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Capitão América
Data: 14/12/2011
PEDRO HENRIQUE LEAL
Joinville
2011
PEDRO HENRIQUE LEAL
_____________________________________________________
Professor Ms. Dauto João da Silveira
Associação Educacional Luterana Bom Jesus/Ielusc
_____________________________________________________
Professora Dra. Maria Elisa Máximo
Associação Educacional Luterana Bom Jesus/Ielusc
_____________________________________________________
Professor Chico Lam
Universidade da Região de Joinville (Univille)
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, por tudo o que fizeram e tudo o que aguentaram.
A Stan Lee, Jack Kirby, Steve Ditko e Joe Simon, por todo o trabalho que tiveram
para fazer do que eram os restos da Timely e da Atlas no gigante que é a Marvel
hoje em dia – ignorando-se as políticas sujas.
Jack
Kirby
RESUMO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 8
1.1 JUSTIFICATIVA DO TEMA ..................................................................... 9
1.2 OBJETIVOS ............................................................................................ 12
1.3 METODOLOGIA ..................................................................................... 12
6 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 91
LISTA DE FIGURAS
Esses dois processos distintos se dão no caso estudo de uma forma mais
clara devido à relação íntima do personagem com a própria figura dos Estados
Unidos: como seu próprio nome já afirma, ele é o Capitão América, e sua identidade
está ligada diretamente ao país. Porém a maneira como essa relação se dá merecia
um estudo mais aprofundado.
Com base nestas colocações, a minha análise se segue com base em dois
conceitos principais: o conceito de identidade cultural, conforme estudado por Stuart
Hall1, e o conceito de Liberdade Individual conforme estudado por Hannah Arendt2.
1
Hall, Stuart – teórico cultural anglo-jamaicano fundador da Escola de Birmingham de Estudos
Culturais, analisando o texto cultural sob a ótica de reciprocidade e avaliando a identidade social e
cultural como fruto das relações, e não um valor fixo.
11
Junto ao rol de Hall e Arendt a obra “Nossos Deuses são Super Heróis”, de
Christopher Knowles3 (2008): Knowles trabalha com a figura do super-herói não
como um mero entretenimento, mas como a mitologia moderna, e de certa forma, o
Capitão América pode ser tratado como a manifestação do ideário popular
americano – ou como uma manifestação do descontentamento com as posições do
país.
Nesse sentido, o caso específico do Capitão América pode ser lido não
meramente como um herói patriótico, mas como o equivalente americano para
heróis nacionais como o Rei Arthur inglês, as versões poetizadas do imperador
Carlos Magno, na França, e o Odisseu grego: uma representação exagerada e
“maior do que a vida” dos ideais que o país deveria representar – e de uma maneira
talvez até mais intensa do que esse discurso é encarnado na figura dos pais
fundadores dos EUA.
2
Arendt, Hannah – Cientista Política alemã rejeitava o título de filósofa. Seu trabalho se centra
primariamente na natureza do poder, as relações políticas e o desenvolvimento do autoritarismo e
totalitarismo. De uma família judia, Arendt migrou para os EUA em 1941, fugindo do holocausto
nazista.
3
Knowles, Cristopher – roteirista e ilustrador inglês, editor da revista Comic Book Artist, publicação
vencedora de cinco prêmios Eisner.
12
1.2 Objetivos
1.3 Metodologia
A liberdade individual, por outro lado, tem relação com a capacidade de ação
pessoal, livre da interferência do restante da sociedade. Como tal, a total liberdade
individual é um ideal inalcançável. Segundo Arendt, a liberdade está no agir -
homens são livres contanto que atuem, e não deixem que seja atuado em seu lugar.
A liberdade individual é um dos valores primordiais da sociedade americana,
estabelecido pela carta de direitos e pela declaração da independência americana.
Ainda assim, durante boa parte de sua história, essa liberdade era aplicada
exclusivamente para alguns setores da sociedade. Até meados da década de 50 e o
ínicio da década de 60, afro descendentes tinham suas liberdades individuais
cerceadas, sendo restritos a estabelecimentos “para negros”, assentos “para negros”
nos ônibus, e em geral excluídos do convívio com os brancos.
A vida em sociedade exige a restrição de algumas liberdades individuais - a
mera existência de leis implica nessa restrição – porém, por virtude da presunção de
que a democracia representa a vontade da maioria, as liberdades de grupos sociais
de maior peso tende a ser respeitada mais freqüentemente do que a de grupos
minoritários - mesmo quando estas não interfeririam nos direitos da maioria.
Arendt afirma que as ações de liberdade individual e política não podem ser
julgadas em si: a realidade da ação é que o mero agir é um ato social, e que só pode
ser julgado dentro do seu contexto.
only theconditio sine qua non, but the conditio per quam – of all political life.
(ARENDT, 1958. p. 7)
4
McFarland, Seth – cartunista americano, sua obra incluí séries como American Dad e Family Guy,
com um senso de humor transgressivo e politicamente incorreto. A obra de McFarland foca sua crítica
na direita americana, retratada muitas vezes em seus desenhos como sendo mentalmente debilitada.
5
Groening, Matt – cartunista americano, sua principal obra, The Simpsons, é um retrato crítico do
“cidadão comum” americano. Vários episódios da série lidam com a família visitando outros países,
retratando e criticando a visão simplificada que os EUA têm do resto do mundo.
18
Para olhos estrangeiros, esses conflitos culturais internos nos EUA podem ser
difíceis de perceber, especialmente quando relacionado à política: o debate político
americano é extremamente polarizado ao redor dos partidos Democrata - que oscila
entre a direita moderada e a centro esquerdo - e Republicano - entre a direita
moderada e a extrema direita - enquanto todos os outros partidos ficam em segundo
plano, esquecidos. Isso resulta no clichê errôneo de que nos EUA existem apenas
dois partidos6 - e esse clichê resulta em uma visão ainda mais simplificada e caricata
do cenário cultural do país. O jogo político americano teve uma leve alteração nos
últimos anos com o Tea Party – movimento “apartidário” de extrema direita, que vê o
país sob ameaça socialista, o Tea Party está diretamente associado à direita cristã,
e entre suas bandeiras está o fim do ensino da evolução nas escolas, e o fim das
campanhas de vacinação – bandeiras defendidas pela ala mais conservadora do
partido republicano.
Essa simplificação do discurso estrangeiro não ocorre unicamente em relação
aos EUA, assim como não são somente os americanos que tem uma visão
“patriocentrica” do mundo. Se for possível dizer que existe uma identidade
“americana” central, esta se baseia em cima dos conceitos de democracia e
liberdade - mas não há concordância sobre o que estes conceitos significam -
enquanto para a comunidade mormon7 de Utah e para os rednecks8 do Alabama e
do Tenessee democracia significa a imposição de sua moral sobre o restante do
estado, pois é a maioria, para a comunidade gay de San Francisco, na Califórnia,
democracia significa ter o mesmo respaldo que as comunidades majoritárias
recebem.
A identidade americana pode ser simplificada de maneira grosseira na
identidade republicana - contra a intervenção estatal na economia, mas a favor da
mesma no comportamento. Em geral conservadora e privilegiando a
regulamentação religiosa sobre a lei secular - e a identidade democrata - favorável a
ação do governo para proteger direitos civis e as minorias, em geral vanguardista
6
Curiosamente, um amigo meu nos EUA me pergunto se o Brasil tinha apenas três partidos - PMDB,
PSDB e PT - pois eram só estes três que apareciam na imprensa estrangeira (nota do autor)
7
Termo coloquial para designar os membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias,
denominação predominante no estado de Utah. De maneira geral, a igreja tem várias posições
conservadoras, e entre outras questões polêmicas, só aceitou o sacerdócio de negros em 1973.
8
Termo derrogatório para a população rural do sul dos EUA, em geral vista como ignorante e
intelectualmente deficiente. Ao mesmo tempo, a população “redneck” enxerga o restante do país
como intelectuais “que desconhecem o mundo real”. A comunidade redneck é um dos maiores
agrupamentos da direita cristã americana.
19
9
Comentaristas especializados, pagos pelas suas opiniões sobre vários temas.
10
No caso específico de O’Reilly, o direitista se refere a posição clara a favor de um discurso
socialmente conservador, contrário aos movimentos sociais, e economicamente liberal, contrário a
intervenção estatal na economia.
11
O’Reilly, Bill – comentarista político da Fox News, O’Reilly se diz a partidário, mas várias de suas
posições são favoráveis as alas mais radicais do partido republicano, principalmente nas áreas de
ciência e religião.
12
Leibowitz, Jonathan Stuart – humorista e comentarista político americano, apresentador do Daily
Show, noticiário de humor da Comedy Central. Stewart mantém uma posição firme contra os
discursos da direita americana, e é abertamente crítico do que vê como passividade do mainstream
do jornalismo americano e o culto as celebridades. Embora seja um programa humorístico, o Daily
Show já recebeu prêmios jornalísticos.
13
Beck, Glenn – radialista e comentarista conservador, acredita em uma conspiração progressista
para transformar a América em uma ditadura socialista, e foi um dos responsáveis por propagar os
boatos de que o presidente Barack Hussein Obama não nasceu nos EUA.
14
Colbert, Stephen – humorista americano, apresentador do Colbert Report, onde satiriza a direita
americana com uma versão exagerada do discurso conservador. Colbert criou o neologismo
“Truthiness” - a verdade que vem do 'estomago', não dos fatos - para definir a argumentação da
extrema direita.
20
adaptação de “Sete Samurais”, do japonês Akira Kurosawa 15, e que trocou o Japão
Feudal pelo meio oeste americano. Na indústria de quadrinhos, a linguagem visual
dos quadrinhos japoneses e o ar filosófico dos quadrinhos europeus foram
absorvidos pelas grandes editoras - conforme detalhado mais a frente no capitulo II.
Embora não haja uma noção concisa de identidade americana - e sim várias
sub-identidades - o discurso padrão americano, de “verdade, justiça e o estilo
americano”, tem suas várias facetas facilmente reproduzidas pelo globo. Em suas
múltiplas variantes, o discurso se faz presente constantemente na indústria do
entretenimento. O “vilão padrão” do cinema de ação hollywoodiano, por exemplo, é
inevitavelmente uma representação dos temores americanos da época - durante o
auge da guerra fria, o inimigo eram sempre os comunistas, enquanto no final dos
anos 80 e inicio da década de 90, tomavam a forma de traficantes e guerrilheiros,
resultado do financiamento americano indevido para combater a “ameaça vermelha”,
e que agora se voltavam contra seus “tratadores”.
Mesmo nas histórias de ficção científica, o “mal” era uma metáfora para o
inimigo da vez: no clássico do gênero “Tropas Estelares”, de Robert Heinlein 16, os
insetos, com sua sociedade altamente hierárquica e sem possibilidades de
crescimento social, eram apenas uma repetição de clichês sobre os comunistas. Sua
outra obra de destaque, “Um estranho numa terra estranha”, de 1961, atacava outro
inimigo: o conformismo, condizente com o meio em que Heinlein estava quando
escreveu a obra - seu envolvimento com o ainda pequeno movimento hippie.
Essa tendência de representação do status quo na ficção não é, novamente,
exclusividade dos EUA. Porém, devido ao nível de produção da indústria cultural
americana, e a capacidade que esta tem de alcançar o público, a influência que tem
sobre a imagem e os padrões culturais é muito mais intensa do que quando o
mesmo ocorre, por exemplo, com um autor brasileiro.
15
Kurosawa, Akira – diretor de cinema japonês, muito da obra de Kurosawa é composta por
adaptações de Shakespeare. Afirmava ser o contato com outras culturas o segredo por trás dos seus
filmes.
16
Heinlein, Robert A. – escritor de ficção científica, colocado ao lado de Arthur C. Clarke e Isaac
Asimov como um dos três grandes nomes da era de ouro da Ficção Científica.
22
17
Um detalhe interessante quanto à relação do gênero com o discurso americano é a predominância
do padrão Azul-Vermelho-Branco na coloração dos robôs, assim como a temática constante de
combate a tirania em defesa da liberdade.
23
18
McCarthy, Joseph – Senador júnior do Wisconsin dirigiu o subcomitê especial do senado para
atividades antiamericanas, iniciando uma “caça as bruxas” dentro do governo americano em busca de
“espiões comunistas”. McCarthy também foi responsável pela inclusão das palavras “Under God” (sob
Deus) no juramento a bandeira, por achar que a falta de religião era uma atitude comunista.
19
Snyder, Zack – diretor de cinema americano, Snyder também dirigiu a adaptação do clássico das
HQs Watchmen, discutido no segundo capítulo.
20
Blair, Eric Arthur – conhecido pelo nome artístico de George Orwell – escritor inglês, socialista
democrata, Orwell escreveu muito sobre regimes autoritários e as falhas inerentes das ditaduras,
assim como sobre as injustiças sociais. Juntos, suas obras “A revolução dos Bichos” e “1984” fizeram
dele um dos autores mais vendidos do século XX.
25
3.1 Conceitos
base da arte seqüencial já estava presente na arte primitiva, como nos pictogramas
de povos pré-históricos. Segundo McCloud (2005), a tumba do escriba egípcio
Menna (século 14 A.C), que apresenta uma série de ilustrações sem texto
ordenando os acontecimentos da vida do escriba, é um exemplo clássico da arte
sequencial. O mesmo exemplo é usado também por Kanno (2006).
23
Campbell, Joseph – escritor americano dedicou sua carreira ao estudo do mito e ao estudo
comparativo da religião. Seu conceito mais famoso é o do Monomito – ou a jornada do herói – que
propõe que toda narrativa mítica é na verdade uma variação de uma única trama básica.
28
A figura do herói passou por uma grande série de variações ao longo dos
anos, mas é na literatura pulp que o “super” herói começa a tomar forma. Publicadas
em revistas feitas de polpa barata - por isso o nome Pulp - as histórias mais
populares do gênero eram contos de aventura, suspense e ficção cientifica. Nas
revistas Pulp é que surgem e se popularizam personagens como o misterioso
vigilante Zorro, o “rei dos macacos” Tarzan, e mais importante para o surgimento dos
super heróis, os “homens de mistério”.
Essa relação de poder que cerca o personagem de John Carter é uma versão
extremada de uma questão que cercava boa parte da ficção científica no final do
século XIX e início do século XX. Muitos dos heróis desta época eram homens
brancos civilizados inseridos em um contexto de primitivismo e selvageria, no qual
eram intelectualmente, moralmente e fisicamente superiores aos seus pares
“incultos”. Esse fenômeno se dá como uma defesa ou internalização do discurso
24
Burroughs, Edgar Rice - Escritor americano de ficção cientifica famoso por personagens como
Tarzan, o rei dos macacos, John Carter, o senhor da guerra de Marte, e a série Pellucidar.
29
25
Loeb, Jeph - Roteirista americano, vencedor de quatro prêmios Eisner. Desde 2010, Loeb é o
diretor criativo da Marvel Comics na área de televisão. Entre seus trabalhos se destacam Superman:
Quatro Estações (1999), Batman: O Longo dia das Bruxas (1999) e Captain América: Fallen Son.
Loeb perdeu o filho Sam para o câncer em 2005, e muito do trabalho dele desde então lida com a
perda.
26
Morris, Thomas V. - professor da Universidade de Notre Dame, Indiana e fundador do Instituto
Morris de valores Humanos. Morris produziu muito em termos de estudo filosófico da fé cristã, assim
como o estudo filosófico da “Pop culture”.
30
29
Kane, Robert - Escritor e desenhista americano, Kane teve pouco destaque na indústria de
quadrinhos além do Batman, obra que lhe concedeu o status de celebridade menor.
30
Marston, William Moulton - Psicólogo e teórico feminista americano além de desenhista e roteirista
de quadrinhos, Marston foi um dos inventores do polígrafo – o popular detector de mentiras – e
publicou em 1928 “Emotions of the Normal People”, um tratado sobre comportamento social a partir
das noções de passividade e atividade.
32
31
É relevante notar que a grande maioria destes heróis patrióticos eram super soldados frutos de
experimentos científicos, cujos poderes se resumiam a uma força e agilidade “nos limites da
capacidade humana”, da mesma maneira que o primeiro do gênero, o Capitão América. Da mesma
maneira, Combatente Americano, U.S. Agente, Patriota e o Guardião, da DC Comics, todos usavam
como arma um escudo de arremesso.
33
32
Duas das mais populares revistas de coletâneas dos EUA, com contos, artigos, piadas e
reportagens de várias fontes. Durante a segunda guerra mundial eram publicadas semanalmente –
atualmente, o Saturday Evening Post é uma revista bimestral, enquanto o Reader’s Digest é
publicado mensalmente.
34
33
A EC Comics deixou o mercado de revistas em quadrinhos em 1956, mudando o formato e
publicando artigos além das HQs para se tornar a MAD Magazine.
34
Wertham também era firmemente oposto ao cinema e a televisão, embora tenha se posicionado
favorável às histórias em quadrinhos durante a década de 70, quando publicou “The World of
Fanzines”, que se concentrava no aspecto criativo da fanbase de HQs. Wertham também foi um forte
critico das políticas de segregação racial.
35
Com a celebridade causada pelo livro, Wertham foi chamado a depor perante
ao Subcomitê do Senado para Delinquência Juvenil, sob a liderança do senador
Estes Kaufer. Lá, reafirmou os argumentos de “Sedução dos Inocentes” - embora o
Subcomitê tenha concluído que os quadrinhos não eram responsáveis pela
delinquência juvenil, o parecer final do Senado foi de que a industria estava
cometendo alguns excessos, e deveria amenizar o conteúdo voluntariamente.
Com essas novas regras, não havia mais espaço para quadrinhos de ação
que não fossem versões “limpas” dos quadrinhos de super-heróis, mas salvo alguns
poucos títulos de destaque, os heróis não representavam uma parcela significativa
das vendas, e precisavam se adequar aos tempos. Com o avanço da guerra fria, o
início da Era Atômica e a corrida espacial, o foco agora era a “Ameaça Vermelha”,
os perigos da ciência nuclear e os mistérios do espaço sideral.
35
Em suas primeiras histórias, o personagem se centrava em trabalho de detetive, usando seus
poderes telepáticos para obter pistas, e sua forma marciana para intimidar criminosos.
Posteriormente, foi reescrito como um super-herói clássico.
37
Embora o período tenha sido marcado por histórias bobas, como o Batman ou
o Super-homem tendo que lidar com um novo - e em geral ridículo - poder, visitas de
delegações alienígenas, interesses romênticos gigantes, e outras tramas surreais, é
durante a Era de Prata que a arte dos quadrinhos começa a se profissionalizar. O
traço rebuscado e irregular, assim como a impressão grosseira dos anos anteriores
cedem espaço para desenhistas como Jack Kirby, John Romita Sr e Gil Kane, que
redefinem o visual das HQs, com linhas mais limpas, dinamismo na ação
(STRAUSSBAG, 2003).
36
Lieberman, Stanley - ex-presidente executivo da Marvel Comics, Lee começou sua carreia na
indústria de quadrinhos como freelancer fazendo o texto das capas do Capitão América em 1941,
enquanto servia como oficial de comunicação do exército americano. Ao longo dos anos, Lee foi
responsável pela criação de centenas de personagens de sucesso, incluindo o Homem-Aranha,
Homem de Ferro, os X-Men e o Incrível Hulk.
37
Kutzberg, Jacob - desenhista e roteirista de quadrinhos. Kirby foi o co-autor de vários personagens
de Stan Lee – sem reconhecimento por seu trabalho, partiu da Marvel para a DC Comics em 1970.
Além dos personagens da era Lee/Kirby, também autorou séries como Kamandi nos fins da Terra e a
linha Quarto Mundo. Um dos seus personagens de maior sucesso fora dos quadrinhos foi o herói de
fantasia He-Man e os Mestres do Universo, levado a TV pela Filmation no inicio dos anos 80.
38
Simon, Joe - Roteirista de quadrinhos trabalhou como o primeiro editor chefe da Timely Comics,
onde junto com Kirby criou o Capitão América. No final da década de 40, junto com Kirby cria o
gênero de quadrinhos românticos, que teve grande sucesso durante a década de 50.
38
interesses românticos dos heróis - Barry Allen era noivo da reporter Iris West, que,
frustrada com a “vagarosidade” do químico, voltava o olhar para o velocíssimo Flash,
Hal Jordan amava Carol Ferris, interessada pelo Lanterna Verde, e Clark Kent tinha
sua Lois Lane, que só tinha olhos para o Super Homem. A Marvel, no entanto,
preferiu focar suas histórias em um elemento mais humano - heróis como Homem-
Aranha, Homem de Ferro e o Incrível Hulk não eram mais os “bons moços” da DC,
mas figuras falhas e inseguras (JACOBS,1985, p. 3-4). O alvo não era mais o
público infantil, mas também os adolescentes e jovens adultos que haviam crescido
com os quadrinhos da “Era de Ouro”.
Homem-Aranha era o remorso - após ganhar seus incríveis poderes, decidiu ganhar
fortuna como lutador, e irritado por não ser pago, deixa um ladrão fugir com o
dinheiro das lutas, horas depois, o mesmo ladrão mata seu tio Ben, gravando no
jovem Parker a noção de que “Com grande poder deve vir grande responsabilidade”.
inicialmente como uma resposta a minisérie “Green Goblin Reborn”, da Marvel, que
também lidava com o tema. A trama havia sido encomendada pelo Departamento de
Saúde, Educação e Bem Estar Social dos EUA como parte de uma campanha
antidrogas, mas foi bloqueada pela CCA. Preferindo manter a mensagem da trama,
o editor-chefe da Marvel, Stan Lee, ignorou o código, e lançou a revista sem o selo
de aprovação, levando a revisões na CCA.
39
O’Neill, Dennis - Editor e roteirista americano, O’Neill explorou a capacidade artística da mídia em
quadrinhos com obras como Green Lantern/ Green Arrow e Batman. Atualmente é um dos diretores
da Ong de caridade The Hero Initiative.
44
40
Blumberg, Arnold T - historiador e critico de quadrinhos americano. Blumberg atua primariamente
no estudo da pop culture, e atuou como escritor na série britânica Doctor Who.
41
Embora tenha surgido como o vilão da linha Fourth World, o deus das trevas e ditador do planeta
Apokolips foi rapidamente inserido no restante do universo DC. Enquanto a maioria dos personagens
da linha mantém-se em papéis secundários, Darkseid virou o “vilão padrão” da DC para eventos
cósmicos, enfrentando com freqüência o Super Homem.
45
em torno de conceitos metafísicos e filosóficos, que antes não eram abordadas por
quadrinhos de super heróis. (RO, 2004).
42
Ditko, Steve – Desenhista e escritor americano, Ditko foi responsável pela reestruturação de vários
personagens da era de ouro dos quadrinhos quando a publicação destes foi retomada nos anos 50 e
60.
43
Rand, Ayn - filosofa e escritora russo-americana, famosa pela filosofia objetivista, que rejeita todas
as formas de crença sobrenatural, assim como de altruísmo ético. Pelo ver de Rand, o egoísmo
46
racional é a única forma de virtude, e por isso Rand era uma firme defensora do capitalismo ultra-
liberal. Além do objetivismo, é conhecida pelos livros “The Fountainhead” e “A revolução de Atlas”,
defesas da razão objetivista.
47
Durante toda a era de ouro e durante boa parte da era de prata dos
quadrinhos, a representação de minorias nos “comics” era quase nula - quando
estavam presentes, eram como vilões, ou como personagens coadjuvantes, em sua
maioria extremamente caricatos, como é o caso do parceiro do Spirit, Ebony White,
com seus labios espessos e traços exagerados, ou de todos os “Japs” enfrentados
pelos heróis durante a segunda guerra - com olhos puxados ao extremo e dentes
protuberantes. O quadro tem uma leve mudança com a criação do Pantera Negra
em 1966, mas o herói ainda sofria com estereótipos, sendo um príncipe africano que
embebia de uma erva mágica para ganhar a força e a agilidade de uma pantera.
- por razões desconhecidas, não listado entre os Lanternas Verdes pela editora
(enquanto Hal Jordan é o Lanterna Verde I, Guy Gardner, que surigiu após Stewart é
o II, e Kyle Rayner é o terceiro, oficialmente) e o membro da legião dos super-heróis
Tyroc.
44
Shooter, Jim - Editor roteirista e desenhista americano, Shooter foi responsável por reestruturar a
legião dos super-heróis no inicio da sua carreira. Posteriormente assumiu o cargo de editor chefe na
Marvel Comics, antes de fundar a Valiant Comics no final da década de 80 – a editora faliu em 1996.
45
Claremont, Chris - roteirista e novelista americano, Claremont autorou os quadrinhos dos X-Men
durante 17 anos, entre 1975 e 1991, criando vários dos personagens de destaque das linhas “X” da
Marvel. Segundo o Guinness, X-Men #1, de 1991, escrito por Claremont e Jim Lee, é a HQ mais
vendida da história, com mais de oito milhões de cópias vendidas somente nos EUA.
49
Durante a segunda metade dos anos 70, e a primeira metade dos anos 80, o
foco das histórias em quadrinhos de super-heróis estava caindo cada vez mais nos
dramas pessoais dos heróis, e nas consequências da presença de super-heróis no
“status quo”. Tramas como “Demon in the Bottle”, de 1979, lidavam com uma
abertura ainda maior com problemas de vício e o desequilibrio de poder
representado pelos “super humanos”. Na minissérie do Homem de Ferro, o grande
vilão não era o corrupto empresário Justin Hammer, que armou um complô para
descreditar o herói e roubar sua tecnologia, mas sim o alcoolismo de Tony Stark - a
tal ponto que a situação com Hammer é resolvida no meio da minissérie, enquanto o
problema de Stark com a bebida é um ponto chave do personagem até hoje.
46
Moore, Alan - Escritor inglês freqüentemente chamado de “o melhor escritor de quadrinhos do
mundo”. Moore começou a carreira em revistas independentes como 2.000 AD e Warrior, antes de
ser contratado pela DC no final dos anos 70. Muito do trabalho de Moore é marcado por um estilo
transgressivo, como em Lost Girls, de 2007, obra acusada de ser pornografia infantil, ou por
misticismo, como em Promethea, de 2005 em diante, uma introdução as visões filosóficas e
metafísicas de Moore.
51
47
Miller, Frank - diretor e roteirista americano, famoso por obras violentas e cínicas como Sin City,
Ronin e 300. Miller entrou em declínio com o fracasso da minissérie “All Star Batman&Robin”, de
2005, marcada por atrasos e críticas negativas. Este ano publicou a graphic novel “Holy Terror”, em
que um vigilante enfrenta a Al Qaeda. A obra havia sido escrita com o Batman em mente, mas foi
barrada pela DC em 2009.
53
Essa tendência de uma moral relativa no local de uma moral absoluta já fazia
parte da tendência geral nos quadrinhos durante os anos 80, mas passa a ser
exagerada com o sucesso de Watchmen. Nos anos seguintes, se tornam cada vez
mais comuns heróis tão violentos quanto seus inimigos – e cada vez menos tem
problemas em matar.
49
McFarlane, Todd - Desenhista e escritor americano, um dos responsáveis pelo boom de editoras
no inicio dos anos 90. McFarlane ganhou fama com seu trabalho com o Homem-Aranha no final da
década de 80, onde criou o personagem Venom.
55
Combatente Americano, de Rob Liefeld50, uma imitação tão forte do Capitão América
a ponto de que várias páginas foram tracejadas do original; Gen 13, de Jim Lee51,
sobre um grupo de adolescentes perseguidos por terem superpoderes graças as
suas mutações genéticas, a mesma premissa dos X-Men; e os dois heróis de
Liefeld, o Supremo, uma versão brutal e cínica do Super Homem, e Glory, uma
versão mais violenta e erotizada da Mulher Maravilha.
50
Liefeld, Rob - Desenhista americano, Rob Liefeld foi o nome mais bem pago da indústria de
quadrinhos no inicio dos anos 90, e seu traço dinâmico influenciou muito do estilo artístico da época.
Ao final da década, o traço exagerado de Liefeld não era mais bem visto pelo público, e atualmente
Liefeld é conhecido pelo auto declarado título de “O pior desenhista dos quadrinhos”. Além do
trabalho como ilustrador e pelo estilo da década, Liefeld é famoso por ter criado os personagens
Deadpool e Cable.
51
Lee, Jim - desenhista coreano, Lee foi um dos principais responsáveis pela fundação da Image
Comics em 1992, junto com McFarlane. Dentro da Image, Lee tinha seu próprio estúdio, a Wildstorm.
56
Vários títulos também tiveram séries derivadas, como Force Works, uma
versão “proativa” de tolerância zero dos Vingadores, X-Force, X-Calibur, X-Factor e
Novos Mutantes, grupos menores dos X-Men, e o Quarteto Fantástico deu origem a
Fantastic Force – a grande maioria destes títulos não duraram mais do que um ano.
52
Ross, Alex - pintor norte-americano, famoso pelo estilo foto-realista em que retrata os heróis das
HQs. Salvo raras exceções como Kingdom Come e Marvels, Ross trabalha primariamente com
capas, devido ao trabalho lento que seu estilo exige.
57
vigilantes super poderosos travam uma guerra contra o crime sem se importar com
“danos colaterais”. Na trama, o Super Homem se aposenta como super-herói depois
do anti-herói Magog ser inocentado de homicídio devido ao fato da vítima ter sido o
Coringa. No ver do mais antigo dos super heróis, a sociedade fez a sua escolha
entre o homem que se recusa a matar, independente de quem fosse o criminoso, e o
homem que mataria. Ao mesmo tempo em que lida com as conseqüências da ação
de anti-heróis, Kingdom Come é, segundo o autor, uma releitura do apocalipse
bíblico através da ótica dos super-heróis; passagens bíblicas são freqüentes na
narração, e durante o clímax da história, o Super Homem oferece ao Capitão Marvel
a escolha entre salvar os super-heróis de uma bomba nuclear lançada para matá-los
todos, e deixar que a guerra interna destrua o mundo – ou deixar a bomba cair e
deixar a humanidade sem ninguém para servir de protetor – e o herói toma uma
terceira opção, sacrificando sua vida para enfraquecer a bomba, poupando a vida de
alguns super-heróis e morrendo pela falha de todos.
Apesar de ser um pastiche dos anti-heróis dos anos 90, Magog se diferencia
em um ponto importante: enquanto os heróis durões da era da Image não viam
problemas nos seus métodos violentos, Magog demonstra remorso após suas ações
resultarem na morte de milhões no estado do Kansas, e prejudicando a produção de
alimento de todo os EUA. Magog lamenta que o Super homem (como visto na figura
58
13) tenha forçado a população a escolher entre o homem que mataria e aquele que
não mataria – e que por escolher aquele que mataria, agora estavam todos mortos.
No mesmo ano, a Marvel tenta limpar a confusão dos seus títulos com o
macro-evento Massacre, no mesmo molde que a DC seguiu em “Crisis on Infinite
Earths”, em 1985. Seguindo a “morte” da grande maioria dos personagens da
editora contra o nunca antes visto vilão, a Marvel tenta reinventar seus personagens
com a linha “Heróis Renascem”, com arte de Rob Liefeld, o conjunto de histórias
publicado entre 1996 e 1997 visava contar a nova origem dos heróis da editora, no
que iria ser o novo universo Marvel, porém em 1998, todos os personagens estavam
novamente na mesma continuidade de antes, com poucas – ou as vezes nenhuma
alteração.
Ainda como parte do ciclo do “Massacre”, a Marvel tem sua própria crítica aos
anti-heróis da década com a série “Thunderbolts: Justice Like Lightining”, de Kurt
Busiek53, em 1997 – enquanto o padrão dentro do mainstream de quadrinhos nos
anos anteriores havia sido colocar heróis em comportamentos nada heróicos – e as
vezes mais parecido com o dos vilões – Busiek inverteu o jogo ao colocar uma série
de super vilões, liderados pelo nazista Barão Zemo, para atuarem como heróis – e
gostando. Se o tema de séries como Force Works era que vilania tinha que ser
respondida com força extrema, o tema de Thunderbolts era a redenção – e como
esta estava ao alcance de todos, conforme o plano inicial de conseguir a confiança
do público e usar ela para controlar o país era deixado de lado para atos sinceros de
heroísmo.
53
Busiek, Kurt - escritor americano, famoso por sua releitura “através de olhos comuns” do universo
Marvel com a minissérie Marvels, e pela série Astro City, publicada pelo selo Homage Comics da
Image em 1995.
59
54
Millar, Mark - Roteirista escocês, vencedor dos prêmios Stan Lee de 2007. Millar escreveu vários
títulos marcados por doses elevadas de violência, como Wanted, Kick-Ass e The Ultimates – releitura
dos vingadores para o universo Ultimate – assim como obras polêmicas como The Unfunnies, entre
2004 e 2007.
55
Ellis, Warren - escritor inglês de quadrinhos, televisão e ficção cientifica, famoso por temas
socioculturais e transhumanistas. Além de Authority, entre suas obras se destacam
Transmetropolitan, sobre um jornalista “gonzo” em uma versão distopica dos EUA, um dos mais bem
sucedidos títulos não heróicos da DC comics, durando entre 1995 e 2002, e a série em animação G.I
Joe Resolute, adaptação para a Web da linha de brinquedos dos anos 80 e 90.
60
ponto zero. Até mesmo a linha Marvel Ultimate – que se propunha a ser um
“recomeço” e uma tabula rasa passou por seu mega-evento, Ultimatum, em 2009.
E como ocorreu nos anos 90, vários desses eventos resultaram na morte de
personagens clássicos e sua substituição por novos – dois casos em particular
foram a morte do Batman durante a Crise Final, dando início a série a “A Batalha
pelo Capuz”, que terminou com o primeiro Robin assumindo o cargo, e a morte de
Peter Parker nos quadrinhos da linha Marvel Ultimate, que resultou no novo Homem-
Aranha Ultimate, o negro porto riquenho Miles Morales.
Embora a grande maioria dos heróis da era de ouro dos quadrinhos sejam
claramente ‘ícones’ da identidade americana, são poucos que se destacam mais
claramente nessa função do que o Capitão América. Criado pelos então militares
Jack Kirby e Joe Simon em dezembro de 194057, sob o selo da editora Timely
Comics, o Capitão América é um exemplo do que Knowles chama de o herói
messiânico. No caso específico do Capitão América, esse messianismo se dá em
nome de uma idéia clara, o conceito da liberdade individual.
57
Vale notar que os EUA só entrariam oficialmente na Segunda Guerra Mundial em dezembro de
1941, após o ataque a base naval de Pearl Harbor.
58
Alemanha, Itália e Japão.
59
O número de tentativas foi alterado várias vezes ao longo dos anos (nota do autor).
62
60
Na edição original, de 1940, o nome do cientista era Josef Reinstein. Uso o nome atual para fins de
consistência.
61
Literalmente: a primeira edição do personagem afirma abertamente que Rogers sofre de
raquitismo.
63
e junto com o doutor, perde-se a formula. Para aproveitar o único super-soldado que
conseguiram, o governo americano cria uma identidade super-heróica para Rogers,
e ao mesmo tempo lhe instruem a se disfarçar como um recruta atrapalhado na base
militar de Camp Leigh. O engodo do Capitão América tinha uma finalidade dupla nos
quadrinhos. A primeira era ocultar a localização do verdadeiro Capitão América, ao
colocar múltiplos capitães como ícones publicitários, enquanto o verdadeiro
trabalhava na contra-inteligência, expondo e anulando operações nazistas. A
segunda era criar um “ícone de propaganda”, uma imagem pela qual tanto os EUA
quanto seus inimigos se identificassem.
Como todo herói da era de ouro dos quadrinhos, o Capitão América tinha seu
parceiro, o jovem James Buchanan “Bucky” Barnes, um jovem recruta que era quase
que uma “mascote” da base. Barnes descobriu o segredo de Rogers por acidente, e
para manter seu disfarce, o Capitão aceita treinar o jovem como parceiro. Na
adaptação cinematográfica do personagem, Bucky foi reescrito como um amigo mais
velho de Rogers, que já estava servindo no exército enquanto o futuro Capitão
América tentava ludibriar o recrutamento para servir.
Se a idéia por traz da identidade como Capitão América era servir como ícone
publicitário, na visão de Knowles o uniforme do herói – fruto dentro das revistas de
um desenho produzido por Rogers – remetia a mitologia.
Enquanto Rogers servia como o “ícone” dos EUA e por extensão, dos aliados,
dentro dos quadrinhos da Timely, na quarta edição de Captain America Comics os
leitores são introduzidos a sua contra parte nazista – o Caveira Vermelha. Enquanto
Rogers era uma espécie de avatar dos EUA, Johann Schmidt, o Caveira, era o
mesmo pelo autoritarismo nazista. Além de Schmidt, durante os anos da Segunda
Guerra Mundial o Capitão América enfrentou espiões alemães, italianos e
japoneses, assim como criminosos fantasiados dentro dos EUA.
65
65
Antes aliado do Incrível Hulk.
66
Wilson aparece pela primeira vez em Captain America # 117, de setembro de 1969.
67
A exemplo do esquimó “Tortinha”, ajudante do Lanterna Verde, alvo de piadas raciais por parte do
herói.
67
68
Capitain America #175, julho de 1974.
68
que não tem pátria – e parte em uma jornada pelos EUA em busca de identidade.
Enquanto o uniforme do Capitão América era repleto de iconografia patriótica, o
uniforme de Rogers como o Nômade dispensava qualquer símbolo nacional,
optando por um traje azul escuro simples com uma capa, como visto na figura 15. A
nova identidade durou apenas cinco edições: ao final de Captain America # 184,
Rogers volta a ser o Capitão América, após conhecer o país e ver o verdadeiro
inimigo interno. Antes, o Capitão América representava a “América” como nação,
agora, era uma representação de algo diferente: aquilo que os EUA deveriam ser.
Talvez este seja o ponto de virada mais importante para o Capitão América: a
constatação de que a lealdade aos ideais de liberdade, igualdade e democracia que
ele julgava serem os ideais americanos não implicava em lealdade ao governo, a
bandeira ou sequer ao povo. Essa caracterização foi mantida desde então: anos
após retornar ao título, Rogers é interrogado por um general sobre se ele estava
contra os EUA ou do lado deles, Rogers responde de maneira sucinta: “I'm loyal to
nothing, General... except the Dream.” (Daredevil #233, 1986).
Essa lealdade aos ideais e não a bandeira ou ao governo seria explorada com
maior intensidade na revista What If? # 44, intitulada “What If Captain America were
revived today”, de 1984. Na trama escrita por Peter Gillis e passada em uma
continuidade alternativa, um falso Capitão América, a serviço do Império Secreto,
69
clama para o país voltar aos velhos tempos, em que se tinha um verdadeiro senso
de patriotismo e não se permitia que imigrantes, minorias e estudantes de esquerda
“queimassem a bandeira”. O falso Capitão pede pela destruição dos “inimigos da
liberdade” – incluindo todos aqueles que questionem o governo.
A ação do farsante leva a protestos, respondidos com um estado de sítio e
um golpe de Estado, até a hora que o verdadeiro capitão é reanimado. Após ter
noção da situação, Rogers invade o comício do farsante, e após derrotar o imitador,
destrói a sua argumentação:
Ouçam a mim – todos vocês! Lhes foi dito por esse homem - o seu herói -
que a America é o melhor país do mundo! Ele lhes disse que os americanos
eram o melhor dos povos – que a America podia ser refinada como prata,
podia ter suas impurezas marteladas para fora, e brilhar mais forte! Ele
discursou sobre como a America era preciosa – como vocês tinham que
garantir que ela continuasse grande! E ele lhes disse que qualquer coisa era
justificada para preservar aquele grande tesouro, aquela pérola valiosa que
é a America! Bem, eu lhes digo que a America é nada!! Sem seus ideais –
seu comprometimento com a liberdade de todos os homens, a America é
um pedaço de lixo! Uma nação não é nada! A bandeira não passa de um
pedaço de pano! Eu lutei contra Adolf Hitler não porque a America era
grande, mas porque era fragil! Eu sabia que a liberdade aqui poderia ser
apagada tão facilmente quanto na Alemanha nazista! Como pessoas, não
éramos diferente deles! Aí eu retornei, e vi que vocês quase tornaram a
América em um nada! E a única razão que vocês não são menos do que
nada – é porque ainda é possível para vocês devolveram a liberdade para a
América! (What If?, #44, 1984)
“You are as good and decente a man as I’ve ever known! They can’t corrupt
your love for Michael with their lies… They’re the pariahs! They are the
disesase!” (Captain America # 270, 1982)
72
69
Captain America # 332, agosto 1987
73
da série “Os Supremos”, de Mark Millar. Durante o conflito inicial com o terrorismo
islâmico, Rogers se vê forçado pelas circunstâncias a matar o líder terrorista Al
Tariq. O arco todo de história pós 11/9 foi altamente criticado pela maneira
complacente como o Capitão América lidou com o terrorista.
Enquanto o país como um todo estava envolto na reação – frequentemente
violenta – aos atentados, o Capitão estava mais ocupado com o papel dos EUA na
propagação da violência que levou aos atentados. Enquanto Al Tariq continua a
bombardear o Capitão com acusações de complacência com a violência cometida
pelos EUA, Rogers relembra a discriminação e o elitismo que levou a segunda
Guerra Mundial – e como a atitude dos EUA em relação aos islâmicos está seguindo
na mesma direção que a dos alemães sobre os judeus. Não é a toa que a revista
fora criticada, portanto: para quem ainda estava envolto na aura do atentado, era
fácil ver a questão como um simples problema de bem e mal – e ver a tentativa do
roteirista John Ney Rieber de quebrar essa simplificação como uma apologia aos
terroristas.
Após a morte de Al Tariq, Rogers revela sua identidade perante o mundo,
como forma de tentar dar um fim ao ciclo de violência. Ao dar um rosto ao
“assassino” de Al Tariq, Rogers assume a autoria da morte – fora Steve Rogers, e
somente Steve Rogers o culpado pela morte de Al Tariq, não o governo americano,
muito menos o povo. Não seria mais uma questão de dois países ou duas ideologias
em conflito, mas duas pessoas. O plano, infelizmente, falha.
Aqui temos mais um exemplo de como a caracterização do Capitão América
não a da defesa dos EUA, mas de um conjunto de ideais. Enquanto uma visão mais
afastada pode tranquilamente resultar na impressão de que é uma simples questão
de “terroristas malvados”, a visão do Capitão América é outra: os terroristas não são
o problema, mas sim o sintoma de uma doença que envolve profundamente os EUA.
Ao perceber isso, o herói conclui que o atentado contra as torres gêmeas não era
diferente do que os EUA e a Inglaterra fizeram com a cidade de Dresden na
segunda guerra mundial. “Dresden. You didn’t understand what we’d done here until
September the Eleventh. These people weren’t soldiers. They huddled in the dark.
Trapped” (Captain America: The new deal #4, 2003).
aponta para um problema muito mais complexo do que os limites de uma revista de
super-heróis poderia definir. Nesse aspecto, o Capitão América talvez seja o herói
mais anti-americano de todos: enquanto o restante das revistas ou ignoravam a
questão, ou se ocupavam em mostrar heróis bravamente derrotando terroristas, The
New Deal mostrava o Capitão América concluindo que a América era o verdadeiro
terrorista.
A partir de 2004, o personagem passa a ser escrito por Ed Brubaker 70, que re-
introduz o Caveira Vermelha, e traz o antigo parceiro do Capitão América, Bucky
Barnes, de volta a vida como o espião russo Soldado Invernal. Durante o período de
autoria de Brubaker – que continua como principal roteirista do título – o
personagem volta a lidar com a corrupção política, e com o fanatismo.
Porém, o período de maior destaque do Capitão América na primeira década
do século XXI viria por outro escritor. Entre 2006 e 2007, o Capitão América foi um
dos dois personagens centrais da minissérie “Guerra Civil”, do inglês Mark Millar – o
grande “evento” dos quadrinhos da Marvel entre 2006 e 2007, e cuja trama abrangia
todos os títulos da editora.
Na série, uma explosão causada na cidade de Stanford, Connecticut, pela
ação irresponsável de um grupo de super-heróis resulta na morte de 600 civis entre
eles 60 crianças de uma escola primária vira a opinião pública contra os super-
heróis. Dentro do universo Marvel as tensões contra os super-humanos já estavam
elevadas como conseqüência de outras tramas de destaque da editora, que iam
desde um ataque do Hulk contra Las Vegas, até um golpe de estado contra a nação
européia da Latvéria71, envolvendo a participação de vários super-heróis de
destaque.
Frente à situação, o governo americano aprova o Super Human Registration
Act, que obriga todos os super-humanos a se registrarem junto ao governo, e a
escolherem entre serem funcionários públicos – ou serem presos na prisão extra-
70
Brubaker, Ed: roteirista de quadrinhos americano, trabalha primariamente com quadrinhos sobre o
crime, em tramas de baixo nível de fantasticidade. Brubaker recebeu três prêmios Eisner por seu
trabalho com o Capitão América, além de vários outros prêmios,
71
Governada pelo vilão Doutor Destino, o país fictício da Latvéria tem mais importância nos
quadrinhos do Quarteto Fantástico.
75
72
Civil War #1, 2006.
76
in our position need accountability. Someone who, if I'd killed those men, would have
thrown me in jail where I belonged.” (Iron Man Captain America Casualties of War
Vol 1 #1, fevereiro 2007).
Embora o Capitão já estivesse posicionado contra o governo desde seu curto
tempo como o Nômade, é em Guerra Civil que essa posição se torna mais
extremada: enquanto em outras histórias o personagem se desligava do governo, ou
tomava ações independentes contra os desejos da casa branca, aqui o personagem
passa a ativamente combater o governo e uma lei que vê como injusta. Essa
determinação de preservar os seus ideais, independente se eles têm apoio é
resumida em discurso com o Homem-Aranha – que neste ponto estava do lado do
Homem de Ferro:
“Doesn't matter what the press says. Doesn't matter what the politicians or
the mobs say. Doesn't matter if the whole country decides that something
wrong is something right. This nation was founded on one principle above all
else: the requirement that we stand up for what we believe, no matter the
odds or the consequences. When the mob and the press and the whole
world tell you to move, your job is to plant yourself like a tree beside the river
of truth, and tell the whole world - "No, you move."” (Amazing Spider-Man
#537, Janeiro 2007)
73
Para referência: heróis de rua se refere aqueles personagens, em geral de baixo poder, cujas
tramas costumam envolver crimes comuns, como assaltos, tráfico de drogas e corrupção. Já o meu
uso de “pesos-pesados” se refere a heróis de maior nível de poder, que costumam enfrentar
alienígenas, super vilões e outras ameaças fantásticas.
77
74
Por envolver todo o universo Marvel, eventos da Guerra Civil foram escritos por vários autores,
resultando em inconsistências, mas o caráter totalitário da prisão 42 veio das edições do próprio Mark
Millar.
78
75
Captain America, vol. 1 #323, novembro de 1986.
76
Captain America #347, 1988.
80
estar errado, e em suas primeiras histórias como o Capitão América, quase serviu
como um peão do Caveira Vermelha justamente por esta falta de senso crítico.
Porém esse caráter de crítica ao patriotismo cego foi atenuado quando passou a ser
escrito por outros autores além de Gruenwald.
77
Thunderbolts Annual 1997
81
78
Thunderbolts # 105
79
Thunderbolts # 108
80
Captain America # 608, agosto 2010.
83
81
Fallen Son: The Death of Captain America #3, Julho 2007.
82
Captain America Volume 5 #31 – 35 (Dezembro 2007 – março 2008).
83
Elemento fictício quase indestrutível, do qual é feito o escudo do Capitão América.
84
Versões de continuidades alternativas do Capitão América usaram armas de fogo por mais tempo.
84
como sendo não Steve Rogers, mas o professor de história Michael Burnside, um fã
do original que usou uma versão experimental do soro para assumir o cargo – e
enlouqueceu no processo. Burnside era tão fervoroso em sua tentativa de assumir o
papel de Steve Rogers que chegou a fazer cirurgias plásticas para se tornar idêntico
ao seu ídolo. Enquanto Rogers fora escolhido pelo exército para combater a ameaça
nazista, Burnside foi escolhido pelo FBI para combater os ‘inimigos internos’ dos
EUA.
Mesmo no curto período em que era considerado pelos editores como sendo
o Capitão América, Burnside era muito mais violento do que seu antecessor:
Enquanto na segunda Guerra Mundial o inimigo eram os agentes diretos dos
nazistas, agora o Capitão enfrentava simpatizantes do comunismo e uma versão
comunista do seu arqui inimigo, o Caveira Vermelha. Enquanto seu retorno nos anos
70 é claramente uma crítica a paranóia McCarthista e anti-movimentos sociais
vigente nos anos 50, a versão original é um tanto ambígua, podendo tanto ser uma
reprodução do discurso paranóico desta época, como uma sátira do mesmo
discurso, levado ao extremo até no subtítulo, “O Esmagador de Comunistas”.
Entre 1953 e seu retorno em 1974, dentro do universo Marvel o personagem
esteve mantido em animação suspensa. Em seu retorno, sob o controle mental do
Doutor Faustus – um dos agentes do Caveira Vermelha, Burnside assume o nome
de Grão Diretor, e começa uma campanha de terror contra os “inimigos da América”,
assumindo a liderança do grupo terrorista Força Nacional. Neste retorno do
personagem a Marvel escalou o radicalismo do Esmagador de Comunistas,
revelando que antes do FBI cancelar o projeto do segundo Capitão América,
Burnside e seu próprio Bucky, Jack Monroe estavam atacando civis nas ruas por
questões raciais, por manifestarem opiniões diferentes das deles e por não lhes
mostrarem ‘o devido respeito’.
Burnside aparentemente morre queimado em combate com o Capitão
América original, e seu corpo é levado em custódia pelo FBI. Anos depois, o vilão é
reanimado pelo Caveira Vermelha e hipnotziado pelo Doutor Faustus, em mais um
plano para usar a imagem do Capitão América para levar um político da extrema-
direita conservadora ao poder. Depois de revelado o engodo, Burnside passa pelo
mesmo processo de alienação passado por Rogers após perder 20 anos de sua vida
congelado. Mas enquanto Rogers se sente enojado com a corrupção, o discurso
supremacista e o imperialismo americano, Burnside se irrita com o multiculturalismo
86
85
Captain America Volume 5 #42.
86
Captain América #602 – 604. Fevereiro a Abril de 2010 ( Burnside havia trabalhado junto ao grupo
em Captain America #335 (Nov 1987).
87
Captain America # 153, setembro de 1972.
87
93
Um anagrama de Red Skull – caveira vermelha em inglês.
94
The Avengers Volume 3 # 65, maio 2003.
95
Artefato alienígena recorrente na Marvel.
5 Considerações Finais
conservador do Tea Party, e embora o movimento Ocupe Wall Street ainda não
tenha sido referenciado nas HQs do herói, a trajetória do personagem até aqui
parece indicar que se ocorrer essa menção, o personagem estaria apoiando, mas
resta esperar para ver.
Assim sendo, não são apenas as Graphic Novels que podem ser
consideradas literatura crítica dentro do meio de quadrinhos: embora essa
profundidade esteja escondida sob uma roupagem de “bem e mal”, a narrativa de
super-heróis também existe como comentário social e político, e seu
desenvolvimento se dá como reflexo – as vezes tardio, as vezes precoce – dos
problemas e das questões debatidas na sociedade americana, e por isso, a crítica e
a identidade representada pelos quadrinhos de super-heróis estaria intimamente
ligada ao Status Quo dos EUA. E como consequência da popularidade desta forma
narrativa, o discurso social e político americano se dissemina pelo globo, afetando e
homogeneizando as identidades globais começando pela população jovem. O
mesmo ocorre devido ao cinema, a música e a televisão. Ambas as questões – o
desenvolvimento da narrativa dos super heróis, e a influência desta narrativa na
identidade social global – merecem mais estudos, com enfoques talvez diferentes do
que foi dado neste.
Referências
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Contemporary Culture, Bowling Green, 2003, p.? - ?
92