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FIXAÇÃO DA

PENA-BASE
Professor Alexandre Salim
@profalexandresalim
FIXAÇÃO DA
PENA-BASE
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos an-
tecedentes, à conduta social, à personalidade do
agente, aos motivos, às circunstâncias e consequ-
ências do crime, bem como ao comportamento da
vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e
suficiente para reprovação e prevenção do crime

Art. 59
I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena,
se cabível.

1. REGRAS GERAIS

Na primeira fase o juiz fixará a pena-base dentro dos limites legais


e segundo as circunstâncias judiciais. A lei não dispõe sobre o quantum
de cada circunstância judicial. Fica a critério do juiz, mas deve haver pro-
porcionalidade no sopesamento e análise de cada uma das oito circunstân-
cias. Se inexistentes circunstâncias judiciais desfavoráveis, a pena-base
deve ser fixada no mínimo legal.
Apesar de haver posicionamentos em sentido contrário, nada
impede que a pena-base seja fixada no máximo: “Para a fixação da
pena-base no máximo legal é imprescindível que se proceda à devida fun-
damentação, ou seja, que o quantum estabelecido obedeça o princípio da
razoabilidade e que esteja amparado em dados concretos e nas circuns-
tâncias insertas no art. 59 do Código Penal” (STJ, 5ª T., HC 102.569).
Ainda:

“É válida a imposição da pena-base no quantum máximo previsto


para o delito pelo qual o paciente foi condenado, porquanto foram indica-
dos elementos demonstrativos da particular e acentuada reprovabilidade
da conduta perpetrada pelo réu – estupro contra criança, com violência real
e presumida, em que ocorreu a transmissão de doença incurável e possi-
velmente letal à vítima – e das consequências gravosas dela decorrentes –
limitações permanentes à ofendida, além de severo trauma psicológico”
(STJ, 6ª T., HC 335.748, j. 14/11/2017).

Sobre o tema é esclarecedora a seguinte decisão do STF: “A quanti-


dade da pena-base, fixada na primeira fase do critério trifásico (CP, arts. 68
e 59, II), não pode ser aplicada a partir da média dos extremos da pena
cominada para, em seguida, considerar as circunstâncias judiciais favorá-
veis e desfavoráveis ao réu, porque este critério não se harmoniza com o
princípio da individualização da pena, por implicar num agravamento prévio
(entre o mínimo e a média) sem qualquer fundamentação.

O Juiz tem poder discricionário para fixar a pena-base dentro dos


limites legais, mas este poder não é arbitrário porque o caput do art. 59 do
Código Penal estabelece um rol de oito circunstâncias judiciais que devem
orientar a individualização da pena-base, de sorte que quando todos os
critérios são favoráveis ao réu, a pena deve ser aplicada no mínimo comi-
nado; entretanto, basta que um deles não seja favorável para que a pena
não mais possa ficar no patamar mínimo.

Na fixação da pena-base o Juiz deve partir do mínimo cominado,


sendo dispensada a fundamentação apenas quando a pena-base é fixada
no mínimo legal; quando superior, deve ser fundamentada à luz das
circunstâncias judiciais previstas no caput do art. 59 do Código Penal, de
exame obrigatório” (HC 76196).
Apesar de o juiz iniciar a aplicação da pena analisando as
circunstâncias judiciais, elas possuem natureza residual e somente serão
levadas em consideração no quantum se não constituírem qualificadoras
ou privilegiadoras, causas de aumento ou de diminuição, agravantes ou
atenuantes.

Se houver qualificadora (circunstância que altera o mínimo e máximo


da pena), os limites legais serão alterados, refletindo em todo o processo
dosimétrico. Ex.: o homicídio simples é punido com pena de reclusão de 6
a 20 anos; havendo uma qualificadora, a pena reclusiva passa a ser de 12
a 30 anos.

No caso de pluralidade de qualificadoras (ex.: feminicídio prati-


cado por motivo torpe), tem-se os seguintes posicionamentos:

1º) Uma será utilizada para qualificar o crime, devendo as demais ser
consideradas na segunda fase da aplicação da pena, como circunstâncias
agravantes, se previstas em lei. Não havendo previsão como agravantes,
devem ser utilizadas como circunstâncias judiciais desfavoráveis na primei-
ra fase.

Nesse sentido: “Segundo jurisprudência deste Tribunal, uma vez


reconhecida mais de uma qualificadora, uma delas implica o tipo qualifica-
do, enquanto as demais podem ser utilizadas para agravar a pena na
segunda fase da dosimetria, caso previstas no art. 61 do Código Penal, ou
ensejar, de forma residual, a exasperação da reprimenda-base” (STJ, 6ª T.,
AgRg no REsp 1720767, j. 09/10/2018).
Considera-se nessa fase o grau de culpabilidade (juízo quantitativo),
tendo em mente que restou para trás o juízo qualitativo da culpabilidade.

Na mesma ótica, Juarez Cirino dos Santos (Direito Penal: parte geral.
Curitiba: Lumen Juris, 2007, p. 562), após ressaltar a diferença entre juízo
qualitativo e juízo quantitativo de culpabilidade, esclarece que são os
seguintes os parâmetros a serem observados na análise desta:

a) graduação do nível de consciência do injusto no psiquismo do autor; e


b) grau de exigibilidade de comportamento diverso de autor consciente
de tipo de injusto.

Ou seja, verifica-se o grau da capacidade de entendimento da ilicitu-


de do fato e o grau de autodeterminação.

Como decidiu o STF?


“O constrangimento surge, contudo, da ilegalidade da majoração da
pena-base pela culpabilidade considerada ‘incisiva’, ao fundamento de que
o recorrente era ‘plenamente imputável, cônscio da reprovabilidade de sua
conduta, sendo que outra lhe era exigida’.

Confundiu-se, no ponto, a culpabilidade a que se refere o art. 59 do


C. Penal com o elemento subjetivo da infração penal, que a doutrina discu-
te ser pressuposto de aplicação da pena (teoria bipartida) ou elemento do
crime (teoria tripartida)” (1ª T, RE 427339, j. 05/04/2005).
2º Aplica-se uma como qualificadora e as demais deverão ser considera-
das como circunstâncias judiciais (1ª fase).

As últimas não devem ser utilizadas como circunstâncias agravantes


(2ª fase), já que estas serão aplicadas somente se não qualificarem o
crime.

2. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS

2.1. Culpabilidade

Trata-se do juízo de censurabilidade que recai sobre o fato típico e


ilícito realizado pelo agente. Para Delmanto, “deve aferir-se o maior ou
menor índice de reprovabilidade do agente pelo fato criminoso praticado,
não só em razão de suas condições pessoais, como também em vista da
situação de fato em que ocorreu a indigitada prática delituosa, sempre
levando em conta a conduta que era exigível do agente, na situação em
que o fato ocorreu” (Código Penal Comentado, p. 273).

A imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade


de conduta diversa (componentes da culpabilidade) são aferidas pelo juiz
na análise de um dos extratos do crime e, por consequência, para lastrear
a condenação. Tem-se aqui um juízo qualitativo. Posteriormente, na fixa-
ção da pena, o julgador irá se deparar novamente com a culpabilidade.
Porém, nesse momento, para que não ocorra o odioso bis in idem, não irá
repetir o mesmo juízo da culpabilidade que fundamenta a condenação.

1
“(...) considerando as circunstâncias subjetivas e objetivas, temos a possibilidade de coexistência
entre as qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio. Isso porque a natureza do motivo torpe é subje-
tiva, porquanto de caráter pessoal, enquanto o feminicídio possui natureza objetiva, pois incide nos
crimes praticados contra a mulher por razão do seu gênero feminino e/ou sempre que o crime estiver
atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita, assim o animus do agente não é objeto de
análise” (STJ, 5ª T., AgRg no REsp 1741418, j. 07/06/2018).
A circunstância judicial culpabilidade não era prevista antes da refor-
ma penal de 1984. Sua introdução veio substituir o critério “intensidade do
dolo ou grau de culpa”.

Diante desse cenário, discute-se se esses critérios ainda poderão ser


levados em consideração na fixação da pena-base.

Para Nucci, não se pode desprezá-los, mas, para tanto, esses dados
devem ser verificados no campo da personalidade do agente ou da motiva-
ção (Individualização da pena. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007, p. 174).

De acordo com Bitencourt, maior será a censura quanto maior for a


intensidade do dolo (Tratado de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2011, p.
664). Para Luiz Flávio Gomes e Antonio Molina, deve ser observada pelo
juiz “a posição do agente frente ao bem jurídico violado: (a) de menosprezo
total (que se dá no dolo direto); (b) de indiferença (que ocorre no dolo even-
tual) e de (c) descuido (que está presente nos crimes culposos)” (Direito
Penal. Parte Geral. Vol. 2, p. 514).

O dolo é aferido para fins da tipicidade da conduta. Assim, parte da


doutrina sustenta que não há de ser considerado no momento da dosime-
tria da pena. Em sentido contrário, sustenta-se que é perfeitamente possí-
vel a aferição do grau ou intensidade do dolo na fixação da pena.

Nesse sentido: “A elevação da pena-base sob o título da culpabilida-


de restou suficientemente fundamentada, haja vista a constatação que o
paciente, além de desferir vários tiros contra as vítimas, muitos deles foram
realizados pelas costas, o que demonstra maior grau de reprovabilidade da
conduta e a intensidade do dolo do agente” (STJ, 5ª T., HC 298714, j.
15/09/2016);
“A intensidade do dolo é circunstância a ser valorada na fixação da
pena-base, porquanto diz respeito ao juízo de reprovação ou censura da
conduta, que deve ser graduada no momento da individualização da repri-
menda” (STJ, 5ª T., AgRg no REsp 1529699, j. 19/06/2018);

“Plenamente justificada a negativação da culpabilidade do paciente,


porquanto, após discussão com a vítima, bateu com a sua cabeça diver-
sas vezes na parede e a enforcou, manifestando intensidade extraordiná-
ria do dolo. As particularidades do caso concreto dão conta de que a gravi-
dade do fato desborda dos feitos da mesma natureza, de modo que o des-
valor dessa vetorial deve ser mantido tal como operado pelas instâncias de
origem” (STJ, 5ª T., HC 459335, j. 26/02/2019).

2.2. Antecedentes

São os fatos (considerados crimes) anteriormente praticados pelo conde-


nado.

Discute-se se inquéritos policiais e ações penais em andamento


podem ser utilizados como antecedentes. Segundo posicionamento do
STJ, essa situação violaria o princípio da presunção de inocência ou da
não-culpabilidade.

A matéria é objeto da Súmula 444 do STJ: “É vedada a utilização de


inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.

No RE 591054, decidindo o tema 129 da Repercussão Geral, o STF


firmou a tese de que a existência de inquéritos policiais ou de ações penais
sem trânsito em julgado não pode ser considerada como maus anteceden-
tes para fins de dosimetria da pena.

Idem: “O Pleno do STF, ao julgar o RE 591.054, com repercussão


geral, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, firmou orientação no sentido
de que a existência de inquéritos policiais ou de ações penais sem trânsito
em julgado não pode ser considerada como maus antecedentes para fins
de dosimetria da pena” (STF, 2ª T., HC 151431, j. 20/03/2018).
Atenção: já caiu em prova.
(CESPE – 2018 – Polícia Federal – Delegado de Polícia Federal)

“Valter, maior e capaz, foi preso preventivamente em uma das


fases de uma operação policial. Ele já era réu em outras três ações
penais e estava indiciado em mais dois outros IPs. Nessa situação, as
ações penais em curso podem ser consideradas para eventual agrava-
mento da pena-base referente ao crime que resultou na prisão preven-
tiva de Valter, mas os IPs não podem ser considerados para essa
mesma finalidade”.

Gabarito: incorreta.

(CESPE – 2016 – TJ-DFT – Juiz de Direito)

“Embora seja vedada a utilização de inquéritos policiais em


andamento para aumentar a pena-base, é possível a utilização de ações
penais em curso para requerer o aumento da referida pena”.

Gabarito: incorreta.

Condenação que gera reincidência:


Pode ocorrer que a condenação pela prática de um crime ante-
rior gere reincidência. Nesse caso, será considerada na segunda fase
como circunstância agravante (art. 61, I, do CP).

A utilização da mesma condenação para fins de maus antecedentes


(1ª fase) e reincidência (2ª fase) viola o princípio do non bis in idem.
Sobre o tema deve-se observar o teor da Súmula 241 do STJ:
“A reincidência penal não pode ser considerada como circuns-
tância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial”.
Porém, não haverá violação a utilização de condenações distin-
tas e com trânsito em julgado.

Nesse sentido: “Em relação à utilização das condenações pre-


téritas para valorar os maus antecedentes na primeira fase, bem
como para agravar a pena na segunda fase, a título de reincidência,
verifica-se que o paciente possui duas condenações diversas transi-
tadas em julgado.

Dessa forma, não há ilegalidade em utilizar uma delas na


primeira fase e a outra na segunda fase” (STJ, 5ª T., EDcl no HC
335267, j. 04/10/2016).

Idem: “(...) Quanto ao paciente Francisco, por possuir três con-


denações transitadas em julgado, é possível a utilização de duas
delas para exasperar a pena-base, a título de maus antecedentes, e
outra para configurar a reincidência, sem que haja bis in idem” (STJ,
5ª T., HC 435713, j. 04/09/2018).

Existe posicionamento não predominante no sentido de que a


análise dos antecedentes e da conduta social afronta o princípio da
secularização, demonstrando a ideia de culpabilidade de autor (direi-
to penal do autor) em detrimento da culpabilidade de fato (direito
penal do fato). Asseveram Salo de Carvalho e Amilton Bueno:

“Se no juízo da culpabilidade, como vimos, já existe forte ten-


dência em subverter o direito penal do fato em prol de um direito
penal do autor, quando da avaliação dos antecedentes e da conduta
social esta opção fica nítida. A eleição legal é fortalecida ainda mais
pela obrigatoriedade de o magistrado valorar a personalidade do
autor do fato” (Aplicação da Pena e Garantismo, p. 53).
Existe divergência acerca da utilização dos atos infracionais
na dosimetria da pena.

Prevalece no STJ a impossibilidade de aumento da pena-base:


“Nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior, os atos infra-
cionais anteriormente registrados pelo sentenciado, por não configu-
rarem infrações penais, são inidôneos para subsidiar o aumento da
pena base, seja a título de maus antecedentes, personalidade desfa-
vorável ou conduta social inadequada” (STJ, 5ª T., HC 406.943, j.
14/09/2017); “(...) 3. Não é possível a utilização de atos infracionais
anteriores como fundamento para majorar a pena-base no âmbito
penal. Precedentes” (STJ, 6ª T., HC 465647, j. 18/10/2018).

Obs.:
“(...) esta Corte Superior de Justiça possui entendimento de que
a prática de atos infracionais, apesar de não poder ser considerada
para fins de reincidência ou maus antecedentes, serve para justificar
a manutenção da prisão preventiva para a garantia da ordem pública”
(STJ, 5ª T., HC 487672, j. 26/02/2019).

No entanto, “Não é idôneo à decretação da preventiva o funda-


mento da possível reiteração criminosa ‘quando se observa a
menção ao cometimento de atos infracionais de forma genérica e
sem dados concretos’” (STJ, 5ª T., RHC 106795, j. 12/03/2019).

2.3. Conduta social

Compreende o comportamento do agente no meio familiar, no


ambiente de trabalho e no relacionamento com outros indivíduos.
Vale dizer, os antecedentes sociais do réu não se confundem com os
seus antecedentes criminais. São vetores diversos, com regramentos
próprios.
Nesse sentido: “A Quinta Turma deste Superior Tribunal de Jus-
tiça em recente decisão, e ao alterar seu posicionamento sobre o
tema, decidiu que é inidônea a utilização de condenações anteriores
transitadas em julgado para se inferir como negativa a personalidade
ou a conduta social do agente (...)” (STJ, 5ª T., HC 411.657, j.
21/11/2017). Idem: STF, 2ª T., RHC 130132, j. 10/05/2016.

Ressalte-se que, se nem mesmo condenações criminais defini-


tivas devem ser consideradas como conduta social, com maior razão
não há de se considerar eventuais inquéritos policiais e processos
penais em andamento, nos termos da Súmula 444 do STJ.

O desemprego e a ausência de vínculo empregatício não


podem servir de fundamento para exasperar a pena-base: “A circuns-
tância judicial da conduta social não pode ser negativada tão somen-
te pela ausência de vínculo empregatício. O fato de o acusado não
possuir emprego fixo também não constitui argumento apto a autori-
zar a elevação da pena-base a título de má conduta social, tendo em
vista que, diante da realidade social brasileira, a falta de emprego é,
na verdade, um infortúnio da maior parte da população, e não algo
tencionado (HC n. 226.547/RJ, de minha relatoria, Sexta Turma,
DJe 14/12/2012)” (STJ, 6ª T., REsp 1541722, j. 03/05/2016).

Há necessidade de prova concreta de desvio de natureza com-


portamental: “A conduta social, por sua vez, corresponde ao compor-
tamento do réu no seu ambiente familiar e em sociedade, de modo
que a sua valoração negativa exige concreta demonstração de desvio
de natureza comportamental” (STJ, 5ª T., HC 472150, j. 06/11/2018).

2.4. Personalidade

São as características psicológicas da pessoa. É formada de


modo gradual e determinará a individualidade pessoal e social.
Apesar de ainda ser majoritária nos Tribunais a possibilidade da
aplicação desta circunstância, trata-se, para parte minoritária da dou-
trina e da jurisprudência, de afronta ao princípio da culpabilidade do
fato. Isto porque a pessoa não pode sofrer sancionamento pela sua
personalidade, pois cada um a tem como entende, de modo que, na
verdade, a sua previsão no ordenamento e sua aplicação revela o
direito penal de autor.

Atenção: já caiu em prova.


(FCC – 2016 – DPE-BA – Defensor Público)

“A circunstância judicial da personalidade do agente, por ser própria do


direito penal do autor, não foi recepcionada pela Constituição de 1988”.

Gabarito: incorreta.

Existe uma forte corrente doutrinária e jurisprudencial no senti-


do de somente se aceitar a personalidade na dosimetria da pena se
houver prova pericial elaborada por profissional competente, já que o
juiz não teria conhecimento para traçar a personalidade do condena-
do. No entanto, conforme o STJ, “A personalidade do agente resulta
da análise do seu perfil subjetivo, no que se refere a aspectos morais
e psicológicos, para que se afira a existência de caráter voltado à prá-
tica de infrações penais, independentemente de perícia” (5ª T., HC
472150, j. 06/11/2018).
CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO:

“A Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça vinha admi-


tindo a utilização de condenações anteriores transitadas em julgado
como fundamento para a fixação da pena-base acima do mínimo
legal, diante da valoração negativa dos maus antecedentes, da con-
duta social e, ainda, da personalidade do agente, ficando apenas
vedado o bis in idem. Recentemente, todavia, a Quinta Turma deste
Superior Tribunal de Justiça passou a entender que as condenações
transitadas em julgado, mesmo que em maior número, não podem
ser utilizadas para majorar a pena-base em mais de uma circunstân-
cia judicial, devendo ser valoradas somente a título de maus antece-
dentes. Precedentes” (STJ, 5ª T., HC 412.175, j. 14/11/2017).

Ainda: “A Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, recente-


mente, passou a entender que a presença de condenações transita-
das em julgado não constitui fundamentação idônea para se possa
concluir que a personalidade do agente é voltada à prática criminosa,
bem como para certificar a inadequação de sua conduta social” (STJ,
5ª T., HC 472150, j. 06/11/2018).

ELEMENTOS CONCRETOS:

“No que se refere à personalidade, este Superior Tribunal de Justiça


reconhece que a personalidade do agente somente pode ser valora-
da negativamente se constarem dos autos elementos concretos para
sua efetiva e segura aferição pelo julgador, o que não se vislumbra na
hipótese em apreço” (STJ, 5ª T., HC 377.677, j. 27/06/2017).
FATOS POSTERIORES E DOSIMETRIA:

“Nos termos da jurisprudência consolidada desta Corte, não é


possível considerar a condenação transitada em julgado, correspon-
dente a fato posterior ao narrado na denúncia, para valorar negativa-
mente antecedentes, conduta social ou personalidade do agente. En-
trementes, plenamente viável que a condenação por fato anterior à
infração penal em processo de dosimetria, mas com trânsito em
julgado superveniente a ela, seja utilizada como circunstância judicial
negativa” (STJ, 5ª T., HC 410047, j. 03/05/2018).

2.5. Motivos

São as causas que inspiraram o agente a praticar o crime. Os


motivos podem ser nobres ou não. Se o motivo do crime constar no
próprio tipo penal como elementar não poderá ser considerado para
a exasperação da reprimenda na primeira fase.

Conforme já referido, as circunstâncias judiciais são residuais.


Com efeito, se o motivo for utilizado como qualificadora ou privilegia-
dora, causa de aumento ou de diminuição, agravante ou atenuante,
não poderá ser considerado circunstância judicial. Ex.: o agente foi
condenado por lesão corporal praticada por motivo fútil. Na aplicação
da pena o motivo fútil será considerado na segunda fase (circuns-
tância agravante – art. 61, II), de sorte que não poderá ser conside-
rado na primeira.

Conforme decidido pelo STJ, “Não constitui fundamento válido


o aumento da pena-base quando se considera como motivos do
delito o lucro fácil, pois este é circunstância inerente ao delito de
roubo. Do mesmo modo, o fato de as vítimas não terem recuperado
os objetos subtraídos constitui decorrência ínsita aos delitos patrimo-
niais” (STJ, 5ª T., HC 339257, j. 05/05/2016).
Ainda: “Os fundamentos utilizados pelas instâncias ordinárias quanto
aos motivos do crime não são idôneos, tendo em vista que a busca
por lucro fácil se confunde com as próprias elementares do crime de
extorsão, o qual é cometido com o dolo específico de obter para sim
ou para outrem indevida vantagem econômica” (STJ, 5ª T., HC
451783, j. 11/09/2018).

2.6. Circunstâncias

São os dados relacionados com o tempo e lugar do crime, bem


como com a maneira de sua execução. Não devem ser analisadas
aqui as circunstâncias que serão consideradas como privilegiadoras
ou qualificadoras, atenuantes ou agravantes, causas de aumento ou
de diminuição.

Atenção: a gravidade abstrata do crime não pode ser considera-


da como circunstância judicial. Isto porque o legislador já a conside-
rou no momento da cominação das penas mínima e máxima.

2.7. Consequências do crime

Refere-se à mensuração do dano ocasionado pelo delito, princi-


palmente para a vítima e seus familiares. Não se deve confundir as
consequências do crime com o seu próprio resultado típico. Nas pala-
vras de Juarez Cirino do Santos, “As consequências do fato desig-
nam outros resultados de natureza pessoal, afetiva, moral, social,
econômica ou política produzidos pelo crime, dotados de significação
para o juízo de reprovação, mas inconfundíveis com o resultado do
próprio tipo de crime” (Direito Penal: parte geral. Curitiba: Lumen
Juris, 2007, p. 567).
De fato, no caso do crime de homicídio, por exemplo, o resulta-
do morte é inerente ao próprio tipo e impossível de ser valorado pelo
juiz na dosimetria da pena como consequência do crime.
Porém, alguns tipos penais possuem certos elementos ou
admitem resultados passíveis de mensuração quando analisados no
caso concreto, e, por conseguinte, a intensidade da ofensa ao bem
jurídico pode ser valorada pelo juiz.

Melhor explicando: as consequências do crime podem ser típi-


cas ou extratípicas. Quando típicas, e mensuráveis concretamente
(grau de presença ou alcance), admitem avaliação pelo juiz no pro-
cesso dosimétrico.
Nas palavras de Maurach-Gössel-Zipf, as consequências típi-
cas devem ser consideradas concretamente na medição judicial da
pena, conforme a intensidade e a extensão da lesão ao bem jurídico
(Derecho Penal. Parte general 2. Buenos Aires: Astrea, 1995, p.
727).
Assim, mostra-se inadmissível, por exemplo, que as consequ-
ências do crime tributário, previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90, em
que o agente suprima tributo de quantia reduzida, sejam considera-
das no mesmo grau se comparadas com as consequências de outro
crime em que o agente suprima quantia de expressivo valor; como
também não seria razoável afirmar que as consequências do delito
de furto (art. 155 do Código Penal) de coisa de médio valor e de
normal afetação para a vítima fossem igualadas às consequências de
furto de coisa de altíssimo valor ou que tenha causado grande prejuí-
zo para a vítima. Nesse sentido: “A jurisprudência desta Corte Supe-
rior admite o aumento da pena-base pela valoração negativa da
circunstância judicial atinente as consequências do crime quando a
sonegação fiscal causar dano aos cofres públicos” (STJ, 6ª T., AgRg
no AREsp 833.504, j. em 17/10/2017); “As consequências do crime
só podem ser negativamente valoradas quando extrapolados os efei-
tos do resultado ordinariamente previsto no tipo penal” (STJ, 5ª T., HC
393.031, j. 23/05/2017).
Ainda: “(...) 2. Em relação às consequências do crime, que
devem ser entendidas como o resultado da ação do agente, a avalia-
ção negativa de tal circunstância judicial mostra-se escorreita se o
dano material ou moral causado ao bem jurídico tutelado se revelar
superior ao inerente ao tipo penal.

In casu, o elevado prejuízo patrimonial à autarquia previdenciá-


ria revela um maior grau de reprovação, apta a justificar a necessida-
de de resposta penal mais severa. 3. O entendimento perfilhado pelo
Tribunal de origem está em consonância com a jurisprudência desta
Corte, no sentido de que as consequências do crime em razão do
prejuízo ocasionado ao erário justificam a majoração da reprimenda
de piso” (STJ, 5ª T., AgRg no AREsp 1291192, j. 23/10/2018).

Por outro lado, mostra-se válido o aumento da pena-base, em


razão das consequências do crime, consideradas em desfavor do
agente diante da circunstância de a vítima ter deixado filhos em tenra
idade, fato que desborda dos inerentes ao delito, configurando funda-
mento apto a justificar o aumento da pena-base. Nesse sentido: STJ,
6ª T., HC 348871, j. 17/05/2016.

Ainda: “A pena-base foi fixada acima do patamar mínimo devido


à valoração negativa das circunstâncias do crime, pois o recorrente
foi “impiedoso para com a vítima, que nem mesmo conhecia e nem
contribuiu para a atitude desmedida do acusado, chutando-a e efetu-
ando mais disparos mesmo depois dela ter caído ao solo”, e das con-
sequências do delito, pois a vítima deixou quatro filhos menores
órfãos” (STJ, 5ª T., AgRg no REsp 1660745, j. 22/08/2017).
Julgando crime sexual contra vulnerável, decidiu o STJ que “O
trauma psicológico sofrido pela vítima menor de 14 anos justifica a
valoração negativa das consequências do crime” (6ª T., REsp
1427703, j. 24/10/2017).

No mesmo sentido: “(...) o trauma causado à ofendida, que,


após os fatos tornou-se uma pessoa fechada e com dificuldades para
sair de casa, tendo ainda, depois de decorridos três anos da prática
do crime, dificuldades para conversar sobre o assunto, não pode ser
confundido com mero abalo psicológico passageiro, restando justifi-
cado, a toda evidência, o incremento da pena-base a título de conse-
quências do crime” (STJ, 5ª T., HC 459777, j. 18/09/2018).

Atenção: já caiu em prova.


(VUNESP – 2018 – PC-SP – Delegado de Polícia)

““Considerando a jurisprudência dos tribunais superiores acerca dos


crimes contra a dignidade sexual: O trauma psicológico sofrido pela vítima de
estupro de vulnerável é justificativa para a exasperação da pena-base imposta
ao agente da conduta delituosa”.

Gabarito:correta.

2.8. Comportamento da vítima

Verifica-se na participação da vítima tanto no momento da inspi-


ração do agente à prática do delito como na facilitação de sua execu-
ção. Os papéis da vítima podem ser totalmente neutros para a contri-
buição do fato, podem ser preventivos, como podem ser parciais no
sentido de incentivar ou facilitar a prática delitiva, como, por exemplo:
vítimas provocadoras nos crimes de lesões corporais; vítimas descui-
dadas nos crimes patrimoniais.
2.8. Comportamento da vítima

Assim, o modo pelo qual a vítima contribuiu ou não para o fato


criminoso, ou até mesmo se preveniu, são fatores a serem aquilata-
dos pelo julgador.

O comportamento da vítima pode variar de uma mera circunstância


judicial, como pode ser considerado um privilégio ou causa de dimi-
nuição, podendo ainda ser reconhecido como pressuposto fático a
justificar alguma situação excludente de ilicitude ou culpabilidade.

Existe divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da possi-


bilidade de aferir-se o comportamento da vítima como circunstância
judicial desfavorável. Segundo o STJ: “O comportamento do ofendi-
do, que em nada contribuiu para o cometimento do crime, não pode
ser valorado em desfavor do agravado. Nos termos da orientação do
Superior Tribunal de Justiça, a mencionada circunstância judicial
somente apresenta relevância jurídica para reduzir a reprimenda do
réu. Assim, se o ofendido contribuiu para a prática do crime, a pena-
-base deverá ser diminuída; se, ao contrário, a vítima não facilitou,
incitou ou induziu o sentenciado a cometer a infração penal, trata-se
de circunstância judicial neutra. Precedentes” (STJ, 6ª T., AgRg no
HC 346.988, j. 27/06/2017).

Ainda: “Nos termos da jurisprudência desta Corte, o comporta-


mento neutro da vítima não pode ser considerado desfavorável ao
réu na dosimetria da pena. Precedentes” (STJ, 6ª T., AgInt no REsp
1701707, j. 23/08/2018).

Em sentido oposto, entende Delmanto que a análise deve ser


realizada de modo amplo no contexto da censurabilidade da conduta
do agente, permitindo tanto a sua consideração de modo favorável
como desfavorável (Código Penal comentado. São Paulo: Saraiva,
2010, p. 275). A nosso sentir, é perfeitamente possível a considera-
ção do comportamento da vítima como circunstância judicial favorá-
vel ou desfavorável, a depender do seu papel. Caso desempenhe
conduta incentivando ou facilitando o delito, justifica o reconhecimen-
to da circunstância como favorável. Ao contrário, se adota medidas
preventivas ao delito, a circunstância há de ser considerada desfavo-
rável.

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