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Introdução
O declínio da democracia liberal parece ser o grande tema da agenda da ciência política
nesse início do século XXI. Nos últimos anos, livros e mais livros foram publicados pela
literatura especializada com um mesmo objetivo: tentar explicar as razões que levaram
países até então considerados como democracias estáveis a transitarem para governos
tidos como autoritários. Sob esse registro, as eleições de Recep Erdogan na Turquia,
Rodrigo Duterte nas Filipinas, Viktor Orbán na Hungria, Donald Trump nos Estados
Unidos e Jair Bolsonaro no Brasil parecem ser exemplares. Mas não há como entender
esse fenômeno atual sem um retorno aos clássicos e um dos autores que certamente se
encaixa nessa categoria é Nicos Poulantzas. Na teoria política contemporânea, sua obra
constitui importante contribuição para a compreensão do fenômeno autoritário. Com
efeito, praticamente toda a sua produção realizada entre 1968 e 1979, ano de sua trágica
morte, perpassa de algum modo temas como o autoritarismo, o totalitarismo, o fascismo
etc.
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44º Encontro Anual da ANPOCS
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O artigo está estruturado em cinco seções. A primeira apresenta as diferenças entre
o “Estado democrático-parlamentar” e o “Estado de exceção” na obra de Poulantzas. As
quatro seções seguintes indicam definições de totalitarismo, fascismo, ditadura e
estatismo autoritário ao longo da obra do autor.
Como o próprio nome faz entender, os Estados de exceção não constituem a forma
normal do Estado capitalista. Essa forma normal é constituída por instituições
democráticas e a liderança hegemônica da classe burguesa é estável e segura. Já os
Estados de exceção são respostas a crises de hegemonia da classe burguesa no interior do
Estado capitalista (JESSOP, 2009, p. 136). Como bem observa Jessop (2009, p. 136),
“enquanto o consentimento predomina sobre a violência constitucionalizada em estados
normais, os estados de exceção intensificam a repressão física e conduz a uma “guerra
aberta” contra as classes dominadas”.
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bonapartismos (1976, p. 7). As próximas seções tratam dessas categorias e de outras mais
como o estatismo autoritário e o totalitarismo2.
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Embora mencione o bonapartismo como um exemplo de regime de exceção, não há na obra de
Poulantzas uma sistematização mais complexa sobre esse conceito. Por essa razão, as ditaduras
bonapartistas não serão abordadas neste artigo.
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Em 1973, Poulantzas avançou no tema ao publicar na revista francesa Tel Quel
suas Notas sobre o totalitarismo em que faz uma resenha crítica do livro Linguagens
Totalitárias de Jean-Pierre Faye. Em verdade, interessa-nos menos a leitura que
Poulantzas faz de Faye e mais a crítica que desfere contra Hannah Arendt na conclusão
do texto. Como sabemos, Arendt havia publicado em 1951 seu clássico Origens do
totalitarismo. Poulantzas é irônico ao resumir o livro de Arendt:
Em 1978, com O Estado, o poder, o socialismo fica mais claro que para Poulantzas
o totalitarismo nunca foi um regime específico, mas sim uma forma geral do Estado
capitalista, em particular do Estado de exceção. Por essa razão, formas totalitárias podem
ser encontradas no fascismo, nas ditaduras militares ou no bonapartismo
(POULANTZAS, 1980, p. 83 e 240). Contudo, isso não significa dizer que em regimes
democráticos não haja também elementos totalitários. Isso fica mais claro nos regimes
democráticos contemporâneos, que possuem a marca do estatismo autoritário, como
veremos adiante. Mas antes precisamos passar por melhores definições do fascismo e das
ditaduras.
Poder político e classes sociais sofreu rigorosas críticas por ser considerado uma
obra demasiadamente formalista, abstrata, ou, de um abstracionismo estruturalista
(LACLAU, 1978; MILIBAND, 2008)3. Esse problema foi corrigido em Fascismo e
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Uma resposta de Poulantzas contra Laclau e Miliband foi publicada na New Left Review, em 1976. Ver
POULANTZAS, 2008.
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ditadura, texto de 1970, em que analisa situações concretas de formações sociais como a
alemã e a italiana, ambas no período fascista (MOTTA, 2010).
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sociais complexas. Isso significa dizer que, tanto nos Estados democrático parlamentares
quanto nos Estados de exceção, esses corpos intermediários pertencem ao Estado de
alguma forma. Há uma diferença, portanto, entre a interpretação liberal e a marxista.
Com efeito, o que diferencia os dois tipos de Estado é a relação desenvolvida entre
esses “aparelhos ideológicos de Estado” e os chamados “aparelhos repressivos de
Estado”. No Estado fascista, os “aparelhos ideológicos de Estado” legitimam os
“aparelhos repressivos de Estado”, ou, dito de outro modo, o “papel da repressão física é
necessariamente acompanhado por uma intervenção particular da ideologia, que legitima
essa repressão” (POULANTZAS, 1972b, p. 105).
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dizer que não haja elementos “fascistas” nas sociedades de regime ditatorial; o ponto é
que esses elementos não são o suficiente para superar a “forma dominante da ditadura
militar” (1976, p. 63).
A terceira dimensão que difere regimes ditatoriais dos fascistas diz respeito à
fragilidade dos primeiros. As ditaduras são mais vulneráveis que os regimes fascistas,
pois nas ditaduras há contradições nos aparelhos ideológicos de Estado: contradições
entre o exército e as universidades; entre o exército e a imprensa; entre o exército e a
magistratura; entre a administração e a imprensa; entre a administração e as universidades
etc. Por óbvio, contradições também existem nos regimes fascistas. Mas esses regimes
“constituem um aparelho (o partido fascista), que além de um papel junto às massas
populares funciona, também, e sempre paralelamente ao controle policial, como um
aparelho que de certa forma reúne os outros sob sua autoridade e os mantém coesos”
(1976, p. 96). Isso não existe nas ditaduras militares. Por essa razão, Poulantzas aponta a
existência de militantes de esquerda nas universidades espanholas e o investimento dos
militantes comunistas no aparelho sindical corporativista português.
Sobre esse último aspecto, uma observação merece ser feita. Poulantzas tem razão
em apontar que as ditaduras enfrentam maiores contradições internas derivadas da falta
de uma coesão ideológica quando comparadas aos regimes fascistas. Contudo, pela
experiência dos casos históricos por ele selecionados é difícil concordar com a afirmação
de que isso signifique uma maior instabilidade dos regimes, ou, como ele prefere, uma
maior vulnerabilidade. Ora, os dois regimes fascistas duraram 12 anos na Alemanha e 20
na Itália, ao passo que as ditaduras permaneceram no poder por aproximadamente
quarenta anos na Espanha e em Portugal. Ou seja, os casos concretos selecionados por
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Poulantzas apontam na direção contrária de sua tese. Por um lado, alguém poderia
argumentar que o fim dos regimes fascistas foi derivado da guerra e não de contradições
internas. De fato, isso parece ter ocorrido. Por outro lado, alguém poderia contra
argumentar que a não participação direta na guerra seja justamente um elemento
constitutivo da estabilidade das ditaduras e que as diferencia dos fascismos. Enfim, esse
é um debate em aberto, mas que mostra uma fragilidade pontual do argumento de
Poulantzas sem, no entanto, desqualificar a sua tese geral.
O que aparecia apenas como um insight da conclusão do livro de 1975 foi melhor
desenvolvido três anos depois em O Estado, o poder, o socialismo, livro de 1978, por
meio do conceito de estatismo autoritário. Estado, o poder, o socialismo é certamente a
obra mais importante de Poulantzas, fruto de sua produção mais madura e publicado
apenas um ano antes de sua trágica morte. Não cabe aqui recuperar tudo o que é exposto
na obra, mas sim o tema desenvolvido na quarta parte do livro intitulada O declínio da
democracia: o estatismo autoritário. Com esse conceito de estatismo autoritário
Poulantzas observou de forma pioneira a nova forma que os regimes democráticos
assumiriam a partir da década de 1970. Num linguajar claramente marxista, esse
estatismo autoritário corresponde, diz o autor, “à fase do imperialismo e do capitalismo
monopolista nos países dominantes” (POULANTZAS, 1980, p. 235). Há aqui um
elemento importante. Seria o estatismo autoritário um tipo particular de regime de
exceção como o fascismo ou a ditadura? Poulantzas é taxativo na negação. “Este Estado
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não é nem a forma nova de um verdadeiro Estado de exceção, nem, propriamente a forma
transitória para um tal Estado: ele representa a nova forma “democrática” da república
burguesa na fase atual” (POULANTZAS, 1980, p. 240). Com efeito, Poulantzas foi
perspicaz ao perceber a gênese dessa nova forma do regime democrático que é ainda mais
nítida nesse início de século XXI.
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autoritário é também a verdade que surge dos escombros do mito do Estado-providência
ou do Estado bem-estar”. Essa crise econômica determina a própria crise política que
transforma o regime democrático. Com a incapacidade de investimento do Estado em
políticas sociais em decorrência da crise do petróleo, aumenta a distância entre a
democracia política e a democracia social. Essa é uma das transformações que caracteriza
o estatismo autoritário.
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Jessop (2009) também apresenta críticas ao desenvolvimento do conceito de estatismo autoritário,
mas esse é um tema a ser trabalhado em outro momento.
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mas os mesmos traços também são completamente evidentes nos Estados Unidos, na
Itália, na Espanha, na França, na Alemanha e em várias outras sociedades metropolitanas”
(JESSOP, 2009, p. 141). Ao mencionar o Novo Trabalhismo, Jessop está indicando,
precisamente, a política da chamada “terceira via” como um exemplo do estatismo
autoritário. Ao avaliar o estatismo autoritário nos tempos mais recentes, Jessop (2009, p.
141) aponta ainda que “uma grande ênfase em temas de segurança nacional e
policiamento preventivo associada à assim chamada guerra contra o terror em casa e no
exterior também reforçam o ataque aos direitos humanos e às liberdades civis”.
Considerações finais
Como vimos no presente artigo, ao longo de toda sua obra Poulantzas esteve
preocupado com o tema do autoritarismo e dos regimes de exceção – fascismo, ditaduras
militares e bonapartismos. A partir de estudos concretos do fascismo na Itália e na
Alemanha, e das ditaduras militares na Grécia, na Espanha e em Portugal, o autor pôde
sistematizar as principais características de cada regime. No entanto, a leitura de
Poulantzas nos sugere que o conceito de “estatismo autoritário” talvez seja o mais
promissor para a análise da conjuntura política do início do século XXI, ao mesmo tempo
em que o próprio conceito precisa ser atualizado ou ressignificado. Em primeiro lugar,
faz-se necessário dizer que o “estatismo autoritário” não deve ser confundido com
fascismo ou ditadura, pois “ele representa a nova forma ‘democrática’ da república
burguesa na fase atual” (POULANTZAS, 1980, p. 240). De acordo com o autor, essa
nova fase do capitalismo é marcada por um declínio dos partidos como canais de
representação política, pela exclusão de instituições participativas de nossa vida política
e por surgir dos escombros do Estado de bem-estar social. De certo modo, poderíamos
sugerir que, até o fim do século XX, o ápice desse “estatismo autoritário” teria sido aquilo
que a literatura especializada definiu como “terceira via” (GIDDENS, 2001) ou como
“neoliberalismo progressista” (FRASER e JAEGGI, 2020). Mas a ascensão de
movimentos de extrema-direita no início do século XXI mostra que esse “estatismo
autoritário” pode estar chegando em um grau ainda mais elevado.
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A questão que precisa ser respondida em outro momento é: essas novas
experiências políticas da extrema-direita no início do século XXI são expressões
qualitativamente mais densas do “estatismo autoritário” ou precisaríamos de um novo
conceito para defini-las?
Referências bibliográficas
GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro
da social-democracia. Rio de Janeiro: Record, 2001.
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
Katz, R.; Mair, P. Changing Models of Party Organization and Party Democracy: The
Emergence of the Cartel Party. Party Politics, 1(1), pp.5–28, 1995.
MOTTA, Luiz Eduardo. Poulantzas e o direito. Dados, Rio de Janeiro, v. 53, n. 2, p. 367-
403, 2010.
MOTTA, Luiz Eduardo. Nicos Poulantzas, 30 anos depois. Rev. Sociol. Polit., Curitiba,
v. 17, n. 33, p. 221-228, June 2009.
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MOUFFE, Chantal. Sobre o político. São Paulo: Martins Fontes, 2015.
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