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Funções de Bessel

A equação de Bessel:

x2 y 00 + xy 0 + (x2 − v 2 )y = 0, v ≥ 0. (1)
ocorre frequentemente em estudos avançados de matemática aplicada, física
e engenharia. x=0 é um ponto singular da equação de Bessel. Se escrevemos a
equação de Bessel na forma canonica y 00 + P (x)y 0 + Q(x) = 0, temos que:

1 0 (x2 − v 2 )
y 00 +y + y = 0. (2)
x x2
x=0 é um ponto singular porque P(x) e Q(x) não podem ser desenvolvidas em
séries de potências
P∞ centradas em x=0. Para encontrar uma solução, assumimos
que y = n=0 cn xn+r , onde o fator r vem do teorema de Frobenius, que diz
que, se x = x0 for um ponto singular da equação y 00 + P (x)y 0 + Q(x)y = 0, então
existe pelo menos uma solução em série na forma:

X X∞
y = (x − x0 )r cn (x − x0 )n = cn (x − x0 )n+r ,
n=0 n=0
em que o número r é uma constante a ser determinada. A série convergirá
pelo menos em algum intervalo 0 < x − x0 < R. Segue que:
00
x2 y P + xy 0 + (x2 − v 2 )y = 0
∞ P∞
P∞⇒ n=0 cn (n + r)(n + r − 1)xn+r−2 · x2 + n=0 cn (n + r)xn+r−1 · x +

cn xn+r · x2 − v 2 n=0 cn xn+r =P
P
n=0 P 0,
∞ n+r ∞ n+r
P∞
⇒ c
n=0 n (n + r)(n + r − 1)x + n=0 cn (n + r)x + n=0 cn xn+r+2 −

v 2 n=0 cn xn+r = 0,
P
P∞
⇒ c0 (r2 − r + r − v 2 )xr + xr n=1 cn [(n + r)(n + r − 1) + (n + r) − v 2 ]xn +

xr n=0 cn xn+2 = 0,
P


X ∞
X
c0 (r2 − v 2 )xr + xr cn [(n + r)2 − v 2 ]xn + xr cn xn+2 = 0. (3)
n=1 n=0

Igualando os termos que multiplicam potências de x para 0, temos que r2 −


2
v = 0 ⇒P r1 = v, r2 = −v. Se r1 = vP:
∞ ∞
⇒ xv n=1 cn n(n +P 2v)xn + xv n=0 cn xn+2 = 0,
∞ P∞
⇒ x [(1 + 2v)c1 x + n=2 cn n(n + 2v)xn + n=0 cn xn+2 ] = 0.
v

Trocando o indice do primeiro somatorio para k=n-2 e do segundo para k=n,


temos que: P∞
⇒ xv {(1 + 2v)c1 x + k=0 [(k + 2)(k + 2 + 2v)ck+2 + ck ]xk+2 } = 0.
Logo, igualando a zero as mesmas potência de x, temos:
(1 + 2v)c1 = 0,

1
(k + 2)(k + 2 + 2v)ck+2 + ck = 0, ou:
ck
ck+2 = ; k = 0, 1, 2, ... (4)
(k + 2)(k + 2 + 2v)
A escolha c1 = 0 em (4) implica c3 = c5 = c7 = ... = 0. Daí, para k=0,2,4,...,
encontramos, após fazer k+2=2n, n=1,2,3,..., que:
c2n−2
c2n = − 2n(2n+2v) = − 22cn(n+v)
2n−2
. Logo:
c0
c2 = − 22 ·1·(1+v) ,
c2 c0
c4 = − 22 ·2·(2+v) = 24 ·1·2·(1+v)(2+v) ,
c4 c0
c6 = − 22 3(3+v) = − 26 ·1·2·3(1+v)(2+v)(3+v) , e, em geral:

(−1)n c0
c2n = . (5)
22n n!(1 + v)(2 + v)...(n + v)
È uma prática padrão escolher para c0 um valor específico a partir da nor-
malização da função:
1
c0 = 2v Γ(1+v) , onde Γ(1 + v) é a função Gama:
ˆ ∞
Γ(x) = tx−1 e−t dt, x > 0. (6)
0

Uma importante propriedade da função Gama é que Γ(x + 1) = xΓ(x). Esta


propriedade pode ser obtida a partir de (6) através da integração por partes.
Temos, quando
´ ∞ x=1:
Γ(1) = 0 e−t dt = 1, e então, pela propriedade da função Gama:
Γ(2) = 1Γ(1) = 1,
Γ(3) = 2Γ(2) = 2 · 1,
Γ(4) = 3Γ(3) = 3 · 2 · 1,
e assim por diante. Dessa maneira, vemos que, quando n é um inteiro posi-
tivo: Γ(n + 1) = n!. Por essa razão, a função gama é frequentemente√chamada
de fatorial generalizado. Também, é possível mostrar que: Γ( 12 ) = π, o que
permite generalizar a função fatorial para números semi-inteiros. Lembrando
1
que c0 = 2v Γ(1+v) , e que Γ(x + 1) = xΓ(x), temos
que :
Γ(1 + v + 1) = (1 + v)Γ(1 + v),
Γ(1 + v + 2) = (2 + v)Γ(2 + v) = (2 + v)(1 + v)Γ(1 + v).
Com isso, podemos escrever a equação (5) como:
(−1)n (−1)n
c2n = 22n+v n!(1+v)(2+v)...(n+v)Γ(1+v) = 22n+v n!Γ(1+v+n) , n = 0, 1, 2, ...
Segue-se que uma solução da equação de Bessel com r=v é:
P∞ P∞ (−1)n
y = n=0 c2n x2n+v = n=0 n!Γ(1+v+n) ( x2 )2n+v .
Se v ≥ 0 a série converge pelo menos no intervalo [0, ∞[.

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Figure 1: Funções de Bessel da primeira espécie

Funções de Bessel da primeira espécie

A seguinte solução serial é usualmente denotada por Jn (x) :



X (−1)n x
Jv (x) = ( )2n+v . (7)
n=0
n!Γ(1 + v + n) 2
Para r2 = −v obtemos, exatamente da mesma maneira:

X (−1)n x
J−v (x) = ( )2n−v . (8)
n=0
n!Γ(1 − v + n) 2

As funções Jv (x) e J−v (x) são chamadas de funções de Bessel de primeira


espécie de ordem v e -v, respectivamente. Dependendo do valor de v, a equação
(8) pode conter potências negativas de x e então convergir em [0, ∞[. Agora,
devemos ter algum cuidado ao escrever a solução geral para x2 y 00 + xy 0 + (x2 −
v 2 )y = 0. Quando v=0 é obvio que (7) e (8) são iguais. Se v>0 e v1 − v2 = v −
(−v) = 2v não é um inteiro, segue que Jv (x) e J−v (x) são soluções linearmente
independentes da eq. (1) em [0, ∞[ e daí a solução geral no intervalo é:

y = c1 Jv (x) + c2 J−v (x), v 6= inteiro. (9)


Os gráficos de J0 e J1 lembram gráficos amortecidos de cosseno e seno,
respectivamente, e são funções quasi-periódicas.

Exemplo (1)
Encontre a solução geral para a equação x2 y 00 + xy 0 + (x2 − 41 )y = 0 em
[0, ∞[.

Solução:

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Figure 2: Funções de Bessel da segunda espécie

1
v2 = 4 → v = 12 ,não inteiro ⇒ y = c1 Jv (x)+c2 J−v (x) = c1 J 21 (x)+c2 J− 21 (x).

Funções de Bessel da segunda espécie

Se v 6=inteiro, a função definida pela combinação linear:

cos(vπ)Jv (x) − J−v (x)


Yv (x) = , (10)
sin(vπ)
e a função Jv (x) são soluções linearmente independentes da equação de
Bessel. Logo, uma outra forma para a solução geral de (1) é y = c1 Jv (x) +
c2 Yv (x), desde que v não seja um inteiro. Quando v → m, com m inteiro,
a equação (10) possui a forma indeterminada 00 . Porém, pode ser mostrado
pela regra de l’Hopital que limv→m Yv (x) existe. Ainda, a função Ym (x) =
limv→m Yv (x) e Jm (x) são soluções linearmente independentes de x2 y 00 + xy 0 +
(x2 − v 2 )y = 0, v ≥ 0. Portanto, para qualquer valor de v, a solução para (1)
em [0, ∞[ pode ser escrita como:

y = c1 Jv (x) + c2 Yv (x). (11)


Yv (x) é alguma vezes chamada de função de Neumann Nv (x). Mais comune-
mente, Yv (x) é chamada de função de Bessel da segunda ordem (veja figura
(2)).

Exemplo (2)
Encontre a solução geral para a equação x2 y 00 +xy 0 +(x2 −9)y = 0 em [0, ∞[.

Solução:
Temos que v=3 ⇒ y = c1 J3 (x) + c2 Y3 (x).

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Equação de Bessel paramétrica

Trocando x por λx em (1) e usando a regra da cadeia, obtemos uma forma


alternativa da equação de Bessel conhecida como equação de Bessel paramétrica:

x2 y 00 + xy 0 + (λ2 x2 − v 2 )y = 0. (12)
A solução geral para (12) é

y = c1 Jv (λx) + c2 Yv (λx). (13)


Seguem algumas propriedades das funções de Bessel:
1. J−m (x) = (−1)m Jm (x).
2. Jm (−x) = (−1)m Jm (x). (Jm (x) é uma função com paridade definida por
m).
3. Jm (0) = 0, m > 0.
4. J0 (0) = 1.
5. limx→0+ Ym (x) = −∞. Ym (x) é ilimitada na origem.

Fórmula de recorrência

Fórmulas de recorrência que relacionam funções de Bessel de diferentes or-


dens são importantes em aplicações e também têm importância téorica. No
próximo exemplo deduziremos uma relação de recorrência diferencial.
Exemplo (3)
Deduza a fórmula xJv0 (x) = vJv (x) − xJv+1 (x).

Solução: P∞ (−1)n
Segue-se de Jv (x) = n=0 n!Γ(1+v+n) ( x2 )2n+v que:
n

xJv0 (x) = n=0 (−1) (2n+v) x 2n+v
P
n!Γ(1+v+n) ( 2 )
∞ (−1)n P∞ (−1)n
xJv0 (x) = v n=0 n!Γ(1+v+n) ( x2 )2n+v + 2 n=0 (n−1)!Γ(1+v+n) ( x2 )2n+v
P
n
∞ (−1)
xJv0 (x) = vJv (x) + x n=1 (n−1)!Γ(1+v+n) ( x2 )2n+v−1 .
P

Com a substituição no somatorio de k=n-1, temos que:


P∞ (−1)n
xJv0 (x) = vJv (x) + k=0 k!Γ(2+v+k) ( x2 )2k+v+1

xJv0 (x) = vJv (x) − xJv+1 (x). (14)

5
O resultado do exemplo anterior pode ser escrito em uma forma alterna-
tiva. Dividindo xJv0 (x) − vJv (x) = −xJv+1 (x) por x obtemos Jv0 (x) − xv Jv (x) =
−Jv+1 (x). Essa última expressão é uma equação diferencial linear de primeira
ordem em Jv (x). Multiplicando ambos os lados da igualdade pelo fator de inte-
gração x−v , temos:
d −v
[x Jv (x)] = −x−v Jv+1 (x). (15)
dx
Quando v for metade de um inteiro ímpar, Jv (x) pode ser expresso em termos
de sin(x), cos(x) e potências de x. Tais funções de Bessel são chamadas funções
de Bessel esféricas.
Exemplo (4)
Encontre uma expressão alternativa para J 21 (x). Use o fato de que Γ( 21 ) =

π.

Solução:
Com v = 12 temos que:
P∞ (−1)n 1
J 12 (x) = n=0 n!Γ(1+ 1 ( x2 )2n+ 2 .
2 +n)
Agora, em vista da propriedade √ Γ(1 + α) √ = αΓ(α), concluímos:
n = 0, Γ(1 + 12 ) = 21 Γ( 12 ) = 12 π = 21! 1 0! π,
3 3 3 3 √ 3! √
n = 1, Γ(1 + 2 ) = 2 Γ( 2 ) = 22 π = 23 1! π,
√ √
n = 2, Γ(1 + 52 ) = 25 Γ( 52 ) = 5·3 23 √ π = 25!5 2! π,
7! √
n = 3, Γ(1 + 72 ) = 27 Γ( 72 ) = 27·5! 6 2! π = 27 3! π.
No caso geral:

Γ(1 + 12 + n) = 2(2n+1)!
2n+1 n! π.
Logo: q P
P∞ (−1)n x 1 2 ∞ (−1)n
J 12 (x) = n=0 (2n+1)! √ ( )2n+ 2 = 2n+1
π 2 πx n=0 (2n+1)! x .
22n+1 n!
Como a série na última linha é a série de MacLaurin de sin(x), mostramos
que:
q
2
J 12 (x) = πx sin(x).

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