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Copyright © 2021 Olívia Molinari

Capa e Diagramação: L.A Capas e Design / Olívia Molinari


Revisão: Barbara Pinheiro
Adobe Stock, PNGTree

Molinari, Olívia – 1ª Edição – Publicação Independente, 2021.


Romance Contemporâneo

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança é mera coincidência

Todos os direitos reservados.


Proibida a cópia e reprodução, por quaisquer meios, sem a prévia
autorização por escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a autora
“E o Grinch, com seus grandes e gelados pés enterrados na neve,
ficou confuso e perdido. Como isso poderia ser assim? Seu
presente veio sem fitas, sem cartões. E se o Natal, ele pensou, não
viesse de uma loja? E se o Natal, talvez, significasse algo a mais?”
– Dr. Seuss
Eu sei que existem pessoas que não gostam da Páscoa ou do
dia de São Patrício. Existem ainda aquelas que não gostam do
Halloween, pois, qual é? Um bando de maluco usando fantasia e
pedindo doces... é tudo uma grande loucura. E bem no meio dessas
pessoas, existe uma pequena porcentagem — e quando eu digo
“pequena” é porque eu acho que deve existir por aí umas dez
pessoas no mundo inteiro que se comparam a Adam Miller Johnson,
CEO da Liberty Johnson Company, uma grande empresa no ramo
editorial — que não gosta de festas natalinas.
Ah, e, diga-se de passagem, sou sua secretária.
Quando Adam me contratou, há três meses, achei que ele era
uma pessoa como qualquer outra. Um homem bonito, jovem,
elegante, que conquistou mundos e fundos sendo muito novo.
Se eu posso definir Adam em uma palavra, seria:
“profissional”.
Só que antes de me passar o cargo, Mathilda, uma senhorinha
de setenta anos que estava se aposentando, me deixou várias dicas
e recomendações, uma em especial, que eu até achei engraçada:
“— Adam odeia datas festivas, é verdade, mas ele não suporta
o Natal. Essas coisas todas, sabe? Então, nem pense em decorar a
sala dele ou qualquer coisa do tipo, se não quiser vê-lo surtando.”
Lembro-me que dei risada na época, três meses atrás.
Também levei na brincadeira e pensei: “Meu Deus, ele não deve ser
tão paranoico assim. Qual é, quem odeia o Natal dessa forma?”
Só que agora, parada em frente à mesa de Adam, depois de
ouvir suas últimas palavras, eu percebo que eu deveria ter dado
ouvidos à velhinha Mathilda.
— Ahn... — Ergo as sobrancelhas apenas um pouco. — Não
entendi muito bem o que o senhor disse — digo, voltando a minha
atenção ao homem elegante sentado atrás de uma mesa de vidro
imponente.
Aliás, tudo dentro da sala de Adam é imponente. Até mesmo a
vista de Nova Iorque que temos da janela.
Seus olhos azuis me fitam com tranquilidade.
— Eu disse que quero que você arrume as suas malas, pois
iremos viajar até Vermont, onde terei uma reunião no dia 25.
Adam é bem direto quando quer alguma coisa, mas acho que
desta vez ainda não entendi.
Respiro fundo e digo:
— Mas... dia 25 é Natal. — Ergo uma sobrancelha. — As
pessoas não trabalham no Natal.
Adam dá de ombros, como se o que eu acabei de dizer não
fizesse o menor sentido.
— Eu trabalho, Nancy.
Meu sangue começa a ferver de uma hora para a outra. Mas
que droga! Eu reservei passagens de avião para visitar meus pais,
na Flórida, e estava contando com a folga de alguns dias que
Mathilda garantiu que nós tínhamos.
“— Adam odeia o Natal, mas ele não costuma trabalhar na
véspera e nem depois. Dá para visitar alguns amigos ou a família,
se essa for a sua intenção.”
Só que parece que isso não é bem verdade.
— E eu conheço pessoas que também trabalham nesta época,
independente de qual data estejam comemorando por aí. — Adam
dá de ombros. — Você acha que os médicos vão parar de atender
às pessoas, só porque é Natal?
— Não, claro que não.
O problema é que não sou médica. E eu gastei parte do meu
salário com essas passagens de última hora. Céus, estou aqui há
apenas três meses. Como vou explicar a situação para o meu chefe,
sem que ele queira me mandar embora?
— Algum problema, Nancy? — ele pergunta, com aquele tom
de “você não está pensando em me desafiar, está?”
Respiro fundo e decido ser sincera:
— Eu... achei que teria alguns dias de folga, porque Mathilda
disse que, embora o senhor não comemore essas datas, sempre
dava alguns dias para ela visitar a família — solto de uma vez. —
Pois bem, eu até comprei passagens para visitar meus pais na
Flórida. Já faz cinco anos que não os vejo.
Adam se recosta na cadeira presidencial e me fita por vários
instantes, pensativo.
Não é possível que ele seja tão absurdo a este ponto.
Quem é que quer fazer uma maldita reunião de trabalho em
pleno Natal?
— Sinto muito, Nancy. Trabalho é trabalho... você pode visitar
sua família nas suas férias.
— Meu Deus... — murmuro, já desesperada. — Eu não posso
perder 500 dólares assim. Essas passagens foram caras por causa
da época. Por favor, podemos dar um jeito e...
— Se você não quiser ir, Nancy... eu vou ter que arrumar outra
secretária — ele diz, soando como um verdadeiro cretino. — A
escolha é sua.
Encaro os olhos do meu chefe e, pela primeira vez, vejo a
pessoa horrível que ele é, embora suas feições sejam dignas de um
galã de Hollywood.
Deve ser por isso que ele não tem namorada. Deve ser por
isso que sua família está em outro continente, cada um em um
canto, enquanto ele está aqui, sozinho em uma cidade gigantesca
como Nova Iorque. Deve ser por isso que ele não deixa colocarem
árvores decoradas na empresa, porque, no final das contas, elas
devem secar assim que ele passa.
Será que Adam é a personificação do Grinch?
— Tudo bem... — digo, soltando toda a tensão que carrego
desde que ele me disse essa coisa absurda. — Eu vou acompanhá-
lo em sua reunião de negócios.
Adam sorri malignamente.
— Ótimo, reserve o voo para o dia 19.
— Mas a reunião não é dia 25?
Ele me fita como se dissesse “quem é que manda aqui?”
— A senhorita sabe que nessas datas os hotéis estão cheios,
os voos atrasam e tudo vira um caos — ele argumenta. — Não
quero que nada dê errado. Essa reunião é muito importante. Por
isso, vamos sair com alguns dias de antecedência.
Respiro fundo e faço uma anotação na minha agenda:

“Reservar passagens de avião para Vermont. Dia 19/12.


Reservar hotel. Dois quartos, porque Deus me livre algum
problema acontecer e termos que dividir o mesmo quarto, como nos
livros que estamos acostumados a publicar.
Ah, Adam é um homem lindo e gostoso, mas é o maior idiota
que eu já vi em minha vida.”

Escrevo essa última frase com tanta força que a ponta do meu
lápis quebra.
— Quer um apontador, Nancy? — Sua voz calma me enfurece
mais ainda.
— Algo mais, senhor? — Faço questão de prolongar a última
palavra, para que ele perceba que estou infeliz com isso tudo e que
só não viro as costas e vou embora porque eu, realmente, preciso
do emprego.
— Me traga uma xícara de café, sem açúcar.
Dizendo isso, ele se volta para o computador com toda a
tranquilidade de quem tem o poder de infernizar a vida dos outros
nas mãos.
Faço uma careta sem que ele perceba e saio da sala pisando
firme por onde passo, sem me preocupar se estão me achando
louca ou não.
Neste momento, eu só queria ter o poder de dar uma lição em
Adam.
Então, por ora preciso lidar com o que tenho: Adam quer um
café sem açúcar, pois bem, vou colocar algumas gotinhas de
adoçante para que, quem sabe, uma pequena porção de açúcar
injetada em suas veias, faça esse homem ter um pouco mais de
compaixão pelas pessoas, principalmente, no Natal.
Alguns dias depois...

— Não acredito que Adam vai fazer você perder 500 dólares
assim — Melanie diz, enquanto leva a colher cheia de iogurte light
até a boca e assiste ao The Tonight Show com Jimmy Fallon.
Melanie é minha amiga da faculdade e assim que nos
formamos, viemos para Nova Iorque e alugamos um apartamento
juntas. Sempre nos demos bem e fico feliz que as coisas são
calmas entre nós, mesmo que sejamos bem diferentes uma da
outra.
Além disso, Melanie é namorada de Douglas, melhor amigo e
sócio de Adam na Liberty Johnson. E foi assim que eu consegui
essa vaga de emprego, que no momento está tirando o meu sono.
— Nem eu acredito, mas é bem assim. — Fecho a minha mala
e me sento em cima dela para acomodar tudo o que quero levar. —
Você precisava ver a frieza com que ele disse: “Se você não quiser
ir, eu posso arrumar outra secretária”. — Reviro os olhos, em uma
falha tentativa de imitá-lo.
Melanie ri.
— Sabe, eu não tenho muito contato com Adam, além dos
momentos em que ele e Douglas estão juntos, mas... achei que ele
era um cara legal. Você devia ter levado a sério os conselhos da ex-
secretária sobre ele ser malvadão.
— Ela não disse que ele era um cara malvadão, só disse que
ele não gosta de datas comemorativas, em especial, o Natal. —
Respiro fundo e coço o olho. — Ele é louco, só pode. Deve ter um
parafuso a menos.
E não acho que estou exagerando quando digo que Adam
deve ser louco. Tivemos que organizar um amigo secreto escondido
dele, porque me garantiram que ele iria fazer de tudo para
atrapalhar nossa festinha.
Sem falar que na Liberty não fazemos confraternizações de
final de ano, como em outras empresas que já trabalhei.
Loucura total.
— A confraternização foi na casa da Julie. É uma pena, não
acha? — Apoio o queixo em cima do antebraço. — Adam é um cara
lindo, mas é tão fechado, sabe? Eu sei pouquíssimas coisas sobre
ele, mesmo já trabalhando lá há três meses... — Olho para um
pontinho descascado da pintura na parede. — Sei que seus pais
são divorciados. A mãe mora na França e o pai, na Irlanda. E isso
eu sei, pois já atendi as ligações de ambos ao mesmo tempo.
Melanie faz uma careta pensativa.
— Algo muito ruim deve ter acontecido para ele ser assim —
ela arrisca. — Será que a namorada o deixou bem no dia do Natal?
Levanto os ombros.
— Nunca ouvi falar sobre Adam ter uma namorada.
— Será que ele é gay? — Melanie ergue as sobrancelhas.
Jogo a cabeça para trás, rindo.
— Não, não acho que Adam é gay... bom, não sei também.
Tem pessoas que ainda não se sentem confortáveis ao assumir isso
— mordo o lábio —, mas acho que isso não se enquadra na
situação dele, porque já atendi ligação de algumas mulheres que eu
tenho certeza de que eram encontros.
Melanie solta o rabo de cavalo dourado e com as mãos
começa a pentear suas madeixas para trás, na tentativa de fazer um
coque.
— Você deveria investigar esse homem — ela diz, incisiva. —
Sabe como é, você é a secretária! Precisa saber de tudo da vida
dele.
— Não, eu não preciso. — Levanto, puxando minha mala. — A
única coisa que eu preciso é dos meus 500 dólares, que duvido que
conseguirei recuperar com a companhia aérea.
— Eles não remarcaram?
— Não. Eles querem me cobrar a mais para remarcar... —
Suspiro pesadamente. — Mel, por que diabos eu fui atrás dessa
vaga de emprego?
— Porque era o seu sonho trabalhar em uma editora? —
Melanie diz com um sorrisinho. — Ah, vamos lá... tente se animar
um pouquinho. Se eu soubesse que Adam era assim, eu não teria te
indicado.
Não gosto que Melanie se sinta mal pelas coisas que
acontecem comigo.
— Hey, não fique assim — peço. — Eu gosto de trabalhar na
Liberty e essa vaga realmente é um sonho pra mim. Quem sabe,
algum dia eu crio coragem de entregar para Adam um dos meus
manuscritos?
Os olhos de Melanie brilham.
— Seria demais. Eu tenho certeza de que ele iria adorar.
Sorrio.
Melanie pega o sorvete e enfia uma colherada na boca.
Decido deixá-la para remoer meus desfortúnios sozinha em
meu quarto, quando Melanie me chama.
— Sim? — Viro-me para ela.
— Sabe, uma ideia muito louca passou pela minha cabeça,
mas acho que se desse certo, seria interessante.
Ok, uma das coisas que eu aprendi quando fui morar com
Melanie é: em hipótese alguma siga alguma de suas ideias.
Mesmo assim, eu pergunto:
— E que ideia seria essa?
Ela sorri maliciosamente.
— Você e Adam são solteiros. Você acha que ele não é gay e,
sinceramente? Eu também acho que não. Por que você não
aproveita que vai passar alguns dias sozinha na companhia daquele
macho e não dá em cima dele?
Preciso de vários segundos para digerir suas palavras.
— O quê?
— Estou falando sério... — Melanie pula do sofá e vem em
minha direção. — Ele é gato, rico, tem um humor dos diabos, eu sei,
mas talvez seja apenas a falta de uma mulher ao lado. Você é
secretária dele! Pode seduzi-lo. Garanto que o tendo em suas mãos,
será muito mais fácil trabalhar com ele.
— Você está lendo muitos romances com CEO, Mel. — Afasto-
me, indo em direção ao sofá, sem acreditar que ela de fato está
sugerindo que eu seduza o meu chefe. — Adam não é o tipo de
homem que eu gosto, para começo de conversa.
— Ah, é? — Ela cruza os braços e se recosta na parede. — E
que tipo de homem você gosta? Do tipo do Brad?
Brad é meu ex-namorado, mas também é meu amigo.
Nossa relação é complicada, porque fomos criados juntos
como amigos, depois nos interessamos e começamos a transar. Só
que, um dia, eu cansei e pedi um tempo... por sorte, ainda
continuamos com a amizade.
Ele mora na Flórida e, para ser sincera, não sei como está a
nossa amizade, faz anos que não o vejo.
— Brad é um cara legal — digo, desviando o olhar para a
televisão, mas sem prestar atenção no que está acontecendo. —
Ele é doce, gentil, me falava coisas bonitas...
— E era um banana que deixou você escapar. — Melanie vem
se sentar ao meu lado. — Acho que você precisa de um homem
para te colocar de quatro. E estou falando isso no sentido literal.
— Melanie!
Ela ri.
— Mesmo que Adam seja hétero e um cara muito gostoso,
porque eu não sou cega também, né? — Suspiro. — Enfim... ele
não é para mim. É egocêntrico, mandão e odeia o Natal. Este já é
um motivo para eu não pensar nele dessa forma, diferente das
protagonistas dos romances que você anda lendo.
Melanie me empurra com seu ombro e um sorrisinho se abre
em seu rosto.
— Nos romances que eu leio, sempre que um casal vai viajar,
coisas acontecem. O carro quebra, o avião não decola, eles ficam
presos em algum lugar no meio do nada... onde precisam dividir a
mesma cama... — Sua voz é sugestiva, carregando milhares de
traços de malícia.
— Não estamos dentro de um romance, Melanie.
Ela suspira.
— Tá bom, vamos ver se esta viagem não reserva nada para
vocês.
Olho para Melanie e ela está prestando atenção novamente no
Jimmy Fallon, que ela jura que é um gato.
A verdade é que sempre considerei minha amiga uma
sonhadora, mas agora acho que, além disso, ela também é louca.
Adam é o meu chefe e...
Não, não dá.
Seduzir o meu chefe?
Ha, ha, ha!
Adam Miller Johnson não é o tipo de homem que eu idealizo
em minha vida.

Hoje é o dia que Adam quer viajar.


Visto roupas térmicas por baixo e coloco um vestido de lã,
seguido por um casaco que vai até os meus joelhos. Acho que isso
vai me deixar quentinha até chegarmos ao hotel.
Está nevando muito e, para ser sincera, não sei como vamos
viajar nessa situação.
Apesar de ainda estar com muita raiva de Adam, fico
agradecida ao avistá-lo encostado em seu luxuoso carro,
esperando-me, mesmo que a neve esteja caindo em seu caríssimo,
eu suponho, casaco de lã.
— Harrison, ajude a senhorita Smith.
O motorista de Adam vem até mim e, após me cumprimentar,
pega a minha mala e a leva na direção do porta-malas já aberto.
Adam está com os braços cruzados, mas consigo ver as luvas
negras em suas mãos. Sua feição é séria, como sempre. Os
cabelos castanhos bem penteados para o lado direito. Suas roupas
devem ser feitas por um estilista famoso, tamanha a elegância.
— Bom dia, chefe.
— Bom dia, Nancy — pelo menos ele sempre é educado
comigo —, conseguiu o reembolso da empresa aérea?
— Não — cruzo os braços —, eles são péssimos para
negociar.
Adam olha de um lado para o outro, então se afasta do carro e
abre a porta traseira.
— Entre, senão vamos nos atrasar.
Solto um suspiro assim que entro no veículo e sou assaltada
pela temperatura quente.
Já faz alguns dias que está nevando, as ruas estão
branquinhas e eu sinceramente não sei como Adam prefere passar
esses dias trabalhando em vez de ficar em seu apartamento com...
sabe-se lá quem.
Adam se acomoda ao meu lado e o seu perfume masculino
preenche as minhas narinas.
A conversa da noite anterior com Melanie vem à minha
cabeça, mas olhando bem para os traços perfeitos de Adam, vem
também a sensação de que mesmo que eu quisesse dar em cima
dele, é óbvio que ele jamais olharia para mim.
Claro que Adam é o tipo de homem que desperta os sentidos
de qualquer mulher, mas eu acho que quando entrei na Liberty
Johnson Company, eu já tinha consciência de que nossa relação
sempre seria estritamente profissional.
— Você está com os relatórios que mandei em seu e-mail
ontem? — Adam pergunta, trazendo-me de volta dos meus
pensamentos.
Está aí outro motivo pelo qual nunca pensei em Adam como
algo além do meu chefe: ele só pensa em trabalho, 24 horas por dia.
Já cheguei a receber e-mails desse homem às três horas da manhã.
— Trouxe — digo, abrindo a minha pasta. — Quer pegá-los
agora e...
— Não, pode guardá-los com você — ele me corta, olhando
em meus olhos. — Só vou precisar um pouco antes da reunião.
Acho que essa é a primeira vez que noto o quão azuis são os
olhos do meu chefe.
— Tudo bem.
O carro segue o caminho até o aeroporto e eu mergulho em
um silêncio sepulcral. Não que eu não queira conversar com
alguém, mas Adam só sabe falar de trabalho e relatórios. Isso
cansa.
E quem quer falar disso, após perder 500 dólares e uma
passagem para passar o Natal com a família na Flórida?
Foi terrível aguentar o surto da minha mãe assim que eu disse
que não ia porque precisava trabalhar. Ela xingou Adam de todos os
nomes possíveis e disse que ele não gente e sim um maldito
ditador.
Ela só se acalmou quando eu disse que nas férias eu irei para
lá.
Depois de um bom tempo, mesmo com os efeitos da nevasca
conseguimos chegar ao aeroporto. Adam se despede de seu
motorista e ele nos entrega nossas malas.
Atravessamos o aeroporto rapidamente, porque o horário do
nosso embarque está próximo, porém, ao chegarmos ao balcão
para fazer o check-in, nos deparamos com várias pessoas nervosas,
brigando e xingando os funcionários da empresa aérea.
— Mas que diabos está acontecendo? — Adam resmunga ao
meu lado.
— Não sei... vou perguntar.
Enfio-me no meio da multidão e Adam me segue.
Conseguimos chegar ao balcão, onde uma mulher, que deve ter uns
trinta e poucos anos, está falando ao telefone e balançando a
cabeça negativamente.
— Acalmem-se! — Um guarda está atrás dela, tentando
acalmar os outros passageiros. — Venham, vou explicar para vocês
o que está acontecendo.
Ele se vai com o grupo para um canto e é neste momento que
a atendente parece nos ver pela primeira vez.
— Pois não? — ela pergunta com a voz irritada.
Coloco as passagens em cima do balcão.
Ela olha para as passagens e depois para nós.
— Sinto muito, o voo até Burlington foi cancelado.
— O quê? — Adam pergunta, ríspido. — Como assim, foi
cancelado?
A mulher ergue minimamente os ombros.
— Nevasca.
Sei que não devo ficar feliz com uma situação dessas, mas
não consigo ter outro sentimento.
Bem feito para o Adam, que me fez perder 500 dólares e nem
se importa se faz cinco anos ou mais que estou sem ver a minha
família.
— Você não pode estar falando sério. — Ele está claramente
furioso. — Eu preciso pegar esse voo, minha senhora. Tenho uma
reunião muito importante em Vermont e...
— E nós temos que encontrar a nossa família! — alguém
reclama atrás de nós.
A mulher simplesmente ergue os ombros como se dissesse
“não posso fazer nada, meus caros”.
Novamente o grupo se exalta e um barulho ensurdecedor se
inicia. Adam passa as mãos pelos cabelos, claramente nervoso.
— O que pode ser feito? — ele pergunta, em um tom mais
raivoso.
— Não há nada a ser feito, senhor — a mulher diz,
preguiçosamente. — A nevasca foi muito forte e complicou todo o
tráfego aéreo. Sinto muito.
Fico em silêncio porque não há o que dizer.
Imprevistos acontecem, mudanças no clima e tudo o mais.
Adam precisa entender que, mesmo ele sendo quem é, não tem o
poder de mudar as estações do ano.
— Venha comigo, Nancy — ele diz bem próximo a mim.
Por alguma razão desconhecida, sua voz em meu ouvido faz
percorrer algum tipo de sensação que eu não quero nem pensar o
que é.
Saio da multidão e sigo Adam para sabe-se lá aonde ele quer
ir.
Atravessamos boa parte do aeroporto, até ele se virar de
repente e eu literalmente bater em seu peito com meu corpo.
— Ai, meu Deus. — Seus braços me seguram com força. —
Me desculpe, eu...
— Tudo bem. — Adam me olha nos olhos. — Você está bem?
— Sim, estou... por que diabos você parou de andar?
Sei que eu não deveria falar nesse tom com meu chefe, mas
estou uma pilha de nervos por tudo o que está acontecendo.
Natal com a família cancelado, voo de trabalho cancelado... o
que mais vai acontecer para estragar o meu feriado?
— Eu tive uma ideia, Nancy.
Encaro seus olhos azuis, buscando por uma resposta.
Ele está bem próximo de mim e, por alguns instantes, parece
que estamos somente nós dois no aeroporto.
— Nós vamos a Vermont. — Sua voz sai com a firmeza que
estou acostumada a vê-lo usar com seus clientes.
— Como? — pergunto, um pouco exasperada. — Você não
ouviu o que ela disse? Os voos foram cancelados por causa da
nevasca. Está tudo um caos e...
Adam ergue uma sobrancelha de forma desafiadora.
— Nós vamos de carro.
Adam
A primeira coisa que me chamou a atenção em Nancy Smith
foi seu currículo brilhante. A garota fala três línguas fluentes e
consegue entender e se comunicar um pouco em mais duas. Isso,
tendo apenas vinte e sete anos.
A segunda coisa foi que... bem, eu precisava de uma
secretária que desse conta de tudo o que Mathilda fazia e eu sabia
que não seria qualquer uma que conseguiria tal coisa, como, por
exemplo, aguentar a minha impaciência, as minhas decisões
inusitadas, o meu gênio e, por fim, o meu péssimo hábito de
estragar a vida das pessoas, principalmente no Natal.
Ano passado, na fila de uma loja de artigos para presentes, eu
contei a uma criança que Papai Noel não existe e que são seus pais
quem compram os presentes, como eu estava fazendo com o
presente da minha sobrinha.
O moleque saiu da fila chorando e, Deus me perdoe, mas eu ri
quando seus pais correram atrás e ele disse que os odiava por
mentirem daquela forma.
Aquela criança nem imagina, mas eu sei muito bem o que é
lidar com pais mentirosos.
Voltando à Nancy, acho que o grande problema é que ela não
parece ter entrado ainda no clima. Já faz três meses que ela
trabalha para mim e, em alguns momentos, a pego me olhando
como se quisesse me degolar com uma faca de açougueiro.
Talvez seja coisa da minha cabeça, não sei. O que eu sei é
que ela precisa se acostumar o mais rápido possível.
— O senhor disse que vamos de carro? — ela repete, meio
atônita, o que eu acabei de dizer.
— Exatamente. Algum problema com isso?
Nancy me encara com os olhos castanhos ainda perdidos.
Céus, haja paciência.
— Isso é loucura! — ela dispara, dando um passo para trás. —
Você não ouviu o que a atendente disse? Se voos foram cancelados
por causa da nevasca, imagine as estradas como estão!
Coço a sobrancelha enquanto respiro fundo.
— Isso é exagero, Nancy. Sabe quanto tempo vamos levar até
lá? Talvez umas cinco, seis horas.
Nancy começa a balançar a cabeça de um lado para o outro e
isso já está começando a me irritar. Ela parece ser o tipo de pessoa
apegada às datas festivas e, eu não me importo com quem gosta,
mas espero da minha secretária profissionalismo diante dos
obstáculos que surgem no dia a dia.
— Não vai dar certo — ela diz, convicta. — Olhe lá, várias
rodovias estão interditadas por causa da nevasca! — Ela aponta
para um noticiário passando em uma das TVs do aeroporto.
Dou um passo em sua direção e, sem pensar, seguro seu rosto
entre as mãos.
Acho que nunca a olhei tão de perto. Nancy tem o rosto oval,
com lábios carnudos e cílios escuros generosos. Seus olhos têm
uma tonalidade de chocolate ao leite e... é mais do que agradável
olhá-la.
— Você está surtando à toa — digo, tentando tranquilizá-la. —
Vamos de carro, será um pouco mais cansativo, mas vai dar certo.
Ainda hoje chegaremos a Vermont e eu prometo que depois da
reunião, você pode se juntar ao coro da igreja para cantar essas
musiquinhas melosas de Natal que vocês tanto gostam.
Nancy me encara por vários segundos, então solta uma risada
e se afasta de mim.
— Musiquinhas melosas de Natal? — ela pergunta com um
meio-sorriso. — Por que você não gosta do Natal?
— Eu não gosto de data nenhuma.
— Por quê?
Enfio as mãos no bolso do meu casaco e respiro fundo.
— Não sei... eu sei que estamos aqui perdendo tempo, quando
já podíamos estar na estrada.
Nancy olha para os lados e respira fundo.
— Ok, mas só vou fazer isso porque, realmente, preciso desse
emprego.
Ok e, talvez, eu também precise ensinar algumas lições à
Nancy relacionadas à sua língua afiada.

Peço ao taxista que nos leve de volta ao centro de Manhattan,


mais especificamente ao meu apartamento para pegarmos um carro
e cairmos na estrada o mais breve possível.
Por sorte, eu pedi que Nancy fizesse reservas com
antecedência, porque eu já imaginava que coisas assim poderiam
acontecer. Eu sou um cara que não tem muita sorte, principalmente,
na época do Natal.
Nancy se mantém calada a maior parte do tempo, olhando
para a janela. Aproveito para fazer algumas ligações e mandar
alguns e-mails antes que eu, de fato, coloque a mão na massa para
dirigir até Vermont.
A troca de veículos é rápida e logo acomodamos nossas malas
em meu carro favorito para viagens: um 4x4 vermelho que ganhei
de presente do meu pai, no Natal do ano passado. Talvez uma
tentativa de me fazer esquecer os Natais péssimos em que ele foi o
protagonista na minha vida.
— Tomara que as estradas estejam tranquilas — Nancy diz,
assim que saímos com o carro.
— Vão estar.
Bem, isso não é algo que consigo prever, mas não posso
perder tempo também. Preciso estar em Vermont para fechar um
negócio com um grande autor de romances sobrenaturais. Se eu
perder esse contrato, jamais vou me perdoar.
Há uma insistência da minha parte em conseguir esse contrato
que não posso revelar a ninguém. Mas eu sei que tirar de Katherine,
minha ex-namorada, um autor que está explodindo em vendas a
cada dia, vai ser o melhor presente de Natal que ela pode receber.
Ok, um dos motivos que eu odeio o Natal é justamente por
culpa de Katherine.
Qual o homem que quer atravessar o país, como um louco,
para passar o feriado com a namorada e quando chega, é recebido
com ela nua em cima do balcão, sendo comida por outro cara?
Pode ser exagero da minha parte querer ferrá-la dessa
maneira, mas eu esperei tanto tempo por essa oportunidade e não
vou perdê-la. Nem que eu tenha que ir até Vermont a pé.
— Vou encher o tanque do carro — digo, encostando em um
posto de gasolina. — Se você quiser ir até a loja de conveniência,
fique à vontade.
Nancy assente e assim que estaciono e desligo o carro, ela
pula do veículo.
Outra coisa que eu acho interessante em Nancy: sua estatura.
Ela é bem mais baixa do que eu, o que, de certa forma, me faz
sentir poderoso quando estou lidando com ela.
Essa é a nossa primeira viagem juntos e acho que não
começamos do jeito certo. Eu não deveria me importar com isso,
afinal, ela é apenas a minha secretária, mas não consigo remover
essa sensação de que estou estragando a vida dessa garota.
Céus, eu sou patético.
Vou tentar ser mais gentil, embora eu tenha perdido o jeito com
as mulheres há bastante tempo.
Encho o tanque do carro, faço o pagamento e espero Nancy
voltar. Ela volta com vários pacotes de salgadinhos, batatas assadas
e doces. Um verdadeiro carrossel de coisas maléficas à saúde.
Ah, certo. Eu me esqueci de mencionar que sou um pouco
paranoico com alimentação saudável.
— Sério que você vai comer essas porcarias? — pergunto
enquanto Nancy coloca o cinto de segurança.
— Não são porcarias. — Ela me encara. — Isso aqui vai me
ajudar a não pensar na loucura que é esta viagem de carro.
Ok, talvez eu não precise ser gentil porra nenhuma.
— Ainda bem que quem manda aqui sou eu, seu chefe. —
Ligo a porcaria do carro e enfio o pé no acelerador.
Nancy se cala, mas a sensação de que ela está planejando
formas de me esquartejar ainda circulam dentro do veículo.

— O que está fazendo? O GPS está mandando entrar na


bifurcação — Nancy diz com a voz um pouco indignada.
Já faz mais de duas horas que estamos na estrada. Já
passamos por algumas cidades, mas eu sei que podemos pegar
outro caminho para chegar mais rápido.
— Eu sei o que estou fazendo, não se preocupe — tento
tranquilizá-la.
— Mas o GPS...
— O GPS não sabe de tudo — retruco. — Eu sei um caminho
que pode nos levar mais rápido ao nosso destino. Não é a primeira
vez que vou até Vermont de carro, confie em mim.
Nancy me dá um olhar do tipo “Não sei, não”, mas se cala e eu
continuo dirigindo por um caminho no qual já passei antes.
Coloco uma música tranquila para não ficarmos no silêncio
absoluto. O problema, na verdade, nem é o silêncio, pois eu o
aprecio. O maior problema, é que eu sei que Nancy está com raiva
por ter perdido o Natal com sua família. E eu entendo o seu lado, de
verdade, mas não posso ignorar quanto tempo esperei para me
vingar de Katherine. Essa é a minha oportunidade e não vou perdê-
la.
Se a velha Mathilda não tivesse se aposentado, seria ela ao
meu lado.
Dou uma olhadinha para Nancy e, de repente, faço uma
careta.
Não, acho que foi melhor Mathilda ter se aposentado mesmo.
Nancy é uma companhia muito mais... como posso dizer?
Agradável de se olhar.
— Então, Nancy — tento puxar conversa para aliviar o clima
pesado —, já faz três meses que você está trabalhando para mim. O
que está achando do emprego?
Nancy mexe as mãos em cima do colo e suspira.
— Está tentando puxar assunto comigo?
Porra, mas que garota chata.
— É uma viagem de cinco horas. — Aperto as mãos no
volante. — Acho que podemos conversar um pouco e aliviar essa
sensação que eu tenho de que você está querendo me matar a todo
momento.
Nancy dá uma gargalhada e, por algum motivo, sinto um pouco
de alívio.
— Ahn, ok. Eu estou gostando do trabalho. De verdade. — Ela
olha em minha direção. — Eu sempre quis trabalhar em uma
editora.
— Sério? Gosta tanto assim de literatura?
— Sim, mas além disso, eu escrevo... histórias — ela revela.
— Minhas histórias são bobas, mas eu me divirto escrevendo-as.
— Uau, não sabia que eu tinha uma secretária escritora. Quer
me contar um pouco sobre alguma história?
Dou uma rápida olhada para Nancy e a pego mordendo o lábio
inferior, enquanto olha pensativa para a paisagem se desenrolando
pela janela.
— Tenho uma história de um casal que o carro quebra na
estrada e eles são obrigados a passar alguns dias juntos em uma
cabana deserta. O resto você já deve imaginar...
— Tomara que isso fique apenas na sua história, então. — Dou
uma risada.
— Claro, claro — ela concorda. — Qual a chance da minha
história se tornar realidade? Nenhuma, óbvio.
— Você já tentou publicar essas histórias? — pergunto,
curioso.
— Não. Como falei, são histórias bobas e sei que ninguém vai
ler.
— Bem, se o quadro de autores não estivesse explodindo no
momento, eu certamente iria querer ler e, quem sabe, publicar.
— Sério? — Nancy ergue as sobrancelhas, surpresa.
— Sim, eu gosto de descobrir novos talentos.
Ela sorri e por algum motivo acho que esta viagem pode ser
tranquila e agradável, assim como olhar para o seu sorriso.
Foco, Adam.
— Esse autor que você vai encontrar, está fazendo bastante
sucesso, não é? — Nancy pergunta e eu assinto. — Mas ele não ia
fechar contrato com a Blumberry?
Blumberry é a editora onde minha ex é a chefe. Sinto um nó no
estômago ao me lembrar do quanto ela foi mesquinha ao me roubar
alguns autores, ano retrasado.
— Não vai, se chegarmos a tempo — explico. — O cara
adorou a proposta que eu fiz.
— Ah, que bom. — Nancy sorri novamente. — Então espero
que dê certo.
Dou uma olhadinha para Nancy e ela está relaxada no
assento. Isso é bom, claro. Quem quer viajar com alguém
emburrado ao lado?
— Se fecharmos esse contrato, vou lhe dar uma comissão.
Nancy me olha, atônita.
— O quê? Por quê?
Nossa, nem eu sei por que eu disse isso, mas...
— Por estar me acompanhando nesta viagem — explico
lentamente. Na verdade, eu nem precisava fazer isso, mas algo me
diz que eu posso fazer e que isso vai ser bom para ela. — Já vai
cobrir o que perdeu com as passagens de avião.
Nancy morde o lábio, depois sorri.
— Acho que você não é um chefe tão ruim assim.
Lanço um rápido sorriso para Nancy.
— Vou parar no próximo posto para abastecer. Se quiser ir ao
banheiro, é melhor. No caminho que vamos fazer, existem poucos
postos ou conveniências à beira da estrada.
— Ok.
Dirijo por mais algum tempo, até encontrar um posto velho.
Estamos quase no meio do nada, mas é um caminho que eu sei que
será mais rápido para chegarmos a Vermont, então vale a pena.
Quando paro o carro, Nancy salta e some dentro da loja de
conveniência que está praticamente vazia.
Aproveito para esticar minhas pernas.
Dizem que o gosto da vingança é doce e eu mal posso esperar
para ver a cara de Katherine quando souber que eu peguei um dos
maiores autores em ascensão do momento.
Um vento gelado me assola, mas ignoro-o, enfiando a
mangueira de gasolina na boca do tanque.
Mais algumas horas e estaremos lá...
Vou aproveitar os dias que faltam para a reunião para
descansar e colocar no papel alguns planos para o ano que vem.
Olho para o céu cinzento e respiro fundo.
Se fôssemos de avião, já teríamos chegado.
Costumo dizer que sou um cara sem sorte, mas, nossa, eu só
queria um momento de paz na minha vida.
Ouço alguém se aproximar por trás.
— Trouxe mais porcarias para comer, Nancy? — Tento brincar
com minha secretária para ela ver que não sou um ogro. Eu também
tenho senso de humor quando quero.
Então ouço um clique bem perto do meu ouvido.
— Porcarias, eu não sei, mas sei que quero que você me dê a
chave do seu carro, agora mesmo.
A voz que diz isso não é a de Nancy.
Nancy não tem uma voz grossa.
É uma voz masculina.
Viro-me lentamente e o que encontro me faz apenas arregalar
os olhos e dar um passo para trás.
Apontando uma pistola em minha direção, há um homem com
um capuz negro, enquanto outros dois estão aterrorizando dentro da
loja de conveniência.
Nancy
A loja de conveniência é menor que a de Manhattan, mas
ainda assim tem coisas interessantes. Há outras duas pessoas, um
casal mais precisamente, conversando em um canto, um atendente
grande e forte atrás de um balcão com a cara de quem não quer
estar lá.
Viajamos por algumas horas, mas sei que ainda temos muita
estrada pela frente.
Até agora não tenho do que reclamar, embora eu achasse que
esta viagem seria uma loucura das grandes. Adam está se
mostrando uma pessoa diferente do escritório. Quase um... amigo.
Se é que posso considerar meu chefe assim.
Aproximo-me de uma gôndola e pego alguns salgadinhos.
Olho para o outro lado da loja e há uma geladeira com refrigerantes,
água e chás.
É para lá que vou.
Porém, antes que eu mova o passo, a porta da conveniência
se abre em um estrondo e dois homens encapuzados entram,
gritando e apontando a arma em nossa direção.
É tudo muito rápido.
Só consigo tempo para me jogar no chão enquanto eles
concentram suas energias em roubar o dinheiro da máquina atrás
do balcão.
A senhora que estava olhando para algo na prateleira da frente
começa a chorar desesperada e eu não sei o que fazer. Se eu for
até eles, posso levar um tiro.
— Anda, passa tudo! — um deles grita para o homem atrás do
balcão. — Pare de enrolar!
Penso em Adam abastecendo o carro.
Meu Deus, será que ele está vendo isso? Ele não pode nem
sonhar em entrar aqui agora.
O homem detrás do balcão entrega o dinheiro como se já
estivesse acostumado a ser roubado. Isso facilita um pouco as
coisas e, por sorte, os bandidos agem depressa e saem da loja
como um raio.
— Desgraçados! — o homem atrás do balcão grita, irritado.
Meu coração está pulando no peito e minhas mãos estão
trêmulas por causa da adrenalina injetada em minhas veias. Estou
muito nervosa. Não penso em mais nada a não ser sair correndo
daqui para ver como Adam está.
Não preciso ir longe, porque assim que saio pela porta, ele
está vindo em minha direção.
— Pela mãe de Cristo! — Ele leva as mãos ao meu rosto,
segurando com gentileza. — Você está bem? Eles te machucaram?
Te ameaçaram?
— Não! Não! — Olho para Adam, conferindo se ele também
está bem. — Eles te atacaram?
Adam balança a cabeça afirmativamente.
— Esses desgraçados levaram o carro — ele diz, soltando o
meu rosto e dando um passo para trás.
Espere aí...
Arregalo os olhos no mesmo instante.
— Eles levaram o carro? — praticamente grito.
— Sim. — Adam respira fundo. — Dá para acreditar nisso?
Fico em silêncio por vários instantes, pensando no que vamos
fazer agora. Minha mala! Minhas roupas!
— MEU DEUS, MINHA MALA! — dou um grito e me afasto
alguns passos. — Temos que ir atrás deles e...
— Nancy! — Adam me segura. — Nancy, calma. Nós temos
que conseguir outro carro para seguirmos a viagem.
Suas palavras não fazem sentido.
— Como vamos seguir viagem, sem as nossas malas? —
pergunto, um pouco irritada. Adam sempre acha que tem tudo sob
controle e isso é frívolo demais. — Eu preciso das minhas coisas!
Ele passa as mãos pelos cabelos castanhos e respira fundo.
— Eu só preciso fazer uma ligação e... — Ele enfia a mão no
bolso do casaco e de repente suas palavras morrem. — Inferno.
— O que foi?
— Meu celular ficou dentro do carro.
Arregalo os olhos mais uma vez e me deixo cair no banquinho
que há do lado de fora da loja de conveniência.
Ah, céus, essa é boa.
Eu acho que este Natal realmente vai ficar marcado em minha
vida. Só que, pela primeira vez, de uma forma negativa.
— Meu celular também ficou no carro — digo, enfiando a
cabeça entre as mãos. — O que vamos fazer agora?
Adam respira fundo e se senta ao meu lado.
— Eles devem ter um telefone dentro da loja. Vou tentar falar
com meu agente de seguros e resolver essa situação.
— Tudo bem, vamos lá.
Nós nos levantamos e entramos na loja. O homem está
lamentando o roubo e o casal está tomando água para se acalmar.
— Olá, o senhor tem um telefone aqui? — Adam pergunta,
apoiando um braço em cima do balcão.
O homem olha para Adam como se ele fosse apenas uma
mosca.
— Tenho, mas está quebrado.
— E um celular, o senhor teria para me emprestar?
O homem dá uma risada de escárnio.
— Senhor, estamos em um lugar no meio do estado de
Massachusetts, onde o próprio diabo esqueceu suas meias. Acha
mesmo que celulares pegam nesta porcaria de inferno esquecido
por Deus?
Adam recua um pouco após o desabafo do homem.
— Me desculpe, eu apenas...
— E eu acabei de ser roubado! O dinheiro que iria sustentar a
minha família neste Natal! — o homem finaliza o seu desabafo e um
silêncio sepulcral se instala entre nós.
Ah, céus... o que foi que eu fiz de errado para passar por isso?
De repente, o meu sangue começa a ferver ao me lembrar que
por culpa de Adam estamos neste lugar esquecido por Deus, afinal,
foi ele quem disse que não havia problemas em sair da rota.
Saio da loja de conveniência emburrada. O que vamos fazer
agora? Não há nem uma porcaria de telefone para pedirmos ajuda.
— Nancy... — Adam sai da loja e vem em minha direção.
— A culpa é sua! — disparo, virando-me para ele.
Agora, pouco importa se ele é meu chefe. Estou com raiva,
nervosa e... argh, eu quero matá-lo.
Ele paralisa no lugar, como se eu tivesse acabado de lhe dar
um tapa.
— O que disse?
— Isso que você ouviu! — Aponto um dedo em sua direção. —
Por que diabos foi sair da rota que o GPS mandou? Se
estivéssemos seguindo pela Interestadual, não teríamos sido
assaltados!
Adam me olha como se não acreditasse no que está ouvindo.
— Ah, então a culpa é minha, por três vagabundos virem nos
roubar? — Ele dá um passo em minha direção. Seus olhos estão
injetados com algo que acho ser raiva. — É minha culpa se você
esqueceu a porcaria do seu celular dentro do carro? — Ele dá mais
um passo, ficando apenas alguns centímetros de distância. Sim, ele
está com muita raiva. — É culpa minha se eu não tenho uma bola
de cristal para prever o que ia acontecer?
Meu chefe está muito perto, perto demais e eu não consigo
respirar, porque sei que ele vai me mandar calar a boca e sumir da
sua frente. Perder o emprego não estava nos meus planos. Então
ergo a cabeça para fitar seus olhos extremamente azuis.
Ele está bravo. Eu também estou.
Estamos quites, na verdade.
— Um daqueles vagabundos apontou uma arma para a minha
cabeça! — Adam berra, furioso. — E eles levaram o carro que eu
ganhei do meu pai! Você acha mesmo que estou feliz com toda essa
situação, Nancy?
Por algum motivo mórbido, meus olhos se concentram nas
feições irritadas do meu chefe, e o pensamento de que ele é ainda
mais bonito quando está bravo, atravessa a minha cabeça.
Epa.
Penso em retrucar, mandá-lo ao inferno, quando ouvimos uma
tossida.
— Desculpe incomodar o casal — o senhor que estava dentro
da loja com sua esposa diz, olhando-nos com interesse a uma
distância um pouco segura —, eu ouvi que levaram o seu carro.
— Não somos um casal! — Adam retruca, me olhando de
esguelha. — Ela é minha secretária e estamos em uma viagem de
negócios. E, sim... levaram o meu carro com nossos celulares
dentro. Aliás, tudo o que temos.
O homem assente.
Ele é um senhor que deve ter uns sessenta anos. Seus
cabelos já têm vários fios brancos e a sua pele demonstra a idade.
— Ah, sim. Perdão... ahn, bem... Tenho um telefone na minha
pousada, às vezes ele pega, às vezes não. Vocês podem tentar a
sorte.
Olho esperançosa para Adam.
— Sério? — pergunto, me direcionando para o homem e sua
esposa. — E onde fica a sua pousada?
— Fica a uns três quilômetros daqui. Por sorte, eu vim com a
minha caminhonete, que, também por sorte, está estacionada na
parte de trás do posto.
Adam e eu trocamos olhares significativos.
Ele me puxa para um canto, um pouco mais afastada do casal.
— Eles estavam na loja de conveniência? — Adam pergunta
mantendo a voz baixa e olhando de relance para o casal.
— Sim, estavam.
— E se forem assassinos?
Olho horrorizada para o seu rosto.
— Assassinos?
— Eu já assisti a um filme de assassinos donos de pousadas.
— Meu Deus — digo em um suspiro. — Não acho que são
assassinos.
Nós olhamos para o casal.
O homem está esfregando os braços de sua esposa.
— Eles aparentam ser um casal bem legal — digo, cruzando
os braços. — Acho que podemos aceitar a ajuda deles.
— Não sei... — Adam suspira e passa uma das mãos pelos
cabelos. — Eu acabei de ser assaltado. Não sei se consigo confiar
em ninguém.
— E qual outra ideia você tem para nos tirar daqui, gênio?
Adam me olha e eu posso sentir a irritação que ele deve estar
nutrindo pela minha pessoa.
— Você é sempre tão birrenta assim?
— Eu não sou birrenta. Você que é o “sabe-tudo” e eu odeio
esse tipo de gente.
Ele levanta as sobrancelhas.
— Nunca pedi que gostasse de mim.
— E eu não estou falando que não gosto de você. Não gosto
de gente como... — E, de repente, eu perco a linha de raciocínio. Já
nem sei mais do que estamos falando. — Droga, Adam. — Dou um
tapa em seu braço. — Precisamos aceitar a ajuda deles. Não há o
que fazer.
Ele me encara por longos instantes.
Queria ter os poderes de um telepata neste momento, só para
descobrir o que ele está pensando.
— Estou começando a me arrepender de ter te contratado,
Nancy.
— E eu estou começando a me arrepender de ter ido atrás da
vaga — retruco, olhando-o da mesma forma desafiadora.
Outra tosse nos traz de volta ao presente.
— E então? Podemos ir? — O homem se aproxima.
Adam se vira para ele e respira fundo.
— Tudo bem, mas tem espaço para nós dois? — Adam
pergunta.
— Tem, sim... podemos nos apertar, mas dá para ir.
— Ok, então.
O homem abre um sorriso caloroso.
— Nossa, como sou esquecido, a propósito, meu nome é
Joseph e essa é minha esposa, Colleen.
— Eu sou Adam e essa é Nancy — Adam nos apresenta e
trocamos cumprimentos. — Muito prazer em conhecê-los.
— O prazer é nosso — diz Joseph, esfregando as mãos uma
na outra. Vamos?
— Vamos.

O trajeto até a pousada é por meio da mata em um caminho


cheio de buracos, que nos jogam de um lado para o outro. Por
diversos momentos, sou literalmente jogada no colo de Adam.
— Desculpem os buracos — diz o homem com pesar. —
Parece que se esqueceram de nós por essas bandas.
Aproveito para conhecer mais um pouco sobre o casal. Eles
moram na região desde que nasceram e, segundo Joseph, a
pousada foi uma herança de seus pais, que ele cuida com muito
carinho.
— É um lugar simples, mas aconchegante — ele garante.
Já quase no topo de uma colina, avistamos a pousada, que
nada mais é que uma casa com dois andares construída em
madeira escura. A casa está completamente enfeitada para o Natal,
com luzes que piscam, penduricalhos e outras coisas. Há também
uma varanda e alguém sentado em uma cadeira de balanço.
— Já falei para o papai ficar dentro de casa — Colleen reclama
assim que seu marido estaciona a caminhonete e nós saltamos.
Adam me ajuda, segurando a minha mão e são nesses poucos
momentos de gentileza que o acho irresistível.
— Ele nunca te ouve, querida. — Joseph abre a capota da
caminhonete e retira de lá uma caixa de papelão. — Venham
amigos, me sigam.
Olho para Adam e ele está em silêncio, observando tudo ao
redor assim como eu.
Quero pedir desculpas por ter dito que a culpa era dele,
quando claramente não é. Não podemos prever o que vai
acontecer... e ele só queria um caminho para chegar mais rápido.
Não posso condená-lo por isso.
Para a nossa surpresa, voltou a nevar. Não sei se isso é bom,
mas espero que continue nevando pouco. Não tenho a intenção de
ficar presa neste lugar esquecido por Deus.
Joseph e sua esposa vão na frente.
Adam suspira e desvia o olhar.
— É tudo tão... enfeitado — ele diz, entediado.
Abro um pequeno sorriso.
— Achei aconchegante.
Adam me fita e balança a cabeça negativamente.
— Vamos, precisamos achar um telefone.
Sigo-o na direção da casa e então Joseph nos apresenta ao
senhor sentado na cadeira de balanço. Ele tem noventa e cinco
anos e está lúcido como alguém de vinte. É impressionante.
— Vocês são um casal muito bonito — ele diz, deixando-me
envergonhada.
Já é a segunda vez que nos confundem com um casal.
— Não somos um casal — digo. — Ele é o meu chefe.
O homem faz uma careta.
— E por que não podem ser um casal? Chefes também se
apaixonam.
Dou risada, mas Adam não parece achar graça.
— Não deem ouvidos ao meu pai. — Colleen vem em nossa
direção e nos guia para dentro da casa. — Fiquem à vontade.
Ela nos ajuda a retirar nossos casacos, nossas luvas e a
minha touca. Enquanto ela leva tudo para pendurar, aproveito para
vasculhar o hall de entrada.
Há uma escada que leva para o andar de cima, e atrás
acredito que seja a porta da cozinha. Do lado esquerdo há uma sala
grande com uma lareira acesa e uma gigantesca árvore de Natal
que não está completamente decorada, para a minha surpresa. Na
lareira há várias meias e algumas fotos.
— Esses são os nossos hóspedes — Colleen explica ao me
flagrar observando suas coisas. — Venha, vou lhe preparar um
chocolate quente.
Joseph puxa Adam para outro lado, enquanto Colleen me guia
para o sofá. Espero que ele consiga usar o telefone.
— Não se preocupe, Joseph vai ajudar o rapaz — Colleen diz,
acalmando-me. — Fique à vontade, já volto.
Ela sai da sala e eu não consigo me manter sentada. Levanto-
me e me aproximo da janela.
A neve engrossou em questão de minutos.
Meu Deus... precisamos de um telefone logo, antes que uma
nova nevasca nos impeça de sair daqui. Porque, convenhamos,
com a sorte que nós estamos, só falta bloquearem as estradas e
ficarmos presos aqui.
— Eu vou mudar o meu pedido para o Papai Noel. — A voz de
um homem interrompe minha reflexão e eu me volto para ver quem
é. — Olá, moça. Desculpe, mas não sei quem você é.
— Nossa, Harry... seja mais educado. — A moça ao seu lado o
cutuca. — Nos apresente primeiro.
Deparo-me com um casal bem jovem.
A mulher não deve ter mais do que vinte anos, tem cabelos
curtos e espetados. O rapaz tem os cabelos claros e olhos verdes.
Ambos são altos e usam casacos em tons de vermelho com
detalhes de árvores de Natal.
— Olá — abro um meio-sorriso —, sou Nancy.
— Olá, Nancy — eles dizem juntos.
— Eu sou Harry e esta é a minha querida namorada, Francine.
Não sabia que a dona Colleen tinha mais hóspedes por aqui.
— Ah, não... — Quando abro a boca para responder, Adam
entra na sala com uma feição sombria.
— O telefone não funciona — ele diz. — E acabei de ver no
telejornal que emitiram um alerta vermelho e bloquearam as
estradas por causa da nevasca.
Ai, meu Deus do céu.
Ferrou.
Adam
Apesar de não gostar do Natal e de já ter acontecido coisas
em minha vida que me levaram a detestar ainda mais essa data,
não me ocorreu que algo poderia acontecer desta vez.
Aliás, com essa terrível notícia, já podemos somar três coisas
ruins acontecendo de uma só vez!
— O que vamos fazer? — Nancy pergunta, arregalando
levemente os olhos castanhos. — Meu Deus, nós precisamos
recuperar nossas coisas...
— Nossas coisas são o de menos — retruco, irritado. —
Chegar a Vermont é o principal e se não liberarem as estradas, não
vamos chegar a tempo!
— Ah, me desculpe se você não se importa com as coisas que
foram roubadas, porque você é rico o suficiente para comprar tudo
novo! — Nancy cruza os braços, irritada. — Eu não posso, porque o
salário que eu recebo mal dá para pagar minhas contas básicas!
O silêncio recai enquanto Nancy e eu trocamos olhares irados.
Mas o que deu nessa garota agora? Mesmo que ela não saiba de
todos os meus motivos, será que ela não percebe que não posso
perder um contrato como esse?
— Ahn... — Joseph dá uma tossida. — A maioria dos nossos
quartos está em reforma, mas há espaço para vocês ficarem
conosco.
Olho para o homem e balanço a cabeça.
— Agradeço a oferta, Joseph, mas não posso. Preciso chegar
a Vermont, de um jeito ou de outro.
— Mas, rapaz... — ele insiste.
— Não, eu preciso dar um jeito — digo e depois respiro fundo.
— Você pode me emprestar a caminhonete? Vou procurar algum
lugar para fazer uma ligação ou conseguir ajuda para sair daqui.
Eu podia ligar para Douglas, meu melhor amigo, e solicitar o
meu helicóptero que, por alguma força das trevas, decidi emprestar
para ele buscar sua família para o Natal.
— Rapaz, o tempo está feio... — um rapaz, que é alguns bons
centímetros mais baixo e eu sequer sei o nome, diz. — Olhe só, a
neve aumentou.
Olho para a janela e, realmente, a neve aumentou. Mas o que
eles esperam que eu faça? Fique aqui parado, esperando o tempo
melhorar para conseguir sair deste buraco dos infernos?
De jeito nenhum.
— Eu vou com cuidado — digo, então olho para Joseph. — E
então, pode me emprestar?
Relutantemente, Joseph assente e tira do bolso as chaves do
carro.
— Meu Deus do céu, você não vai fazer isso! — Nancy se
coloca na minha frente quando me viro na direção da porta. — Está
ficando louco? Você mesmo disse que bloquearam as estradas!
Seguro Nancy pelos ombros e fito seus olhos castanhos, que
agora carregam um tipo de pavor, como se eu fosse alguém
importante para ela.
— Eu vou procurar ajuda, Nancy. Prometo vir buscá-la.
Ela abre a boca para retrucar, mas balanço a cabeça
negativamente.
— Nada do que disser vai me fazer mudar de ideia, ok? Fique
aqui com eles, vou resolver esse problema.
Então me afasto de Nancy e dos outros que me olham como
se eu fosse um verdadeiro louco.

— Adam, pelo amor de Deus! — Nancy sai atrás de mim


enquanto estou indo na direção da caminhonete. — Quer dizer, me
desculpe chamá-lo pelo nome! Ou, nem sei... mas espere, por favor!
Paro de andar e me viro para ela.
— Qual o problema em me chamar de Adam? — pergunto,
confuso.
— Geralmente o chamo de “senhor Johnson” — ela responde,
como se fosse óbvio.
Bem, nisso Nancy tem razão. Nunca a ouvi me chamar assim,
sempre usando “senhor” na frente. Mas isso nunca foi algo que eu
impus, até porque dentro da empresa existem pessoas que me
chamam pelo primeiro nome tranquilamente.
Nancy sempre foi muito correta, essa é a verdade.
— Não se preocupe. — Puxo a maçaneta da porta e abro a
caminhonete velha. — Nancy, vá lá para dentro. Está muito frio e
nevando. Não quero que você fique doente.
Porque eu não duvido que isso possa acontecer, afinal, o que
mais o destino pode me reservar de tão ruim?
— Adam, não faça isso! — Nancy gruda na porta do carro e
isso está começando a me irritar. — É perigoso!
— Se você ficar empoleirada na porta do carro, realmente vai
ser perigoso — retruco, colocando o cinto de segurança. — Por
favor, Nancy. Eu preciso fazer isso.
Ficamos em silêncio por vários instantes, apenas nos
encarando.
A neve está caindo nos cabelos castanhos de Nancy e essa é
uma visão muito bonita para se admirar.
Só que o problema é que não posso ficar aqui parado.
Não sei o que Nancy está pensando, porém sei que ela não
concorda com o que estou fazendo. Mas também sei que preciso
dar um jeito de sair deste buraco dos infernos e chegar a Vermont.
Perder esse contrato seria como dar de bandeja a vitória de
Katherine.
E isso eu não posso aceitar. Já bastam outros contratos que
eu perdi no ano retrasado.
— Vá com cuidado. — Nancy solta a porta e se afasta alguns
metros.
Ligo a lata velha e dou ré.
Eu sempre tenho cuidado.

A neve triplicou desde que saí da pousada, há uma hora.


E além dos problemas de enxergar o caminho à minha frente,
já que a luz do dia se foi dando lugar à escuridão, percebi só agora
que o marcador de combustível desta lata velha está quebrado.
Somando a isso, não consegui encontrar ninguém que
pudesse me dar a direção para chegar ao posto de gasolina que
estivemos mais cedo.
Acho que estou perdido.
Que inferno!
Só o que me falta é ficar perdido no meio do nada para
congelar até a morte.
Para ajudar, estou morrendo de fome. A última coisa que comi
foi um sanduíche antes de irmos para o aeroporto.
Faço uma curva e, de repente, a caminhonete começa a
engasgar.
Ah, não...
Não, por favor.
E ela, simplesmente, vai parando devagar, até parar de vez.
PELO AMOR DE DEUS!
Não sei o que eu fiz de tão errado na vida para que as coisas
deem errado para mim.
Sempre fui um bom filho, embora meus pais sejam péssimos.
Nunca colei na escola, me formei com honras na faculdade. Nunca
traí minha companheira e, mesmo assim, tudo o que eu recebo é
desgraça como presente de Natal.
— Porra! — Enfio a cabeça no volante e soco algumas vezes o
painel. — Que desgraça!
Solto mais alguns outros palavrões, na tentativa de aliviar o
meu estresse e a minha má sorte.
Respiro fundo várias vezes.
Não posso ficar aqui dentro do carro, no meio do nada. Preciso
dar um jeito de voltar para a pousada e conseguir ajuda. Senão,
daqui a algumas horas, serei apenas um pedaço de gelo dentro
desta lata velha.
Pego a chave da caminhonete e salto do carro. Acho que
estou em alguma estrada, não consigo enxergar direito por causa da
nevasca. Também não faço ideia de que horas são, mas sei que
está escuro.
Solto o freio de mão da caminhonete e a empurro para fora da
estrada. Com sorte, vou conseguir ajuda e vir rebocá-la depois.
— Fique aqui, lata velha dos infernos — resmungo, dando
alguns passos para trás. — Você não serviu nem para cumprir o seu
dever de me levar até algum lugar civilizado neste buraco esquecido
por Deus!
A raiva fervilha dentro de mim com força, enquanto dou vários
passos para trás. Agora preciso escolher um caminho a seguir e
rezar para chegar em algum lugar.
Sinto-me dentro da cidade de Silent Hill e não duvido que
monstros possam aparecer para me devorarem a qualquer
momento.
A nevasca está muito forte. Não consigo enxergar nada.
Ouço um barulho de motor.
Será que é um carro?
Mas de qual lado está vindo?
Viro-me para olhar do outro lado, porém, acho que é tarde
demais.
Uma luz amarela vem em minha direção, seguida de uma
buzina e, em questão de segundos, meu corpo é atingido por uma
superfície dura e dor... dor... é só isso o que sinto.
Até que meus olhos se fecham.
Nancy
— Minha filha, você está plantada aí faz quase uma hora. — A
voz de Colleen me tira dos meus devaneios e eu me volto para ela.
Ela sorri.
— Trouxe mais um chocolate quente para você. — Ela me
entrega uma xícara quentinha, que ainda está soltando fumaça.
Agradeço e seguro a xícara com as duas mãos, para
aproveitar o calor e esquentá-las.
Ela tem razão em dizer que estou plantada em pé ao lado da
janela há um bom tempo. Adam saiu há muitas horas. As pessoas
da casa estão até se preparando para irem dormir e nada, nenhuma
notícia do meu chefe cabeça-dura e eu confesso que estou muito
preocupada.
— Ele deve ter encontrado alguém — Colleen diz, tentando
soar animada.
— Ele deve ter se perdido.
— Ou, então, ele chegou na próxima cidade e ficou preso, sem
poder vir te buscar.
Tomo um gole do chocolate.
— Ele deve ter ficado preso na nevasca.
Colleen dá uma risadinha e eu respiro fundo.
A noite foi ótima, essas pessoas realmente são bem legais.
Além do casal de mais cedo, conheci mais um casal de indianos,
Hassif e Maya, que estão hospedados aqui porque também desejam
partir para Vermont em breve.
Agora, eles estão sentados na sala aquecida pela lareira,
contando histórias de Natais passados, enquanto estou aqui feito
uma idiota rezando para que esteja tudo bem com meu chefe
desmiolado.
— Nancy, vem se sentar com a gente — Maya, a esposa de
Hassif, me chama. — Seu namorado deve estar chegando, não
fique preocupada.
— Adam não é meu namorado — retruco enquanto me
aproximo de uma poltrona vazia e me sento. — É o meu chefe.
Maya arregala os olhos e ri.
— Ah, me desculpe... é que pela sua preocupação, achei que
fosse seu namorado.
Já é a quarta vez que dizem isso e estou começando a ficar
preocupada. Um namorado como Adam? Pelo amor de Deus.
Ele é tudo o que eu não gosto em um homem: arrogante,
cabeça-dura, acha que o mundo precisa ser do jeito que quer.
Apesar de ser um homem sexy e muito bonito. Mas isso não é o
suficiente para anular sua personalidade e chamar a minha atenção.
— Com o que vocês trabalham? — Hassif pergunta, trazendo-
me de volta.
— Trabalhamos no ramo editorial. Eu sou secretária de Adam
e estávamos viajando para fechar um contrato.
— Céus... viajando, em pleno Natal, a trabalho? — Harry
suspira. — Seu chefe deve ser workaholic.
Adam não só é workaholic, como também usa disso para fugir
das datas comemorativas. Mas isso eu não vou comentar com
essas pessoas, por mais legais que sejam.
O assunto Adam traz à tona outros relacionados à região.
Joseph conta sobre sua vida nesta cidadezinha esquecida por Deus
e sobre como herdou a casa/pousada.
É interessante a sua história e mergulho nela, deixando meu
chefe turrão de lado, quando ele é interrompido pelo barulho de uma
buzina.
— Deve ser ele! — Pulo do sofá, agitada demais para me
conter.
— Mas essa não é a buzina da minha caminhonete — diz
Joseph, enquanto sigo para a janela.
E ele tem razão, porque apesar de estar nevando com força,
conseguimos ver a caminhonete do lado de fora, e não é a de
Joseph. É velha também, mas é de outra cor.
— É o Bruce — diz Colleen, acima de mim. — Ué, já é quase
meia-noite. O que será que ele está fazendo aqui?
Eu não sei quem é Bruce, mas meu coração sente uma
pontada ao ver que não é Adam.
Bruce desce da caminhonete e me surpreendo ao ver que ele
está vestido como o Papai Noel. Ele dá uma olhada na direção da
casa e depois contorna o veículo até a outra porta. Parece que há
alguém com ele.
— Bruce deve ter trazido presentes — Joseph diz. — Céus,
mas ele nunca é de vir aqui a essas horas...
Bruce puxa para fora algo... e, espera. É realmente uma
pessoa.
E é neste momento que meu coração dá um salto ao
reconhecer o homem que ele está trazendo, apoiado em seu corpo.
— Meu Deus do céu, é o Adam! — Dou um grito e passo pelas
pessoas em direção à porta principal.
Os outros me seguem, também aflitos. Abro a porta com tudo,
sem me importar com a ventania ou com a neve.
Adam está vindo, com metade de uma perna engessada,
apoiado no tal Bruce.
— Céus, o que aconteceu? — Aproximo-me de ambos.
Desespero, esse podia ser o meu sobrenome neste momento.
— Eu acho que morri — Adam diz com a voz completamente
grogue.
— O quê?
— Vem, Bruce. — Colleen me afasta para que ele termine de
acompanhar Adam até a casa. — Traga-o logo.
Joseph o apoia do outro lado e eles seguem para dentro.
— Eu fui ao inferno, Nancy! — Adam diz, completamente fora
de si. — Ganhei um doce do diabo.
Por alguma razão, meu coração se aperta e eu levo uma mão
à boca. Meus olhos ardem com lágrimas.
Esse idiota podia ter morrido!
— Vem, querida. — Colleen me puxa para dentro. — Ficar aqui
no frio só vai fazer mal para nós.
Os outros casais estão em silêncio, observando tudo, pasmos.
Eu já nem sei o que dizer.
— Ele precisa descansar — Bruce diz com sua voz grossa,
assim que entramos na casa. — Onde é o quarto que ele vai ficar?
— Infelizmente, o quarto que fica aqui embaixo está
desativado — Colleen diz. — Vocês conseguem levá-lo até lá em
cima?
— Claro, Colleen — Bruce diz. Adam tenta se virar na minha
direção, mas Bruce o puxa de volta. — Vem, rapaz, você precisa
descansar.
Eles sobem as escadas devagar, apoiando Adam com sua
perna engessada.
Só me permito respirar quando já estão subindo.
— Eu vou junto.
— Por favor, nos dê notícias assim que possível — Francine,
esposa de Harry, diz. Os outros concordam.
— Claro, claro.
Subo os lances de escada e acompanho-os até o último quarto
do corredor, onde Colleen já está abrindo a porta para os homens.
Eles colocam Adam deitado em cima da cama e respiram fundo.
— Vai precisar manter a perna dele um pouco erguida — diz
Bruce, colocando as mãos na cintura.
O quarto está iluminado apenas com um abajur. Mesmo assim,
consigo ver o pequeno curativo acima da sobrancelha de Adam e as
suas feições de quem foi atropelado por um caminhão.
— A menina está aflita, querendo saber o que houve, não é?
— Bruce pergunta, com sua voz imperiosa. Balanço a cabeça
afirmativamente. — Eu vou contar tudo, mas acho melhor
descermos para deixar o rapaz descansar. — Ele se vira para
Colleen. — Tem daqueles biscoitos que só você sabe fazer?
— Para a sua sorte, eu tenho.
Eles dão uma risadinha entre si e me deixam a sós com Adam.
Ele está com os olhos fechados e eu sei que devo deixá-lo
descansar, mas meu coração está tão apertado.
— Meu Deus, o que houve com você? — Aproximo-me da
cama e me sento ao seu lado.
Ele faz uma careta.
— Eu já cheguei ao céu? O diabo não me quis porque disse
que sou muito rabugento. — Ele ri, mas então faz uma careta. —
Porra, minha cabeça está doendo demais!
— Quer um remédio?
Adam faz outra careta.
— Não grite... tudo dói.
Respiro fundo.
— Ok, eu vou sair e deixar você dormir.
Levanto-me, mas então sinto sua mão segurar o meu pulso.
Viro-me e ele está me encarando como se eu fosse a única pessoa
no mundo capaz de aliviar sua dor.
— Por favor, fique. Não vá... pelo menos, até eu dormir.
Tenho um milhão de perguntas, mas sentir a sua mão forte
segurar o meu pulso me faz ter a certeza de que elas podem
esperar.
Ele está vivo.
Com um machucado no rosto e uma perna engessada.
Mas vivo.
E é isso o que importa.
— Ok, feche os olhos e durma. — Abaixo-me e ajeito seu
travesseiro.
Adam fecha os olhos enquanto respira fundo e não leva muito
tempo para cair em um sono profundo.

Quando desço as escadas, os outros casais já se retiraram e


ficaram apenas Colleen, Joseph e Bruce, tomando chá e comendo
biscoitos.
— Olá, menina — Bruce me cumprimenta. — Acho que não
fomos apresentados.
— Sou Nancy, secretária de Adam. — Estendo a mão e o
homem parece ficar surpreso por eu não dizer que sou a namorada.
— Sim, ele é meu chefe.
Ele olha para Joseph e Colleen que apenas balançam a
cabeça afirmativamente.
Sento-me em uma poltrona.
— Por favor, me conte o que aconteceu.
— Ah, sim... é claro. — Bruce larga o prato de biscoitos de
lado e respira fundo. — Esse rapaz é muito louco, sabia? Sorte dele
que eu estava devagar. Quem, em sã consciência, entra na frente
de uma caminhonete?
Arregalo os olhos.
— Ele entrou na frente da caminhonete por vontade própria?
O homem suspira.
— Não, bem... não sei. O que eu sei é que o acertei. Ele rolou
alguns metros e é claro que eu me vi na obrigação de levá-lo até um
hospital. Só que o único hospital que temos fica a umas boas milhas
de distância, por isso demoramos muito. Por sorte, ele apenas
torceu o tornozelo. Logo vai ficar bem.
— Mas por que metade da perna dele está engessada?
— Prevenção, menina. — Bruce enfia na boca outro biscoito e
dá de ombros.
Ah, céus.
Respiro fundo e tento colocar em ordem essa enxurrada de
informações. É claro que tem coisas que eu só vou saber quando
Adam acordar e estiver em condições de contar tudo o que houve.
— Como sabia para onde trazê-lo? — pergunto.
— Mesmo com a enxurrada de medicação para dor que tomou,
ele ainda estava consciente para dizer o nome de Joseph. Então, eu
assimilei e o trouxe de volta.
Esta viagem está dando errado desde o começo e eu estou
simplesmente exausta.
— Obrigada por salvá-lo — digo, sendo sincera. — Adam é um
bom chefe.
O homem dá uma risadinha.
— Pela sua preocupação, mocinha, me parece que ele é muito
mais do que apenas o seu chefe.
Minhas bochechas esquentam no mesmo instante, mas estou
exausta demais para retrucar com o homem vestido de Papai Noel
que atropelou Adam. Então, decido me levantar.
— Estou exausta, preciso descansar deste dia terrível. —
Espreguiço-me. — Colleen, poderia me mostrar qual será o meu
quarto?
Colleen me olha por alguns instantes.
— Então, menina... só temos um quarto disponível. E é onde o
seu chefe está.
Paraliso com suas palavras.
Ela havia dito que eu poderia ficar em um quarto e...
— Eu achei que seu chefe não voltaria — ela diz, como se
tivesse lido os meus pensamentos. — Mas acredito que ele não vá
se importar de dividir o quarto com você, não é?
Céus, isso é tudo um pesadelo?
Adam não vai se importar, é claro, mas eu sim. Eu queria
privacidade para ficar deitada na cama sem roupa, pensando na
minha vida medíocre, enquanto amaldiçoo a existência de um chefe
teimoso e arrogante que odeia o Natal.
Lembro-me das histórias que estávamos comentando dentro
do carro e... não, isso não é possível.
Espero que as coincidências parem por aí.
— Acredito que não. — Forço o meu melhor sorriso. — Vou me
retirar. Boa noite, e... obrigada por tudo.
Eles sorriem e dizem que não preciso me preocupar.
Mas eu acho que preciso, sim.
Tudo está conspirando contra nós.
Nós trabalhamos com literatura, mas isso não significa que
aquelas histórias precisam acontecer em nossa vida.
Subo as escadas lentamente. Por sorte, o quarto tem um
banheiro adjacente e eu posso me trocar lá.
O problema é que eu não tenho roupas de dormir.
Ah, céus.
Eu estou tão ferrada.
Adam
A consciência vai voltando conforme abro meus olhos, bem
devagar.
Isso, acima de mim, é um teto de madeira escura. Aquilo ali,
bem no meio, é uma luminária que deve ser dos anos 80. Abaixo de
mim é um colchão bem macio e...
Ai, cacete, minha cabeça dói como o inferno.
Levo as mãos à cabeça e me viro para o lado direito, onde há
uma janela, porém, também há um corpo feminino bem ao meu
lado.
— O quê? Mas que po...
Sou interrompido pelos resmungos dela.
Ela se vira para o meu lado, espreguiçando-se.
É Nancy!
Mas, como assim, Nancy Smith veio parar na minha cama?
Ela abre os olhos lentamente e, assim como eu, leva um baita
susto.
— O que você está fazendo aqui? — disparo.
Minha secretária respira fundo, coça os olhos e se senta na
cama. Ela está de roupas íntimas?
Não sei, eu acho que estou morto e preso em algum lugar que
fica entre o purgatório e o inferno.
— Bom dia para o senhor também — ela retruca, com a voz
um pouco rouca. — Me desculpe invadir a sua cama, mas foi a
única disponível e eu o mandaria dormir no sofá, se fosse possível,
mas você fez o favor de ser atropelado!
Céus.
— Não grite, por favor. — Afundo a cabeça novamente no
travesseiro. — Minha cabeça ainda está doendo.
— É claro que está. — Nancy sai da cama e eu abro os olhos
para dar uma espiadinha.
Ela realmente está de roupas íntimas.
Um lindo conjuntinho rosa-bebê.
E... sendo sincero, acho que nunca vi coxas tão bem-
desenhadas como as de Nancy. E... veja só, ela também tem belos
seios, só que eu não posso ficar olhando.
Chega, Adam.
Nancy se veste rapidamente e então se aproxima de mim.
Droga, o espetáculo acabou.
— Tome isso.
Ela pega um comprimido e um copo de água.
— O que é isso? — pergunto.
— Remédio para dor — ela diz, erguendo levemente as
sobrancelhas. — E vamos combinar que, a partir de agora, quem
manda aqui sou eu.
Sento-me na cama com um pouco de dificuldade. Nancy me
entrega o comprimido e a água.
— Como vou saber que isso não são drogas?
Ela bufa.
— Eu te drogaria, se isso fizesse você deixar de ser tão
teimoso e idiota.
— Eu não sou idiota! — retruco. — Eu apenas fui atropelado
pela porra do Papai Noel!
Enfio o comprimido na boca e bebo a água.
As lembranças do acidente voltam à minha cabeça e eu sei
que é tudo uma grande loucura, mas minha vida já deixou de ser
normal há muito tempo.
— Você podia ter morrido! — ela diz, raivosa.
— Eu preferia ter morrido — murmuro, deixando o copo vazio
em cima da mesa de cabeceira.
Nancy fica em silêncio e eu já nem sei o que dizer. Sei que agi
como um idiota, mas agora todos os meus planos foram por água
abaixo, e saber disso me faz querer enterrar meu próprio corpo em
um jardim qualquer.
Katherine sempre sai na frente. Seja na arte de fechar
contratos ou de me fazer de otário.
— Como está a perna? — Nancy se senta ao meu lado,
passando uma mecha do seu cabelo castanho atrás da orelha.
Seus cabelos são sedosos e, por algum motivo muito bizarro,
sinto vontade de colocar minhas mãos ali e acariciá-los.
— Doendo — digo, sem ânimo.
Nancy suspira.
— Quer me contar o que aconteceu? Como você foi atropelado
pelo Papai Noel?
Ela está rindo com o olhar, mas não posso nem me dar o luxo
de ficar bravo. Nancy tem razão em rir. A minha vida é motivo para
as pessoas rirem e os acontecimentos só contribuem para isso.
— Eu me perdi na estrada por causa da nevasca — digo,
olhando para as minhas mãos. Elas estão imundas, preciso de um
banho urgente. — Para ajudar, só depois que estava, sabe-se Deus
onde, percebi que o marcador de combustível da caminhonete
estava quebrado. — Respiro fundo. — Saí furioso, ia deixar aquela
lata velha lá e caminhar para qualquer lugar. Dei alguns passos para
trás e, veja só, o resto você já sabe.
— Não quero rir de você, mas não consigo.
Reviro os olhos.
— Você não é a primeira a rir das desgraças que acontecem
em minha vida.
Nancy fica em silêncio de repente e nossos olhos se conectam
por vários segundos.
Seus olhos são chocolates, assim como seus cabelos.
Que bela projeção.
E eu não faço a menor ideia do porquê estou tão atraído pela
minha secretária.
— Há algo que posso fazer para ajudá-lo? — ela pergunta,
parecendo tímida de repente.
— Ahn... eu gostaria de um banho, mas acho que consigo me
virar.
— Posso pedir aos meninos para virem ajudá-lo — ela diz. —
Ou, se você quiser, posso preparar o chuveiro e...
— Não — a corto, puxando o lençol de lado. — Se os rapazes
puderem me ajudar, já está bom.
Ela me olha por vários segundos e depois assente.
— Tá bom, eu vou chamá-los.
— Ok.
Nancy se afasta até o armário e pega o seu casaco. Ela o
veste e sai do quarto sem dizer mais nada.
O que mais eu posso esperar deste Natal?

Nancy
Dizer que eu não pensei em Adam totalmente sem roupas,
enquanto toma banho, é uma mentira que não posso contar.
Só que isso é loucura e eu não posso enraizar esse tipo de
pensamento na minha cabeça. Ainda mais com o meu chefe
maluco.
Desço as escadas praticamente correndo e viro à direita, mas
dou de cara com Francine, Maya e Colleen.
— Ora, bom dia, Nancy — elas me cumprimentam com um
sorriso sugestivo.
— Como foi dividir a cama com o chefe? — A pergunta vem de
Maya.
— Ahn... — Dou uma tossida. — Dormimos, foi isso. Cuidei
para que se ele acordasse com dor, eu pudesse lhe dar os
remédios.
O que é uma grande mentira, porque assim que caí na cama,
não me lembro de mais nada.
— Ah, que bom. — Colleen sorri. — Você quer preparar seu
café da manhã? Ainda tem waffles e...
— Então, na verdade, eu gostaria de ver se os homens podem
ajudar Adam a tomar banho — digo, cortando Colleen. — Ele está
bem... sujo. E ele é do tipo que não consegue comer sem estar
bem... limpo. Sabe como é, né?!
As mulheres ficam em silêncio por alguns instantes.
— O problema é que Joseph saiu com Harry, Hassif e meu pai
— Colleen diz. — Eles foram caçar e procurar mais lenha. Duvido
que voltem tão cedo.
Ai, meu Deus.
— Entendo... — Mordo o lábio. — Bom, vou tentar fazer Adam
comer assim mesmo.
As mulheres sorriem.
— Ou então, dê banho nele você mesma — Francine diz,
passando por mim.
Essas mulheres realmente estão querendo ver uma história
superquente entre meu chefe e eu? Só pode ser isso, pela forma
como elas falam.
Loucura. Simplesmente loucura.
Sigo para a cozinha e tento preparar o melhor café da manhã
que já fiz em anos.

Adam
— Não, eu não vou comer. — Balanço a cabeça
negativamente.
Nancy está segurando uma bandeja farta à minha frente e eu
tenho certeza de que está delicioso.
Mesmo assim...
— Você precisa comer!
— Não vou comer assim, com as mãos sujas e... — Puxo o
meu casaco e cheiro. Céus, eu estou fedendo mais que as águas do
Tâmisa na Era Vitoriana.
— Os homens saíram para caçar e procurar mais lenha para
as lareiras. — Nancy coloca a bandeja em cima da mesa de
cabeceira e suspira, sentando-se ao meu lado. — Você vai ter que
esperar eles voltarem então.
Inferno.
Eu sou o homem mais azarado do mundo, não é possível.
— Você pode me ajudar, Nancy.
— Eu? — Ela dá um pulo para trás, ficando em pé. — Eu não
posso ver você pelado e...
Reviro os olhos.
— Você não vai me ver pelado — a corto. — É só me auxiliar a
tirar as roupas principais e me ajudar a ir até o banheiro. O resto eu
consigo fazer.
Nancy me encara por longos instantes, pesando se o que eu
disse faz sentido ou não.
— Ok, se for desse jeito...
Nem eu quero que minha secretária me veja nu. Isso pode
trazer algum tipo de má sorte secundária, vai saber.
Nancy me ajuda a arrastar o cobertor para longe e, em
questão de segundos, ela me auxilia a tirar a camisa, depois a
camisa térmica, e quando isso acontece, ela simplesmente para,
com a feição de quem acabou de ver um monstro.
— O que foi agora, Nancy?
— Você tem uma tatuagem! — ela diz, aproximando-se para
ver a tatuagem em meu peito.
— Ah... é isso. — Dou um suspiro. — Eu fiz quando tinha
quinze anos.
A tatuagem é apenas uma fênix que está posicionada bem
acima do meu coração. O que era para me lembrar que mesmo
diante das circunstâncias ruins, podemos renascer.
O problema é que na teoria isso é lindo, porém, na prática...
— Vire-se para mim — Nancy pede, ajoelhando-se ao lado da
cama. — Consegue?
Apesar de uma parte da minha perna estar engessada,
consigo virar-me para ela. Abro o botão da minha calça e ela me
ajuda a tirar, deixando-me apenas com a cueca boxer.
Nancy não olha muito em minha direção. Ela vira o rosto
sempre possível e faz apenas o essencial. O que não é ruim, mas
também não me ajuda muito. Preciso que ela foque nisso para que
eu consiga tomar o meu banho sem empecilhos.
— Vou abrir o chuveiro, já volto.
Ouço o barulho da água caindo com força. Logo depois, Nancy
sai do banheiro, olha para os lados e é como se uma lâmpada se
acendesse em sua cabeça. Ela vai até a mesinha que fica na outra
extremidade do quarto e puxa uma das cadeiras.
— O que está fazendo? — pergunto, franzindo o cenho.
— Vou colocar uma cadeira para você se sentar, ué. — Ela dá
de ombros. — Você não vai conseguir ficar em pé, se equilibrar e
tomar banho ao mesmo tempo.
Nancy tem razão e eu bufo em resposta.
Acho que não existe ninguém mais azarado como eu nos
Estados Unidos inteiro, que chega a ser atropelado por um cara
vestido de Papai Noel em pleno Natal.
Lembro-me pouco do homem e do hospital onde estivemos.
Lembro-me apenas que eu queria morrer. Pelo menos, eu não teria
que passar por mais nenhum outro Natal infernal.
Nancy volta, mais animada do que antes.
— Vamos? — Ela se abaixa para que eu apoie meu braço em
seus ombros. — Devagar, senão vamos cair.
Levanto-me devagar, procurando não colocar muito peso sobre
o corpo pequeno de Nancy.
Suas mãos seguram a minha cintura e com paciência ela me
ajuda a dar um passo de cada vez.
As mãos de Nancy são quentes.
Será que ela não quer reconsiderar me dar um banho?
Diabos, Adam! O que colocaram naquele coquetel de remédios
no hospital?
Porque sim, esses pensamentos só podem ser advindos disso.
Eu caí, bati a cabeça, fiquei louco. É isso. Não há outra resposta.
Com dificuldade, chegamos ao banheiro. Ele é dez vezes
menor do que o banheiro da minha suíte em Manhattan, mas isso
não importa. Pelo menos, não agora.
— Vou sentar você com cuidado. — Nancy vai me virando de
costas e aos poucos consigo ficar na posição certa. — Pronto, vai
se sentando bem devagar.
Consigo sentar a minha bunda na cadeira ao mesmo tempo
que sinto a água descer sobre o meu corpo.
Alívio.
Prazer.
— Tem que tomar cuidado para não molhar a perna — Nancy
diz em tom de alerta. — Vou deixá-lo um pouco, já volto.
— Nancy?
Antes de chegar à porta, ela se vira.
— Hum?
— Pode me passar o sabonete? — Aponto para o sabonete
em cima da pia.
— Ah, claro. — Ela dá um meio-sorriso e se apressa a pegar o
sabonete e me entregar.
— Obrigado. — Começo a me ensaboar e, por um milésimo de
segundo, vejo o olhar de Nancy deslizar sobre o meu corpo junto
com o sabonete.
Será que é impressão minha ou ela está admirando o meu
peitoral?
— Eu já volto! — ela diz com uma manchinha vermelha em
cada uma das bochechas.
Hum, acho que Nancy gostou do que viu.
Resolvo provocá-la.
Não estou no meu normal, mesmo.
— Nancy? — a chamo novamente.
Ela volta, com uma careta frustrada.
— O que é, Adam?
Arqueio uma sobrancelha.
— Vai me chamar pelo primeiro nome agora, é?
— Você disse que podia.
— É, eu disse. — Abro um sorriso e depois fecho. A verdade é
que não me lembro de muitas coisas, mas sei que ouvir o meu
nome saindo de seus lábios é... confortável. — Temos um pequeno
problema nisso aqui. — Aponto para a cadeira.
— E qual é o problema? — Ela coloca as mãos na cintura.
— Não consigo lavar minhas costas... — Faço um olhar
inocente. — Preciso que alguém faça isso. E acho que esse alguém
vai ter que ser você.
Quase posso ver fumaça saindo da cabeça da minha
secretária.
Pois é, Nancy Smith, eu também sei ser um cretino em outras
áreas da minha vida.
Principalmente, quando envolvem as mãos quentes de uma
mulher.
Nancy
Adam não é o tipo de homem que pede coisas por pedir. Ele é
astuto, genioso, ligeiro como uma raposa. Só preciso ter certeza de
que ele está fazendo isso porque realmente quer a minha ajuda ou,
simplesmente, porque quer atormentar a minha vida.
É mais provável a segunda opção.
— Eu lavo suas costas — anuncio. — O que mais você
precisa?
Ele dá de ombros.
— Acho que vou precisar de mais coisas, mas, para começar,
já está bom.
É uma pena que o negócio que íamos fechar em Vermont
provavelmente não vai dar certo. Nesses momentos, eu sinto que
merecia ganhar aquela comissão só pelo fato de aguentar o meu
chefe por esses dias. Afinal, sabe-se lá quando vamos conseguir
sair daqui.
Pego o sabonete que Adam estende e vou para atrás dele,
tentando não me molhar com a água. Isso é praticamente
impossível e eu quase choro quando vejo a minha única roupa
molhando com a água do banho.
Nossa, eu quero matá-lo.
Desço o sabonete pelas costas macias de Adam. Ele tem
belas costas, de quem faz muita flexão. De quem gosta de cuidar do
próprio corpo.
Ele solta um resmungo e eu afasto minha mão imediatamente.
— Machuquei você? — pergunto.
— Não, não... — ele diz, parecendo aflito. — Continue, por
favor.
Continuo o movimento de ensaboar as costas do meu chefe.
Céus, isso é meio erótico. Será que ele também tem consciência
disso ou estou apenas ficando louca?
Já não sinto mais vontade de matá-lo, embora minhas roupas
estejam molhadas. Não consigo desviar a atenção dos meus dedos
roçando na pele macia do corpo masculino.
Já faz um bom tempo que não toco em homem nenhum.
De repente, meus olhos recaem sobre a cueca de Adam e eu
arregalo os olhos ao perceber o que está acontecendo.
Não, não pode ser.
Mas é.
Adam está excitado porque estou ensaboando suas costas!
E que excitação!
Ai, meu Deus.
— Pronto, terminei. — Afasto-me, dando as costas para ele.
— Nancy, espere. — Sua voz é firme.
Preciso sair daqui para lidar com a imagem que eu acabei de
projetar em minha cabeça.
Só que... caramba. Não posso sair daqui e deixá-lo se virar
sozinho.
Vou esperar, porque preciso ajudá-lo a se secar e, céus! Não
pensamos no fato de que ele vai ter que tirar a cueca. E como ele
vai fazer isso, se não pode se abaixar ou nem levantar a perna?
— O que foi, Nancy? — ele pergunta com a voz divertida. —
Já terminei, pode fechar o registro.
Respiro fundo algumas vezes.
Preciso me acalmar. Meu chefe não precisa saber que ver sua
superereção me deixou nervosa.
Faz quanto tempo que não vejo o pau de um homem? Acho
que nas proporções de Adam, faz muito tempo.
Pare com isso, Nancy. Ereção em homem é algo normal. Não
quer dizer que ele ficou assim por causa das suas mãos.
Vamos pensar dessa forma, pelo menos, por enquanto.
Fecho rapidamente o registro, sem olhar diretamente para ele.
É neste momento que vejo seus olhos grudados em mim e
levemente arregalados.
— Parece que você tomou banho comigo.
Se fosse em outras situações, sua frase não cutucaria nada
dentro de mim, mas agora, depois de eu ter ensaboado suas costas
deliciosas e ainda ter visto o Super-Adam preso dentro da cueca,
acho que não pega bem.
— Ahn, que droga! — resmungo, olhando para minhas roupas.
— Mas não tem problema. Ahn, vou pegar a toalha para você se
secar.
Saio correndo do banheiro e dou algumas voltas, atordoada.
Por que diabos estou pensando em safadeza com meu chefe
dentro do banheiro?
Pelo amor de Deus, ele está com a perna machucada.
Mas isso não impede...
Cale a boca, mente maldita!
Pego a toalha em cima da cama e volto para o banheiro. Adam
parece um gato escaldado.
— Obrigado — ele diz, estremecendo.
Ele se seca da maneira que dá, onde consegue. Quando
chega na vez de secar as costas, ele me entrega a toalha e faz uma
careta de quem pede desculpas.
Ocupo meu lugar atrás da cadeira e seco suas costas. Depois
me coloco à sua frente e seco a parte de sua perna que molhou e a
outra que molhou por inteiro. Tudo isso desviando o olhar do Super-
Adam. Ou, pelo menos, tentando.
— Vamos fazer igual quando viemos para cá, mas agora você
vai ter que ter muito mais cuidado, porque o banheiro está molhado,
ok? — pergunto, olhando dentro dos seus olhos.
Ele assente.
Coloco-me ao seu lado e Adam passa o braço pelos meus
ombros. Só que nessa posição não há como não olhar para o seu
pau, que ainda está bem vivo dentro da cueca.
Santo Deus.
— Cuidado, Nancy — ele diz, alheio ao seu próprio corpo. —
Estou mais pesado agora molhado, do que antes.
Não digo nada, apenas assinto.
Sustento seu peso e o ajudo a dar o primeiro passo. Adam
está quente agora e cheiroso. Inferno, por que meu chefe precisa
ser gostoso assim? Deveriam criar uma lei proibindo chefes
gostosos de ficarem quase nus perto de suas secretárias.
Ah, é. Isso geralmente não acontece. Só em histórias e...
— Ai — Adam reclama quando passamos a porta do banheiro.
— Pisei com a perna errada.
— Cuidado — digo, ainda guiando-o na direção da cama.
— Nancy — ele diz, quando damos mais um passo.
— O quê?
— Minha cueca está pingando. Preciso tirá-la.
Cacete...
— Não consegue fazer isso sozinho? — pergunto, cansada de
segurá-lo. Ele é pesado para um inferno.
— Acho que se eu me sentar na cama, mas só consigo até
certa parte. — Ele coça a cabeça. — Ah, qual é, Nancy? Nunca viu
um homem nu?
— Já, mas não o meu chefe...
— Que está impossibilitado por causa de um acidente!
— Que teria sido evitado se ele tivesse esperado a nevasca
parar — retruco.
Adam bufa.
— Por favor, Nancy. Isso já é humilhação suficiente para uma
vida.
— Tudo bem, eu o ajudo. — Respiro fundo. — Mas vamos,
você está pesado demais.
Ele aperta o passo e nós conseguimos caminhar mais
rapidamente até a cama.
— Vamos virando devagar... — digo lentamente. — Assim...
Adam vai virando o corpo na direção da cama, porém, algo
acontece, ele solta um grito e se agarra a mim. Eu perco o equilíbrio
e já não tenho mais forças para sustentá-lo.
Em questão de segundos, vamos os dois para o chão.
— Você está bem? — ele pergunta, encarando meus olhos.
Não sei se estou bem, só sei que eu caí e que Adam está em
cima de mim. Com a sua cueca molhada encostando em mim e tudo
o mais.
— Eu acho que...
Fito o seu rosto bonito e, de repente, não consigo deixar de
olhar para os seus lábios. Será que ele percebe que estou, neste
momento, pensando em como seria beijá-lo?
Em que planeta estou, para achar que isso é normal?
Há poucos minutos, eu estava planejando formas de
assassiná-lo e agora estou aqui, hipnotizada por seus olhos azuis
tão vivos e seus lábios bem-desenhados que me fazem ter vontade
de...
Não sei.
Adam está dizendo algumas coisas, que não entendo, porque
estou seriamente pensando em beijá-lo.
Eu devo estar muito louca.
Se bem que... acho que Adam está se aproximando. Ou é
minha visão maluca? Talvez eu tenha batido a cabeça na queda e
agora estou sonhando com coisas impossíveis.
Coisas ridiculamente impossíveis.
— Nancy? — ele me chama e, desta vez, eu escuto.
— Sim?
— Eu vou te beijar.
Ele disse isso mesmo? Não sei bem definir o que estou
sentindo, mas...
— Aham — é apenas o que eu digo.
Adam desce a cabeça e eu fecho os olhos assim que sinto
seus lábios encostando nos meus.
Nossa, que sensação boa.
Sua boca suga a minha e, instantes depois, eu a abro,
deixando sua língua invadir-me com um beijo quente.
Nossa, esse homem é gostoso.
Subo as mãos pelas costas que eu ensaboei minutos atrás.
Sinto mãos subindo por dentro da minha camisa molhada.
Sinto seu pau contra a minha barriga.
Caramba, eu acho que bati a cabeça e estou sonhando
mesmo. É a única explicação para o que está acontecendo agora.
Só que, de repente, tudo vai ficando muito claro e percebo que
sim, Adam está me beijando. E nem é só isso. Eu já estou
arqueando meu corpo em sua direção, com a minha virilha
latejando.
Espera, como foi que chegamos a esse ponto?
— Não! — Viro o rosto, separando nossos lábios.
Ficamos em silêncio por vários instantes. Nossas respirações
estão aceleradas e o mundo parece entrar em foco novamente. O
que estava quente antes, agora está esfriando. Por outro lado,
minhas bochechas estão fervendo de tão vermelhas.
— Nancy, me desculpe — Adam diz, afastando-se e saindo de
cima de mim.
Ele se deita no carpete ao meu lado e ficamos por vários
segundos apenas ouvindo as nossas respirações.
Não sei se gosto do fato de Adam me pedir desculpas por ter
me beijado. Mas, por outro lado, sei que ele está apenas tentando
amenizar o clima esquisito que agora vai ficar entre nós.
Porque sim, isso foi... bizarramente esquisito.
— Tudo bem — digo, sentando-me. — Vamos, vou te ajudar a
levantar.
Adam me olha curioso, mas não diz nada.
Com muito esforço, consigo ajudá-lo a se levantar e devagar
chegamos até a cama.
Não trocamos mais nenhuma palavra.
Só o que sinto é o formigamento e a memória tão vívida dos
lábios dele sobre os meus.
Droga.
Adam tira sua cueca e, de alguma forma, consigo não olhar
para suas partes íntimas, mesmo que elas tenham estado em minha
barriga há poucos minutos.
— Vou ver se Colleen empresta alguma roupa para você usar
— digo, sem encará-lo nos olhos. — E... agora você pode tomar seu
café da manhã. Só vou ver se consigo roupas para mim também e
já desço para esquentar o seu chá novamente.
Digo tudo de uma forma atropelada e sei que estou parecendo
patética, mas é isso o que eu tenho para o momento. Acabei de
beijar o meu chefe na boca e nem estou acreditando que isso
aconteceu.
Vou até a mesinha de cabeceira e pego a bandeja. Por sorte,
Adam já se cobriu.
— Já volto.
Ele assente, mas assim que chego à porta, diz:
— Nancy?
O que será que é agora?
Viro-me lentamente em sua direção.
Será que ele vai falar sobre o beijo? Não sei se estou
preparada para encarar esse assunto agora. Ainda nem sei se foi
real ou se é ilusão da minha mente maluca.
— Se puder trazer o controle remoto da TV... — ele diz. — Vai
ser bom ter uma companhia enquanto você esquenta meu chá.
Ele diz isso com a tranquilidade de quem está acostumado a
beijar garotas e depois fingir que nada aconteceu.
Maldito seja.
— É claro — digo entredentes. — É para já, chefe.
Deixo a bandeja em cima da cômoda e pego o controle
remoto. Entrego a ele, que sorri como uma criança que acabou de
ganhar doces.
— Obrigado, Nancy. Não sei o que faria sem você.
Quero dizer que eu sei o que eu faria sem ele em minha vida,
como, por exemplo, curtir o Natal com minha família e não presa em
uma nevasca, sem a minha mala, bancando a enfermeira, porque o
rapaz não sabe sossegar a bunda dentro de casa.
Falando em bunda, Adam também foi abençoado nesse
sentido.
Maldito seja!
Adam
O que deu na minha cabeça ao beijar Nancy Smith?
Ok, eu sei que ela é uma mulher bonita, chamativa... gostosa,
por assim dizer. Mas é minha secretária. E ela deve estar pensando
que eu sou o maior cretino dos Estados Unidos.
Não que eu não seja, mas eu sei ser cretino em outros
sentidos e não neste, que envolve sedução, essas coisas todas.
Cacete.
Como se não fosse o suficiente, ainda fiquei de pau duro
quando suas mãos encostaram em minhas costas. Maldita seja
Nancy, que sabe como lavar as costas de um homem.
— Voltei! — Ela abre a porta do quarto, voltando com a
bandeja. — Seu chá está quente, desta vez coma tudo, hein?!
Sim, claro. Estou morrendo de fome.
Nancy vem em minha direção. Está usando roupas diferentes,
que imagino que ela conseguiu emprestadas com as mulheres da
casa.
Não sei se gosto. Acho que gosto mais da forma como ela se
veste.
— Obrigado, Nancy — agradeço assim que ela coloca a
bandeja em meu colo. — Parece delicioso.
Na bandeja há chá, waffles com chocolate e morangos, ovos
mexidos, bacon e pão. Um verdadeiro banquete.
Ela sorri.
— Consegui algumas roupas dos meninos emprestadas para
você, vou buscar.
Penso em pedir que ela fique aqui comigo, porque, por algum
motivo, estou me sentindo aflito em ficar sozinho.
Que diabos há comigo?
Talvez tenha sido o acidente que mexeu com meus neurônios
e me deixou assim.
Devoro o café da manhã com rapidez. A fome que prevalece
em mim me faz sentir como se eu fosse um homem das cavernas.
Então uma notícia me chama a atenção na TV.

“As estradas que ligam o estado de Massachusetts aos demais


estados norte-americanos estão bloqueadas por causa da forte
nevasca. Ainda não temos previsão de quando as coisas voltarão ao
normal.”

Inferno!
Essa notícia me faz perder completamente o apetite.
— Meu Deus, que cara é essa? — Ouço a voz de Nancy e
então seu olhar vai de mim para a televisão. — Ah... as notícias.
Ela deve pensar que sou um sujeito louco por dinheiro que não
pode perder um contrato na vida. Ok, talvez isso faça um pouco
parte da minha vida, mas neste caso, em específico, não se trata
somente de dinheiro.
— Talvez possamos fechar esse contrato de outro jeito... —
Nancy diz, tentando me confortar.
— De que jeito? — Levanto as sobrancelhas. — Estamos
presos em um local que nem sinal de telefone tem. Fomos roubados
e eu fui atropelado pelo maldito Papai Noel. Eu devo mesmo ser um
grande desgraçado para merecer tanta coisa ruim de uma só vez.
Nancy me olha como se quisesse dizer alguma coisa, mas
então ela respira fundo e desvia o olhar para as roupas em sua
mão.
— Aqui estão as roupas de Joseph. Colleen me garantiu que
ele não vai se importar.
Quero minhas roupas, mas isso é algo que vou ter que esperar
sabe-se lá Deus quanto tempo.
— Obrigado.
Nancy coloca as roupas aos meus pés na cama e depois se
senta ao meu lado.
— Não vai terminar de comer?
— Perdi a fome.
— Por quê?
— Porque eu perdi um contrato de milhões de dólares? —
Ergo as sobrancelhas.
— Meu Deus, Adam — ela bufa —, sei que isso é ruim no
mundo dos negócios, mas você podia ter perdido a vida.
Sei o que Nancy quer dizer e até acho significativo que ela não
pense em dinheiro, como a maioria das pessoas. O problema é
que... são tantas coisas envolvidas.
— Não é só pelo dinheiro, Nancy — digo, mesmo que ela não
precise saber dos meus motivos. — Tem outras coisas envolvidas.
Ela me encara por longos instantes, então quando percebe
que não vou revelar mais nada, dá de ombros.
— Tudo bem. Ahn... você precisa de alguma coisa? Estou
pensando em ir lá embaixo ajudar as mulheres, elas estão
colocando alguns enfeites de última hora na árvore.
Reviro os olhos.
— Não, tudo bem. Vai lá.
— Tem certeza?
— Sim, claro...
Quero que ela fique aqui comigo, mas se ela quer descer para
enfeitar uma maldita árvore de Natal, o que posso fazer?
— Tudo bem, então. — Ela se levanta, decidida. — Eu o
levaria comigo, se você gostasse dessas coisas.
— Não, obrigado — a corto. — Sem falar que eu estou com
uma perna machucada por causa de um...
— Maldito Papai Noel — ela completa como se fosse uma
frase decorada.
— É, isso aí.
Nancy dá uma risadinha.
— Não é irônico? Ser atropelado por aquilo que você odeia...
— É uma desgraça.
— Adam? — ela diz de um jeito tão bonitinho. Não consigo não
a encarar quando ela me chama pelo meu primeiro nome.
— Sim?
— Por que você odeia o Natal?
Faço uma careta. Não quero falar sobre isso.
— Pode me trazer mais um waffles com chocolate? Eles
estavam gostosos — mudo de assunto.
Nancy entende que não quero falar mais sobre isso, então
retira a bandeja do meu colo.
— Eu já volto. Tente não sentir minha falta.
Abro a boca para retrucar, mas ela já está saindo do quarto.
Espere aí, ela disse isso deliberadamente.
Quando foi que as coisas entre nós passaram a ser assim,
tão... pessoais?
Hum, talvez ela tenha gostado do beijo tanto quanto eu.

Nancy
— Que bom que você desceu — Maya diz, sorridente, assim
que eu chego ao último degrau. — Achamos esta caixa de
decorações de Natal no porão da Colleen. Venha nos ajudar.
Maya segue com a caixa de papelão até a sala onde está a
árvore de Natal.
Quero sorrir, me animar com elas, mas não consigo deixar de
pensar em Adam e isso é muito estranho, porque antes de
entrarmos nessa aventura, tudo o que eu sempre fazia ao chegar
em casa era me esquecer do trabalho e do meu chefe mandão.
Agora, no entanto, parece que esquecê-lo é algo que não vou
conseguir tão fácil. Principalmente, depois do beijo intenso que
trocamos.
E parece que ainda vamos passar alguns dias presos neste
lugar.
Ai, meu Deus, o que será de nós?
— O que você tem, Nancy? — Francine questiona, passando
por mim. — Não foi uma boa experiência dar banho no seu chefe?
As meninas riem.
— Foi terrível — desvio o olhar para a árvore —, mas deu
certo. Ele já até se alimentou.
Elas dão risada e logo sou envolvida em suas conversas
enquanto colocamos os novos enfeites na árvore.
— Posso ser sincera com vocês? — Colleen pergunta.
— Pode, claro — digo, colocando uma bola azul em um dos
galhos da árvore.
Colleen solta o enfeite que cai aos seus pés e leva as mãos ao
rosto. De repente, lágrimas estão rolando por seu rosto e seu peito
sobe e desce com o movimento de respiração.
— O que foi, Colleen? — Maya a abraça. — Estamos aqui,
pode contar conosco.
Ela ergue a cabeça, secando as lágrimas com as mãos.
— É por isso que estou chorando — ela diz. — Estou feliz por
vocês estarem aqui. Graças a essa nevasca, vocês tiveram que ficar
conosco e estou tão feliz. Faz anos que passamos o Natal sozinhos,
Joseph e eu, desde a morte precoce do meu filho.
Suas palavras me chocam e sinto meu coração esfarelar em
vários pedacinhos.
Para algumas pessoas, o Natal é o momento de reunir a
família, abraçar e trocar presentes. Resgatar a amizade, a
cumplicidade. Resgatar a felicidade de estar com o próximo.
— Meu Deus, Colleen. — Abraço-a também. — Estamos aqui.
Desta vez vocês terão companhia.
Ela chora e ri ao mesmo tempo.
— Deus é tão bom, pedi isso a Ele este ano. E Ele me
respondeu trazendo vocês.
Troco olhares com as meninas que, assim como eu, estão
impressionadas com o que acabamos de ouvir.
De repente, o desejo de tornar o Natal de Colleen e Joseph o
melhor da vida de ambos se torna intenso. E Adam vai ter que
entrar na linha e se adaptar a isso.
Ah, se vai.

Adam
Não sei bem que horas são, mas quando abro os olhos,
encontro Nancy sentada em uma cadeira, os olhos atentos em um
livro que está fortemente preso em suas mãos.
— Achei que não ia acordar mais. — Ela fecha o livro e vem
em minha direção. — Está quase na hora do seu remédio.
Nancy é tão bonita, meu Deus.
Desvio o olhar para o livro.
— Persuasão?
— Sim... eu gosto dessa história. Gosto mais até que Orgulho
e Preconceito.
— Então você é do time que prefere o Capitão Wentworth ao
Darcy?
Nancy dá uma risadinha e coloca o livro em cima da mesinha
de cabeceira.
— Sim, essa sou eu.
— Interessante, senhorita Smith. — Tento me sentar na cama.
— Como foi a aventura de enfeitar uma porcaria de árvore de Natal?
Nancy faz uma careta enquanto pega o meu remédio e um
copo de água.
— Não fale assim. Para algumas pessoas essa data é muito
importante.
— Estou falando isso só para você, que já me conhece —
retruco, pegando o copo de água e o remédio. — Para os outros, eu
consigo fingir suportar essa data.
Suas feições suavizam e ela se senta ao meu lado. Engulo o
remédio e bebo toda a água.
— Achei que você fosse do tipo de homem difícil de cuidar —
ela diz com um pouco de humor.
— Mas eu sou. — Entrego-lhe o copo. — Eu a fiz me dar um
banho.
Nancy olha para baixo e, de repente, suas bochechas adotam
um tom avermelhado.
Absurdamente linda.
— Você entendeu o que eu disse.
Sei que preciso conversar com Nancy sobre o beijo, mas a
verdade é que não sei o que dizer.
Depois que ela saiu do quarto, fiquei pensando por bastante
tempo o que me levou a fazer aquilo. E cheguei à conclusão de
que... não sei. Eu simplesmente tive vontade e fiz.
Dizer que isso é um erro, pode ser terrível para uma mulher.
Não quero machucá-la ou fazê-la pensar que não tenho
sensibilidade, embora eu deixe isso bem escondido nas camadas do
meu coração.
— Nancy... — começo, sem saber como falar. Talvez seja mais
fácil dizer que me senti atraído por ela.
— Espere, tenho que te falar sobre o jantar — ela diz, me
cortando. — Você quer que os meninos venham te ajudar a descer
ou prefere jantar aqui no quarto?
Encaro seus olhos castanhos por longos segundos.
— Prefiro aqui no quarto.
Ela assente.
— Tudo bem, vou pedir para Colleen preparar uma bandeja
farta. — Ela sorri.
Nancy Smith é dona de um sorriso muito bonito e acho que
esta é a primeira vez que paro para analisar de perto. Também, com
a correria do escritório, é difícil parar e ver essas coisas. Ou talvez o
problema seja eu, faz tempo que não olho para uma mulher com
segundas intenções.
Meu Deus, já estou pensando em segundas intenções? É,
devo realmente estar louco.
— O que você ia dizer? — ela pergunta, atraindo minha
atenção de volta.
— Ahn... — Céus, o que vou dizer? Que de repente estou
achando Nancy Smith a mulher mais bonita com a qual tive contato
ultimamente? — O que vai ter de jantar?
Eu sou patético.
Nancy me olha, surpresa.
— Acho que vai ter pato assado. Os meninos caçaram um e
estavam preparando.
— Ah... ótimo.
O silêncio recai entre nós por alguns instantes.
Diga algo, seu idiota.
— Eu gosto de pato assado.
Nancy sorri.
— Eu também.
Ambos sorrimos.
O clima está estranho.
Beije-a novamente.
Preciso calar os meus pensamentos antes que eles me levem
à insanidade.
— Você vai jantar aqui? — pergunto, parecendo um garoto
órfão.
Odeio-me por isso.
Nancy me olha, surpresa.
— Ahn, eu... bem... achei que você quisesse ficar sozinho.
Ah, ótimo. É claro que ela não quer ficar aqui com você, seu
idiota narcisista que odeia o Natal. É claro que ela prefere ficar
rodeada de pessoas alegres que cantam musiquinhas idiotas de
Natal e colocam pedidos em suas meias na beira da lareira.
— Ah, sim. Claro, é melhor — Olho na direção do maldito livro
e o pego. — Onde achou este?
— Colleen tem uma biblioteca com muitas coisas valiosas.
— Hummm... — Folheio o livro sem realmente estar
interessado naquilo.
— Quer que eu traga um para você ler?
— Como você vai saber o meu gosto? — pergunto.
— Posso arriscar. — Nancy dá uma piscada. — Se eu acertar,
você aumenta o meu salário. O que acha?
Dou risada.
Por alguma razão do inferno, Nancy consegue me divertir.
— Não vou aumentar o seu salário, mas... podemos negociar
outras coisas. — Minha voz sai com um tom sugestivo.
Não foi intencional, apenas saiu.
Nancy pega o livro da minha mão e quando penso que ela vai
fugir, diz:
— Dependendo do que formos negociar, acho que vale o risco.
Procuro palavras para responder à altura, mas não encontro.
Nancy já está na porta, me dando uma piscadela e saindo.
As coisas realmente estão indo por esse caminho?
Céus.
Nancy
Adam não reclamou quando deixei sua bandeja no quarto e saí
para jantar com os demais.
Ele até me incentivou, para dizer a verdade.
O problema é: por que estou com peso na consciência por
deixar aquele homem jantando sozinho?
Oras, Adam Miller Johnson é solteiro e seus pais moram na
Europa. É claro que ele já almoçou, jantou, bebeu vinho sozinho
muitas vezes na vida. Essa não é a primeira vez.
Só que...
Merda.
— O que foi, Nancy? — Colleen pergunta, enquanto distribuo
os pratos na mesa. — Você está com uma carinha pensativa.
Não sei se conto para ela ou não. Se eu contar, pode ser que
eles achem que eu tenho um interesse amoroso em meu chefe e
isso me leva a outros pensamentos que envolvem o beijo.
— Não é nada, só estou pensando na neve que não para de
cair.
Colleen olha pela janela e sorri.
— É, tem razão. Faz tempo que não temos um inverno
rigoroso assim.
Dou um meio-sorriso e continuo fazendo a minha parte, que é
a de arrumar a mesa para o jantar.
— Sabe, você não precisa jantar conosco, se não quiser. —
Ela se aproxima, colocando os talheres ao redor dos pratos. —
Talvez você queira fazer companhia ao seu chefe. É compreensível.
Ergo a cabeça e encaro os olhos azuis de Colleen. Será que
ela entende o conflito que se passa em minha cabeça?
— Confesso que estou com dó de deixá-lo jantando sozinho.
Ela sorri.
— Eu sei como é, mas fique à vontade. Quem sabe, amanhã
seu chefe esteja um pouco melhor e aceita que os meninos o
ajudem a descer para jantar conosco?
Colleen é a mãe que todo mundo gostaria de ter.
Penso no que ela disse mais cedo, sobre a morte prematura
de seu filho. Não quero fazer perguntas e ser invasiva, mas a
curiosidade fala mais alto e eu pergunto:
— Como foi que... ele morreu?
Ela olha para baixo, pensa alguns instantes e diz:
— Jackson gostava de escalar montanhas. — Seu olhar é
carregado de tristeza. — Sua vida era fazer isso. Talvez porque o
pai o ensinou a escalar árvores desde novinho, mas... — Uma
lágrima desce de seus olhos. — Um certo dia, uma das cordas de
seu equipamento rompeu. Bem, o resto você já sabe...
Deixo de lado o que estou fazendo e vou até ela, abraçando-a
com força.
— Sinto muito, eu não deveria ter tocado nesse assunto.
— Não, não... — Ela seca as lágrimas. — Está tudo bem.
Vocês são especiais e tenho certeza de que Jackson iria gostar
muito de vocês.
Neste momento, os outros casais entram na sala e logo
percebem que o clima está um pouco triste.
— O que houve? — Hassif, marido de Maya, pergunta. — O
pato queimou?
Nós rimos e eu dou um passo para trás, afastando-me de
Colleen.
— Não, não — Colleen diz, a animação voltando à sua voz. —
Estava aqui falando para Nancy que não tem problema se ela quiser
jantar com seu chefe lá no quarto. Não é verdade? Vocês se
importariam com isso?
— De jeito algum. — Joseph se senta na cadeira da ponta,
onde os chefes de família geralmente se sentam. — O pobre rapaz
não pode ficar sozinho.
Os outros concordam com Joseph e, de repente, sinto minhas
bochechas ardendo. Já sei o que eles estão pensando, mas nem
tenho forças para rebater no momento, porque até eu começo a
achar que quero estar um pouco mais perto de Adam.
Loucura total.
— Então, vou arrumar o meu prato — digo. — Amanhã tenho
certeza de que ele vai concordar em descer.
Eles se animam e eu aproveito que Joseph traz um outro
assunto para a mesa e vou até a cozinha.
Faço o meu prato, coloco-o numa bandeja e então avisto um
suporte de madeira com várias garrafas de vinho.
Acho que Colleen não vai se importar se eu pegar uma...
— Pode levar uma garrafa, se quiser — ela diz ao entrar na
cozinha, me fazendo pular de susto. — Há uma verdadeira adega
no porão. Fique à vontade. Leve essas taças aqui. — Ela vai até um
armário e pega duas taças de cristal. — Elas são especiais.
— Especiais? — pergunto enquanto ela as coloca em cima da
bandeja.
— Sim, especiais. Elas foram as taças que Joseph e eu
usamos na noite em que fizemos Jackson.
Arregalo meus olhos e ela ri com vontade.
— Estou brincando, menina. — Colleen dá um tapinha em meu
ombro. — Vai lá, seu chefe deve estar se sentindo o homem mais
solitário do mundo.
— Isso é verdade. — Mordo o lábio. — Obrigada, Colleen. Por
tudo.
Ela sorri, me dá uma piscadela e eu vou pelo corredor para
jantar pela primeira vez com o meu chefe.

Adam
Eu sempre fui sozinho.
Desde que eu era criança, aprendi a ser sozinho.
Nas festas, nos jantares, nas reuniões em família... nunca me
importei em estar a sós e ter um momento de paz.
Então, por que diabos está me incomodando o fato de Nancy
ter me abandonado para jantar no quarto, enquanto ela está lá
embaixo, rindo e se divertindo com os outros?
Quantos jantares eu já fiz sozinho?
Inúmeros.
Uma infinidade de dias que...
— Oi? — A porta do quarto se abre e Nancy aparece,
carregando uma bandeja. — Posso jantar com você?
Por algum maldito motivo, meu coração dá um salto e eu abro
um sorriso involuntário.
— É claro, Nancy.
Ela sorri e dá um jeito de entrar no quarto carregando a
bandeja com seu prato e uma garrafa de vinho com duas taças.
— É da coleção especial do Joseph — ela explica, colocando a
bandeja em cima da mesinha do quarto. Então volta até a porta e a
fecha. — Colleen me disse que eles têm uma verdadeira adega no
porão.
— Eu adoro vinhos — digo. — No meu apartamento, tenho
uma coleção privilegiada.
— Bem, eu já imaginava. Ricos adoram essas coisas.
Nancy pega a bandeja e vem até o outro lado, onde ela
dormiu.
— Posso me sentar ao seu lado?
Céus, ela dormiu ao meu lado. E nós trocamos um beijo bem
quente esta manhã. Ela, definitivamente, não deveria fazer esse tipo
de pergunta.
— Claro que pode.
Ela suspira e deixa a bandeja em cima da cama.
— Vou tirar esta roupa. Aqui está quente.
Não sei bem se é o aquecimento da casa ou o fato de vê-la tão
bonita com os cabelos castanhos ao redor do rosto, só sei que eu
estou pegando fogo por dentro.
Talvez seja apenas a minha imaginação pervertida que já
tentou imaginá-la por baixo daquelas roupas de inverno com base
no pouco que vi.
— Esqueci de te falar, mas Joseph conseguiu mais algumas
roupas para nós — ela diz, tirando o casaco. — Pelo menos, vamos
ter roupa até conseguirmos sair daqui.
— Sim... — concordo, mas, na verdade, o que estou olhando é
para a forma como ela tira as roupas e joga os sapatos de lado.
— Você sempre joga os sapatos de qualquer jeito? —
pergunto, curioso.
Ela se senta na cama e puxa a bandeja para si.
— Eu não sou um exemplo de pessoa organizada se é isso o
que você quer saber. Mas consigo me encontrar na minha bagunça.
Bufo.
— Todo acumulador diz isso.
— Não sou acumuladora! — ela reclama. — Eu apenas não
sou dessas de tirar os sapatos e deixá-los no cantinho como
maníacos por limpeza fazem.
— Pessoas organizadas, você quer dizer.
— Talvez.
Nancy sorri e eu sorrio de volta.
— Você nem tocou na comida — ela diz, abaixando o olhar
para o meu prato.
O que vou dizer? Que sou um homem patético, que de uma
hora para a outra começou a se sentir solitário?
— É, eu...
— Não importa — ela me corta. — Eu trouxe vinho para ajudar
a descer a comida.
Nancy enche as duas taças e nós comemos em silêncio.
A comida está ótima e ver Nancy ao meu lado me faz sentir
uma calma que há tempos não sinto. E não é que eu não saia com
outras mulheres, mas acho que nenhuma me faz sentir-me à
vontade, mesmo em meio ao silêncio.
— Como está a perna? — ela pergunta, depois de um tempo.
— Está doendo muito?
— Dói um pouco quando mexo — respondo. — Assim que
sairmos daqui, vou procurar um ortopedista.
— Bruce disse que foi apenas uma torção, nada de mais.
— Quem é Bruce?
— O cara vestido de Papai Noel que te atropelou.
Hum, verdade.
Com toda a confusão e o susto do atropelamento, sequer
havia perguntado o nome do sujeito.
— Eu não me lembro muito bem do que aconteceu. Lembro
apenas que estava na sua caminhonete, indo para algum lugar. Ele
dizia que eu ia ficar bem. Depois me lembro de acordar em uma
sala toda escura com um homem segurando uma injeção na minha
frente. — Bufo. — Acho que foi aí que tudo apagou novamente.
— Você chegou aqui parecendo um bêbado.
Dou risada.
— Deve ter sido estranho ver seu chefe... assim.
— É estranho ver meu chefe de vários modos depois desta
viagem. — Nancy bebe um gole de vinho.
Sei o que quer dizer e confesso que ela tem razão.
Mas foi só um beijo, pelo amor de Deus.
Encho a boca com mais comida e Nancy faz o mesmo.
Ficamos assim até nossos pratos estarem vazios e nossas barrigas
cheias.
— Céus, estava ótimo — ela murmura, passando a mão na
barriga. — Vou tirar isso de cima de você.
Ela desce da cama e vem ao meu lado para retirar a bandeja.
Depois acomoda a sua junto à minha em cima da mesa e volta para
a cama, com a taça de vinho nas mãos.
— Quer mais? — ela oferece.
— Sim, por favor.
Nancy enche a taça novamente e me entrega.
Ela se senta ao meu lado e ficamos ali, lado a lado, olhando
para o nada, apenas com a luz amarela do abajur nos iluminando.
Quero conversar com Nancy, mas talvez eu não saiba como
fazer isso. Talvez eu queira beijá-la mais uma vez, mas diabos, eu
não posso. Não dá para misturar as coisas assim, dessa forma.
— Me conta sobre quem é Nancy Smith — peço.
Ela bebe mais um gole de vinho.
— Ahn... meu nome é Amarynancy Smith e eu tenho vinte e
sete anos.
— Amarynancy? — a interrompo, fazendo uma careta.
Que tipo de nome é esse?
— É, acho que minha mãe tinha usado drogas quando
escolheu o meu nome.
— Céus.
Ela ri.
— Já trabalhei de tudo um pouco. Já fui garçonete, caixa de
supermercado, já vendi cigarros, cuidei de bebês... — Ela suspira,
balançando a taça. — Fiquei feliz quando consegui o emprego na
Liberty. Era um sonho, para ser bem sincera.
Não me recordo muito bem do momento em que contratei
Nancy, mas lembro-me de ter gostado de seu currículo e da forma
como ela se portou na entrevista.
— Seus pais devem estar orgulhosos de você — digo.
— Meus pais de verdade morreram. — Ela olha para mim. —
Minha mãe morreu de overdose e meu pai se suicidou, alguns anos
depois. Eu fui criada pelos meus tios, que hoje eu considero meus
pais, na verdade.
E eu pensando que só a minha vida era uma merda.
— Sinto muito.
Ela torce os lábios.
— Mas eu dei a volta por cima e agora trabalho para você...
— Um chefe arrogante que a fez perder o Natal com seus
novos pais.
— O maior editor da atualidade — ela corrige. — Talvez um
chefe arrogante também.
Abro um pequeno sorriso e encaro Nancy por vários instantes.
— E você? O que quer me contar sobre Adam Miller Johnson,
o cara que odeia o Natal?
Bebo um gole do meu vinho e respiro fundo.
Ah, se ela soubesse...
— Tenho trinta e três anos, moro com Dênis, um cachorro
labrador e... — Meus olhos se perdem por alguns instantes. — Eu
odeio o Natal desde que eu tinha cinco anos e vi meu pai dar um
tapa no rosto da minha mãe, depois de ela fazer um escândalo por
descobrir a sua traição, e sair de casa meia hora antes dos
convidados chegarem para a ceia.
Não sei por que eu contei isso, mas tirar essa informação que
estava enraizada dentro de mim, como uma memória ruim, foi como
tirar uma parte de um entulho sobre as minhas costas.
— Sinto muito. — Nancy coloca uma mão sobre a minha e eu
a encaro. Seus olhos estão cheios de algum sentimento que posso
descrever como compaixão.
Céus, odeio isso.
Porém não consigo parar de falar.
— Aos quinze anos, eu vi a minha avó ter um infarto bem na
mesa do almoço, no dia de Natal. — Tiro mais uma parte do entulho.
— Aos vinte anos, recebi uma ligação avisando que um amigo de
faculdade tinha sofrido um acidente fatal indo visitar sua família, no
Natal. E... aos vinte e oito anos, flagrei a minha noiva trepando com
um sujeito qualquer, quando eu atravessei o maldito país para fazer
uma surpresa a ela no dia do Natal.
Nancy arregala os olhos.
— Céus...
Bebo o restante do vinho e deixo a taça de lado.
— E agora, aos trinta e três, eu perco um contrato, fico preso
no meio do nada e ainda sou atropelado por um maluco vestido de
Papai Noel. — Respiro fundo. — Muita falta de sorte a minha, não
acha?
Nancy se aproxima do meu corpo e, de repente, sou
surpreendido com a sua mão puxando o meu rosto para encará-la.
— Mas, às vezes, podemos reescrever nossas memórias com
coisas boas.
Vasculho seu rosto e não sei o que dizer, sinceramente. Seus
lábios são tão bonitos, seus olhos... o conjunto todo.
— Você acha?
— Acho que sim. — Ela olha para a minha boca. — Acho que
só depende de nós, do momento e da oportunidade ideal.
Nossos rostos se aproximam, devagar, e quando nossas testas
se encontram, ela fecha os olhos.
E eu encosto a minha boca na dela.
Nancy
Adam encosta sua boca na minha e eu deixo os meus instintos
falarem mais alto.
Eu sei que eu não deveria fazer isso, mas não consegui deixar
de pensar em beijá-lo novamente desde o momento que o primeiro
beijo se encerrou. Foi uma tortura estar ao seu lado e não
abandonar a bandeja para pular em seu colo.
E se Adam está me beijando, é porque ele quer tanto quanto
eu.
Nossas bocas se movimentam com precisão e eu sinto a
maciez de seus lábios. O gosto do vinho traz uma sensação
gostosa, inebriante. É excitante.
Aproveito para enfiar meus dedos entre os seus cabelos
sedosos, fazendo carinho lentamente. Adam geme em resposta e
esse gemido provoca mais algumas sensações em meu corpo.
Pode ser o vinho, não sei. Apenas sei que estou fazendo
aquilo que eu quero.
— Você é linda. — Ele se afasta um pouco só para dizer isso.
Uma de suas mãos segura o meu queixo e seus olhos vasculham o
meu rosto. — Como eu não percebi isso antes?
— Me beije — peço, antes que eu perca a coragem.
Adam suspira e com seus braços fortes me puxa para cima de
seu colo. Solto um suspiro assim que sinto seu pau já duro por baixo
da manta.
— Achei que eu estava vendo coisas quando fui te dar banho,
hoje pela manhã — digo, sentindo o calor se esparramando em
minhas bochechas.
Adam sabe do que estou falando. Ele ri.
— Ficou surpresa?
— Fiquei.
— Por quê?
— Oras, porque... — Olho para os lados sem saber o que
responder. — Você é o meu chefe, nunca olhou para mim desse
jeito.
— Pode ser, mas... — Ele desce o olhar sobre o meu corpo e
depois me encara novamente. — Aconteceu. Você prefere fingir que
não?
Sei que devo correr e encerrar essa loucura. Não estamos em
uma viagem romântica, era para ser uma viagem de trabalho que
acabou dando errado.
Meu Deus.
O problema é que me envaidece saber que estou deixando
meu chefe excitado.
— Não sei se devemos fazer isso. — Mordo o lábio. — O que
você acha?
Adam suspira. Suas mãos estão na minha cintura.
— Você disse que nós podemos escrever memórias boas ou
algo desse tipo. Isso não seria algo bom?
Seus olhos estão cravados nos meus.
— Seria, claro. Faz tempo que eu não fico com ninguém.
Isso parece agradá-lo.
Apoio minhas mãos em seus ombros fortes.
— Talvez não faça mal uma pequena aventura. — Aproximo-
me e deposito um beijo em seu pescoço. — Uma boa forma de
aproveitar esses dias no meio do nada... — Deposito um beijo na
curva entre o pescoço e o ombro.
Adam aperta a minha cintura.
— Talvez seja, sim.
Sorrio ao ver o quanto ele está afetado com minhas carícias.
Adam, Adam, Adam... hoje eu vou lhe mostrar os benefícios de
se estar com a mulher certa no Natal.
— Talvez, eu tenha que ficar no controle — digo, afastando-me
para olhá-lo nos olhos. — Sabe, por causa da sua perna e...
— Sei. — Ele se aproxima e captura a minha boca em um
beijo calmo, porém, necessitado.
Suas mãos se enroscam em meus cabelos e eu me entrego à
paixão, beijando-o com avidez. Nossas línguas se movimentam,
brincam, em um momento ele morde o meu lábio.
As mãos de Adam abandonam a minha nuca e descem pelos
meus braços, fazendo-me arrepiar ainda mais.
— Quero vê-la — ele diz, afastando-se. — Nua.
Geralmente sou tímida com os rapazes que saio, mas Adam
me transmite um sentimento de poder que nunca experimentei
antes. Não sei se é pelo fato dele ser o meu chefe e isso ser algo
que seria impossível de imaginar acontecendo há dois dias. Ou se é
pelo fato de eu ter lido tantas histórias desse tipo antes.
Mas olha só onde estamos.
Só o que me resta é aproveitar o que a vida me oferece.
— É você quem manda, chefinho. — Afasto-me e desço da
cama. — Quer que eu comece por onde?
— Por onde você quiser...
— Ok, acho que vou começar por aqui. — Abro o botão da
minha calça e deslizo o zíper lentamente. Seus olhos carregados de
luxúria acompanham os meus movimentos.
Viro-me de costas e abaixo a calça, bem devagar.
Adam solta um palavrão assim que percebe que estou sem
roupas íntimas por baixo.
— Chocado, chefinho? — Fito-o sobre o ombro.
— Totalmente.
A essa altura, Adam está a ponto de pular da cama para me
alcançar.
— Calma aí, você não pode levantar.
— Sorte sua, senão você já estaria por baixo de mim, sua
garota safada.
Dou risada e viro-me para ele.
— Talvez você goste que eu tire essa peça aqui... — Tiro a
minha blusa e a jogo no chão.
Completamente nua.
Adam está me olhando com adoração, com vontade de me
virar de cabeça para baixo nessa cama e... eu gosto disso. Céus,
como eu gosto.
— Venha aqui — ele ordena, com aquela voz que ele usa no
escritório quando quer alguma coisa urgente.
Não perco tempo e subo de volta em seu colo. Sua pele está
pegando fogo.
— Você é muito gostosa — ele diz em meu ouvido. — Depois
de hoje, não vai ter volta, Nancy. Se você acha que isso é loucura e
quer parar, diga agora, porque, depois, eu não vou conseguir.
— Não quero parar — murmuro, presa em seus braços. — A
não ser que você esteja com medo e...
— Psiu...
E sua boca cola na minha novamente e eu me perco em seus
braços, beijando-o com todas as fibras do meu ser.
Adam desliza suas mãos pelas minhas omoplatas e depois
elas descem para a minha cintura. Passeiam até a minha bunda,
onde ele a aperta, arrancando um gemido da minha parte.
— Isso, Nancy, se entregue — ele diz, abrindo um sorriso
safado.
Adam abandona a minha boca e desce os lábios pelo meu
queixo, pelo meu colo e, finalmente, sua boca circula meus mamilos
intumescidos. Sua língua brinca com eles e eu solto vários gemidos,
arqueio-me, incentivando-o a continuar.
— Nancy, Nancy... — ele murmura, extasiado.
— Adam...
Ele chupa o meu peito e eu me agarro ao seu pescoço. Sinto
meu corpo estremecer de prazer com aquela carícia ousada e eu só
consigo pensar que não quero que isso acabe. Está tão bom, está
delicioso.
De repente, sinto os dedos de Adam se adentrando em minha
intimidade e ele solta um gemido satisfeito.
— Tão molhada — ele diz em meu ouvido. — Não vejo a hora
de meter bem fundo em você.
Caramba, nunca imaginei que eu iria ouvir sacanagens no
ouvido vindas do meu chefe.
Mas isso é bom, é ótimo.
Ele começa a me acariciar onde meu sexo pulsa e eu me
entrego, como se esta noite fosse a única de nossas vidas.
— Não pare — peço, erguendo-me um pouco para que ele
continue as carícias.
— Não mesmo.
Ele movimenta os dedos com precisão e meu corpo
estremece. Ondas de prazer me invadem e eu abro a boca, soltando
vários gemidos. Meu corpo se movimenta na direção contrária,
criando mais fricção.
Aperto as minhas mãos em seus ombros e, de repente, sinto
meu corpo subindo e descendo em seu dedo.
— Cacete, Nancy... — ele murmura. — Eu quero que você faça
isso no meu pau.
Dou uma risada.
É claro que vou fazer.
Sou atingida por um mar de sensações deliciosas, que me
deixam completamente fora de mim. Ondas que vêm e me levam de
volta para o mar.
Quando foi a última vez que eu tive um orgasmo assim?
Nem me lembro mais.
Mas eu quero mais.
Abaixo-me e deposito beijos no peito de Adam. Circulo seus
mamilos com a minha língua e arranco de sua boca gemidos
extasiados.
— Eu quero te provar, linda — Adam diz, de repente.
Eu o encaro.
— Mas...
— Você vai ter que colaborar comigo.
Adam se deita na cama e eu entendo exatamente o que ele
quer.
Ahn, céus.
— Não sei, Adam...
— Vem. — Ele me puxa para si. — Eu tenho certeza de que
você é deliciosa.
Suas palavras deveriam me chocar, mas não sei se é o efeito
do vinho que me deixou mais solta, eu simplesmente rio e me
coloco na posição que ele quer, sentada em seu rosto, com a minha
intimidade livre para ele fazer o que bem entender.
Quando sua língua quente encontra o meu ponto sensível, eu
agarro a cabeceira da cama com força.
Cacete.
Adam chupa-me com vontade. É delicioso, é erótico, é tudo o
que eu jamais podia imaginar. Apesar de ter uma vida sexual ativa,
nunca um homem me acariciou dessa forma, bem ali.
Suas mãos seguram a minha bunda e me guiam de encontro à
sua língua. Meu corpo estremece, fecho os olhos com força,
entrego-me sem reservas. Eu digo seu nome várias vezes, subindo
mais uma vez nessa montanha-russa de sensações.
O orgasmo me desestabiliza e eu saio da posição, caindo na
cama. Viro-me para Adam. Ele está lambuzado com meu próprio
gozo e é a coisa mais erótica que eu já vi em minha vida. Então,
aproximo-me e o beijo com vontade, sentindo meu próprio gosto.
— Gostosa, como imaginei — ele diz, entre um beijo e outro.
— Eu quero você dentro de mim, Adam.
Suas mãos percorrem meu corpo e eu já não consigo mais
aguentar a ansiedade de tê-lo dentro de mim.
Ajudo-o a retirar a cueca e salivo assim que vejo seu pau
enorme e grosso. Vê-lo sob a cueca já foi de tirar o fôlego, mas vê-
lo ao vivo e em cores é mais intenso ainda.
— Vai ficar só olhando, linda? — ele pergunta em tom de
brincadeira.
— Mas é claro que não. — Monto em sua cintura. — Dá tempo
de desistir, Adam.
Ele ri.
Suas mãos acariciam meus peitos.
— Não sou homem de desistir, Nancy.
— Hummm, isso é... — Levanto-me só um pouco e encaixo
seu pau na minha entrada. — Você é um homem durão que vai
atrás do que quer.
— Aham... — ele concorda enquanto desço meu corpo
lentamente.
Ah, meu Deus.
Que sensação maravilhosa.
— Você é apertada — ele diz, sua voz um doce sussurro,
segurando as minhas coxas com força.
— E você é grande — retruco. — E gostoso.
As mãos de Adam vêm para a minha cintura e ele me guia.
Subo e desço lentamente, aproveitando cada sensação que se
apropria do meu corpo.
Ele é muito gostoso. De repente, tenho medo de ficar viciada
nisso.
— Nancy... — ele geme o meu nome.
— Adam...
Subo e desço mais algumas vezes.
Eu sou a mísera secretária que está transando com o próprio
chefe, em uma noite de nevasca, em um lugar abandonado por
Deus.
Sortuda eu?
Talvez.
— Porra, Nancy! — Adam solta quando eu desço com força.
É neste momento que eu sou literalmente jogada na cama.
Adam se coloca por cima de mim.
— Sua perna! — digo, arregalando os olhos.
— Dane-se a minha perna. — Ele captura os meus lábios em
um beijo profundo enquanto se coloca entre as minhas pernas e
mete fundo.
Adam entra e sai em um ritmo acelerado e eu me entrego,
aproveitando cada minuto dessa loucura.
Apoio as mãos em seu peito e deixo que ele leve tudo de mim.
Adam sabe o que fazer e como fazer. Não quero pensar em quantas
mulheres ele já levou para a cama, mas sei que eu sou uma sortuda
neste momento.
Adam mete fundo mais algumas vezes, nós gememos juntos.
Suamos juntos. Alcançamos o prazer juntos. Então, ele sai do meu
corpo e eu sinto o jato quente na minha perna, enquanto ele solta o
último gemido de prazer.
Adam cai ao meu lado na cama e me puxa para si.
Nossas respirações estão ofegantes.
— Obrigado, Nancy — ele diz.
— Pelo quê? — Encaro-o.
— Por transformar o meu Natal.
Sorrio, mas não há muito mais o que dizer.
Fecho os olhos e deixo que a exaustão me guie para a
escuridão.
Amanhã, eu lido com o fato de ter transado com meu chefe.
Por hoje, só sei que estou completamente satisfeita.
Adam
Meu braço está dormente.
E não é porque eu dormi por cima dele, mas sim porque Nancy
se aconchegou em mim a noite toda.
O formigamento não é uma sensação boa, mas seu corpo
grudado ao meu, isso é, sem dúvidas, a melhor forma de despertar
em um dia cinzento de inverno.
Tento movê-la para que eu possa retirar o meu braço, mas o
movimento a acorda. Nancy abre os olhos chocolate bem
lentamente. Ela sorri e se espreguiça como uma gata manhosa.
— Bom dia, chefinho...
Ahn, tem isso.
— Bom dia... — Roubo um beijo de seus lábios carnudos. —
Não me chame assim. É estranho.
— Por quê? — ela pergunta e eu tiro meu braço antes que ela
deite novamente. — Não gosta de pensar que transou com sua
secretária?
Nancy se deita de barriga para baixo e vê-la nessa posição,
com os cabelos bagunçados, o rosto corado provavelmente por
pensar no que fizemos na noite passada, me deixa com vontade de
repetir tudo.
— Não, eu não tenho problemas com isso — digo, encarando
seus olhos, então passo uma mecha de seu cabelo atrás da orelha.
— É que... é estranho. Sou apenas Adam neste momento.
Ela deita a cabeça no travesseiro e ri.
— É, você tem razão. É estranho mesmo.
Respiro fundo e olho para a janela. Parece que essa nevasca
nunca vai acabar.
— Quando é que isso vai parar? — pergunto mais para mim,
mas Nancy ouve.
— O quê? — Ela olha para a janela. — Ah, a nevasca?
— Sim... — Encaro seus olhos. — Eu ainda tinha esperanças
de chegar a Vermont.
Ela ergue as sobrancelhas em compreensão.
— Esse contrato é muito importante, não é?
Sei que Nancy não precisa saber de tudo, mas... nós
acabamos de compartilhar nossos corpos um com o outro.
— Não é pelo dinheiro — digo, desviando o olhar para a
janela. — Esse contrato seria o meu... trunfo. A minha vitória. A
minha resposta para o que Katherine Delevigne fez comigo.
Nancy arregala levemente os olhos.
— Espera aí... — Ela vira de lado, apoiando-se em um braço.
— Katherine Delevigne é a sua ex-noiva? Aquela que você pegou
trepando com um cara, no dia de Natal?
— Ela mesmo.
— Uau... — Nancy suspira. — Por essa eu não esperava.
— Nem eu.
Ela ri.
— Estou dizendo por... Katherine Delevigne é uma das
maiores editoras deste país. Já ganhou diversos prêmios e é uma
das mulheres mais bonitas que eu já vi na minha vida. — Ela joga a
cabeça no travesseiro e bufa. — Meu Deus.
Sou um homem, mas pelo pouco que sei, Nancy já deve estar
tentando se comparar com Katherine.
— Hey — viro-me para ela —, o que está pensando?
— No que um homem, que já foi noivo de Katherine Delevigne,
viu em mim. Uma simples secretária.
— Hey... — Puxo seu rosto na minha direção. — Você é linda e
eu acho que disse isso várias vezes.
— Disse, mas... — Ela morde o lábio, abaixa o olhar e suspira.
— Vocês homens mentem apenas para conseguir sexo, não é?
Eu sei que não sou nenhum santo, mas ser acusado de algo
assim é horrível.
— Eu não sou todos os homens, Nancy.
Ficamos em silêncio por vários instantes.
— Tudo bem, me desculpe. — Sua mão vem até o meu rosto,
acariciando a minha barba que já está dando sinais de vida. — Só
foi um choque. Mas já me recuperei.
— Você não tem que se comparar a ninguém, Nancy — digo,
tentando soar o mais firme possível. — Você é linda e eu estou
começando a achar que sou um idiota por ter demorado para notá-
la.
Ela sorri.
— Talvez você seja um pouco idiota.
— Ah, sério?
Ela ri e aproxima o rosto do meu.
— Muito idiota... sabe por quê?
Olho para os seus lábios.
— Por quê?
— Por estar falando e falando e não aproveitando o momento.
Meu pau não precisa nem de muitos estímulos, só de vê-la
falando assim, tão sugestivamente, já é motivo suficiente para ele
acordar.
Só que eu preciso ser sensato.
— Não sei, Nancy. — Respiro fundo. — Não tenho
preservativos comigo.
— Eu tomo pílulas — ela diz. — Faz anos.
Olho dentro dos seus olhos e sei que é arriscado acreditar em
algo assim. A noite anterior foi uma loucura, mas algo em Nancy me
faz ter a certeza de que ela diz a verdade.
— Nós fomos inconsequentes noite passada.
— Talvez — ela meneia a cabeça —, mas eu gostei da
inconsequência.
Puxo-a para cima do meu corpo e a sensação de nossas peles
se tocando é a melhor coisa que me acontece nos últimos tempos.
— Então acho que podemos repeti-la.
Nancy se abaixa e me dá um beijo nos lábios.
— Também acho.
Fecho os olhos e deixo nossos corpos sedentos guiarem
nossas ações.

— Quais são os planos de hoje? — pergunto à Nancy assim


que ela me deixa novamente na cama.
O banho não foi uma tarefa fácil, porque eu queria pegá-la a
todo custo, mas com a perna machucada, sem chance.
— Não sei — Nancy responde, vestindo as roupas que foram
emprestadas pelos demais. — Vou descer e ver com Colleen se
eles precisam de ajuda para hoje.
— Hoje, eu quero descer para o jantar.
Nancy me encara, surpresa e... até mesmo eu estou surpreso.
De onde foi que saiu essa vontade repentina de estar com pessoas
que eu sequer conheço?
— Claro. — Ela sorri. — Vou falar com os meninos. Vai ser
ótimo.
Eu conheci os outros hóspedes porque eles vieram falar
comigo no dia anterior. Mas foi apenas o básico do tipo “oi, tudo
bem? Me chamo fulano de tal e essa é minha esposa”.
Talvez seja uma boa ideia conhecer mais a fundo as pessoas
que estão nos ajudando. Se não fosse por Colleen e Joseph, nossa
situação poderia ser bem pior.
— Ok.
Nancy enrola um cachecol no pescoço.
— Vou descer e ver se tem algo para comermos de café da
manhã. — Ela pisca para mim. — Nada de tentar se levantar
sozinho, hein. Qualquer coisa, grita que eu subo correndo.
— Você quem manda.
Nancy me joga um beijo e eu me pego sorrindo por vários
instantes depois de ela ter ido.
O que diabos está acontecendo comigo?

~
O dia passa lentamente e é horrível quando se está em uma
posição na qual você não pode fazer muitas coisas, a não ser acatar
ordens. E essas ordens, por incrível que pareça, estão vindo da
minha secretária.
— Você já disse isso durante o dia todo — reclamo quando
Nancy diz que não posso tirar a perna da posição em cima da cama.
— E os caras já estão vindo me buscar, não estão? Sem falar que,
segundo você, foi apenas uma torção. Não sei por que esse
exagero todo. Não sei nem por que engessaram a minha perna,
para ser sincero.
— Pode ser que o Papai Noel mentiu para nos deixar aliviados
— ela diz, enrolando um cachecol vermelho com árvores de Natal
desenhadas em meu pescoço.
— Então, isso quer dizer que por baixo desse gesso minha
perna pode estar apodrecendo e ele disse que é apenas uma torção
para não nos preocuparmos?
Nancy ri.
— É, mais ou menos isso.
— Empolgante. — Bufo.
— Você está lindo com esse cachecol — Ela se abaixa para
me encarar mais de perto. — Queria estar com meu celular para
registrar este momento.
Não respondo, apenas viro o rosto com uma careta de
enojado.
— Posso colocar o chapeuzinho de Papai No...
— Não abuse da minha boa vontade, Nancy — a corto. — Isso
já é... demais para mim.
Ela dá uma risadinha.
— Tudo bem, vamos deixar assim, por enquanto.
Abro a boca para retrucar, mas não há tempo, porque os
homens invadem nosso quarto para me buscar.
— E aí, amigão — Hassif diz. — A comitiva especial do Polo
Norte está pronta para levá-lo até a comida. Está preparado?
Dou risada enquanto apoio meu braço em Joseph e me
levanto.
— Preparado para comer, é algo que sempre estou — digo,
dando alguns passos devagar.
— Eu tinha uma muleta em casa — Joseph diz. — Colleen
deve saber onde está. Pelo menos, vai te ajudar nesses dias, mas é
claro que para descer essas escadas, nós viremos te ajudar.
Saímos do quarto e em pouco tempo já estou no andar de
baixo. Alívio é o meu primeiro sentimento, afinal, quem gosta de
ficar deitado em uma cama o dia todo? Depois, reconhecimento.
Acho que agora vou ter tempo de analisar as coisas ao meu redor
com mais calma.
— Que bom que você desceu, Adam — Colleen diz,
sorridente.
A mesa de jantar está bem arrumada e todos parecem querer
que eu faça comentários elogiosos, pois estão me olhando com
expectativa.
— Fico feliz de poder jantar com vocês — digo.
Eles ficam animados e cada um se senta em um lugar. Nancy
se senta ao meu lado e, por baixo da mesa, sua mão encontra a
minha.
Ela sorri timidamente.
— Não sei se Nancy disse a você, Adam — Colleen diz,
servindo-se de uma colherada de ensopado —, estou muito feliz
pela casa cheia. Não ficamos assim no Natal, desde que meu filho
faleceu, alguns anos atrás.
Nancy tinha comentado algo meio por cima.
— Fico feliz que a nossa presença não é um fardo para vocês.
Nancy serve o meu prato e eu me perco em cada um de seus
movimentos.
As pessoas ao meu redor estão falando, gesticulando, mas
Nancy está conversando com eles como se fossem seus amigos de
longa data, enquanto serve o meu prato.
Ela é linda.
E eu sou um idiota por não ter percebido isso antes.
— Se você quiser, tenho um vinho superespecial na adega —
Joseph diz próximo ao meu ouvido. — Podemos abri-lo.
— Vamos deixá-lo para o Natal, o que acha? — sugiro.
O homem sorri e assente.
— É claro, meu rapaz.
Esse clima de família reunida me faz até esquecer que eu
nunca tive um Natal decente, desde os meus cinco anos de idade.
Como será que as coisas teriam sido, se meu pai não tivesse
traído a minha mãe?
— Coloquei comida demais? — Nancy pergunta, preocupada.
— Não, está ótimo.
Nós sorrimos um para o outro.

~
— Achei que você queria ir lá fora com os meninos — Nancy
interrompe meus pensamentos.
Estou sentado em uma poltrona em frente à lareira,
degustando uma boa taça de vinho.
— Não gosto de fazer bonecos de neve — digo.
Nancy ri e se aproxima, sentando-se em meu colo.
— Você é bem rabugento, não é? — Ela me dá um beijo no
rosto. — Por que não deixa de lado quem é Adam Miller Johnson
por alguns dias, e aproveita o que a vida está lhe oferecendo?
— Eu estou aproveitando. — Ergo a minha taça de vinho. — É
um Cabernet Sauvignon chileno.
— Uau... e é gostoso?
— Prove.
Levo a taça até a boca de Nancy e a viro lentamente. Ela
saboreia o líquido e ver sua garganta se movimentando é uma das
coisas mais eróticas que eu já vi na vida.
— Se estivéssemos em meu apartamento, eu te comeria
agora, neste exato minuto — sussurro em seu ouvido.
As bochechas de Nancy ficam vermelhas.
— Mas não estamos no seu apartamento.
— O que é uma pena.
Ela dá risada e empurra meu ombro levemente.
Nós ficamos em silêncio por vários instantes e eu gostaria de
saber o que está se passando na cabecinha dela.
Nancy suspira, olha para o fogo, se perde em pensamentos.
— Hey... — Viro seu rosto para me encarar. — O que foi?
— Nada. — Nancy pula do meu colo e vai até a lareira. —
Você é o único que não tem uma meia pendurada aqui.
Reviro os olhos e bebo o restante do vinho.
— Isso não é justo — ela diz. — Eu vou compartilhar a minha
meia com você.
— Nancy, não... — Quero fazê-la enxergar que eu não ligo
para essas coisas, mas ela não me ouve.
Ela pega uma caneta em cima da lareira e escreve o meu
nome ao lado do seu.
— Pronto. Agora você também pode ganhar mimos do Papai
Noel. Ou podemos dividi-los.
Reviro os olhos mais uma vez e Nancy se senta em meu colo.
— Não revire os olhos. Eu já disse, entre no espírito da coisa,
pelo menos uma vez em sua vida.
Os olhos de Nancy são lindos quando estão pedindo algo.
Não sei dizer não.
— Tudo bem.
Ela sorri e seus lábios se grudam aos meus em um beijo lento,
calmo.
Não sei o que está acontecendo, mas sei que não quero que
isso acabe tão cedo.
Nancy
Adam desceu para o café da manhã, assim como ontem à
noite desceu para o jantar.
Não sei interpretar corretamente suas ações, mas acho que
ele está se esforçando para não ser rabugento. Pelo menos, está
sendo agradável com todos, mesmo que ele ainda não tenha
entrado totalmente no clima “Natal”. E isso já é um grande passo.
Joseph passa para ele a geleia.
Hassif está contando uma história de quando foi assaltado no
Taj Mahal.
— Vocês têm noção de que eu fui assaltado pelo meu próprio
povo? — Ele arregala os olhos.
— Talvez, eles tenham desconfiado que você era mais
americano do que indiano. — Harry joga um bolinho em Hassif.
Nós rimos.
— Isso não é justo — ele reclama. — O que vale é a minha
cor, o meu sangue. — Ele belisca a pele do próprio braço. — Não
concordam?
Olho para Adam e ele está entretido com a conversa.
— Nunca visitei o Taj Mahal, mas tenho vontade — ele diz. —
Deve ser uma experiência única.
— Se for, tome cuidado com os bolsos. — Hassif suspira.
— Eu já fui roubado em Paris — Harry comenta. — O
desgraçado me enganou com aquele jogo dos copinhos.
— Ah, não acredito que você caiu naquilo! — Desta vez, eu me
espanto. — Aquilo claramente é um golpe, em qualquer lugar do
mundo.
Harry dá de ombros, rindo.
— Eu achei que poderia dar certo. Perdi, sei lá, muitos euros
naquele dia.
— Isso porque eu falei várias vezes que era golpe — Francine
diz, olhando para mim. — Ele caiu porque é besta.
— Eu não sou besta, querida.
— Claro que é.
Ele a agarra e deposita um beijo em seu rosto. Francine fica
vermelha em questão de segundos.
É lindo ver casais tão unidos.
Adam me olha com seus lindos olhos azuis e abre um
sorrisinho.
— E você, Nancy. Alguma história peculiar de viagem?
Mexo nos ovos em meu prato e suspiro.
— Ahn, eu já quase me afoguei em South Beach. — Faço uma
careta, me lembrando do que aconteceu. — Fui passar alguns dias
na casa de uns amigos que moram em Miami, e resolvemos ir para
a praia. — Suspiro pesadamente. — Estávamos bêbados e, mesmo
assim, entramos na água. Por sorte, o salva-vidas me pegou.
Adam arregala os olhos.
— Você era inconsequente a esse ponto?
— Era.
O silêncio reina na mesa, com todo mundo me encarando.
— Caramba, Nancy — Harry é o primeiro a dizer.
— Deve ter sido horrível — Colleen diz.
— Foi mesmo — concordo. — Mas o que importa é que estou
bem. Mas tenho trauma de praias. Não consigo sair da areia.
De repente, sinto uma mão masculina se colocando sobre a
minha em meu colo.
É Adam.
Olho para ele e sorrio.
É tão inebriante a sensação de suas mãos sobre as minhas.
Sei que é loucura da minha cabeça, mas estou começando a
nutrir sentimentos por esse homem que é o meu chefe.
Não sei onde estou com a cabeça em aceitar ir para a cama
com ele.
Não sei onde isso vai parar.
O problema é que estamos bem cientes de que gostamos
disso. A noite anterior não foi diferente. Adam me pegou em seus
braços e aproveitamos o calor um do outro até a madrugada.
Céus, isso é uma enrascada das grandes.
De repente, o barulho de um veículo, uma caminhonete, se
aproxima. Olhamos para a janela, tentando ver quem é, mas está
tudo embaçado. Colleen se levanta.
— Vou ver quem é, fiquem aqui.
— Quem será? — Francine pergunta. — A neve deu uma
amenizada, mas ainda cai um pouco.
Então, uma voz rouca e animada repercute às nossas costas:
— Ho, Ho, Ho! O Papai Noel chegou! E... — Bruce olha para a
mesa de café da manhã farta. — Chegou em hora boa, pelo visto.
Nós rimos.
Adam respira fundo e coça a sobrancelha.
— Bruce, puxe uma cadeira, sente-se conosco — Joseph o
convida. — Tem comida para todo mundo.
Ele não perde tempo e vai até uma cadeira vazia na ponta da
mesa. É então que ele nos vê.
— Ah, ora, vejam só... é o rapaz que eu quase mandei para o
céu — ele diz em tom de brincadeira. Adam dá um meio-sorriso,
parece envergonhado. — Como você está?
Adam aperta levemente a minha mão.
— Estou bem, me recuperando.
Bruce ergue as sobrancelhas em compreensão.
— Preciso trazer o médico para ver sua perna.
— Não precisa. — Adam balança a cabeça. — Acredito que
logo vou voltar para casa.
Algo na voz de Adam me faz perceber que talvez ele só esteja
esperando uma oportunidade de cair fora daqui. Será que ele está
mentindo para mim? Será que não está gostando da companhia...
das pessoas... de mim?
Tento não demonstrar minha inquietação, mas solto a minha
mão da dele.
— Está vestido de Papai Noel ainda — comento, achando
graça.
Bruce sorri.
— É, menina. Estou entregando alguns presentes nos
arredores do condado. Eu sou o único que faz isso, todos os anos.
— Realmente — Joseph diz. — Bruce é o nosso Papai Noel
oficial já faz vários anos.
Fico impressionada como as coisas em uma cidade pequena
são tão diferentes da cidade grande.
Em Nova Iorque, vivemos na correria, compramos presentes
na Macy’s e corremos para casa para entregar. Sem Papai Noel
solidário entre as elites, embora eu ainda aprecie os corais das
igrejas que saem pelas ruas cantando para as pessoas.
— Alguma história engraçada de Natal para compartilhar
conosco? — Hassif pergunta, direcionado a mim e a Adam.
Sinto Adam se retesar ao meu lado.
As coisas que ele já passou marcaram essa data em sua vida
como algo negativo. Espero que desta vez seja diferente.
— Não — Adam diz, seco. — Não ligo para essa data. Para
mim, não passa de algo comercial.
O silêncio constrangedor recai sobre a mesa.
Adam não precisava ter falado assim, ainda mais na mesa de
uma família que está sendo tão gentil conosco.
— Bom, eu ia esperar para entregar isso na manhã de Natal,
mas acho que vou fazer agora — Colleen se levanta, como se uma
ideia tivesse se apossado de sua mente. — Esperem aqui, eu já
volto.
Ela sai correndo da sala de jantar e some por alguns instantes.
Ficamos olhando uns para os outros, confusos, enquanto Bruce
enche a boca com pão e geleia.
— O pão da Colleen é o melhor que já comi até hoje — ele diz,
após engolir. — Vocês precisam provar os croissants...
— Vai ficar enaltecendo as qualidades da minha esposa,
Bruce? — Joseph questiona em tom de brincadeira.
De repente, o clima tenso se foi e já estamos rindo novamente.
— Não fique com ciúme, velho Joseph. Embora você saiba
que se não tivesse voltado para esta cidade esquecida por Deus,
Colleen teria se casado comigo.
— Não teria, não — ela interrompe, voltando com uma caixa
nas mãos. — Bruce sempre foi muito convencido — ela diz, olhando
para nós.
Nós rimos.
— Adam, eu... senti em meu coração de lhe dar este presente.
— Colleen está ao lado de Adam, com a caixa vermelha estendida
em sua direção. — Eu... não sei se deveria, mas acho que vai ficar
perfeito em você. Espero que goste.
Adam levanta as sobrancelhas, surpreso. Ele estende a mão e
pega a caixa.
Colleen volta correndo para a cadeira ao lado de seu marido e
todos observamos Adam. Ele está segurando a caixa, olhando para
ela, pensando talvez se deve abrir ou não.
De repente, sinto medo.
Sinto medo do que é aquele presente.
Sinto medo de qual será a reação de Adam.
Sinto medo de ele dizer algo que possa magoar aquelas
pessoas tão especiais.
Algum tipo de emoção desconhecida passa em seu rosto e ele
abre a caixa.
São segundos que eu me esqueço de respirar.
Ele pega o objeto que nada mais é que um casaco de lã
vermelha. Ele tem desenhos de árvores de Natal e bonecos de
neve.
Respiro e depois prendo a respiração novamente.
Por favor, Adam. Seja gentil.
Por favor, Adam. Não magoe essas pessoas.
Ele olha para o casaco por vários instantes. Não sei o que está
pensando, nem sei se gostou ou não, porque seu rosto não
transmite nenhuma emoção.
Se ele apenas olhasse em meus olhos...
— Eu ia dar esse casaco para o meu filho, no Natal — Colleen
diz, com a voz embargada. — Mas ele faleceu duas semanas antes.
Não tive tempo de vê-lo usando.
Meu Deus.
Isso só faz piorar a sensação em meu peito. Adam não pode
ser grosseiro, não agora.
Então ele ergue o olhar e eu vislumbro algo surpreendente.
Ele gostou.
Sim, dá para ver isso dentro de seus olhos azuis como o mar.
— Obrigado, Colleen — ele agradece, com a voz firme. Então
ergue os braços e veste o casaco. — Obrigado, de verdade.
A tensão formada naqueles poucos minutos se evapora.
Respiro, aliviada.
Colleen deixa uma lágrima cair e o restante da mesa aplaude e
sorri.
Adam ficou lindo com o casaco.
Bem, ele já é lindo. Uma beleza que me tira o fôlego, para ser
bem sincera.
Ele olha para mim e eu sorrio.
Caramba, não posso estar me apaixonando por esse homem.
Não posso.

~
Bruce conta várias outras histórias e prolongamos a nossa
conversa na mesa. Então, Adam começa a se sentir cansado e os
meninos se levantam para levá-lo até o quarto.
Ele olha para mim e pergunta:
— Vai ficar aqui?
— Só um pouco... daqui a pouco eu subo.
Ele me olha daquela forma que eu sei que quer se aventurar
nas curvas do meu corpo e eu sinto arrepios até na nuca.
Talvez seja bom eu enrolar aqui. Quem sabe, ele não caia no
sono. Porque se eu for junto, é claro que logo vou estar sem minhas
roupas e emaranhada em seu corpo.
— Tudo bem. — Ele suspira.
Os meninos o ajudam a ir para o quarto e ficamos apenas
Colleen, Joseph, Francine, Maya, Bruce e eu.
— Ele é um bom rapaz — Bruce diz, referindo-se a Adam. —
Meio louco, mas é um bom rapaz. — Ele ri. — Para falar a verdade,
eu ainda não entendi por que ele estava sozinho naquela nevasca.
— Adam estava tentando encontrar ajuda — explico. —
Roubaram o carro em que estávamos seguindo viagem para
Vermont e foi assim que viemos parar aqui.
Bruce para por alguns instantes e arregala os olhos.
— Vocês estavam no assalto ao posto de gasolina do Fred?
Não sei quem é Fred, mas suponho que seja o grandalhão da
loja de conveniência.
— Acho que sim...
— Porra! — Ele soca a mesa e eu dou um pulo. — Que carro
foi que roubaram?
— Ahn... eu não sei a marca. — Mordo o lábio. — Mas sei que
é um 4x4 vermelho-cereja.
Bruce coça a barba e dá uma risada.
Por algum motivo, sinto algo estranho.
— Garota, acho que vocês têm sorte — ele diz, voltando a me
encarar. — Ontem à noite, eu encontrei um 4x4 vermelho
abandonado em uma das estradinhas aqui por perto — ele diz. —
Levei para a minha casa, porque o xerife disse que só vai averiguar
o que aconteceu amanhã.
Meus olhos se arregalam.
Será que é o carro de Adam?
Não pode ser. Qual bandido em sã consciência ia largar o
carro assim e fugir?
— Mas... você viu se tinha alguma coisa dentro, digo, algum
pertence? — pergunto.
— Tinha celulares, uma bolsa. Não mexi nas coisas, menina.
— Ele suspira. — Apenas levei para a minha garagem até esperar o
xerife.
Meu coração dá cambalhotas.
Só que, ao mesmo tempo, sinto algo estranho.
Adam só está esperando uma chance de sair daqui. Se esse
for mesmo o seu carro, é óbvio que ele vai dar um jeito de irmos
embora para chegar em Vermont a tempo.
E o problema é que não quero sair daqui.
Estou feliz com o rumo que as coisas tomaram e mesmo que
seja apenas mais alguns dias, quero passá-los com Adam. Quero
passá-los com essas pessoas desconhecidas que já ganharam o
meu coração.
E... convenhamos que o motivo de Adam querer chegar até
Vermont não é tão nobre assim. É apenas uma vingança contra
alguém que o machucou no passado.
Adam precisa deixar isso para trás, se quer ser feliz.
— Você pode ir lá em casa para averiguar — Bruce diz,
atraindo minha atenção novamente. — Você não a leva lá, Joseph?
— Claro que levo.
Abro um meio-sorriso.
— Ok, eu vou.
Que não seja o carro, por favor, Deus.
Enquanto isso, em Nova Iorque...

— O que foi, querido? — Melanie se aproxima de seu


namorado, que está com o cenho franzido, olhando para a tela de
seu celular.
— Não sei... — Ele bebe um pouco de champanhe. — Não sei,
sinceramente.
— Como assim? — Melanie dá uma risadinha e se senta ao
seu lado no espaçoso sofá branco. — Você está com uma cara de
que aconteceu algo terrível, desde que chegou uma mensagem em
seu celular.
O homem desliga a tela do celular, suspira e bebe mais um
pouco de champanhe.
Que droga, Adam — ele pensa.
Sua família acabou de chegar de viagem e ao invés de dar
atenção a eles, Douglas já precisa se preocupar com seu melhor
amigo e sócio.
— É o Adam. — Douglas suspira pesadamente. — Ele ainda
não chegou a Vermont.
Melanie arregala os olhos.
— Como assim? Faz três dias que eles saíram. Já era para
terem chegado.
— Sim, com certeza. — Douglas bebe o restante de
champanhe em sua taça. — Mas eu acabei de receber uma
mensagem do pessoal do hotel em que ele iria se hospedar, dizendo
que ele não chegou. Querem saber o que devem fazer, se ele ainda
vai, essas merdas todas.
Douglas esfrega o rosto com impaciência.
— O que você vai fazer? — Melanie pergunta, preocupada. —
Será que aconteceu algo? Meu Deus, Nancy estava com ele!
Douglas segura as mãos de sua namorada.
— Eu vou encontrar aquele cretino, fique calma — ele diz com
firmeza. — Nem que eu vá ao inferno buscá-lo.
Então, Douglas se levanta e vai na direção de seu escritório.
Apenas uma ligação...
Ele vai encontrar Adam e depois vai socá-lo, pelo susto e pelo
coração apertado que ele precisa disfarçar para sua namorada.
Nancy
Faltam dois dias para o Natal.
Hoje acordei com Adam beijando meu corpo. Foi uma
sensação maravilhosa, a qual me entreguei sem reservas. E agora,
estou vestindo as roupas para ir averiguar se o meu conto de fadas
está prestes a acabar.
— Está tudo bem, Nancy? — Adam está com os braços
cruzados, observando-me da cama.
— Está sim, por quê? — Enfio um pé dentro da bota.
— Você parece... distante. Como se algo a estivesse
preocupando.
Sim, estou preocupada.
Pelos motivos errados.
E como posso dizer isso a Adam? Como posso dizer que
desejo, do fundo do meu coração, que não tenham encontrado o
carro? Que eu quero prolongar nossa experiência o quanto mais eu
puder?
A linha tênue entre o que é certo e o que eu quero.
Argh.
— Não é nada. — Dou um meio-sorriso. — Joseph me
convidou para ir à loja de conveniência. Precisa comprar algumas
coisas.
A primeira mentira.
— Hum... — Adam ergue as sobrancelhas levemente. — Por
que você? Por que não convidou os outros?
— Ah... — Droga, Adam não é burro. — Eu, ahn, eu pedi
porque quero comprar umas coisas. Por sorte, fiquei com meu
cartão dentro da calça naquele dia.
Adam me fita por longos instantes e depois assente.
— É bom você ir, assim consegue ver como está a situação
das estradas — ele diz.
— Por quê? — pergunto, um pouco alto demais. — Você está
pensando em irmos embora?
— Nós temos que ir embora, Nancy. As pessoas sequer sabem
onde estamos enfiados e, embora o único problema do nosso
sumiço esteja relacionado à perda do meu contrato, eu preciso
voltar a Nova Iorque.
Claro que precisamos, é o que eu quero dizer. Mas também
quero dizer que não precisamos voltar agora. Ninguém vai sentir a
nossa falta. A maioria dos funcionários estão de recesso de final de
ano e todo mundo está ocupado com os presentes debaixo da
árvore.
Quem é que está pensando no chefe que odeia o Natal
chamado Adam Miller Johnson?
— Sim, claro. — Sorrio forçado. — Mas achei que fosse
esperar passar o Natal, pelo menos.
Adam respira fundo.
— Vou esperar. Mas depois, vamos dar um jeito de sair daqui.
Eu posso ter perdido o contrato, mas ainda vou dar um jeito de me
vingar de Katherine.
Sinto meu corpo estremecer com a força do ódio com que
Adam se refere à sua ex. É claro que eu o entendo e entendo seus
motivos, mas algo dentro de mim quer dizer a ele que isso é loucura
e que esquecer o passado é o melhor a se fazer.
Levanto-me da cadeira e respiro fundo.
— Bem, eu já vou. Joseph deve estar ansioso para sair.
Não espero para ver o que Adam vai dizer, viro-me na direção
da porta e sigo, porém, sua voz é impetuosa quando me chama:
— Nancy Smith.
Viro-me para ele, com a mão ainda na maçaneta.
— Venha aqui.
Engulo uma risada nervosa e vou até ele.
Adam me puxa para a cama e eu dou um grito quando ele se
coloca por cima de mim, completamente nu.
— Céus, não sei se quero deixar você sair — ele sussurra em
meu ouvido.
É claro que prefiro ficar aqui com ele, desfrutando de suas
carícias, mas preciso averiguar a questão do carro.
— Também queria ficar, querido. — Seguro seu maxilar com
meus dedos.
Adam olha dentro dos meus olhos.
— Você me chamou de querido?
— Isso te incomoda?
Ele dá uma risadinha.
— Não, não incomoda.
— Ótimo. —Levanto a cabeça e beijo-o nos lábios. — Agora
saia de cima de mim, peladão. Joseph está me esperando.
Adam faz um biquinho, mas sai de cima de mim e eu me
levanto, agora, completamente bagunçada.
— Você não tem limites. Bagunçou-me toda.
Ele ri.
— Não tenho problema algum em ajudá-la a se livrar dessas
roupas, Nancy...
Apesar de estarmos tão íntimos, ainda sinto minhas bochechas
corarem, afinal, ele é o meu chefe. Isso não mudou, apesar de
estarmos transando.
— Você pode fazer isso, mais tarde. — Sou enfática e vou até
a porta. — Por enquanto, comporte-se. Colleen vai trazer o seu café
da manhã.
Adam assente e eu vou, mas antes jogo um beijo para ele, que
o pega e o leva até o coração.
Dou risada.
— Nós somos ridículos — ele diz, achando graça.
— Com certeza.
Saio do quarto com a certeza de que tudo isso é um sonho e
que, em breve, irá acabar.

— Olá, minha querida. — Joseph está jogando algumas coisas


na capota da caminhonete.
Aproximo-me com um sorriso.
— Bom dia, Joseph.
— Adam não vai conosco? — ele pergunta, seus olhos
carregados de curiosidade. — Estava esperando você nos chamar
para ajudá-lo a descer.
Ahn, droga. O que eu posso dizer?
— Adam... pediu para que eu fosse sozinha. Ele está se
sentindo cansado hoje. — Segunda mentira. — Acho que são os
remédios.
— Ah, claro. Esses remédios para dor são muito fortes. —
Joseph fecha a capota e bate as mãos uma na outra para tirar a
poeira. — Vamos, então?
— Vamos, claro.
Ele abre a porta do passageiro e eu entro, acomodando-me no
banco de couro.
Joseph entra do outro lado e liga a caminhonete, que foi
trazida por Bruce, um dia depois do acidente de Adam.
— E então, como Adam está? — Joseph pergunta para
quebrar o gelo.
— Está bem.
Bem até demais, se levarmos em consideração que ele está
passando suas “férias” mergulhado em meu corpo, mas deixo esse
detalhe de fora. Ninguém precisa saber o que estamos aprontando,
embora eu tenha quase certeza de que eles sabem.
Algumas vezes, eu pego os olhares céticos que lançam em
minha direção.
— Faz tempo que vocês trabalham juntos? — Joseph
pergunta.
— Faz uns três meses — digo, olhando para a janela. É
inevitável não me lembrar da entrevista. — Melanie, minha melhor
amiga, é namorada de um amigo e sócio de Adam. Ela foi quem me
falou sobre a vaga e eu tentei a sorte. Deu certo, Adam me
contratou.
Joseph ri.
— E como ele é sendo chefe?
— Ele é psicótico. — Respiro fundo. — Exigente e tudo o mais.
Se não fosse assim, não estaríamos aqui neste momento. Tudo isso
aconteceu porque Adam colocou algo na cabeça e quis ir até o fim.
Joseph assente em compreensão.
Então penso que eu nunca olharia para Adam assim, se
estivéssemos no escritório, onde eu só tinha a visão do Adam
empresário, o Adam exigente, o Adam que odeia datas
comemorativas.
Alguns dias de convivência realmente podem mudar muita
coisa.
— E você, me conte sobre a sua vida — digo ao Joseph.
Ele dá um meio-sorriso.
— Não há muito o que contar, menina. — Ele suspira. —
Cresci aqui, nesta cidade. Colleen e eu estudamos juntos,
crescemos juntos. Em algum momento da vida, achamos que seria
interessante levar a amizade ao romance e veja só onde estamos.
— Ele ri novamente. — Eu amo a minha esposa e eu nunca fui
apaixonado por nenhuma outra.
Meu coração se enche de uma sensação de alegria ao ouvir as
palavras de Joseph e o modo carinhoso com que ele se dirige à
esposa.
— Faz muito tempo que vocês estão casados?
— Quarenta anos. Nos casamos muito jovens.
Sorrio.
Na época de Joseph, os relacionamentos pareciam mais
sinceros, mais puros. Coisa que é difícil de encontrar nos dias de
hoje.
Penso em Adam.
Ele deve ter sido muito apaixonado pela ex que destruiu seu
coração.
Será que eu seria capaz de fazê-lo se apaixonar por mim?
Mordo o lábio.
Eu quero que Adam se apaixone por mim? O quanto isso
implicaria em minha vida? Em meu trabalho? Eu estaria pronta para
entrar em seu mundo?
São tantas perguntas e a maioria delas sem resposta.
— Chegamos — Joseph anuncia assim que terminamos de
subir uma colina.
Há neve para todo lado, mas bem no meio de um campo
aberto há uma casinha simples de madeira. Ela está decorada com
luzes e enfeites de Natal e há um boneco de neve do lado de fora.
— É aqui que o Bruce vive? — pergunto.
— Sim. — Joseph tira o cinto e sai do carro. Dá a volta e abre
a minha porta. — É aqui que o velho Bruce se esconde.
Joseph estende a mão e me ajuda a descer.
Olho em volta, está tão frio, apesar de a neve ter parado um
pouco de cair.
Não precisamos nem bater na porta, porque Bruce aparece,
usando roupas comuns. E mesmo usando esse tipo de roupas, é
impossível não o associar à imagem de Papai Noel.
Chega a ser engraçado.
— Ainda bem que vocês chegaram! — Bruce se aproxima,
encontrando-nos perto das escadinhas de entrada da casa. — O
xerife acabou de sair daqui. — Ele me encara. — Eu disse que
alguém viria verificar o carro primeiro e ele disse que tudo bem,
qualquer coisa, eu deveria avisá-lo.
— É claro. — Suspiro, sentindo o frio penetrando minhas
roupas. — E então, onde está?
— Ah, está na parte de trás, venham comigo.
Joseph e eu seguimos Bruce dando a volta na casa. Na parte
de trás há um barracão abandonado e bem ali, coberto de neve, há
um 4x4 vermelho-cereja. O mesmo que usávamos quando fomos
assaltados.
Droga.
Meu coração dá um salto.
Sinto-me melancólica.
Sei que devo ficar feliz, mas não consigo me sentir assim. No
momento em que Adam souber que encontramos o carro, ele vai
querer partir, sem se importar com nada além da vingança que ele
quer concretizar contra a sua ex noiva.
— E então, é ele? — Bruce pergunta, esfregando as mãos.
Dou um passo adiante e me aproximo do vidro do carro.
Espio por dentro.
— Pode abrir a porta, menina. Está destrancado.
Abro o carro e...
Sim.
É o carro de Adam.
E é tão estranho que tudo o que deixamos ali, está exatamente
do mesmo jeito. Como se os bandidos o tivessem pegado e o
largado logo em seguida, por algum motivo que só Deus e o diabo
sabem.
— É ele. — Afasto-me e fecho a porta. — É o carro que
viajávamos.
Bruce e Joseph se entreolham e suspiram, como se uma das
metas de suas vidas acabasse de ter sido cumprida.
— Ótimo, então... pode levá-lo. — Bruce enfia a mão no bolso
do casaco e tira de lá as chaves. — O rapaz vai ficar feliz em saber
que encontramos seu carro.
Respiro fundo várias vezes.
Não, não quero isso.
São só dois dias...
Nós podemos esperar o Natal. Podemos esperar só mais um
pouco. Não há necessidade de sairmos correndo daqui em busca de
uma vingança tola e cruel.
— Bruce, eu... — Engulo em seco. — Posso pedir um favor a
vocês?
Os homens me olham sem entender aonde quero chegar.
— Eu, ahn... — Droga, o que vou dizer? — Olha, se Adam
souber que encontramos o carro, ele vai me fazer dirigir até Vermont
e ele não está em condição disso ainda. Acho que nem as estradas
foram liberadas, não sei. — Suspiro. — Vocês podem manter isso
em segredo, por enquanto? Só até o Natal passar. Aí, depois,
teremos que ir embora, mesmo.
Joseph e Bruce trocam olhares confusos.
— Mas, minha jovem... não é bom ele saber que encontramos
o carro? Ele deve estar preocupado... — Joseph diz.
— Ele está, mas eu só estou pedindo para segurarem a
informação por mais dois dias. — Abro um sorriso nervoso. — Não
vejo problema nisso. Vocês veem? Eu só quero um... tempo. Com.
Adam.
Minha confissão faz minhas bochechas ficarem ruborizadas
como nunca.
Joseph e Bruce erguem as sobrancelhas em compreensão.
Pelo amor de Deus, como eu sou idiota!
— Tudo bem. — Bruce dá de ombros. — Posso manter o carro
aqui por mais alguns dias, sem problemas.
— E eu não sei de nada. — Joseph passa os dedos pelos
lábios, como se estivesse fechando um zíper. — Garanto que a
menina sabe o que está fazendo.
Não sei.
— Claro que sei.
Eles sorriem, animados.
— Bom, vamos tomar um café, então? — Bruce esfrega as
mãos. — Acabei de fazer.
— Só se for agora.
Sigo Bruce e Joseph para dentro da casa, mas acho que café
algum vai passar pela minha garganta neste momento.
Estou mentindo para Adam.
Por motivos que eu nem sei ao certo.
Só espero que isso não dê merda.
Adam
— Como está essa perna, hein? — Nancy se senta ao lado da
minha perna engessada e seus dedos analisam o estrago. —
Parece que não está inchado.
— Eu acho que fui enfaixado à toa.
Nancy suspira. Seus olhos vêm de encontro aos meus.
— Bem, logo vamos sair daqui. A nevasca parou há dois dias e
já estão limpando as estradas.
Falta um dia para o Natal e eu nunca pensei que eu poderia
viver essa data de outra forma que não fosse trancado em meu
apartamento, assistindo à televisão e comendo pizza congelada.
Que é o que costumo fazer todos os anos... ou buscando uma
vingança contra a minha ex.
Então, estou aqui, no meio do nada, cercado por
desconhecidos que estão sendo mais gentis do que a minha própria
família foi a vida inteira. E ao lado de Nancy, que se tem se
mostrado uma mulher linda, inteligente e cheia de convicções.
— Venha aqui. — Estendo a mão e ela a aceita. Nancy se
deita em meus braços e suas pernas se entrelaçam às minhas. —
Você está tão quieta, desde ontem, quando chegou com Joseph.
Aconteceu algo?
Sinto-a se retesar. Mas ela suspira.
— Não, não aconteceu nada.
É mentira. Nancy está mentindo para mim e eu consigo sentir.
Puxo seu rosto para cima e encaro seus lindos olhos cor de
chocolate.
— Não minta para mim, Nancy.
Ela suspira.
Então se senta na cama.
— Eu... só estou pensando nas coisas... — Ela faz um
desenho imaginário em cima dos lençóis. Não consegue me
encarar. — Vamos embora depois de amanhã, eu acho. Vamos
voltar às nossas vidas e... — Ela olha para cima e suas palavras
morrem.
Não sei o que Nancy quer que eu diga, mas sei que esses
pensamentos também estão circulando a minha mente, desde a
primeira noite que ficamos juntos.
Temos agora uma relação que vai além da profissional, mas
não faço ideia de como levar isso. Faz anos, desde que eu deixei de
me envolver sentimentalmente com as pessoas.
Só que também não quero perder isso que construímos
nesses poucos dias.
Acho que eu nunca me senti tão em paz quanto nesses dias,
mesmo depois de ter sido atropelado por um Papai Noel.
Patético.
— Vem cá. — Puxo-a para o meu colo. Nancy se senta,
colocando as pernas uma de cada lado da minha cintura. — Que tal
se não pensarmos no que vai acontecer depois de amanhã? —
pergunto, deslizando minha mão pelo seu rosto sedoso. — Talvez a
gente chegue em Nova Iorque, volte a trabalhar e eu esqueça que
você é minha secretária e a ataque dentro da minha sala. O que
acha?
Nancy dá risada.
— Você não faria isso, é tão... — Seus dedos deslizam pelo
meu peito. — Profissional.
— Você me acha profissional? — pergunto, descendo minhas
mãos pelos seus ombros.
— Acho. — Seus olhos encontram os meus. — E acho isso tão
sexy. Não sei como não fantasiei com você antes.
Desta vez, eu dou risada.
— Porque você é profissional — digo, minhas mãos
empurrando seu casaco.
Nancy abre um meio-sorriso.
Minhas mãos começam a trabalhar em seus braços,
acariciando-os lentamente.
Ela estremece.
— Adam?
— Hum?
— Você acha que vamos conseguir trabalhar juntos depois
disso? — Ela gesticula, apontando do seu peito para o meu.
Aproximo-me e começo a beijar seu pescoço.
— Não sei, docinho.
— Docinho? — Ela solta uma risadinha.
— Sim, você é doce. — Arrasto meus lábios na extensão de
sua clavícula. — E eu acho que estou ficando viciado em você.
Ela ri.
Nós nos encaramos por alguns segundos.
Nancy segura meu pescoço e aproxima-se. Beijamo-nos com
suavidade, a princípio, mas o beijo evolui e logo fico cheio de tesão
e de vontade de me enterrar em seu corpo quente e macio.
Afasto-me só um pouco para que Nancy retire sua blusa. Ela a
joga em um canto qualquer e nossos lábios se unem novamente.
Deito-a na cama e me coloco por cima do seu corpo.
— Nunca pensei que eu ia passar por algo assim — digo, meu
corpo encostando ao seu.
Nancy solta um leve suspiro que estremece meu corpo.
— Nem eu.
— E não estou falando sobre ser atropelado por um maldito
Papai Noel — digo, arrancando mais risadas de Nancy. Risadas
essas que fazem alguma coisa bem estranha com meu coração. —
Estou falando sobre... tudo.
Ela segura o meu rosto e fita meus olhos.
— Eu sei. É loucura.
— Total.
— Mas é uma loucura que eu quero viver — ela diz.
— Eu também, Nancy. — Beijo seus lábios e me afasto um
pouco só para dizer: — Eu também.
Então deixo de lado meus pensamentos malucos e me
concentro na mulher que está diante de mim.
Seu corpo é tão lindo quanto seu rosto.
Perco-me em suas curvas, beijando-a, explorando cada
pedacinho. Perco-me em seus seios, acariciando-os com minha
língua, mordiscando-os somente para ouvi-la gemendo o meu
nome.
As mãos de Nancy se entrelaçam em meus cabelos e é uma
sensação tão boa tê-la comigo.
Já saí com muitas mulheres, isso é verdade.
Mas nenhuma delas foi como Nancy é... intensa, entregue,
apaixonada.
Não sei se estamos seguindo por um caminho perigoso, mas
sei que não consigo deixar de querer essa mulher.
Desço os lábios pela sua cintura, beijo suas pernas, suas
coxas. Mergulho em sua intimidade, saboreando-a com intensidade.
Ela ergue o quadril, querendo mais.
E eu lhe dou.
Nancy é deliciosa. Quero me perder em seu corpo para
sempre.
— Adam. — Ela aperta os dedos no lençol. Sei que está quase
lá, porque ela começa a balançar a cabeça, como se não
acreditasse ser possível tamanho prazer.
— Sim, docinho. Goze para mim.
Deslizo um dedo para dentro de sua intimidade e Nancy se
desfaz em gemidos de prazer e êxtase.
É como música aos meus ouvidos.
Estimulo-a com movimentos certeiros da minha língua e logo
tenho-a se derretendo em meus braços.
Perfeição.
— Agora, docinho — digo, arrastando a minha cueca para
baixo, deixando que meu pau toque em sua entrada úmida. — Eu
vou te levar até o céu com o meu pau.
Nancy ri, mas quando mergulho em seu corpo, ela suspira e
fecha os olhos.
Suas mãos se prendem em meus ombros.
Entro e saio do seu corpo em movimentos ritmados. Isso é o
paraíso. Não quero mais sair daqui.
— Adam! — ela geme o meu nome.
— Isso, docinho. Curta o momento.
Fecho os olhos e deixo-me envolver nessa montanha-russa de
sensações, direto ao abismo. É preciso me concentrar para não
perder o controle, porque Nancy é tão gostosa, tão apertada, tão...
Minha.
É isso, Nancy é minha.
Não sei se foi o destino que nos fez cair nessa enrascada para
podermos olhar um para o outro de forma diferente, mas sei que...
se foi isso, só tenho a agradecer ao universo.
Depois de perder o meu mundo em estocadas ora lentas, ora
rápidas, alcanço o prazer, que estremece todas as muralhas que
existem dentro de mim.
Jogo-me na cama ao lado de Nancy. Nossas respirações
aceleradas.
Ela está enrubescida.
Tão linda, tão deliciosa.
Puxo-a para o meu peito.
— Vamos ter que encontrar um jeito de fazer isso dar certo,
docinho — digo, deslizando o dedo indicador em seu rosto. —
Porque eu estou completamente viciado em você.
Nancy sorri e me beija.
— Nós vamos encontrar — é o que ela diz, com uma
esperança que acende o fogo dentro de mim, mais uma vez.

~
— Temos mesmo que descer? — pergunto, fazendo uma
careta enquanto visto o casaco natalino que Colleen me deu.
— Temos. Colleen disse que tem uma surpresa para nós —
Nancy diz, animada. — O que será que é?
— Não faço a menor ideia.
Nancy termina de vestir a roupa que algum dos hóspedes
emprestou e vai até a porta, abrindo-a sem cerimônias.
Hassif e Harry estão do outro lado, com um sorriso animado.
— Preparado para descer, amigão?
Não sou amigo desses caras, mas não quero tratá-los mal
também. Forço um meio-sorriso.
— É claro.
Eles me ajudam como nos outros dias. Nancy desce na frente.
Não faço ideia do que estão aprontando, mas ver a animação
de Nancy me deixa um pouco mais certo de que estou agindo da
forma correta.
Quando Colleen me deu o casaco que seria de seu filho morto,
vi nos olhos de Nancy o medo de que eu rejeitasse simplesmente
por ser um casaco natalino.
Ela precisa entender que, para mim, o problema não é a data
em si. Mas sim o que representou para mim todos esses anos. Isso
é difícil de apagar. Mesmo assim, estou tentando ser um cara
normal como os outros que estão me carregando escada abaixo.
— Onde estão Joseph e Colleen? — Nancy pergunta, virando-
se para os lados.
— Estão lá fora — Hassif diz. — Nós vamos lá.
Nancy corre na frente e nós vamos atrás.
Então, vejo que ela parou na entrada da casa.
— Ah, meu Deus, que coisa linda! — ela exclama.
Saímos e me surpreendo ao ver os anfitriões, acompanhados
pelas esposas dos que me carregam, segurando velas.
Eles começam a cantar músicas típicas de Natal.

We wish you a merry Christmas


We wish you a merry Christmas
We wish you a merry Christmas
And a happy new year

Os rapazes me deixam sentado em uma cadeira e Colleen se


aproxima com duas velas. Uma entrega à Nancy e a outra, a mim.
Nunca gostei desse tipo de coisa, exceto quando era criança.
Para crianças, tudo é especial, mágico. Eu era assim. Porém
agora eu sou apenas um sujeito mal-humorado de trinta e três anos
que está vivendo seu Natal mais louco até hoje.
Nancy se vira para mim. Ela está cantando as músicas.
Seus olhos são uma mistura de súplica e de gratidão.
Respiro fundo.
— Qual é, Adam? — ela diz ao meu lado. — Eu sei que você
sabe cantar essas músicas, por mais que você odeie o Natal.
— Eu sei... é verdade.
Ela sorri.
— Então...?
Olho para as pessoas animadas à nossa frente, e observo
Nancy com um sorriso espetacular em seu lindo rosto.
Não posso decepcioná-los. E o principal: não quero
decepcioná-la.
Então abro a boca e acompanho-os nas canções natalinas,
resgatando um pouquinho do Adam criança, esquecido lá atrás
quando seus pais se separaram.
Nancy me fita e sorri, animada.
— Obrigada, Adam. — Ela aperta o meu braço.
— Pelo que, exatamente?
— Por me fazer ter um Natal tão... mágico.
E essas palavras atingem o meu coração e penetram nele,
deixando-me desconfortável por alguns segundos, até que eu
percebo que quem está tendo um Natal verdadeiramente mágico,
sou eu.
Douglas olha para o seu celular e depois para a frente, onde
uma casinha de madeira velha se destaca em meio à neve.
Só pode ser brincadeira, ele pensa, colocando o celular no
bolso do casaco.
Douglas saiu de casa de madrugada, assim que conseguiu
localizar o celular de Adam.
Achou estranha a localização, mas pensou que... talvez, Adam
teve algum problema e tivesse parado em uma pousada. Só que
agora, nem mesmo ele sabe o que pensar sobre tudo isso.
Douglas respira fundo, passa as mãos pelos cabelos e abre a
porta do carro.
Está muito frio.
Ele se encaminha até a frente da casinha de madeira. Olha
para os lados, sobe os degraus da varanda, porém, antes que dê
mais um passo, a porta se abre e ele vislumbra o cano de uma
espingarda apontada em sua direção, por um velho vestido de Papai
Noel.
— Hey! — Ele dá um passo para trás, erguendo as mãos. —
Que porra é essa?
— Quem é você? — O velho dá um passo para fora da casa.
— E o que quer aqui?
Douglas definitivamente não esperava por essa. Seus
pensamentos começam a se agitar, pensando em Adam e no que
aconteceu.
— Ei, calma! Vamos conversar...
— Você é advogado daqueles idiotas dos Ransom?
— O quê? — Douglas franze o cenho. — Quem diabos é
Ransom?
O homem olha para ele por vários segundos, até que respira
fundo e abaixa a arma.
Douglas começa a abaixar lentamente as mãos.
— TEM CERTEZA de que você não é advogado dos Ransom?
— O homem levanta o rifle novamente e Douglas, as mãos.
— Cara, eu nem sei quem eles são! — Douglas quase grita. —
Eu só estou aqui porque procuro um amigo que está sumido, há
dias. Achei que... talvez, algo tivesse acontecido e ele precisasse de
ajuda.
O homem abaixa o rifle novamente, desta vez bem mais
calmo.
— Ah, sei... — Ele suspira. — Ransom é um dos vizinhos que
quer tomar a minha propriedade — ele explica. — Mas... não
entendi muito bem essa sua história. Eu moro sozinho, moço.
Douglas respira fundo e pega seu celular no bolso. Procura
nele uma foto e o mostra ao homem.
— Conhece esse rapaz? Viu ou sabe alguma notícia sobre
ele?
O homem força a visão olhando para o celular e, de repente,
seus olhos se iluminam.
— Ah, é o Adam! Claro que o conheço, ele está hospedado
com Joseph e Colleen.
O cérebro de Douglas começa a trabalhar para entender o que
está acontecendo.
— Ele está hospedado com quem?
— Joseph e Colleen — o homem diz. — Ahn, o pobre rapaz foi
assaltado quando estava viajando com a namoradinha. Levaram
tudo... — Ele suspira. — Mas acredita que os bandidos
abandonaram o carro e eu o encontrei esses dias? Inclusive, está
guardado aqui a pedido da namorada dele, acho que ela quer
esperar passar o Natal e essas coisas...
— Espere — Douglas o interrompe. — Você disse
“namorada”?
— Sim... aquela menina baixinha de cabelos castanhos.
Douglas sabe que a menina baixinha de cabelos castanhos é
Nancy, mas não está entendendo por que o homem insiste que ela é
namorada de Adam, sendo que até eles saírem de lá, eram apenas
“chefe e secretária”.
— Ahn... esse lugar em que eles estão, fica muito longe daqui?
— Douglas pergunta, colocando as mãos atrás do corpo. — Pode
me levar até lá?
— Não fica longe, não moço. Posso levá-lo ou, se quiser, pode
me seguir. Eu estava indo mesmo para lá, Joseph e Colleen me
convidaram para a ceia.
— É claro. Vamos, então?
— Vamos.
Douglas respira fundo e vai até o seu carro.
Essa história toda é muito estranha, mas ele vai descobrir o
que está acontecendo.
Ah, se vai.
Nancy
Abro os olhos, já sentindo a agitação percorrer as minhas
veias.
É NATAL!
— Bom dia, dorminhoco! — Beijo o rosto de Adam. — É Natal!
Acorde!
Ele resmunga e vira para o outro lado.
— Qual é? Vamos lá! Nós temos que descer. Colleen disse
ontem à noite que deixaram presentes para nós embaixo da árvore!
— Me deixe dormir, Nancy. — Adam puxa o cobertor para cima
da cabeça.
— Não, senhor. — Puxo-o de volta. — Nós vamos descer e
abrir os presentes junto com os outros.
Adam solta um palavrão, mas depois se vira para mim.
— Ok, ok. Nós vamos descer e abrir os malditos presentes.
Sorrio, animada.
Adam me surpreendeu na noite passada e eu não posso estar
mais feliz pelo rumo que as coisas tomaram.
Mesmo que eu esteja escondendo dele que achamos o maldito
carro.
É por uma causa boa.
E hoje é o último dia que quero nos manter aqui.
Adam não precisa de uma vingança. Ele precisa apenas
celebrar uma data especial com pessoas especiais, para que
perceba que a vida pode ser vivida de outra forma.
Pulo da cama e visto apenas um robe que foi emprestado por
Colleen. O legal da manhã de Natal é isso, vasculhar os presentes
ainda vestidos com o pijama.
— Você não quer que eu desça só de cueca, não é? — Adam
pergunta com um leve tom de brincadeira na voz.
— Não. Você pode se vestir. — Jogo sua calça, blusa e o
casaco que ganhou de Colleen. — Não quero que mais ninguém
tenha a visão que eu tenho.
Adam dá uma gargalhada gostosa.
Ele veste a parte de cima, enquanto vou ao banheiro fazer
minha higiene pessoal. Quando volto, ajudo-o a vestir a parte de
baixo e então o auxilio a ir ao banheiro.
— Vou chamar os meninos para te ajudarem — digo, assim
que ele se senta novamente na cama.
Porém, assim que abro a porta, Harry está com a mão fechada
em punho erguida, prestes a bater na minha porta.
— Oi, amiguinha. — Ele sorri e abaixa a mão. — Viemos
buscar o bonitão. Vamos abrir os presentes.
Olho para trás e Adam está segurando um revirar de olhos.
Dou risada e abro espaço para os rapazes entrarem.
— Acho que Colleen comprou uma cueca para você, Adam —
Hassif brinca. — E deve ser com desenhos de Papai Noel.
— Nem brinque com isso. — Adam dá risada.
Eles avançam pela porta e me pego abrindo um sorriso
gigantesco.
Por algum motivo, estou feliz.
O Natal, que era para ter sido um fiasco, está sendo
verdadeiramente maravilhoso.
Só espero que Adam perceba isso tanto quanto eu.

Na sala de estar estão Joseph e Colleen, sentados em suas


poltronas favoritas, bebericando uma bebida quente.
— Ainda bem que vocês chegaram. Estamos ansiosos para
que abram os presentes — Colleen diz, animada.
Os meninos deixam Adam sentado na poltrona perto da árvore
e eu me sento no chão, aos seus pés.
Colleen se aproxima e distribui os pacotes. Primeiro Harry e
Francine recebem o seu, depois Hassif e Maya. O pai de Colleen
aparece neste momento, feliz por receber um pacote também.
Por fim, ela entrega um presente para mim e para Adam.
Adam olha por vários segundos para o pacote em suas mãos,
depois ergue a cabeça e fita Colleen:
— Não posso aceitar. Não trouxe nada para vocês.
Colleen suspira.
— A presença de vocês já é um presente maravilhoso para
nós — ela diz, seus olhos estão marejados. — Não é, Joseph?
— Claro, querida. Com certeza.
Adam engole em seco.
Sei que isso pode ser demais para ele, mas fico feliz de que
não seja grosseiro e encare as coisas como elas devem ser.
Ele abre um sorriso.
— Obrigado, então.
Sorrio para Adam e decido abrir o meu presente. Porém o
barulho de uma caminhonete interrompe nosso momento.
— Caramba, o que o velho Bruce quer? — Joseph pergunta,
arrastando a cortina da janela para olhar o lado de fora. — Você não
o chamou apenas para o almoço, Colleen?
— Sim, mas...
— Nossa, que estranho. Tem alguém com ele — Joseph a
corta.
— Ah, deixem que vou abrir a porta para ele! — Não sei por
que, mas me levanto, animada. — Pensa na emoção de receber o
Papai Noel na manhã de Natal?
Todos riem, inclusive, Adam.
Saio da sala e vou na direção da porta.
Abro-a de uma só vez.
E o sorriso que eu sustento em meu rosto, morre assim que
vejo quem está ao lado de Bruce.
— Oi, Nancy — Douglas Collins, namorado da minha melhor
amiga e sócio de Adam me cumprimenta, olhando-me da cabeça
aos pés. — Que estranho encontrá-la aqui.
E é neste momento que percebo que o nosso Natal, que
sequer começou, já chegou ao fim.

— Douglas? — Minha voz sai baixa e tensa. — Como nos


encontrou?
Ele suspira, enfiando a mão no bolso do casaco e tirando de lá
um celular.
— Consegui rastreá-los — ele diz. — Quero ver o Adam.
— É claro.
Bruce já está dentro da casa, pois não faz nem ideia da
enrascada que eu me meti e ele está tão animado com a
perspectiva de comer, que sequer nota a minha aflição.
Dou espaço para Douglas entrar e ele passa por mim, olhando
para todos os lados com curiosidade.
— Quero saber o que aconteceu para vocês virem parar neste
lugar... — Douglas diz, encaminhando-se para a sala de estar, onde
todos ainda estão.
Assim que entramos, meu olhar se direciona para Adam,
sentado na poltrona com o presente nas mãos.
Seu olhar é um misto de confusão, surpresa e... alívio.
— Douglas? — ele diz. — Céus, o que está fazendo aqui?
Douglas está parado olhando atentamente para Adam. Acho
que ele não acredita no que está vendo.
— Eu é que devo perguntar o que você está fazendo aqui e,
diabos, o que aconteceu com sua perna?
Respiro fundo, mas estou completamente nervosa. Minhas
mãos tremem, meu coração bate como um louco.
— É uma longa história, cara — Adam diz. — Mas antes,
deixe-me apresentar algumas pessoas.
Adam faz as apresentações.
Observo tudo de onde estou, parada perto da porta.
Não consigo me mexer.
Céus, o que vou dizer para Adam?
Depois de todas as apresentações, Douglas olha para os lados
e suspira.
— Acho que nós temos que conversar. — Ele direciona o olhar
em minha direção. — Urgentemente.

Colleen nos empresta o escritório de Joseph, que nada mais é


que um cômodo pequeno com uma mesa de madeira velha e
algumas prateleiras repletas de livros.
— Bom, acho que mereço uma explicação para o que está
acontecendo aqui — Douglas diz, olhando para nós dois. — Eu
larguei a minha família e a minha namorada, sozinhos no Natal,
para vir atrás de vocês. E, se não me engano, Adam... você não
tinha que estar em Vermont para fechar um contrato milionário?
Adam respira fundo, passa as mãos pelos cabelos.
— Era, mas... as coisas saíram de controle.
— Ah, e por isso você se tranca em um chalé, no meio do
nada, para curtir o feriado com a sua “namorada”? — Douglas
dispara. Sua voz está carregada de tensão.
— O quê? — Adam franze o cenho. — O que está dizendo?
— Estou dizendo que você sequer teve consideração de avisar
o seu amigo onde estava? Sequer atendeu minhas ligações...
— Espere aí — Adam o corta. — Fomos assaltados. Levaram
tudo... inclusive nossos celulares que estavam dentro do carro.
Ficamos incomunicáveis por vários dias, devido à nevasca. Eu fui
atropelado e, para falar a verdade, ainda não sei nem como vamos
sair daqui, porque o meu carro já era.
Douglas franze o cenho.
— O quê? Como assim? Seu carro está guardado e, me
desculpe, mas a nevasca já parou há dias e você podia estar em
Vermont a uma hora dessas.
Adam congela ao meu lado.
— Como assim, o meu carro está guardado? — Sua voz agora
está cheia de tensão. — De que diabos está falando?
Então o olhar de Douglas encontra o meu rosto.
— Acho que a Nancy está muito quieta. Por que não diz algo,
Nancy? — Ele cruza os braços. — Porque, se querem saber, eu
consegui rastrear seu celular, Adam. E sabe onde eu fui parar? Na
casa desse velho vestido de Papai Noel que me trouxe até aqui.
O silêncio reina e, de repente, sinto falta de ar.
Preciso sair daqui.
Minhas mãos estão tremendo.
Adam vai surtar, assim que souber que eu escondi o fato de ter
encontrado o carro.
Ah, céus.
— O que você está falando, cara? — Adam retruca. — Nancy
foi tão vítima quanto eu nesse assalto.
De repente, o peso da mentira é mais forte do que posso
suportar. Meu mundo está girando e meu sangue parece que vai
congelar a qualquer momento, se eu não colocar tudo para fora.
— Adam... — Toco seu braço, ele me olha sem entender. —
Preciso falar uma coisa.
— Não, espere. — Adam se vira para o amigo novamente. —
O que você quis dizer com “Nancy está muito quieta”? Ela sempre
foi assim, seu imbecil.
Douglas cruza os braços e se recosta na mesa de madeira.
Está se divertindo à nossa custa.
— A propósito, gostei do casaco.
Adam ameaça pular em cima de Douglas e eu preciso me
intrometer.
— Adam, me escute! — Seguro-o pelo braço. — Eu menti para
você. Eu menti, eu...
Adam se vira na minha direção com os olhos azuis
arregalados.
Dou um passo para trás.
Agora não adianta, eu comecei e preciso ir até o fim. De
qualquer maneira, ele descobrirá a verdade.
Respiro fundo e começo:
— Naquele dia que saí com Joseph, eu disse que iríamos até a
loja de conveniência, certo?
Adam assente.
— Eu menti sobre isso. — Respiro fundo. Meus olhos não
conseguem fitá-lo, então os direciono para o chão. — Naquele dia,
ele me levou até a casa de Bruce, que um dia antes me disse que
havia encontrado um 4x4 que poderia ser o seu.
Adam fica em silêncio por vários segundos.
Então ele pergunta:
— E era?
Não consigo dizer em voz alta, então apenas balanço a cabeça
afirmativamente.
Douglas assobia.
Adam respira fundo.
E eu só quero que um buraco se abra em meus pés.
— Douglas, me deixe a sós com Nancy — ele diz, a voz
cortante como uma faca.
— Ok, vou esperar lá fora... — Ele se afasta da mesa e vai na
direção da porta. — Acho que ouvi a dona da casa falando sobre
bolinhos e...
— SAIA LOGO! — Adam grita.
— Ok, já vou.
Meu corpo treme como louco, mas agora já não há mais o que
fazer. Sei que Adam está furioso e que tudo o que eu planejava
neste Natal foi por água abaixo.
Ele se senta na cadeira e respira fundo.
— Que história é essa de encontrarem o carro? — ele
pergunta. Parece confuso.
Explico o que Bruce me disse sobre os bandidos abandonarem
tudo na beira da estrada.
Adam está com os olhos frios. Exatamente como quando ele
lidava comigo na empresa.
— Então, você mentiu para mim, Nancy? — ele pergunta.
— Eu não menti, na verdade. — Olho para cima. — Eu só não
disse que encontramos o carro.
Ele soca a mesa e eu dou um pulo.
Meu Deus do céu.
— Por que não me disse a verdade, Nancy? — Sua voz já
subiu uns dois tons. — Por que escondeu essa informação tão
importante?
Meu coração quer saltar do peito e eu sei que agora é
momento de tentar fazê-lo enxergar que não fiz isso por mal. Na
verdade, fiz pensando que seria bom.
— Eu... eu... Adam, nós estávamos felizes, curtindo o Natal...
— Com pessoas desconhecidas! — ele retruca.
— Sim, mas pessoas que nos acolheram, nos ajudaram! —
digo, já desesperada. — Eu não podia deixar você saber sobre o
carro, porque eu tinha certeza de que você iria dar um jeito de
sairmos daqui e irmos para Vermont.
— Onde eu tinha um contrato milionário para ser assinado!
— Onde você tinha uma ex-namorada para se vingar! — Agora
quem está falando alto sou eu. — Não adianta tentar me enganar,
você mesmo disse que só queria esse contrato para se vingar dela!
Adam fica em silêncio, sua respiração acelerada.
— Você não tinha o direito, Nancy. — Ele passa uma das mãos
pelos cabelos. — Só porque passamos algumas noites juntos, você
acha que já é capaz de mudar as coisas na minha vida? Isso não
significa nada.
Suas palavras são como um soco em meu estômago.
As lágrimas se acumulam em meus olhos.
— Quer dizer que esses dias que passamos juntos não
significaram nada para você?
Ele ri de uma forma estranha e balança a cabeça
negativamente.
— Você acha mesmo, Nancy, que cinco dias são capazes de
mudar uma vida inteira?
Fico em silêncio porque não quero mais discutir. Não, esse não
é o Adam que eu conheci nesses dias.
Meu coração está destroçado.
Meu castelo de areia está indo ao chão, de uma só vez.
— Arrume suas coisas — ele diz, com a voz dura. — Nós
vamos a Vermont.
Ergo a cabeça e o encaro.
— Eu não vou — retruco, recuperando a Nancy orgulhosa de
antes. — Me recuso a participar desse joguinho de vingança, ainda
mais depois de tudo o que vivemos nesses dias.
Adam sustenta o meu olhar por vários segundos, então diz:
— Muito bem. Então fique e desfrute do seu Natal com esses
desconhecidos. Mas eu estou indo para Vermont.
Nancy
Chega a ser engraçado como as coisas podem mudar de uma
hora para a outra. Um sopro, um abrir e fechar de olhos, uma
respiração. Coisas que levam milésimos de segundos para
acontecer e que na vida não é muito diferente em algumas
situações.
Adam me deixou.
E isso não era para doer tanto quanto está doendo.
Faz uma hora que ele saiu daqui com Douglas, rumo a
Vermont, para a assinatura de um maldito contrato que nada mais é
que uma forma de se vingar de uma ex que o traiu.
Nunca fui traída, mas também não tive relacionamentos assim,
de tanto tempo. O que sei é que eu deveria entender o lado de
Adam, mas alguma coisa dentro de mim sempre grita algo
relacionado ao perdão. Talvez seja a criação religiosa que eu tive,
não sei. O que sei é que chega em um ponto da vida que não dá
para perder tempo com essas coisas.
E achei que Adam iria perceber isso, ao passar dias tão
maravilhosos. Achei que eu seria suficiente para apagar suas
memórias ruins, achei que conseguiria construir outras memórias,
boas o suficiente para seguirmos em frente.
Ledo engano.
E o problema disso tudo é que no meio dessa confusão dos
infernos, eu me apaixonei por ele.
E agora o meu coração está destruído porque sei que o perdi.
Talvez a primeira coisa que vai acontecer quando Adam
chegar a Nova Iorque seja emitir a minha demissão porque... céus,
ele não se apaixonou por mim. Para os homens, eu acho que as
coisas são diferentes mesmo.
— Querida, venha comer alguma coisa. — Colleen se
aproxima de onde estou parada ao lado da janela olhando para o
nada. O mesmo lugar onde esperei por Adam na primeira noite. —
Você nem tomou café da manhã.
— Obrigada, mas não estou com fome. — Seco uma lágrima
que escorre em meu rosto.
Colleen dá mais um passo em minha direção e eu me jogo em
seus braços, deixando toda a frustração sair de dentro de mim.
Desfaço-me, como uma criança que corria feliz e, de repente,
tropeçou em uma pedra, caiu e bateu a cabeça.
— Não chore, querida. — Ela massageia as minhas costas. —
Não sei exatamente o que aconteceu, mas... vocês vão se acertar.
Eu sei que vão.
— Eu menti para ele, Colleen. — Afasto-me, secando as
lágrimas em meus olhos com a ponta dos dedos. — Eu escondi que
tínhamos encontrado o carro, por medo de Adam querer sair daqui e
ir atrás de uma vingança ridícula contra a ex dele.
Colleen aperta os lábios.
— Por que ele quer se vingar da ex?
— Porque ela o traiu. — Respiro fundo e olho para cima. —
Adam tem sérios problemas, em especial com coisas relacionadas
ao Natal. — Céus, isso é ridículo até para mim. — Enfim, uma
dessas coisas foi essa ex-noiva que o traiu. Ele a pegou minutos
antes da ceia.
— Misericórdia!
— Sim... — Joseph se aproxima com um lenço nas mãos e me
estende. Eu o pego e assoo o nariz. — Eu não queria que ele fosse
lá. Não é esse tipo de coisa que o Natal nos ensina e eu achei que
seria capaz de fazer Adam enxergar isso.
Joseph passa um braço ao redor do pescoço de sua esposa.
— Achei que... — Respiro fundo. — Achei que ele poderia me
amar. Sei lá, talvez amor seja uma palavra muito forte. Mas achei
que ele pudesse se importar pelo menos um pouco comigo, depois
de tudo o que vivemos nesses dias.
— Você se apaixonou por ele, não é? — Colleen pergunta.
— Sim, me apaixonei. — Balanço a cabeça negativamente. —
Eu acho que sou maluca, porque quem se apaixona assim, tão
rápido?
— Eu! — Harry entra na sala, segurando a mão de sua
esposa. — Francine e eu nos apaixonamos na primeira vez que nos
vimos, em um show de comédia stand up, em Los Angeles. — Ele
olha para Francine e ambos sorriem.
— Nós também. — Hassif e Maya também entram na sala de
mãos dadas. — Nos apaixonamos no dia em que eu fui assaltado
no Taj Mahal. — Ele olha para ela e eles riem. — Foi Maya quem
me ajudou depois.
— Eu sempre fui apaixonada por Joseph — Colleen confessa,
olhando para o marido. — E eu sei que não importa o lugar ou como
isso pode acontecer, nem o tempo que vocês se conhecem... o que
eu sei é que quando é para acontecer, acontece. Pode ser uma
noite, uma conversa, um fim de semana, um beijo. Para o amor, não
existem limites. — Ela se aproxima e segura as minhas mãos. — Se
você se apaixonou por Adam, lute por ele. Eu sei que ele também
sente algo por você.
— Não sente, não — digo, desanimada.
— Lembra-se quando você saiu com Joseph e eu fiquei
encarregada de levar o café da manhã para Adam?
Assinto, lembrando-me que foi ali que eu errei.
— Sabe o que Adam me disse naquela manhã?
Balanço a cabeça negativamente.
Colleen sorri.
— Que pela primeira vez, em tantos anos, estava se sentindo
bem com ele mesmo. E que atribuía isso à sua companhia. Que
você é uma mulher incrível e que ele se odiava por não ter
percebido isso antes.
Algo dentro de mim desmorona ao ouvir essas palavras.
— Você está falando sério? — pergunto, erguendo as
sobrancelhas.
— É claro, minha querida. Não tenho motivos para mentir.
Adam, Adam, Adam.
O que eu posso fazer para consertar essa situação?
Respiro fundo e uma ideia se apossa da minha mente.
— Joseph, você pode me levar até o terminal rodoviário? —
pergunto, ansiosa.
— Você vai embora, querida? — ele pergunta.
— Eu vou a Vermont. Vou encontrar Adam e... não sei o que
vai acontecer. Mas preciso conversar com ele. Mostrar que estou do
seu lado, mesmo que não concorde com algumas coisas. Não
posso mudá-lo do dia para a noite, mas posso mostrar que as
coisas podem ser diferentes.
Joseph sorri.
— Minha caminhonete é velha, mas podemos chegar a
Vermont em algumas horas. O que acha?
Arregalo os olhos e, de repente, balanço a cabeça
negativamente.
— Não, Joseph. É Natal, você precisa ficar com sua esposa e
seus hóspedes.
Ele segura as minhas mãos.
— Me deixe ajudá-la, menina. O Natal é para isso, não é?
Sermos solidários uns com os outros.
Lágrimas escorrem dos meus olhos novamente e eu não sei
como agradecê-los. Então, abraço-os com toda a minha força.
— Você sabe exatamente para onde Adam está indo? —
Joseph pergunta.
— Sei. Ele ia se encontrar com o autor no hotel onde ele está
hospedado. É para lá que vamos.
Joseph sorri, animado.
— Então, vamos.
Adam
— Você vai conversar comigo em algum momento? —
pergunta Douglas.
Estamos na estrada há um bom tempo e desde que saímos da
casa de Joseph, não emiti sequer uma palavra.
— Conversar sobre o quê? — pergunto baixinho.
Douglas bufa.
— Não sei se estou maluco ou sei lá o que, mas sinto que
você e Nancy estão mais próximos do que uma relação profissional.
O que me parece uma grande loucura, visto que ela é sua
secretária.
Respiro fundo.
Não tenho o que explicar para Douglas, porque nem eu
mesmo entendo o que aconteceu entre nós.
E agora, céus, estou tão chateado.
Achei que Nancy era diferente e que nunca me esconderia
coisas. Achei que poderia confiar livremente em suas palavras e que
ela era doce, incomum. A melhor coisa que eu poderia ter
encontrado em minha vida medíocre.
Eu sou um grande idiota.
— Não acho que tenha algo que você precise saber — retruco.
— Mas você trepou com a Nancy? É isso?
Dirijo a Douglas um olhar assassino.
— Eu fiquei com ela, mas isso não é da sua conta. Minha vida
é uma bagunça, mas eu me encontro nela — digo, lembrando-me
que Nancy me disse essas palavras quando a vi jogando os sapatos
longe. — Agora, preste atenção no trânsito e dirija.
Douglas bufa.
— Ok, eu não vou perguntar mais nada. Só queria saber se
você ainda é o mesmo Adam de uma semana atrás.
Eu sou?
Essa é uma pergunta que me faço quase todos os dias, desde
que essa confusão começou.
O silêncio recai entre nós.
Não gosto de ser grosseiro com Douglas, ainda mais agora
que ele podia estar com sua família e não aqui, me levando para
cumprir uma vingança que é, no mínimo, idiota.
— A Melanie não pode saber disso, mas eu sempre achei a
Nancy bem gostosinha.
— Eu vou te matar se não calar essa boca.
— Tá bom, desculpe. — Ele fica em silêncio por alguns
segundos, então diz: — Só que a culpa disso tudo é sua. Se não
tivesse entrado na frente do trenó do Papai Noel, não teria ficado
preso nas garras de Nancy.
Quero matar Douglas, mas não posso. Então resigno-me ao
silêncio e me afundo em meu assento.
Olho no GPS do carro e percebo que ainda temos uma hora
até chegar em Vermont.
Eu vou enlouquecer.

~
Montpelier, a capital de Vermont, é uma cidadezinha com
pouco mais de 8.000 habitantes. Seu nome foi escolhido em
homenagem à cidade de mesmo nome, na França.
É uma cidade calma e nem se compara com a loucura que é
Nova Iorque.
Douglas segue diretamente para o hotel onde o escritor está
hospedado, por causa de suas muitas viagens pelos estados,
apresentando seu trabalho para as pessoas.
Olho no relógio, ainda temos tempo. A reunião estava marcada
às 16h.
— Ainda bem que Joseph emprestou essas muletas para você
— Douglas diz, desligando o motor do carro. — Não me agrada a
ideia de ter que ficar carregando você por aí.
— Sinto muito por estragar o seu Natal com sua família. —
Olho para Douglas. — Sei que essas coisas são importantes para
você.
Douglas dá de ombros.
— Tudo bem. Você é meu amigo e eu fiquei preocupado. Acho
que... isso já é uma boa ação de Natal, não é?
Dou uma risadinha.
— Ainda temos algum tempo — digo, olhando mais uma vez
para o relógio. — Vamos comer alguma coisa?
— Claro, deixa só eu fazer uma ligação para a Mel.
— Ok.
Douglas sai do carro e eu aproveito para sair também com as
muletas.
Esse negócio é estranho, mas não é difícil de usar. Para falar a
verdade, já nem sinto mais dor em minha perna. Talvez esse gesso
possa ser retirado.
Talvez, tudo tenha sido um grande exagero.
Estamos no estacionamento do hotel e eu me afasto um pouco
do carro para dar uma olhada ao redor.
É então que eu levo um grande susto quando um carro entra
na vaga onde estou parado ao lado.
Ser atropelado uma segunda vez, em menos de uma semana,
não dá.
Respiro fundo, tentando acalmar as batidas do meu coração.
A porta do veículo se abre e uma mulher sai de lá.
Ela tem cabelos loiros e...
Meu Deus do céu.
Eu a conheço. Seus cabelos loiros ondulados, seus traços
finos e delicados, seu corpo. O nariz arrebitado.
Essa não.
Seu olhar vem de encontro ao meu e é óbvio que eu congelo
no lugar onde estou.
— Adam? — ela sussurra.
Levo vários segundos, mas então digo:
— Katherine. — Um tom que pode ser considerado como “que
pena encontrá-la aqui”.
Ela me encara por longos segundos, até que decide fechar a
porta do veículo e se aproxima.
Katherine continua tão bonita quanto eu me lembrava.
— Adam — ela para na minha frente e analisa o meu rosto —,
faz tempo que não nos vemos. Como você está?
Então ela abaixa o olhar e ri.
— Ah, céus. É claro que você não está bem. O que
aconteceu? Como se machucou?
Não sei, mas essa não é a mesma Katherine que conheci no
passado.
Ela está... diferente.
Sua voz está mansa.
Seus olhos não contêm a malícia que sempre lhe foram uma
característica peculiar.
— Fui atropelado — digo, em um suspiro. — Mas estou bem. E
você?
— Estou... — ela respira fundo — ...lidando com meus próprios
erros.
Isso me paralisa.
— Adam, sei por que está aqui — ela diz, olhando para o hotel.
— Mas antes que você vá conversar com Hornett, podemos trocar
algumas palavras? Preciso mesmo falar com você.
Olho para Douglas, que ainda está animado ao telefone. Olho
para Katherine, que me parece tão diferente do que sempre foi.
— Claro, só preciso avisar o Douglas.
Ela assente com um meio-sorriso.
— Tem uma cafeteria dentro do hotel. Vou te esperar lá.
Não sei se isso é uma boa ideia, mas não consigo dizer não.
Talvez algo dentro de mim queira saber o que Katherine tem para
me dizer, depois de tantos anos.
— Tudo bem.
Nancy
Eu tinha seis anos quando descobri que não existia essa coisa
de Papai Noel.
Mesmo assim, eu nunca contei para ninguém e deixei que me
enganassem por mais alguns anos, só porque eu não queria acabar
com a magia que envolve essa data tão linda.
Então, eu comecei a acreditar em milagres, afinal, só podia ser
um milagre que eu tivesse uma segunda família tão amorosa.
Os anos se passaram e, veja só, eu ainda acredito em
milagres. E talvez seja essa crença que faz com que Joseph encurte
o nosso caminho em praticamente uma hora de viagem.
— Joseph, você é demais! — digo, assim que entramos na
cidadezinha de Montpelier. — Ainda não acredito que conseguimos
reduzir o tempo de viagem desta forma.
Joseph dá uma risadinha.
— Eu conheço cada estrada, cada desvio, minha querida —
ele diz.
Sorrio, agradecida.
Se estivermos corretos, Adam também deve ter acabado de
chegar à cidade ou, pelo menos, chegou há pouco tempo.
— Certo, nós vamos até o hotel Sollar In — digo, olhando para
os papéis em minha pasta. Quando Adam surtou dizendo que iria
até Vermont, a primeira coisa que ele fez foi pedir a Bruce que
trouxesse seu carro de volta.
Bruce trouxe, o que foi um grande alívio porque recuperei
minhas coisas, mas Douglas precisou deixar o seu carro na
garagem de Joseph para buscar depois, quando eles voltassem.
— Um hotel? — Joseph pergunta.
— Sim, o autor que Adam quer fechar o contrato está lá.
— Ah, certo.
Joseph vira à direita após o comando do GPS e no final da rua
nós avistamos o prédio de cores escuras, com um longo
estacionamento à sua frente.
Adam já chegou.
Vejo seu carro assim que nos aproximamos.
Meu coração começa a bater como um louco, porque não faço
ideia do que ele irá dizer.
Sei que ainda deve estar bravo, chateado... com razão, é claro.
Mas eu preciso tentar mostrar-lhe que as coisas podem ser
diferentes.
Joseph estaciona a caminhonete algumas vagas depois e
quando ele desliga o carro, eu respiro fundo e olho atentamente
para as minhas mãos. Não coloquei luvas e elas estão geladas.
— Nervosa? — ele pergunta.
— Um pouco.
— Vai dar certo. Confie. — Joseph coloca sua mão calejada
sobre a minha. Sempre me disseram que os mais velhos têm algo
para nos ensinar. — Adam está apaixonado por você. Ele só...
— Foi um babaca arrogante.
Joseph ri.
— Sim, ele foi.
Rio também.
— Que droga, nunca pensei que um dia eu estaria em uma
posição como essa.
Olho para o lado de fora do carro e respiro fundo.
Não posso demorar mais, senão vou perder a coragem e não
quero que o fato de Joseph ter largado sua esposa e seus hóspedes
em casa para me trazer até aqui tenha sido em vão.
— Eu vou atrás dele — digo com firmeza, levando a mão até a
maçaneta da porta. — E vou dizer que eu sinto muito por ter
escondido a verdade, mas eu não me arrependo, porque quando
estamos apaixonados fazemos loucuras.
— É isso aí, garota!
Toco na mão de Joseph e salto da caminhonete com toda a
confiança do mundo.
O vento gelado bate contra o meu rosto, bagunçando meus
cabelos. Não importa. Nem que viesse um furacão em minha
direção, eu iria deixar de falar com Adam.
Sigo na direção do hotel e avisto Douglas sentado na calçada,
falando ao telefone. Ele está tão absorto que sequer me nota. Talvez
isso seja bom.
Passo pelas portas de vidro do hotel e então, de repente, sinto
toda a minha coragem indo pelo ralo.
Não, talvez isso seja uma grande loucura.
Ah, céus.
Odeio me sentir assim.
Olho para o lado direito e avisto uma entrada que leva à
cafeteria do hotel. Talvez um gole de café seja bom para me fazer
criar coragem novamente.
— Bom dia, senhorita. — Um funcionário se aproxima. —
Posso ajudá-la?
— Ah, sim... quer dizer, não. — Droga, estou nervosa demais.
— Eu só preciso de um café.
O rapaz alto e magricela sorri, então estende a mão na direção
da porta de vidro.
— Nós temos o melhor café da região.
— Obrigada.
Sigo na direção da cafeteria, mas estaco assim que coloco os
pés no local.
Não sei se estou enxergando demais, mas do outro lado, a
poucos metros de onde estou, Adam está em pé, apoiado nas
muletas que Joseph lhe emprestou, sendo abraçado por uma
mulher.
Meu coração começa a bater mais forte.
Não, não pode ser.
Mas é.
A mulher loira... magra, bonita. É ela.
Katherine.
Sua ex-noiva.
E eles estão se abraçando de uma forma tão estranha, que é
impossível não pensar em uma única coisa: a saudade falou mais
alto.
Meus olhos embaçam e meu mundo vira de cabeça para
baixo. Já não ouço mais nada ao meu redor, muito menos sinto
vontade de fazer o que quer que eu tenha vindo fazer.
Droga, como eu sou idiota.
Como eu pensei que poderia conquistar o coração de um
homem como Adam Miller Johnson?
Só em meus sonhos, mesmo.
Viro as costas e saio da cafeteria, com as lágrimas rolando
pelo meu rosto.
— Senhorita? — O rapaz vem em minha direção, mas eu nego
com a cabeça. — Senhorita?
— Me deixe em paz! — grito. O rapaz estaca no lugar, com os
olhos grandes arregalados. — Desculpe, eu...
Paro de falar e saio correndo.
Adam
Katherine realmente está diferente.
Quando o garçom se aproxima de nós, ela pede com
educação. Coisa que não era de seu feitio antigamente. Para
Katherine, os outros eram seus criados e deveriam servi-la.
Ainda não sei como eu pude me apaixonar por uma mulher
como ela era.
— Então, veio para pegar o contrato de publicação de Hornett?
— ela pergunta, um meio-sorriso nos lábios.
— É, eu vim — digo, levando o café sem açúcar até a boca. —
Algum problema com isso?
Katherine dá de ombros e abre um pacotinho de açúcar.
— Não, Adam. Você tem todo o direito de lutar por isso.
Essas palavras me surpreendem mais uma vez.
Katherine sempre foi sanguinária em relação ao trabalho.
Nunca aceitou perder um contrato em sua vida e, algumas vezes,
até jogou sujo para que tivesse a vitória em mãos.
— Sabe, Adam... — Ela suspira, mexendo a colher no café. —
Eu... bem, faz um mês que eu mudei a minha vida.
— Sério? — Ergo as sobrancelhas, não sei se posso acreditar
em suas palavras.
Ela beberica um pouco de café e depois suspira. Seu olhar
está distante.
— Há exatamente um ano, perdi a criança que eu carregava
no ventre — ela diz, surpreendendo-me com a revelação. — Pode
não parecer, porque eu sempre disse que não queria filhos, mas a
verdade é que quando eu descobri que estava grávida, apaixonei-
me pela coisinha que ainda estava em formação.
Seus olhos de repente ficam marejados. Ela suspira.
— Eu o perdi e meu mundo foi junto com ele. — Ela me
encara. — Todas as minhas ambições, o meu desejo de viver. Minha
carreira, meu casamento... tudo foi com ele.
Fico em silêncio, sustentando o olhar de Katherine.
— Entrei em uma escuridão que eu não conseguia mais sair.
Mas aí, sabe o que eu percebi, Adam? Que aquela criança não
poderia ter uma mãe como eu era. — Ela abre um sorriso triste. —
Não, aquela Katherine que você conheceu era terrível e eu não
seria uma boa mãe.
— A maternidade muda as pessoas — digo.
— Talvez, mas não sei se mudaria a mim — ela responde. — A
questão é que eu fiz uma análise em minha vida, Adam. Sei que fui
cretina, sei que o traí e isso talvez seja a coisa que eu mais me
arrependo na vida. — Ela se aproxima um pouco e de repente sua
mão cobre a minha. — Eu sei que o machuquei, Adam. Fui uma
pessoa horrível, mas tudo o que eu quero agora é lhe pedir perdão.
As palavras de Katherine me atingem como um raio.
Nunca esperei vê-la pedindo perdão, ainda mais a mim, que
desde então sempre fui seu concorrente à altura. Ganhei alguns
contratos, perdi outros, mas sempre deixei óbvio para ela que teria
que engolir o meu trabalho enquanto estivéssemos vivos.
— Perdão? — repito a palavra como se não a conhecesse.
Como se ela fosse uma comida desconhecida que acabo de provar.
— Sim, Adam. — Ela derrama uma lágrima. — Sei que isso
deve ser loucura para você, mas acredite... eu me encontrei.
Encontrei a Deus e não quero que você me odeie. Saber que você
pode me perdoar, vai ser o melhor presente de Natal que eu posso
ganhar na vida.
De repente, sinto-me nauseado.
É como se dez lutadores de boxe me acertassem de uma só
vez.
Natal... Natal... por que as pessoas sempre associam bondade
com essa data?
Tenho vontade de gritar, pedindo que ela pare, que nunca mais
diga uma coisa dessa, mas então o rosto de Nancy aparece em
minha visão e eu me sinto o mais idiota dos homens.
Fecho os olhos e a sinto.
Ao meu lado, embaixo de mim, seu corpo colado ao meu. Suas
risadas ecoando em meus ouvidos.
Cenas de tudo o que passamos na última semana começam a
desenrolar em minha cabeça.
Seus lábios encostados aos meus.
Seus olhos cheios de terror quando brigamos esta manhã.
As palavras que ficaram perdidas entre nós.
O sentimento que comecei a nutrir pela mulher mais incrível
que cruzou a minha vida nos últimos anos.
Abro os olhos e fito o rosto cheio de expectativa de Katherine.
É como se uma cortina caísse de meus olhos. É como se o
chão tremesse e as coisas voltassem à ordem natural. Como se,
pela primeira vez, em tanto tempo, eu sentisse algo que se
aproxima de... esperança.
Não sei, é tudo muito louco dentro de mim. Então digo de uma
só vez:
— Eu a perdoo, Katherine.
As lágrimas caem de seus olhos e um sorriso genuíno toma
conta do seu rosto.
— Obrigada, Adam.
Devolvo seu sorriso, mas sei que precisamos de algo mais.
— Me dê um abraço, Kath.
Ela se levanta, animada, e eu me levanto com um pouco de
dificuldade, mas nos abraçamos. E assim, tenho certeza de que
perdoá-la é a melhor coisa que eu poderia fazer em minha vida.
Agora me sinto pronto.
Renovado.
Como se os anjos estivessem cantando em algum lugar ao
nosso redor.
Como se finalmente tudo fizesse sentido e eu agora sei que as
coisas podem ser diferentes.
— Ah, assim é bem melhor. — Katherine se afasta um passo e
sorri. — Você parece melhor agora, Adam. É impressão minha?
— Não, não é impressão sua — digo lentamente. — Eu só
acho que... preciso consertar uma merda que aconteceu hoje. Com
uma pessoa especial. — Viro-me na direção da porta e caminho
com dificuldade, apoiando meu peso nas muletas.
— Adam? — Katherine me segue. — Você não vai falar com o
Hornett? Ele disse que estava esperando a sua proposta, antes de
assinar a minha.
— Ah, sim... o Hornett. — Paro bruscamente e me viro para
Katherine. — Diga a ele que me perdoe, mas que eu precisei sair
correndo para resolver uma situação.
— Sério, Adam? — Katherine ergue as sobrancelhas.
— Nunca falei tão sério em minha vida.
Ela abre um sorriso, como se me dissesse que entende tudo o
que está acontecendo em minha mente, e então eu vou.
— Nossa cara, que demora. — Douglas se aproxima assim
que saio na calçada. — Que horas é a reunião mesmo?
— Não vai ter reunião — digo, seguindo na direção do carro,
apoiando firmemente as muletas no chão.
— O quê? Como assim, não vai ter reunião?
Paro no meio do caminho e me viro para Douglas.
— Nós vamos voltar àquele lugar abandonado por Deus e eu
vou consertar a merda que eu fiz há algumas horas.
Douglas coloca as mãos na cintura.
— Adam, não estou entendendo. De que merda você está
falando?
— Deixar Nancy para trás, idiota.
Ele arregala os olhos.
— Mas ela mentiu para você!
— Não importa. — Balanço a cabeça negativamente. — Eu
entendo por que ela fez isso.
— Ah, sério? — Douglas revira os olhos. — E por que ela fez
isso?
— Porque, até uns dias atrás, eu era um maldito arrogante que
não pensava em ninguém — disparo. — Eu era apenas um cara
mal-humorado que criava situações para ferrar com o Natal das
pessoas, porque ele mesmo nunca conseguiu ter um Natal decente.
Eu era um maldito amargurado infeliz, que sequer conseguia
conviver com os outros...
— E desde quando isso mudou? — Douglas me interrompe.
Olho bem nos olhos do meu amigo e digo de uma só vez:
— Desde quando me apaixonei por Nancy Smith.
Douglas arregala seus olhos castanhos.
— Uau. Por essa eu não esperava.
— Você nunca espera o melhor de mim — retruco, virando-me
para seguir na direção do carro.
— Hey, Adam. Espere, cara. — Douglas vem em minha
direção. — O que você vai fazer?
Viro-me para ele, irritado.
— Vou entrar no maldito carro, voltar para Massachusetts e
recuperar Nancy! — digo, segurando a vontade de acertar a muleta
em Douglas.
— E o contrato? — Ele arregala os olhos.
— Dane-se o contrato!
— Não, Adam! Eu não saí da minha casa para vir até aqui e
sairmos de mãos vazias! E pouco me importa se você teve uma
conversa reflexiva com Katherine. O que importa é que você vai
mirar naquela maldita porta e conseguir aquele maldito contrato.
Eu amo o Douglas, mas, na maioria das vezes, o odeio com
todas as minhas forças.
— Quer tanto o contrato assim, então fique você. Eu vou voltar.
Dizendo isso, puxo a chave da sua mão e jogo as muletas no
chão.
Meu pé não dói mais, talvez eu nem precise desse gesso
maluco que colocaram. Talvez eu consiga dirigir sozinho e, talvez,
tenha sido uma grande loucura trazer Douglas.
Abro a porta do carro mesmo sob os protestos do meu amigo
que diz que sou um louco, psicopata, que não sei o que estou
fazendo e mais um monte de coisas, que eu bloqueio ao pensar no
que vou dizer à Nancy.
Ninguém vai arrancar essa determinação de dentro de mim.
Douglas gruda na porta do carro, mas não faço o mínimo
esforço de olhar para ele.
Maldição, se ele se preocupa tanto assim com o dinheiro, que
fique então e resolva a situação.
Ligo o carro e, por um momento, agradeço aos céus pelo meu
veículo ser automático. Engato a marcha e dou um tchauzinho para
Douglas que está do lado de fora, me chamando de vários nomes
absurdos.
Dou a ré, mas algo acontece.
Não consigo parar o maldito carro.
Ele está indo para trás com tudo.
Ah, meu Deus do céu.
A última coisa que eu vejo é o terror nos olhos de Douglas,
quando sinto o impacto da parte traseira e minha cabeça sendo
arremessada no volante do veículo.
Nancy
— Meu Deus, menina... o que aconteceu? — Joseph segura
os meus ombros enquanto eu me derramo em lágrimas.
Como posso explicar que foi uma loucura ter vindo até aqui?
Como explicar que eu acabei de ver Adam nos braços da ex e isso
tudo é uma grande ironia, porque nesse mesmo dia, alguns anos
atrás, ele estava flagrando-a com outro homem.
— Eu sou uma idiota, Joseph — murmuro, passando os dedos
pelo rosto em uma tentativa de afastar as lágrimas. — Achei que
Adam poderia se apaixonar por mim, mas é óbvio que não.
— Mas... vocês conversaram? O que ele disse?
Balanço a cabeça negativamente.
— Eu entrei na cafeteria por acaso, porque eu precisava de um
café para espairecer minha cabeça antes de encontrá-lo, e qual não
foi a minha surpresa? — Fito Joseph. — Adam estava abraçando a
ex-noiva que o traiu alguns anos atrás.
Joseph ergue as sobrancelhas, surpreso.
— Mas... por que a ex dele está aqui?
Dou de ombros e olho para o pequeno jardim do lado de fora
da caminhonete.
— Ela é uma grande editora também. Acho que está aqui por
causa do contrato de Hornett. Enfim, era por isso que Adam queria
tanto vir para cá... mas achei que o tinha entendido dizer que queria
se vingar dela.
Derramo mais algumas lágrimas e então sinto as mãos de
Joseph segurando as minhas.
— Ele a viu?
— A mim?
Ele balança a cabeça afirmativamente.
— Não. Eu saí correndo.
Joseph fica em silêncio por vários instantes e quando ele abre
a boca para dizer algo, é interrompido por um barulho tão alto e forte
que imediatamente saltamos da caminhonete para averiguar o que
aconteceu.
Não.
Meus olhos se arregalam no mesmo instante.
Do nosso lado da calçada, Douglas está com as mãos na
cabeça e o rosto tomado por horror, enquanto do outro lado, com a
parte traseira do carro enfiada em uma garagem está... Adam.
— AH, MEU DEUS! — Saio correndo na direção do carro, sem
me importar com mais nada.
Douglas parece acordar de seu transe e vem correndo em
minha direção, mas preciso saber se Adam está bem.
Quero chorar novamente.
Ele está com a cabeça enfiada no volante e eu forço a porta do
carro para abri-la.
— Adam! Adam! — grito, puxando seus ombros para cima. —
Meu Deus, chamem uma ambulância! — grito para as pessoas que
saíram na rua para ver o que está acontecendo.
— Nan... Nancy? — Adam abre os olhos lentamente. Sua
cabeça tem um corte feio que está sangrando.
— Sou eu, amor. — Seguro seu rosto em minhas mãos. —
Meu Deus, o que aconteceu?
Ele me olha por alguns instantes e abre um sorriso
ensanguentado.
Não aguento vê-lo assim. Meu coração se parte em vários
pedacinhos e as lágrimas correm pelo meu rosto.
— Eu estava indo buscá-la. — Ele tenta levar uma mão ao
meu rosto, mas então faz uma careta. — Eu... eu sou um idiota,
Nancy. Um grande idiota.
Douglas está ao telefone pedindo ajuda aos paramédicos.
— Não diga nada — peço. — A ambulância já está vindo.
Adam fecha os olhos e respira fundo.
— Eu te amo, Nancy — ele declara, surpreendendo-me. —
Você é tão bonita, tão doce, tão... boa. — Sua voz sai com
dificuldade. — Eu sei que não quis me enganar. Eu sei que quis
apenas... — ele respira fundo — ...me mostrar que também posso
ser feliz.
— Não fale mais, Adam — peço, ainda chocada por suas
palavras. — Já vamos tirar você daqui.
Ele suspira.
— Diz que você não está com raiva de mim? — ele pergunta,
levando sua mão até a minha que está em seus ombros.
— Não, não estou — respondo, mesmo que eu ainda esteja
uma confusão de sentimentos. Não sei o que pensar sobre o que eu
vi minutos atrás e o que estou vendo agora.
Ele sorri.
— Ótimo, agora eu acho que vou... — E então sua cabeça cai
para a frente e Adam apaga.
— Ah, meu Deus, ele desmaiou! — grito para Douglas.
— Os paramédicos estão chegando — ele diz, dando uma
olhada em Adam. — Meu Deus, esse cara é um imbecil.
— Não diga isso! — retruco, olhando-o de cara feia. — Ele só
precisa...
— Ele precisa se casar, é isso — Douglas diz, dando um passo
para trás. — E que seja com você, pelo amor de Deus!
Não tenho tempo para formular uma resposta, porque os
paramédicos encostam a ambulância e seguem seus procedimentos
para tirar Adam do carro com segurança.
Então, nessa loucura toda, eu a vejo.
Katherine está do outro lado da calçada, com seus cabelos
loiros ondulados caindo ao redor dos ombros, olhando diretamente
para mim.
Não sei o que pensar.
Seu rosto não demonstra nenhuma emoção.
Viro as costas e entro na ambulância assim que colocam Adam
lá dentro.
— Não se preocupe, Joseph — grito para ele, que está parado
olhando para nós com medo. — Eu consigo me virar daqui.
Ele assente.
— Nos dê notícias.
— Pode deixar.
Então, a ambulância é fechada e eu me preocupo em
responder às quinhentas perguntas que me direcionam.

~
Já se passaram algumas horas.
Douglas foi se alimentar, depois de quase desmaiar na minha
frente. Adam foi levado para fazer exames e eu estou sentada na
recepção, olhando para as minhas próprias mãos.
As palavras de Adam ainda ecoam em minha mente e eu,
sinceramente, não sei o que fazer. Só sei que preciso ficar aqui para
me certificar de que ele está bem. Talvez, tudo o que ele disse tenha
sido apenas ilusão.
Não dá para confiar em um cara que teve dois acidentes em
um intervalo de uma semana.
— Posso me sentar ao seu lado? — A voz feminina interrompe
meus pensamentos e eu ergo a cabeça. Levo vários segundos para
assimilar que estou frente a frente com Katherine Delevigne.
Ok, ela veio aqui esfregar alguma coisa na minha cara?
— Pode — digo em um murmúrio.
Katherine se senta com suas roupas elegantes. Seu casaco é
escuro e deve ser caríssimo, encomendado sob medida, porque é
perfeito para o seu corpo magro e curvilíneo.
Não deveria, mas não consigo deixar de me sentir diminuída.
Que droga.
— Então, Nancy Smith... — ela diz o meu nome como se
fôssemos amigas de longa data. — Como está Adam?
— Agora está descansando. Fez vários exames.
— Entendo. — Ela suspira. — Eu queria que soubesse que
fico feliz que ele encontrou alguém — ela diz, virando-se para me
encarar.
— O quê... como disse? — Bela hora para gaguejar.
Katherine estica os lábios pintados de vermelho em um belo
sorriso.
— Eu vi a forma que você correu para ele. A forma como suas
mãos tocaram o rosto dele e, o principal, a forma como Adam tocou
nas suas mãos. Não é preciso ser algum tipo de mágico para
entender o que existe entre vocês. — Ela suspira, então olha para a
frente. — Adam é o tipo de cara que a gente não encontra tão
facilmente.
— E, mesmo assim, você o traiu. — Não consigo segurar
minha língua.
Katherine respira fundo.
— Eu era uma idiota. Mas agora já me acertei com Adam e
podemos deixar esse passado para trás — Katherine se levanta, me
deixando ainda confusa. — Saiba que eu só desejo o melhor para
ele.
Katherine estende uma pasta preta em minha direção.
Eu a pego, ainda incerta sobre o que é aquilo.
— Adeus, Nancy. — Ela vira as costas e se vai pelo corredor
do hospital.
Não consigo deixar de encará-la até ela virar a esquina.
O que aconteceu?
O que é isso em minhas mãos?
Abro a pasta lentamente e encontro o contrato que Adam
estava levando para Hornett assinar.
Os contratos da Liberty... completamente assinados.
Adam
Abro os olhos lentamente.
Céus, minha cabeça dói... e que diabos é isso? Que teto
branquinho... mas há um barulho infernal de alguma coisa apitando
e cheiro de álcool misturado a alguma substância que não consigo
identificar.
— Adam? — Alguém se debruça em cima de mim. Meus olhos
estão embaçados ainda, mas...
Meus olhos a focam e eu a reconheço.
— Nancy?
Céus, como ela é linda.
— Querido. — Ela coloca as mãos em meu rosto. Suas mãos
estão frias, mas tudo bem, não importa. O que importa é que ela
está aqui, embora eu ainda tenha dúvidas de onde estou. — Que
bom que acordou.
— Onde estou? — Levanto a cabeça e é neste momento que
vejo os fios interligados em meus braços e o aparelho que está
apitando, mostrando-me que estou em um hospital.
Droga, minha cabeça ainda dói muito.
— Calma, fique deitado. — Nancy segura os meus ombros e
me empurra de volta. — Você não se lembra do que aconteceu?
Respiro fundo algumas vezes.
Lembro-me de ter ido até Vermont para fechar o contrato com
Hornett e então encontrei Katherine. Depois, eu peguei a chave das
mãos de Douglas e entrei no carro. Não sei o que aconteceu com o
carro, mas lembro-me de ter mergulhado no volante.
— Acidente — digo, com os olhos ainda fechados. — Mas não
posso ficar aqui, temos que voltar para passar o Natal com Colleen
e Joseph. — Tento me levantar, mas Nancy me segura fortemente.
— Adam! Não! Fique quieto. O Natal já passou.
Eu paro.
— O Natal já passou?
— Já. — Ela suspira.
De repente, me sinto apavorado.
— Por quanto tempo eu fiquei inconsciente?
— Dois dias.
Meu Deus.
— Escute, Adam — Nancy diz. — Já tiraram o gesso da sua
perna. No final das contas, não precisava ter engessado, porém o
médico disse que foi até bom, porque você recuperou mais rápido.
— Ao menos, uma notícia boa — resmungo, chateado.
Nancy dá um meio-sorriso.
— E tem mais uma coisa...
Céus, espero que não seja uma notícia ruim. Porque é sempre
assim, as pessoas quando têm duas notícias para dar, uma delas
geralmente é sempre ruim. E considerando a sorte que eu tenho...
Nancy se afasta até uma poltrona e pega uma pasta preta nas
mãos. Ela a abre e estende em minha direção.
— O que é isso? — pergunto.
— Pegue — ela incentiva. — E veja com os próprios olhos.
Pego a pasta de suas mãos e imediatamente percebo que são
os contratos que eu estava levando para Hornett.
— São os contratos da Liberty — digo, desviando o olhar para
Nancy.
Ela assente.
— Olhe a última página.
Vou direto para a última página e meus olhos se concentram
nas assinaturas de Hornett.
— O quê? — Olho para Nancy novamente. — Como isso é
possível, se eu não cheguei nem a falar com ele?
Nancy abre um meio-sorriso.
— Não sei também. Só sei que... os contratos estão
assinados. Katherine veio aqui, no dia do acidente, e me entregou.
Katherine.
Nunca fiquei tão surpreso em minha vida quanto neste
momento. Desde a mudança de Katherine e... até isso.
— Deve haver algum engano — digo, estendendo a pasta para
Nancy.
Ela a pega e balança a cabeça negativamente.
— Eu mesma falei com Hornett. Ele disse que está ansioso
para começarmos a trabalhar em seu livro, assim que passar as
festas de final de ano.
— Você falou com Hornett? — Ergo as sobrancelhas.
Acho que estou ouvindo coisas demais, ou apenas delirando
por causa de tantos remédios que foram injetados em minhas veias.
— Sim, ele veio aqui ontem — Nancy esclarece. — Ele ficou
sabendo sobre o acidente e... também soube da nossa pequena
aventura até chegarmos aqui. — As bochechas de Nancy assumem
um tom rosado. — Ele disse que quando escrever um romance, irá
se inspirar em nós.
Dou risada.
Então, de repente, eu afasto todos os pensamentos e me
concentro em apenas uma pessoa. Um rosto. O mais lindo que eu já
vi em toda a minha vida.
Seguro sua mão e a puxo até meu peito.
— Nancy... — Olho para suas mãos pequenas. — Eu sei que é
loucura, mas saiba que o que eu disse dentro do carro, depois do
acidente, é a mais pura verdade.
— Você disse várias coisas.
Ela tem razão.
— Mas a principal delas é que eu sou um idiota e que quero
seu perdão. Estava indo buscá-la para passarmos o Natal juntos e,
bem, aconteceu tudo isso. — Reviro os olhos para a minha própria
falta de sorte. — Você me perdoa, Nancy?
Ela sorri.
— Claro, Adam. Mas quem mentiu fui eu — ela diz, apertando
as mãos nas minhas. — Eu sei que não mudamos uma pessoa. Eu
achei que deixando uma vingança de lado, seria melhor para você.
— E foi — digo. — Eu desisti daquela vingança no momento
que eu a beijei pela primeira vez, Nancy. — Puxo suas mãos até
meus lábios e deposito um beijo. — Só que eu precisei chegar até
aqui para perceber isso. Aliás, ainda estamos em Vermont, não é?
Nancy dá risada.
— Estamos, sim.
— E tem outra coisa que eu te falei, que espero, do fundo do
meu coração, que você saiba que é verdade. — Fito seus olhos cor
de chocolate. — Eu me apaixonei por você, Nancy. E, céus, eu não
quero ficar longe de você, mesmo que eu precise vestir suéteres de
Natal e cantar músicas natalinas idiotas com uma vela na mão. Eu
só quero... tê-la comigo. Será que é pedir demais?
Os olhos de Nancy estão carregados de lágrimas.
— Oh, Adam. — Ela solta as mãos das minhas e segura o meu
rosto com delicadeza. — Eu achei que isso não fosse possível. Mas,
sim, eu também me apaixonei por você. — Ela encosta sua testa na
minha. — E sim, eu quero tê-lo ao meu lado. Mesmo que seja para
cantarmos músicas de Natal com vela na mão. — Nancy sorri.
Sorrio de volta.
Sei que já fui idiota em muitos aspectos na minha vida, mas
acho que chegou a hora de deixar isso para trás e focar no presente
que a vida está me dando.
Achei que nunca mais me apaixonaria novamente. Mas aqui
estou, com o coração acelerado, morrendo de vontade de beijar
essa mulher linda à minha frente.
E tudo o que eu consigo pensar é no que o futuro pode nos
reservar.
— Nancy, eu quero beijá-la.
Ela ri.
— Então, me beije.
Seguro seu rosto entre as mãos e primeiro deposito um beijo
em sua testa. Depois no rosto, na ponta do nariz e, por fim, em seus
lábios macios. Nancy se derrete em meus braços e nossos lábios se
encaixam com perfeição. Como se isso tivesse sido planejado por
alguém, alguma força maior que nós.
E isso é o paraíso.
— Eitaaaaaa! — Somos interrompidos com o grito da última
pessoa que eu quero ver neste momento. — Desculpe interromper o
casalzinho. — Douglas fecha a porta, com um sorriso idiota nos
lábios. — Que bom vê-lo acordado, Adam. — Ele se aproxima do
leito e ergue as sobrancelhas. — Muito bem acordado, pelo visto,
não é?
— Cale a boca, idiota. — Deito novamente na cama e Nancy
se afasta, com as bochechas completamente vermelhas.
— Nancy, você deveria dizer ao seu namorado para ser
educado com os amigos, ainda mais depois de tantos acidentes em
tão pouco tempo — Douglas diz, dando de ombros. — Como está?
Podemos voltar para Nova Iorque? Eu realmente estou com
saudade da minha família.
Olho para o meu amigo por longos instantes.
— Nancy — a chamo. — Douglas disse que te acha bem
gostosinha, só que a Melanie não pode saber.
Douglas se engasga com a própria saliva e começa a tossir
como um louco. Nancy arregala os olhos e se aproxima dele, dando
um tapa em suas costas.
— Douglas, que absurdo! — Ela dá outro tapa, então me dá
uma piscadela. — Acho que a Melanie não vai gostar de saber
disso.
— Eu... — Douglas está vermelho, tossindo. — Eu... Adam,
seu grande desgraçado. — Ele me fita com ódio. Eu abro um sorriso
complacente. — Eu vou te matar, seu filho da...
— Ainda bem que os pensamentos de Douglas agora são
diferentes — o interrompo. — Porque eu realmente não gosto da
ideia do meu melhor amigo olhando dessa forma para a minha
namorada.
Silêncio se faz por alguns instantes, até que Nancy me fita com
as sobrancelhas erguidas.
— Namorada?
Estendo a mão para ela e a puxo de volta para mim.
— Se você aceitar esse pobre tolo e idiota...
— Claro que aceito. — Nancy se abaixa e encosta sua testa na
minha.
— Céus, eu preciso de ar. — Douglas abre a porta e sai do
quarto.
Ela dá uma olhada para a porta e ri.
— Será que ele está bem?
— Ele vai ficar.
Então, Nancy olha para mim e voltamos a nos beijar.
Nancy
Alguns dias depois...

— Não, não... aí não. Acho que fica melhor em cima da mesa.


— Aponto o dedo na direção da extensa mesa de jantar.
— Senhorita Nancy, estão perguntando na cozinha se
podemos substituir os morangos por cerejas. — Sou interrompida
por uma jovem empregada que eu sequer sei o nome. Quer dizer,
eu até sei... Adam me apresentou a maioria deles, mas agora não
me recordo.
Pego o cardápio de suas mãos e corro os olhos pelas
sobremesas.
— Pode ser. O que aconteceu com os morangos?
Ela faz uma careta.
— Dênis comeu alguns, por engano.
Arregalo os olhos.
— Meu Deus! Cachorros podem comer morangos? — Já estou
desesperada a essa altura. — Onde está Adam?
— Procurando por mim? — Sinto dois braços fortes
envolverem a minha cintura. Abro um sorriso e imediatamente me
derreto como uma manteiga contra o seu peito forte.
— Dênis comeu os morangos da sobremesa.
Adam deposita um beijo demorado em minha têmpora.
— Dênis adora morangos e você deveria saber disso, Lacey.
— Adam olha para a jovem à nossa frente. — Por que deixou que
ele soubesse dos morangos?
As bochechas da jovem queimam.
— Per... perdão, senhor...
— Tudo bem, querida. — Toco seu braço. — Vá lá e diga que
podem substituir por cerejas ou cranberry. O que for melhor.
Ela sorri e se afasta imediatamente.
Viro-me para Adam e ele está tão absurdamente lindo usando
o casaco que Colleen lhe deu, que eu não tenho alternativa a não
ser depositar um beijo demorado em seus lábios.
Já faz alguns dias que chegamos a Nova Iorque e Adam me
pediu para ajudá-lo a organizar uma pequena festa de virada de
ano. É claro que fiquei superanimada e coloquei a mão na massa
para cuidar de todos os preparativos. Mesmo sendo loucura, mas
com a ajuda de alguns empregados, tudo está indo bem.
Sua família irá chegar em algumas horas e queremos que tudo
seja perfeito. Principalmente eu, que vou finalmente conhecer a
família do meu namorado.
— Como estão as coisas por aqui? — Adam pergunta, olhando
ao redor.
Sinto uma leve apreensão, porque eu literalmente decorei todo
o seu apartamento, inclusive, coloquei uma árvore de Natal
gigantesca em um canto da sala e nem perguntei se podia. Apenas
fui lá e fiz, como uma grande enxerida.
— Estão indo bem... — Apoio minhas mãos em seu peito. — O
que foi? Não gostou? Pode dizer a verdade, eu exagerei, não é?
Adam dá uma risadinha e fita meus olhos.
— Não, meu amor. Está tudo perfeito porque foi você que
organizou. — Seu semblante fica pensativo por alguns instantes. —
Sabe, eu nunca achei que isso aconteceria algum dia. Minha casa...
decorada como uma verdadeira árvore de Natal.
Sorrio e ergo uma mão para acariciar seu rosto.
— Se eu estiver forçando a barra, me faça parar. Às vezes,
não consigo ter senso do comum.
Adam ri e me beija mais uma vez.
— Eu te amo — ele diz contra meus lábios.
— Eu te amo mais.
— Talvez você deixe de me amar quando conhecer meus
pais... — Ele suspira pesadamente.
— Duvido. Acho que é você quem vai deixar de me amar
quando conhecer os meus.
Por sorte do destino, consegui convencer os meus pais a virem
passar a virada de ano conosco, em Nova Iorque. Adam deu um
jeito em tudo, é claro.
— Jamais. — Ele beija o meu rosto e aproxima os lábios da
minha orelha. — Ainda temos algumas horas antes dos nossos pais
chegarem. Por que não vamos até o meu escritório repassar alguns
trabalhos?
Sua voz é sugestiva ao extremo.
Adam, Adam, Adam...
— E esses trabalhos são relacionados a que, exatamente? —
pergunto, entre uma risadinha e outra.
— Hum... quero analisar quais as probabilidades de... — Seu
dedo roça meu pescoço. — Quantos minutos vou levar para tirar
esse vestido.
— Adam... — Suspiro. — As pessoas vão ver.
A casa está cheia de gente trabalhando em nossa pequena
festa, que, na verdade, não é tão pequena assim.
— Por isso eu acho melhor irmos até o meu escritório... — ele
sussurra em meu ouvido. — Quero você deitada nua em cima da
minha mesa, enquanto eu me afundo em seu corpo.
Meu corpo já está todo em chamas só com essas palavras
ousadas.
E eu sou louca de dispensar esse homem?
De jeito nenhum.
— Safado. — Aperto sua bunda. Ele ri. — Mas não posso
demorar.
— Não vamos demorar. — Ele me olha de forma inocente. —
É rapidinho.
Céus, onde está o meu juízo quando esse homem está
envolvido?
Afasto-me dele, recomponho-me e me aproximo da senhora
que é a chefe dos empregados de Adam que, por incrível que
pareça, também esqueci o nome.
Eu sou patética.
— Ah, olá, senhorita Nancy. — Ela sorri assim que me vê. Não
parece fazer ideia das safadezas que conversávamos no corredor e
isso é ótimo. — Está gostando da decoração? Podemos mudar a
posição dos assentos também e...
— Está tudo ótimo — digo rapidamente. — Eu vou me
ausentar por alguns instantes, mas volto logo. Tudo bem?
A mulher olha para mim e não sei se está estampado em
minha cara algo como “vou sair para fazer sexo com meu
namorado”, mas sei que ela direciona o olhar para trás e Adam lhe
dá um tchauzinho.
Ela sorri.
— Ah, sim. Claro... fique tranquila. Dou conta de tudo por aqui.
Sinto-me mortificada, mas não há o que fazer.
Adam está me chamando com o dedo indicador.
Aproximo-me e seus dedos se entrelaçam aos meus.
Agora eu sei que não há volta.

— Adam — digo seu nome assim que minhas costas


encontram a base dura de sua mesa. — Meu Deus, Adam.
— O que foi, meu amor? — Seus lábios estão passeando pela
minha barriga. — Eu já disse que estou viciado em você?
Fecho os olhos e respiro fundo.
Sua boca sobe e sua língua circula meus mamilos
intumescidos.
— Adam... — digo em um suspiro.
Suas mãos seguram com força a minha cintura, enquanto seus
lábios passeiam por toda a parte desnuda do meu corpo.
Eu estava sentindo falta disso. Desde que voltamos para Nova
Iorque, não conseguimos fazer nada. E isso estava me deixando
louca.
— Nancy... — Ele mordisca a minha orelha. — Sentiu minha
falta?
Abro os olhos e encaro os seus.
— Você sabe que sim.
Ele sorri maliciosamente.
— Então, vem pra mim. — Ele segura a minha mão e me puxa
para cima. Fico sentada, colada ao seu peito.
— Vai ficar assim, de roupa? — pergunto, deslizando a mão
pelo seu casaco.
— Hummm, tem razão. — Ele dá um meio-sorriso e se afasta
só o suficiente para retirar o casaco e a blusa que usa por baixo.
Adam é tão lindo.
Seu corpo me faz delirar só de olhá-lo.
Ele se aproxima novamente e eu deslizo meus dedos pelo seu
peito e, enquanto seus lábios capturam os meus em um beijo
quente, aproveito para abrir o cinto de sua calça e abaixá-la junto
com a cueca.
— Apressada, hein?! — Adam dá uma risadinha.
— Você disse que seria rápido. — Arqueio uma sobrancelha.
— E eu realmente não posso demorar.
Adam faz um biquinho, então suas mãos vêm até o elástico da
minha calcinha.
— Preciso que você me ajude, meu amor.
Ergo meu quadril e Adam não perde tempo.
— Meu Deus, você está completamente molhada — ele
murmura, deslizando os dedos em minha entrada. — Quero que
todos ouçam você gritando o meu nome. — Ele posiciona seu pau e
pressiona levemente.
— Sim... — Solto um suspiro assim que ele entra. — Adam!
Enlaço seu pescoço enquanto ele se movimenta para dentro
de mim, de uma só vez. A sensação delirante de tê-lo assim comigo,
me levando para o ápice da loucura sem se preocupar com o que
diabos está acontecendo lá fora.
O mundo pode estar definitivamente acabando, mas isso
sequer importa quando estamos desse jeito.
— Nancy, você é tão gostosa — ele diz em um movimento
profundo.
— Eu sou sua, Adam. — Deito-me novamente na mesa,
apoiando-me nos antebraços. — Completamente sua.
Enlaço as pernas ao redor de sua cintura e Adam fecha os
olhos, entrando e saindo do meu corpo com avidez.
É como se eu corresse uma maratona.
É como se eu saltasse de um avião sem paraquedas.
É perigoso, é delicioso.
Não quero me livrar dessa sensação, nunca.
Adam geme o meu nome algumas vezes, nossos corpos
conectados. Acho que também estou gemendo seu nome. Na
verdade, nem sei o que estou dizendo porque essa sensação é
alucinante. É o remédio que eu preciso para manter a minha
sanidade.
E mesmo sendo tudo tão ágil, rápido, sagaz, é perfeito.
Quando o orgasmo nos atinge, eu já estou novamente
sentada, agarrada ao pescoço de Adam.
Suspiros.
Respirações aceleradas.
Batidas na porta.
Batidas na porta...
Espere aí.
— ADAM? ABRA A MERDA DA PORTA! — Alguém, que
acredito ser Douglas, está quase derrubando a porta.
— Meu Deus! — Arregalo os olhos, assim como Adam, que
está meio perdido sem saber o que fazer.
— Mas que merda esse cara quer... — ele pergunta para mim
ou para ele mesmo, eu nem sei mais. — O QUE VOCÊ QUER,
DOUGLAS?
As batidas na porta cessam.
— QUERO FALAR COM VOCÊ. SERÁ QUE DÁ PARA ABRIR
A PORTA? SEUS PAIS CHEGARAM.
— Meu Deus! — Eu pulo da mesa, completamente atordoada.
Adam se abaixa e pega as minhas roupas. — Meu Deus, Adam!
— Calma, amor. — Ele segura meu rosto entre as mãos. —
Calma, respira.
Mas não estou conseguindo respirar.
Estou hiperventilando.
Os pais de Adam chegaram e nós estávamos aqui, transando!
Meu Deus do céu.
— Eu vou pedir ao Douglas para distraí-los enquanto nos
recompomos, ok?
Assinto.
Adam é mais ágil que eu e se veste rapidamente. Ele me
entrega um lenço que eu uso sabiamente e coloco minhas roupas.
Respiro fundo algumas vezes.
Ele abre a porta, mas só um pouco.
— O que você tá fazendo aí, cara? — Douglas pergunta,
claramente curioso. — Está sozinho?
— Cara, saia daqui. Vá distrair os meus pais, eu já vou
encontrá-los.
Douglas dá uma risadinha.
— Estava fazendo coisinhas com a Nancy?
— Se você não sair daqui agora, eu vou cortar o seu pau e
oferecer no jantar, eu juro por Deus.
— Nossa, que mau humor, para quem acabou de dar uma
trepada. — Douglas bufa. — Ok, eu já vou. O que digo a eles?
— Diga que eu já vou, inferno! — Adam está sem paciência. —
Nem era para eles chegarem agora. Que diabos aconteceu?
— Aconteceu que eles adiantaram a viagem. Enfim, eu vou lá
distraí-los. Acho que mereço um obrigado por ter ido buscar sua
família no aeroporto, não?
Adam fecha a porta na cara de Douglas.
— VOCÊ É UM BABACA, SABIA? UM BABACA DOS
GRANDES! — Douglas grita pela última vez.
Dou risada.
Acho que agora já consigo respirar.
— Está mais calma, amor? — Adam vem até mim e segura
meu rosto.
— Acho que sim... — Encaro seus olhos. — Será que eles vão
saber o que estávamos fazendo?
Ele dá de ombros.
— Meus pais devem estar mais ocupados brigando um com o
outro do que prestando atenção nas coisas ao redor. Fique calma,
eles vão te adorar.
— E a sua irmã?
Descobri sobre a irmã de Adam há pouco tempo. Ela mora na
Costa Rica, com o marido e a filha, e são poucas as oportunidades
que Adam tem de vê-la.
Só que com a notícia do nosso namoro, ela fez questão de
aparecer também só para me conhecer.
— Ela vai te adorar.
A voz de Adam soa tão confiante que eu deixo de lado o
constrangimento de quase termos sido flagrados fazendo sexo e
visto a segurança de sempre.
— Bem, então vamos lá. Quero muito conhecer meus sogros.
Adam deposita um beijo em minha bochecha.
— É assim que se fala.

Não sei bem o que eu esperava, mas os pais de Adam são


diferentes da imagem que eu havia criado em minha mente.
Joanna é uma mulher excepcionalmente bonita. Ela é alta,
magra, cabelos pretos que vão até a cintura. Adam me disse que ela
tem origens espanhola.
O pai de Adam, Frances, tem os cabelos grisalhos, mas é tão
bonito que agora eu sei de onde o filho puxou tanta beleza. E a irmã
de Adam é a mistura perfeita dos dois, com traços bem parecidos
com os do irmão, mas a delicadeza que ele nunca sonharia em ter
em suas veias.
Todos eles são gentis e amorosos comigo. Divirto-me com
seus comentários e até com as implicâncias que seus pais fazem
um com o outro.
Acho que fui bem na parte da tarde, mesmo sabendo que as
mãos que os tocavam, haviam acabado de passear pelo corpo nu
do filho deles.
Enfim...
Agora estou me preparando para nosso jantar antes da meia-
noite.
Escolhi um vestido amarelo que vai até os joelhos e estou
deixando que Melanie termine a minha maquiagem antes de
descermos.
— Uau, quem diria que a minha amiga acabaria nos braços do
Grinch?
— Não era isso o que você queria? — Abro um olho. — Pelo
que me lembro, você sugeriu que eu seduzisse o meu chefe na
viagem.
— Eu sugeri, mas jamais imaginei que aconteceria de verdade.
— Ela ri. — Feche os olhos. Vou terminar sua pálpebra.
Faço o que Melanie ordena e logo sinto a ponta do pincel
tocando minha pele.
— Posso te confessar uma coisa? Não vai ficar brava comigo?
— ela pergunta.
— O quê?
— Eu achava, porque agora não posso achar mais, o Adam
um baita de um gostoso.
— MELANIE!
Ela joga a cabeça para trás, rindo.
— Eu sabia que você ia ficar puta. Mas calma, era só questão
de achar, nada de mais. Eu sou muito feliz com meu Douglas.
— Hunft. Acho bom.
Deixo de lado o fato de Douglas ter dito que me achava
gostosa, porque não quero acabar com a festa de ninguém esta
noite, mas não consigo deixar de pensar como são loucos Douglas
e Melanie. No entanto, fico feliz que no meio desta loucura toda,
eles se entendem.
Melanie termina a maquiagem e eu dou uma olhada no
espelho.
Uau, estou linda.
— Você esperava que isso ia acontecer? — Melanie abaixa o
rosto até a altura dos meus ombros. — Que antes do ano acabar,
você ia conhecer o cara da sua vida?
— De jeito nenhum.
Mel sorri.
— Parabéns, então.
— Obrigada, amiga.
Sorrio também.
Melanie e eu terminamos de ajeitar os últimos detalhes em
nossa aparência e descemos juntas para encontrar nossos
convidados e a minha família, que chegou pouco antes de eu subir
para me arrumar.
Enquanto desço as escadas, encontro seu olhar entre as
pessoas.
Céus.
Ele é tão lindo.
Adam me pega na base da escada e me envolve em seus
braços.
— Você está linda.
— Obrigada. — Sorrio. — Você também está um gato.
Ele sorri.
Meus pais se aproximam, orgulhosos por eu ter conseguido
um namorado como Adam, segundo eles, um partidão.
Dou risada.
E é neste momento que meu namorado sussurra em meu
ouvido, que tem uma surpresa.
Olho para ele sem entender.
Ele pede que eu olhe para o arco que divide a sala de estar da
entrada.
Eu olho.
E meu coração quase para.
Lá, debaixo do arco, estão as pessoas que entraram em nossa
vida por acaso.
Joseph, Colleen, o pai de Colleen, Maya, Hassif, Francine e
Harry e, por último, mas não menos importante: Bruce.
— Oh, meu Deus. — Levo as mãos à boca.
Por essa, eu definitivamente não esperava.
Corro para eles e os abraço com força. Meus novos amigos, as
pessoas que me ajudaram a transformar o Natal de Adam e até
mesmo o meu.
— Não achou que a gente ia ficar de fora, não é, menina? —
Bruce diz com sua voz grossa. — E... eu estou sentindo cheiro de
bolinhos? Estou sentindo demais?
Joseph dá um tapa em seu braço.
— Meu Deus, Bruce. Controle-se.
Nós rimos.
Eu nunca esperei que isso fosse acontecer. Mesmo assim, a
surpresa é tão grande que eu fico até sem palavras.
— Obrigada por virem... eu... — Viro-me para Adam e ele está
com um sorriso sincero nos lábios. — Obrigada, amor.
— De nada.
Faço as apresentações dos meus amigos com as nossas
famílias e, de repente, eu sinto que tudo está completo.
Adam puxa-me pela mão, levando-me até a sacada, onde o
céu está escuro, com algumas estrelas nos dando o privilégio de
visualizá-las. O vento gelado nos atinge, mas nos braços de Adam
tudo parece certo.
— Está feliz? — ele pergunta, abraçando-me.
— Muito. Obrigada.
— Quem tem que agradecer sou eu, Nancy — ele diz, olhando
para o meu rosto. — Você não só transformou o meu Natal, como
transformou a minha vida em tão pouco tempo.
Sorrio.
— Isso é bom.
Ele deposita um beijo em meus lábios.
Ficamos em silêncio, abraçados.
Então, de repente, algo passa pela minha cabeça.
— Tem uma frase de um livro que eu gosto muito — digo,
olhando para o céu. — É algo como “Às estrelas que ouvem e aos
sonhos que são atendidos...1”.
— Você acabou de fazer um pedido? — Adam pergunta,
curioso.
Não sei se digo a ele.
Abro um pequeno sorriso e digo:
— Talvez... e isso só vamos saber no Natal do ano que vem.
Adam ergue as sobrancelhas e sorri.
— Audaciosa.
— Pode até ser. Mas se a nossa história é como a dos livros
que vendemos, tudo pode acontecer.
— Então, eu mal posso esperar para ver acontecer.
Sorrio de volta.
Adam abaixa o rosto e seus lábios capturam os meus em um
beijo profundo.
Adam não é mais o CEO que odiava o Natal.
Adam agora tem motivos para celebrá-lo comigo.
E eu estou feliz.
Adam
Um ano depois...

— Amor, não... céus, Nancy. Você não pode pegar peso! —


Aproximo-me de Nancy, furioso, e pego a caixa de papelão de suas
mãos. — O que está fazendo?
— Adam, calma... — Ela me olha com um meio-sorriso. — Eu
só queria colocar esses últimos enfeites na árvore. E... veja bem, a
caixa nem está tão pesada assim.
— Está sim. — Coloco a caixa no chão e puxo Nancy
delicadamente até a minha poltrona favorita. — Você precisa ficar
sentada.
— Meu Deus, Adam. Eu estou grávida e não doente.
Grávida.
Eu adoro quando ela diz isso.
Adoro o fato de sua barriga estar grande, redondinha e estar
carregando o meu filho.
O problema é que Nancy não se cansa de correr de um lado
para o outro, preparando a casa para a ceia de Natal. Ela diz que
quer que tudo seja perfeito, ainda mais por ser a nossa primeira
ceia, oficialmente, como casados.
Nancy e eu nos casamos há dois meses.
Assim como nossa paixão, nosso namoro, tudo aconteceu de
uma forma tão rápida que não vimos sentido em estender algo que
queríamos mais que tudo. E, bem, naquela altura já havíamos
descoberto que Nancy estava grávida, então isso agilizou o nosso
desejo.
Céus, eu sou tão sortudo.
— Você precisa ficar quietinha. — Abaixo-me e deposito um
beijo em sua barriga. — Deixe que a Judith termina de arrumar as
coisas.
Nancy puxa as pernas na poltrona e se enrola como se fosse
uma gatinha manhosa.
— Você é superprotetor.
— Só estou cuidando das minhas preciosidades — digo, indo
até o armário de livros. Pego um pacote e volto para Nancy. — Por
que não continua revisando o livro? Nós vamos lançá-lo no primeiro
trimestre do ano que vem.
Nancy suspira.
— Eu acho que vou mudar o final.
— Por quê? — Arregalo os olhos.
Ela dá de ombros.
— Não acho que um vampiro vai querer voltar a ser humano —
Nancy diz. — Se você estivesse no lugar dele, o que faria?
— Céus, Nancy. Eu não sou um vampiro.
— Que bom. Mas me diga, o que você faria?
— Se eu fosse um vampiro? — Ela assente. — Eu mataria
todos e passaria os séculos bebendo e comendo de graça pelas
estradas ou, quem sabe, vendendo meus serviços de assassino,
assim como Geralt de Rívia2.
— Geralt não é um assassino. É um bruxo.
— Dá no mesmo.
Nancy ri.
— Você e sua imaginação prática.
— Bem, só sei que não a quero fazendo esforço. — Deposito
um beijo em sua testa. — Descanse, mais tarde nossas famílias e
amigos vão chegar. Eu a quero animada para recebê-los.
— Eu sou animada, Adam. — Ela sorri e dá uma piscadinha.
— Mais do que você, pelo menos.
Nancy tem razão, mas eu posso dizer que mudei em muitos
aspectos. Em outros tempos, eu jamais abriria a porta da minha
casa para fazermos festas natalinas.
No entanto, fico feliz que as coisas mudaram.
— Eu vou ver se está tudo certo na cozinha. — Beijo os lábios
de Nancy e dou um passo para trás.
— Adam?
— Sim...?
— Não se esqueça dos biscoitos de Bruce. Colleen nos deu a
receita com muito custo.
Dou risada.
— É claro, vou verificar.
Ela pisca para mim.
Céus, eu estou tão apaixonado por Nancy que, às vezes, não
sei como tanto sentimento cabe dentro do meu peito.
Sigo na direção da cozinha.
Biscoitos para Bruce...
Pode faltar o peru, mas os biscoitos de Bruce precisam estar
prontos.
Ah, como eu amo esta vida.
São muitas pessoas que preciso agradecer aqui, mas em
primeiro lugar: a Deus, que é o meu amor maior. Quem me dá
forças nos momentos de tristeza e desânimo. Depois, às minhas
leitoras que gostam e apoiam o meu trabalho. Eu amo todas vocês.
Bah Pinheiro, minha revisora e amiga para todos os momentos. Aos
meus pais e, principalmente ao meu marido, que não mede esforços
para me ver feliz.
Muito obrigada!
Nascida e criada em Jacareí, interior do Estado de São Paulo, Olívia
é casada e mamãe de um gato laranja. Desde criança sempre foi
apaixonada por livros, gastando horas dentro da biblioteca da
escola. Aos quinze anos começou a escrever fanfics que
conquistaram leitoras em sites como Nyah! Fanfiction. Sempre
gostou de criar personagens femininas fortes, que apesar de seus
conflitos interiores, lutam pelos seus sonhos. Acredita que os livros
transformam as pessoas.

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Notas

[←1]
Frase do livro “Corte de Névoa e Fúria” da autora Sarah J Maas.
[←2]
Geralt de Rívia (em polonês: Geralt z Rivii) é um personagem fic cio presente em
várias obras de meios como literatura, cinema, televisão e videogame. Ele apareceu
pela primeira vez no conto Wiedźmin (O bruxo), do escritor polonês Andrzej
Sapkowski

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