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política industrial
balanço & perspectivas
2004 • 2014
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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
Alessandro Teixeira
Presidente
Jackson De Toni
Gerente de Planejamento
Bruna de Castro
Coordenadora de Comunicação
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Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial
SBN Quadra 1 - Bloco B - Ed. CNC - 12º, 13º e 14º andar
Brasília/DF - Brasil - CEP: 70041-902
+55 61 3962-8700
imprensa_abdi@abdi.com.br
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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
Inclui Bibliografia
ISBN: 978-85-61323-39-4
CDD 378.013
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Dedicatória
Este livro é dedicado ao jornalista Oswaldo Buarim Junior (in memoriam). Gerente de
Comunicação da ABDI entre 2012 e 2015, Buarim será lembrado pelo profissionalismo,
pela militância por uma sociedade mais justa e pelo companheirismo e amizade. Graças
a sua inspiração e incentivo, obras como essa se tornaram realidade.
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Introdução
Políticas industriais desse tipo, baseadas na inovação e na busca do catching up, isto
é, do emparelhamento tecnológico com países já desenvolvidos, enfrentam uma série
de obstáculos de natureza conjuntural e sistêmica (CIMOLI et al., 2009; MAZZUCATO,
2013). A PITCE não produziu resultados mágicos, ainda que por mero raciocínio
contrafactual seu mérito fique evidente. Seu maior mérito foi recolocar a indústria
nacional na agenda do país, expor seus graves problemas de competitividade externa
e custos domésticos crescentes. De lá para cá outras políticas lhe renderam tributo e
internalizaram seu legado: a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), formalizada
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em 2008 e bloqueada pela crise internacional no final do mesmo ano, e o Plano Brasil
Maior (PBM), lançado em agosto de 2011.
O Brasil tem tido uma trajetória bem marcada na sua industrialização. Nós consolidamos
um parque industrial importante até os anos 1970, em especial nas cadeias petroquímicas,
nos complexos produtivos do agronegócio, na metalurgia e em bens de capital. Nos anos
1980 e 1990, o governo federal empreendeu poucas iniciativas para uma abrangente e
consistente política industrial. Cabe ressalvar, talvez, a criação do Ministério da Ciência e
Tecnologia e algumas iniciativas na área de informática. No governo Collor tivemos uma
política industrial “ao contrário”, iniciando um ciclo de privatizações, financeirização e
desnacionalização significativa do legado deixado pelo período dos governos militares.
Exceção digna de nota nesse período foi o funcionamento das Câmaras Setoriais, em
um contexto de realinhamento de preços, que em alguns casos foram importantes
instrumentos de negociação público-privada, em especial a automobilística. Nos anos
do governo Cardoso (1995-2002), praticamente a política industrial se constituiu de uma
“antiagenda” de governo, proscrita e esquecida. É necessário lembrar que os Fóruns
de Competitividade, implementados pelo MDIC na tentativa de manter um espaço de
concertação com o setor industrial, apesar de meritórios, sempre tiveram a hostilidade,
1 Mesmo nas escolas de Economia, atualmente é difícil encontrar alguém abertamente contrário a uma política industrial, sobretudo
depois da crise financeira de 2008. Aos poucos, a academia está reabilitando a produção teórica de antigos e novos autores que pensaram
e estudaram política industrial, entre eles: Robert Wade, Alice Amsden, Chalmers Johnson, Ha-Joo Chang, Dani Rodrick, entre outros.
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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
quando não a oposição pública, do Ministério da Fazenda, que via neles um risco
potencial a sua governabilidade na política econômica.
O governo Lula inicia em 2003 em uma conjuntura bem marcada: relativa estabilidade
macroeconômica, risco país em queda, início de um ciclo de alta de preços internacionais
em commodities, relação dívida interna/PIB em declínio, mas ainda com altas taxas de
juro e câmbio sobre apreciado.
Um dos maiores avanços do governo Lula em seu primeiro mandato foi o desbloqueio
do debate sobre política industrial e a retomada, ainda que tímida, de instrumentos de
planejamento e coordenação de atores envolvidos. A retomada de uma instância de
coordenação de alto nível, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI),
reunindo empresários industriais e ministros em um ambiente democrático e cooperativo,
superou de longe as experiências do antigo Conselho de Desenvolvimento Industrial,
no regime autoritário. O CNDI chegou a realizar 14 reuniões entre 2004 e 2006, gerando
importantes pautas e acordos, que eram ramificados em diversos grupos de trabalho a
jusante. Eles tornaram-se marcos de uma nova política industrial: a Lei de Inovação, a
Lei do Bem. Os debates sobre a universalização da banda larga, as discussões sobre
a TV digital, a gestão dos fundos de investimento em inovação, a desoneração do IPI
para bens de capital, entre outras medidas, passaram pelo CNDI.
A conjuntura ideal para a política industrial é aquela de juros baixos, inflação sob controle,
investimento público e privado crescentes, superávits comerciais e infraestrutura física
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e humana de padrão mundial. Infelizmente não é nossa realidade, mas exatamente por
isso ela se torna tão necessária, ainda que tenha sua eficácia reduzida. A política industrial
tem sido realizada no Brasil sob conjuntura macroeconômica adversa, com reflexos na
perda de competitividade e produtividade da manufatura. Os juros reais positivos, entre
os maiores do mundo, aumentam o custo dos investimentos e inibem as expectativas
de expansão da economia real. A carga tributária, por vezes desbalanceada e orientada
somente sob o critério arrecadatório, tem elevado o custo de produção industrial em
diversas cadeias produtivas. Os incentivos fiscais, que não são pequenos, nem sempre
estão condicionados aos programas de eficiência produtiva. Por fim, mas não menos
importante, nossa política cambial herdada dos anos 1990 e mantida até recentemente,
aliada ao brutal aumento da competitividade de produtos asiáticos (sem esquecer das
práticas desleais de comércio), tem resultado numa queda brutal da participação da
manufatura nacional no mercado interno e nas exportações.
Outro gargalo da política industrial, mais conhecido e não menos complexo, é o modo
como o Estado brasileiro produz políticas públicas. A política industrial é um complexo
de instrumentos combinados (creditícios, fiscais, técnicos, comerciais, regulatórios,
etc.) que dependem de intenso, sistemático e metódico processo de coordenação de
governo e articulação com o setor privado. Por sua vez, a coordenação governamental
resulta (ou não) de outros vetores: planejamento, liderança e projeto de governo (visão
estratégica e prospectiva consolidada). Nem sempre esses fatores andam juntos,
com a mesma intensidade e proporção. As janelas de oportunidade não se abrem ao
mesmo tempo. O processo decisório público é truncado, com inúmeras assimetrias
de poder, informação e capacidade técnica heterogêneas. Situação potencializada
com a convivência mal processada entre planos “estratégicos” concorrentes de cada
ministério. Vencer as dissonâncias cognitivas e políticas exige um enorme esforço
de interlocução, não raro de manejo de pequenas e grandes vaidades pessoais e
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prioritários (com padrões competitivos acima da média ou, ao contrário, com vulneráveis
específicas) e um corte horizontal, com medidas transversais e pervasivas que
transbordam para parcelas mais amplas do tecido econômico. Na dimensão horizontal
aparecem medidas como o incremento da defesa comercial contra práticas desleais, o
reforço dos recursos destinados à inovação, a formação e a qualificação profissional, a
produção sustentável e o reforço aos mecanismos de incentivo ao investimento, entre
outras. Já nas políticas setoriais, as medidas impactam as várias cadeias produtivas,
conforme a natureza de cada medida. Nestes anos a política industrial apresentou
diversas diretrizes estruturantes: difusão da inovação, fortalecimento e adensamento
das cadeias produtivas, ampliação de competências tecnológicas e de negócios,
desenvolvimento da cadeia de suprimentos em energia, diversificação exportadora
e internacionalização das empresas e crescimento sustentável, entre outras. Tanto
essas medidas ditas “estruturantes” quanto aquelas de natureza dita “sistêmica” ou
“horizontal” orientaram a formulação de um sem-número de iniciativas (materializadas
em agendas setoriais). Uma política industrial consistente só tem sentido se fizer parte
de uma estratégia mais ampla de desenvolvimento, ou melhor, de reconstrução de um
projeto de desenvolvimento para o Brasil, competitivo e inclusivo socialmente. Neste
quadro, os grandes desafios estruturais e estratégicos para continuar a consolidar a
política industrial como uma política permanente de Estado não são poucos e não se
resolverão se forem subordinados ao “curto-prazismo” dos ciclos eleitorais do nosso
presidencialismo de coalizão.
A política industrial, como qualquer política pública, deve adquirir o status de normalidade
na agenda governamental, sem o qual lhe faltará enforcement, capacidade de
convocação político-institucional. Uma política industrial perene e sistemática é muito
mais que um tool box para “salvar” este ou aquele setor ameaçado pela importação
asiática, ou um leque de simples linhas de crédito à disposição de investidores com
escasso animal spirit. Ela deve ter instâncias decisórias formalizadas e articuladas,
como a política de saúde pública; instituições capazes de formular e executar suas
diretrizes, como a política educacional; centralidade nos projetos de desenvolvimento
econômico articulada com outras políticas públicas, como a política para o agronegócio
ou de energia; e por fim recursos orçamentários e não orçamentários regularmente
destinados aos seus programas e projetos.
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seria primordial. Dois aspectos são fundamentais: (a) uma estrutura de direção e
planejamento profissionalizada, amparada em burocracia pública de alto nível; e (b)
uma autoridade política vinculada diretamente ao núcleo de governo, como no modelo
sul-coreano, capaz de coordenar e construir um projeto sólido em ambientes de alta
volatilidade política e incerteza.
Por fim, é preciso dizer que a política industrial possível no nosso tempo seria sempre do
tipo trial and error process, ainda mais porque o eixo estruturador seria sempre o apoio
à inovação, um processo que, pela sua própria natureza, envolve risco, incertezas,
erros e aprendizado sistemático (RODRIK, 2008). As experiências do Japão, Coreia,
China e Índia já exaustivamente estudadas pela literatura são únicas e só parcialmente
replicáveis. Mesmo os países originalmente industrializados trilharam caminhos únicos
e o Brasil precisa consolidar o seu, combinando instrumentos, estratégias e princípios
com a política macroeconômica, com os limites fiscais e monetários definidos
pelas circunstâncias da atual conjuntura nacional e internacional. A capacidade de
aprendizagem, de sistematizar a reflexão crítica e manter um ambiente sadio de debates
sobre os erros e sucessos, na iniciativa pública e na iniciativa privada, seriam valores
fundamentais.
No mundo pós-crise de 2008, a política industrial vem sendo reabilitada sob novos
formatos, nomes, agendas e estratégias. Nos Estados Unidos, por exemplo, ela foi
repaginada sob o título A Strategy for American Innovation, lançada em 2013 pelo
Presidente Obama. Implica pesados subsídios e incentivos públicos para setores
estratégicos, tais como energia, ciências da saúde ou tecnologia da informação. Na
Coreia do Sul, a nova política industrial abriga-se sob mobilizadora diretriz do green
growth, e assim por diante. A inserção ganhadora do Brasil nas novas cadeias globais
de valor dependerá de uma estratégia complexa que seja capaz de fazer escolhas e
grandes apostas sobre o futuro de uma das 10 maiores economias mundiais. Para isso,
grandes acordos políticos deverão ser processados e maturados nos próximos anos.
Não são poucos os setores da elite política e intelectual brasileira que já abandonaram
a política industrial em favor de uma visão limitada ao horizonte das nossas vantagens
comparativas naturais. O futuro da indústria nacional e dos empregos e produtividade
que ela viabiliza não será garantido sem que uma visão mais eficiente, inclusiva e
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republicana de Estado e sociedade civil prevaleça. Estaremos, como nação, à altura
desses desafios? Difícil saber, mas o combate vale a pena.
BIBLIOGRAFIA:
BIANCHI, P.; LABORY, S. International Handbook on Industrial Policy. Edward Elgar, 2006.
CIMOLI, M.; DOSI, G.; STIGLITZ, J. Industrial Policy and Development, the political
economy of capabilities accumulation. Oxford, 2009.
MAZZUCATO, M. The Entrepreneurial State: Debunking Public vs. Private Sector Myths
(Anthem Other Canon Economics). Anthem, 2013.
RODRIK, D. Normalizing Industrial Policy. Working Paper n. 3. World Bank, 2008.
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Apresentação
Alessandro Teixeira
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Instituída pela Lei nº 11.080/04, a ABDI nasceu com a missão de promover a execução
de políticas de desenvolvimento industrial, em estreita consonância com as políticas de
comércio exterior e de ciência e tecnologia. Desde o princípio, tem atuado na articulação
político-institucional entre setor público e privado e no apoio à execução de projetos que
contribuem para o alcance das metas estabelecidas pela política industrial, por meio de
parcerias com instituições representativas dos variados setores produtivos e da classe
trabalhadora, universidades, centros tecnológicos e demais instituições relacionadas à
pesquisa e desenvolvimento.
Passados dez anos de sua criação, julgamos importante reunir reflexões qualificadas
sobre diversos aspectos associados à indústria e à política industrial brasileira. Com
esse intuito, convidamos renomados autores para sistematizar informações, análises e
propostas, enfatizando os desafios a serem enfrentados diante de um cenário marcado
por grandes transformações econômicas. Este livro é fruto da intenção de homenagear
a ABDI e todos aqueles que partilham dos objetivos de construir um país mais justo e
próspero. Os sete artigos aqui reunidos tratam de temas vinculados ao desenvolvimento
produtivo, trazendo contribuições relevantes para o futuro da indústria brasileira.
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Plataformas do Conhecimento, indicando a necessidade de estruturação de um novo
modelo para o sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil, com base em
outras escalas, lógicas e processos decisórios para a alocação de investimentos. João
Carlos Ferraz, Felipe Silveira Marques e Antônio José Alves Jr. discutem a contribuição
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a
política industrial brasileira entre os anos de 2003 e 2014, destacando as soluções
financeiras associadas às três políticas industriais recentes. A relação entre a política
industrial e a política de desenvolvimento regional é abordada no artigo O Processo
de industrialização e disparidades inter-regionais no Brasil: a necessidade do diálogo
entre as políticas industriais e as políticas regionais, do Professor Carlos Brandão que
demonstra a indissociabilidade dos dois temas. Abordando a trajetória da política
industrial na América Latina, Mario Cimoli, Gabriel Porcile e Fernando Sossdorf discutem
como choques financeiros, tecnológicos ou de preços repercutem no aprendizado,
na inovação e na mudança estrutural, argumentando que as respostas e opções dos
diversos países definirão o desempenho futuro de suas economias. Evandro Mirra
e Mário Salerno, em artigo cujo mote principal é o aniversário de dez anos da ABDI,
fazem algumas avaliações abordando os desafios e dilemas da atuação da agência,
apresentando propostas e formulando alternativas para a maior eficácia e eficiência das
políticas industriais, tecnológicas e de inovação no Brasil. Luciano Coutinho e David
Kupfer, por fim, argumentam em seu texto que a indústria brasileira, a despeito das
dificuldades atuais, defronta-se com diversas oportunidades que, se bem exploradas,
poderão favorecer um firme processo de reestruturação competitiva, que engloba
oportunidades próximas da fronteira da indústria mundial.
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A indústria ainda é o motor do crescimento?
Teoria e evidências
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Mariano Francisco Laplane
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A indústria ainda é o motor do
crescimento? Teoria e evidências
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A estrutura industrial herdada dos vinte anos de neoliberalismo é globalizada,
concentrada e fortemente desequilibrada no que tange à distribuição geográfica da
produção e do consumo no mundo.
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2 UNIDO, http://stat.unido.org.
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de inflação nos países consumidores; a intensificação do ritmo da inovação revigorou
os mercados de consumo e alimentou a expansão do crédito; a industrialização da Ásia
incorporou centenas de milhões de consumidores ao mercado mundial.
3 US Department of Commerce, 2012; Executive Office of the President, 2011. United Kingdom, Department of Business, Innovation and
Skills, 2011.
4 European Union, 2013.
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5 Ver, no caso da Coreia do Sul, Science and Technology Policy Institute, 2009.
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capital e o trabalho, novas formas de financiamento do investimento, da produção e
do consumo, novas alianças e compromissos internacionais e novos estilos de vida.
Até a crise da dívida da década de 1980, o Brasil foi o país latino-americano mais
bem-sucedido na construção de uma estrutura industrial diversificada. No início da
década, tinha praticamente completado a substituição de importações, internalizando
a produção de bens industriais por meio da forte presença de filiais de empresas
multinacionais líderes nos diversos mercados de bens intensivos em tecnologia.
Contava com a participação de empresas públicas e de capital nacional na produção
de insumos industriais de uso difundido. Mostrava uma incipiente inserção exportadora
em manufaturas intensivas em recursos naturais e em mão de obra e, inclusive, em
bens de intensidade média no uso de tecnologia, como automóveis. Ao longo dos anos
1980 houve tentativas de mobilizar as empresas nacionais para explorar oportunidades
nos novos polos de crescimento, como na indústria de informática e na química
fina. Os grupos nacionais iniciaram timidamente movimentos de diversificação e de
internacionalização.
6 Nos anos 1960, países asiáticos adotaram estratégias de desenvolvimento inspiradas no sucesso da industrialização latino-americana
e no exemplo do Japão. Para estudos comparativos de desenvolvimento e industrialização na segunda metade do século 20, ver CGEE,
2013.
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do Sul, a indústria asiática crescia, desenvolvia novas competências e capacidade
inovadora, ocupava novos espaços no mercado mundial e capturava elos importantes
nas novas cadeias globais de valor.
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A política industrial tornou-se alvo das críticas dos advogados da autorregulação dos
mercados. Os esforços para amenizar os efeitos da crise foram caracterizados como
“intervencionismo errático”, os estímulos para a internacionalização das empresas
nacionais foram questionados por significar a “escolha de campeões nacionais” e as
tentativas de fortalecer os elos locais das cadeias de valor por meio do uso do poder
de compra estatal e da defesa comercial foram classificadas como “protecionistas”.
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O QUE PODEMOS APRENDER COM A EXPERIÊNCIA DE OUTROS
PAÍSES?
A aplicação, nas condições atuais, do receituário neoliberal dos anos 1990 produziria
hoje resultados ainda mais deletérios do que naquele momento. Nas condições
atualmente vigentes na economia e na indústria global, a abertura e a desregulação
teriam efeitos fortemente desindustrializantes. O excesso de capacidade na indústria
asiática e a agressividade dos países desenvolvidos para aumentar suas exportações
seriam fatores poderosos de desarticulação da produção local e de inibição de
investimentos. Não é possível apostar exclusivamente na desvalorização cambial para
neutralizar esses fatores, considerando o potencial impacto negativo sobre o salário real
e sobre as dimensões do mercado interno. Os efeitos benéficos sobre a competitividade
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da Alemanha, onde empresas de médio porte, apoiadas na sua eficiência e na sua
capacidade de inovação, articulam-se em cadeias de valor europeias e globais, no
caso brasileiro as empresas de porte médio locais são pouco internacionalizadas e
sobrevivem sob a ameaça do poder de mercado de seus fornecedores e de seus
principais clientes.
As dificuldades para coordenar a ação estatal também não são menores. Assim como
outros países em desenvolvimento, o Brasil não enfrenta apenas o desafio de retomar
a industrialização. Outros problemas, tais como o da redução da desigualdade e da
pobreza, o do desenvolvimento ambientalmente sustentável, o do desenvolvimento
regional e o da inclusão social disputam com o desenvolvimento industrial no ranking
de prioridades. Não raramente, os interesses que movem os atores dos vários campos
da ação estatal fazem com que os instrumentos utilizados para alcançar esses objetivos
entrem em conflito. A título de ilustração, basta mencionar os vetos que inviabilizaram
até o momento a execução de uma reforma tributária ou de qualquer iniciativa que
ponha fim à guerra fiscal entre os governos estaduais.
Embora a política industrial brasileira tenha sua eficácia diminuída pelas dificuldades de
coordenar iniciativas públicas e privadas, é preciso reconhecer os avanços realizados
nos últimos anos. As sucessivas tentativas de superar as dificuldades de coordenação
para reduzir os riscos tecnológicos e de mercado associados à inovação têm gerado
um aprendizado tanto no setor público como no setor privado. A crescente articulação
da política industrial com a política de ciência, tecnologia e inovação é resultado desse
aprendizado. O surgimento de novas instâncias e de novas formas de coordenação
tanto no setor público como no ambiente empresarial, a multiplicação de programas
focados na inovação como alavanca principal da competitividade e o aumento
expressivo dos recursos destinados ao fomento da inovação nas empresas revelam
que a política industrial brasileira evolui positivamente.
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sua principal ferramenta para fortalecer sua posição no mercado mundial e no mercado
doméstico.
As perspectivas são favoráveis para que o Brasil recupere o tempo perdido em termos
de desenvolvimento industrial. A expansão simultânea do consumo de massas, da
produção e dos investimentos podem finalmente tornar real a utopia de uma economia
moderna, inclusiva e com melhor distribuição de renda.
A estrutura produtiva ampliada e fortalecida deve ser capaz de agregar valor aos
recursos naturais, assim como também de gerar e absorver inovações. Deve estar apta
a diversificar a oferta de bens e serviços para atender em quantidade e qualidade às
demandas da massificação do consumo no país. Deve ser também capaz de usar o
mercado interno para alavancar sua competitividade, internacionalizando seus produtos
e sua marca.
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outro motivo que a mesma doutrina enfatiza também a importância da flexibilização das
regras no mercado de trabalho e a desregulação para reduzir custos.
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BIBLIOGRAFIA:
EUROPEAN Union. Empowering Europe’s Future: Governance, Power and Options for
the EU in a Changing World. London: Chatham House, Fride, 2013.
EXECUTIVE Office of the President of the United States, President’s Council of Advisors
on Science and Technology. Report to the President on Ensuring American Leadership
in Advanced Manufacturing. Washington: White House, 2011.
MCKINSEY Global Institute. Manufacturing the Future, The Next Era of Growth and
Innovation. McKinsey & Company, 2012.
SCIENCE and Technology Policy Institute. Korean National Strategy and Five-Year Plan
(20092013) for Green Growth. Stepi Policy Review, 2009.
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Avançar ou Avançar na
Política de Inovação
Glauco Arbix
João Alberto De Negri
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Todas as nações que se desenvolveram – e não foram muitas – deram atenção especial
à educação, à ciência e à tecnologia. As que ficaram para trás ou perderam o passo
ao longo da sua jornada amargam a condição de “seguidoras”, sendo pressionadas
permanentemente a correr mais do que as outras, se quiserem ocupar um espaço
próprio no cenário internacional.
Sua ciência e seus cientistas, para ganharem relevo, precisam se desdobrar não
somente para participar dos grupos de ponta da produção de conhecimento, como
para disputar a definição de estratégias capazes de expandir as fronteiras do universo
conhecido. No mesmo tom, suas empresas “fazem das tripas coração” para elevarem
sua produtividade, de modo a poderem competir e se sentir parte das comunidades
produtivas globais mais avançadas. Sem isso, alcançam satisfação como campeões
de nichos ou mercados locais, na maior parte, secundários.
O Brasil ocupa posição intermediária nessa paisagem. Nem atrasado nem muito
avançado. Os passos que deu nos últimos 20 anos foram significativos e mesmo
surpreendentes, na ciência e nas empresas. Mas o caminho pela frente é árduo e
longo. E, mesmo sabendo que não há receita pronta para o sucesso, ousamos afirmar,
com base na experiência histórica, que é preciso confiar na capacidade criadora de
pesquisadores e empreendedores, articular uma base de diálogo permanente entre
setores públicos e privados, identificar carências e gargalos de modo a definir prioridades
nacionais e trabalhar tenazmente para alcançar cada vez mais rigor na qualidade de
alocação do investimento. Com esse norte, a consolidação e o aperfeiçoamento
institucional tornam-se condição-chave para qualquer salto civilizador, seja para
aprofundar a democracia e estender direitos, para viabilizar interações virtuosas entre
mercado e Estado ou para gerar um ambiente amigável aos negócios, apto a gerar
emprego e renda. Mais uma vez, o nível de qualificação das pessoas e a capacidade
de produção de conhecimento e tecnologia são os indicadores mais importantes da
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riqueza efetiva, base da qualidade de vida de seu povo e do grau de amadurecimento
de uma nação.
Nos últimos anos, o Brasil ingressou em uma longa trajetória de transformação a partir
do momento em que milhões de pessoas deixaram as bordas da sociedade para
participar, ainda que parcialmente, do que foi e está sendo produzido pelas máquinas
da economia, da política e da cultura.
O debate sobre essas dificuldades é tão saudável quanto necessário, ainda mais
quando sabemos que a esmagadora maioria dos países do mundo enfrenta o mesmo
desafio. Há constrangimentos estruturais no Brasil, tais como o déficit de infraestrutura
de transportes e comunicações e o frágil ambiente regulatório e institucional para os
negócios. As distorções e fraquezas da nossa educação, ainda marcada por uma
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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
Fonte: IBGE-Pintec/2011
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capacidade de aprendizado coletivo de sua força de trabalho, a presença permanente
de cientistas e engenheiros em centros internos de pesquisa e a vinculação a redes de
conhecimento globais para o aprimoramento de suas competências.
3 A liderança é aqui definida do ponto de vista tecnológico e difere, portanto, da liderança de mercado, muitas vezes dimensionada pelas
vendas, capacidade produtiva, número de empregos, etc. Assim definidas, a liderança tecnológica pode ser diferente da liderança de
mercado. Os grupos de empresas selecionados por ou outro critério podem ser muito distintos em alguns setores.
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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
Fonte: MCTI
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reconhecidamente meritórias, mas o problema é que a maior parte tem como base os
mesmos instrumentos e instituições, mudando apenas a roupagem da política.
A diversificação das políticas e a sua adaptação à realidade ainda são insuficientes para
atender aos desafios de inovar melhor e mais rapidamente. Esta é a questão essencial:
diversificação de instrumentos, de programas e de instituições, com base em um
aumento crescente do investimento público e privado.
Mesmo com os passos dados, a distância que nos separa das nações mais desenvolvidas
ainda é grande. E a ideia de que uma ampla liberalização e abertura da economia
produziriam automaticamente uma convergência tecnológica entre as nações é, além de
antiga, equivocada. Não há evidências de que um bom funcionamento dos mercados
produza uma aproximação gradativa dos países atrasados aos mais desenvolvidos
tecnologicamente. Nenhum país conseguiu se aproximar da fronteira tecnológica sem
estreita cooperação entre os setores público e privado. Mais ainda, nenhum país avançado
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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
O Plano Inova Empresa, lançado em 2013, foi o mais ambicioso programa de inovação
tecnológica lançado até hoje na história do país. E não somente pelo volume expressivo
de recursos (R$32,9 bilhões de dotação) e pelo número de instituições públicas e
privadas envolvidas. De fato, esse programa elevou o patamar das políticas públicas
ao fixar como alvo o aumento da produtividade por meio da inovação tecnológica,
chave para o desenvolvimento econômico em tempos modernos. O programa teve
foco e prioridades; combinou vários instrumentos por meio dos programas setoriais
(como os de Energia, Petróleo, Saúde, Comunicações, Agro, Defesa, Aeronáutica,
Sustentabilidade, Etanol); utilizou o poder de compra do Estado para estimular as
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empresas; e conseguiu aumentar sua ambição tecnológica, o que as fez aprofundar as
parcerias com as instituições de pesquisa e universidades. O Inova Empresa fez isso
sem asfixiar a competição, sem escolher vencedores a priori, com transparência. Por
isso mesmo, trata-se de um programa de um novo tempo, que pede uma segunda
geração de temas, instrumentos e recursos: muito mais recursos.
O Plano Inova Empresa foi desenhado como uma fonte estável e de longo prazo para
financiar inovação no país, capaz de sustentar a maior propensão a investir em P&D
das empresas brasileiras e criar massa crítica de competências por meio da definição
de focos de atração do esforço empresarial. A Finep deu um sopro de vida ao plano (e
vice-versa). Foi esse modelo planejado para enfrentar desafios tecnológicos de modo a
engajar o setor privado com parcerias institucionais que levou à reestruturação da Finep,
desde seus instrumentos, recursos, processos, qualidade e rigor de seu atendimento
e de seus serviços.
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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
até dezembro de 2014. A demanda por recursos do plano foi surpreendente, o que
demonstra o maior apetite das empresas por recursos para atividades de maior risco
tecnológico. 2.715 empresas inscritas e 223 ICTs participantes demandaram R$98,7
bilhões nos 12 editais executados no âmbito do programa. A Tabela 2 mostra a carteira
de projetos qualificados pela Finep e pelo BNDES.
Energia Inova Energia 3,82 3,47 0,35 0,24 0,02 0,22 3,59 3,45 0,14
Demais ações 5,16 2,58 2,58 3,82 1,87 1,97 1,32 0,71 0,61
Demais Ações 2,49 0,59 1,90 1,71 0,59 1,12 0,78 - 0,78
Inova Saúde -
1,27 - 1,27 0,79 - 0,79 0,48 - 0,48
Fármacos
Inova Saúde -
Complexo da Saúde 0,41 0,21 0,20 0,06 - 0,06 0,34 0,21 0,13
Equipamentos
Inova Saúde –
3,98 2,36 1,62 3,36 1,94 1,43 0,62 0,43 0,19
Demais ações
Inova
Sustentabilidade 1,35 1,32 0,03 0,02 - 0,02 1,33 1,32 0,01
Sustentabilidade
Socioambiental
Demais Ações 2,91 0,45 2,46 1,57 0,36 1,21 1,34 0,09 1,25
Inova Agro 1,18 0,87 0,31 0,11 - 0,11 1,06 0,87 0,19
Demais Ações 1,62 0,16 1,46 1,02 0,09 0,93 0,60 0,07 0,53
Inovação e
10,55 6,86 3,69 7,16 4,54 2,62 3,39 2,33 1,06
Engenharia
Descentralização
Ações Transversais 0,78 0,21 0,57 0,57 0,21 0,36 0,21 - 0,21
para MPEs
Infraestrutura para
1,13 0,64 0,50 0,63 0,47 0,16 0,51 0,17 0,34
Inovação
Total 50,46 28,27 22,19 29,26 14,98 14,28 21,21 13,30 7,91
50
Com esses dados, não há dúvida de que o Inova Empresa se consolidou como um
grande programa de inovação que precisa continuar, inclusive com a formatação de um
Inova Educação e de um Inova Mobilidade. O Inova Empresa representou um salto de
qualidade na política tecnológica brasileira. Empresas e ICTs responderam positivamente
com destaque aos projetos de maior qualidade e ao incentivo às parcerias. Houve
um flagrante aumento da disposição tecnológica das empresas, impulsionado pelos
desafios dos focos selecionados com impactos tanto em novas trajetórias como na
elevação do valor médio dos projetos. Mais de 30% dos projetos vieram de novas
empresas, ou seja, empresas que nunca haviam trabalhado com recursos públicos
para inovação. A descentralização permitiu qualificar os agentes para avaliar projetos de
tecnologia, ampliando a rede para melhor atingir as pequenas empresas. Foi significativo
o número de universidades e centros de pesquisa integrados com as empresas e a
integração de instrumentos.
O Inova Empresa foi responsável não apenas por fomentar projetos de melhor
qualidade e mais ambiciosos, mas também por repensar a atuação do setor público no
fomento à inovação. As instituições públicas no Brasil precisam ser aperfeiçoadas para
poder avaliar com rigor e eficiência de projetos de inovação. Particularmente a Finep foi
instigada a repensar seus processos internos, dando mais agilidade, rigor e qualidade
na análise. O processo Finep 30 Dias passou a ser a porta única de entrada de projetos
na empresa, gerou maior eficiência, redução de custos, aumento da demanda e tornou
viável o acompanhamento e a avaliação dos projetos. Por meio desse processo, a Finep
passou a calcular ratings de inovação das empresas e dos projetos, com base em
parâmetros internacionais. Além disso, segregou horizontalmente as áreas de avaliação
dos projetos, dando mais rigor à análise, pois equipes separadas com atribuições claras
e distintas analisam a empresa e o projeto e submetem seus pareceres para apreciação
do Comitê Colegiado de Superintendentes. Segregou também verticalmente, pois
o Colegiado Diretor da empresa, instância final de deliberação, somente aprecia
projetos que foram aprovados pelo Comitê de Superintendentes. Ou seja, a Finep está
blindada de modo a só permitir a evolução de um projeto que tenha méritos técnicos
e tecnológicos. Tudo isso em 30 dias, um processo inédito para o Brasil, ainda muito
carente em eficiência e qualidade na atuação do setor público, especialmente em se
tratando de CT&I.
Uma das fragilidades do Inova Empresa reside no tratamento das startups de base
tecnológica, difíceis de trabalhar, de alcançar e de estimular. Toda uma nova geração
de políticas está sendo testada para dar forma a grandes programas voltados para as
51
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
52
O Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, apesar de sua juventude,
ganhou estatura e se fortaleceu rapidamente nos últimos quinze anos, porém ainda tem
dificuldades para ganhar escala, desenvoltura e para formar talentos na medida exigida
pelas necessidades que o país tem para se desenvolver. Em que pese o avanço da
descentralização da produção de conhecimento, para o que foi essencial o suporte
das Fundações de Amparo à Pesquisa, que se instalaram em praticamente todos os
estados do país, assim como o crescimento das agências de fomento, a existência
de um repertório de instrumentos modernos e o fortalecimento da infraestrutura de
pesquisa, a escala e a qualidade da CT&I ainda mostram-se insuficientes para atender
a demanda e a necessidade do país.
Exemplos internacionais mostram que esse quadro pode ser alterado de maneira
significativa pela adoção de medidas de forte impacto pelo Estado e pelo setor privado.
As trajetórias da Coreia do Sul e da China, por exemplo, registram pontos de inflexão
importantes no seu esforço de investimento em P&D, desde os anos 2000, cujos
resultados permitiram reverter, ainda que parcialmente, a tendência de seu histórico
afastamento da fronteira mundial.
53
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
54
As plataformas são necessariamente temáticas, focadas no desenvolvimento de
tecnologias críticas específicas e localizadas em dada região geográfica, visando à
apropriação das economias de aglomeração do conhecimento ali estabelecidas. Terão
gestão centralizada de recursos, com base no arranjo jurídico-institucional que melhor
se adaptar às características de sua articulação institucional, a ser definido durante o
processo de seleção da plataforma. Trata-se, portanto, de um programa inédito de
articulação, integração e otimização da oferta e da produção de conhecimento científico
e tecnológico nacional.
55
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
Ainda temos muito por fazer e não é apenas uma questão de quantidade de recursos.
O Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação faz a mesma coisa da mesma
forma há décadas. Com os atuais instrumentos disponíveis não será possível ampliar
os investimentos em CT&I no Brasil. Para se aproximar dos países avançados, o
investimento público em CT&I precisa crescer aproximadamente 10% ao ano para saltar
dos atuais R$28 bilhões e atingir R$60 bilhões em 10 anos. O sistema precisa se tornar
mais diversificado, mais complexo e mais ágil.
Os EUA destinam mais de US$130 bilhões por ano para Ciência e Tecnologia (C&T) e
seus instrumentos de apoio são muito diversificados. Além do que vai para a Defesa,
cerca de US$30 bilhões vão para os 27 institutos nacionais de pesquisa em saúde
e cerca de US$12 bilhões para Energia (17 laboratórios nacionais). Mais de 6 mil
pesquisadores estão nesses institutos, cuja operação é feita por instituições privadas
sem fins lucrativos. Nesse ambiente, pesquisas de ponta geram novos medicamentos,
equipamentos e tratamentos produzidos por empresas privadas associadas aos
56
institutos. Um sistema que envolve enormes subsídios do Estado, que melhoram a
saúde das pessoas. Além disso, os Estados Unidos investem atualmente mais de
US$1 bilhão para a criação de uma Rede Nacional para a Inovação Industrial, com 45
institutos.
Apesar das dificuldades, por mais contraditório que possa parecer, o país tem rumo
quando o assunto é CT&I. No entanto, precisa ter senso de urgência e ousadia, porque
neste caso a pressa é amiga da perfeição. Temos de manter e aperfeiçoar todo o
sistema nacional instalado, a começar pelo fortalecimento do CNPq e da Capes. A
Finep pode e deve ser base para a construção de uma superagência de inovação,
capaz de investir R$40 a R$50 bilhões por ano, atingindo milhares de empresas. Planos
sem ousadia somente levarão a Finep à mesmice e à perda de identidade no panorama
institucional brasileiro.
57
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
Deve ser ressaltado que, no período 2009-2011, dentre as 7.177 empresas que
investiram continuamente em P&D, apenas 421 obtiveram financiamento em parceria
com universidades e apenas 245 obtiveram subvenção econômica. O plano Inova
Empresa (2013) foi um grande avanço, mas ainda insuficiente para inovações mais
robustas, mais intensivas em conhecimento e ciência.
58
O Brasil também segue tendências internacionais de aumentar o gasto em CT&I nos
ministérios setoriais. Excluindo os dispêndios do MEC, o MCTI não está mais sozinho no
apoio ao sistema de CT&I, pois hoje responde por 50% dos dispêndios em C&T. Além
disso, há um conjunto de obrigatoriedades legais vinculadas às agências reguladoras
e fundos (Aneel, Anatel, ANP, Funttel e outros), além de Senai, Petrobras e BNDES, que
também criaram meios com capacidade de financiar o sistema de CT&I no Brasil. Essa
tendência precisa ser ampliada.
Inova Empresa e plataformas não são suficientes, nem propostas “salvadoras” que,
de resto, não existem. É essencial pensar um novo modelo para o sistema de CT&I no
Brasil, com outra escala, lógica e processos decisórios para alocação do investimento.
Em 2015, a prioridade para alavancar o sistema de CT&I no Brasil é a regulamentação do
Fundo Social. Embora o Fundo Social também tenha como finalidade o desenvolvimento
da ciência e tecnologia (art. 47 da Lei nº 12.351), a sua aplicação nessa área ainda
não foi regulamentada. Até agora, apenas cerca de 50% dos recursos arrecadados
do Fundo Social foram destinados à saúde e à educação, conforme definido na Lei nº
12.858/2013, para fins de cumprimento da meta prevista de 10% do PIB estabelecida
no inciso VI do caput do art. 214 e no art. 196 da Constituição Federal, para educação
e para aplicações prioritárias na área da saúde.
Seria necessário que pelo menos uma parcela de 20% dos recursos ainda não
comprometidos do Fundo Social sejam destinados obrigatoriamente à ciência,
tecnologia e inovação. Para tanto, é indispensável a regulamentação do Comitê
de Gestão Financeira do Fundo Social (CGFFS), mediante decreto, a quem cabe a
destinação dos recursos, ou mediante legislação específica, conforme feito com as
áreas de saúde ou educação. Abrir o Fundo Social para que ministérios e agências
tenham acesso direto aos seus recursos é central para ampliação do sistema de CT&I
no Brasil.
59
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
60
A contribuição do BNDES para a
política industrial brasileira
2003-2014
61
61
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
INTRODUÇÃO
Esses desafios não são apenas desafios para o Brasil, e é o contexto no qual os
Estados nacionais introduzem, com alta prioridade e proatividade, políticas industriais,
de comércio exterior e de inovação, ou políticas de desenvolvimento produtivo, em
busca de melhor posicionamento de suas economias (CEPAL, 2007; STIGLITZ; LIN,
2013; CRESPI; FERNÁNDEZ-ARIAS; STEIN, 2014). Especificamente para o Brasil, há
comprovada capacidade de competir em custos nas commodities, mas a agregação
de valor é necessidade premente; a crescente inclusão econômica define um mercado
interno com alto potencial, mas que demandará mais qualidade e diversificação; a
ampla carteira de projetos de infraestrutura, que induzirão eficiência sistêmica, cada vez
mais demanda bens e serviços de alta qualidade e sofisticação; as cadeias produtivas
na indústria de transformação demandam fortalecimento.
62
financeiras do BNDES nas três políticas industriais recentes: PITCE, PDP e PBM. A
última seção traz as conclusões.
Ainda assim, até a crise financeira recente, o cenário era de timidez quanto ao uso da
política industrial na defesa dos interesses nacionais, especialmente entre os países
da OCDE, mesmo diante do avanço da Ásia e da redução do peso da indústria em
vários países. A partir da crise, o quadro foi significativamente alterado. Os países
desenvolvidos intensificaram o uso dessas políticas, visando declaradamente a
aumentar o peso doméstico da manufatura como forma de recuperar não apenas
empregos e crescimento, mas principalmente a participação na corrida pelo progresso
tecnológico.
1 Block e Keller (2011), citados em Mazzucato (2013), explicam que as diretivas de política industrial têm sido ocultadas principalmente
para evitar reações políticas negativas ou para contornar restrições impostas por tratados internacionais.
2 Ver em Weiss (2014) como nos EUA o objetivo da segurança nacional justifica o emprego de recursos expressivos na política industrial.
63
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
A generalização do emprego dos BDs6, por sua vez, indica que há dificuldades dos
sistemas financeiros privados em prover meios para financiar demandas decorrentes
do investimento, de modo funcional7. A concessão de financiamentos passa a conter
incertezas quando referida a projetos verdadeiramente novos, ainda não experimentados
pelos empresários. Tal situação parece ser mais grave em contextos de incerteza,
principalmente associados a processos de inovação.
Também não são raros os casos em que as instituições financeiras privadas simplesmente
não se dispõem a financiar atividades essenciais para o desenvolvimento. Como exemplo,
em quase todo o mundo, quanto ao financiamento de micro e pequenas empresas,
exportações de bens de capital e serviços de construção, apoio a comunidades
carentes e/ou regiões menos desenvolvidas e infraestrutura, raramente interessa ao
mercado correr os riscos aí envolvidos. Essa situação, como é de se esperar, agrava-
se nas fases de baixa do ciclo econômico, como o que se testemunha nos dias de
hoje. No caso de economias em desenvolvimento, as dificuldades listadas são ainda
3 Warwick, K. (2013) faz uma descrição detalhada das políticas industriais em curso nos países-membros da OCDE e de economias
emergentes.
4 Luna-Martínez e Vicente (2012).
5 Compreendidos aqui como as instituições financeiras ou bancárias controladas pelo governo que recebem mandato de
desenvolvimento, mais ou menos amplo, de setores e/ou regiões, seguindo a classificação empregada em Ferraz, Além e
Madeira (2013).
6 Nas apresentações do KfW e dos bancos de desenvolvimento do Canadá, da China, da Coreia do Sul, da Índia, da Finlândia
e da Rússia, no seminário MINDS/BNDES/CEF, The Present and the Future of Financial Institutions – a learning dialog.
Disponível em: <www.minds.org.br/conferenciabndes2014/?page_id=10090>. Encontram-se exemplos de variadas formas
de apoio a atividades e grupos que não encontram suporte no mercado, seja em países em desenvolvimento, seja em
desenvolvidos.
7 O conceito de funcionalidade aqui empregado encontra-se em Studart (1995). Um sistema financeiro é funcional na medi-
da em que provê financiamento suficiente para as necessidades de uma economia em pleno emprego, mitiga a tendência à
fragilidade financeira e orienta o financiamento segundo as diretrizes das políticas de desenvolvimento.
64
mais graves, pois aí o sistema financeiro tende a ser pouco diversificado e com baixo
aprofundamento, representando sérias restrições financeiras ao desenvolvimento.
Por essa razão, cabe aos Estados desenvolver políticas e instituições que deem maior
funcionalidade ao sistema financeiro. Isso pode ser alcançado por meio do uso de
mecanismos de crédito direcionado e subsídios, para induzir instituições financeiras
a fazerem operações de crédito para atividades percebidas como menos rentáveis.
Na mesma linha, os Estados podem financiar diretamente as atividades, empregando
bancos de desenvolvimento.
A criação do BNDE, em 1952, foi uma tentativa de prover financiamento de longo prazo
para a economia brasileira (BNDES, 2013). Inicialmente, o banco foi responsável pela
gestão do Fundo de Reaparelhamento Econômico, que contava com recursos do
imposto de renda (15% da arrecadação), 25% das reservas técnicas das seguradoras
e o compromisso de emissão monetária, se fosse necessário. Além do financiamento
do BNDE, o processo de industrialização contava com incentivos fiscais, subsídios
cambiais à exportação de equipamentos, financiamento externo para aquisição de
equipamentos e o autofinanciamento. Tal esquema institucional foi bem-sucedido, mas
demonstrou sinais de fadiga na medida em que aumentava a inflação e a economia se
tornava mais complexa (SOCHACZEWSKI, 1993).
A recessão experimentada no início dos anos 1960, atribuída em parte a fatores de ordem
financeira, inspirou a reforma do sistema financeiro, de 1964-1966. No que se refere ao
setor bancário, instaurou-se a separação entre instituições e a elas foram atribuídas
funções específicas, uma tradução da legislação americana Glass-Steagal, de 1933.
65
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
Em 1988, o sistema financeiro passou por nova reforma, com a criação dos bancos
múltiplos. Foi o reconhecimento de que a segregação de funções, prevista pela reforma
1964-1966, havia sido ultrapassada pela realidade. Do ponto da funcionalidade do
sistema financeiro para o financiamento de longo prazo, porém, pouco se avançou.
Em 1994, com a reforma monetária que introduziu o real e conteve a inflação, supunha-
se que os bancos e os mercados de capitais fossem evoluir para operações de longo
prazo, como resposta estratégica à perda de relevância dos ganhos de floating. Não
obstante, os juros elevados para manter o câmbio fixo propiciaram a continuidade
dos ganhos com o financiamento de curto prazo da dívida pública. Diante das boas
oportunidades com operações de tesouraria, nem mesmo as operações de crédito
66
mais convencionais chamaram a atenção dos bancos privados, com exceção
das operações de curtíssimo prazo, como as embutidas no cheque especial e no
financiamento de cartões de crédito (ALVES JR., 2001).
67
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
5,0 20,0
4,0 19,0
3,0 18,0
2,0 17,0
1,0 16,0
0,0 15,0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Desembolsos/PIB FBCF/PIB
9 Os estudos de monitoramento e avaliação de efetividade desenvolvidos por técnicos do BNDES podem ser encontrados em: www.bndes.
gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/BNDES_Transparente/Efetividade.
68
desses estudos: aqueles de natureza quantitativa, que utilizam técnicas econométricas
e grupos de controle para substanciar a efetividade do apoio do BNDES. O Anexo 1 traz
mais detalhes sobre a especificação dos estudos.
69
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
apenas Lazzarini et al. (2012)10 não identifica impacto positivo do apoio do BNDES na
elevação do investimento. Na dimensão de produtividade, o balanço é inconclusivo.
10 O estudo, no entanto, tem duas limitações frente aos demais: i) utiliza uma base de dados com um número limitado de empresas (286
empresas de capital aberto, com base na Economática, contra 5 e 20 mil empresas dependendo do ano do estudo na PIA/IBGE, RAIS/
MTE ou Serasa); e ii) identifica apoio do BNDES por meio da presença de dívida em TJLP no balanço das empresas, o que não especifica
o momento preciso do apoio e dificulta o controle dos efeitos de defasagem associados ao investimento, contra o ano de contratação da
operação ou de desembolso de recursos, que é mais apropriado para estabelecer correlações.
11 Em 2012, as linhas de crédito para apoio à inovação foram unificadas na linha BNDES Inovação.
70
no capital de empresas inovadoras, diretamente ou via fundos, como o Criatec, de
2006. Desde então e com as seguintes políticas, PDP, PBM e, no marco deste último, o
Inova Empresa, o apoio do BNDES à inovação cresce: o desembolso anual passa de
R$161 milhões em 2004 para R$5,2 bilhões em 2013.
71
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
P&D nessas empresas, por sua vez, foi da ordem de 5,8%, contra apenas 1,5% no
grupo de controle.
72
a participação do Brasil nas exportações mundiais e aumentar o número de micro e
pequenas empresas (MPE) exportadoras.
A política foi lançada com o anúncio de significativa redução de custos e ampliação dos
prazos de financiamento do BNDES. Em relação aos prazos de financiamento, houve
duplicação do prazo das operações da Finame de 5 para 10 anos. Já em relação aos
custos, o spread básico médio das operações do BNDES foi reduzido em 20%, indo
de 1,4% para 1,1% a.a. Também a taxa de intermediação financeira (cobrada quando
a operação é feita por agentes financeiros) foi reduzida de 0,8% para 0,5% a.a. Essas
reduções, associadas a um processo de queda da Taxa de Juros de Longo Prazo
(TJLP), custo básico dos financiamentos concedidos pelo BNDES13, contribuíram para
ampliação dos investimentos e dos desembolsos do banco no período.
12 São elas: i) Consolidar e Expandir Liderança, que reuniu setores com capacidade de projeção internacional; ii) Mobilizadores em Áreas
Estratégicas, que buscam a superação de desafios científico-tecnológicos para a inovação; e iii) Fortalecer a Competitividade, que reuniu
complexos produtivos com potencial exportador e/ou com potencial de gerar efeitos de encadeamento sobre o conjunto da estrutura
industrial.
13 A TJLP caiu de 6,25% para 5% a.a. entre 2008 e 2013, sendo que já havia caído de 10% para 6,25% entre 2004 e 2007 na PITCE.
73
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
14 Um resumo das ações anticíclicas do BNDES no período 2009-2010 pode ser encontrado em Ferraz et al. (2012).
15 Os empréstimos do Tesouro continuaram para além de 2010 e levaram os ativos do BNDES a R$814 bilhões em 2014.
74
ampliar investimentos, garantindo a oferta de crédito a taxas e prazos adequados, além
de ampliar a demanda por máquinas e equipamentos nacionais.
O PSI foi responsável pela duplicação do desembolso trimestral da Finame frente ao nível
pré-crise e contribuiu para a retomada do investimento, que cresceu em termos reais
21,4% em 2010. Estima-se que o PSI implicou adicionalidade e elevou o investimento
médio em torno de 33% nas empresas industriais apoiadas (de cerca de R$900 mil para
R$1,2 milhão) no biênio 2009-2010 (MACHADO et al., 2014).
75
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
de zero para 170 milhões de litros, ultrapassando a europeia e ficando atrás apenas
da estimativa norte-americana. Avalia-se que, com o aumento de cerca de 45% da
produtividade decorrente da nova tecnologia e considerando-se investimentos de
R$140 bilhões, será possível atender a demanda de etanol estimada para 2020 com 56
usinas (contra 138 usinas sem a tecnologia 2G). Isso representa uma economia de 82
usinas, 328 milhões de toneladas de cana e 4,7 milhões de hectares de área de plantio
(RAMUNDO, 2013, p. 19).
O Plano Brasil Maior (PBM) foi lançado em agosto de 2011 sob o lema “Inovar para
competir, competir para crescer”. Ele mantém a abrangência setorial da PDP e amplia
as macrometas para 10, organizadas a partir de um mapa estratégico dividido em três
dimensões: criação e fortalecimento de competências críticas, adensamento produtivo
e tecnológico das cadeias de valor e ampliação de mercados (BRASIL, 2011). Além
dos objetivos de investimento, inovação, MPEs e exportação, agregaram-se novas
metas, como qualificação de recursos humanos, produção mais limpa e crescimento
dos setores intensivos em conhecimento.
76
objetivo a mitigação das mudanças climáticas, atua em dez frentes18, com taxas de
juros de até 1% a.a. e prazo de até 25 anos (para investimentos em transporte urbano
de passageiros sobre trilhos, inclusive aquisição e modernização de material rodante).
Finalmente a criação do Programa BNDES de Apoio à Qualificação Profissional do
Trabalhador (BNDES Qualificação), em 2011, visou ao apoio à implantação, expansão,
modernização e ampliação do número de vagas de formação profissional e educação
técnica e tecnológica, assim como à infraestrutura de PD&I dessas instituições; e teve
como ponto alto o empréstimo de R$1,5 bilhão para o SENAI, em fevereiro de 2012.
Essa linha segue as prioridades estabelecidas no Pronatec, programa de expansão da
formação profissional do país.
18 São elas: Mobilidade Urbana; Cidades Sustentáveis e Mudança do Clima; Máquinas e Equipamentos Eficientes; Energias Renováveis;
Resíduos Sólidos; Carvão Vegetal; Combate à Desertificação; Florestas Nativas; Gestão e Serviços de Carbono; e Projetos Inovadores.
19 Exclui-se dessa contagem o apoio à administração pública e a alguns setores de infraestrutura, como saneamento básico.
77
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
Total BNDES (b) 33,5 39,8 47,0 51,3 64,9 90,9 111,4 143,4 138,9 156,0 190,4 84,1 1151,6
(a)/(b) 83% 81% 89% 92% 88% 89% 81% 85% 86% 78% 79% 77% 83%
Fonte: BNDES.
Obs.:
78
Os R$28,5 bilhões reservados para contratos firmados no biênio 2013/2014 foram
majoritariamente alocados nas sete áreas definidas como estratégicas – Energias,
Cadeia do Petróleo e Gás, Complexo da Saúde, Complexo da Defesa e Aeroespacial,
Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), Complexo Agroindustrial e
Sustentabilidade Socioambiental –, que receberam R$23,5 bilhões. A quantia restante
foi destinada ao apoio às MPEs, à infraestrutura de inovação e aos projetos de inovação
e engenharia de outros setores econômicos.
Para cada uma das áreas estratégicas, definiu-se um conjunto de desafios tecnológicos
a serem superados. Dessa forma, as tecnologias genéricas (microeletrônica, novos
materiais, nanotecnologia e biotecnologia) surgem como relevantes não em si mesmas,
mas como contribuintes essenciais aos desafios de cada segmento econômico, como
a exploração do pré-sal, o desenvolvimento de biofármacos e o aumento da eficiência
energética. Essa concepção do Inova Empresa é em si uma inovação institucional no
país e está alinhada com iniciativas similares de países como EUA e China. A operação
conjunta e o lançamento de editais aumenta a eficiência do dispêndio público, induz
competição entre projetos empresariais e evita a dispersão de recursos.
79
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
80
• Esses editais somam-se às experiências-piloto do Paiss e Inova Petro 1,
que precederam o lançamento do Inova Empresa.
O Plano Inova Empresa recebeu uma robusta resposta do setor privado. O Inova
Energia, por exemplo, superou expectativas. Com orçamento previsto de R$3 bilhões,
registrou demanda inicial da ordem de R$12,3 bilhões proveniente de 373 empresas
interessadas. Delas, 127 foram habilitadas a apresentar seus planos de negócio até
o final de agosto de 2013, totalizando uma demanda estimada de R$9,8 bilhões. O
quadro a seguir apresenta um balanço da execução dos editais. A maior parte dos
editais está contratando os projetos selecionados, o que deve ocorrer até o final de
2014.
81
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
BALANÇO FINAL
82
respondeu de acordo com as orientações de política, mobilizando os instrumentos
existentes para as prioridades estabelecidas e introduzindo soluções financeiras para
novos desafios.
83
Anexo 1: Detalhamento dos estudos sobre efetividade do BNDES
Título do artigo e autores Objetivo do artigo Bases de dados e período Método Resultados obtidos
• PIA/IBGE.
• RAIS/MTE. Efeito positivo na
Avaliar o impacto do BNDES
The effects of BNDES loans • SECEX/MDIC.
Automático e do BNDES Diferença-em-Diferenças com produtividade do trabalho
on the productivity of Brazilian • Censo de Capitais
Finem sobre a produtividade matching, MQO e Efeitos Fixos para o BNDES Finem e
manufacturing firms. Estrangeiros do BACEN.
do trabalho das firmas em Painel. negativo para o BNDES
Ottaviano e Sousa, 2008. • BNDES Automático e
apoiadas. Automático.
BNDES FINEM 1995-
2003.
Avaliar o impacto do apoio
Public Credit Use and Efeito não significativo
financeiro do BNDES na • PINTEC/IBGE; PIA/IBGE.
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
84
Brazil. produtividade total dos fatores
fatores das firmas industriais 2006.
Ribeiro e De Negri, 2009. de firmas inovadoras.
inovadoras.
Impacto do financiamento
do BNDES sobre a Avaliar o impacto do BNDES
na produtividade total dos • PIA/IBGE. Efeito positivo e significativo
produtividade das
fatores, produtividade do • SECEX/MDIC. Regressões quantílicas e do apoio financeiro do
empresas: uma aplicação
trabalho, receita líquida • RAIS/MTE. matching. BNDES em todas as
do efeito quantílico de de vendas e número de • BNDES 1995-2003. variáveis analisadas.
tratamento. empregados.
Coelho e De Negri, 2010.
Título do artigo e autores Objetivo do artigo Bases de dados e período Método Resultados obtidos
Avaliar o impacto do
BNDES no emprego Regressão de Efeitos fixos Efeito positivo no emprego
The impact of public credit • RAIS/MTE.
formal, na produtividade em Painel e Efeitos fixos e nas exportações e não
programs on Brazilian firms. • SECEX/MDIC.
do trabalho (medida em condicionais ao matching no significativo na produtividade
De Negri et al., 2011. • BNDES: 1997-2007.
termos de salários reais) e propensity score. do trabalho.
na exportação das firmas.
Financiamento às exportações:
Avaliar o impacto do BNDES
uma avaliação dos impactos • SECEX/MDIC. Efeitos fixos em painel Efeito positivo nas empresas
Exim e do Proex nos valores
dos programas públicos • BNDES Exim: 2000 a condicional ao matching no apoiadas pelo BNDES Exim
exportados pelas empresas
brasileiros. 2007. propensity score. (em torno de 15%).
industriais.
Galleti e Hiratuka, 2011.
Efeito positivo no emprego
Avaliação de impacto do uso
85
formal das empresas
do Cartão BNDES sobre o Avaliar o impacto do Cartão • RAIS estabelecimentos
apoiadas.
emprego nas empresas de BNDES no emprego formal (MTE). Diferença-em-Diferenças.
Efeito positivo para micro e
menor porte. das firmas apoiadas. • BNDES 2007-2009.
Machado et al., 2011. pequenas empresas, e não
significativo para médias.
• PIA/IBGE.
• RAIS/MTE.
Relaxing Credit Constraints Avaliar o impacto do BNDES
• SECEX/MDIC. Efeito não significativo do
in Emerging Economies: The sobre a produtividade
• Censo de Capitais Diferença-em-diferenças com apoio do BNDES sobre
impact of public loans on the do trabalho e sobre a
Estrangeiros do BACEN. matching e MQO. ambas as medidas de
performance of Brazilian firms. produtividade total dos fatores
• BNDES Automático e produtividade das firmas.
Ottaviano e Sousa, 2011. das firmas apoiadas.
BNDES FINEM: 1995-
2007.
Título do artigo e autores Objetivo do artigo Bases de dados e período Método Resultados obtidos
Avaliar o impacto do BNDES
What do development banks
nas variáveis: retorno líquido, • BM&F Bovespa. Efeito não significativo sobre
do? Evidence from Brazil,
retorno operacional, Q de • Economática. Efeitos fixos em Painel as variáveis analisadas, exceto
2002-2009.
Tobin, despesas financeiras, • CVM. condicional ao matching no para a variável despesas
Lazzarini, Musacchio,
despesas de capital e ativo • Valor Grandes Grupos. propensity score. financeiras (redução do custo
Bandeira-de-Mello e Marcon,
imobilizado no período 2002- • Período: 2002-2009. de capital).
2012.
2009.
O impacto do BNDES Exim
no tempo de permanência Avaliar o impacto do Efeito positivo do BNDES
• PIA/IBGE.
das firmas brasileiras no BNDES Exim no tempo de Exim para a extensão do
• RAIS/MTE.
mercado internacional: permanência das firmas Propensity Score Matching. tempo de permanência das
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
• Secex/MDIC.
brasileiras no comércio
86
uma análise a partir dos • BNDES 1997-2000.
empresas exportadoras no
microdados. internacional. mercado internacional.
Lobo e Silva, 2012.
In-Depth Analyses of
• CVM.
Investment of Firms in Brazil:
Avaliar impacto dos • Economática.
Do Financial Restrictions, Efeito positivo do BNDES
financiamentos do BNDES no • Serasa. Regressão de Efeitos fixos em
Unexpected Monetary Shocks no nível de investimento das
investimento das empresas • Valor Econômico. Painel.
and BNDES Play Important empresas brasileiras.
brasileiras. • Gazeta Mercantil.
Roles?
• BNDES 1994-2010.
Oliveira, 2013
Título do artigo e autores Objetivo do artigo Bases de dados e período Método Resultados obtidos
Efeitos do PSI no
Investimento das Firmas
Industriais Brasileiras: Efeito positivo do PSI sobre
estimativas de impacto Avaliar o impacto do PSI no Propensity Score Matching. nível de investimento corrente
• PIA/IBGE.
com base numa nível de investimentos das Diferença-em-diferenças com das empresas industriais
• BNDES 2009-2010.
abordagem de matching. empresas industriais apoiadas. matching. compradoras de bens de
Machado, Grimaldi, capital.
Albuquerque e Santos,
2014
Contribuição do BNDES
Avaliar impacto dos • Serasa. Efeito positivo do BNDES
para o Investimento da
financiamentos do BNDES no • RAIS/MTE. Diferença-em-diferenças com na taxa de investimento
Indústria Brasileira
investimento das empresas • Secex/MDIC. matching. das empresas industriais
87
Sant’Anna, Ambrozio, industriais brasileiras • BNDES 2010. brasileiras.
Sousa e Faleiros, 2014
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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
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WEISS, L. America Inc.? Innovation and enterprise in the national security state. Ithaca;
London: Cornell University, 2014. (e-book).
91
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
92
Processo de industrialização e
disparidades inter-regionais no
Brasil: a necessidade do diálogo
entre as políticas industriais e as
políticas regionais.
Carlos Brandão
93
93
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
INTRODUÇÃO
O território necessariamente será lócus que acolhe e hospeda as ações de seus atores
político-culturais, agentes econômicos e sujeitos sociais. Não obstante, a grande
questão é como transformar essa base espacial de decisão e poder em catalisador
da articulação sistêmica e da integração multissetorial dos investimentos em arena da
elaboração e implementação da ação pública e privada de maneira coletiva, abrangente
e estruturante. O desafio da construção da referência do/no território – ponto de partida
94
(e de chegada) das políticas públicas – deve fazer convergir no território ex ante as
estratégias estruturantes, pois ex post poderá ser mais difícil e ineficaz promovê-las.
Defenderemos neste ensaio como o território pode dar consistência para a articulação
e o fortalecimento de estratégias que construam os nexos estruturais entre a promoção
de um mercado de massas e o desenvolvimento de um sistema industrial competitivo,
criando um círculo virtuoso que associa crescimento, equidade, coesão, inovação e
competitividade, solidarizando o tecido social.
Em termos regionais, aquele êxito foi marcado por outro: montou-se com rapidez,
em um país heterogêneo e de dimensões continentais, um aparelho econômico
que atendia a um mercado interno em expansão e em integração. Complexos
mercantis-industriais-financeiros articularam comercial e industrialmente o
vasto território, possibilitando que todas as suas macrorregiões “crescessem
95
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
No último quartel do século 20, a ação estatal, a partir do governo Geisel, forjou um
bloco de investimentos pesados implantado sob a coordenação do Estado, na periferia
nacional, a partir do II PND (1974-1976), unidades produtivas que se desconcentraram
geograficamente, orientadas pelas fontes de recursos naturais ou por políticas
governamentais. Os incentivos, a provisão de infraestrutura básica e os programas
federais atraíram inversões diretas das empresas estatais para as indústrias de insumos
96
básicos e de bens de capital, articulando as bases econômicas regionais. Grande parte
da industrialização periférica, basicamente concentrada nos espaços metropolitanos
das principais capitais estaduais, até hoje, ainda é fruto ou desdobramento desses
investimentos concebidos como polos de crescimento (Camaçari, Triunfo, etc.) que
promoveram alguma desconcentração produtiva pelo território nacional, ainda que de
caráter concentrado.
A partir do final dos anos 1980 e durante toda a década de 1990, os processos de
abertura comercial e financeira, desmonte das capacidades estatais de sinalização
e coordenação, privatização do sistema produtivo e de infraestrutura estatais,
internacionalização de elos fundamentais das cadeias do parque produtivo nacional,
dentre outros fatores, determinaram importantes transformações nas relações entre as
97
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
Esse grupo, cujo padrão locacional é orientado pelo acesso a fontes de matérias-primas,
contando com custos e qualidade adequados, razoável padronização de produtos e
processos, continuou nos últimos anos a ampliar sua capacidade de alcançar mercados
externos específicos. Quanto ao mercado interno, apresenta alguns ganhos de escala,
graças ao tamanho do mercado. Nesses setores, o país apresenta boa eficiência nas
fases iniciais do processo produtivo e nos produtos pouco elaborados. À medida que
se percorrem tais cadeias produtivas no sentido dos produtos de maior transformação
e diferenciação produtivas, sofisticação tecnológica e comercial, etc., a capacidade
competitiva vai minguando.
98
O grupo produtor de bens tradicionais, basicamente calçados de couro, vestuário e
têxteis não padronizados, agroindústria de alimentos de baixa elaboração e bebidas
simples apresentaram alguma trajetória de deslocalização no sentido de porções
seletivas da periferia nacional. São setores fortemente condicionados pela elasticidade
da demanda, pela oferta de crédito ao consumidor e pelo comportamento dos juros e
do câmbio.
A partir de 2003, com o aumento da renda rural ou urbana interiorizada, maior adensamento
das redes urbano-regionais articuladas às cidades médias e maior sofisticação e
diferenciação do consumo, esse grupo conseguiu se expandir, naqueles casos em que
tinha capacidade competitiva frente ao ingresso dos produtos importados. Ocorreu,
dessa forma, a abertura de novas frentes de localização, com a criação de plantas de
alguns desses ramos wage goods, geralmente com a implantação de compartimentos
industriais pouco sofisticados tecnologicamente, leves e de baixa geração de linkages.
Esses segmentos produtivos lograram se desconcentrar, pois são caracterizados
por serem pouco exigentes de ambiente mais complexo de externalidades. Assim,
puderam ser atraídos para vários polos periféricos de porte, sobretudo em espaços
metropolitanos ou em cidades intermediárias, com características de capitais regionais,
através de guerras fiscais, com ampla concessão de subsídios e outros favores, custos
salariais menores, maior flexibilidade trabalhista e ambiental e, em alguns casos, pelo
fácil acesso a recursos naturais abundantes e baratos.
99
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
Essa caracterização aqui caricaturada cumpre o papel de apenas relembrar que não se
pode pensar em investimentos que contrariem a marcante concentração espacial das
plantas industriais e da riqueza e da renda em termos gerais (e macroeconômicos), mas
deve-se levar na devida conta as decisões específicas de ramos, setores e segmentos
produtivos (em termos “mesoeconômicos”) e seus respectivos padrões oligopólicos
de concorrência. Há diferenciações marcantes dos segmentos produtivos, quanto à
sua capacidade de geração de encadeamentos intra e intersetoriais; quanto à sua
capacidade estruturante e articulativa da dinâmica urbano-regional; quanto ao padrão
locacional orientado pela fonte de matéria-prima ou pelo mercado consumidor; quanto
às suas tendências para se desconcentrar geograficamente.
Depois dos anos 1980, o Brasil sofreu perda de densidade de algumas cadeias
produtivas e continuou dinamizando alguns encadeamentos interindustriais típicos do
grande complexo de ramos mecânico-químico-metalúrgicos e de bens tradicionais,
etc. Esses são, em sua maioria, produtos pouco elaborados, com dificuldade de
diversificação, com pequeno valor agregado e com poucas perspectivas dinâmicas
nos mercados internacionais. Ocorreu baixa atualização do aparelho produtivo e pouca
geração de capacidade produtiva nova.
100
de reconcentração espacial da produção, da renda e da geração de empregos de
qualidade.
101
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
Por outro lado, nos governos Lula e Dilma foram elaborados, discutidos e implementadas
diversas iniciativas de estratégia industrial e de ciência, tecnologia e inovação:
a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE, 2004), a Política de
Desenvolvimento Produtivo (PDP, 2008) e o Plano Brasil Maior (PBM, 2011). Essas
políticas industriais implementadas buscaram fortalecer e expandir a base industrial
brasileira, estimulando a inovação e a busca de competitividade nos mercados interno
e externo, promovendo a ampliação do diálogo entre o setor público e o setor privado.
1 “A ideia-mestra que nos move é que o Brasil é um país gigante, heterogêneo, complexo, onde não basta apenas produzir mais do mes-
mo e de forma mais eficiente. O ponto é que a economia precisa diversificar suas atividades em permanência, de modo a produzir novos
produtos, processos e negócios com mais ciência e tecnologia” (ARBIX; DE NEGRI, 2014).
102
Assevera-se que o esforço de uma estratégia industrial ativa passa pela construção
de ambiente sistêmico de busca de competitividade, dotado de lógica cooperativa
e de compartilhamento dos riscos da “geração de conhecimento novo”. Em países
em desenvolvimento como o Brasil, a política industrial necessita aprimorar a cultura
empresarial e inovativa, adensar cadeias, promover o aumento da produtividade, a
diversificação das linhas de produtos ou inovações de produto ou processo, fortalecer
a convivência de especializações, combinando, por um lado, a ampliação da presença
internacional nos setores de “ponta” da indústria e, por outro, a modernização e o
aumento da eficiência do “miolo” da indústria, integrado por setores tradicionais, com
grande participação de pequenas e médias empresas e voltados para o mercado
interno (KUPFER, 2012).
Outras políticas territoriais foram lançadas no mesmo período. O Ministério das Cidades,
criado em 2003, apresentou a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU);
o Ministério do Desenvolvimento Agrário lançou em 2008 o programa Território da
Cidadania, através da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), elegendo áreas
prioritárias de ação; o Ministério dos Transportes concebeu em 2005 o Plano Nacional
de Logística e Transportes (PNLT); várias políticas, planos e programas da área do meio
ambiente foram elaborados, cabendo destacar: Plano Amazônia Sustentável (PAS,
2004); Política Nacional para os Recursos do Mar (PNRM, 2005); Lei de Gestão de
Florestas Públicas (2006); Plano Nacional de Recursos Hídricos (2006); Novo Código
Florestal (2012).
103
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
foi institucionalizada pelo Decreto nº 6.047, de 22/2/2007, porém não criou o fundo
nacional, nem ganhou centralidade na agenda governamental. A política de incentivo
dos fundos continuou baseada por uma lógica macrorregional.
104
DESAFIOS E POTENCIALIDADES PARA UMA POLÍTICA INDUSTRIAL
EM DIÁLOGO COM AS POLÍTICAS REGIONAIS E URBANAS
A ABDI vem promovendo ações nos âmbitos estratégicos do nível de governo estadual.
Os desafios são imensos, mas plenos de oportunidades. A ABDI tem estimulado a
estruturação de agendas ou estratégias estaduais de desenvolvimento industrial nos
mais diversos estados da federação, buscando informar e dar coerência entre os
instrumentos federais e os instrumentos estaduais.
Uma excelente iniciativa foi a Rede Nacional de Agentes de Política Industrial (Renapi),
que já foi organizada na maioria dos estados brasileiros. Há um incentivo à concepção
e à discussão de políticas de desenvolvimento industrial no nível estadual de
governo, buscando uma articulação sistêmica que combine instrumentos, políticas e
estratégias estaduais com suas correspondentes federais. Há o estímulo à criação de
fóruns, conselhos e outros colegiados para a armação de estratégias industriais. São
organizados núcleos estaduais Renapi, convidando instituições estaduais públicas e
privadas ligadas à atividade econômica, tais como as Federações das Indústrias, as
Secretarias Estaduais de CT&I, de Desenvolvimento Econômico, de Planejamento ou
de Indústria e Comércio, as fundações estaduais de pesquisa, etc., guardadas sempre
as especificidades das instituições locais. O que se procura é disseminar a cultura da
inovação, discutir o papel do Estado no desenvolvimento industrial, debater formas
de aprimorar as capacidades inovativas e exportadoras, refletindo sobre os limites e
as potencialidades específicas para o desenvolvimento industrial de cada unidade da
federação.
Com o lançamento do Plano Brasil Maior (PBM), foi criada a Coordenação Sistêmica
de Ações Especiais em Desenvolvimento Regional, instância que deve mobilizar as
forças produtivas estaduais, articular os Núcleos Estaduais da Renapi, APLs e Renai
e realizar oficinas estaduais de disseminação de instrumentos do PBM, capazes de
avançar a inovação no estado, ampliando a participação de fornecedores locais e
as potencialidades do poder de compra do estado, buscando o adensamento e o
fortalecimento das cadeias produtivas estaduais.
105
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
Tais iniciativas são muito bem-vindas, pois o desafio de articular a escala meso do nível
de governo estadual não é trivial.
É muito peculiar no pacto federativo brasileiro o tratamento das escalas espaciais e dos
níveis intermediários, incluindo o nível estadual de governo. Recentemente tem surgido
uma importante agenda científica e política acerca de “qual o poder do poder estadual
no Brasil” (MONTEIRO NETO, 2014). Ela procura indagar acerca das capacidades
governativas dos governos subnacionais de orientarem o sentido de seus territórios
específicos, mobilizando, de maneira articulativa, tanto seus ativos e instrumentos
econômico-financeiros (capacidades econômico-fiscais) quanto seus recursos
políticos e institucionais (capacidades institucionais) para promover o desenvolvimento.
Não é incomum no Brasil se deparar com situações estaduais (e municipais) de baixas
capacidades técnicas, de gestão, institucionais e financeiras para responder à complexa
descentralização de competências em um território gigantesco.
106
Este é um desafio generalizado para as políticas públicas no Brasil. Nesse sentido, as
experiências de consórcios públicos, fóruns, agências de desenvolvimento regional,
comitês de bacias e colegiados territoriais são sempre muito bem-vindas, quando elas
estão presentes em determinado espaço regional.
Outro ponto importante é que a escala do lugar (place) é também precária em um país
tão heterogêneo e marcado por desigualdades de toda ordem (regionais, sociais, etc.).
Assim, torna-se imprescindível, sobretudo em países enormes e com disparidades inter-
regionais e interpessoais como o Brasil, promover o suporte infraestrutural da provisão
de bens e serviços públicos essenciais, de uso coletivo, para a consolidação de uma
sociedade de consumo de massas que busque acessar (territorialmente) plenamente
direitos sociais e cidadania (saúde, educação, seguridade social, transporte urbano de
alta densidade, moradia, saneamento, aprendizado). Do mesmo modo, é fundamental
prover infraestruturas sociais que aperfeiçoem habilidades e propiciem habilitações.
Como destaca Celso Furtado (1992, p. 17), “para participar da distribuição da renda é
necessário estar habilitado por títulos de propriedade e/ou pela inserção qualificada no
sistema produtivo”.
É preciso construir a atuação com alta efetividade do Estado brasileiro, por meio
de institucionalidades, instrumentos e mecanismos que capilarmente difundam,
concretizem e enraízem ações de CT&I em todo o vasto território nacional.
Entre diversos resultados, essa oferta pode desempenhar papel crucial na redução do
desemprego e subemprego através da modernização da base tecnológica, gerando
fontes de emprego e renda mais decentes.
107
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
“estoque” e “fluxo” de bens, infraestruturas, funções e serviços dessas áreas, seu porte,
localização, a quantidade e qualidade dos equipamentos urbano-regionais e suas
articulações com os seus macro e mesopolos são fatores decisivos de sua experiência
de desenvolvimento. É fato que a reprodução social da existência da vida material que
se projeta no espaço urbano, amparada por equipamentos, infraestruturas e meios
de consumo, revela as formas de sociabilidade urbana em dado recorte espacial e as
posições dos diversos espaços urbanos em uma relação hierárquica superior.
108
Essas e outras ações devem ser potencializadas pela dimensão territorial da estratégia
aqui discutida, tendo por base a valorização da diversidade regional, do caráter
continental e estruturado em variados espaços urbanos e suas hinterlândias, que
possuem dinamismos peculiares, alguns latentes, outros revelados: um planejamento
territorial que construísse vetores estratégicos que permitissem gerar impulsos dinâmicos
de modo a gerar maior convergência de renda e de oportunidades e um processo de
coesão que, ao mesmo tempo, valorizasse crescentemente nossa diversidade.
Bibliografia:
ABDI. Plano Brasil Maior. Balanço Executivo (2011-2014). Brasília: ABDI, 2014.
ALVES, Adriana M.; ROCHA NETO, João Mendes. A nova Política Nacional de
Desenvolvimento Regional – PNDR II: entre a perspectiva de inovação e a persistência
dos desafios. Política e Planejamento Regional, v. 1, n. 2, jul./dez. 2014.
109
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
FERRAZ, João C.. Made in Brazil: desafios competitivos da indústria. Rio de Janeiro:
Campus, 1995.
110
111
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
112
ABDI:
A que veio,
A que ficou
Evando Mirra
Mario Sergio Salerno
113
113
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
1. INTRODUÇÃO
A ABDI foi criada num momento histórico, com um objetivo precípuo, visando a melhorar
a coordenação da política industrial e de inovação, que envolve inúmeros aspectos em
inúmeros órgãos. A necessidade de coordenação permanece. Isso sugere a questão
do título: A que veio, a que ficou. Como participantes dos momentos de sua gestação
– do fuzzy front end, numa analogia com o desenvolvimento de novos produtos –,
faremos aqui tanto uma recuperação histórica do momento e do projeto de sua criação
quanto de seus primeiros passos e de sua evolução posterior, o que é fundamental
para discutir a questão colocada.
Para tanto, precisaremos fazer breves considerações sobre o panorama das políticas
industriais, tecnológicas e de inovação até a Política Industrial, Tecnológica e de
Comércio Exterior (PITCE), lançada em 20131, no desenrolar da qual surge a lei que cria
a ABDI. Como o mundo não começou com a PITCE nem com a ABDI, é fundamental a
recuperação da história para a compreensão de qual o debate, qual a institucionalidade,
o que estava em jogo e o que dá origem ao projeto que leva à construção da ABDI.
1 É comum encontrar menções à PITCE como de 2004, mas ela foi formalmente lançada dia 26 de novembro de 2003, numa solenidade
no MDIC com pelo menos os ministros do Desenvolvimento e do Planejamento – havia outros, mas a memória nos foge. O evento foi
ofuscado por outro, que reunia exportadores, e onde o então Presidente Lula anunciou simplificação e incentivos para exportação, o que
era previsto nas discussões da política industrial (vide o CE, de Comércio Exterior), dado o gargalo externo da época e a óbvia razão de que
exportar é crescer, aumentar empregos, disputar com os melhores, o que induz inovação e aumento de produtividade. Houve outra soleni-
dade, em data, digamos, não muito propícia (31 de março de 2004), na CNI, com grande pompa e circunstância, e essa data “pegou”.
114
2. RECORDAR É VIVER: SÍNTESE DAS POLÍTICAS INDUSTRIAIS E
TECNOLÓGICAS ATÉ OS ANOS 2000
115
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
A crise de 1929 no Brasil foi a crise do café. A indústria só ganharia impulso mais
forte após a II Guerra Mundial, com a criação de empresas industriais estatais “de
base”, como a CNA (Álcalis, Cabo Frio-RJ, crida por decreto-lei em 1943), CSN (Volta
Redonda, início de operação em 1946), a Petrobras (1953). O aço chega quase 100
anos atrasado.
116
nacionais atuar no setor de autopeças – e efetivamente surgiram Cofap, Metal Leve,
Sabó e tantas outras.
Assim, grande parte da industrialização foi feita com base na instalação de filiais
de empresas multinacionais, atraídas para explorar o mercado interno, fechado à
competição. Enquanto países asiáticos, de menor porte, não tinham opção de escala
sem recorrer ao mercado internacional, o tamanho do Brasil não ajudou: com honrosas
exceções, produziam-se aqui produtos defasados (as “carroças”, conforme disse
Collor, o primeiro Presidente eleito diretamente pós-golpe de 1964 e o primeiro cassado)
para um mercado interno pouco exigente. Produto bom era quase sinônimo de produto
importado – isso existe até hoje, a julgar pelas propagandas de “tecnologia japonesa”,
“das auto” e outros.
117
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
4 Alice Amsden (2012) afirma numa publicação do centro que a Vale banca na Universidade de Co-
lumbia, em Nova Iorque, EUA (sim, a Vale banca centro de think tank lá, e não só lá, mas não banca
no Brasil... há muito minério por lá): “National firms are likely to be the more entrepreneurial of
the two types because national firms know their local markets best.[1] But foreign affiliates may
have synergistic advantages from operating in more countries than the typical national firm. Still,
in today’s global markets, there are eight relatively new functions that normally only national firms
can perform, giving them a wide edge over foreign affiliates. More specifically, without private or
public nationally owned enterprises to secure home markets:
Supplying outsourcing services to developed countries is unrealistic. Outsourcers, by definition, look overseas for national firms to
undertake production, especially in electronics (a US firm may establish its own affiliate as an outsourcer, but typically experienced national
outsourcers are faster and more efficient).
Establishing brand names is very difficult (a brand name is company specific, and a company usually originates in a given country that has
proprietary technology).
Dislodging a foreign legacy position in a natural resource industry like oil is undoable (to supplant a foreign concession, a domestic firm is
required as demonstrated by OPEC members but not yet by Africa’s new oil-producing countries).
Reversing brain drain of top national talent is more difficult (a glass ceiling may obstruct nationals from reaching the position of CEO if a
company is foreign-owned).
The illegality of imposing local content requirements under WTO law is binding. While foreign affiliates cannot be subjected to local
content regulations, national enterprises have more incentive to build their own local supply chains and state-owned enterprises can help in
this respect via procurement.
The benefits of outward FDI undertaken by foreign affiliates located in the country ultimately accrue to the parent company at home.
Foreign affiliates conduct almost no research and development in emerging markets; so competing in high-tech industries is problematic,
unless governments are able to take a hard line with foreign investors, as in India and China.
Small and especially medium-size enterprises must be brought up to speed as subcontractors, and FDI rarely makes a large impact in this
firm-size range, which is the object of numerous government programs.
There are other reasons to believe that the best national firms in the fastest growing emerging markets (for example, the
Republic of Korea’s Samsung, India’s Infosys and Brazil’s Embraer) tend to be more entrepreneurial than foreign affiliates.]
The latter today are typically bureaucratic -- operating with relatively dense levels of management and cookie-cutting single
models throughout the world. For now, when most national firms enjoy both family ownership and professional manage-
ment, they display minimal bureaucracy. If a developing country relies on FDI, every “new” industry requires the entry of
yet another MNE, whereas the conglomerate group, a typical national business structure in the de-colonized world, can
diversify faster and at lower cost.
The thin layer of bureaucracy in national firms, due to familial relations, improves information flows. National firms are of-
ten super-quick in entering new industries and then in designing the integration of parts and components to win the global
race to market. One national firm in the Indian pharmaceutical industry reached the market faster than the Indian foreign
affiliate of the MNE that had invented the drug.[3] In many industries, national firms were the first movers. They diversified
forcefully and fast -- the origin of the diversified business group structure.
All this suggests that research on FDI must change. In the past, FDI was compared with no FDI, as if national enterprise had
nothing to contribute. Now, the presence or absence of foreign affiliates must be compared against that of well-managed
national firms. How different the results will be remains to be seen, depending on policy formulation and implementation.
National firms must be nursed and nurtured to fulfill the functions that foreign affiliates are less likely to undertake. There is
little substitution. For this reason, specific institutions must be built to promote national assets. Good models in Asia are the
Republic of Korea and China, and in the Middle East, many OPEC members.”
118
nos países centrais, nos mercados mais competitivos e ter controle da cadeia, fazendo
em casa P&D, desenvolvimento de novos produtos, inovação.
Tal estrutura industrial, com controle estrangeiro, voltada para dentro, sem estímulo para
competir, “quebrou” com a crise do petróleo, que chega aqui em 1981. Seguem-se
as décadas perdidas, a inflação, as tentativas de fazer alguma coisa. Desse período,
colhemos de bom o fim da ditadura e a conquista da democracia política. A estrutura
industrial continuou aquela delineada até o II PND.
No governo Sarney, por obra da equipe do MCT5, particularmente de Fabio Erber, foram
criados o PDTI e o PDTA pelas Leis nº 8.661 e nº 1993. Eram, respectivamente, os
Planos de Desenvolvimento Tecnológico Industrial e Agropecuário. Fiquemos com o
PDTI, para exemplificar. A empresa deveria submeter ao MCT um plano – o PDTI, que, se
aprovado, propiciava redução tributária. A equipe técnica do MCT comunicava à Receita
que tal empresa fazia jus a tal redução. A lei previa: dedução de até 8% do IR relativo
a dispêndios em atividades de P&D tecnológico, industrial e agropecuário; isenção
de IPI sobre equipamentos e assemelhados para P&D; depreciação acelerada para
equipamentos novos destinados a P&D; amortização acelerada, mediante dedução
como custo ou despesa operacional dos dispêndios para aquisição de intangíveis
para P&D; dedução como despesa operacional dos pagamentos de royalties para
empresas de tecnologia de ponta ou BK não seriados.
Mas... não pegou. Em grande parte porque o chamado “Pacote 51”, editado pelo
governo Fernando Henrique em 1997, em uma das vezes que o país quebrou (aqui a
questão era a crise na Ásia), sendo necessário reduzir isenções e aumentar tributos, as
isenções foram restritas, e outras isenções mais simples (alimentação do trabalhador,
por exemplo) já ocupavam o teto. Assim, em um levantamento feito pelos autores à
119
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
época, consultando o site do MCT, só 196 projetos entre 1993 e 2005… muito barulho
para pouco resultado. E esses projetos envolviam muito menos do que 196 empresas.
A lei continha uma visão que acabou derrotada na Lei do Bem, surgida no bojo da PITCE
(Lei nº 11.196, de 21/11/2005, regulamentada pelo Decreto nº 5.798, de 7/6/2006). A
Lei do PDTI exigia submissão prévia de projeto. O papel era analisado, o incentivo
concedido e... do ponto de vista do Estado, fim! Implantação do plano na empresa?
Efetividade? Ninguém sabe, ninguém viu. Mas havia a autorização, tudo era legal. A
Lei do Bem introduziu o conceito de isenção automática, sem autorização prévia, sem
submissão de projeto, da mesma forma que isenções são tratadas na declaração de
Imposto de Renda de Pessoa Física: declare e responsabilize-se pela veracidade, a
Receita fiscaliza. É verdade que alguns atos posteriores à edição da lei burocratizaram
um pouco o processo, mas o chamado “espírito da lei” é muito positivo.
Aliás, Fabio Erber, um dos articuladores da Lei nº 8.661/93 e que participou do grupo
executivo da PITCE, concordava com a forma da Lei do Bem. Considerava, com razão,
que no ambiente de 1993 não havia muitas escolhas possíveis e que o fundamental era
cravar uma cunha, introduzindo o incentivo à questão de tecnologia na empresa como
uma questão de Estado.
Mas houve mais: I Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia em 1985, para subsidiar
o recém-criado MCT, a II em 2001, incorporando Inovação no nome (II Conferência
Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação), da qual resultou o “Livro Branco” da CT&I,
com recomendações para os anos seguintes.
Além do Livro Branco, uma engenhosidade importante articulada pelo MCT à época
do segundo governo Fernando Henrique foram os fundos setoriais. O Fundo Nacional
para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) era a principal fonte de
financiamento à ciência, mas o FNDCT vinha perdendo valor ano após ano, resultado
das crises financeiras do Estado. Os fundos setoriais foram articulados conforme
as privatizações foram ocorrendo – daí sua origem setorial. Nas leis de privatização
estavam embutidas contribuições das empresas para os fundos. Era uma tentativa
de restabelecer os volumes de financiamento à ciência. Inovação era outro assunto,
que só pegaria com a PITCE e as Leis de Inovação e do Bem. De qualquer forma,
tentativa engenhosa em um governo hostil, em que a melhor política industrial é não
haver política.
120
O PROJETO DA ABDI
O projeto da ABDI está intimamente ligado à PITCE. A PITCE foi desenvolvida sob
coordenação política de um conjunto de ministros que aproveitaram o espaço da
Câmara de Política Econômica e o utilizaram durante um período de 2003 com o fim
precípuo de discutir as diretrizes de política
industrial (SALERNO, 2005). Foi criado um
Grupo Executivo, coordenado por indicados
pelos ministros do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior, da Fazenda e
pelo presidente do Ipea (que foi o principal
articulador político para reunir os ministros e
destacar a importância do tema) e composto
também por diretores do BNDES, Finep,
secretários de ministérios (incluindo Fazenda).
Era claro que, em um país com problema de
caixa, nada se faz sem a Fazenda. Buscava-
se a todo custo o envolvimento cotidiano
da Fazenda, do ministro ao Tesouro, dos
secretários à Receita Federal (que fez as
contas de renúncia fiscal com a Lei do Bem,
por exemplo).
121
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
A falta de coordenação prática era evidente; faltava uma estrutura para isso, uma
estrutura que aliasse coordenação política de alto nível (ministros) e coordenação
executiva (secretários e dirigentes de órgãos): a ABDI nasceu para tentar suprir essa
lacuna.
O diagnóstico que levou à criação da ABDI era hegemônico, senão consensual, entre
os envolvidos na construção da PITCE e mesmo entre muitos de fora do governo e
de participantes de outros governos, consultados à época. Há grande dificuldade
de coordenação entre os organismos do Estado, há necessidade de articular com
a sociedade – mais especificamente com o setor produtivo – e há um problema
generalizado de falta de quadros no Estado brasileiro. Particularmente, análises e
acompanhamentos mais detalhados sobre indústria e setores industriais são elaborados,
mas sob a ótica de cada órgão específico: o BNDES sob sua ótica, a Finep sob sua
ótica, etc.: as análises não se encontram, não são integradas, não há síntese que
convirja para elaboração de diagnósticos e planos de ação. Para além do diagnóstico
e da proposição de políticas e instrumentos, há um grande problema de governança.
Como o tema é transversal aos diversos ministérios e órgãos que são organizados
de maneira funcional (cada qual com uma função específica, definida por disciplina –
Indústria, C&T, Orçamento, Fazenda, etc.), não há instância decisória perene, não há
instância que articule ministros e altos dirigentes para a tomada de decisão. Tal instância
acontece durante a elaboração da PITCE, na Câmara de Política Econômica, mas foi
abandonada.
O projeto inicial da ABDI foi fermentado no mesmo núcleo que se articulava junto à então
Câmara de Política Econômica (CPE). A hegemonia inicial na CPE era do Ministério
da Fazenda – que elaborava a pauta, articulava as reuniões, ainda que formalmente
se dissesse que a condução era do ministro do Desenvolvimento. Com o passar do
tempo, e principalmente após a divulgação do documento de Diretrizes de Política
Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, o ministro do Desenvolvimento assumiu
protagonismo de fato.
122
4.1. ARTICULAÇÃO COM A SOCIEDADE
O CNDI, enquanto teve vida sistemática, foi um sucesso. O calendário era definido
anualmente, e as reuniões eram preparadas previamente (a ABDI fazia sua secretaria
executiva). Os ministros, empresários e sindicalistas participavam efetivamente. Para
aumentar o simbolismo, as reuniões eram realizadas no Salão Oval do Palácio do
Planalto e em muitas reuniões o próprio Presidente da República (Lula) compareceu. A
participação “pessoal” deu ótima dinâmica – ninguém queria ficar de fora, e as reuniões
tinham continuidade. No CNDI foram discutidos temas como Lei do Bem, Reporto,
plano de desenvolvimento regional associado à política industrial, plano de banda larga
e outros.
O CNDI servia também para articulação (e disputa) entre os ministros. Mas aqui já
estamos na articulação intragoverno (ou intraestado), igualmente importante.
123
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
Há uma ideia generalizada de que ministros se conversam. Não parece ser fato, não há
articulação e coordenação espontânea, ela precisa ser induzida. Foi assim com a CPE,
e o projeto é que seria assim com o Conselho da ABDI.
Deixemos claro: é legítimo que um ministro procure os quadros mais qualificados e todo o
apoio que puder amealhar para suas ações. Cabe às instituições pluriministeriais resistir
a tal tipo de investida. De qualquer forma, investidas desse tipo, quando recorrentes e
sistemáticas, mostram um problema de governança, mostram coordenação fraca.
124
Sem CNDI, com Conselho descaracterizado, podemos dizer de modo forte, exagerando
nos termos para dramatizar a situação, que a ABDI acabou capturada pelo MDIC6 e,
portanto, perdeu sua legitimidade como agente de coordenação. A questão não é a
ligação formal – o BNDES é ligado formalmente ao MDIC, mas atua para muito além do
MDIC (infraestrutura, por exemplo) –, é a ligação de fato e como ela é percebida pelos
agentes. Se a ABDI fosse efetivamente um órgão de coordenação, não haveria tantos
problemas de coordenação de política industrial, como as desonerações dos anos
recentes (2012-2013) mostraram.
DILEMAS DA ABDI
Em parte, é uma espécie de think tank específico para questões da indústria. Aumentou
seu quadro de analistas, de pessoal capacitado para rodar microdados das bases
nacionais, de pessoal que reflete sobre inúmeras questões. Importante. Há alguns
órgãos como esse no Estado, sendo o principal deles o Ipea.
6 Fato sintomático: em um evento em outubro de 2014 no qual um dos autores estava presente, um funcionário da ABDI, contratado nos
anos 2010, apresentou-se como “fulano de tal, da ABDI, ligada ao MDIC”.
125
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
Quarto, é meio de contato com o empresariado. A ABDI é uma porta para conversas,
uma porta habilitada, uma vez que seus quadros dirigentes, até o momento, têm sido
de alto nível – é um pouco estranho dois ex-diretores falarem disso, mas os demais
são quadros de alto nível. Em nossos contatos pós-ABDI, temos visto muitos líderes
empresariais se referirem à ABDI como um lócus de interlocução.
Qual o problema desses papéis? É que se acaba por não saber qual o papel da ABDI.
Ela vem perdendo mandato de coordenação, que seria o seu papel central – todos os
outros poderiam existir, desde que contribuíssem para a coordenação.
126
ajuda para uma política industrial articulada com tecnologia e inovação, que transforme
a estrutura produtiva do Brasil rumo à maior agregação de valor.
É possível reverter o quadro? Sim! Mas é preciso ter consciência dos problemas e
encaminhar soluções perenes. A primeira é reatar os espaços formais de conversa com
a sociedade – seja via CNDI ou assemelhado. A segunda é construir ou reconstruir os
instrumentos de coordenação dentro do Estado. A sobrevivência da relevância da ABDI
passa pela renegociação de seu mandato. Essa obra só um Presidente, ou um ministro
muito forte, hegemônico num governo (o que é raro), pode fazer.
REFERÊNCIAS
ARBIX, Glauco; SALERNO, Mario S.; DE NEGRI, João A. Inovação, via internacionalização,
faz bem para as exportações brasileiras. In: VELLOSO, João Paulo R. (Coord.). Economia
do conhecimento, crescimento e inclusão social. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.
p. 185-224. (ISBN 85-03-00833-5).
ARBIX, Glauco et al. Inovação: Estratégia de Sete Países. Brasília: ABDI, 2010 (Série
Cadernos da Indústria, v. XV).
127
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
SALERNO, Mario S. Inovação e trajetória recente da política industrial. Revista USP, São
Paulo, n. 93, p. 45-58, mar./abr./maio 2012.
128
129
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
130
Crise, Estagnação Secular e
“Destruição Criadora”:
a Trajetória Criadora e a
Política Industrial na
América Latina
Mario Cimoli
Gabriel Porcile
Fernando Sossdorf
131
131
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
INTRODUÇÃO
Quando ocorre uma crise financeira, como a que atingiu a economia global em 2008, os
aspectos sistêmicos da crise e a necessidade da intervenção pública são amplamente
reconhecidos. Mas os efeitos da crise sobre o setor real e a necessidade urgente de
políticas para a recuperação das capacidades, do capital humano e da produção não
provocam na sociedade uma forte resposta ou um consenso semelhante no que diz
respeito à necessidade da ação pública. Além disso, quando o setor real é abalado por
quaisquer choques maiores, particularmente os choques tecnológicos que redefinem
o cenário industrial, encontra-se a mesma indiferença – ou até mesmo hostilidade – por
parte dos decisores políticos e entre a maioria dos economistas, quanto à necessidade
da adoção de políticas efetivas para evitar a obsolescência e o desemprego das
capacidades acumuladas no setor real através de décadas de experiência e aprendizado
adquiridos na prática.
Duas razões podem explicar essa assimetria. Uma tem a ver com a velocidade. O
impacto de uma crise financeira é sentido imediatamente em vários setores. O colapso
na produção e no crédito é tão forte e visível que é quase impossível, mesmo para
o mais conservador dos governos, permanecer indiferente, apenas aguardando
que os mercados resolvam o problema. De modo inverso, os impactos de um novo
paradigma tecnológico ou uma queda prolongada nos investimentos em P&D são
sentidos lentamente. Pode demorar décadas para as consequências de ficar para trás
em produtividade e capacidades tecnológicas mostrarem o seu impacto total sobre
o emprego, o crescimento e a competitividade. Assim, para os decisores políticos
parece não haver nem motivo nem urgência em responder a uma crise no lado real
com a mesma energia com que respondem a uma crise bancária. Se empresas têm
de deixar o mercado, que seja (outros setores ou empresas surgirão). Mas essa lógica
está equivocada: pode acontecer que novas empresas sejam criadas em setores nos
quais o crescimento real ou potencial da produtividade seja menor do que antes; ou
que, afinal, não sejam criadas novas empresas e a economia apenas se acomode com
uma taxa e desemprego de longo prazo mais elevada.
132
demonstrado é que os mercados perfeitos definitivamente não existem. Em tempos
bons, a ideia de que os mercados são eficientes se mantém tanto para os mercados
de bens quanto para os mercados financeiros; mas, nos maus momentos, a pressão
dos banqueiros e o colapso da produção obrigam os decisores políticos a agirem
rapidamente para salvar o sistema financeiro e, então, as duas palavras são separadas:
a produção e as capacidades desaparecem, os bancos são salvos.
Este trabalho argumenta que a dimensão sistêmica é tão importante no setor real
quanto no setor financeiro; que a crise e os choques que fazem a economia ficar para
trás em capacidades tecnológicas, produtividade e investimento têm um efeito que se
estende por períodos muito longos, muito além do curto prazo; que a política industrial
é mais necessária do que nunca em tempos de crise e em época de mudança de
paradigmas tecnológicos; e que o atraso da América Latina em adotar uma política
industrial e tecnológica efetiva compromete a sua posição futura no sistema econômico.
Nos últimos anos tem havido uma tímida defesa da política industrial pelas mesmas
instituições que em outros tempos a condenaram como uma heresia. Mas é muito
pouco e muito tarde. Está mais do que na hora de abandonar preconceitos ideológicos
e se concentrar na criação dos patrimônios industriais do futuro.
O impacto dos ciclos econômicos e das crises financeiras na economia real é geralmente
analisado em termos de seus efeitos sobre variáveis agregadas: produto, emprego e
demanda. Esses são os efeitos mais visíveis da crise financeira, tanto a curto quanto
a médio prazo. Além disso, a partir de um ponto de vista global, a desaceleração da
atividade econômica nos países desenvolvidos afeta negativamente o investimento, a
produção, a renda e o emprego nos países em desenvolvimento. No entanto, o impacto
da crise sobre a economia real não é neutro no que diz respeito às características da
estrutura microeconômica e ao comportamento das empresas. Por trás da trajetória das
133
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
variáveis agregadas, aspectos “invisíveis”, mas cruciais, que explicam essas trajetórias
estão relacionados com alterações nas capacidades humanas, nas capacidades
tecnológicas e na flexibilidade da estrutura de produção1.
Enquanto uma crise tem fortes efeitos sobre a estrutura de produção, é também
verdade que esta última define como a economia reage à crise. As análises de negócios
mostram, por exemplo, que empresas relacionadas com alta tecnologia e TI podem
sofrer pesadas perdas nos valores de suas ações a curto prazo, mas que também
se recuperaram mais rapidamente2, 3. Em geral, uma economia diversificada, com um
conjunto maior de capacidades instaladas, pode responder melhor e mais rapidamente
à crise.
1 A falta de atenção para com as ligações do setor real-financeiro é confirmada em uma avaliação do Banco Central Europeu feita por Ken-
ny e Morgan (2011) de por que a teoria econômica não conseguiu prever a crise. O relatório enfatiza que é urgente “ampliar as ferramentas
existentes e/ou desenvolver novas ferramentas para explicar importantes mecanismos de feedback, por exemplo ligações reais-financeiras
melhoradas e dinâmica não linear”.
2 www.dailyfinance.com/19/07/2010/some-big-name-tech-stocks-look-temptingly-cheap.
3 A Nasdaq, concentrada em tecnologia, caiu em setembro de 2008. Um ano depois, atingiu o mesmo nível pré-crise.
134
mais estável (CHANG, 2001; CIMOLI et al., 2010; CEPAL, 2007, 2012; LALL, 1997;
RODRIK, 2008).
Estimativas
(1) (2)
Variável dependente: crescimento do PIB per capita
-0,40 -0,41
PIB inicial
(0,10)*** (0,10)***
0,020 0,017
Educação
(0,086)** (0,086)**
0,19 0,18
Investimento
(0,023)*** (0,023)***
0,82 0,90
Crescimento do PIB Mundial
(0,090)*** (0,10)***
0,002
Abertura .
(0,002)
-0,18
Estrutura* Crescimento do PIB Mundial .
(0,009)*
-1,77 -1,55
Constante
(1,05)* (1,05)
Obs. 288 288
Número de países 36 36
Períodos de tempo 8 8
Wald chi2 (6) 187,1 198,1
Prob > chi2 0,000 0,000
Fonte: Banco Mundial; COMTRADE; Banco de Dados Barro-Lee; USTPO.
135
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
Esta variável funciona através de muitos canais diferentes. Um canal crucial é a ligação
entre a estrutura de produção e o crescimento da produtividade. Ambos estão interligados,
pois a mudança no mix de produtos para setores de alta intensidade de conhecimento
reforça a aprendizagem e consequentemente o crescimento da produtividade, que por
sua vez aumenta a diversificação. A ligação entre mudança estrutural e crescimento
da produtividade pode ser observada no Gráfico 1, que representa a coevolução da
produtividade relativa e da intensidade de conhecimento da estrutura de produção. O
gráfico mostra no eixo x a produtividade relativa da Argentina, Brasil, México e Coreia
do Sul, em comparação com uma economia de referência na fronteira tecnológica,
nomeadamente os EUA; e no eixo y mostra a intensidade de conhecimento da estrutura
de produção, medida pelo Índice de Participação Relativa (IRPi), a proporção entre a
porcentagem de indústrias de engenharia no total de valor agregado fabricado no país i
(Argentina, Brasil, México e Coreia do Sul) e a mesma variável nos EUA. A Coreia do Sul
moveu-se para cima, enquanto a Argentina mostrou um processo regressivo, tanto em
mudança estrutural quanto em produtividade relativa. Por outro lado, o México e o Brasil
mostraram um processo regressivo da produtividade relativa e uma melhoria marginal na
variável IRP. Embora o gráfico não tenha a intenção de mostrar causalidade, ele aponta
claramente para uma associação sistemática entre mudança estrutural e produtividade
relativa, que subentende o melhor desempenho de estruturas complexas no comércio
internacional (REINERT, 1995; SAVIOTTI; FRENKEN, 2008). Liderança e atraso em
tecnologia sustentam a transformação da estrutura de produção (STIGLITZ, 2014).
136
Gráfico 1 - A coevolução da produtividade relativa e da mudança estrutural:
Argentina, Brasil, México e Coreia do Sul, 1970-2008
Uma ideia semelhante, vista do ponto de vista da competitividade internacional, pode ser
observada no Gráfico 2: no eixo y, há um indicador de competitividade (a participação
das exportações do país nas exportações mundiais); no eixo x, há um indicador da
complexidade da estrutura econômica (participação das exportações de alta tecnologia
no total das exportações). As trajetórias de desenvolvimento da Ásia e da América
Latina entre 1970 e 2011 são comparadas. A Ásia em desenvolvimento transformou
seu padrão de especialização de maneira constante, com fortes implicações para o
crescimento das exportações e o crescimento da demanda efetiva. O processo de
transformação foi muito mais fraco na América Latina, e isso refletiu-se na incapacidade
da região de obter uma parcela maior do mercado mundial.
137
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
138
1999; CIMOLI; PORCILE, 2009; CIMOLI et al., 2012). Embora a readaptação englobe
todo o aparelho de produção, o seu impacto tem um componente setorial forte. As
empresas que estão próximas da fronteira tecnológica (e que geralmente estão
localizadas nas economias desenvolvidas) terão de redefinir os planos e atividades de
investimento. Algumas delas eliminarão linhas de produtos e reduzirão investimentos
em projetos novos e arriscados, mas manterão seus investimentos nas atividades
essenciais. Outras empresas podem aumentar os investimentos em P&D com base
em exercícios de prospecção tecnológica, indicando que certas tecnologias garantirão
uma posição de liderança no cenário pós-crise. Essas empresas levarão a destruição
criadora para um novo mix de produção. De maneira inversa, no caso das economias
periféricas – que estão nos estágios iniciais de criação de capacidades tecnológicas
e de produção endógenas –, pressões competitivas de curto prazo reduzirão os
investimentos em P&D e em inovações arriscadas e incertas. Isso, por sua vez,
enfraquece a base tecnológica que poderia ajudar essas empresas a se beneficiar
do cenário pós-crise. Surge uma espécie de processo de aprisionamento (ARTHUR,
1989; SETTERFIELD, 2009): os países que mais precisam investir em capacidades
tecnológicas são precisamente aqueles que reduzem o investimento como resultado
de pressões de curto prazo. Eles vão se concentrar em aprofundar o seu padrão de
especialização atual, ao invés de se concentrar na recuperação do atraso tecnológico
e na diversificação. Uma resposta de tão curto prazo, e principalmente míope, reforçaria
o atraso e a posição marginal dos países em desenvolvimento na economia global
(BELL, 2006; CIMOLI et al., 2009; 2012; KATZ, 1997).
139
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
O período do boom que atingiu as commodities não contribuiu para melhorar a mudança
estrutural dos setores de alta intensidade de conhecimento na América Latina. Pelo
contrário, tornar mais rentável o investimento em recursos naturais reforçou o caminho de
crescimento anterior, menos dinâmico, seguido pela região. Macropreços – valorização
das moedas locais decorrente de preços internacionais mais elevados para os recursos
naturais e/ou o aumento constante de entradas de capital – desempenharam um papel
crucial na redefinição dos incentivos contra a diversificação (BRESSER-PEREIRA, 2008;
FRENKEL; ROSS, 2006; FRENKEL; RAPETTI, 2011; MCMILLAN; RODRIK, 2011; RAZMI
et al., 2009). Embora o desempenho nesse aspecto tenha variado amplamente na
América Latina, em geral, os incentivos não favoreceram o investimento em alcance.
140
recuperou-se mais rapidamente do que o mundo desenvolvido, empurrada pela
persistência dos preços altos das commodities e da demanda chinesa.
Fonte: CEPALSTAT.
4 O conceito de competitividade envolve capacidades ao nível da empresa (micro), mas também complementaridades de produção,
macropreços e as instituições de aprendizagem em cada país, em níveis meso e macroeconômicos.
141
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
142
Gráfico 3 - Balança comercial por intensidade
tecnológica (Milhares de dólares atuais)
Argentina
Brasil
143
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
México
Fonte: COMTRADE.
144
e o reforço de “velhos” padrões de especialização implicam não apenas deixar de
acompanhar, mas também ser deixado para trás.
145
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
5 Análises clássicas de histerese no caso da taxa de câmbio real e exportações são a de Baldwin (1988) e Baldwin e Krugman (1989).
146
contribuição em agregar produtividade não seria a mesma). E, quando as taxas de
câmbio reais mais elevadas ou o aumento dos preços tornasse a produção industrial
potencialmente rentável novamente, esses engenheiros não estariam mais disponíveis
para o setor. Eles teriam de ser treinados ou retreinados, o que é caro e demorado.
A readaptação implica menos competitividade e menos produção industrial por
algum tempo. Na ausência de políticas, o novo equilíbrio será alcançado com menos
diversificação do que antes do choque.
O efeito Rainha Vermelha pode ser visto no Gráfico 4. A América Latina sofreu dois
grandes choques negativos na evolução da produtividade industrial relativa, na década
de 1980 (durante a “década perdida”) e na década de 1990. Enquanto a primeira
queda estava relacionada com a crise da dívida e o colapso dos níveis de investimento
na região, o segundo choque estava relacionado à aceleração do movimento da
fronteira tecnológica (produtividade dos EUA), que não foi acompanhada pela América
Latina. A região não conseguiu manter o ritmo do líder tecnológico e ficou para trás: a
produtividade do trabalho na América Latina foi, em 2006, metade do valor observado
em 1970.
Em suma, o risco sistêmico de uma crise poderia ser ainda mais forte na economia real
do que no setor financeiro. A permanência das capacidades e tecnologias caracteriza
a economia real. Como resultado, os choques de curto prazo podem provocar mais do
147
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
148
[...] os itens do orçamento do operário, digamos de 1760 a 1940, não
cresceram de maneira simples ao longo de linhas invariáveis, mas sofreram
também um processo de transformação qualitativa. Similarmente, a história
da aparelhagem produtiva de uma fazenda típica, desde os primórdios da
racionalização da rotação das colheitas, da lavra e da engorda do gado
até a agricultura mecanizada dos nossos dias – juntamente com os silos e
as estradas de ferro – é uma história de revoluções. Assim é a história do
aparelho produtivo da indústria de ferro e aço, desde o forno de carvão
vegetal até os tipos que hoje conhecemos, ou a história do aparelho de
produção da eletricidade, da roda acionada pela água à instalação moderna,
ou a história dos meios de transporte, que se estende da antiga carruagem
ao avião. A abertura de novos mercados, estrangeiros ou domésticos, e o
desenvolvimento organizacional da oficina artesanal a conglomerados como
a U.S. Steel ilustram o mesmo processo de mutação industrial – se é que
podemos usar esse termo biológico – que incessantemente revoluciona a
estrutura econômica a partir de dentro, incessantemente destruindo a antiga,
incessantemente criando uma nova. Esse processo de Destruição Criadora é
o fato essencial acerca do capitalismo. É nisso que consiste o capitalismo, e é
aí que têm que viver todas as empresas capitalistas.
149
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
O Gráfico 5 mostra o número de patentes por milhão de habitantes solicitadas aos três
principais escritórios de patentes mundiais (o europeu, o japonês e o norte-americano)
para cada país ou grupo de países. O gráfico retrata o que poderia ser chamado de
uma curva do conhecimento, refletindo a capacidade de cada país de gerar inovações
na fronteira tecnológica. O gráfico destaca a importância das capacidades existentes
150
nas principais inovações tecnológicas: os países que movem a fronteira tecnológica
internacional são aqueles que já têm estruturas econômicas complexas e diversificadas.
151
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
Também pode ser observado que a posse do conhecimento em nível global ainda
está nas mãos dos antigos jogadores: os EUA, o Japão e a Europa continental. Muitos
economistas argumentam – de um ponto de vista predominante – que a economia
dos EUA ajusta-se facilmente a choques devido à sua “flexibilidade” em termos de
salários e concorrência. Este trabalho adota um ponto de vista diferente. A capacidade
de os EUA responderem a choques e crises está enraizada na “permanência” das suas
capacidades tecnológicas acumuladas e no seu domínio de tecnologias essenciais.
Da mesma forma, as economias emergentes da Ásia têm sistematicamente encorajado
as mudanças estruturais, a acumulação de capacidades de produção em setores de
alta tecnologia e o aumento exponencial de patentes nos últimos dez anos. Elas tiveram
êxito em acumular capacidades e a “propriedade” de conhecimentos relevantes; elas
já se encontram em uma posição melhor do que a América Latina para lucrar com a
revolução tecnológica e o processo de “destruição criadora”.
152
A questão é se a linha entre Estados e mercados seria traçada no lugar certo, a fim de
acelerar o fechamento do hiato tecnológico (e produtivo). Como sugerido por Stiglitz
(2005), parece que há um novo modelo econômico hoje em dia fundamentado em
“uma parceria público-privada, em que o setor privado fica com os ganhos e o setor
público fica com as perdas”, particularmente no setor financeiro. Claramente, a linha
ainda não foi traçada no lugar certo.
Levar adiante uma política industrial proativa na região requer uma clara ruptura
com preconceitos ideológicos arraigados entre os decisores políticos. Há alguns
anos apenas, a maioria dos economistas argumentava que o setor industrial estava
ultrapassado, que a fabricação era igual a qualquer outra atividade econômica e que
os mercados eram os mecanismos mais eficientes para a alocação de recursos em
economias abertas (ver Tabela 3). Outras opiniões que menosprezavam a relevância da
indústria frisavam a importância crescente do setor de serviços: o seu status como novo
lugar da inovação e sua crescente participação no comércio internacional. Juntamente
com os serviços, os recursos naturais foram considerados a base para a futura inovação
e o crescimento na América Latina, considerando-se que a China era insuperável e,
portanto, tendia a se tornar o único produtor mundial (a fábrica do mundo) de bens
manufaturados no futuro. Seguindo esse ponto de vista, muitos países desmantelaram
suas instituições e instrumentos de política industrial. Argumentou-se que as cadeias
de valor globais, o livre comércio e a especialização eram substitutos para a política
153
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
industrial. Na verdade, anunciou-se que nenhuma política industrial era a melhor política
industrial. Os mercados (incluindo os mercados financeiros) eram agentes eficientes
e econômicos capazes de autorregulação, de tal forma que os choques e distúrbios
seriam automaticamente corrigidos.
154
O que nos disseram O que as evidências indicam
Os países não são empresas e podem perder
suas capacidades industriais (patrimônios
industriais).
Crescentes evidências dos EUA e do Reino Unido apoiam a ideia de que as tendências
estão mudando. O Fórum para a Inovação da Cadeia de Suprimentos do MIT (2012),
por exemplo, informou que 33% das empresas com produção no exterior estavam
considerando voltar para os EUA, enquanto 15% já haviam tomado essa decisão. O
155
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
156
de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA) e o Projeto Genoma Humano
são exemplos desses grandes esforços públicos voltados para a abertura de novas
rotas tecnológicas (e novas frentes de investimento). O segundo é investir em capital
humano especializado, com foco em diplomados em ciências e sistemas de formação
profissional (competências técnicas). O novo conceito é semelhante a uma estratégia
de política industrial vertical, embora seja apresentada de uma maneira diferente, como
“destinada a desenvolver certas habilidades na indústria”. Tal abordagem da política
industrial não implica uma dicotomia entre o mercado e os estados: embora os EUA
tenham uma economia fortemente orientada para o mercado, ao longo de sua história,
o governo desempenhou um papel central no apoio à inovação tecnológica.
157
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
Nesse sentido, a ideia convencional (ver Tabela 3) de que encorajar atividades intensivas
em conhecimento levaria ao desemprego deve ser refutada. Atividades intensivas em
conhecimento são fundamentais para tornar compatíveis o crescimento da produtividade
e o crescimento do emprego. A maioria dos empregos criados na América Latina nos
últimos anos está relacionada com atividades de baixa produtividade no setor de
158
serviços. Isso é em grande medida o que explica por que o crescimento da produtividade
tem sido tão deplorável na região. Os novos postos de trabalho criados frequentemente
têm um nível de produtividade que é ainda mais baixo do que o dos empregos que
foram perdidos. Para fazer com que o crescimento do emprego e o crescimento da
produtividade sejam compatíveis, a criação de empregos deve ser impulsionada pela
aprendizagem e pela crescente complexidade da estrutura. Racionalizar os antigos
setores leva a produzir mais com menos trabalhadores, enquanto remodelar a estrutura
de produção e criar novos setores aumenta o emprego e a produtividade, ao mesmo
tempo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esses países entendem que a posição que ocuparão no futuro no sistema internacional
depende de políticas hoje. Eles estão cientes das micro e macrointerações de curto
e longo prazo que definem as parcelas de mercado e a liderança tecnológica. O
159
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
desafio para a região é aprender com essas experiências de sucesso e promover uma
mudança estrutural.
O boom experimentado pelas commodities tinha (e ainda tem) dois efeitos diferentes
nesse sentido. Um deles é positivo e está relacionado com a flexibilização das
restrições externas, dando impulso ao crescimento. Ele possibilitou que os governos
incentivassem a distribuição de renda por meio da expansão de políticas e programas
sociais extremamente necessários para o alívio da pobreza. Por outro lado, o conjunto
de incentivos gerados pelos termos comerciais e pelo aumento dos fluxos de capital
comprometeu a diversificação de setores intensivos em conhecimento. As exportações
voltaram a se concentrar em bens primários ou bens intensivos em trabalho, colocando
a economia em um caminho lento de crescimento da produtividade.
As melhorias no emprego e nas políticas sociais contribuíram para criar o que tem
sido rotulado de “a nova classe média”, especialmente em países como o Brasil,
onde a informalidade e a pobreza eram extremas. Mas essa classe média é altamente
vulnerável a choques; pode rapidamente cair abaixo da linha de pobreza novamente.
Para tornar a transformação social e a distribuição de renda sustentáveis é necessária a
adoção de políticas que visem à difusão de tecnologia e ao aumento da produtividade.
Isso deve ser feito por duas razões.
160
refletem essa tensão entre os lados político e econômico dos esforços para reduzir a
desigualdade.
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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
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As Múltiplas Oportunidades de
Desenvolvimento e o
Futuro da Indústria Brasileira
Luciano G. Coutinho
David Kupfer
167
167
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
1. INTRODUÇÃO
168
capital (vide o significativo aumento de sua participação sobre o PIB, subindo de 15,3%
em 2003 para 19,1% em 2008, de acordo com o IBGE/Contas Nacionais).
Este texto pretende exatamente mostrar que, a despeito das inegáveis dificuldades
atuais, a indústria brasileira está diante de um número não desprezível de oportunidades
que, se bem exploradas, poderão relançá-la a um patamar mais elevado em um futuro
não muito distante. Com esse objetivo, este texto foi dividido em quatro seções além da
presente introdução. A próxima seção busca contextualizar os fatores que determinaram
a reversão do quadro competitivo da indústria nacional. A seção seguinte dedica-se à
apresentação das principais diretrizes que devem orientar as políticas públicas, visando
a favorecer um firme processo de reestruturação competitiva industrial. Na quarta seção
o foco volta-se para aquilo que é a principal motivação do capítulo, que é a apresentação
das múltiplas fronteiras de crescimento que se encontram ao alcance das empresas
169
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
Dentre esses outros fatores, um dos mais decisivos foi o aumento continuado da
carga tributária, que vem ocorrendo desde os anos 1990. A tributação sobre bens e
serviços, que representou em 2013 aproximadamente a metade da carga tributária da
ordem de 35% do PIB, é vista como um dos principais obstáculos à competitividade da
economia brasileira. Talvez pior do que o incremento da carga macro seja a incidência
desproporcional desse aumento sobre a indústria e especialmente as cadeias
produtivas mais longas, bem como a piora da qualidade do sistema tributário, expressa
na crescente complexidade e burocratização dos procedimentos arrecadatórios. A
indústria, como é sabido, arca com uma carga fiscal relativamente maior do que a sua
participação no PIB. Além disso, é penalizada por incidências cumulativas de alguns
impostos (não desoneráveis na sistemática atual), o que prejudica a competitividade
das exportações e o custo do investimento.
170
o favorecimento da importação de produtos que poderiam ser fabricados no mercado
nacional.
171
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
172
preocupação com a defesa do mercado interno, mesmo que legitimada pela assimetria
da relação cambial entre o Brasil e muitos dos seus principais competidores, foi
gradativamente distorcendo a imposição tarifária, levando a uma estrutura de proteção
efetiva desbalanceada, que veio perdendo racionalidade ao longo dos anos.
173
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
de longo prazo de base doméstica, por sua vez, é condição para que o avanço do
investimento não dependa crescentemente da poupança externa (aumento do déficit
em conta-corrente), cujos fluxos podem ser interrompidos por questões exógenas.
É inescapável buscar por vários meios uma firme e sustentada trajetória de reduções
de custos de produção e de insumos como forma de melhoria da competitividade
industrial. O aumento sustentado e de longo prazo da produtividade requer políticas
sistêmicas, mesoeconômicas e microeconômicas. Destaque-se, neste sentido, o
amplo programa de investimento em infraestrutura – do qual faz parte o programa de
concessões em logística – e também os importantes programas educacionais, para
elevar a qualidade da educação de base, para ampliar a formação profissional de nível
intermediário (Pronatec) e para acelerar a formação de especialistas em engenharia,
ciências exatas e naturais.
Conforme sublinhado, uma forte orientação pró-exportação deve ser uma diretriz-chave
da política industrial para os próximos anos. Esse é o melhor antídoto para contornar
o déficit comercial originado pelas manufaturas e reverter o atual quadro de retração
industrial. Cabe observar que a pertinência de ampliar as exportações de manufaturados
transcende o objetivo de reequilibrar a conta-corrente. É claro que déficits nas transações
correntes da ordem de 4% do PIB acendem um sinal amarelo em relação a sua
sustentabilidade macroeconômica, mesmo que se tenha em conta o grande volume
de reservas acumulado pelo país. Mas o vazamento anual para o exterior de valores
da ordem de US$70 bilhões a título de déficit comercial de manufaturados significou
nos últimos anos uma perda de PIB que pode ter chegado a dois pontos percentuais
ao ano em média. Recuperar esses mercados terá obviamente importante impacto no
174
incremento da taxa de crescimento do PIB, devolvendo à economia o círculo virtuoso
de crescimento e investimento.
Também integra essa agenda a completa desoneração tributária das exportações por
meio do aumento da eficiência do sistema de ressarcimento dos créditos tributários. A
realização de reformas parciais, como as recentemente implementadas, embora venha
cumprindo o papel de atenuar o ônus fiscal sobre importantes atividades na promoção
do dinamismo econômico, terminou agregando mais complexidade ao sistema, uma
vez que criou uma série de exceções à regra. Desonerar inteiramente o investimento
e a exportação, conferir mais agilidade e menos burocracia aos procedimentos
arrecadatórios, recuperar a capacidade de instrumentos fiscais de incentivo como o
draw-back verde-e-amarelo ou o fomento à inovação devem ser as linhas-mestras da
reforma tributária almejada.
Por fim, é necessário reposicionar de modo inteligente a indústria brasileira nas cadeias
produtivas globais. A integração de setores brasileiros nos esquemas de “fragmentação
produtiva”, que hoje dão a tônica das interações produtivas, deve ser construída com
o firme propósito de aumentar os espaços para a colocação de produtos brasileiros no
175
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
exterior. Isso significa que a busca de integração com as cadeias globais não deve ser
um objetivo em si mesmo, pois de nada valerá uma participação mais ativa do Brasil
apenas pelo lado da importação de mercadorias. Hoje, a indústria brasileira apresenta
pequena agregação de valor internacional, mas isso é consequência da especialização
em insumos básicos naturalmente integrados e dominados por significativas economias
de escala. Não há dúvida de que um padrão de inserção mais extrovertido poderá ser
pactuado no caso das cadeias manufatureiras mais longas (e.g. automotiva, TICs, bens
de capital), se as subsidiárias das multinacionais e as empresas-líderes brasileiras forem
adequadamente apoiadas em seus esforços de modernização e internacionalização
produtiva.
Alguns poderão alegar que as atuais condições da economia mundial não são as mais
propícias para um ajuste exportador de grande fôlego: o quadro geral ainda é de lenta
recuperação nas economias avançadas, os preços estão com tendência baixista e há
excesso generalizado de capacidade produtiva. Mas é por isso mesmo que o esforço
de reposicionamento estratégico da indústria brasileira precisa ser feito agora, pois
o que está em jogo é a sua sustentabilidade de longo prazo. Múltiplas fronteiras de
crescimento existem e a elas é dedicada a próxima seção.
176
nos planos da inovação e da educação elevarão competências, habilitando o país a
crescer também a partir de impulso tecnológico endógeno.
177
Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas
quanto pelo demand pull dado pela nova geopolítica comandada pela problemática
da segurança alimentar e da exploração do potencial dos biocombustíveis. A pesquisa
e desenvolvimento agrícolas têm condições para acelerar seu dinamismo inovativo
e, como consequência, propiciar avanços nas respectivas cadeias supridoras de
equipamentos, insumos primários, fertilizantes, genética (sementes, embriões, etc.)
e um amplo leque de serviços de alta sofisticação. Na medida em que tenha lugar
o desenvolvimento de uma infraestrutura logística que proporcione armazenamento e
escoamento eficientes da produção, o agronegócio poderá revelar o enorme potencial
de geração de riqueza.
O Brasil possui cerca de 20GW (representa cerca de 15% da matriz elétrica) de potencial
de geração de energia de biomassa que poderia ser implementado em curto espaço de
tempo. Em 2014, com a inauguração da primeira fábrica em escala industrial do Brasil,
construída pelo Grupo GranBio, o etanol celulósico ultrapassou uma etapa decisiva em
sua trajetória, até então limitada a projetos em escala laboratorial ou piloto. Destaque-se
que a evolução da tecnologia de bioetanol por hidrólise da celulose pode reduzir os
custos de produção, superando uma das principais limitações do uso de biomassa,
que é o fato de constituir uma fonte mais cara do que as demais energias renováveis.
178
do que ocorre com a energia eólica, o país ainda não dispõe de cadeia produtiva
estruturada. É necessário concentrar esforços, visando a atrair grandes fabricantes
internacionais para o país para que se dê início a uma estratégia de nacionalização
progressiva dessa indústria de modo a materializar os enormes impactos que a
exploração desse potencial pode trazer.
Mesmo em setores nos quais o Brasil ainda se encontra distante da fronteira científica
e tecnológica internacional, há possibilidades concretas de avanços substanciais.
É o caso do complexo industrial da saúde, em que o domínio do conhecimento já
alcançado em importantes aplicações da biotecnologia nas áreas de fármacos, vacinas
e hemoderivados, por exemplo, tem motivado projetos industriais de grande relevância.
Para esses setores, os principais desafios são acelerar a convergência para o estado
da arte na biotecnologia moderna, incluindo cultura de células, engenharia genética,
terapia celular e células-tronco. A integração de aplicações de tecnologia de informação
à saúde também é uma tendência forte a ser buscada. A certeza de que esses desafios
podem ser alcançados decorre do fato de que as empresas do complexo industrial
da saúde possuem hoje porte e elevada geração de caixa no mercado brasileiro e
vêm revelando crescente disposição para aumentar os gastos locais em pesquisa e
desenvolvimento. A consolidação dessa estrutura produtiva fortalece a convicção de
que as inúmeras oportunidades proporcionadas pela exploração da biodiversidade
brasileira poderão ser identificadas e trabalhadas, levando a uma maior diferenciação
dos produtos e maior competitividade internacional.
Importante é que há muito espaço para avançar. Dentre outras iniciativas, o arcabouço
legal (Lei da Informática e Política de Compras Públicas) que vem sendo construído
gradualmente ao longo das últimas décadas deve permanecer em contínuo
aperfeiçoamento. O aumento do conteúdo nacional dos produtos, em um contexto de
179
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180
exportadoras e de internacionalização por meio de políticas estruturantes e de esforços
significativos de inovação em produtos e processos.
5. PERSPECTIVAS E CONCLUSÕES
Este texto não quer transmitir uma visão fácil e rósea para o futuro da indústria brasileira.
São muitos os obstáculos que se interpõem ao processo de desenvolvimento das
nações, em tempos de crise e de acirramento da concorrência, inclusive pelo caminho
da prática ativa de políticas de fomento da inovação e da competitividade por parte
de economias poderosas. O que se deve esperar é a aceleração competitiva das
transformações na organização da produção industrial mundo afora, com a crescente
efetivação de novos paradigmas centrados na inovação de produtos e processos e em
novas divisões do trabalho em cadeias produtivas globais. Esses processos obrigam-
nos a repensar e a igualmente redesenhar a nossa matriz industrial e a sua inserção
internacional.
O objetivo aqui não deve ser somente sobreviver a essas mudanças, mas principalmente
reinventar-se para extrair o máximo proveito das oportunidades descortinadas por essas
novas rodadas da divisão internacional da produção. Sem o apoio de uma política
industrial e tecnológica com viés exportador muito proficiente, dificilmente o Brasil – ou
qualquer outra nação – conseguirá se aproximar desse objetivo.
E por que é importante pontuar a importância das ações de política industrial e tecnológica?
Porque já é possível antever os profundos movimentos de reposicionamento competitivo
que vêm sendo perseguidos pelas principais potências industriais do planeta.
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Autores
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Carlos Antônio Brandão
David Kupfer
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Evando Mirra
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Fernando Sossdorf
Gabriel Porcile
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Glauco Arbix
Jackson De Toni
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João Alberto De Negri
Luciano Coutinho
191
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Mario Cimoli
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