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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

8ª CÂMARA CÍVEL

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0075246-83.2020.8.16.0000 – 1ª VARA CÍVEL DE


CURITIBA

AGRAVANTE: CONDOMÍNIO THE FIVE-EAST BATEL

AGRAVADO: THIAGO LALLI PIO

RELATOR: DESEMBARGADOR SÉRGIO ROBERTO NÓBREGA ROLANSKI

AGRAVO DE INSTRUMENTO. “AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE


NÃO FAZER C/C AÇÃO DE ANULAÇÃO DE CLÁUSULA DE
REGIMENTO INTERNO E PEDIDO DE TUTELA DE
URGÊNCIA”. PRELIMINARES. AUSÊNCIA DE
LEGITIMIDADE E INTERESSE RECURSAL APONTADAS NAS
CONTRARRAZÕES. AFASTADAS. NULIDADE DA DECISÃO
POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA.
MÉRITO. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS. ARTIGO 300
DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PROBABILIDADE DO
DIREITO. AGRAVADO/AUTOR QUE PRETENDE LOCAR SEU
APARTAMENTO POR TEMPORADA NA PLATAFORMA
ONLINE “AIRBNB”. IMPEDIMENTO EXPRESSO PREVISTO
NA CLÁUSULA DA CONVENÇÃO DO CONDOMÍNIO.
JULGAMENTO DO RESP Nº 1.819.075 – RS/STJ. DECISÃO
REFORMADA. RECURSO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº


0075246-83.2020.8.16.0000, da 1ª Vara Cível da Comarca de Curitiba, em que é Agravante
Condomínio The Five-East Batel e Agravado Thiago Lalli Pio.

I – RELATÓRIO:
Trata-se de recurso de Agravo de Instrumento interposto contra decisão
(mov. 16 e 30), proferida nos autos de ação de obrigação de não fazer cumulada com ação de
anulação de cláusula de regimento interno e pedido de tutela de urgência, que deferiu
parcialmente o pedido de tutela de urgência, para o fim de determinar ao condomínio que se
abstenha de impedir eventuais locações de temporada por intermédio de plataformas como
Airbnb, bem como deixe de aplicar quaisquer penalidades pelo seu uso.

Nas razões recursais esclarece que:

a. é um “...empreendimento imobiliário denominado The Five –East


Batel é um condomínio de natureza mista ou complexo imobiliário de uso misto, sendo
composto por 518 (quinhentos e dezoito) unidades autônomas com único embasamento
e duas torres...”;

b. “Administrativamente estão subdivididos em 02 (dois)


Subcondomínios, denominados “Subcondomínio Residencial/Hotel” e “Subcondomínio
Comercial”.”;

c. “O Subcondomínio Residencial/Hotel permite aos usuários do hotel


e aos residentes compartilhar em conjunto as áreas comuns como o fitness center, spa,
lobby do hotel, bar do lobby e, destinadas exclusivamente aos residentes, a piscina
coberta localizada no segundo pavimento e as áreas de lazer localizadas no 32º e 33º
pavimentos do edifício que compreendem salão de festas, sala de jogos, cozinha
gourmet, solarium e co-working.”;

d. “Desta forma Excelência, as unidades residenciais que compõem a


“Ala Residencial do Hotel”, recebe todos os dias serviços hoteleiros, ou seja,
governança diária (arrumação, higienização de banheiros e retirada de lixo), faxina
semanal, manutenção preventiva de instalações, além de pacote completo de tv a cabo,
wi-fi de qualidade e serviços de conciergerie:”;

e. a convenção condominial buscando um equilíbrio econômico


financeiro ao Subcondomínio Residencial/Hotel, dispôs no item 16.2.1, que todos os
custos das unidades residenciais e hoteleiras sejam rateados entre si, pois usufruem dos
mesmos benefícios;

f. “...para viabilizar os serviços oferecidos pela operadora da


hotelaria somente podem ser realizados pelo período superior a 90 (noventa) dias
conforme se depreende da disposição contida no item 14.6.210 da Convenção
condominial.”;
g. “...a locação pretendida pelo agravado incorre em concorrência
desleal, pois ao locar a unidade cujos benefícios são idênticos aos das unidades
hoteleiras, acaba por praticar preços muito abaixo dos praticados pelo mercado de
hotelaria, gerando assim um desequilíbrio e um prejuízo financeiro”.

Sustenta, em síntese, sobre a nulidade da decisão agravada, ante a falta de


fundamentação, de acordo com o artigo 489 e seguintes do CPC. Cita doutrinas.

Alega a ausência dos requisitos autorizadores da tutela de urgência,


conforme dispõe o artigo 300 do CPC, pois a Convenção Condominial não impede de forma
alguma que os condôminos das unidades residenciais efetuem a locação, de acordo com o
item 14.6.2, ao reverso, autoriza a locação, entretanto, para viabilizar o conceito do
empreendimento imobiliário foi fixado um prazo superior a 90 dias para as residenciais.

Argumenta que “...qualquer desvirtuamento das regras condominiais


aplicadas ao Subcondomínio Residencial/Hotel gera um flagrante desiquilíbrio econômico
financeiro, ao permitir que as unidades residenciais efetuem locação por preços muito abaixo
dos praticados pelas unidades hoteleiras, incorrendo em evidente concorrência desleal nos
termos do art. 195 da Lei 9.279 de 14 de maio de 1996.”

Afirma que o valor de locação oferecido pelo agravado (R$ 107,00) no


Airbnb, e o valor da locação da rede Hoteleira do condomínio agravante (a partir de R$
286,00), traz um desequilíbrio econômico gerado pela locação por temporada em tempo
inferior a 90 dias, promove uma diferença de 62% entre os valores das locações. Considerou,
ainda, o prejuízo nas mais de 201 unidades autônomas de apartamentos residências com
serviços hoteleiros permanentes que poderão efetuar locação por temporada em período
inferior a90 dias. Cita uma jurisprudência do TJSP.

Traz uma jurisprudência da 12ª Câmara Cível deste E. TJ sobre a


necessidade de verificação do dano inverso e a incompatibilidade com o deferimento da tutela
de urgência.

Cita uma jurisprudência sobre a inexistência dos requisitos autorizadores


para a concessão da tutela de urgência.

Pede a concessão de efeito suspensivo e o provimento recursal, a fim de


indeferir a tutela de urgência pleiteada.
O efeito suspensivo foi indeferido (seq. 8.1).

As contrarrazões foram juntadas na seq. 16.1. Aponta como preliminar de


mérito a ausência de legitimidade e interesse recursal e no mérito requer a manutenção da
decisão agravada.

A parte agravada foi intimada para se manifestar sobre a preliminar de


legitimidade e interesse recursal (mov. 22.1).

É o relatório.

II – FUNDAMENTAÇÃO E VOTO:

Preliminar.

Ilegitimidade e interesse recursal.

Nas contrarrazões o agravado apontou que o agravante não teria


legitimidade e interesse recursal para interpor o presente recurso, pois “...atua nos presentes
autos exclusivamente em favor de interesse de terceiro, qual seja: a rede hoteleira NH
Curitiba The Five.”.

No entanto, causa estranheza tal pleito, pois a ação obrigacional foi


proposta contra o Condomínio The Five – East Batel.

No mais, o agravante possui legitimidade e interesse recursal, já que a


decisão agravada afetou diretamente as atividades desenvolvidas pelo empreendimento
imobiliário da agravante.

Portanto, afastadas as preliminares.

Nulidade da decisão agravada.

Sustenta, em síntese, sobre a nulidade da decisão agravada, ante a falta de


fundamentação, de acordo com o artigo 489 e seguintes do CPC. Cita doutrinas. Sem razão.

A r. decisão está devidamente motivada, mesmo que isso contrarie a


pretensão do agravante.

Mérito.
Presentes os pressupostos legais para a admissibilidade do recurso, dele
conheço.

Dos autos, verifica-se que o agravado ajuizou “ação de obrigação de não


fazer c/c ação de anulação de cláusula de regimento interno e pedido de tutela de urgência”.

Alegou ser proprietário de uma unidade autônoma nº 2.906, do tipo K,


Torre B, 29ª pavimento, no subcondomínio residencial/hotel do empreendimento do agravante
e pretende com a demanda locar seu apartamento por temporada na plataforma online
“Airbnb”, porém ao realizar consulta à Convenção do Condomínio The Five constatou
proibição para locação temporária previsto na clausula 14.6, assim como a aplicação de multa
(clausula 5.2, 11.1 e 14.7). Assim, requereu:

“a) Liminarmente, em sede de tutela de urgência, seja o condomínio


requerido, compelido a cumprir obrigação de não fazer, abstendo-se de
impedir as locações para temporada da unidade imobiliária do
requerente, ficando vedado a este proibir a entrada dos futuros
locatários, bem como travar quaisquer medidas a fim de inviabilizar a
locação temporária, inclusive com fixação de multas ou sanções. Ainda
em caráter liminar, requer que os efeitos normativos dosdispositivos14.1
da Convenção do Condomínio e 3.23 do Regimento Interno do
condomínio sejam suspensos, até decisão final deste processo, em que
estes deverão ser declarados nulos;

(...)

d) Ao final, seja julgada PROCEDENTE a presente ação, confirmando a


tutela de urgência concedida, condenando o requerido para o fim de
cumprir obrigação de não fazer, abstendo-se de impedir as locações para
temporada da unidade imobiliária do requerente;

e) Que sejam declarados nulos de pleno direito os dispositivos 14.1 da


Convenção do Condomínio e 3.23 do Regimento Interno do condomínio
requerido;”

O MM. Juízo a quo assim decidiu:

“Os fundamentos apresentados pela parte autora são relevantes e


amparados em prova idônea, permitindo-se chegar a uma alta
probabilidade de veracidade dos fatos narrados, observando o contido no
regimento interno (seq. 1.3) e na convenção de condomínio (seq. 1.4).
Nesse ponto, pertinente citar que, recentemente, a Quarta Turma do
Superior Tribunal de Justiça iniciou o julgamento do REsp 1.819.075,
sendo então apresentado o voto do ministro relator Luis Felipe Salomão,
o qual entendeu pela impossibilidade de limitação das atividades
locatícias do condomínio, já que as locações via plataforma Airbnb e
outras similares não estariam inseridas no conceito de hospedagem, mas
sim de locação residencial por curta temporada.

Já o provável perigo em face do dano ao possível direito pedido ocorre


quando não se pode aguardar a demora normal do desenvolvimento da
marcha processual. No caso em apreço, tal quesito esta presente diante
da possibilidade de a parte autora sofrer prejuízos de ordem patrimonial
mediante restrições do uso e fruição integral de sua propriedade, em
princípio, indevidas, já que aparentemente afronta a dicção do art. 1.228
do Código Civil, até que o seu direito seja analisado em caráter definitivo
nesse processo.

Contudo, não há que se falar, nesse momento, em suspensão dos efeitos


normativos das disposições do regimento interno e da convenção de
condomínio, bastando que aparte requerida se abstenha de restringir o
uso, pela parte requerente, das plataformas online para locação de
temporada como Airbnb, ficando vedada a aplicação de qualquer
penalidade correlata.

(...)

1.1. Tudo isso considerado e com fundamento no art. 300 e art. 303 do
CPC/2015, o pedido liminar formulado, para o fim de determinar ao
DEFIRO PARCIALMENTE condomínio requerido que se abstenha de
impedir eventuais locações de temporada por intermédio de plataformas
como Airbnb, bem como deixe de aplicar quaisquer penalidades pelo seu
uso, nos termos da fundamentação supra. Saliente-se à parte ré o teor do
art. 304 do CPC/2015.”

Distribuídos os autos, neste E. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, o


Exmo. Sr. Juiz Subst. em 2º G. Alexandre Barbosa Fabiani, indeferiu o pedido de antecipação
da tutela recursal (mov. 8.1).

Entretanto, analisando a matéria e o caso concreto, entendo que o recurso


merece ser acolhido, pelas seguintes razões.

O artigo 300 do Código de Processo Civil dispõe: “A tutela de urgência


será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o
perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.”

Deste modo, são requisitos a probabilidade do direito e o perigo de dano


ou o risco ao resultado útil do processo.
Nos presentes autos, constata-se ausente o primeiro requisito, qual seja a
probabilidade do direito.

O agravado Thiago Lalli Pio é proprietário da unidade do apartamento nº


2906, do tipo K, torre B, 29º pavimento, subcondomínio residencial/hotel do
“CONDOMÍNIO THE FIVE – EAST BATEL”, conforme matrícula do imóvel (mov. 1.2).

Alegou, na inicial, que pretende com a demanda locar seu imóvel por
temporada na plataforma online “Airbnb”, porém ao realizar consulta à Convenção do
Condomínio The Five (mov. 1.4) constatou proibição para locação temporária, previsto na
cláusula 14.6 da Convenção do condomínio:

Através de consulta à Convenção de condomínio é possível confirmar os


argumentos lançados pelo agravante quanto às atividades e as responsabilidades
desempenhadas pelo The Five East Batel:
Em consulta rápida ao site podemos encontrar a definição do serviço
desenvolvido pela empresa “Airbnb”, nos seguintes termos: “Uma comunidade baseada no
compartilhamento”.[1] Ou seja, é uma empresa que criou uma plataforma digital especializada
em hospedagens temporárias ao redor do mundo, “para as pessoas anunciarem, descobrirem e
reservarem acomodações e meios de hospedagem.”[2]

Deste modo, resta clara a existência de confronto entre a pretensão do


agravado e a norma fixada pela Convenção de condomínio.

E em que pese a r. decisão agravada apontar a existência da probabilidade


do direito do agravado, verifica-se que o julgamento do REsp nº 1.819.075 – RS mencionado
não poderia basear o direito do agravado.

O Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, negou provimento


ao REsp citado, manteve o v. acórdão do eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
Sul, em Ação de Obrigação de Não Fazer com Preceito Cominatório julgada procedente para
impor aos requeridos se absterem de “exercer a atividade de alojamento e/ou hospedagem
nas unidades 205 e 303, mediante locação de quartos e prestação de serviços, sem prejuízo
da locação das mesmas unidades para fins residenciais e nos moldes da legislação
pertinente”.

No caso em questão o Relator p/ Acórdão Ministro Raul Araújo


esclareceu:

“Ocorre que a divergência entre os litigantes não está em que os ora


recorrentes possam alugar regularmente seus apartamentos por período
de tempo mais duradouro a determinados inquilinos, mas sim na prática
frequente e continuada de, mediante remuneração, admitirem e acolherem
terceiros, estranhos entre si, em cômodos existentes nos apartamentos,
por curtos períodos de tempo, com considerável rotatividade de
ocupantes, ameaçando potencialmente a segurança das moradias situadas
no edifício residencial.

(...)
Assim, mostra-se correto o entendimento das instâncias ordinárias de que
os negócios jurídicos realizados pelos recorrentes não se enquadram nas
hipóteses de locação previstas na Lei 8.245/91, configurando, na prática,
contrato atípico de hospedagem.”

Deste modo, restou esclarecido que o julgamento mencionado não é


aplicado ao caso concreto.

Aqui o agravado pretende afrontar diretamente a cláusula expressamente


prevista na Convenção de condomínio para locar seu imóvel por temporada na plataforma
online “Airbnb”.

No entanto, de acordo com o REsp já citado:

“...o Código Civil, nos artigos transcritos, concede autonomia e força


normativa à convenção de condomínio regularmente aprovada e
registrada no Cartório de Registro de Imóveis competente.

Assim, o direito do proprietário condômino usar, gozar e dispor


livremente do seu bem imóvel, nos termos dos arts. 1.228 e 1.335 do
Código Civil de 2002 e 19 da Lei 4.591/64, deve harmonizar-se com os
direitos relativos à segurança, ao sossego e à saúde das demais múltiplas
propriedades abrangidas no Condomínio, de acordo com as razoáveis
limitações aprovadas pela maioria de condôminos, pois são limitações
concernentes à natureza da propriedade privada em regime de
condomínio edilício.

(...)

Portanto, existindo na Convenção de Condomínio regra impondo


destinação residencial, mostra-se indevido o uso das unidades
particulares que, por sua natureza, implique o desvirtuamento daquela
finalidade residencial (CC/2002, arts. 1.332, III, e 1.336, IV)”

Ante ao exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso de agravo


de instrumento, para reformar a r. decisão agravada e indeferir a tutela de urgência pleiteada
pelo agravado/autor Thiago Lalli Pio.

III – DISPOSITIVO:

Ante o exposto, acordam os Desembargadores da 8ª Câmara Cível do


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em julgar
CONHECIDO O RECURSO DE PARTE E PROVIDO o recurso de CONDOMÍNIO THE
FIVE- EAST BATEL.

O julgamento foi presidido pelo (a) Desembargador Sérgio Roberto


Nóbrega Rolanski (relator), com voto, e dele participaram Desembargador Clayton De
Albuquerque Maranhão e Desembargador Gilberto Ferreira.

Curitiba, 23 de julho de 2021.

SÉRGIO ROBERTO NÓBREGA ROLANSKI

Desembargador Relator

[1] https://www.airbnb.com.br/help/article/2503/o-que-%C3%A9-o-airbnb-e-como-ele-funciona

[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Airbnb

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