quando não legitimassem) relações de opressão. Nesse sentido, se não há ligação direta entre
nacionalismo e opressão, é necessário pontuar que há sim uma conexão automática entre
nacionalismo e exclusão ou diferenciação. Uma vez que o poder é adicionado à essa equação,
há quase certeza de que estas relações se tornarão, invariavelmente, assimétricas.

Logo, por mais que todas as hipóteses do trabalho tenham sido debatidas e até mesmo partes
tenham sido verificadas como verdadeiras, parece mais acertado cravar que a visão que trazia
a normatividade mais para o centro do debate seja a que melhor representa os espólios desta
pilhagem teórica. A independência e inclusão de novos atores no sistema internacional passa
pela aceitação dos mesmos a regras pré-estabelecidas, que independem de questões internas e
se apoiam totalmente num modelo de relações internacionais próprio destes tempos. A
tendência à globalização das relações internacionais é fator primordial para a legitimação
deste modelo, lastreado em preceitos e instituições próprias, que são pouco ou nada afetadas
pelos atores recém-chegados. Estas normas seriam criadas no seio de instituições de base
107

ocidental, quando não colonial e, dessa forma, posicionariam novos atores em locais de fala
menos privilegiados, contribuindo para a perpetuação de relações desiguais. De maneira geral,
este modelo se assenta em relações assimétricas de poder, seja ele material (normalmente
ilustrado pelas disparidades militares e econômicas) ou ideacional. Essa diferença foi debatida
durante o texto, visando aproximar estes dois polos, principalmente no que tange à violência
contida na dominação ideacional.

Enfim, o que se verificou em última instância foi que a emancipação nacionalista apenas
reafirmaria a posição subalterna destes novos atores, contribuindo para que esta posição seja
reforçada do ponto de vista da legitimidade normativa do sistema internacional
contemporâneo, que não mais comportaria relações coloniais formais. O nacionalismo seria,
nesse sentido, uma ferramenta de reprodução e sofisticação do sistema colonial, uma falsa
promessa de emancipação, capaz de redesenhar a face das divisões políticas do globo, mas
nunca a sua essência.
108

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