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LUÍSA ARANHA

FRANCA
SOCIEDADE SECRETA EDITORIAL
2018
Sociedade Secreta Editorial

A662m
Aranha, Luísa
As Vantagens de ser Traída / Luísa Aranha– 1. ed. – Franca, SP :
Sociedade Secreta Editorial, 2018.
ISBN 978-85-543-1103-2
1. Ficção brasileira.. I. Título.
CDD:869.93
CDU:821.134.3(81)

Copyright © 2018 por Luísa Aranha


Preparo de originais: Camila Deus Dará
Revisão: Andreia Evaristo
Capa: Catrine Vieira
Diagramação: Danilo Deus Dará

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida
sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito dos editores.

Sociedade Secreta Editorial


CNPJ: 09.055.372/0001-90
E-mail: contato@sociedadesecretaeditorial.com.br
www.sociedadesecretaeditorial.com.br
Para os Guilhermes. Os dois reais e o fictício (mesmo que o fictício seja real e só não se chame
Guilherme na minha vida). Você, com certeza, é a inspiração de todas as melhores cenas desse
livro.
Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes,
pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
1

Marco Zero

Sentada em frente à terapeuta que a olhava com cara de “você vai sobreviver”, Madalena não
conseguia contar o que realmente aconteceu. Ainda tentava entender como havia parado
naquele consultório e o porquê de sua vida ruir da tarde para noite. Era assim que se sentia. Foi
assim que aconteceu.
As lágrimas a cegavam, os soluços impediam que falasse ou conseguisse concluir uma frase.
O pensamento também era confuso. Tentava desembaralhar as lembranças para poder se
explicar, mas tudo que saía da sua boca ou exalava pelos seus poros era a tristeza.
Depois de quatro semanas tentando assimilar sozinha toda a dor que sentia, tentando ser
forte e prática diante de tantos sonhos partidos, Madalena ruiu. Como uma encosta em dias de
chuva intensa, ela se desmanchou, deixando que as lágrimas levassem todos os planos que não
seriam mais possíveis, todos os projetos que não teriam mais em comum, todo o amor que
sempre sentiu. Madalena quebrou-se em milhares de micropedaços e parecia impossível que
um dia conseguisse se refazer.
Era esse o motivo de estar ali, em frente àquela mulher que parecia mais jovem que ela, loira,
esbelta, de sorriso fácil e olhar dócil, que a via pela primeira vez e, ainda assim, a confortava.
Madalena precisava de conforto, de cura para a alma e de novos projetos, mas não conseguia
enxergar a saída do redemoinho que sua vida havia se tornado em tão pouco tempo.
— Então, ele me disse… — um soluço mais alto — que havia se apaixonado por outra
pessoa. — Uma fungada de nariz e, mais uma vez, um olhar piedoso. — Quando eu perguntei
quem era — um gemido de dor — ele falou que era ela.
O pranto não mais se conteve. As poucas frases ou explicações que conseguia dar à mulher
se misturavam à tristeza profunda, às lágrimas intensas, à dor da alma dilacerada. Nunca se
imaginou vivendo uma situação assim. Nunca pensou que o amor acabaria.
— Mas, em algum momento, você viu sinais de que o relacionamento não ia bem? — com
voz doce, a mulher perguntou.
A resposta veio da forma mais desesperada: uma enxurrada de lágrimas que parecia nunca
cessar. Madalena não conseguia responder à pergunta. Não havia sinais. Nem ao menos havia
indícios de que ele estaria com outra pessoa. Por isso, ela não aceitava; por isso, não entendia.
O que havia acontecido era um mistério para ela e, ainda assim, parecia ser um grande
pesadelo, do qual, a qualquer momento, ela despertaria.
Mas sabia que estava acordada. A dor era real. A ausência era real e toda a história que se
passou era sórdida demais para parecer real. Se estivesse olhando um filme, diria que era o mais
bem elaborado plano de alguém sem escrúpulos. O problema era que aquilo era a sua vida.
— Não! Não haviam indícios ou sinais. Nada me fez perceber. O pior de tudo foi que, em
nenhum momento, ele me deu qualquer motivo para desconfiar. Nossa vida estava ótima.
Algumas pessoas diriam que Madalena não enxergava o que acontecia em sua casa, ou que
vivia em um mundo de sonhos, como ele mesmo falou, mas quem conhecia a rotina do casal,
sua história e sabia o que havia acontecido, ficava chocado. Os amigos não sabiam o que dizer a
Madalena. Ninguém aceitava. Ninguém entendia. Muito menos ela. Quanto mais pensava,
mais tentava encontrar respostas, mais achava que estava ficando louca com tantas mentiras e
manipulações.
Agora, tentando superar e seguir em frente, algumas coisas faziam sentido: a chegada
daquela mulher em sua vida, a forma como sempre tentava se aproximar, toda a atenção
desprendida à Madalena e ao seu filho… Tudo era falso. Tudo era mentira. Tudo foi feito para
entrar em sua vida. Não apenas entrar, mas substituí-la na vida de Ricardo.
E Ricardo? Quem era Ricardo, afinal? Depois de doze anos vivendo juntos, Madalena não
sabia dizer. Não reconhecia as atitudes dele em nenhuma das suas ações desde o momento que
saiu de casa. Nada fazia sentido. Via-o como um fantoche na mão da outra, fazendo suas
vontade e agindo por impulso. Nada parecia restar do homem íntegro que conhecia e muito
menos do pai amoroso. Ricardo era um total desconhecido agora.
— A sensação que tenho é de que meu marido morreu. — Mais lágrimas e soluços. — É
como se ele não existisse mais e a pessoa que agora ocupa o corpo dele fosse um total
desconhecido.
— Será que ele não existe ou esse sempre foi o Ricardo e você apenas não conhecia esse lado?
— a terapeuta ponderou.
— Então, por doze anos, vivi com um desconhecido ou uma mentira? — Madalena tentava
se questionar. Preferia acreditar que a culpa era da outra. Parecia mais fácil assim, mas, no
fundo, sabia que o culpado era Ricardo.
— Não. Esse Ricardo sempre existiu, apenas estava adormecido. Isso é possível, não? — A
mulher não queria uma resposta de Madalena, apenas que ela refletisse sobre a possibilidade.
— Talvez… Mas por que agora ele atribui as culpas a mim? Por que não enxerga que quem
fez a merda foi ele e me ataca? — Madalena gritava. Mais que a traição, a humilhação ou a falta
de respeito, eram as palavras duras de Ricardo, a forma agressiva e as ameaças que a
machucavam.
— Não sei te responder essa pergunta, mas posso te garantir que ele é um idiota. Sabe,
Madalena, foda-se os idiotas. Nós estamos aqui para cuidar de você. — a terapeuta foi incisiva.
Mas Madalena só absorveu o foda-se.
Sentiu-se tão bem com a palavra escolhida pela terapeuta, que por um segundo conseguiu
sorrir e concordar. Foda-se os idiotas. Agora, o que importava era ela. Ela e seu filho. Ela e sua
vida. Ela e seu bem estar.
Aos poucos, Madalena conseguiu se acalmar. As lágrimas foram cessando e aquele foda-se
dito pela mulher que estava ali para ouvi-la realmente exerceu um poder de cura. Foi como se
mil luzes se acendessem ao mesmo tempo dentro dela e mostrassem que existia um caminho.
Um caminho que não seria rapidamente traçado ou curto, mas um caminho que a levaria para
fora daquele buraco escuro em que se encontrava.
Sim. Seu relacionamento havia se perdido, mas sua vida não. Só precisava encontrar novos
rumos, novos horizontes e reaprender a viver sozinha. Nasceu sozinha, vivia sozinha até
conhecer Ricardo. Sabia que era possível. Ricardo não foi seu primeiro namorado ou decepção
amorosa. Mas provavelmente seria a mais dolorida de sua vida. Sabia que sobreviveria. Outras
haviam acontecido antes. O que não entendia e aceitava era a forma como tudo ocorreu.
Como as decisões que mudariam o rumo de suas vidas para sempre puderam ser tomadas
em tão pouco tempo e como as coisas aconteceram daquele jeito? Talvez nunca entendesse,
mas tentaria. Fazia parte do seu processo de cura, e buscar respostas era algo que Madalena
sempre fez. Sabia como fazer. Na faculdade de Jornalismo, seu orientador costumava compará-
la a Miss Marple, a famosa velhinha criada por Agatha Christie que desvendava os mais
cabulosos mistérios, apenas baseada no seu profundo conhecimento da natureza humana, nos
romances policiais da autora. Madalena não era velha, tampouco solteirona ou morava em um
vilarejo isolado. Muito menos era detetive amadora. Porém, sempre teve o dom de descobrir o
que queria.
Ela brincava que era um dom. Talvez um poder divino de compreender as situações de
forma lógica. Outros amigos diziam que o que Madalena possuía mesmo era um santo forte,
que sempre soprava as respostas em seu ouvido. Até poderia ser. O que importava era que ela
estava decidida a duas coisas naquele momento, e a pergunta da terapeuta veio bem a calhar.
— Você consegue pensar em algo que gostaria de fazer da sua vida neste momento? Algo
que possa lhe tirar um pouco do foco da dor e ajudar nesse processo de cura?
— No momento, eu tenho dois objetivos de vida: dar para outro e descobrir o que realmente
aconteceu. — A resposta surpreendeu a loira.
— E como você pretende fazer as duas coisas?
— Dar pra outro será fácil. Hoje em dia, tem tantos aplicativos e sites de encontros. Não
quero um relacionamento, dramas ou envolvimentos. Quero apenas um, digamos, amigo
colorido. Alguém que faça sexo bem e que seja divertido pra bater um papo também. —
Madalena ficou pensativa por um minuto. — Eu preciso me livrar da última recordação que
ainda me prende a ele. Foram doze anos apenas me entregando a ele. Ricardo não tem mais
esse direito sobre mim.
— Você quer fazer isso por vingança, Madalena? — A terapeuta parecia preocupada.
— Não. Quero fazer sexo com outro por mim. Sempre fui muito instintiva nesse sentido e
acho que o sexo é a melhor forma de relaxar. Depois, é apenas sexo.
— Ok. Se isso te fará bem, não vejo problema algum. Porém, tenha sempre em mente que
tudo que você fizer tem que ser por você, certo? — Madalena sacudiu a cabeça de forma
positiva. — E seu outro objetivo? Como pretende fazer?
— Como sempre fiz pra descobrir as coisas que precisava na vida: conversando com as
pessoas certas. Isso nunca foi problema para mim, sempre tive esse dom.
— Depois que você descobrir, pretende fazer o quê?
— Ainda não sei. Tudo vai depender do que eu realmente descobrir. — Madalena pensou
por um segundo e concluiu: — Talvez eu nem precise fazer nada. A vida vai se encarregar de
dar o troco sozinha a eles.
— E isso te deixa feliz?
— Feliz, não. Mas justiçada.
— Você procura por vingança? — A mulher realmente parecia preocupada.
— Não. Procuro por justiça e quero preservar meu filho. Já que Ricardo não consegue pensar
nele, eu penso por nós dois. — As coisas pareciam tão mais claras na cabeça de Madalena
naquele momento. Como se o foda-se dito pela terapeuta realmente tivesse virado a chave certa
em sua mente.
— Ok. Só quero que você sempre mantenha o foco em você e no que sente. Enquanto as
coisas lhe fizeram bem, não tem problema. Mas, se investigar essa história lhe fizer mal, você
precisa parar, certo?
Sim. Madalena sabia que seria dolorido. Mas também entendia que era necessário. Enquanto
não entendesse o que realmente havia acontecido, não teria paz e não seria capaz de seguir
adiante. Era dela. De sua natureza. Iria descobrir cada detalhe sórdido e depois entregaria nas
mãos do Orixás. Eles cuidariam de prover a justiça que merecia.
2

Doze anos ANTES do marco zero

Madalena andava de um lado para o outro, sendo puxada por Carla dentro da danceteria. A
amiga estava furiosa, porque o seu casinho não havia aparecido aquela noite e nem dado
satisfações. Madalena se divertia com o jeito dela. A diferença de altura das duas era visível e
engraçada. Enquanto Madalena era alta e morena, Carla era baixinha e loira — e, como toda
baixinha, bem invocada. Ainda mais quando o ficante não aparecia ou dava sinal de vida.
Elas se conheciam dos tempos de escola. Sempre foram opostos e, ao mesmo tempo,
complementos. Enquanto uma era espevitada, briguenta e enlouquecida, a outra era calma,
apaziguadora e mãezona. Ainda assim, quando ambas terminaram relacionamentos
complicados, voltaram a sair juntas. Madalena, de certa forma, se sentia responsável pela
amiga. Não era mais velha, estava com vinte e quatro anos recém feitos e a diferença de idade
era apenas de um ano. Mas era de sua personalidade: sempre foi de cuidar de quem amava. Já
Carla protegia a amiga de tudo que pudesse parecer ameaça ou machucá-la. Não media
esforços ou caras feias para isso. Madalena tinha certeza que, se fosse preciso, Carla mataria por
ela.
Subiram e desceram o degrau que separava a pista de dança das mesas do bar umas trezentas
vezes naquela noite. Carla buscava por amigos em comum do seu casinho ou até mesmo por
ele, enquanto Madalena olhava para os lados distraidamente. Não procurava companhia.
Estava feliz com seu ficante, apesar de não poderem assumir publicamente o romance pela
posição que ele ocupava. Havia saído de uma história bastante complicada e queria um pouco
de curtição e tranquilidade. Sabia que o caso não duraria muito. O preto velho havia lhe dito
isso em uma das consultas, mas estava feliz com o que tinha e, enquanto o “calçudo” prometido
não chegava, ela se divertia.
Em uma das subidas do degrau, um rapaz com a pele bronzeada, cabelos negros arrumados
em um topete colado com muito gel, óculos de grau, braços fortes, camisa bordô com os
primeiros botões abertos, mostrando um peitoral definido, colocou a mão sobre as mãos de
Madalena e Carla, segurando-as, e encarou Madalena. Carla tentou se desvencilhar da mão do
homem.
— Não estamos interessadas! — disse, fazendo com que o toque entre Madalena e o rapaz
fosse quebrado e arrastando a amiga mais uma vez degrau acima.
O rapaz ficou ainda seguindo os passos da morena, enquanto ela o encarava nos olhos e
pensava que poderia, sim, estar interessada. Isso se Carla desse uma chance para que ela
dançasse e parasse de trotear de um lado para o outro. Mas o homem ficou distante. O contato
visual se perdeu e Madalena entendeu que a amiga precisava de apoio naquele momento. Era
só mais um homem em uma festa como tantos outros — e ele nem fazia muito o gosto de
Madalena. Ela gostava de homens com bom papo e interessantes. Não se ligava muito na
estética ou aparência física. Apesar de gostar de braços fortes, preferia um belo sorriso ou um
brilho no olhar do que um abdômen de tanquinho ou cara de modelo.
Aquele tinha cara de menino novo, parecia ser mais preocupado com o corpo do que com a
mente e, definitivamente, se não fossem os braços fortes, nada chamaria a atenção de
Madalena. Mesmo assim, o jeito com que ele a olhou parecia ter conquistado algo dentro dela.
Não fazia sentido, mas ela passou o resto da noite procurando por aquele olhar, a camisa bordô
e o topete grudado de gel. Mesmo que Carla ainda troteasse, arrastando-a de um lado para o
outro.
Já estava quase no fim da festa. A banda não habitava mais o palco, o lugar começava a ficar
vazio e o DJ, amigo de Madalena, tocava as músicas preferidas dela. Ela dançava sozinha, em
um canto da pista, aproveitando os poucos minutos que podia daquela noite. Dançava de olhos
fechados, curtindo cada batida da música latina que retumbava nos alto-falantes.
“Provocame, mujer, provocame / Provocame, a ver, atrevete / Provocame, a mi, acercate /
Provocame, aqui, de piel a pie…”
Foi quando sentiu mãos enlaçando sua cintura e um hálito quente se aproximando de sua
boca. Mal abriu os olhos e viu o rapaz do degrau, com a camisa um pouco mais aberta,
colocando-a contra a parede e retirando todo seu folego com um beijo desesperado e urgente.
Depois de alguns beijos assim, finalmente Madalena conseguiu recobrar a consciência.
Estava entorpecida pela sensação que aquela boca lhe causava e pelo calor dos braços fortes a
envolvendo.
— Meu nome é Madalena, e o seu? — perguntou, tentando se livrar da boca do rapaz, que
parecia não querer soltar a sua de forma alguma.
— Ricardo. Você é muito gostosa e sua boca uma delícia — ele falou, já aproximando os
lábios dos dela novamente.
Perderam a noção do tempo entre os beijos e a pressão que Ricardo exercia sobre o corpo
dela contra a parede. Sentiam seus lábios inchados, quentes e sensíveis — assim como outras
partes de ambos os corpos, mas pareciam ser incapazes de desgrudar as bocas. Até Carla
aparecer.
— Ah! Finalmente te achei. Vamos embora? Já não tem mais ninguém aqui! — ela falou,
rindo, notando que os dois não haviam nem percebido que música já havia parado.
— Nossa! Vou atrás dos meus amigos. Tomara que não tenham me abandonado aqui —
Ricardo disse, olhando para os lados e buscando por uma viva alma conhecida. — Eu te
encontro na fila, linda. — Saiu caminhando em direção ao bar.
— Quem é esse, Madalena? Não posso te deixar um minuto sozinha, que tu já arranja sarna
pra te coçar. Nem teu tipo ele faz…
— Eu sei… Mas, sei lá. Ele é aquele cara que nos parou mais cedo no degrau e você disse que
não estava a fim. Além do mais, o beijo é bom… — Madalena riu enquanto caminhavam para a
fila onde pagariam as contas.
Logo, Ricardo se juntou a elas, preocupado que havia sido deixado pelos amigos. Madalena
estava de carro e ofereceu carona. Ele aceitou. No trajeto, entre um beijo e outro, Carla contava
a história do seu casinho e Ricardo dava seus palpites. Parecia que ambos estavam a fim de
atucanar um ao outro e Madalena estava ficando irritada com aquilo. Tinha a impressão de que
Ricardo era bobo demais, infantil e afeminado.
— Quantos anos você tem? — ela interrompeu a discussão para perguntar a ele.
— Vinte e um, e você? — ele respondeu todo sorridente.
— Vinte e quatro anos. O que você faz da vida?
— Estou desempregado e estudando para entrar para a Força Aérea. Desde que sou guri, é
meu sonho.
— Hummm. ’Tendi.
A conversa se encerrou ali. Madalena era mais velha, não gostava de caras mais novos e
muito menos desempregados. Quando finalmente chegaram à frente da casa de Ricardo, ele
anotou seu celular em um papel que estava no console do carro e pediu pra ela ligar no dia
seguinte. Madalena concordou com a cabeça e trocaram um beijo de despedida.
— Você vai ligar? — Carla perguntou enquanto pulava para o banco da frente.
— Claro que não! Ele é um pirralho. Além de tudo, chato e infantil. Fora que não faz nada da
vida. Foi só uns beijos.
Ambas começaram a rir e trocaram de assunto, conversando sobre a banda, a noite, o
problema com o casinho de Carla, enquanto faziam o trajeto de volta para casa e se esqueciam
de Ricardo. Mesmo que a boca de Madalena estivesse dolorida. Mesmo que seu corpo quisesse
experimentar mais daquele homem. Mesmo que sua mente a fizesse recordar algumas
sensações daquela noite.
3

Quatro meses ANTES do marco zero

Madalena e Fernanda conversavam animadamente na lanchonete de Marisa quando uma


mulher extremamente espalhafatosa chegou. Aos gritos de “Amor, amor, deixa eu te apresentar
o Mendonça”, a mulher parecia estar eufórica demais para quem estava encontrando colegas de
trabalho. Madalena prestou atenção, afinal, Mendonça era seu marido. Olhou para Fernanda,
que também não entendeu nada, e depois para Marisa, que parecia já conhecer a pessoa.
Depois do escândalo, ela se apresentou como Angel, seu marido se chamava Inácio. Ambos
também eram curitibanos perdidos no Acre, como todo o restante dos presentes.
Rapidamente, a conversa começou a se desenrolar e Madalena achou que a euforia toda era
apenas porque Angel se sentia sozinha e sem amigas. Ficaram jogando conversa fora, falando
sobre a terra natal, costumes e diferenças da região em que moravam. Angel fez questão de
dizer que odiava o local e só teria ido para acompanhar o marido, que também era das Forças
Aéreas. Como ela não conseguia emprego com salários decentes, acabou prestando uma
seletiva para as forças e entrou no quartel de Mendonça.
Nada demais naquele assunto. Madalena sentiu pena da mulher. Pensou em quantas vezes já
havia se mudando para lugares desconhecidos com Ricardo e como foi difícil começar do zero
em cada mudança. Resolveu, então, tentar inserir Angel no grupo que já era formado para que,
quem sabe assim, a mulher pudesse se adaptar melhor ao novo lar. Sabia que era questão de
tempo até se mudarem novamente para um novo destino. Toda as quartas-feiras, aguardavam
ansiosamente a publicação dos transferidos. Nas opções de Madalena e Ricardo, várias cidades
ao sul do país. Estava na hora de voltarem para perto das famílias. Fernanda e seu marido
Tiago também haviam solicitado a mudança e aguardavam na mesma ansiedade.
Mesmo assim, outros amigos ficariam e talvez Angel pudesse se dar bem com algumas das
outras mulheres que ainda viveriam ali por mais algum tempo. Apesar de regularem de idade,
Angel era dois anos mais moça que Madalena. A novata não tinha filhos, ao contrário de todas
as outras do grupo. Fernanda tinha um menino de quase um ano; Madalena, um de cinco e
Marisa um menino de seis. As outras pessoas que compunham o grupo de curitibanos e amigos
também tinham filhos que regulavam de idade. Aquele seria o único casal sem filhos. Havia
Lorena e Renato, mas eles estavam em processo de adoção de um bebê.
Madalena achou estranho, afinal, uma mulher que estava com trinta e cinco anos e casada,
que dizia gostar tanto de crianças e querer muito ter um filho, já deveria ter encomendado o
seu. Mas, ao ser questionada, Angel apenas respondeu que não havia acontecido ainda. Sentiu
mais pena da mulher, pensando se seria algum problema seu ou do marido e resolveu convidá-
los para irem à sua casa no dia seguinte, onde estariam todos os amigos reunidos em um dos
muitos churrascos que faziam aos fins de semana.
Angel pareceu feliz e animada com o convite. Continuaram jogando conversa fora o resto da
noite. Uma nova amizade ou, quanto mais não fosse, novos colegas seriam inseridos no grupo.
Madalena sempre adorou isso. Pessoas novas, casa cheia, festas, churrascos e amigos em volta.
Assim como sempre confiou em todas as pessoas. Poucas vezes percebia a maldade ou inveja e,
na maioria dos casos, quando descobria, o mal já havia lhe sido feito. Mesmo assim, não
aprendia. Costumava dizer que preferia ser ingênua e confiar a viver com medo da própria
sombra e que sabia, fosse pelo seu profundo conhecimento da natureza humana e da vida ou
pelo Santo que lhe acompanhava, que as pessoas que costumavam abusar de sua boa vontade,
amizade ou que lhe causavam algum tipo de mal, cedo ou tarde recebiam em dobro toda a sua
maldade.
No outro dia, Angel e Inácio foram os primeiros a chegar à casa da família Mendonça. No
início, pareceu estranho, afinal, não se conheciam tão bem assim. Mas Angel fazia questão de
se aproximar de Madalena e logo começou a emendar um assunto no outro para que o silêncio
não se fizesse presente. Compartilharam a cuia de chimarrão. Em algum momento, Madalena
se incomodou com as perguntas muito pessoais que Angel fazia — perguntas mais
direcionadas ao seu casamento e sobre Ricardo.
— Como vocês se conheceram? — Angel indagava.
— Em uma festa — Madalena não dava muitos detalhes.
— Ricardo é um bom marido?
— Sim — Madalena se esquivava.
— Vocês planejaram o João?
— Não.
O que aquela mulher, afinal, queria saber? “Qual o prato preferido de Ricardo?”; “Ricardo
gosta de que tipo de música?”; “Qual o programa preferido da família?”… Sucessivamente,
Angel metralhava Madalena de perguntas, que fugia ou se esquivava. Não estava gostando
daquele interrogatório sobre sua família, mais especificamente sobre seu marido. Logo em
seguida, Fernanda e Tiago chegaram. Depois, Lorena e Renato e, então, Sofia e Márcio com
seus filhos.
Naquele domingo, o churrasco se prolongou. Acabou virando janta e parecia que todos
pertenciam ao mesmo grupo há muitos anos, como se fossem realmente amigos de longa data.
Madalena sentiu-se contente por ter inserido Angel no grupo, acreditava que estava fazendo
um bem à nova conhecida. Gostava de fazer o bem às pessoas e sempre se sentia recompensada
com mais felicidade em sua vida.
Se não bastasse o casamento que era perfeito, o filho lindo que tinha e a carreira que
decolava com novos rumos, estava sempre cercada de amigos e pessoas queridas. Para ela, essas
eram as coisas mais importantes da vida. Sabia que, em breve, recomeçaria tudo novamente,
mas não se importaria. Seria a sexta vez que se mudariam e, como em todas as outras, ficariam
bem. A cumplicidade dela e de Ricardo era rara de se encontrar, ainda mais quando um era o
porto seguro do outro e tendo passado quase toda a vida juntos longe dos familiares.
Não passou nem uma semana do churrasco quando veio a notícia: Ricardo havia sido
transferido para o interior do Paraná. Madalena, quando leu a notícia, correu para ligar para o
marido:
— Amor, tu foi transferido! Vamos pro Paraná. Estamos voltando para casa.
— Sério, amor?! Que notícia boa. E a cidade é melhor do que a gente imaginou, hein?
— Pois é… Não estou nem acreditando. Lá vamos nós outra vez.
— Vai dar tudo certo, amor. A gente sempre dá um jeito.
— Eu sei… mas vamos ver como o João vai reagir. Sabe que ele gosta daqui e é a primeira
mudança que ele irá sentir. — Madalena sentiu o coração apertar em relação ao filho. Para uma
criança de cinco anos, sensível como João era, não seria tão simples a adaptação.
— Ele vai se acostumar. Lembra que a nossa casa sempre vai ser onde a nossa família estiver.
À noite, saímos para comemorar. Te amo.
— Também te amo. Vou ligar pra minha mãe e contar a novidade.
Madalena desligou o telefone feliz. Só então viu que Tiago, marido de sua amiga Fernanda,
também havia sido movimentado para a mesma cidade. Em vez de ligar para a mãe, ligou
primeiro para a amiga.
— Fê! Nós vamos juntos para o Paraná. Ricardo e Tiago foram movimentados para a mesma
cidade.
— Nossa, que notícia boa! Vamos mais tarde lá no bar da Marisa para conversar e contar a
novidade?
— Combinado. Ricardo disse para sairmos mesmo para comemorar. Nada melhor do que
com os amigos.
Naquele dia, Madalena passou entre ligações para a família, conversas com amigos e amigas,
que a parabenizavam pela transferência tão esperada. Mesmo que algumas fossem conversas
chorosas como a de Vitória, a primeira amiga que fez no Acre e que se tornou uma das
melhores de sua vida, ainda assim eram mais motivos para comemorar do que chorar.
À noite, se encontraram com Fernanda e Tiago no bar de Marisa. Em seguida, Angel chegou
desacompanhada. Parecia estranho como, desde o dia que Madalena a conheceu, ela sempre
aparecia nos lugares que a família estava. Outra grande coincidência é que Angel sempre
sentava-se ao lado de Madalena, simpática, puxando assuntos pessoais e tentando se
aproximar. Mesmo que parecesse meio forçado, Madalena não se importava. A nova conhecida
também procurava sempre mimar João. Ela pensava que era a falta de filhos próprios que a
deixava tão amável com o menino. Como sempre, achou que quem beijava seu filho, sua boca
adoçava, não se importava com aqueles mimos exagerados.
João, ainda muito pequeno, já era bastante sensível e carinhoso. Uma criança que adorava
colo, beijos e abraços. Desde que aprendeu a falar, não passava um dia sem dizer o quanto
amava a mãe e o pai. Os abraços que ele distribuía às pessoas sempre foram espontâneos. Em
certa ocasião, antes dos dois anos, viajando com os pais de carro, o menino entrou no banheiro
de uma lanchonete e abraçou fortemente a funcionária que fazia a limpeza. A mulher ficou tão
consternada com aquele abraço sincero que caiu em prantos, causando espanto em Madalena e
Ricardo.
— Tudo que eu precisava hoje era de um abraço assim — dizia a mulher entre soluços.
Assim era João desde pequeno. Madalena acreditava que era algum tipo de dom especial, de
enxergar as pessoas além das aparências. Ricardo não achava nada. Não acreditava em nada.
Ainda assim, ambos tinham muito orgulho do filho e do ser humano que ele estava se
tornando.
Enquanto Ricardo e Tiago conversavam sobre as coisas práticas para a nova mudança,
Fernanda e Madalena faziam planos e se preocupavam com as adaptações. Angel só observava
a conversa, atenta a cada detalhe. Algumas vezes, fazia perguntas e dava sua opinião, mas
demonstrava muito mais interesse nos planos do que em se posicionar. De certa forma, isso
incomodou Madalena. Antes que ela ficasse com a pulga atrás da orelha, resolveu afastar o
pensamento e seguir a conversa. A outra era novata, perdida e não gostava de onde estava.
Provavelmente, só queria realmente se enturmar e aprender.
4

Dois dias DEPOIS do marco zero

A mulher vestida de branco, com turbante na cabeça e colares de miçangas no pescoço,


olhava atentamente para as cartas estendidas sobre a toalha, também branca e de renda.
Madalena estava apreensiva. O que afinal os Santos teriam a revelar sobre seu destino? Depois
de ver toda a sua vida ruir e estar decidida dos próximos passos, precisava garantir com os
Orixás que esse era o caminho.
— Minha filha, o que aconteceu na tua vida? Um furacão passou por tua casa e destruiu tudo
que você construiu. Mas não te preocupa, Pai Xangô está do teu lado e vai prover a justiça que
tu merece — dizia a Mãe de Santo que, por obra do destino, tinha o mesmo nome da terapeuta.
— Ele não para de pensar em você e se arrepende do que fez, sabe que fez a escolha errada e vai
voltar. Mas, por enquanto, ele ainda está muito envolvido pela cobra que tu criou dentro da tua
casa. Tu não percebeu o que ela estava armando? — A mulher de branco parecia estar confusa.
— Eu não percebi nada, Mãe. Eu nem desconfiei. — Madalena ainda tentava entender.
— Vou te dizer que isso aconteceu pra te livrar de coisa pior. Essa mulher realmente quer te
destruir. Por inveja. Quer tudo que é teu. Quer ser você, mas pode tirar da cabeça essa
preocupação. Ela não vai chegar perto do João…
— Como a senhora sabe o nome do meu filho? — Madalena ficou confusa, era a primeira
vez que via ou jogava as cartas com aquela Mãe. Ela nada sabia sobre os motivos que a levaram
ali e sobre suas preocupações.
— Eu apenas sei, minha filha. Sei das coisas. As cartas estão me mostrando. Sobre seu
marido, ele vai ser muito infeliz, se arrepender da escolha que fez e vai voltar rastejando. Mas
quando ele voltar, você estará com outra pessoa e vai poder escolher o que quer. — A mulher
de branco encarou Madalena por alguns segundos. — Você terá uma escolha a fazer e talvez
seja a mais difícil da sua vida. Eu vejo aqui que teu futuro é iluminado, cheio de amor e
felicidade. Muito sucesso. Você vai colher os bons frutos que plantou. Já o futuro dele estará
nas tuas mãos.
Madalena encarava a mulher ainda sem acreditar em como ela sabia o nome de João, mas a
preocupação que a acompanhava desde que soube que Angel andava contando para as pessoas
que estava criando João como se fosse seu e que Madalena havia abandonado o filho e o
marido por ser doente e depressiva se esvaiu completamente com a afirmação da Mãe.
Além de toda a dor que carregava desde que Ricardo saiu de casa, Madalena ainda precisava
lidar com as constantes mudanças de humor e ideia dele. A raiva que despejava sobre suas
costas era como se ela fosse culpada pela merda que ele havia feito. Ainda descobrira que a
mulher que acolheu em sua casa, além de se envolver com seu marido, estava querendo ficar
com seu filho.
Ricardo, que sempre havia sido correto e sensato, agora a ameaçava tirar-lhe o filho. Tentava
coagi-la a assinar papéis da separação em troca de dinheiro. Usava o menino como moeda de
troca. Ou Madalena concordava com ele, ou ele brigaria pela guarda do menino.
— Vou te dar um passe, minha filha. Você precisa descarregar toda essa inveja e olho gordo
dessa mulher. E fique esperta com ela. Tudo que ela fez foi bem pensado e ainda virá mais.
Você vai passar por cima de tudo, com a ajuda do Pai Xangô. Tenha fé.
A Mãe de Santo benzeu Madalena. Rezou com ela e a abraçou de forma afetuosa. Aquele
gesto fez com que a mulher sentisse como se tudo que a angustiava estivesse saindo de dentro
dela. Saiu da terreira liberta.
Ainda tinha como objetivo descobrir toda a história que fez sua vida ruir, mas
principalmente transar com outro.
Depois de doze anos com Ricardo e sendo fiel a ele, Madalena queria sentir o gosto de outra
pessoa. O sexo, que no início até era bom, já não a satisfazia da forma como queria há algum
tempo e, mesmo inúmeras vezes reclamando para o marido, Ricardo não se esforçava para
melhorar.
Mesmo assim, Madalena sempre ponderava que havia uma vida construída juntos, um filho
relativamente pequeno e muitas histórias e parceria entre eles. Algo que ela julgava importante.
Agora, solteira (não por opção), queria sentir-se viva novamente. Ansiava por isso.
Sentou-se na cafeteria da esquina de sua casa e escolheu um café com sorvete e chantilly.
Ficou observando o movimento da rua enquanto pensava no que escreveria no perfil dos
aplicativos de encontro. Não queria um relacionamento sério, mas também não queria sair
com um homem a cada dia. Procurava por algo que talvez fosse impossível achar. Alguém que
fosse mais que um amigo, mas não se tornasse um namorado, que quisesse sair para programas
diversos e não necessitasse do status de relacionamento. Parecia complicado dizer isso. Parecia
complicado que as pessoas entendessem isso.
— Oi. — Uma voz grave, grossa e rouca ressoou nos seus ouvidos, fazendo com que sua pele
se arrepiasse. — Atrapalho?
— Não… — Madalena não conseguiu falar mais nada ao enxergar o sorriso do dono da voz.
— Posso me sentar? — ele questionou, ainda sorrindo. — Se não for te atrapalhar, é claro.
— Não atrapalha. — Madalena se ajeitou na cadeira e mexeu nos cabelos. — Fique à
vontade.
— Prazer, meu nome é Guilherme. — Ele estendeu a mão. — E o seu?
— Madalena. — Ela agarrou a mão estendida e recebeu um choque de eletricidade.
Guilherme suavemente puxou a mão de Madalena para próximo de seus lábios e a beijou.
Madalena sentiu um formigamento pelo corpo e seu coração disparar.
Guilherme era a personificação de tudo que Madalena gostava em um homem. Deveria ter
por volta de um metro e noventa de altura. Nem magro nem gordo: na medida. Ombros largos,
braços fortes, mãos grandes. A pele um pouco bronzeada. Cabelos raspados na zero, voz grave
e rouca, sorriso largo. A barba bem cuidada, de um tom quase negro, e olhos cor de mel. Estava
vestido com uma camiseta polo rosa e calça jeans escura, um pouco justa, que fazia com que
uma grande saliência chamasse a atenção de Madalena na região do quadril. Madalena sentiu o
corpo pegar fogo e seu rosto avermelhar quando percebeu que estava encarando o pau de
Guilherme.
— Nunca te vi por aqui e achei que você precisava de companhia para abandonar esses
pensamentos que estão deixando essa ruguinha aqui. — Guilherme tocou delicadamente a testa
de Madalena com um sorriso dócil. — Errei?
Madalena sorriu. Não sabia ainda como se comportar na presença de outros homens além de
Ricardo. Não depois de doze anos.
— Voltei a morar na cidade há pouco. Talvez seja por isso. Você vem sempre aqui?
— Sim. Meu consultório é do outro lado da rua. Entre um paciente e outro, sempre tomo
um café. Sou oncologista, e você?
— Sou jornalista. Trabalho com jornalismo cultural. Mas ainda vou me recolocar no
mercado. Estava morando em Rio Branco até o mês passado.
— E o que a fez voltar? — Guilherme realmente parecia interessado na vida de Madalena.
— Uma história um pouco longa, mas meu marido, quer dizer, meu ex-marido foi
transferido e íamos morar em Cascavel. Só que, de repente, tudo mudou. — Madalena sentiu a
pontada em seu peito novamente. Fechou os olhos para conter a onda de dor que poderia se
apossar dela. — Enfim, agora estou aqui. — Sorriu para Guilherme.
— Então, posso ter a chance de ver você de novo? Um jantar talvez?
O sorriso estampado no rosto de Guilherme deixava as pernas de Madalena completamente
bambas. O que ela teria a perder? Estava solteira e aquele homem a atraía. Fosse pelo sorriso,
pela barba, pelo tamanho, pela voz ou simplesmente pela segurança de si mesmo que cada
gesto seu passava.
— Claro que sim. — Madalena mexeu nos cabelos e sentiu o olhar de Guilherme acender
com sua resposta. O sorriso dócil deu lugar a um sorriso sexy, que fez com que ela sentisse seu
corpo umidificar. — Quando você quiser.
— Hoje? — Ele piscou.
— Preciso ver se minha mãe não tem nenhum compromisso para que possa ficar com meu
filho.
— Quantos anos ele tem?
— Cinco.
— Adoro crianças. Tenho uma filha de seis anos. — Guilherme sorriu de forma dócil
novamente. — Preciso voltar ao consultório. Que tal se você me der o número do seu telefone?
Te mando uma mensagem mais tarde para ver se você me dará a honra de um jantar. Ou então
marcamos outro dia.
Madalena ditou o número. Guilherme se levantou para ir embora e Madalena para se
despedir. Ele aproximou o corpo e a abraçou, dando um beijo molhado em sua bochecha,
quase no canto da boca. Novamente, Madalena sentiu o corpo umidificar, o coração disparar e
agora o ar também faltava.
Antes mesmo de seu café terminar, já havia uma mensagem de Guilherme. “Já estou com
saudades. Quero te ver de novo. Se não hoje, então amanhã ou a qualquer momento que você
puder”.
Madalena sorriu. Parece que um dos seus objetivos seria alcançado em pouco tempo.
5

Doze anos ANTES do marco zero

Madalena preparava-se para sair de casa com Juan quando resolveu checar as redes sociais.
Pra sua surpresa, o homem que a havia beijado na semana anterior tinha adicionado Carla
como amiga e a ignorado completamente. Ficou mordida com a situação e resolveu mandar
uma mensagem. “Como assim me beija e adiciona minha amiga?” A resposta foi instantânea.
“Eu te dei meu telefone e você não me ligou”.
Ela realmente não havia ligado. Primeiro, porque não ligava para ninguém no dia seguinte;
segundo, porque havia achado Ricardo infantil e terceiro, porque realmente estava envolvida
com Juan. Apesar da relação deles ser um segredo para os amigos, curtia aquele cara. Mas algo
na resposta de Ricardo a fez relembrar os beijos e carícias trocadas e repensar se deveria ou não
dar uma chance para ele. Afinal, o que ela tinha a perder?
Naquele dia, começaram a conversar. Conhecer melhor o outro. Ricardo não parecia afoito
como outros rapazes de sua idade. Já Madalena, quanto mais conversava com ele, mais pressa
sentia do reencontro. Trocaram mensagens por vários dias. Elogios, cantadas, conversas sobre
gostos, futuro, objetivos. Um dia, Ricardo disse que iria encontrá-la. Madalena não acreditou.
Em menos de meia hora, ele estava na porta de sua casa.
Os beijos, que foram quentes na primeira vez, tornaram-se mais insaciáveis no segundo
encontro. A fome que sentiam um da boca do outro era inegável, assim como as faíscas e a
eletricidade que percorriam ambos os corpos a cada toque. Madalena se questionava se toda
aquela eletricidade poderia virar amor. Ricardo sabia que havia encontrado a mulher de sua
vida. Daquele dia em diante, quando se encontravam, a necessidade um do outro só crescia.
Madalena ansiava pelo próximo passo. Ricardo não sabia o que fazer. Era um garoto de vinte
e um anos, desempregado, sem grana e todas as ficantes que havia tido antes levava para um
estacionamento e as traçava dentro do carro do pai. Com Madalena, ele não poderia fazer isso.
Ela era uma mulher, não uma guria. Trabalhava e se mantinha sozinha, apesar de morar na
casa da mãe. Então, ele a enrolava enquanto pensava em como conseguiria o dinheiro pra levá-
la a um motel.
Um dia, estavam namorando dentro do carro do pai de Ricardo, em frente à casa de
Madalena. Os vidros ficaram embaçados com calor provocado pela ação dos corpos que não se
desgrudavam. Eram carícias mais quentes, toques que faziam Madalena entrar em combustão.
Beijos que começavam na boca, desciam pelo pescoço, misturados a pequenas mordidas e
lambidas, e seguiam para o colo e seios de Madalena. As mãos tocavam com sofreguidão o
corpo do parceiro. Era tudo desesperado e urgente aos amantes, que cada vez ficavam mais
excitados e necessitados um do outro.
Então, uma batida forte no vidro do carro despertou Madalena do êxtase em que se
encontrava. Ao virar para o lado e voltar o rosto em desespero para Ricardo, viu que estavam
cercados por dois homens armados. Em seguida, um homem entrou no banco da frente,
ocupando o lugar de Ricardo e colocando-o para o banco de trás, onde o outro homem já
estava sentado com o revólver apontado para a cabeça do rapaz.
Madalena tremia e rezava baixo para que saíssem daquela situação. Não havia nada que
pudessem fazer. Ao tentar falar alguma coisa, Ricardo foi atingido com o cano da arma na
cabeça. Passaram-se minutos, que pareceram horas, até que o homem que dirigia o carro
mandou os dois descerem e não olharem para trás.
Em uma noite fria, numa rua escura, Ricardo e Madalena desceram do carro, entrelaçaram
as mãos e caminharam até avistarem um hotel, onde pediram para que a polícia fosse acionada.
A adrenalina do momento tomava conta de ambos. O medo do que poderia acontecer, de virar
mais um número das cruéis estatísticas da cidade, de não saberem ao certo o que os homens
poderiam fazer exalava por seus poros. Sem dinheiro, carro ou documentos, aguardaram a
chegada da polícia e pediram uma carona. Foram para a casa de Madalena.
Não havia como Ricardo voltar para casa. Ele avisou seus pais. O que mais eles poderiam
fazer a não ser continuarem o momento que foi interrompido pelos assaltantes? O fato de
Ricardo precisar dormir na casa de Madalena pareceu divino e providencial pra aliviar toda a
tensão e desejo que ambos sentiam.
Entre beijos e mãos que percorriam os corpos sedentos do toque, sem roupas e na cama de
Madalena, transaram pela primeira vez. De forma agressiva, selvagem e com todo o fervor que
sentiam. Depois do ato consumado, Ricardo teve a certeza: não havia encaixe mais perfeito que
o de seus corpos e tampouco a necessidade de outro alguém. Estavam destinados. O
sentimento que o consumia parecia aplacado pela descoberta de que eram perfeitos um para o
outro e não precisavam mais buscar os outros braços que sempre haviam procurado. Madalena
sentiu-se segura e idolatrada. Naquele momento, pareceu que esses eram os melhores
sentimentos que poderia ter.
Depois de viver uma história intensa e que a deixou no chão com Leonardo e de ficar num
relacionamento que era gostoso (mas escondido) com Juan, parecia que Ricardo era um porto
seguro. Nada de maré cheia, tempestades ou dores desnecessárias. Ele era a calmaria que ela
precisava em seu coração.
Passaram a ser namorados. No mesmo dia. Na mesma hora. Para Ricardo, era estranho —
era sua primeira namorada séria. Para Madalena, parecia o relacionamento ideal — sem riscos
de se machucar novamente. Ricardo preenchia sua vida, seu coração e seus pensamentos, mas
de uma forma branda. Sem toda a intensidade que a havia destruído antes.
Ele sentia-se embriagado por Madalena. Não conseguia parar de pensar ou sonhar com ela.
Cada segundo longe do ser amado era uma eternidade. Cada minuto sem sentir o toque de
Madalena era como se sua carne fosse açoitada. Talvez fosse um vício ou algum tipo de feitiço,
não sabia descrever. Mas Madalena lhe tirava a paz. Era isso o que queria sentir por toda sua
vida. Era a única certeza que tinha, pois nem a carreira que queria tanto seguir sabia se
conseguiria. Estudava para o concurso, chegava perto, mas nunca passava — o que o deixava,
por vezes, decepcionado. Em compensação, Madalena o confortava. Acreditava no seu sonho e
o incentivava. Se tudo desse errado, ele sabia que podia contar com aquela mulher que, da noite
para o dia, o transformou num bobo apaixonado.
As famílias eram um pouco contra aquela situação. A da Madalena não via futuro em
Ricardo, um rapaz desempregado, fazendo uma faculdade de licenciatura e sem onde cair
morto. A de Ricardo achava Madalena areia demais pro caminhão dele. Moça de boa família se
envolvendo com o rapaz da periferia? Já haviam visto aquela história e sempre acabava nas
páginas policiais.
Para os namorados, não importava. Sabiam o que sentiam e não viam barreiras para
continuarem juntos. Ele tinha ambições. Ela tinha sonhos. Ambos tinham amor. O que mais
precisavam para ficar juntos? Do que eram feitas as lindas histórias se não de sentimentos?
Brigavam algumas vezes. Ricardo era inseguro, precisava se afirmar diante de outras mulheres.
Madalena não admitia. Terminaram em outras, quando a briga era feia. Madalena não
continha a língua e Ricardo não engolia o orgulho. Voltaram em todas. Ele, com flores, bilhetes
e telefones apaixonados. Ela, com lágrimas e saudades. Estavam destinados. Algo a vida
reservava para o casal, por mais que ainda não soubessem.
A cada dia que passava, mais tempo juntos ficavam. Dormiam e acordavam na cama de
Madalena. Ela ia trabalhar. Ele, estudar. Passavam o tempo que podiam grudados, mesmo que
fosse sem fazer nada. Filmes, festas, leituras, não importava: o que contava era estarem perto
um do outro. A vida seguia, cada um com seus desafios, mas ambos sendo o porto seguro um
do outro. Era assim. Assim que deveria ser.
Um dia, Ricardo disse que não mais tentaria a carreira que tanto desejava. Madalena ficou
brava com sua fraqueza. Disse que, se desistisse do sonho, ela desistiria dele. Brigaram.
Passaram mais de um dia sem se falar. Até que ele entendeu: se queria Madalena, precisava
persistir. A derrota não era não conseguir e, sim, desistir. Mais uma vez, voltaram — e aquela
foi a última briga. A decisiva. Depois da volta, sabiam que nada mais os impediria.
Ela acreditava que ele era capaz. Faltava Ricardo confiar em si mesmo. O mérito de estudar
era dele. Mas se não fosse Madalena a insistir na importância de se buscar o que se quer, talvez
a história fosse outra. Ele, pedreiro e ambos separados. Porém, queria o destino que Madalena e
Ricardo fossem um só e que a vida deles fosse o que deveria ser. Se Madalena soubesse o que
estava por vir, talvez não insistiria. Talvez tivesse deixado aquela história morrer e seguido em
frente. Mas ela não desistia do que queria e o ensinou a não desistir.
Persistiram, correram atrás e juntos se fortaleceram. Um ano e meio depois, Ricardo foi
aprovado no concurso que tanto queria. Agora, seria o que sempre sonhou. Precisava passar
pelo treinamento, por todas as provações que ainda teria, mas sabia que seria capaz. O que
mais precisava estava ali: Madalena, seu porto seguro, sua namorada, seu grande amor.
Ficariam separados, mas a distância seria aliviada com visitas e cartas. Era um sacrifício que
valeria a pena para depois colherem os frutos no futuro.
Ele não acreditava que havia sido aprovado. Sentados em um bar, ela falava e ele não
assimilava. Era como se estivesse em um sonho e, depois de tanto lutar para acordar, tudo
havia se tornado real. Ela repetia:
— Você foi aprovado, amor! — Sorrindo e comemorando.
— Eu não acredito nisso… — respondia Ricardo, sem ter certeza de que era real.
Não é assim a vida? Colhemos o que plantamos? Madalena plantava amor e sabia que a
colheita seria farta. Admirava Ricardo pela persistência e por ter alcançado seus objetivos. Ela o
amava, não tinha dúvidas de seus sentimentos e nem dos dele. Era um amor tranquilo,
daqueles que não fazem o coração sair pela boca ou causa borboletas voando no estômago.
Ainda assim, era amor. Venceriam essa etapa e logo estariam juntos. A certeza de que tudo
ficaria melhor do que já era a motivava a apoiá-lo.
Os primeiros telefonemas foram difíceis. A realidade que se abatia sobre Ricardo, as normas
severas, a falta da namorada, das noites tranquilas de sono, a estafa mental, tudo o consumia.
Madalena queria dizer para que voltasse para casa, desistisse e se aconchegasse em seus braços.
Mas não podia. Sabia que, se não fosse sua fortaleza, Ricardo ruiria. Precisava ser a rocha sólida
que sempre foi. O apoio. Que tipo de pessoa seria se fizesse outra desistir de seus sonhos depois
de tanto sacrifício? Ela se manteve forte, dando a força que ele precisava para não desistir.
6

Três meses e meio ANTES do marco zero

Inácio chegou em casa decidido a colocar um fim em seu casamento. Sabia que havia
cometido um grande erro ao trazer Angel para Rio Branco. As coisas já não estavam bem antes
de saírem de Curitiba, mas a possibilidade da mudança, novos ares e de serem apenas os dois
fez com que ele acreditasse nas promessas e súplicas dela de que as coisas iriam se ajeitar entre
eles.
Quando conheceu Angel, ela era uma pessoa totalmente diferente do que se tornou depois
de casarem. Inácio, por vezes, pensava que ela realmente o havia manipulado e se disfarçado de
algo que ele desejava para que se casassem. Mas, após o casamento, Angel começou a mostrar
realmente quem era: uma pessoa calculista, fria, manipuladora e, principalmente, chantagista.
Inácio estava sufocado naquele relacionamento. Não queria mais estar próximo de Angel. Às
vezes, nem suportava ouvir sua voz.
— Precisamos conversar — ele disse assim que abriu a porta do apartamento.
Angel estava deitada no sofá. Mal encarou o marido quando ele falou com ela.
— Angel, não dá mais. Não aguento mais. Nós tentamos, tentamos vindo para cá, mas estou
infeliz. Quero a separação.
Na mesma hora que ouviu a palavra separação, a mulher deu um pulo do sofá. Já com
lágrimas nos olhos, Angel começou a questionar como Inácio era capaz de fazer aquilo com ela.
Abandoná-la num dos momentos que mais precisava dele. Estava deprimida com a mudança.
Tinha conseguido um emprego, mas ainda sentia muita falta de casa e, principalmente, ele não
podia ir justo agora que estavam tentando adotar uma criança.
— Você sabe o quanto sou infeliz por não termos filhos. — Ela chorava compulsivamente. —
Se você me abandonar, eu vou acabar com a minha vida. Você é tudo pra mim, Inácio! Por
favor, não faça isso. — Entre soluços e agarrada às pernas dele, ela implorava. — Vamos fazer
terapia. Daremos um jeito nisso. Eu só não posso ficar sem você.
A cena comoveu Inácio. Mas não era a primeira e ele sabia que não seria a última vez que
discutiriam a mesma coisa.
— Não dá, Angel. Já estivemos aqui inúmeras vezes e nada muda. — Ele passou as mãos
pelos cabelos. — Ainda bem que não temos filhos. Assim, será mais fácil nos separarmos.
— Como você pode dizer isso? Jogar na minha cara que sou seca por dentro e incapaz de
colocar uma criança no mundo? — Angel andava de um lado para o outro aos gritos.
— Não foi isso que eu disse… Disse que, por não termos filhos, é mais fácil.
— Você é um monstro! Olha o que está fazendo comigo? Logo eu, que sempre estive do seu
lado, que topei vir pra esse lugar horrível, que sempre aceitei tudo que você queria. Fala a
verdade, você tem outra pessoa? — ela continuava gritando.
— Claro que não. Eu nunca faria uma sacanagem assim. Mas estou cansado, Angel. Não
transamos faz mais de dois meses. Não conversamos. Vivemos como dois colegas de quarto
neste apartamento e não temos mais nada que nos una. Não dá mais.
Angel respirou fundo, encarou o marido e foi se aproximando dele. Inácio tentou se afastar,
mas vê-la naquele estado também o deixava confuso. A cada discussão sobre o relacionamento,
acabavam sempre da mesma forma: Angel implorando, confessando o quanto o amava e
adorava e Inácio sentindo-se culpado. Talvez ele devesse dar mais atenção a ela, tentar resgatar
o amor que um dia sentiu — ou o encantamento que teve por ela.
Deixou que ela se aproximasse e a abraçou.
— Por favor, Inácio — Angel sussurrou. — Faz amor comigo.
Ela beijou os lábios do marido. Começou a despi-lo, beijando cada parte do seu corpo. Sabia
como seduzi-lo. Se era da falta de sexo que ele reclamava, teria o que queria. Assim, ela
conseguiria tempo pra colocar seus planos com Ricardo em prática. Não parava de pensar no
colega de profissão por um só minuto e no seu filho João. Aquele menino lindo deveria ser
filho dela e não de Madalena.
Desde que conheceu a esposa de Ricardo e viu seu sorriso sempre radiante, sabia que deveria
ser ela naquele posto e não mediria esforços para conseguir. Antes, precisava deixar Inácio
mais calmo e garantir seu casamento até poder pular fora.
Inácio ficou impressionado com a mudança de comportamento de Angel depois da
discussão. Não só na cama, mas no modo de falar e tratá-lo. Talvez, agora, seu casamento
pudesse ser salvo. Passou também a dar mais atenção a ela. Fazer os programas que ela queria
com seus novos amigos e convidá-la para ir a outros lugares. Via que, na verdade, Angel só
ficava feliz quando encontrava os novos amigos. Então, passaram a fazer coisas só com os
outros casais.
Ainda assim, parecia que as coisas estavam se ajeitando, e a aproximação de Angel com
outras esposas parecia lhe fazer bem. Principalmente com Madalena, a quem ela sempre se
referia como a pessoa mais incrível que conheceu na vida.
Pela primeira vez, via Angel realmente ter amigas e querer encontrá-las. Com isso, se
animou para a ideia de adotarem uma criança. Quem sabe, com um filho, eles se acertassem de
vez. Ainda mais porque Angel estava encantada em João, o filho da sua nova amiga.
Algumas vezes, ele ainda se questionava se era isso mesmo que deveriam fazer. Mas estava
decidido a tentar.
7

Uma semana DEPOIS do marco zero

— Meu primeiro objetivo foi alcançado — Madalena falava entre sorrisos para a terapeuta,
que a olhava atônita.
— Você conheceu alguém?
— Sim. Conheci um homem na cafeteria dois dias depois da nossa primeira consulta. Ele se
chama Guilherme, é médico, lindo, gostoso, carinhoso, simpático, bom de papo e uma delícia
na cama.
— Vocês transaram? Como você se sentiu? — A terapeuta parecia cautelosa com a
empolgação de Madalena.
— A primeira vez foi algo libertador. Eu pensava comigo mesma: “estou dando pra outro.
Toma, filho da puta traidor” — Madalena ria enquanto contava. — A segunda vez… — Ela
suspirou em meio às lembranças. — A segunda vez foi, sem sobra de dúvidas, o melhor sexo da
minha vida.
— Como você está se sentindo? — A mulher ainda parecia preocupada.
— Liberta. Mais que isso, eu percebi que tudo que eu idealizava em Ricardo nunca existiu.
Nunca senti por ele essa paixão que estou sentido. O sexo com Ricardo nunca foi o melhor. De
certa forma, isso dá uma tristeza. Eu vivi meus últimos doze anos em uma relação morna
porque tinha medo de me arriscar novamente.
— Como assim, se arriscar novamente? — A terapeuta analisava cada frase de Madalena.
— Antes de me envolver com Ricardo, eu tive um grande amor. Talvez o único homem que
eu realmente amei: Leonardo. Como todas as paixões avassaladoras, minha história com
Leonardo foi breve, intensa e quando terminou, me deixou num buraco de onde foi difícil de
sair.
— Por que vocês terminaram? — O interesse pela ferida era real. Se a terapeuta pretendia
ajudar Madalena a se encontrar, precisava entender sua história.
— Nós éramos imaturos e muito parecidos. Sabe quando você se olha no espelho e só
enxerga os defeitos? Era assim com Leonardo. Nós refletíamos os defeitos um do outro e era
difícil de encarar alguém que pensava exatamente igual.
— Quando vocês terminaram, o que aconteceu?
— Eu fiquei por um bom tempo no fundo do poço. Ele também. Acabamos nos
reencontrando algumas vezes. Quando ele soube que ia me casar com Ricardo, ele ainda tentou
fazer com que eu desistisse e voltasse com ele. Mas eu havia ficado muito machucada. Ricardo
era seguro, estável e me amava.
— Você não o amava?
— Não da mesma forma. Meu amor por ele sempre foi mais fraternal. Não era como com o
Leonardo, que era intenso, forte e chegava a doer.
— Então, Ricardo foi a solução fácil para ter uma vida tranquila no coração, é isso? — a
terapeuta questionava e fazia Madalena refletir.
— Exatamente. Isso é muito triste. — Madalena segurou as lágrimas. Doía se dar conta de
que nunca realmente amou Ricardo.
— E com o Guilherme? Qual o sentimento agora? — A mulher trouxe Madalena de volta ao
presente.
— Esse é o problema. O sentimento com Guilherme é o mesmo que com o Leonardo. Somos
parecidos, temos várias características e gostos iguais. A diferença é que estou mais madura e
não quero ter medo de me arriscar.
— Você acha que está pronta para viver uma história assim? — a mulher ponderava a
pergunta no tom de sua voz. — Para se jogar de cabeça em algo agora?
— Eu quero viver. Sinto que perdi tempo demais na minha vida. Tenho pressa. Além disso,
sei que não vou morrer por uma desilusão amorosa. Eu já passei da fase de estar de quatro por
esse homem, estou estendida no asfalto e, se não der certo, o SAMU me recolhe e eu curo as
feridas. Não é assim a vida da gente? — Madalena sorria para a terapeuta. Estava realmente
decidida a se jogar de cabeça na história com Guilherme. Por que não estaria?
Desde o dia que se viram na cafeteria, se encontraram todos os dias. Primeiro, um jantar na
mesma noite. Guilherme levou Madalena a um restaurante com vista para o lago Azul e toda a
cidade no terraço de um hotel. Jantaram a céu aberto, todo estrelado, à lua cheia, que refletia
no lago, a uma temperatura agradável e um vinho delicioso.
Conversaram tanto que perderam a noção de tempo. O restaurante fechou, mas puderam
continuar sentados na varanda, com a vista perfeita. Para garantir que o vinho continuasse
acompanhando a conversa, Guilherme pediu duas garrafas antes de pagar a conta. Ele contou
sobre sua vida, o casamento frustrado, a filha pequena e seus sonhos de morar na praia.
Madalena falou mais de sua profissão, da carreira, do filho e da falta de planos e sonhos no
momento. Evitou falar sobre Ricardo e o fim do relacionamento. Ainda não conseguia digerir e
entender algumas coisas e precisava fazer isso antes de compartilhar com outras pessoas.
Quando foram embora, o dia estava quase aparecendo no horizonte. Antes de entrarem no
elevador, Guilherme enlaçou a cintura de Madalena, fazendo com que seus corpos se
chocassem e uma onda de eletricidade percorresse cada milímetro da pele de Madalena.
— Eu não aguento mais… Preciso te beijar. — A voz de Guilherme, mais rouca do que o
normal, saiu em forma de sussurro, fazendo Madalena se derreter em seus braços e apenas
concordar com um aceno de cabeça.
O beijo começou carinhoso, delicado, com apenas um roçar de lábios. Guilherme tinha o
cuidado de não parecer afoito. Percebeu, pelas conversas da noite, que Madalena ainda estava
machucada e não queria assustá-la. Mas ela tinha pressa. Aproximou-se ainda mais do corpo
de Guilherme, encaixando os quadris e intensificando o beijo. Um beijo molhado, quente, sexy,
cheio de vontades e desejos até então adormecidos. A mão dele encaixou-se em sua nuca,
enquanto a outra apertava sua cintura. Madalena pôde sentir o volume que havia chamado sua
atenção na cafeteria ganhando vida. A porta do elevador se abriu e, sem desgrudarem as bocas,
Guilherme a levou para dentro, prensando-a na parede do elevador.
Os beijos começaram a descer pelo pescoço de Madalena, que jogava a cabeça para trás,
aproveitando cada toque de Guilherme.
— Desde o momento em que te vi na cafeteria, eu quis te provar. Saber se seu gosto era tão
doce quanto imaginei… — o timbre do homem dava mais tesão em Madalena. Era como se
fosse afrodisíaco puro.
O elevador se abriu na recepção do hotel e ambos precisaram se recompor. Madalena
ajustou o vestido, que parecia querer sair de seu corpo, e os cabelos, enquanto Guilherme
ajeitava o volume em suas calças.
Pegaram um táxi e foram sentados, abraçados no banco de trás. A vontade dela era de pular
no colo de Guilherme e sentir ainda mais aquele homem. Queria se esfregar nele, arrancar suas
roupas e satisfazer suas vontades. Mas Guilherme não tinha pressa — e logo mais precisava
estar no consultório.
Deixou Madalena na porta de sua casa, com outro beijo sedutor, e seguiu viagem no táxi
para sua casa. Madalena entrou suspirando, sentindo-se leve e apaixonada. Cada vez que
fechava os olhos, sentia novamente o gosto e toque de Guilherme. Ainda não havia cumprido
seu objetivo, mas era só questão de tempo.
No dia seguinte, saíram novamente. Foram ao cinema, dividiram a pipoca e riram da
comédia romântica escolhida por Guilherme. Se fosse ela a escolher o filme, seria até normal
para os padrões machistas da sociedade. Mas como foi ele que escolheu, riram bastante.
— Eu só estou querendo te impressionar. Pode ter certeza que depois só vou te levar pra ver
filmes com muito sangue ou putaria. — Ele ria enquanto brincava com ela.
— Você já me impressionou… Não se preocupe. Adoro filmes assim. — Madalena mordeu a
orelha de Guilherme. — Ainda mais se for na sua companhia.
— Se você fizer isso de novo, não serei responsável pelos meus atos. — Ele agarrou o maxilar
dela e a puxou para um beijo. — Seremos provavelmente expulsos do cinema… — beijou-a
mais uma vez, dessa vez com mais intensidade — …e não quero que você ache que sou apenas
mais um tarado que só quer te comer.
— E o que você quer, Guilherme? Porque eu quero mesmo que você me coma. — Madalena
corou com a própria fala, mas era o que mais queria naquele momento. Precisava que
Guilherme a libertasse da única lembrança que ainda restava de Ricardo.
— Agora? Aqui, no cinema? — Ele riu e a abraçou. — Antes eu vou te torturar um pouco.
Deixar você suspirando pelos cantos, pensando em mim.
No terceiro dia, não se viram. Guilherme tinha uma cirurgia e ficou mais de doze horas no
bloco cirúrgico. Antes e depois do procedimento, trocaram mensagens.
No quarto dia, se encontraram no fim da tarde em uma praça. Tomaram chimarrão e
ficaram trocando beijos e carícias. De certa forma, Madalena se sentia uma adolescente
namorando no portão. Ansiava pela próxima fase, mas estava se divertindo com o jogo de
conquista de Guilherme. Viram o pôr do sol abraçados, enquanto dividiam o mate e mais
alguns fatos da vida. Ele contava histórias da faculdade e de suas viagens pelo mundo. Ela
contava de suas tantas moradas. Ainda não tinha novos planos para o futuro e achava que os
velhos planos, destruídos por Ricardo, nunca mais caberiam em sua vida.
Já não tinha tanta certeza se Ricardo havia destruído sua vida. Pensava que talvez, ainda que
da maneira errada, ele a havia libertado. Mesmo que ela tivesse tentado acabar com o
relacionamento um ano antes, ainda doía a forma como ele fez tudo. Mas não queria pensar
sobre isso. Concentrou-se em Guilherme novamente.
— Quanto tempo você vai me enrolar? — Ela encarou os olhos cor de mel e o sorriso que
poderia ser sua morada.
— Como assim, te enrolar, linda? — Guilherme parecia confuso com a pergunta.
— Você sabe… — Ela corou. — Pra gente… — Procurava a palavra certa pra usar. — Ah,
você sabe… — Deu um tapinha delicado na coxa grossa dele. — Você não vai me fazer falar
isso, vai? — Ele riu do jeito que ela ficou sem graça.
— Você fica ainda mais linda quando está envergonhada. Mas por que tanta pressa? Não
está gostando de me conhecer? — Guilherme pareceu confuso.
— Claro que estou. Estou gostando muito. Só que… — ela suspirou. Como falar a verdade
sem parecer que queria usar o homem à sua frente? — É que, desde que me separei, ainda não
saí com ninguém…
— Ué, nós estamos saindo. — Ele riu.
— Você entendeu o que eu quis dizer. Ainda não transei com outra pessoa. Eu quero muito
fazer isso… com você.
Guilherme levantou do chão em um pulo e estendeu a mão para Madalena.
— Vem comigo.
— Pra onde?
— Realizar os seus desejos.
8

Nove anos ANTES do marco zero

— Madalena, por favor! Você tem certeza que é isso mesmo que você quer pra sua vida? Sei
que fizemos tudo errado, que fomos imaturos. Mas a verdade é que não houve um dia nesses
três anos que eu não acordei e dormi pensando em você, me torturando por todas as besteiras e
medos que tive — Leonardo, pela primeira vez desde que haviam terminado o namoro,
resolveu abrir o jogo.
Madalena estava no salão de beleza, arrumando os cabelos para colocar sua grinalda, quando
recebeu o telefonema. Não podia acreditar que, justo no dia do seu casamento, Leonardo havia
resolvido falar o que realmente sentia. Precisava decidir o que fazer. Mas como poderia mudar
de ideia depois de tudo vivido com Ricardo, todos os preparativos para o casamento? Mesmo
sabendo que sempre amaria Leonardo, não queria arriscar. Ricardo era seguro, dedicado,
apaixonado. Ela gostava dele, estava acostumada e feliz. Nem sempre a felicidade é algo que se
possa entender. Mas a segurança de Ricardo a deixava feliz. Já Leonardo era instável. E se, mais
uma vez, ele mudasse de ideia? Não arriscaria nada. Nunca mais queria vivenciar aquele
sentimento intenso que a destruiu. Precisava da calmaria de Ricardo.
— Eu tenho certeza, Leonardo. Você teve várias oportunidades de mudar o rumo da nossa
história antes. Agora estou feliz com meu noivo. Não há mais chance para nós dois. — Ela teve
vontade de sair correndo e ir ao encontro dele, mas não podia fazer isso.
— Você não pensa mais em mim? — A pergunta atravessou Madalena como uma lança.
Claro que pensava. Todos os dias. Seus primeiros e últimos pensamentos eram sempre de
Leonardo.
— Não. Estou feliz. Não volte a me procurar.
Foi assim que ela encerrou a ligação. Pediu à cabeleireira um minuto e correu até o banheiro.
Não podia se entregar às lágrimas, já estava maquiada. Mas a vontade que sentia era de se
encolher em um canto, abraçar os joelhos e chorar baixinho. Como podia um simples
telefonema desestabilizá-la daquela forma?
Leonardo, sem dúvida, era o amor de sua vida. Mas Ricardo era a certeza de um destino feliz.
Poderia viver a vida daquela forma? Acreditava que sim. Não queria mais sofrer como havia
sofrido anteriormente. Só de pensar em como as coisas terminaram com Leonardo e o quanto
foi difícil se recompor, parecia que entrava no buraco novamente. Aquele era o dia do seu
casamento e não deixaria que Leonardo a levasse novamente para um local sombrio de seu
passado. Um lugar escuro, dolorido e sofrido. Era um dia de alegria. Respirou fundo. Molhou
os pulsos e o pescoço. Encarou o espelho e sorriu.
— É isso aí, Madalena, hoje você está tomando a melhor decisão de sua vida!
Terminou de arrumar os cabelos e vestiu-se. Rumou para a igreja escolhida. Antes de entrar
pelo tapete vermelho, agradeceu a Deus a bênção de colocar um homem íntegro e que a amava,
como Ricardo, em sua vida. Renunciava ao passado dolorido para ter uma família. Era isso que
realmente queria.
Ricardo esperava ansioso no altar. Desde o momento que viu Madalena pela primeira vez,
sabia que era a mulher de sua vida. Quando a escolhida finalmente entrou pelo tapete
vermelho, ele segurou a respiração. Ainda custava a acreditar que tinha a sorte de ter uma
companheira de vida como ela. Madalena era leve, de sorriso fácil, sempre disposta a qualquer
coisa. Divertida, alegre, carinhosa, leal, honesta e fogosa. O que mais ele podia querer na vida?
Mesmo nos momentos em que brigavam ou se desentendiam, ela ainda era a mulher mais
maravilhosa que ele conheceu.
A cada passo que Madalena dava em sua direção, ele agradecia. Começariam uma vida nova.
Uma família. Ele, já realizado profissionalmente, agora realizava o sonho de ter aquela mulher
como sua para sempre. Ricardo sabia que não seriam fáceis as adaptações a cada mudança de
cidade. Mas era Madalena que estaria ao seu lado, e isso lhe dava a certeza de que conseguiriam
superar cada dificuldade.
Quando o padre finalmente disse que o noivo podia beijar a noiva, Ricardo sentiu-se
realizado. Estava casado com a mulher que amava. Não havia sentimento que descrevesse as
batidas do seu coração.
A festa, planejada por meses com tanto cuidado, foi comentada pelos amigos por anos. Uma
celebração do amor, diziam todos. Outros, ainda mais próximos, comentavam que nunca
estiveram em uma festa de casamento que emanasse tanta energia positiva.
Madalena sabia que havia feito a escolha certa. Estava feliz. Quem sabe a vida realmente
fosse assim? Nem sempre os amores são feitos para serem vividos. Alguns, talvez, só existam
para mostrar o caminho da vida. Era o que ela pensava sobre sua história com Leonardo.
Ricardo era seu porto seguro. Isso lhe bastava.
9

Três meses ANTES do marco zero

Entre os preparativos pra mudança, Madalena se via atrapalhada com tantas coisas para
pensar. João a preocupava, o menino parecia não aceitar a saída de Rio Branco. Dizia que
queria ficar. Eram tantas coisas a pensar e resolver: o carro que devia ser despachado, os móveis
a serem vendidos, a entrega da casa… Fora as questões que envolviam a nova cidade: procurar
escola para o filho, emprego para ela, uma casa para família…
Naquele dia, Ricardo chegou exausto em casa. Seus planos de ir embora o mais rápido
possível foram destruídos pelo comandante. Buscou na esposa consolo e uma nova estratégia.
Depois de conversarem e chegarem à decisão da data que realmente iriam embora, compraram
as passagens. Agora, tudo se encaminhava. Mais uma mudança: era a quinta cidade em que
morariam desde que se casaram. Estavam felizes e apreensivos ao mesmo tempo. Por mais que
soubessem que tudo daria certo (como das outras vezes), dessa vez, João era uma preocupação
a mais.
Decidiram sair pra espairecer. Foram ao bar de Marisa, como de costume. Chegando lá,
Angel estava sentada a uma mesa. Sentaram-se junto. Madalena ainda sentia pena dela. Mesmo
ela já estando inserida na turma, algo nela a deixava assim. Angel parecia tão infeliz, tão
ingênua e prestativa, sempre querendo saber mais de Madalena, como se precisasse ser aceita…
Conversaram sobre os preparativos da mudança, a data da viagem, a quantidade de
bagagens. Riram de algumas piadas feitas por Ricardo. Angel sempre ria mais que o necessário,
mas Madalena não se importava. Achava que era só sua necessidade de sentir parte da turma
de amigos.
Ricardo, por vezes, parecia incomodado com Angel. Era como se algo ali não estivesse certo.
Madalena percebia, mas não sabia por que o marido tinha certos receios com a colega de
trabalho. Achava que era pelo fato de ser mulher, mas a verdade é que Ricardo se sentia
cercado por Angel. A colega, sempre que possível, o elogiava e o tocava. Ele achava que era
coisa de sua cabeça, mas em alguns momentos parecia que Angel estava dando em cima dele.
Talvez fosse realmente coisa de sua cabeça. Afinal, a mulher era casada também e ele nunca
dava abertura. Costumava até ser usado de exemplo entre os outros colegas como o melhor
marido. Sempre que se referia à Madalena e ao filho, os amigos comentavam o quanto ele era
feliz por ter sua família como porto seguro. Alguns até brincavam que os olhos de Ricardo
brilhavam mais quando ele falava o nome de Madalena ou quando ela chegava perto.
Ele mesmo se sentia feliz com a presença da esposa. Claro que, ao longo dos doze anos de
casamento, tiveram momentos de briga e o último ano havia sido mais complicado. Desde que
Madalena havia falado em se separar, ele não media esforços para deixar a esposa feliz. Foi uma
fase ruim, mas agora havia passado e a proximidade da mudança os unia ainda mais.
O futuro deles estava todo planejado: fariam mais uma ou duas mudanças até que João
entrasse na escola militar. Após os anos de estudo do filho, se aposentariam em uma praia.
Sempre sonharam com isso. Teriam também um motorhome para viajar o país. Eram planos
para a vida toda, como sempre quiseram. Ricardo não imaginava a vida sem a família e, muito
menos, sem Madalena. Por isso, havia se empenhado tanto para que as coisas voltassem ao
normal entre eles no último ano. Madalena parecia realmente feliz e sem mais a ideia de
separação.
Ricardo nunca entendeu o que havia acontecido para que Madalena quisesse continuar a
vida sem ele. Mas o simples pensar nessa possibilidade o angustiava. Talvez fossem os anos
juntos, a rotina — que ele se sentia culpado por ter deixado tomar conta da vida a dois. Ela,
sempre tão cheia de vida, havia se apagado e ele sabia que a culpa, em partes, era sua. A mulher
sempre gostou de festas, amigos, risadas e madrugadas de papos cabeça. E ele, tão cansado com
sua vida corrida, acabou deixando de proporcionar essas coisas por um tempo à esposa. Só
quando ela disse que queria deixá-lo foi que se deu conta. Desde então, estava empenhado em
fazê-la feliz novamente.
Angel continuou rindo de modo desproporcional das piadas de Ricardo. Estava sozinha
naquela noite. Madalena conversava com Marisa quando a mulher literalmente se atirou em
cima de Ricardo. Não percebeu ou ouviu nada.
— Eu te admiro tanto, Ricardo! Nunca conheci um homem tão digno e centrado como você.
Além disso, você ainda é lindo. A mulher que tem você tem muita sorte… Pena que ela parece
não corresponder aos seus valores.
Ricardo ficou sem jeito. Resolveu que estava na hora de ir embora e, sob os protestos de
Madalena, foram para casa. A esposa quis saber o que o incomodava tanto.
— Afinal, Ricardo, qual o seu problema? — Ela bufou. — Estávamos conversando, nos
divertindo e, do nada, você resolve ir embora?
— Não é nada, amor. Só ando cansado. Queria ficar um pouquinho a sós com você. Vou
colocar João na cama e conversamos, ok?
Enquanto dava banho e colocava o filho para dormir, ritual que Ricardo sempre
protagonizava à noite, ficou pensando se deveria ou não contar à Madalena sobre as investidas
de Angel. Achou melhor não. Vai que a esposa resolvesse tirar a história a limpo e fosse coisa
apenas da cabeça dele.
Quando voltou para o quarto do casal, Madalena estava deitada. Juntou-se a ela e a abraçou.
— Nós vamos ficar bem, certo? — A pergunta não precisava de resposta. Era mais uma
afirmação.
— Claro que sim, amor. Nós sempre ficamos. — Madalena abraçou com força o marido.
Começaram a trocar carícias que evoluíram para beijos e toques mais sensuais. Ricardo sabia
exatamente como deixar Madalena excitada. Naquela noite, não pouparia esforços para vê-la
estremecer contra o seu corpo, gritando por seu nome. Mesmo que o tempo tivesse passado
para eles, Madalena ainda era o mesmo furacão.
Ricardo foi beijando o pescoço de Madalena até chegar ao seu colo. Enquanto uma das mãos
acariciava um seio da esposa, a boca encontrou o outro. Entre mordidas, beijos e movimentos
de sucção, ela ia se deixando envolver pelo marido. A mão de Ricardo percorreu o caminho
entre o seio e o meio das pernas da mulher, fazendo com que sua pele se arrepiasse. Ao conferir
que Madalena já estava úmida, introduziu um dedo dentro dela, fazendo movimentos de vai e
vem, tirando-o de dentro e percorrendo toda a área sensível, para depois introduzi-lo
novamente. Ela rebolava na mão dele, pedindo que não parasse, implorando que lhe desse o
orgasmo pelo qual ela suplicava.
— Jura pra mim que você nunca vai me deixar? — Ricardo pediu enquanto masturbava a
esposa.
— Juro, Ricardo. Mas para de me torturar. — Madalena estava quase lá. Queria sentir o
êxtase do orgasmo. Precisava de alívio para seu corpo.
Quando Ricardo ouviu a súplica da esposa, acelerou os movimentos. Sentiu exatamente o
momento que Madalena explodiu embaixo de seu corpo. Não queria perder aquilo. Queria que
ela continuasse sentindo prazer enquanto procurava seu próprio alívio. Sem pensar em mais
nada, colocou-a de quatro na cama e, do jeito que Madalena gostava, deslizou para dentro dela
de uma só vez, forte, duro e seguro, fazendo com que ela gritasse seu nome.
Depois de gozarem juntos, Ricardo puxou Madalena para seu ombro. Em meio a respirações
ainda ofegantes, o prazer dos orgasmos e os corações ainda acelerados, Ricardo declarou:
— Eu te amo mais que tudo nessa vida.
Madalena sorriu.
10

Dez dias DEPOIS do marco zero

— Não te falei que as coisas iam mudar? — A Mãe de Santo encarava Madalena com um
sorriso no rosto. — Você até parece mais viva do que antes!
Eram os efeitos de Guilherme em sua vida. Era como se, mesmo com todas as coisas sórdidas
que haviam acontecido com Madalena nos últimos tempos, Guilherme preenchesse todos os
espaços faltosos. Ainda que lembrasse de tudo que lhe haviam feito, a dor havia sido aplacada
por aquele novo homem. Não era isso que Madalena tinha em mente quando decidiu que
precisava transar com outro. Mas, já que a vida havia lhe dado a possibilidade, não iria
desperdiçar.
Só de lembrar da primeira vez com Guilherme, Madalena ruborizava. Quando saíram da
praça, com a promessa de que ele realizaria os desejos dela, Madalena sentiu-se insegura.
Afinal, depois de tantos anos, como seria realmente estar com outro homem? Fora as
expectativas, que eram tantas. E se não fosse bom? E se sentisse falta de Ricardo? Era
impossível não lembrar do dia anterior ao que sua vida ruiu, quando Ricardo a possuiu com
mais amor do que nunca.
— Para onde estamos indo? — Madalena perguntou reticente ao entrar no carro de
Guilherme.
— Para minha casa. Pensei em tomarmos um vinho, namorarmos um pouco no sofá e deixar
as coisas rolarem. Pode ser? Ou você quer ir pra outro lugar?
— Pode ser, sim.
O resto do trajeto fizeram em silêncio. Madalena, insegura, perdida nos seus pensamentos,
mas com a certeza de que queria fazer aquilo. Guilherme, sem saber exatamente como
conduzir aquela situação. Todas as vezes que olhava para Madalena, sentia seu coração palpitar
de uma forma diferente. Qualquer outra mulher que ele tivesse conhecido, ele não teria
enrolado ou esperado para levá-la para cama. Mas Madalena… Madalena era diferente. Além
do que ele sentia, sabia que estava magoada, mesmo ela não contando toda a história. Sabia que
era recente e, mais do que isso, sabia que não queria que as coisas com ela fossem rápidas ou
breve.
Guilherme também havia saído de um relacionamento longo, mas de uma forma tranquila.
Depois de muitos anos com a esposa, chegaram à conclusão que não estavam mais felizes e
resolveram se separar — como deveriam ser todas as separações. Ainda eram amigos, a filha
havia aceitado bem e eles conseguiram acertar todos os detalhes sem brigas ou traumas. Não
parecia ser o mesmo caso de Madalena. Isso preocupava Guilherme. Não gostava de coisas mal
resolvidas. E se Madalena resolvesse voltar com o ex? E se ela ainda sentisse algo por ele?
Talvez ele fosse apenas um passatempo ou uma vingança. Não queria isso. Madalena fazia com
que ele sentisse coisas que havia esquecido há muito tempo. Além disso, ela parecia ser a pessoa
perfeita para ele. Estacionou o carro na garagem do seu prédio. Antes de descer, resolveu que
precisava saber a verdade.
— Linda, sei que você não quer falar sobre a sua separação ou ainda não está pronta para
isso, mas preciso te fazer uma pergunta. — Guilherme passou as mãos na barba, procurando a
forma correta de questionar o que queria. — Não quero te forçar a falar nada, Madalena, só que
eu estou realmente envolvido nessa relação e, se formos dar o próximo passo, preciso saber. —
Novamente, ele fez uma pausa. Madalena estava atenta ao jeito com que Guilherme se
expressava. — Existe alguma chance de você voltar com seu ex?
— Não.
— Você tem certeza disso? — Ele ainda tinha dúvidas.
— Guilherme, você tem toda razão. Ainda não estou pronta para falar sobre o que aconteceu
ou como as coisas aconteceram, mas não foi de uma forma boa, nem simples e tranquila como
a sua separação. Sei que mais coisas ruins ainda estão por vir. Só que, para o que aconteceu, não
existe volta. Não é nem questão de perdoar. — Madalena parou por um segundo, pensando se
algum dia perdoaria Ricardo. — Mesmo que um dia eu consiga perdoar e esquecer, ainda assim
não teria volta. Eu também estou envolvida com você. Não era exatamente o que eu imaginei
que aconteceria, ainda mais assim… — Ela parecia mais confusa, agora, que falava em voz alta
o que estava pensando desde que esbarrou com aquele homem na cafeteria. — Mas não quero
ter medo de viver e cometer os mesmo erros do passado.
Guilherme sorriu. Sentiu-se um pouco mais aliviado. Encostou levemente os lábios nos de
Madalena.
— Vamos subir?
Ela respondeu apenas com um aceno de cabeça. Parecia encabulada ou nervosa com o que
estava para acontecer, apesar de ansiosa.
Desceram do carro. Guilherme segurou a mão de Madalena e entrelaçou os dedos com os
dela. Ainda em silêncio, fizeram o trajeto da garagem até o apartamento pelo elevador. O
apartamento de Guilherme era simples. Uma sala exibia um sofá largo em frente à televisão;
nas laterais, mesinhas de canto. Uma sacada gigantesca permitia com que o espaço fosse bem
iluminado. Ao lado da sacada, um bar com bancos altos. Nada de mesa de jantar na sala. Vários
quadros com fotos da filha estavam espalhados pelas paredes do ambiente.
— Vou pegar um vinho pra gente, tá? — Guilherme deu um selinho em Madalena, mas ela
segurou seus braços.
— Não. Fica aqui comigo… — Madalena abraçou Guilherme e deitou a cabeça em seu peito.
— Pareço uma menina boba, eu sei, mas é que faz mais de doze anos que não fico com uma
pessoa diferente e estou com medo, apesar de querer muito isso…
Guilherme a apertou com força contra o seu peito. Sentiu uma onda de emoção invadir seu
corpo.
— Por mim, você passará de agora em diante o resto da vida com uma única pessoa…
— Guilherme — interrompeu Madalena —, não vamos fazer promessas ou criar expectativas
que talvez possam nos magoar.
— Vem cá, linda. — Guilherme puxou Madalena pela mão, sentando-a no sofá e se sentando
ao seu lado. — Eu não quero criar expectativas ou fazer promessas. Nem quero magoá-la de
alguma forma. Sei que isso pode ser inevitável, às vezes, mas nunca será intencional. Preciso
que você acredite em mim quando digo que sinto algo diferente. — Pegou ambas as mãos dela.
— Só quero que você saiba que há muito tempo não me sentia assim, envolvido e com o
coração acelerado como agora. — Ele puxou a mão dela para seu peito e colocou em cima do
coração. — A gente não precisa fazer nada que você não queria ou que não esteja pronta, eu
vou entender.
— Mas eu quero… Quero muito.
Madalena não queria mais esperar. Queria se livrar das lembranças de Ricardo, da sensação
de pertencer a ele. Talvez estivesse se envolvendo com Guilherme pelos motivos errados, mas
sabia que sentia algo diferente por ele também. Apesar de não quer ter medo de se arriscar,
tinha medo de se machucar novamente. Será que sobreviveria a mais uma desilusão caso as
coisas não dessem certo?
11

Oito anos ANTES do marco zero

O porta-malas do carro estava abarrotado. O banco de trás também. Eram malas, presentes e
objetos pessoais do novo casal. Apesar de já estarem morando juntos um ano antes do
casamento, numa cidade diferente de onde se conheceram, agora tinham a sensação de que a
vida realmente começaria.
No ano anterior, enquanto Ricardo terminava seu curso preparatório, a casa deles era
totalmente improvisada: colchão de ar, móveis usados, paredes lisas e só o extremamente
necessário para sobreviverem àquele ano. Nenhum dos dois realmente se importava, porque,
afinal, estavam juntos, bem e felizes.
Agora, depois da formatura dele e do casamento, começariam a construir seu lar em uma
cidade que ambos desconheciam totalmente. Era a primeira mudança oficial do casal e da vida
profissional de Ricardo. Sabiam que não seria a única, mas estavam empolgados.
Madalena levava, entre suas coisas, quadros e enfeites. Não queria mais uma casa sem vida.
Ricardo fazia questão de carregar sua coleção de filmes. Os presentes de casamento também
ocupavam lugar no carro, assim como a gata, que havia sido adotada no ano anterior pelos
noivos.
Mesmo que já estivessem juntos há quatro anos e que já dividissem a vida há dois, parecia
que, agora sim, eram uma família e começariam a viver como tal. Ambos tinham sonhos,
planos e expectativas. Não era pelo pedaço de papel que dizia que agora eram marido e mulher,
mas sim porque agora a carreira de Ricardo realmente começaria. Madalena poderia voltar a
estudar e concluir a sua faculdade de Jornalismo. A escolha da cidade foi proposital, para que
ela pudesse se formar.
Ao contrário do que imaginavam, nada foi fácil no primeiro ano de casados. O sonho de
concluir a faculdade adiado às inúmeras missões de Ricardo consumiam tempo. A cidade era
hostil aos forasteiros. Madalena sentia-se triste, sem amigos, sem círculo social, sem opções de
lazer, sem emprego e sem estudos. Ricardo estava tão absorvido com os problemas do trabalho
e as inúmeras tarefas que não percebia o que acontecia dentro de casa. Sua mulher, dia após
dia, se apagava, perdia a vida e o brilho no olhar. Não tinha mais vontade de fazer nada e
muitas vezes nem tirava o pijama. Passava o dia inteiro — por vezes dias, quando o quartel
acabava enviando Ricardo para realizar alguma tarefa em outra cidade — perambulando
dentro de casa, sozinha, como um fantasma.
Quando chegavam os fins de semana e Ricardo podia estar em casa, ele só queria dormir,
jogar videogame e ver filmes. Madalena, que sempre tinha a esperança de que pudessem sair e
conhecer novas pessoas, entendia o cansaço do marido. Não queria incomodá-lo. Então,
fechava-se em sua concha e deixava os pensamentos a levarem. Será que a vida seria assim?
Poderia se acostumar com isso? Afinal, tinha feito uma escolha pelo seguro e confiável. Só não
imaginava que isso tiraria dela a vontade de viver.
Um dia, Madalena não aguentava mais tanta tristeza. Queria voltar a viver, não se
reconhecia mais no espelho, não se identificava com a vida que levava e não via futuro para as
coisas melhorarem. Ricardo estava tão distante e frio. Nada lembrava o homem apaixonado e
carinhoso dos anos anteriores.
— Eu quero ir embora — Madalena disse, deitada no ombro de Ricardo no sofá.
— Mas você sabe que não podemos. Só daqui a dois anos, com sorte. — Ricardo fez um
cafuné nos cabelos de Madalena.
— Eu quero ir embora sem você — ela confessou. Foi quase como se um sopro de vida
tivesse entrado em seus pulmões novamente. Levantou os olhos pra encarar Ricardo, que ficou
paralisado.
— Como assim? Você quer me deixar?
— Ricardo, eu não aguento mais. Não sei mais quem eu sou e o que eu estou fazendo. Eu me
sinto sozinha, sem vida, sem vontade ou sem forças. Quando você passa dias fora, eu nem saio
de casa ou tiro o pijama. Eu só tenho vontade de chorar. Não tenho amigos, não tenho
emprego, nem à faculdade consegui voltar. Sinto como se tudo estivesse paralisado em minha
vida. Inclusive eu. E você está sempre cansado, ausente, mesmo quando está em casa. Eu não
aguento mais.
— A gente sempre soube que não seria fácil, mas não me deixe, Madalena. Eu não sei o que
fazer sem você. Por favor, vamos resolver as coisas. Eu prometo que vou melhorar. Sei que as
coisas não saíram como pensamos, mas ano que vem você volta a estudar e sei que logo
consegue um emprego. Só me dê uma chance — Ricardo implorou. Tomou a boca da mulher
com fúria para si. Um beijo desesperado, cheio de promessas e pavor.
Não queria perder Madalena de jeito nenhum. Sabia que andava ausente e negligente. Ele se
esforçaria para fazer a esposa feliz. Só não podia se imaginar sem ela.
Madalena correspondeu ao beijo com urgência. Sentia-se carente, necessitava daquele
contato físico. Ricardo emoldurou seu rosto com as mãos e, em um sussurro contra seus lábios,
pediu:
— Por favor, amor! Não me deixe.
Ela assentiu com a cabeça. Sem desgrudarem as bocas, uma das mãos de Ricardo alcançou a
nuca da mulher, enquanto a outra apalpou-lhe um seio. Madalena sentiu a mão quente de
Ricardo e todo seu corpo amoleceu. Fazia um tempo que não se tocavam com aquela
intensidade. Sentia falta também. Montou no colo do marido e buscou na fricção de suas partes
o alívio para a dor que sentia. A boca de Ricardo deslizou até o ouvido de Madalena.
— Eu te amo — ele sussurrou com a voz rouca cheia de emoção. — Não me deixa —
implorou.
Madalena era incapaz de responder. Apenas sentia a energia voltar ao seu corpo. Ricardo foi
depositando beijos pelo colo de Madalena até abocanhar um de seus seios. Mordiscou o
mamilo, chupou e lambeu, fazendo a esposa aumentar a fricção. Enfiou uma das mãos entre
seu membro e a umidade dela, afastando sua calcinha para o lado e a tocando. Madalena
estremeceu, arqueou as costas e pediu:
— Não para.
O marido continuava a sugar os seios da mulher, a tocar-lhe em sua parte mais íntima,
fazendo-a rebolar em seus dedos, buscando alívio.
Quando Madalena explodiu nos dedos de Ricardo, um sorriso apareceu em seu rosto. Queria
mais, muito mais. Precisava de mais. Sexo a fazia sentir viva e era isso que ela queria: voltar a
viver. Tirou a bermuda do marido e colocou-se entre suas pernas no sofá, sentada no chão.
Ricardo a observava sem desviar o olhar. Ela começou lentamente a movimentar a mão que
segurava o pau do marido. Com a língua, lambia da base à cabeça do membro, sem colocá-lo
na boca, apenas provocando-o. Os olhos não se desgrudavam. Ricardo não aguentava mais a
tortura. Enlaçou os cabelos de Madalena com a mão. Também sentia falta da mulher fogosa
com quem se casara, mas sabia que a culpa era dele. Puxou Madalena para cima.
— Se você me chupar agora, não vou durar dois minutos. — Beijou a esposa enquanto a
colocava embaixo de si no sofá.
Sem cerimônias ou mais rodeios, invadiu Madalena com seu membro. A mulher estava tão
excitada que não ofereceu resistência alguma. Sentia o desejo que escorria por suas pernas.
Ricardo foi ao ápice em poucos minutos com aquela sensação. Madalena se frustrou.
12

Dois meses e meio ANTES do marco zero

— Amor — Ricardo chamou enquanto estavam sentados num banco na pracinha


observando João brincar —, eu estava pensando… — puxou a mulher para mais perto, em um
abraço. — Acho que essa pode ser nossa penúltima transferência antes de João entrar na escola
militar.
— Também acho que sim… Precisamos pensar no futuro dele. Podemos fazer duas
mudanças mais e depois sossegar por um tempo, pelo menos até ele terminar a escola. —
Madalena completou o pensamento do marido.
— Aí, depois que ele se formar, estarei quase me aposentando. A gente pede uma última
movimentação pra fazer um pé de meia. O que acha?
— E morar em uma casinha na beira da praia… — Madalena suspirou. — Às vezes, parece
que esses planos estão tão distantes e, ao mesmo tempo, vejo tudo que já fizemos.
— O tempo passa voando. — Ricardo acariciou os cabelos de Madalena. — Imagino a gente,
velhinhos, na praia…
— Só a gente e nosso motorhome pra viajar por aí. — Madalena novamente complementou
o pensamento de Ricardo.
Ficaram sentados ali, sonhando com o futuro enquanto João brincava alegremente na
pracinha.
As expectativas da nova cidade, da mudança e de todas as coisas que deviam ser resolvidas
antes da partida, eram uma constante na vida de ambos desde que souberam da
movimentação. A vida parecia ter parado até que a viagem fosse concretizada. Mesmo assim, os
planos para o futuro eram o alicerce deles. Não importava onde estariam, sabiam que estariam
juntos e ambos estavam bem com isso.
Ricardo queria logo ir embora, tinha pressa em sair da cidade. Estava cansado do ambiente
profissional e, mais que isso, estava com saudades da família que não via há quase um ano.
Madalena também. Sabia que precisava recomeçar e, quanto antes pudesse, seria melhor.
Todas as vezes que se mudaram, a sensação era a mesma: primeiro, passavam pelas
inseguranças e medos, pelas expectativas e vitórias; depois, precisavam de um tempo para se
adaptar e organizar.
O marido já procurava opções de casa para família. Madalena queria aguardar chegar na
cidade para não cometerem os mesmos erros que haviam cometido no passado. Ainda assim, a
ansiedade de Ricardo não permitia que ele conseguisse relaxar e aguardar.
— Acho que encontrei uma casa que é perfeita para nós. Perto no novo quartel, com três
dormitórios e garagem. O que você acha?
— Melhor esperar a gente chegar lá pra decidir… — Madalena sempre ponderava.
Ricardo também estava ansioso com a liberação do comandante. Queria poder viajar logo no
início do mês de novembro. Mas, ao que tudo indicava, só poderiam no início de dezembro.
Aguardava aquela resposta para comprar as passagens, mas o comandante só enrolava e nada
dizia.
— Talvez a gente deva desistir e se conformar — Madalena disse ao marido, cansada de
tantas expectativas.
— Ainda vou tentar. Eu sei que tenho esse direito. — Ricardo não queria desistir de ir
embora no início do mês.
— Amor, pensa bem. Talvez seja pra gente só ir no final do mês mesmo. Lembra que sempre
dizemos que as coisas acontecem porque tem que acontecer desse jeito? Então. Vamos nos
convencer de que a nossa hora de partir é no final do mês e começar a pesquisar as passagens.
— Pode ser que você tenha razão. Assim, a gente já consegue planejar o que falta e não
ficamos nessa loucura de depender da boa vontade do comandante em me liberar.
Assim, decidiram que partiriam no dia primeiro de dezembro. Compraram as passagens e
bagagens. Começaram a organizar as despedidas com os amigos. Planejaram a entrega da casa,
a ida para o hotel, o embarque do carro na cegonha… Tudo que precisava ser finalizado e
dependia da data de partida.
O mais difícil era fazer João entender que precisavam ir embora. O menino não se convencia
e pedia a mãe para ficarem em Rio Branco. Quando Madalena explicava que precisavam ir com
o papai, ele dizia que o papai podia ir sozinho. O menino não se conformava de sair da cidade,
deixar sua escola e os amiguinhos para trás. Era a primeira mudança que ele se lembraria e
Madalena se preocupava constantemente com isso. Ricardo parecia não se preocupar tanto,
dizia que João acabaria entendendo.
O casal já estava acostumado. Mais uma mudança não significava nada para eles, mas o filho,
que havia ido para Rio Branco com apenas um ano de idade, sentiria pela primeira vez o que
era recomeçar. Mesmo sabendo que estaria mais perto dos avós, com quem ele só falava ao
telefone ou via anualmente, João não queria ir. Madalena se desdobrava em inventar vantagens.
Nada adiantava. João estava resistente e cada vez mais teimoso e respondão. A mãe entendia o
que se passava com o filho. Toda a ruptura e perda que seria para ele a mudança. Tinha noção
do quanto, nessa mudança, ela precisaria ser mais forte que em outras, por João.
Não havia sido fácil ir para Rio Branco com uma criança pequena e tão distante de todos
com quem ela podia contar como apoio. Mesmo que antes não morassem próximos da família,
conseguiam visitar constantemente e ter alguns momentos de folga e só para o casal. Depois
que se mudaram para Rio Branco, esses momentos ficaram cada vez mais raros. Madalena
contava nos dedos quantas vezes eles haviam existido nos últimos anos. Voltar para próximo
da família era a esperança dela de resgatar algo que havia se perdido — e de que ela sentia
muita falta.
Sabia que o sentimento e a crise (que a fizeram querer a separação alguns meses antes)
haviam passado, mas contava com essa mudança para acertar as coisas de vez. Um recomeço,
em vários sentidos. Não seria só mais uma mudança, seria a definitiva. Depois de muito querer
viver algo e sentir coisas que Ricardo era capaz de proporcionar, a esposa estava convencida de
que voltar para perto de casa seria a chance de voltar a se sentir viva. Não que todos aqueles
anos não tiveram muitos momentos bons e felizes, mas era fato que Madalena apenas seguia
em frente, sem conseguir se sentir ela mesma.
13

Quatorze dias DEPOIS do marco zero

— Você sabe quando um móvel na sua casa lhe desagrada e você quer se livrar dele? Aí, um
dia, você simplesmente tira aquele móvel do lugar. Em vez de ficar contente por ter se livrado
dele, você começa a ficar incomodada com o espaço vazio deixado — a terapeuta usava de
metáforas para explicar o que Madalena verbalizava sobre a falta de Ricardo em sua vida e a
chegada de Guilherme.
— Talvez seja isso. Mas, a cada dia que passa, eu me dou conta de que não sinto falta de
Ricardo. O que realmente me incomoda é como ele pôde fazer o que fez comigo. Eu não
consigo entender.
— É possível que você nunca entenda, mas não é importante você entender o porquê e, sim,
o que você sente. É preciso que você saiba identificar esses pensamentos e não deixar que eles te
consumam.
— Ele ainda me desestabiliza. Toda essa pressão, essa mudança de comportamento, o jeito
como agora está mais afetado e tentando me provocar… Eu não entendo. O que ele realmente
queria que eu fizesse depois de tudo que ele fez? Que corresse atrás? Que implorasse pra ficar?
Eu jamais faria isso. — Madalena encarou a psicóloga. Não sabia por que Ricardo, agora que
sabia que ela estava seguindo em frente, tentava de todas as formas pressioná-la ou atormentá-
la.
— Você mesma respondeu a sua pergunta, Madalena. Provavelmente, você mexeu no
orgulho dele no momento em que não ficou procurando. Isso pode ter gerado a raiva que ele
sente e desconta em você. O ser humano tende a jogar a culpa de seus atos para terceiros.
Assim, não precisa lidar com seus sentimentos.
Madalena refletiu sobre as palavras da terapeuta. Ricardo não estava refletindo sobre seus
atos, estava apenas tentando apaziguar a culpa que sentia e, por isso, se comportava de tal
maneira. Mesmo que o ato cada vez mais magoasse Madalena. Como ela podia esperar que ele
tivesse alguma consideração ou respeito por ela depois de tudo? Depois da traição, das
inúmeras tentativas frustradas dela de deixar as coisas mais simples, apesar do que ele havia
feito?
Ela tentou até o último pingo de força que tinha. Tentou conversar, dialogar, acalmar a
situação. Mesmo sentindo-se humilhada, ferida, despedaçada, ainda assim ela engoliu seu
orgulho ferido em nome de João. Mas Ricardo não conseguia enxergar o que Madalena tentava
lhe mostrar e tudo chegou ao ponto que chegou. Agora, pareciam dois estranhos,
desconhecidos e não conseguiam mais dialogar. Depois que o melhor amigo de seu ex viu
Madalena jantando com Guilherme, as coisas pioraram e se intensificaram. Ricardo a cercava
de todas as formas e parecia que sua única intenção era realmente tirá-la do eixo.
O encontro com o melhor amigo de Ricardo ocorreu no dia que transaram pela primeira
vez. Depois que conversaram um pouco no sofá de Guilherme e Madalena confessou que
queria muito viver aquela experiência, ficaram abraçados por algum tempo, até que os braços
dele se fizeram confortáveis a ela. Madalena sabia que Guilherme não tomaria uma atitude por
achar que ela não estava pronta. Mas ela sabia que precisava daquilo mais do que do ar para
respirar. Não sabia que atitude tomar ou como fazê-lo entender que ela realmente o queria.
Lentamente, pensando em qual a melhor forma de passar a mensagem certa, ela, que estava
com a cabeça enfiada no pescoço de Guilherme, começou a cheirá-lo. Guilherme usava um
perfume que a inebriava. Seu cheiro amadeirado, misturado com o cheiro da própria pele, fazia
com que Madalena tivesse certeza de que era Guilherme que ela queria. Suas mãos começaram
a passear pelos braços e tórax do homem. Ela percebeu quando ele se arrepiou com um beijo
discreto depositado em seu pescoço. Madalena foi aproximando o corpo ainda mais de
Guilherme, que acariciava suas costas enquanto sentia a aproximação. Madalena subiu os
lábios pelo pescoço dele até encontrar sua orelha.
— Eu quero você. Preciso de você… — ela sussurrou. — Agora… — mordiscou sua orelha.
— Em mim.
A súplica da mulher fez com que Guilherme perdesse o controle. Em um movimento rápido,
ele a puxou para seu colo e encaixou as pernas dela ao redor de sua cintura. Tomou a boca de
Madalena, com desespero, em um beijo urgente, molhado e quente. Aquele beijo fez Madalena
perder todos os medos e inseguranças. Ricardo não havia sido seu único parceiro e sabia que
podia se entregar sem culpa a outro homem. Perdeu a vergonha e começou a se esfregar nele.
Precisava de alívio para tudo que sentia. Não só no corpo, mas em sua alma. Sentia o volume
das calças dele aumentar e pressionar com mais força sua parte mais sensível. Chegava a doer
de tanto desejo que sentia.
Guilherme removeu a blusa de Madalena. Por mais que já tivesse tocado em seus seios,
queria vê-los, sentir sua textura, seu gosto. Depois, com uma mão, enquanto não desgrudavam
os lábios, ele abriu o sutiã de renda preta. Madalena se livrou da peça.
— Eles são tão lindos como imaginei. — A voz rouca e grave de Guilherme causou mais
excitação em Madalena. Antes que ela pudesse pensar em algo, Guilherme colocou uma mão
em cada seio, observando as reações da parceira e idolatrando o belo par de peitos que ela
exibia. — São perfeitos para minhas mãos.
As mãos grandes de Guilherme massageavam a pele delicada, fazendo carícias nos mamilos,
devagar. Madalena arqueava as costas a cada toque, cada sensação, envolvendo-se mais e mais
com as carícias dele. Quando Guilherme colocou um dos seios em sua boca e mordeu o bico, a
mulher foi à loucura, rebolando em seu colo com mais força. As roupas que ainda usavam
atrapalhavam. Madalena tinha pressa em encontrar sua libertação. Desabotoou a bermuda que
ele usava e libertou da cueca o volume que havia chamado sua atenção na cafeteria. As mãos de
Madalena, tocando o pau de Guilherme, foram como um estímulo para que ele não
conseguisse mais pensar e agisse por puro instinto. Desabotoou os shorts que ela usava.
Grudou os lábios novamente nos dela e foi se levantando do sofá, com ela ainda ao seu redor.
Quando os pés de Madalena encontraram o chão, ele desceu seus beijos pelo pescoço, colo,
barriga, até que chegou ao cós dos shorts. Retirando a peça e deixando Madalena somente de
calcinha, Guilherme deu dois passos para trás, observando a mulher que sentia um pouco de
vergonha da exposição, mas que também estava envolvida no momento e observava
atentamente o corpo do parceiro.
— Você é perfeita! — Guilherme disse, puxando-a novamente para seus braços.
Madalena, quando observou Guilherme nu, ficou receosa se conseguiria dar conta. O
homem realmente era maior do que tudo que ela já havia visto na vida. Acostumada com
Ricardo, que era pequeno, não sabia se não sairia machucada daquela brincadeira. Mesmo
assim, afastou o medo. Segurou o pau de Guilherme e começou a masturbá-lo. Descia sua mão
até a base, acariciava as bolas e voltava. Ele gemia alto com o prazer que recebia. Madalena se
sentia extasiada de estar tocando outro homem. Quando estava a ponto de explodir, Guilherme
puxou a mão de Madalena de seu pau, fazendo com que ela enlaçasse os braços em seu
pescoço. Segurou a mulher pela cintura e a impulsionou para seu colo. Beijando o pescoço de
Madalena e dando mordidas em sua orelha, caminhou até seu quarto, enquanto ela rebolava
em sua cintura e se esfregava em seu membro.
Delicadamente, Guilherme depositou Madalena em sua cama. Retirou a última peça de
roupa que ainda restava em seu corpo e, beijando-a dos seus pés até a boca, se colocou sobre a
mulher. Ela abriu as pernas para que ele se acomodasse melhor. Entre beijos na boca e carícias,
ele foi entrando devagar nela, tomando aos poucos seu corpo, ocupando seu espaço. Madalena
sentia a invasão. Um misto de prazer e dor. Mas Guilherme sabia que ela precisava se
acostumar com seu tamanho e, por mais que quisesse meter com força, deixava que lentamente
seu pau a invadisse. Quando sentiu que ela havia relaxado, começou a fazer movimentos
circulares com a cintura. Lentos, vagarosos, mas que despertavam em Madalena sensações
internas que ela nem sabia (ou lembrava) que eram possíveis. A resposta de seu corpo veio
rápida. Madalena, que antes sentia algum desconforto, passou a sentir prazer naquela sensação.
Vendo-se à beira do precipício, pronta para pular de cabeça naquela entrega, forçava com as
pernas os movimentos de Guilherme, enquanto rebolava com o quadril e gemia incontrolável.
Não tinha mais domínio sobre seu corpo. Estava totalmente entregue ao prazer e às
sensações que Guilherme lhe causava. Ele, sentindo a entrega dela, abriu mão de todo
autocontrole e investiu com força. Uma, duas, três, quatro vezes. Até que os movimentos foram
ganhando um ritmo compassado, rápido e urgente. Madalena começou a sentir espasmos pelo
corpo. Não os normais de um orgasmo, mas vários, como se fosse uma onda de eletricidade. A
cada nova estocada de Guilherme, um novo espasmo. Perdeu as contas de quantas vezes sentiu
e se refez da sensação sublime de prazer. Os orgasmos múltiplos tomavam conta de seu corpo.
Guilherme, quanto mais a via se desmanchar, mais investia e continuava. Estava por um fio,
mas queria dar todo o prazer possível a Madalena. Porém, quando ela urrou alto de prazer,
chamando pelo nome dele, nada mais conseguiu contê-lo.
Em um último movimento lento, Guilherme sentiu Madalena se contrair por dentro,
violentamente. Para ele, aquela sensação, do seu pau sendo pressionado por ela, foi o estopim.
Acelerando o máximo que podia, ele encontrou o alívio quando, mais uma vez, Madalena se
contraiu embaixo dele.
Guilherme deixou todo o peso do seu corpo cair sobre Madalena. Cansado, exausto,
ofegante e com a deliciosa sensação de prazer. Madalena sentia o peso do corpo de Guilherme
com a sensação de liberdade. Sentia-se liberta e pensou como pôde passar tantos anos se
contentando com pouco. Talvez devesse até agradecer Ricardo pela carta de alforria.
Depois que as respirações se acalmaram e os corações entraram no compasso normal,
Guilherme deitou-se na cama, puxando Madalena, que se aninhou em seus braços. Nenhum
dos dois precisava falar nada. Ambos sentiam a mesma energia. Ficaram abraçados, quietos,
apenas aproveitando as sensações que ainda circulavam em seus corpos, como o sangue.
Quando a fome bateu, resolveram sair para jantar. Estavam mais próximos do que antes e
seus sorrisos e cumplicidade eram percebidos por qualquer um. Foi quando entraram no
restaurante e encontraram Eduardo. O olhar que o homem lançou ao casal foi percebido por
Madalena que, mesmo tentando ignorar, sabia que o melhor amigo de Ricardo não deixaria de
contar. Não se importou. Afinal, fora o próprio Ricardo que a havia deixado livre para viver sua
vida.
Porém, Eduardo não perdeu tempo e nem poupou detalhes do que viu ao relatar para
Ricardo o encontro com Madalena:
— Olha, vou te contar. Nunca vi a Madalena tão bonita e feliz. Estava com aquele sorriso de
quando era nova de volta. Parecia até que tinha rejuvenescido. E o cara? Sério, Ricardo! O cara
é todo gigante, com um sorriso perfeito e confesso que se eu gostasse de homens, com certeza
ele seria meu escolhido. Vou te dizer que, essa, tu perdeu feio.
— Não me importo. Eu também estou com outra pessoa e bem. Quero que ela aproveite a
vida. — O desdém era perceptível na voz de Ricardo.
— Ah, Ricardo. Eu até entendendo que estás com outra e que, dada as circunstancias e o que
tu fez, seja normal essa tua reação. Mas me dizer que estás bem? Isso não me convence.
Ricardo ainda não estava pronto para admitir e tentava seguir em frente com a nova mulher.
Mas, quando parava pra pensar, era o sorriso de Madalena que tomava conta de sua mente.
Quando acontecia algo, era para Madalena que ele lembrava de contar. Quando deitava à noite,
seu último pensamento era Madalena — e quando acordava também.
14

Sete anos ANTES do marco zero

Madalena pediu a conta do bar. Havia saído com algumas amigas para colocar a conversa em
dia, enquanto Ricardo estava em um churrasco com os colegas do quartel. Bebeu um pouco
mais do que deveria e sentia-se alegre, com aquela tonturinha que deixa tudo mais leve.
Queria logo chegar em casa. Estava com saudades do seu marido e sentia-se excitada. As
últimas semanas haviam sido intensas na vida profissional de Ricardo e ele estava sempre
cansado e exausto. Mesmo Madalena se insinuando e tentando de todas as formas animar o
marido, a resposta, há dias, eram roncos.
Hoje ela queria que fosse diferente. Que eles se reconectassem. Sentia falta dos toques e
beijos de Ricardo. Sentia falta de sexo. De orgasmos, da sensação de moleza no corpo e da alma
relaxada.
Às vezes, se perguntava se essa fase passaria. Afinal, a falta de contato íntimo a incomodava
demais. Estavam juntos há cinco anos e nunca havia sentido tanta falta como agora. Talvez
fizesse mais de dois meses que Ricardo não a procurava e Madalena sempre recebia um não
como resposta quando tentava um contato mais íntimo. Ela entendia que ele estava com muita
pressão no trabalho e cansado de tantas atividades. Também havia passado por fases
profissionais parecidas. Ainda assim, sentia falta. Costumava dizer que precisava de três coisas
para viver feliz: ar, comida e sexo. Só que, ultimamente, só o ar e comida não lhe faltavam.
No trajeto para casa, ficou pensando em como Ricardo havia mudado em relação ao sexo
desde o casamento. Se antes ele estava sempre pronto, sempre querendo mais e sempre
preocupado com a satisfação de Madalena em primeiro lugar (e com seu desempenho na
cama), já fazia um tempo que a mesmice os consumia. Era sempre da mesma forma, no mesmo
lugar e, agora, raramente acontecia. Tinha medo de conversar com ele e magoá-lo. Esperaria
um pouco mais, afinal, o marido estava com problemas profissionais. Mas e ela? Pensava em
comprar um vibrador. Ricardo era contra. Acreditava que, se Madalena tivesse tal apetrecho,
não sentiria mais prazer com ele. Escondido ela não compraria.
Quando se conheceram, Ricardo era fogoso. Teria ele perdido o interesse ou seriam os anos
que o estavam enfraquecendo? Como abordar esse assunto com ele sem ferir seus brios de
macho? Madalena queria ter o mesmo parceiro de volta. Sabia que, obviamente, nunca mais
teriam a frequência sexual dos primeiros anos de namoro ou do primeiro ano morando juntos.
Ainda assim, queria sentir-se plena, realizada e satisfeita — e isso envolvia sexo de qualidade
mais de uma vez na semana, não bimestralmente.
Abriu a porta de casa e viu tudo escuro. Imaginou que Ricardo ainda não havia chegado. Foi
em direção ao seu quarto e pensou em tomar um banho, passar um hidrante e esperar o
marido com sua camisola de seda vermelha, a preferida de Ricardo. Porém, quando acendeu a
luz, viu que ele já estava na cama e, como de costume, roncando.
Ficou em dúvida se deveria acordá-lo ou não. Resolveu tomar banho, deitou ao lado do
marido e ficou pensando em como conversaria com Ricardo. Não dava para continuar
insatisfeita daquela forma. Sabia que isso ia acabar afetando demais o relacionamento. Mas
como falaria para ele? Como se faria entender de que não estava satisfeita e sentia falta sem
machucá-lo? Acabou adormecendo e, quando acordou, o sol aparecia pelas frestas da janela.
Sexo matinal sempre foi algo que Madalena gostou. Era sábado, não tinham filhos, poderiam
se dar ao luxo de ficar mais algum tempo no quarto. Virou-se na cama e abraçou o marido que
estava virado para o outro lado. Começou a acariciar seu peito. Sua mão foi descendo, embaixo
da coberta, pelo abdômen de Ricardo. Aproximou o corpo ainda mais, encostando seus seios
desnudos nas costas do marido. Sua mão continuou seguindo o caminho, deslizando para
baixo, até encontrar a barra da cueca de Ricardo. Percebeu a ereção matinal do marido e a
acariciou, enquanto depositava beijos em seu pescoço.
Ricardo despertou com as carícias, virou-se de frente para a esposa e a beijou. Madalena
gostou da retribuição às suas carícias e já pensava na continuação.
— Vamos tomar café? — Ricardo questionou assim que finalizou o beijo.
— Eu pensei em fazermos outras coisas… — Madalena fez uma expressão de inocente e
maliciosa ao mesmo tempo.
— Estou doido de fome. — Ele se espreguiçou enquanto se preparava para levantar.
— Ricardo, a gente precisa conversar. Eu não estou mais aguentando assim. O que está
acontecendo? A gente nem transa mais. — Madalena estava a ponto de chorar.
— Eu só estou atucanado com coisas no trabalho, amor. Não tenho vontade. Apenas isso.
— Você não sente mais atração por mim? Porque se for isso, tudo bem. Apenas vamos seguir
cada um o seu caminho. Mas, dessa forma que estamos, não dá para ir adiante. — Madalena
não segurou mais as lágrimas.
— Madalena… — Ricardo a puxou para seus braços e a acomodou em seu peito num
abraço. — Eu continuo olhando para você e sentindo tudo que eu sentia quando nos
conhecemos. — Depositou um beijo na testa da esposa. — Eu não posso imaginar minha vida
sem você. Por favor, meu amor! Não pense em me deixar. — Ricardo a apertou forte. —
Prometo que vou melhorar e dar mais atenção a você e a nossa vida. Me dá mais uma chance,
eu te imploro.
— Então me come, Ricardo! Eu preciso te sentir dentro de mim. — Madalena sussurrou no
peito do marido. — Agora.
Ricardo girou a mulher na cama, colocando-a embaixo dele. Encaixou-se entre suas pernas e
beijou Madalena como se fosse a primeira vez. Movimentou sua boca pelo pescoço da esposa,
descendo para o colo, encontrando os seios desnudos e sugando-os, um de cada vez, enquanto
sua mão entrava pelo meio das pernas de Madalena. Ela se contorcia e gemia de prazer.
Implorava para Ricardo não parar, mas, antes que pudesse sentir o orgasmo se aproximar,
Ricardo já estava entrando e saindo de dentro dela, com movimentos rápidos.
— Goza, amor, não vou aguentar muito tempo… — ele pediu em seu ouvido.
Madalena sabia que era verdade. Que Ricardo não conseguiria, mais uma vez, fazê-la chegar
lá. Ficou frustrada, mas não quis magoá-lo. Já andava tão estressado com as questões
profissionais que colocar mais um problema em suas costas não ajudaria em nada. Fingiu.
Depois que as respirações acalmaram, os corações voltaram ao ritmo normal e um pouco da
frustração de Madalena havia passado, levantaram e foram tomar café, como se nada houvesse
acontecido.
Madalena ficou se questionando se essa seria sua vida para sempre. Se isso fazia parte do
crescer, amadurecer e ter um relacionamento estável. Lamentava, mas talvez devesse apenas
aceitar que a vida era assim. A vida adulta, de um casal casado e juntos há meia década. De
repente era hora de realmente comprar um vibrador.
15

Dois meses ANTES do marco zero

Faltava pouco tempo para a mudança. Madalena andava às voltas com organização de
despedidas dos amigos que ficariam em Rio Branco; Ricardo, às voltas com as questões
burocráticas. Tudo corria bem para que a família finalmente voltasse ao sul. Estavam felizes. Os
planos, mesmo que não tivessem saído como imaginavam em questões de datas, estavam
organizados e, em breve, Rio Branco seria mais uma cidade que deixaria saudades na vida dos
dois.
João aceitava melhor a ideia de mudança, mesmo ainda apresentando resistência. Mas essa
era vida deles e o menino se adaptaria, como os pais se adaptaram.
Naquela noite, deitados na cama, assistindo um filme, Ricardo lembrou-se de quando
Madalena tentou se separar, alguns meses antes. Pensou em como havia sido relapso com a
esposa. Sabia que a culpa havia sido sua, mas desde então se esforçava para satisfazê-la em
todos os aspectos — principalmente no sexual, que era o que Madalena mais reclamava.
— Eu te amo, Mada! — Ricardo acariciou os cabelos da mulher, tirando sua concentração do
filme.
— Também te amo, amor! — Ela lhe deu um beijo e voltou sua atenção novamente para a
televisão, se aconchegando de conchinha no abraço do marido.
Ricardo afastou os cabelos de Madalena e começou a beijar seu pescoço. Ela já sabia o que
aquilo significava, apesar de ficar incomodada que o sexo parecesse sempre um ritual entre
eles. Começava com os beijos no pescoço, as mãos em seus seios, o membro sendo esfregado
em sua bunda e ela rebolando. Depois Ricardo sempre a virava de frente, se encaixava entre
suas pernas, introduzia os dedos em sua vagina, beijava sua boca, sugava, lambia e chupava
seus peitos e, quando ela atingia o primeiro orgasmo, ele a invadia, rápido, sem muita força e,
em menos de cinco minutos, gozava. Era sempre a mesma coisa. Variavam algumas posições.
Entre papai e mamãe, de quatro, Madalena por cima, ela de bruços. Mas sempre da mesma
forma.
Isso ainda a incomodava, mas via que Ricardo se esforçava para satisfazê-la. De certa forma,
aquilo a deixava confortável, mesmo que o sexo não fosse tão bom quanto ela esperava. Depois
que havia finalmente decidido comprar seu vibrador, mesmo que escondido dele, resolvia seu
problema sozinha quando precisava — e ela realmente achava que era um problema dela, que
sempre queria mais e nunca se satisfazia. Talvez devesse procurar um grupo de ajuda de
viciados em sexo. Talvez.
Ricardo, por outro lado, sentia-se pleno. Tudo estava bem. A mudança sairia em breve,
como a esposa queria. Madalena havia parado de falar em separação e voltava a fazer planos
sobre o futuro com ele — planos que iam desde uma casa na praia na velhice até ver os netos
crescerem. Era um bom sinal. Sinal de que haviam superado as fases difíceis e crises do
casamento. Só queria ir logo embora daquela cidade. Não aguentava a pressão dos últimos dias
de trabalho. Também estava incomodado com as investidas e indiretas de Angel. Fugia dela. O
que mais o incomodava é que Madalena parecia gostar dela.
Não queria prejudicar a carreira da colega, mas, por vezes, pensou em denunciá-la a algum
superior. Até mesmo pensou em contar à esposa, mas não queria gerar uma briga nos últimos
dias antes da mudança. Madalena queria muito voltar para a terra natal e estava realizada com
as novas possibilidades que se abriam. Angel não estragaria essa felicidade e nem a dele ao ver o
sorriso da esposa, o mesmo sorriso que tantos anos antes o havia encantado.
As cantadas de Angel não eram tão fortes assim. A mulher fazia elogios demasiados. Ele era
sempre o mais inteligente, o mais sexy, o mais honrado e assim por diante. Claro que ele se
sentia bem com os elogios. Faziam seu ego inflar. Madalena nunca foi uma mulher de fazer
elogios. Ela sempre demonstrou seu amor na forma de atenção e cuidado, com carinhos e
palavras também. Mas de elogiar a esposa não era muito. Então, a colega de trabalho lhe fazia
bem. Mesmo que exagerado e até desrespeitoso com o esposo dela, ainda assim Ricardo se
sentia melhor do que achava ser cada vez que Angel lhe dirigia alguma frase falando sobre sua
perfeição. Quem não gostaria de tantos elogios?
Faltava pouco para irem embora. Apenas um mês. Não estragaria sua vida inteira por
elogios. Não cairia em tentação — não agora que sua esposa realmente parecia estar disposta a
acertar as coisas entre eles. Claro que Angel não era uma mulher feia, mas também não tinha
nada que lhe despertasse qualquer instinto selvagem. Nada que dissesse que precisava ter
aquela mulher como um troféu. Porque, caso resolvesse ceder às investidas dela, seria esse o
único motivo e Madalena jamais poderia saber. Senão, não haveria perdão.
Era questão de tempo. Em breve, começariam uma nova vida de novo. Não seria a primeira
nem provavelmente a última vez que fariam isso. Às vezes, se pegava pensando que, mesmo
que tivesse algo com Angel, seria breve. Madalena não descobriria e, ao irem embora, tudo
seria esquecido. Ao longo do casamento, nunca uma mulher havia dado tanta atenção a ele
como a colega de trabalho dava. Mas ele já havia se encantado por outras mulheres. Nada que
passasse de um noite ou de troca de mensagens. Nada realmente sério.
Se algo ocorresse, seria como as outras. Nada demais. Apenas para elevar sua autoestima e
variar o cardápio, pensava. Então lembrava-se de Madalena e de tudo que viveram, de como foi
difícil convencê-la de que merecia outra chance — e a ideia sumia de sua cabeça. Era como se
houvesse um anjinho em uma orelha lhe dizendo para ter cuidado e não colocar em jogo tudo
que ele havia reconstruído nos últimos meses e, na outra orelha, um diabinho dizendo que ela
nunca saberia e que mal teria só uma transa diferente.
Quando se encontraram no trabalho, parecia que o anjo havia se afastado. Naquele dia,
Angel foi mais direta:
— Você vai embora e não vai me dar nenhuma chance de te mostrar o que eu sinto por você,
Mendonça?
— O que você sente por mim? — pela primeira vez, Ricardo deu corda.
— Muitas coisas… mas, nesse momento, eu queria te mostrar como eu posso te fazer feliz.
— Ela piscou o olhou e encarou o membro de Ricardo sob a farda.
Ele riu e saiu caminhando para sua sala. A colega parecia realmente interessada em conhecê-
lo mais intimamente. Ficou imaginando como seria, se ela era das que gostavam de apanhar, de
serem xingadas ou se ela seria mais doce. Será que a satisfaria como satisfazia Madalena?
Também pouco importava. Se fizesse algo, seria apenas pela adrenalina e diversão. O que a
outra sentiria pouco lhe interessava. Mas não faria. Não colocaria em risco sua vida e sua
família, agora que estavam quase recomeçando de novo. Além de tudo, Angel era amiga de sua
esposa e isso poderia ser fatal.
16

Um mês DEPOIS do marco zero

— Ele me procurou — Madalena disse assim que sentou no sofá bege com almofadas do
consultório da terapeuta.
— E como você se sentiu? — A mulher observava atentamente as expressões do rosto e os
movimentos da paciente.
— Estou confusa. Muito confusa. Percebo que ele está triste, desconcertado e que sabe que
fez uma besteira muito grande. Mas quando ele fala comigo, está sempre na defensiva, como se
eu tivesse feito algo errado. Além disso, eu tenho certeza de que não quero voltar com ele.
Estou bem e feliz com o Guilherme e, mesmo que ele seja só uma aventura passageira, está
valendo bem mais a pena do que os últimos doze anos da minha vida. — Madalena respirou
fundo, passou as mãos nos cabelos, prendendo-os em um rabo de cavalo alto e continuou: —
Por outro lado, tem o João. Ele está sofrendo muito com tudo que aconteceu e sente muita falta
de Ricardo no dia a dia. Esse seria o único motivo que me faria voltar para ele. Mas não sei se
sou capaz de tamanha renúncia.
— O que você renunciaria, Madalena?
— A minha vida, minha condição de mulher, de profissional… Renunciaria as minhas
vontades para ver meu filho bem.
— E você acha que voltar para o Ricardo seria capaz de apagar o sofrimento de João ou
consertar as coisas entre eles? — a psicóloga questionou de forma retórica.
— Não. Nada vai consertar o que se quebrou e nem apagar das memórias do meu filho toda
a dor que sentiu. Mas isso poderia evitar maior sofrimento.
— Do João? E em você? — a mulher loira questionava para que Madalena refletisse.
— Eu morreria por dentro para que o meu filho fosse feliz. Não é isso que as mães fazem? —
Madalena não conseguia expressar, mas sabia que não conseguiria nunca mais dividir uma
cama com Ricardo sem se sentir morta.
— Você acha que João também não sofreria com a sua mudança e com a sua infelicidade?
Poucas pessoas conseguem disfarçar por muito tempo infelicidade. Além disso, como você
acha que seria para ele descobrir, anos depois, que você abriu mão de você por ele? Essa seria
realmente a solução? — a terapeuta devolveu a pergunta que tanto martelava a cabeça de
Madalena.
— Não. Não seria. A solução seria Ricardo conseguir separar as coisas, amadurecer e
conversar comigo para que o João sofresse o menos possível. Mas eu tentei isso em tantas
conversas, que não tenho mais forças.
— Madalena, você não conseguirá fazer com que Ricardo enxergue nada. Já pensou que a
forma dele agir pode ser uma forma de se proteger do sentimento? Óbvio que ele já se deu
conta da merda que fez. Ver, falar e ficar com o João faz com que ele lembre de tudo, de você.
Ele está se protegendo.
— Mas às custas do sofrimento do filho? — Madalena não se conformava com isso.
— Nesse momento, ele só consegue enxergar a si mesmo. Você tem que fazer o mesmo:
olhar para si, continuar se fortalecendo. Essa é a melhor forma de João também ficar bem.
Quando crescer, ele acertará as contas com o pai. Esse não é um problema seu. É um problema
de Ricardo. — A terapeuta encarou Madalena. — Você já percebeu o quanto você tenta
proteger Ricardo do sofrimento? Às vezes, parece que você também é mãe dele.
Madalena ficou pensando nas palavras da psicóloga. Talvez fosse verdade. Ela tentava
proteger Ricardo da mesma forma que queria proteger João. Mesmo com tudo que o marido
havia feito, ela não o culpava. Culpava Angel pela armação, pela falta de caráter. Era como se,
para Madalena, Ricardo fosse uma criança enganada naquela história. Mas a verdade é que ele
havia feito uma escolha e tudo que aconteceu foi consequência do que ele escolheu. Ela não
tinha que proteger Ricardo, nem podia evitar o sofrimento do filho. Eram dois fatos que ela
sabia, mesmo que não aceitasse.
Estava chegando em casa com Guilherme quando viu o carro de Ricardo estacionado. Sentiu
um arrepio percorrer sua espinha. O que o marido fazia ali? Estavam separados — pelo menos,
morando separados. Ainda assim, eram marido e mulher, mesmo que Ricardo estivesse com
Angel e ela, com Guilherme. Algo a incomodava. A falta da resolução da separação, todas as
brigas, a falta de respeito, as mudanças de humor e ideias de Ricardo. Sabia que não fazia nada
de errado. Afinal, havia sido ele que causara tudo aquilo. Mas por que a incomodava tanto o
marido vê-la com outro?
— Tudo bem, linda? — Guilherme perguntou ao ver Madalena completamente imóvel no
banco do carona.
— Não… Ricardo está estacionado ali. Não sei o que fazer.
— Você quer que eu vá embora?
— Não.
— Quer que eu te leve daqui? — Guilherme não sabia o que fazer. Madalena ainda não havia
contado para ele sobre a separação e conhecia poucos detalhes da história.
— Não.
— Linda — Guilherme passou a mão no rosto de Madalena que então virou-se pra ele —, me
diga o que você quer que eu faça ou o que você quer fazer.
— Eu não sei. É tão estranho isso.
— O que é estranho?
— Isso! Eu e você aqui, ele ali. Nós separados, mas ainda casados… o jeito que minha vida
mudou. Tudo é estranho. Eu não sei o que fazer, Gui. — Madalena segurou o choro.
— Vamos descer? João está esperando a pizza que me pediu. Eu fico com ele enquanto você
conversa com Ricardo. Que tal?
— Pode ser.
João conhecia Guilherme, apenas como um amigo da mãe. Guilherme respeitava isso. Não a
abraçava, beijava ou fazia qualquer carinho excessivo na presença da criança. Não estavam
competindo pela atenção de Madalena. Guilherme nunca faria isso e sabia como o momento da
separação era delicado para criança. O menino, por sua vez, era todo afeto com Guilherme, que
correspondia à altura a atenção de João.
Desceram do carro. Ricardo desceu do seu. Guilherme envolveu a cintura de Madalena com
um dos braços e esticou a mão cordialmente para Ricardo, que a deixou pairando no ar.
— Preciso conversar com a minha mulher — disse rispidamente, olhando de Guilherme
para Madalena.
— Não sou mais sua mulher desde o momento que você transou com a aquela vagabunda
mal caráter que vivia na minha casa. — A raiva tomou conta de Madalena: quem Ricardo
pensava que era?
— Nós precisamos conversar… Eu tenho que falar… — Ricardo baixou a cabeça, respirou
fundo e se dirigiu a Guilherme. — Você poderia me dar um minuto para conversar com
Madalena?
— Claro. Vou levando a pizza para João. — Guilherme beijou a bochecha de Madalena com
carinho. — Qualquer coisa me chama, tá? — Ela apenas acenou com a cabeça.
Quando Guilherme desapareceu dentro de casa, Madalena cruzou os braços em frente ao
peito, como se assim pudesse se proteger das intenções de Ricardo.
— João já conhece ele? Já sabe que você tem outra pessoa? — A raiva transbordava por seus
olhos.
— João conhece Guilherme, sim, e ambos se dão muito bem. Mas ele sabe que é apenas um
amigo querido da mamãe. Ao contrário de você, eu não sou irresponsável a ponto de dizer pra
uma criança que já está sofrendo que estou com outra pessoa. — Madalena respirou fundo.
Não estragaria seu dia com mais uma discussão que não levaria a nada. — O que você quer,
Ricardo?
— Eu fiz tudo errado, eu sei disso. E não existe mais forma de consertar, né?
— Não, Ricardo. Não existe. Eu te disse isso desde o primeiro dia que você saiu de casa. O
que você quer?
— Ter certeza.
Ricardo deu as costas e entrou no carro. Madalena teve vontade de chamá-lo, de dizer que
ficaria tudo bem. Lembrou-se da terapeuta. Foda-se, Ricardo! Quem precisava ficar bem era ela
e era isso que estava buscando: se fortalecer a cada dia e seguir adiante.
17

Seis anos ANTES do marco zero

Madalena estava às voltas com caixas e telefonemas. Precisava cancelar todas as prestadoras
de serviço, terminar de encaixotar roupas e utensílios de cozinha e marcar os móveis para os
caminhões. Dessa vez, seriam duas mudanças: uma para a casa nova e outra com móveis, para a
casa de sua sogra, onde ficariam guardados até um próximo destino. Eles não caberiam no
apartamento de 54 metros quadrados que haviam alugado na cidade nova. Por sorte, na casa de
sua sogra havia espaço para guardá-los. Havia coisas de que Madalena não queria se desfazer.
Apesar de ter feito algumas mudanças na vida, desde que havia se casado, aquela era a primeira
mudança em que precisavam escolher o que iria ou não acompanhá-los.
A mudança era mais que bem-vinda. Madalena havia concluído a faculdade, Ricardo estava
cansado do quartel em que estava e ambos não gostavam da cidade em que moravam. Mesmo
que tivessem amigos e construído uma vida ali, sentiam falta de muitas coisas com as quais
estavam acostumados. Além disso, a distância para visitar os familiares e amigos de toda a vida
também havia se tornado insuportável no último ano.
A nova cidade prometia possibilidades infinitas para o casal. Era mais movimentada,
oferecia diversas opções e ainda ficava mais próxima da terra natal. Nada podia ser melhor que
aquilo.
Faltava menos de uma semana para o Natal. Haviam combinado de deixar tudo pronto antes
de partirem para as festas de fim de ano. Quando voltassem, seria apenas para acompanhar a
retirada da mudança. Os últimos meses haviam sido estressantes para ambos. Madalena estava
envolvida com o seu trabalho e o trabalho de conclusão do curso de Jornalismo, que tomou
mais tempo do que ela imaginava, fora os eventos e atividades pré-formatura. Ricardo também
teve várias despedidas e compromissos no trabalho. Em alguns dias, mal conseguiam se
encontrar dentro de casa, com os horários corridos e todas as atividades. Mas, agora, faltava
poucos dias para aquele período turbulento ficar para trás. Era a isso que Madalena se apegava.
Quando finalmente chegou o dia de viajar para encontrar a família e os amigos em Curitiba,
Madalena sorriu ao trancar a porta da casa. Acomodou-se no carro, no banco do passageiro e
escolheu a trilha sonora da viagem. Observou Ricardo colocar os óculos escuros no rosto —
óculos de que ela sempre debochava porque eram em tons de rosa e pareciam mais femininos
do que masculinos — e pensou que, mais uma vez, recomeçariam, dessa vez, com as baterias
recarregadas de energia das festas.
A viagem de oito horas transcorreu sem problemas. Chegaram já tarde da noite à casa do
pais de Ricardo e, por algum motivo não habitual, resolveram dormir por lá. Não era costume
do casal, já que Madalena se incomodava com a claridade e o quarto que ocupavam quando
estavam lá não tinha cortinas.
Ricardo acordou primeiro. Viu a esposa dormindo serena, enrolada nos lençóis e em posição
fetal. Aproximou-se dela e a abraçou. Andavam tão corridos e envoltos em suas atividades que,
no último mês, mal se tocaram. Começou a beijar seu pescoço em um ritual que ele já estava
habituado. Madalena resmungou, o sono ainda a consumia, mas Ricardo sabia que logo ela
despertaria e responderia a sua investida. Foi o que aconteceu.
Por algum motivo que nenhum dos dois sabia ainda qual era, aquela transa foi diferente,
especial. Talvez fosse apenas a sensação de liberdade, de falta de horários, de férias e de
recomeço que lhes dava essa impressão. Mas nada tirava da cabeça de Madalena que havia algo
mais.
Por dias, quando ela relembrava aquele momento, a claridade dos primeiros raios de sol
iluminavam a imagem que ela tinha do corpo de Ricardo sobre o seu e de seu êxtase quando
gozaram juntos, a mesma sensação invadia seu ventre. Uma sensação que ela não sabia
explicar.
As festas de final de ano transcorreram normalmente. Passaram a noite de Natal com a mãe
de Madalena e amigos e o dia com os pais de Ricardo. Depois, viajaram para a casa dos primos
de Madalena e passaram o Ano Novo. Foram dias de alegria, risadas e muita diversão.
Andavam leves e sem horários, o que agradava a ambos. Sabiam que, em breve, toda a rotina,
tarefas e a mudança os consumiria novamente, mas preferiam aproveitar.
Os dias que se seguiram foram como imaginavam: corridos. Mudanças, viagens, arrumar a
nova morada e tudo mais que era necessário. De repente, o primeiro mês passou e eles nem
sentiram. Apesar da correria do dia a dia e coisas a serem resolvidas, estavam bem. De alguma
forma, aquela mudança novamente os aproximou. Madalena sentia-se mais apaixonada por
Ricardo. Era como se, a cada novo olhar, um pouco mais de amor pudesse surgir. Como se a
cada luminosidade que encostasse na pele do marido, cada novo sorriso, risada ou conversa,
pudesse se encantar novamente.
Ricardo via a mulher florescer. Madalena parecia incomum. Como se tudo nela estivesse
igual e, ao mesmo tempo, totalmente diferente. Ele via a mulher todos os dias, mas cada dia
parecia que algo mudara. Não fazia sentido. Talvez as férias, a mudança, o tempo que
conseguiram novamente passar juntos tivesse feito Madalena sentir-se mais mulher. Ele não
sabia explicar, mas ela parecia cada dia mais resplandecente.
Só que a vida seguiu e chegou a hora da rotina voltar. Ricardo passaria a semana no quartel e
Madalena começou a sentir sua falta no momento em que ele deixou a cama numa madrugada
gelada. Mesmo ainda sendo o final do verão curitibano, as madrugadas já pareciam frias.
Naquele dia, ao sair da cama mais tarde, se arrastando pelo apartamento vazio, Madalena
pegou uma xícara de café e jogou-se no sofá, pensando no que deveria fazer para conseguir um
emprego e ocupar seus dias. Mentalmente foi relembrando o último período e sentiu-se
enjoada. O café, mal digerido, voltou de seu estômago, quase explodindo pela boca e a fez
correr até o banheiro.
Quando olhou-se no espelho da pia, enquanto enxaguava a boca e tirava o gosto azedo de
sua reviravolta estomacal matutina, algo se acendeu dentro dela. Correu até o quarto, tirou o
pijama, colocou a primeira calça de moletom que viu no armário e uma camiseta, calçou os
tênis e correu até a farmácia do outro lado da rua em que morava. Não levou mais do que 15
minutos para estar observando as listrinhas que se formaram no papel em que acabara de fazer
xixi. Observou por algum tempo e conferiu as instruções na caixa mais de três vezes para
entender o que realmente significava aquele resultado.
Correu até o quarto, segurou o celular na mão. Andou até a janela, olhou novamente o papel
com cheiro de urina. Pensou em ligar. Desistiu. Ligou:
— Ricardo, eu estou grávida!
18

Um mês e meio ANTES do marco zero

Ricardo andava apressado por dentro do quartel. Havia recebido uma mensagem de Angel
pedindo que ele comparecesse com urgência ao seu setor de trabalho, pois precisava muito de
sua ajuda. O setor de Angel era um pouco afastado do de Ricardo e, por isso, ele estava
preocupado. O que poderia ser tão urgente que a colega não pudesse pedir a alguém mais
próximo?
Quando entrou na farmácia do quartel, foi surpreendido por Angel que o esperava atrás da
porta. Trancou-a assim que ele entrou.
— O que houve? — Ricardo recuperava o fôlego. — Do que você precisa?
— De você. — Angel começou a caminhar na direção de Ricardo. — Eu já tentei de todas as
formas chamar a tua atenção, já te falei do quanto te admiro, mas você parece não entender que
me apaixonei por você no dia que te conhecei. — Angel continuava caminhando e Ricardo
observava atônito. — Você vai embora em 15 dias e eu preciso só de uma chance de te mostrar
o quanto posso te fazer feliz.
— Você está louca? E Madalena? E Inácio? — Ricardo tentava se afastar da mulher, mas toda
aquela conversa de alguma forma o deixara atiçado, afinal, não era todo o dia que uma mulher
se jogava na frente de um homem daquela forma. Ainda mais, um homem casado.
— Eles não precisam saber. Pode ser um segredo nosso. Só não vá embora sem realizar a
minha fantasia. — Angel então encostou seu corpo no de Ricardo e sussurrou: — Você não tem
curiosidade? — Passou a mão em cima de seu membro e apertou. — De como seria com outra
mulher? Ainda mais, uma mulher que está perdidamente apaixonada por você? — Ela
mordiscou a orelha do colega. — Por favor, Ricardo. Me mostra que você é tudo que eu
imagino quando me toco.
Angel usou as palavras que sabia que fariam efeito sobre Ricardo. Havia estudado
atentamente o modo como ele agia com a esposa e suas reações a cada conversa e elogio.
Ricardo, ouvindo que uma mulher se tocava, imaginando como seria transar com ele, perdeu a
cabeça e agarrou Angel de forma selvagem. Arrancou suas roupas sem ao menos beijá-la,
debruçou-a de costas em um balcão e, antes mesmo que ela pudesse estar preparada, entrou
entre suas pernas de forma rápida e hostil. Angel gemeu de dor, raiva e alegria por ter
conseguido o que queria. Ricardo puxou seus cabelos para trás com uma mão, enquanto com a
outra batia com força na bunda branca à sua frente, blasfemando o quanto ela era vagabunda,
piranha e puta.
Enquanto comia Angel como um animal no cio, pensou em Madalena e no que estava
fazendo. Não gozou. Retirou-se de dentro da mulher e nem adeus deu. Precisava pensar. Como
chegaria em casa e encararia a mulher? O que faria? Logo agora que estavam prontos para mais
um recomeço… Saiu mais cedo do trabalho aquele dia. Quando chegou em casa, abraçou forte
a esposa e disse que estava com muita dor de cabeça. Deitou-se e dormiu. Precisava dormir pra
fugir da culpa, da vergonha e da besteira que havia feito.
Madalena, que não sabia de absolutamente nada, combinava com Sofia o churrasco de
despedida. Seriam os mesmos casais de sempre. Haviam todos se encontrado dois dias antes no
bar de Marisa. Madalena guardaria aquela noite como uma das mais divertidas dos últimos
tempos. Foi exatamente o dia que Ricardo vendeu a cama do casal e eles passaram a dormir no
chão em colchões do quartel.
No bar, estavam Sofia e Márcio, Fernanda e Tiago, Marisa e Angel. Ricardo e Madalena
chegaram depois e a conversa descontraída de sempre fez com que Madalena acabasse
brincando com os amigos:
— Vocês não vão acreditar o que foi a primeira coisa que Ricardo vendeu! — Madalena
piscou para todos, esperando as apostas.
— A geladeira — Tiago gritou. — É bem coisa do Mendonça vender a geladeira!
— A geladeira é minha — gritou Sofia — Se ele vendeu, mato ele!
— Não foi a geladeira — interveio Madalena. — Quem mais se manifesta?
Os amigos gritaram diversas coisas, mas ninguém acertou. Então a mulher resolveu matar a
curiosidade de todos.
— A cama! A nossa cama. Vocês acreditam nisso? Já disse pra ele que agora é greve de sexo
até irmos pro hotel.
Todos caíram na risada. Menos Angel, que ficou observando a reação de Ricardo enquanto
os amigos tiravam sarro dele. Madalena não percebeu.
Enfim, enquanto falava com Sofia sobre os preparativos para o churrasco de despedida que
aconteceria em alguns dias, Madalena preocupava-se com a dor de cabeça do marido e o fato
de estar dormindo tão cedo. Precisavam ainda resolver algumas coisas, entre elas a casa de que
Madalena havia gostado, mas tinha dúvidas, e Ricardo queria dar um sinal. Resolveriam em
outro momento.
Os dias passavam correndo por eles, e uma série de eventos e encontros com os amigos
estavam programados. Eventos no quartel incomodavam Madalena, principalmente porque
agora Angel parecia só enxergar a amiga e João na sua frente.
O churrasco em sua casa foi apenas mais um dos eventos que, de alguma forma, Angel
incomodava Madalena. Foi a primeira a chegar e, por cima de um muro, pediu ajuda a Ricardo.
O jeito com que se dirigiu ao marido de Madalena incomodou profundamente a esposa.
Mesmo assim, preferiu ignorar, afinal estavam indo embora e logo aquela mulher seria
passado. Também incomodou Madalena uma hora quando Angel entrou para a cozinha e
Ricardo foi atrás. Demoraram a retornar, mas Madalena não queria começar uma briga
desnecessária, então resolveu esquecer.
Os dias continuavam voando. Ricardo parecia cada vez mais carente de atenção e
intensificando os planos da mudança e da vida do casal. Mesmo contra a vontade de Madalena,
ele deu sinal na casa que a mulher havia escolhido. A cada dia que passava, parecia que Ricardo
estava mais ansioso para que logo fossem embora e contava os dias, toda a noite, na cama com
sua esposa, enquanto se abraçavam para dormir.
Madalena também andava cansada e ansiosa. Ver sua casa e suas coisas sendo levadas
embora — a casa cada dia mais vazia e começando a ficar sem o básico, as paredes nuas, o eco
que se ouvia ao falar — a entristecia. Mais um ciclo se fechava e ela sabia que algo novo e
melhor viria. Mesmo assim, pensava em tudo que deixaria para trás. Não era a primeira vez e
provavelmente não seria a última, mas sempre era uma despedida.
19

Dois meses DEPOIS do marco zero

Madalena estava nua envolta nas roupas de cama de Guilherme, com a cabeça apoiada no
peito ondulado do homem, enquanto ele acariciava seus cabelos e fumava um cigarro.
Conversavam futilidades, depois de terem o que Madalena acreditava ser a melhor foda de sua
vida. Todas as vezes que se encontrava intimamente com Guilherme, pensava a mesma coisa:
que teria sido a melhor vez de sua vida e que nenhuma outra seria assim. Todas as vezes
seguintes acabavam sendo melhores e o mesmo pensamento ocorria em sua mente. Pensava ser
uma boba por querer compartilhar isso com ele, mas, quanto mais se conheciam e se
aproximavam, mais Madalena sentia-se à vontade para se mostrar quem realmente era. Isso
incluía seus pensamentos loucos ou suas curiosidades agudas.
Naquele momento, tão íntimo, intenso e relaxante, ficou completamente livre para falar o
que sentia quando estavam juntos. A reação de Guilherme foi leve — passional de alguma
forma e racional de outra:
— Também tenho essa mesma sensação, de que cada vez é melhor. Mas acho que também
tem a ver com a intimidade que vamos construindo, com o conhecer o outro melhor. É
normal, não é? Quanto mais a gente se conhece, mais sabe do que o outro gosta, e vamos
aperfeiçoando. — Guilherme mal terminou de falar e puxou a mão de Madalena para seu pau,
enquanto enfiava a outra entre suas pernas. Enquanto fazia movimentos calmos em seu clitóris
e Madalena acariciava seu membro, continuou: — Eu sei, por exemplo, que você adora quando
eu faço isso. — Acelerou o movimento da mão, apertando o clitóris de Madalena, descendo
seus dedos até sua vagina, adentrando-a com rapidez e deslizando novamente para seu clitóris,
fazendo o caminho inverso de poucos segundos antes.
Madalena arqueou as costas e gemeu em aprovação. Aquele toque era único de Guilherme e
a enlouquecia completamente. Essa era só uma das coisas que ela amava no sexo com ele. Não
havia roteiros, tendências ou rituais. Cada ato sempre começava de forma diferente,
improvisada e excitante — e nunca terminava igual. Claro que repetiam posições e já
conheciam as preferidas de um e de outro. Mas, ainda assim, era sempre melhor que a vez
anterior e sempre diferente.
Guilherme não se cansava nunca e Madalena, por mais que queimasse todas as vezes que ele
a tocava, às vezes pedia trégua. Ele era atencioso, cuidadoso e, ao mesmo tempo, selvagem na
cama. Porém, era grande (em todos os sentidos). Com a repetição do sexo seguido, Madalena
ficava dolorida — de uma forma deliciosa, mas que a fazia pedir por descanso. Nessas horas,
Guilherme então deliciava-se com seu gosto. Chupava calmamente Madalena. Lambia sua
boceta como se curasse as mazelas que sua grandeza e seu desejo causavam. Foi assim que
Madalena descobriu, pela primeira vez em sua vida, o que significavam orgasmos múltiplos no
sexo oral — e não foi uma única vez que isso aconteceu, muito menos em chupadas diferentes.
Foi naquele dia, também, depois da terceira ou quarta vez que transavam na noite, que
Madalena resolveu que queria falar para Guilherme o que realmente havia acontecido em sua
vida e seu casamento. De alguma forma, achava que precisava explicar a Guilherme por que se
preservava e se reservava de assuntos que envolviam sentimentos, envolviam status de
relacionamentos ou pronomes possessivos.
Ao terminar de contar sua história, Guilherme a envolveu em um abraço, aninhando
Madalena ainda mais em seu peito. Não havia o que ele falar ou questionar. Ela estava
completamente nua em seus abraços e acabava de expor a sua alma, sua mágoa e sua vida a ele.
Mas sabia que se não falasse nada, Madalena poderia entender de outra forma:
— Eu entendo que ainda estamos nos conhecendo e que muito ainda iremos conhecer um
do outro, mas, Mada, quero que você saiba que te admiro mais ainda agora que sei exatamente
o que aconteceu. Não é todo dia que uma mulher passa pelo que você passou e se levanta tão
rápido. — Ele beijou sua testa em sinal de carinho.
— Eu só queria que você entendesse o porquê fujo de algumas conversas e por que prefiro
não definir nossa relação. Ainda estou machucada e, por mais que tenha certeza dos meus
sentimentos e do que quero, às vezes, ainda sangra. — Ela inclinou-se para fitar os olhos de
Guilherme e, quando os olhares se encontraram, uma segurança esquentou o coração de
Madalena. — Eu gosto de você e do que temos. Apenas não quero que isso mude ou se torne
um fardo.
— Nós somos namorados, Madalena. Eu poderia dizer que não somos nada, apenas rir e
concordar com você. Mas o que temos é isso: um namoro. Não tenho vontade de sair com
outras pessoas. Você tem? — Ele a encarava e seu rosto expressava, de alguma forma, medo.
Sabia que havia se arriscado demais.
— Eu também não tenho a menor vontade de sair com qualquer outra pessoa. Só tenho
problemas com denominações e pronomes possessivos. Medo de que, se dermos um nome a
isso, as coisas mudem, fiquem chatas, pesadas e virem obrigação. — Ela encostou-se
novamente em seu peito.
— Madalena — Guilherme puxou a mulher para que lhe encarasse novamente —, nós somos
namorados. As coisas não irão mudar ou ficar chatas e pesadas porque não somos assim. Sei
que você tem seus traumas e medos e eu os meus, mas somos as mesmas pessoas com pessoas
diferentes. E, se somos assim, do jeito que somos, nosso relacionamento será do nosso jeito, e
não dos outros. — Ele a puxou, aproximando seus lábios, e depositou um beijo de leve.
Madalena não sabia se foram as palavras de Guilherme ou o sentir dos lábios se encostando,
mas algo dentro dela se acendeu, fazendo-a montar nele sobre a cama. Esfregou a umidade que
escorria pelo meio de suas pernas no pau que já começava a enrijecer de Guilherme. Debruçou
o corpo sobre o corpo do homem e mordeu sua orelha, bem no lóbulo, fazendo-o gemer.
— Então, será sempre assim? Melhor, gostoso e mais intenso. — Rebolou no membro
completamente enrijecido do homem. — Se for assim, aceito ser sua namorada. — Com uma
mão, posicionou o pau de Guilherme em sua vagina e, num movimento rápido, o engoliu
completamente.
Madalena, então, sentou-se completamente sobre Guilherme, rebolando, subindo e
descendo, gemendo e libertando-se, de alguma forma, mais um pouco do seu fantasma
passado. Se ela já não soubesse que a próxima seria melhor, diria que essa havia sido a melhor
foda de sua vida.
20

Cinco anos ANTES do marco zero

Ricardo passaria aquele feriado fora de casa. Uma missão no quartel o prenderia. Madalena
pensava em qual seria sua programação. O dia que findava era frio e cinzento, mostrando que
os próximos dias, provavelmente, também seriam assim. Com oito meses de gestação, não lhe
restavam muitas opções de programas, ainda mais com aquele tempo, que fossem agradáveis e
não tão cansativos. Optou por passar no mercado, reforçar o estoque de guloseimas e se
dedicar a séries e filmes. Ainda faltavam alguns detalhes para a chegada de João, então
aproveitaria os dias sozinha.
Quando começou a arrumar a cômoda com as roupinhas já lavadas e passadas do bebê,
lembrou-se do dia que descobriram seu sexo. Na clínica, Madalena estava deitada sobre a maca
ouvindo todas as explicações que a médica que fazia o exame dava, enquanto Ricardo estava
angustiado para saber o sexo. Logo ao entrar na sala, sua primeira pergunta havia sido essa. A
médica disse que veria primeiro outros detalhes e que por último poderíamos saber o sexo.
Ricardo estava impaciente.
— Agora, papai — a médica virou-se para ele —, poderemos saber, nessa imagem aqui —
posicionou o cursor da tela para cima de um determinado ponto —, o sexo…
Ricardo a interrompeu com um grito:
— É menino! Olha ali! É menino! — Ele parecia uma criança que havia acabado de receber
um bilhete só de ida para Disney, com todos os brinquedos gratuitos por toda a vida.
— É, doutora? — Madalena buscava confirmação.
— Sim. Seu marido tem razão. — A médica sorria para Madalena e ria da empolgação de
Ricardo, que já pegava o telefone e anunciava a todos os amigos com frases chulas.
— É um menino, pica fumo! Avisa o pessoal que ganhei a aposta. Eu disse que meu leite não
era fraco. É um guri!
Aquela frase se repetiu inúmeras vezes, em telefonemas diferentes e, quando Madalena saiu
da sala de consultas, toda a clínica lhe dava os parabéns pelo menino. Ela sentia-se
constrangida, mas, ao mesmo tempo, divertida com a reação de Ricardo.
Quando saíram da clínica, entraram em uma loja de presentes e João ganhou seu primeiro
carrinho de brinquedo: um camaro amarelo de plástico.
Naquela noite, depois de terminar a arrumação da cômoda, Madalena deitou-se em sua
cama para assistir televisão. Acabou adormecendo cedo. Acordou no meio da noite com a
sensação de que havia feito xixi nas calças. Se levantou da cama e resolveu tomar um banho
quente antes de trocar as roupas de cama. Agradeceu que Ricardo estivesse no quartel para não
vê-la passando por aquele constrangimento. Então, quando entrou no banho, sentiu escorrer
por suas pernas um líquido quente, viscoso e transparente. Não era xixi, como pensara. Sua
bolsa havia rompido. João ainda não estava pronto, faltava um mês, mas sabia que precisava
tomar uma atitude. Saiu do banho, enxugou-se e vestiu-se. Então, ligou para seu obstetra que
atendeu no quinto toque.
— Doutor, desculpe o horário, mas minha bolsa rompeu agora. Preciso saber o que fazer,
pois ainda não está na hora. — Madalena mantinha-se calma. Sabia que tudo ocorreria bem.
— Mas isso é hora desse bebê querer nascer? Tá com pressa ele de ser curitibano. — o
médico brincou fazendo alusão ao aniversário da cidade. — Vá para o hospital e se apresente.
Diga que é minha paciente. Logo irei encontrá-la.
Calmamente, então, Madalena pegou sua bolsa (que já estava pronta), a bolsa do bebê, seus
documentos e telefonou para um táxi. Desceu vagarosamente as escadas com as bolsas e
esperou na portaria. Era mais de 3 horas da manhã e sabia que Ricardo dificilmente atenderia o
telefone, pois estava dormindo no alojamento do quartel. Mesmo assim tentou. Para sua
surpresa, ele atendeu no terceiro toque.
— Amor, minha bolsa estourou. João vai nascer antes da hora. Já falei com meu obstetra e
estou indo para o hospital — falou de uma só vez.
— Vou dar um jeito de sair daqui. Te encontro lá, amor.
Madalena nem teve tempo de se despedir, tamanha a angústia e o nervosismo que Ricardo
sentiu. Saiu correndo de seu alojamento para falar com o superior. Em menos de 20 minutos, já
estava liberado do quartel. Porém, o quartel era a 100 quilômetros de onde Madalena estava e
temia não chegar a tempo de ver o filho nascer.
Quando o obstetra chegou ao hospital, Madalena já estava acomodada em um quarto pré-
parto. Esperava por Ricardo ansiosa, mas sabia que daria tempo pelo exame realizado pela
enfermeira. Estava tranquila, de uma forma anormal, para o nascimento do primeiro filho.
Ricardo chegou enlouquecido. Entrou no hospital correndo, imaginando que seu filho já
tivesse nascido, mas, ao encontrar Madalena, acalmou-se, vendo a mulher deitada na cama,
com a camisola do hospital e um sorriso no rosto.
— Estava nervoso. Não sabia se chegaria a tempo! — ele disse, enquanto beijava a testa da
esposa.
— Eu nem sei como consegui te avisar. Foi um verdadeiro milagre: logo tu, atender o
telefone no meio da madrugada — Madalena brincou.
— Eu também não sei como acordei com ele vibrando. Deve ser sexto sentido paterno — ele
também brincou.
As contrações de Madalena foram ficando mais intensas a cada hora passada. Todo o
processo de dilatação ocorreu da forma como ela conversara e imaginara com o médico, o que
deixava a mulher cada vez mais corajosa para o parto que havia escolhido. Ao realizar o último
exame de toque, o médico constatou que estava na hora e Madalena, segurando a mão do
esposo, foi para a sala de parto.
— Ricardo, quando João nascer, quero que você fique todo tempo de olho nele e o
acompanhe até sermos levados para o quarto novamente, tá? — ela pediu ao marido. O único
medo que Madalena tinha era de ter seu filho roubado ou trocado dentro do hospital.
O marido fez exatamente o que foi pedido pela esposa. Depois de segurar sua mão e lhe dar
todo apoio necessário para que ela parisse o filho, ao ouvir o choro do bebê, voltou toda a sua
atenção àquele ser tão pequeno que acabava de chegar ao mundo, o acompanhando em cada
manobra feita por médicos e enfermeiras, até que, finalmente, mãe e filho fossem levados para
o quarto.
Foi só naquele momento, no quarto, com a família sozinha, que Ricardo se permitiu sentir
toda a emoção que havia aflorado dentro dele ao ver João ali, tão pequeno e indefeso. Pegou o
filho no colo, beijou com cuidado sua testa e o aninhou em seu peito, sentando-se na poltrona,
ao lado da cama da mulher. Madalena ficou observando a cena, ainda se recuperando do
esforço de colocar uma criança no mundo, sorrindo. Ouviu Ricardo sussurrar:
— Eu sempre vou estar do teu lado. Nunca vou te faltar, meu filho. Você sempre será a coisa
mais importante da minha vida, assim como sua mãe. — Olhou para a esposa, que estava
sonolenta, e dirigindo-se a ela falou: — Eu te amo, Madalena. Obrigada pelo maior e melhor
presente da minha vida.
Uma lágrima fujona escapou pelo canto do olho de Madalena, mas ela não se importou.
Aquela lágrima era de felicidade. Apenas assentiu com a cabeça, afirmando para o marido que
sentia o mesmo e deixou o cansaço dominá-la, fechando os olhos para dormir e recuperar as
forças.
21

Um mês ANTES do marco zero

Dentro do avião, Madalena observava as expressões preocupadas de Ricardo. Não sabia por
que o marido estava daquele jeito — afinal, finalmente estavam indo embora. Chegariam em
poucas horas à terra natal e poderiam conviver alguns dias com a família antes de irem para a
nova cidade. Tudo estava se encaminhado: a casa reservada, sabiam o que precisavam comprar
e verificar assim que chegassem lá. Os planos em ordem. Passariam o final de semana em
Curitiba e depois iriam para Cascavel.
Até João já aceitava a mudança, apesar de ainda dizer que gostaria de ficar em Rio Branco.
Madalena estava preocupada com o filho. Seria a primeira perda significativa da sua vida, uma
mudança radical. Não só de rotina, mas também climática e de costumes. Outras crianças
talvez tirassem de letra, mas João era bem mais sensível.
Chegaram exaustos a Curitiba. O dia havia sido uma grande correria e a viagem de mais de
sete horas de avião era exaustiva. Mal entraram na casa da mãe de Madalena, trocaram algumas
palavras e se acomodaram para dormir. O sono chegou rápido e a Madalena só despertou no
outro dia pela manhã, quando Ricardo a beijou na boca de forma carinhosa, afirmou que iria
correr até a casa dos seus pais e depois voltaria para buscá-los, ela e o filho. Madalena sorriu, se
aninhou novamente nas cobertas, mas ainda ouviu Ricardo sussurrando:
— Te amo.
Passaram o dia na casa dos pais de Ricardo. Organizaram seus móveis e utensílios que
queriam levar para a nova casa. Ficaram deitados no sofá, abraçados, fazendo planos enquanto
João brincava com as primas. Um dia tranquilo na vida de um casal que normal.
Ricardo verificou seu celular e ficou em pânico com o que leu. Uma mensagem de Angel
dizia que Inácio havia descoberto tudo, expulsado-a de casa e dito que contaria a todos no
quartel e à Madalena. Ela falava para Ricardo que era melhor ele se adiantar, afinal, seria muito
mais fácil perdoá-lo se fosse ele a contar.
O que Angel não contou para Ricardo era que ela havia provocado Inácio. Fora buscá-lo no
inglês e propositalmente havia ficado mexendo no celular, olhando as redes sociais de Ricardo.
Quando Inácio chegou ao carro, ela fingiu disfarçar, deixando que o homem visse o motivo de
seus suspiros para o celular. Depois disso, chegaram em casa e Inácio a questionou. Ela
confessou que tivera um caso com Mendonça. Inácio apenas disse que queria se separar e
colocou algumas coisas dentro da sua mochila, dizendo que iria ficar alojado no quartel, saindo
de casa.
Depois de mandar a mensagem a Ricardo, contando o que lhe convinha e se fazendo de
vítima, Angel tomou um banho sorrindo, arrumou-se como se nada tivesse acontecido e foi
para a festa de um ano do filho de Fernanda e Tiago, encontrando todos os amigos que
Madalena havia apresentado para ela e sentando-se à mesa deles, ocupando o seu novo espaço
naquela turma.
Na hora de retornarem para a casa da mãe de Madalena, ela sentiu o marido distante.
Perguntou o que estava acontecendo e ele apenas negou com a cabeça, dizendo que tudo estava
bem. Madalena sentia que havia algo deixando Ricardo inquieto. Pensou que pudesse ser
apenas a preocupação com a mudança e com toda a nova adaptação e deixou de lado aquela
angústia que sentia ao ver o marido daquela forma. Jantaram com a mãe de Madalena, ainda
fazendo planos para a viagem à nova casa que aconteceria na segunda. Depois do jantar,
Madalena foi para o quarto, pegou um livro e sentou-se para ler. Ricardo entrou em seguida,
fechou a porta do quarto, sentou-se em frente à Madalena e falou:
— Mada, preciso te contar uma coisa. — Madalena apenas abaixou o livro e encarou
Ricardo, que colocava as mãos no rosto em uma expressão claramente nervosa. — Eu me
apaixonei por outra pessoa. — Ricardo achava que, se falasse de sentimentos, seria perdoado
mais fácil.
— Quem? — Foi a única coisa que Madalena conseguiu dizer.
— Angel.
— O quê? Você teve um caso com uma mulher que frequentava a minha casa e fingia ser
minha amiga?
— Não aconteceu nada entre nós — ele mentiu.
— Ricardo, eu não sou idiota. Você acha realmente que eu vou acreditar que você está me
contando isso sem nunca ter tocado nessa vagabunda? Que tipo de pessoa tem um caso com o
marido de outra mulher e continua frequentando a sua casa, fingindo que é sua amiga? —
Madalena estava aos gritos. Nunca imaginou tamanha traição. Mais do que o fato de saber que
o marido a havia traído, o que mais a machucava naquele momento era descobrir com quem e
a ligação que tinham, além da total falta de cuidado de Ricardo de preservar a mulher e não
deixar a outra se aproximar.
— Madalena, desculpe. Eu nunca quis…
Madalena o interrompeu:
— Cala a boca, Ricardo! Sai da minha frente agora! O que você fez não tem perdão.
Madalena levantou-se da cama e foi saindo do quarto e indo em direção à porta da frente da
casa de sua mãe. Abriu a porta e mandou Ricardo sair. Ele tentava conversar. Ela não queria
ouvir. Quando Ricardo saiu e ela fechou a porta, seu mundo desabou. As lágrimas não
conseguiam ser contidas e ela não era capaz de racionalizar o que havia acabado de ouvir.
Como era possível que alguém que ela havia colocado para dentro de casa, tratado como amiga,
fizesse isso? E pior: como Ricardo havia permitido essa aproximação, tendo um caso com a
mulher?
Os pensamentos de Madalena estavam confusos. Ela pegou o celular e enviou uma
mensagem para Sofia, contando o que havia acontecido. Sofia respondeu imediatamente
dizendo que Angel estava na festa de aniversário e bem na sua frente. Mandou um áudio.
— Amiga, não fica mal. Eles se merecem. Quem começa um relacionamento assim, à base de
mentiras e traições, vai acabar se fodendo na vida. Melhor pra ti que te livrou desse traste. Pode
ter certeza que ela é uma vagabunda e vai pagar caro pelo que fez.
Ao ouvir o que Sofia dizia no celular, Angel endureceu na cadeira. Sofia apenas se levantou
da mesa e se afastou. Quando retornou, Angel havia ido embora sem se despedir.
Enquanto Madalena tentava colocar os pensamentos em ordem, Angel, que já sabia o que
havia acontecido e que Ricardo havia contado a esposa sobre o caso, ligou para o homem,
oferecendo o consolo que ele precisava por ter perdido a esposa, reafirmando o seu amor por
ele. Dizia que agora nada os impedia de ficarem juntos, que era tudo coisa do destino e que
iriam ficar bem. Angel também aproveitou a conversa para dizer pra Ricardo que não sabia o
que faria da vida. Afinal, com a descoberta de Inácio, ela não teria onde morar. Estaria sozinha
e perdida no mundo e, de alguma forma, Ricardo sentia-se responsável por aquilo. Ele estava
confuso. Mas agora que havia feito a maior besteira da sua vida, precisava reagir e tentar
resolver as coisas. Sabia que Madalena jamais o perdoaria e talvez, só talvez, Angel tivesse razão
e a vida deveria ser assim.
Ele não pregou o olho aquela noite. Madalena também não. Logo que o dia raiou, ligou para
a esposa, pedindo para conversarem. Mais calma, Madalena aceitou. Durante a noite,
ponderou: não era só ela que seria afetada com tamanha traição. Havia João e o menino já
sofria pela saída de Rio Branco. Engoliu todo o seu orgulho e se preparou para a chegada de
Ricardo. Sentaram-se nas escadaria da casa de Madalena e começaram a conversar.
— Nós não podemos fazer as coisas assim — Madalena começou. — Tem o João e ele vai
sofrer muito com tudo isso. Vamos manter nossos planos, vamos para Cascavel juntos e
tentaremos consertar as coisas entre nós. Se não der certo, você vai para o quartel, eu fico na
casa com João até o final do ano e assim ele vai aceitando e entendendo gradativamente nossa
separação.
— Eu não posso fazer isso, Madalena. Minha atitude gerou consequências para outras
pessoas. Preciso assumir meus erros. — Ricardo não conseguia encarar a esposa.
— Você está dizendo que uma pessoa que entrou na sua vida agora é mais importante do
que eu e seu filho, é isso? — Uma lágrima tentava novamente fugir dos olhos de Madalena, mas
ela se segurou. Ricardo não respondeu. — Quando você me pediu uma chance, eu te dei,
Ricardo. Não é justo, agora, que você faça as coisas desse jeito. E tem o João, ele vai sofrer
muito.
— Madalena, eu quero que a gente faça isso da forma mais tranquila e amigável possível. Sei
que te magoei muito, mas sempre serei presente. Um dia, você conhecerá outra pessoa e essa
pessoa terá que me aceitar. Eu nunca vou abandonar vocês ou deixar faltar qualquer coisa.
Madalena não tentou argumentar. Sentia-se cansada demais. Iria apenas aceitar o que
Ricardo queria. Nem sabia se havia algum outro motivo para lutar pelo seu relacionamento que
não fosse João. O sacrifício de engolir o orgulho, mesmo que pelo filho, talvez não fosse a
melhor saída.
Ricardo pensava de forma prática. Queria dividir o dinheiro que tinham, organizar as coisas
para que João e Madalena ficassem bem instalados na casa da mãe de Madalena e contar ao
filho. A mulher sentia-se em choque e apenas concordava com tudo que o marido fazia e
falava. Sem pensar, sem entender ou racionalizar. Era como se ela tivesse sido abduzida para
um universo onde apenas observava suas ações e agia em resposta, sem conseguir pensar em
nada.
22

Três meses DEPOIS do marco zero

Madalena não entendia por que Ricardo havia mudado tanto e por que fingia não ouvir o
que ela falava em relação a João. Por mais que ela pedisse a ele que cuidasse e respeitasse o
tempo do filho em aceitar a separação, ele não escutava e insistia que Angel, que agora viveria
com ele, precisava conviver com João e o menino precisava aceitá-la. Depois de várias
conversas e tentativas, Madalena sentia-se exausta e via o sofrimento do filho todas as vezes
que o pai o buscava e Angel estava junto.
— O que você diz a João quando ele lhe conta que gostaria de ficar apenas com o pai? — a
terapeuta perguntou, interrompendo a narração de Madalena.
— Eu digo que ele precisa conversar com o pai. Mas ele alega que, se fizer isso, o pai vai
embora e não voltará. — Madalena realmente estava cansada daquela situação e, se não fosse
por João, provavelmente já nem se lembraria da traição de Ricardo ou do fato de ele estar com
Angel. Tudo que desejava era paz, poder se curar e deixar João o mais seguro possível.
— Você está fazendo a coisa certa, Madalena. Já vimos que Ricardo, nesse momento, não
consegue te escutar e, provavelmente, ele prefira transferir a culpa para não assumir o que ele
fez. Porém, você precisa aprender a parar de desculpar ou tentar resolver as coisas por Ricardo.
Essa conta João acertará com ele quando crescer — a terapeuta ponderou. — Você precisa
aprender a diferenciar culpa de responsabilidade.
— Eu sei a diferença entre as duas — Madalena interrompeu a psicóloga.
— Então por que você se sente culpada por tomar algumas atitudes e acha que realmente
Ricardo tem razão em lhe culpar? — a mulher devolveu, fazendo Madalena refletir.
— Não sei. — O silêncio se fez presente por alguns minutos enquanto Madalena refletia. —
Eu não me sinto culpada.
— Você traz aqui para nossas conversas a culpa por estar sendo feliz com Guilherme, a culpa
por ter entrado no litigioso, a culpa pela relação entre Ricardo e João e, até mesmo, a culpa pela
separação. — A terapeuta encarou Madalena e aguardou alguma manifestação. Sem nenhuma
resposta da paciente, continuou: — Sobre qual desses fatos que eu trouxe agora você tem
responsabilidade?
— Por entrar no litigioso. Mas qual outra alternativa eu tinha diante de tudo que aconteceu?
— Madalena tentava se desculpar.
— Exatamente, Madalena. Você tem a responsabilidade. Você tomou uma atitude. Mas isso
não significa que essa atitude seja errada e nem que você deva se culpar por isso, entende?
— Eu penso que, se tivesse tentado conversar um pouco mais com Ricardo, talvez não tivesse
sido necessário. — A exaustão tomava conta de Madalena. — Eu tentei tanto… Será que não
deveria ter tentado mais?
— Madalena, você tentou de todas as formas. Eu entendo que seu sentimento de culpa está
atrelado à sua força. Já acompanhei outros casos de separação e te digo que poucas são as
mulheres que reagem como você tem reagido. Sua força, sua vontade de viver é admirável, mas
isso não significa que você não seja humana e precise, às vezes, desistir. Você tentou de todas as
formas conversar com Ricardo e resolver. Ele não te ouvia. Você não via outra saída senão
reagir e foi o que fez. Isso não a torna fraca e muito menos culpada. Apenas responsável.
— E por que me sinto tão culpada? Por que acho errado andar em público com Guilherme?
Por que não consigo, mesmo tendo certeza de que não quero voltar para o meu casamento,
deixar de pensar que eu poderia ter feito diferente?
— O que te constrange em andar com Guilherme? Você está separada e seguindo a sua vida.
Não é um pedaço de papel que fará a diferença. Será que essa culpa não é apenas medo de
aceitar o fim? — As perguntas retóricas da terapeuta faziam com que Madalena refletisse cada
vez mais. — Você consegue se imaginar, depois de tudo isso, novamente com Ricardo?
— Não. Eu não consigo imaginar nós dois juntos novamente. Parece, às vezes, que nosso
casamento foi em outra vida. Eu sei que não quero voltar para lá, mas também não sei ainda o
que quero. Tenho a impressão de que estou andando em círculos e não saio do lugar.
— Se você está andando em círculos, Madalena, esse seu círculo é gigante. Olhe quantas
coisas você fez em pouco tempo, mesmo estando perdida e vivendo todo esse sofrimento. — A
terapeuta riu. — Você está tentando encontrar uma forma de se manter e tem tido sucesso;
conheceu uma pessoa interessante e tem mantido uma boa relação com ela; está cuidando de
você e de João, reorganizando sua vida… Deu um passo importante para acabar com a
dominação de Ricardo sobre você e a situação. — A psicóloga fez uma pausa. — Você pode
sofrer, Madalena. Isso é normal. Mas delimite o tempo do seu sofrimento e depois siga em
frente, como você tem feito. Mas permita-se sofrer e sem culpa. Você continua sendo forte,
mesmo que sofra.
As palavras da psicóloga ficaram rodando a cabeça de Madalena pelo resto da semana. Por
que ela se sentia culpada em sofrer? Por que não conseguia se livrar da culpa? Ela não era
culpada, não havia feito nada para prejudicar Ricardo, apenas reagido às agressões dele. Ainda
assim, ela se preocupava com Ricardo, quando ele não havia tido o menor respeito e
consideração por ela — e muito menos por João. Estava cansada, exausta daquela situação.
Ricardo não podia mais ser o centro de sua vida. Era isso que ela precisava aceitar e entender. A
única coisa que importava era João e ela. Ricardo era passado.
Pensou sobre tudo que havia feito desde que Ricardo saiu de casa. Quantas vezes realmente
se permitiu chorar ou sofrer pelo que havia acontecido? Quantas vezes deixou-se abater
realmente? Preferia sempre varrer para baixo do tapete o que estava sentindo, colocando outras
coisas na frente a serem resolvidas, como se nada a tivesse abalado. Mentira. Mentia para si
mesma. Ela sofria e sofria muito. Só não era capaz de admitir por sentir-se fraca. Não era isso
que as pessoas esperavam dela. Mas e o que ela esperava de si mesma?
Madalena ainda se perguntava o que faria da vida, ainda tentava organizar as coisas. Não
sabia exatamente o que queria, mas tinha absoluta certeza do que não queria, e uma delas era
voltar para Ricardo e para o casamento. Estava feliz e satisfeita com Guilherme, a cada dia a
relação parecia se fortalecer e melhorar, mesmo parecendo que as coisas não podiam ficar
melhor. Encontrava no homem a paz que precisava e sentia-se sempre recarregada a cada
encontro. Era como se Guilherme fosse o porto seguro, o silêncio e a calmaria de que precisava
para enfrentar as loucuras de sua vida.
Guilherme entrou de uma forma despretensiosa em sua vida. O que era para ser apenas uma
transa de libertação, acabou tornando-se uma relação. Madalena não queria defini-la com
nomenclaturas ou status de relacionamentos, muito menos usar pronomes possessivos que a
deixavam alerta e com medo. Já Guilherme não tinha problema nenhum quanto a isso.
Estavam jantando em um restaurante quando a tia de Madalena chegou com amigos. Madalena
prontamente apresentou Guilherme a tia, usando apenas o nome. Mas a tia, quando foi
apresentá-lo a um amigo, usou o termo namorado. Madalena reagiu na hora, olhando-a como
se aquilo fosse um absurdo.
— Eu não entendo essas coisas modernas — disse a tia. — Como eu devo te apresentar
então? — olhou para Guilherme, aguardando uma resposta.
— Assim mesmo. É o que somos: namorados. — ele falou com toda a calma, como se aquilo
fosse normal. E, para ele, era. Madalena, por outro lado, assustou-se e virou a taça inteira de
vinho de uma só vez.
Depois que a tia conversou mais algumas amenidades e se retirou, Madalena questionou:
— Por que você concordou com ela sobre sermos namorados?
— E não é o que somos? — Ele encarou Madalena surpreso. — Se não fôssemos namorados,
eu poderia ter apenas rido ou não respondido nada, mas, Madalena, você é minha namorada.
Eu não tenho vontade de sair com mais ninguém. Você tem?
— Não. Eu não tenho, mas… — Madalena parou para pensar por um minuto. — Eu só não
quero que as coisas fiquem complicadas, chatas ou virem obrigação. Gosto do que temos, do
jeito que está.
— Eu também, Madalena. Gosto muito. Mas não é porque denominamos nossa relação que
ela precisa mudar. Você já percebeu como temos coisas em comum e nos damos bem? Quantas
vezes brigamos nesse tempo que nos conhecemos? Não tem porque as coisas mudarem entre
nós.
— Mas o que exatamente significa darmos o nome de namoro ao que temos? — Ela ainda
estava confusa. Primeiro, porque como poderia namorar alguém se estava casada com outra
pessoa? Segundo, porque não tinha bem certeza se estava pronta para entrar em uma nova
relação. Lembrou-se das palavras da terapeuta: “não se sinta culpada. Não é um papel que
define a separação. Ele é apenas um papel.”
— Significa que somos um casal, nos satisfazemos, nos completamos. A gente é feliz, mas
temos o compromisso de sermos mais felizes juntos.
Madalena apenas sorriu. Guilherme tinha toda a razão.
23

Quatro anos ANTES do marco zero

O calor era insuportável e Madalena sentia-se como se tivesse entrado em uma estufa. Só o
ar-condicionado fazia com que ela parasse de suar. Mesmo assim, eram tantas novidades e
coisas a serem descobertas que não se importava com a sensação térmica.
Desde que Ricardo havia sido transferido para Rio Branco, ouvia os mais variados conselhos
e opiniões de amigos e familiares. “Vocês são loucos em ir para tão longe com uma criança
pequena.” “Cuidado que as mulheres acreanas não perdoam homem nenhum.” “Mas o que
vocês vão fazer lá? Só tem mato e índio.” E por aí ia.
Mas o que Madalena tinha diante de seus olhos era uma cidade gigantesca, cheia de
novidades, novos costumes e uma nova culinária a ser desbravada. Tudo era tão diferente do
que estavam acostumados, do clima aos temperos, das músicas ao sotaque. Nada parecia ser
como outros lugares onde haviam morado e, ainda assim, era tudo extraordinário.
Não demorou muito até que a família se organizasse. Madalena conseguiu um emprego em
menos de um mês na cidade. João começou a ir para a creche. Ricardo se apresentou no quartel
e a vida se organizou. Rio Branco prometia ser promissora e isso entusiasmava demais o casal.
Não tinha ainda amigos e, com o ritmo da cidade grande, achavam que seria difícil se
enturmarem. Mas sempre era assim. Não era a primeira mudança e nem a última — e a cidade
oferecia muito mais opções de lazer do que outras onde eles haviam morado.
As impressões iniciais sobre a nova morada não podiam ser melhores. Não era só mato e
índio. Aliás, Madalena nem havia visto um índio em suas andanças. Claro que o povo, de uma
maneira geral, tinha os traços dos ascendentes indígenas, mas viviam na cidade com a vida
agitada e cheia de responsabilidades como qualquer outra pessoa. As mulheres não eram tão
atiradas: eram exatamente iguais às mulheres de qualquer outro lugar e o fato de João ser
pequeno apenas facilitou a adaptação.
O que mais chamou a atenção de Madalena era como ela e Ricardo estavam mais próximos,
contando apenas um com o outro, e como aquela mudança parecia realmente significativa na
vida deles. Haviam passado por alguns problemas com o nascimento de João — problemas
normais de um casal que se distancia ou não tem tanto tempo livre como antes dos filhos —,
mas isso parecia fazer parte do passado.
Ricardo estava preocupado com as missões. Na sua primeira ausência de casa, o filho sentiu
sua falta e teve um grande febrão. Madalena havia resolvido e se virado bem em sua ausência,
mas ele se sentia culpado por não poder ajudar a mulher. Como sempre, sua esposa resolvia
tudo sem precisar dele e isso o incomodava — não sua independência, mas a dependência que
ele mesmo tinha em precisar de Madalena muito mais que ela dele. Ricardo não era capaz de
resolver ou decidir algo sem a opinião da esposa, ao contrário dela, que resolvia e se virava
sozinha. Não que ela não conversasse com ele, mas, às vezes, as conversas eram apenas para
informar algo já decidido. Ele admirava Madalena por isso e, ao mesmo, tempo queria ser igual
a ela.
Rio Branco trouxe à família uma nova configuração — uma configuração que os unia ainda
mais e, de alguma forma, aquilo fazia bem para Ricardo e Madalena. Estavam fortalecidos, João
crescia de forma saudável e o casal se encontrava como casal. Madalena tinha certeza absoluta
de que, mesmo com as turbulências do casamento, havia feito a escolha certa e se casara com o
melhor amigo. Eram cúmplices, se respeitavam e havia muito amor e carinho entre eles.
Mesmo que nem sempre Madalena, no dia a dia, se sentisse realmente plena com o
relacionamento, não se imaginava com qualquer outra pessoa.
Ricardo também. Os amigos costumavam brincar que ele não tinha vida sem Madalena. Mas
ele realmente não se importava. Ainda amava a mulher com a mesma intensidade e, por mais
que algumas coisas o frustrassem, como as reclamações da esposa por atenção ou o fato dela
sempre brincar que ele era “inromântico”, ele queria se esforçar para ser sempre melhor para
ela e para João.
O problema é que Ricardo realmente não era romântico e tampouco alguém que fosse capaz
de surpreender a esposa. Ela, sempre mais esperta e rápida que ele, descobria todas as suas
tentativas de surpresa — fora que os presentes sempre eram combinados antes, pois as vezes
que não combinaram, a esposa não gostou. Ele se perguntava se não era capaz de surpreendê-la
ou se ela era realmente difícil. Pouco importava: continuava amando-a da mesma forma.
Antes mesmo de terminar de mobiliar o apartamento que haviam comprado, Madalena já
estava trabalhando, João na escola, Ricardo no quartel e novos amigos haviam sido feitos no
condomínio. A vida sempre se ajeitava, já sabiam disso e, a cada mudança, parecia que as coisas
se acomodavam mais rápido ainda.
O primeiro churrasco do qual participaram na nova cidade foi a convite de Vitória, amiga
que Madalena fez no prédio. Apesar de Ricardo não estar ainda bem enturmado, aquele
primeiro passo para uma vida social foi realmente importante para Madalena. Vitória tornou-
se a amiga mais próxima da mulher na nova morada e Madalena tinha certeza que seria uma
amizade duradoura e para o resto da vida. Isso dava a ela a total sensação de estar em casa.
Aos poucos, outros amigos foram entrando na vida do casal e a sensação de estar em casa foi
aumentando. Rio Branco era o novo lar deles e seria por um bom tempo. Pelo menos, quatro
anos. Era a única certeza que tinham e que, depois dessa experiência, seriam ainda mais unidos.
Afinal, a falta dos amigos da vida toda e da família, a falta de apoio com João os deixava mais
próximos ainda. Se, antes, Madalena tinha dúvidas se aquela relação realmente era o que ela
queria, agora, com a união necessária pela distância de tudo que conheciam, ela tinha certeza.
Era Ricardo.
24

29 dias ANTES do marco zero

Madalena abriu a porta da casa de sua mãe e se jogou nos braços de Miguel. O abraço
apertado do compadre a fez sentir-se melhor.
— O que aconteceu, Madalena? Não entendi absolutamente nada. Vocês chegaram, aquele
dia, bem e hoje Ricardo me ligou, dizendo que vocês estavam se separando e pedindo ajuda. —
Miguel realmente não entendia o que acontecia na vida dos amigos.
— Eu também não estou entendendo. Ele teve um caso com uma mulher que vivia na minha
casa, me contou, eu fiquei louca e o coloquei para fora. No dia seguinte, fomos conversar e ele
me disse que não poderia voltar, pois havia prejudicado outras pessoas. Desde então, ele se
mantém distante, mas está me ajudando a me organizar.
— Ele vai acabar se arrependendo da merda que está fazendo, eu sei disso. Ainda não
conversamos, mas não dá pra entender mesmo.
Madalena ficou confortável com as palavras do compadre. Ricardo havia saído de casa fazia
dois dias, mas estava sempre presente. Naquele dia, Miguel havia ido lá para ajudá-la com
alguns móveis. Madalena ficaria morando na casa de sua mãe e precisavam montar um quarto
para ela e outro para João. Quando Ricardo chegou, Miguel e Madalena conversavam na sala.
— Demorei porque estava resolvendo a questão do carro, amor… — ele disse para
Madalena. Ela apenas riu.
Miguel e Ricardo conversaram rapidamente e começaram a movimentar os móveis.
Trabalharam por horas na arrumação e, volta e meia, quando Ricardo precisava de algo, chama
Madalena de amor. Tantas foram as vezes, que Miguel não aguentou:
— Cara, para de chamar a Madalena de amor! Você a traiu, disse que quer ficar com outra e
ainda a chama de amor?
— É o costume. Ela também me chama — Ricardo se defendeu.
— Eu te chamo porque você é meu amor. Não fui eu que te traí ou disse que não poderíamos
resolver as coisas por causa de outra pessoa. — Madalena virou-se para Ricardo e o encarou.
Ele apenas abaixou a cabeça. — Por que você ainda está usando a aliança? — ela questionou. A
mulher havia tirado a sua do dedo no dia seguinte, quando Ricardo disse que não poderia
voltar atrás na decisão que havia tomado. — Me dá. Vou guardar. Um dia, João pode usar
nossas alianças para presentear alguém que ame.
Ricardo tirou a aliança e a entregou para Madalena. Miguel apenas observou a cena, triste
pelo amigo. Sabia que Ricardo não tinha certeza do que estava fazendo e não o reconhecia.
Naquela noite, Angel conversou com Ricardo pelo telefone. Disse que não aguentava mais a
distância e que deviam se ver. Ela iria viajar para o casamento do irmão, que seria em Santa
Catarina. Poderiam aproveitar o final de semana, afinal, agora estavam juntos. Ricardo ficou
em dúvida. Não fazia nem uma semana que havia saído de casa e Madalena poderia precisar
dele.
— Ricardo, meu princeso, tu não vê que ela está usando você para não quebrar o laço? Você
precisa parar de fazer as coisas por essa mulher. Ela não é mais nada sua. Eu, agora, sou sua
namorada e você precisa me colocar em primeiro lugar. Ela te botou pra fora, lembra? Se te
amasse assim, não teria feito isso. Eu que te amo, olha tudo que fiz e estou passando por sua
causa. Para de ajudar a Madalena. Ela não precisa. Agora eu, como vou encarar minha família
sozinha?
O homem não entendeu ou absorveu o que Angel falava, apenas concordou. Não iria mais a
casa da mãe de Madalena, se afastaria e encontraria a namorada no final de semana.
No dia seguinte, avisou Madalena que viajaria. Ela protestou. Disse que João estranharia
muito, que não seria bom. Mesmo assim, Ricardo insistiu. Acabaram discutindo.
— Chega, Madalena! Aceita que não sou mais seu marido e que estou com outra pessoa. Não
quero mais falar com você ou olhar para sua cara. Você não vai mais mandar em mim ou me
manipular.
— Você só pode estar louco! Eu, mandar em você? Desde que você me contou, a única coisa
que te peço é pra preservar o João. Você realmente acha que viajar agora, se afastar de nós
abruptamente, vai ajudá-lo a aceitar?
— Eu vou viajar e ponto final. Você não tem nada a ver com isso.
Madalena apenas saiu de perto. Esperou Ricardo ir embora e deitou-se na cama. Não tinha
mais forças para discutir. Não entendia o que acontecia com a cabeça do marido. Seria possível
conviver tantos anos com alguém sem saber quem essa pessoa realmente era? Não reconhecia
mais Ricardo, nem entendia suas atitudes. Tudo que ele mesmo havia decidido e combinado,
pouco a pouco, começa a ruir. As mudanças de ideia e de acertos incomodavam mais Madalena
que a própria traição recém descoberta. O que realmente acontecia? Será que a paixão por
Angel era tão forte que até mesmo o filho Ricardo negligenciaria?
Ela se apegava aos amigos para desabafar e tentar entender. Todos davam a mesma opinião:
“Ele vai se arrepender da merda que está fazendo”. Só que Madalena pensava que, se aquilo não
acontecesse rapidamente, não faria mais sentido. Ela não era dona do tempo para acelerar sua
passagem. Enquanto isso, não se permitia chorar por conta de João e, quando o fazia, era
escondido. Precisava ser forte e tomar as rédeas do que estava acontecendo e de sua vida.
Ela se perguntava se adiantaria Ricardo se arrepender. Ela perdoaria? Perdoar talvez não
fosse o termo correto, porque tinha a sensação que já havia feito isso. Mas seria capaz de
superar, esquecer e recomeçar? Os amigos a questionavam. Sua resposta era não. Quando
perguntavam se nem por João, ainda assim, ela pensava que não.
Talvez tudo que haviam construído juntos não era tão sólido assim. Se fosse teria ruído?
Madalena não sabia as respostas. Queria entender os porquês. Acordar e perceber que nada
passara de um pesadelo. Mas sabia que a realidade era essa e precisava pensar no resto de sua
vida, que seria sem Ricardo e, agora, provavelmente, com toda a responsabilidade de João
sozinha. Sentia-se sozinha. Quando procurava pelo seu apoio de sempre, percebia que Ricardo,
cada vez, a mantinha mais longe, como se doesse nele a aproximação com tudo que perdeu.
Queria perguntar se ele estava feliz. Se era aquilo mesmo que ele queria. Mas sabia que, se o
fizesse, ele diria sim — não por estar feliz ou por ser o que queria, mas pelo orgulho.
Precisava parar de pensar em Ricardo e em como ele se sentia e prestar atenção em seus
sentimentos e sua vida. Precisava se fortalecer por João, que chorava todas as noites desde que
o pai fora embora, dizendo que queria o papai e a mamãe juntos novamente. Se Ricardo não
conseguia enxergar, caberia a ela auxiliar o filho sozinha a superar. Não queria que o menino
sofresse, mas sabia que não poderia evitar que isso acontecesse. Não se Ricardo não ajudasse —
e, pelo visto, ele não estava disposto a colaborar.
25

Quatro meses DEPOIS do marco zero

Ricardo conversava com Miguel enquanto João brincava no parque. O sol estava ameno e o
frio ainda não havia se instaurado. Era um bonito dia de sábado para João brincar, mas, por
dentro, Ricardo sentia como se fosse um típico dia triste de inverno. Daqueles chuvosos, onde
parece que o sol nunca mais sairá.
— Eu não sei o que fazer. Angel agora quer vir morar comigo a todo custo. Pediu demissão,
disse que Madalena é a responsável por ter contado tudo ao comandante. Eu já fiz tanta
besteira nessa história, Miguel. Acho que cada vez faço mais burradas e nunca vou conseguir
consertar as coisas.
— Eu tenho que concordar contigo, Mendonça. Infelizmente, você só fez merda nessa
história e continua fazendo. Madalena me contou das ameaças. Você ficou maluco? — Miguel
questionou o amigo. Não o reconhecia em nenhuma das suas atitudes.
— Ela está com outro cara, tu sabia? Parece até mais feliz do que quando estava comigo. —
Ricardo não se conformava de Madalena não ter corrido atrás dele e nem pedido para que
voltasse.
— O que você esperava depois de tudo o que fez? Até eu que sou apenas amigo dela sabia
que ela jamais correria atrás de ti. Por que tu pensou que seria diferente?
— Achei que ela gostasse de mim. Mas, como Angel disse, se ela gostasse, não teria me
colocado pra rua. Agora o que me resta? Vou ficar com a mulher que destruiu a minha vida.
Afinal, eu também arruinei a vida dela.
— Tu só pode estar louco! Essa mulher te fez perder tudo que tu tinha de mais importante e,
do jeito que as coisas estão, tu ainda vai perder mais. Fora o fato de que João vai crescer e ele
pode nunca te perdoar pelo que você fez… — Miguel olhou o afilhado descendo feliz no
escorregador. — Ele está sofrendo, está sentindo. Madalena me contou que ele chora sempre à
noite e acorda com pesadelos. Você devia dar mais atenção a ele e tentar consertar as coisas.
— Mas como eu posso fazer isso? Madalena me pressiona para que Angel não tenha contato
com ele. Angel me pressiona para ficar com João. Eu não sei o que fazer. É mais fácil brigar
com a Madalena do que com a Angel. Afinal, a Madalena é minha ex e fica usando o João para
me manter por perto.
— Você acha mesmo que a Madalena está usando o filho? Você deveria ouvi-la mais e parar
de dar atenção para o que uma mulher que entrou agora na tua vida fala. — Miguel pensou se
deveria falar o que realmente pensava ao amigo. Ponderou e mesmo assim falou: — Cara, eu
não conseguiria confiar em uma mulher que me agarrasse e ainda assim ficasse perto da minha
esposa. Que tipo de caráter essa pessoa tem? Fora que, até agora, a história do marido ter
descoberto, colocado-a pra fora e depois se arrepender e deixá-la no apartamento, com tudo,
não faz o menor sentido. Ainda tem mais essa de te fazer sentir responsável pelas decisões dela.
Acho que você está embarcando numa canoa furada.
— Mas o que eu posso fazer? Madalena nunca vai me perdoar e já me enrolei demais. Fora
que eu não tenho coragem de admitir pra ela que errei, que fiz tudo errado, que continuo
fazendo e que ela está certa. Eu tô ferrado! Vou ter que aprender a conviver com tudo que eu
fiz.
— Você poderia, pelo menos, tentar conversar com Madalena. Sei que não existe volta entre
vocês. Ela já deixou bem claro isso. Sei também que ela está seguindo em frente e feliz com o
cara que está namorando…
Ricardo interrompeu Miguel:
— Namorando? Ela está namorando? Mas é uma filha da puta. Mal saí de casa e já está com
outro! — Ricardo explodiu em um ataque de raiva.
— Cara, deixa de ser maluco! Você é o único culpado por tudo isso. Quem traiu, abandonou,
sumiu, mudou de ideia, ameaçou foi você! Madalena só está reagindo ao que você fez e a vida
lhe impôs. Para de jogar a sua culpa pra cima dela. — Miguel perdeu a paciência. Fazia horas
que ouvia os lamentos de Ricardo, mas também era amigo de Madalena e sabia que a mulher
estava sofrendo com tudo que Ricardo fazia.
— Você também está do lado dela. Não é possível! Meus pais, você, nossos amigos… Todo
mundo defende a Madalena, mas ninguém enxerga meu lado. O que ela fez comigo? Me
colocar pra fora e agora o processo no litigioso… Ela também fez merda.
— Se tu realmente te sente melhor pensando isso, você é mais babaca do que eu pensava.
Acho que o que a Madalena fez foi pouco, porque ela ainda tentou conversar contigo e
conciliar as coisas. Qualquer outra pessoa teria te ferrado mais ainda. Mas olha, Ricardo, eu
estou mesmo do lado dela. Nunca vou passar a mão na tua cabeça e dizer que você está certo,
tendo traído a Madalena do jeito que traiu e abandonado sua esposa e seu filho. Quer saber?
Cansei de ti.
Miguel levantou-se do banco e saiu sem nem olhar para trás. Parou na pracinha, se despediu
do afilhado com um abraço e foi embora. Ricardo precisaria de muito tempo ainda para ver o
tamanho das consequências de suas ações e, nesse momento, parecia completamente alheio à
sua culpa, enquanto Madalena parecia carregar a culpa por ambos. Não era justo.
Ricardo pensou em procurar Madalena. Admitir o quanto havia errado. Colocar um ponto
final na história com Angel e tentar refazer sua vida da melhor forma possível, depois de tudo.
Mas ponderou: se fizesse isso, Madalena realmente estaria certa sobre tudo, desde o início. Isso
ele jamais admitiria. Faria dar certo com Angel e, mais que isso, faria Madalena sofrer ainda
mais. Afinal, agora ela já tinha outro namorado — então, por que poupá-la? João era tão filho
dele quanto dela e ele também tinha o direito de decidir sobre a criança. E Angel era sua
companheira agora, nada mais justo que convivesse com o filho. Ela amava o menino. Podiam
ser uma família. Ele poderia ter uma família novamente, apenas trocaria de esposa. Era como se
estivesse substituindo uma peça da engrenagem. A vida que tinha (e tanto gostava) com sua
família poderia voltar a existir, só que com a nova mulher.
Angel sempre quis ter filhos, mas não podia por um problema biológico. E ela sempre
cobrava que queria conviver com João. Inclusive, incentivou Ricardo a brigar pela guarda da
criança. Essa era a sua chance de ter um filho. Só precisava de Madalena fora da jogada. Como
faria para tirá-la, ainda não sabia. Mas já havia conseguido afastá-la de Ricardo, o que ajudava
bastante para que ela manipulasse o homem. Agora, era só questão de tempo até ter sua
família. Não descansaria enquanto João não estivesse morando com ela e Ricardo.
26

Três anos ANTES do marco zero

Madalena resolveu passar uns dias na sua cidade natal com João. Ricardo não poderia
acompanhá-los e ela tinha dois casamentos de amigas para ir. Na despedida no aeroporto,
Ricardo estava com os olhos cheio de água. Seria a primeira vez que ficaria tanto tempo longe
de João e Madalena.
— Amor, são só 15 dias. Você nem vai sentir nossa falta. Aproveita pra descansar, ver os
filmes que nunca consegue, estudar. Vai passar rápido — Madalena dizia enquanto abraçava o
marido.
— Mas vai ficar tudo vazio. Eu nem sei o que fazer quando vocês não estão em casa — ele
lamentava. — Vamos nos falando toda hora e por chamada de vídeo, assim posso matar as
saudades que já estou sentido.
Madalena concordou com o marido. O último ano os havia unido tanto que ela também
estava sentido falta de Ricardo mesmo antes de embarcar. Como era possível? Depois de tantos
anos juntos, parecia que somente agora estavam realmente na mesma sintonia. Se já não
fossem casados e tivessem João, quem olhava o casal podia jurar que eram recém-apaixonados
se despedindo.
Os quinze dias que passaram afastados serviram para mostrar à Madalena que ela realmente
havia tomado a decisão certa ao unir sua vida com Ricardo. Não era da forma perfeita que
imaginava e haviam muitas coisas que não a satisfaziam, principalmente nas questões sexuais
do casal, mas ainda assim pensava que não se podia ter tudo.
Falaram-se todos os dias, por vídeo e diversas vezes. Ela nunca imaginou que se sentiria
dessa forma depois de tanto tempo e a viagem foi ótima para aproximar ainda mais os dois.
Madalena pensava que quando se sentia falta de alguém era porque realmente havia
sentimentos. Então, a viagem serviu para mostrar o quanto a vida dela e de Ricardo estava
atrelada. A falta era percebida a todo instante e, diversas vezes, Madalena se pegava pensando
em Ricardo, algo que poderiam fazer juntos ou que já haviam feito. Quando os amigos
perguntavam sobre ele, seus olhos brilhavam e ela contava como estavam felizes em Rio
Branco.
João também sentia falta de Ricardo e, a cada ligação, o filho demonstrava isso das formas
que sabia. Era visível também o quanto o afastamento de João afetava Ricardo. Madalena se
emocionava ao ver o amor e carinho do marido com o filho. Ninguém poderia dizer que eles
não eram a família de comerciais de margarina que Madalena sempre quis.
Quando retornaram para casa, Ricardo os esperava saudoso no aeroporto. O reencontro
entre pai e filho deveria ter sido filmado. Foram só quinze dias, mas, do jeito que João abraçou
Ricardo, parecia que não se viam a meses. O marido também demonstrou toda a falta que a
esposa fazia em um abraço longo e um beijo apaixonado no saguão do aeroporto.
Já em casa, depois de colocarem João na cama (que demorou a dormir pela ansiedade de
estar novamente com o pai), Ricardo deitou-se na cama ao lado da esposa e a abraçou.
— Não dá para ficarmos longe assim. Eu mal dormia à noite. Sentia tua falta na cama. Pela
manhã, quando ia sair de casa, sempre voltava ao quarto para te dar um beijo de bom dia e
você não estava. Era triste chegar em casa e não te ver, não ter o João correndo… Eu fiquei
pensando como minha vida seria vazia sem vocês e uma sensação ruim de que, sem vocês, eu
não seria mais nada… — A esposa o interrompeu, afagando seus cabelos.
— Calma, amor. Nada de ruim vai acontecer. Nós estamos aqui. — Madalena encostou os
lábios nos lábios do marido. — Também sentimos muito a tua falta. — Colocou mais pressão
no encostar de lábios e sussurrou contra a boca dele: — Senti falta disso também.
Ricardo segurou a nuca da esposa e tomou sua boca com fúria. Sua língua invadiu a boca de
Madalena, a fazendo gemer. Em uma batalha, onde o único resultado interessante é o empate,
as línguas enroscaram-se em descompasso. Entre essa dança e mordidas nos lábios, Ricardo e
Madalena beijaram-se como há muito não faziam — talvez apenas nos meses iniciais do
namoro. Madalena, que até então estava com o corpo recostado no de Ricardo, montou nele,
esfregando com força a vagina que latejava no pau duro e latejante do marido. Sem obedecer
aos rituais e passos que viravam cada vez mais rotina na vida sexual dos dois, suas mãos
apertaram o peito de Ricardo, enquanto as dele a libertaram da camisola que vestia, passeavam
entre os seios e beliscavam os bicos já entumescidos e rígidos de Madalena.
Sem pensar em mais nada, Madalena apenas afastou a calcinha para a lateral, libertou o
membro de Ricardo da cueca samba-canção que usava para dormir e o posicionou bem em sua
entrada, sentando com força e rapidez no pau que latejava. Não demorou para Madalena,
cavalgando, se libertar e encontrar o alívio que procurava. Sabia que Ricardo não duraria muito
no ato, então, havia aprendido a mentalmente se estimular para não ficar na mão.
Enquanto buscavam acalmar as respirações ofegantes, Madalena deitou-se no peito de
Ricardo, enquanto o marido fazia cafuné em seus cabelos, e não se conteve em dizer:
— Será que agora estamos finalmente bem?
— Acho que sim. Eu me sinto em paz. Talvez isso seja realmente amor — Ricardo
respondeu. — Eu nunca duvidei que te amava, mas agora tenho mais certeza que antes que te
amo.
— Também te amo, amor. Acho que agora tenho mais que certeza.
27

Vinte e cinco dias ANTES do marco zero

Ricardo não acreditava que aquilo estava acontecendo com ele. Na véspera de embarcar para
Santa Catarina para encontrar Angel, perdera o celular num bar jantando com um amigo. Era
muito azar. Para piorar tudo, os únicos telefones que sabia de cor eram o de Madalena, da casa
dos seus pais e da casa da mãe de Madalena. Que tipo de imbecil perdia as coisas do jeito que
ele perdia?
Quantas vezes Madalena havia brigado com ele por perder a carteira, as chaves, o celular…
Ricardo sempre fora assim e, se não fosse a mulher sair juntando seus pertences, os prejuízos
seriam muito maiores. Pegou um aparelho velho que encontrou na casa dos seus pais e
comprou um novo chip na rodoviária. Mesmo assim, não tinha o telefone de ninguém. Ligou
para a casa dos pais e deixou o número. Depois, ligou para a casa da mãe de Madalena. Por
sorte, quem atendeu foi sua sogra. Explicou a situação. Não esperava que Madalena ficasse
ligando para ele, mas se houvesse alguma emergência com João e ela precisasse… Sabia que ele
seria a última pessoa que Madalena avisaria ou chamaria, mesmo assim, achou importante
deixar o número.
Durante a viagem, foi pensando na merda que estava fazendo. Iria encontrar a família da
mulher que havia destruído a sua vida e assumi-la como namorada. Que tipo de idiota faria
isso em menos de cinco dias de separado? Ainda tinha a ideia absurda de Angel de fazerem
uma união estável para ela tentar ser transferida junto com ele e assim poderem viver em
Cascavel. Não entendia a pressa da mulher de morarem juntos. Por mais que ela falasse que
havia ficado um clima muito ruim com as pessoas sabendo que eles estavam juntos, ele não
entendia como ela deixava se abater e nem por que insistia em atribuir culpa a ele.
Mesmo assim, cedia a todas as vontades de Angel e nem sabia por quê. Nunca quis se separar
de Madalena e, de repente, estava separado, com outra mulher e parecia que ele sempre havia
desejado isso. Por vezes, quando ouvia Angel falar, se dava conta de que ela falava deles como
se fosse uma linda história de amor — e ele nem sentia amor.
Quando viu Angel na rodoviária, suspirou. Sua ficha, então, caiu de quão idiota fora. Mas
agora tudo já estava feito. Não havia mais volta. Os pais de Angel estavam muito consternados
com o fato de Ricardo ter sido abandonado pela esposa e por sua coragem de estar criando o
menino sozinho desde então. O homem ficou confuso e demorou a entender que essa era a
história que Angel havia contado a eles sobre como estavam juntos.
Os pais acompanharam o novo casal ao cartório para realizarem a união estável. Mas por um
descuido de nenhum dos dois terem comprovante de residência na cidade e nem testemunhas
de que viviam sob o mesmo teto há mais de três meses, a cerimônia não pôde ser realizada.
Angel ficou furiosa com a situação. Ela queria muito aquele documento. Precisava dele para
poder convencer Ricardo a morarem juntos. Precisaria pensar em um segundo plano para
conseguir o que queria.
Ricardo se sentia desconfortável com as mentiras de Angel para os pais. Desde os planos do
casal até como João era próximo e a chamava de mamãe, nada daquilo existia. Mas o que ele
faria? Desmentiria a namorada? Lembrou-se de Madalena dizendo em uma discussão que nem
namorada ela poderia ser dele, pois ainda eram casados. Que Angel, no máximo, poderia ser a
amante. Sentiu-se sujo. Sufocado. Todas as vezes que tentava sair de perto da amante para
telefonar para Madalena e João, Angel arranjava uma desculpa e não o deixava ir. Precisava
ouvir a voz de Madalena. Precisava ter certeza de que sua família estava bem, apesar de tudo.
Mas Angel não permitia, não deixava — parecia que a mulher farejava as dúvidas de Ricardo e
o cercava cada vez mais.
Madalena, em casa com João, tentava distrair e consolar o filho, inventando desculpas para o
sumiço do pai e a falta de telefonemas. João quase não dormia à noite, tinha pesadelos e
acordava chorando. Voltou a fazer xixi na cama — e mais de uma vez. A mãe, a cada dia,
assustava-se mais com o estado emocional do menino. Quando conseguia que ele dormisse,
chorava escondido, passando as noites em claro e, quando cochilava, ela também tinha
pesadelos com tudo que havia acontecido em sua vida. O habitual, agora, era dormir poucas
horas à noite e só pegar no sono após chorar até a exaustão e acordar chorando novamente,
além de precisar administrar a crise de João.
Depois de cinco dias sem dar nenhum telefonema e pela quarta noite que Madalena não
pregava o olho por causa de João, decidiu ligar para Ricardo.
— Onde você está?
— Em casa, amor. O que houve?
— Amor? Ricardo, como você pode ainda me chamar de amor depois de tudo que fez? E
como pode sumir assim da vida do João? Faz cinco dias que você não dá sinal de vida e ele só
chora. O que você está fazendo, Ricardo? Está querendo me destruir? Destruir o nosso filho?
Afinal, o que eu te fiz pra tu me odiar desse jeito? — Madalena não aguentou e, pela primeira
vez, chorou na frente de Ricardo. Mesmo que por telefone, o homem percebia o choro da
mulher.
— Desculpe, amo… Madalena. Vou tomar café e estou indo para casa de sua mãe. —
Ricardo desligou o telefone.
Que merda estava fazendo de sua vida? Como pode ser tão burro e não enxergar as
consequências do que estava fazendo? Iria acabar com aquela loucura toda. Decidiu ligar pra
Angel e terminar com toda aquela farsa. Mas, quando a mulher atendeu o telefone e ouviu o
tom da voz de Ricardo, mudou o foco do assunto para como sua vida estava infernal no quartel
e que ela e Ricardo precisavam resolver aquilo.
Ricardo sentiu-se covarde e culpado novamente — e odiou Madalena por tê-lo colocado
para fora de casa naquele dia.
28

Cinco meses DEPOIS do marco zero

Madalena estava preparada para o que considerava ser um dos piores dias de sua vida.
Passara o fim de semana totalmente ausente do mundo nos braços de Guilherme. Não fizeram
nada de importante. A maior parte do tempo passaram no apartamento dele, mais
precisamente em sua cama. Saíram no sábado à tarde apenas para tomar um passe na terreira
que Madalena frequentava.
A entidade que atendeu Madalena disse para ela que deveria ter fé e que tudo que estava
buscando seria alcançado. Ela só queria forças para aguentar a audiência de divórcio que
aconteceria na terça-feira.
Aquele fim de semana que antecedia a audiência João foi passar com Ricardo. Depois de um
mês sem ver o filho, o homem havia se dignado a aparecer. Antes de ir encontrar Guilherme,
quando saía de casa para não ver Ricardo antes da audiência, deu de cara com o marido na
porta de casa. Reparou a barba grande que o homem usava, então uma luz se acendeu em sua
cabeça: Ricardo havia mentido. Disse que não poderia ver João antes por conta de missões no
quartel. Mas, com aquela barba, ela sabia que ele estava de férias. Não demorou a descobrir que
as férias eram com Angel no nordeste do país — uma viagem que eles dois, Madalena e
Ricardo, haviam programado, mas nunca concretizado.
Tentou afastar os pensamentos durante todo o fim de semana com Guilherme, mas volta e
meia se pegava pensando na audiência que viria e na mentira de Ricardo. Não sabia se o que a
incomodava era a mentira, a falta de consideração e cuidado pelo filho ou o simples fato de ter
a certeza de que, em alguns dias, haveria de fato um ponto final. Pensava no divórcio como
uma carta de alforria, mas, ao mesmo tempo, o fim trágico de seu relacionamento.
Só que, quando olhava para Guilherme, tinha certeza que não queria estar em outro lugar. A
relação que estavam construindo era algo que Madalena sempre quis: leve. Aquele não era um
amor intenso e selvagem, era um amor maduro, de duas pessoas que estavam bem e queriam
ficar melhores juntas. Não havia cobranças ou brigas. Não existiam meias palavras ou mentiras.
Não havia gritaria. Havia paz. Nos braços de Guilherme, Madalena sabia o que era paz e, ainda
assim, a relação era intensa e selvagem onde deveria ser: na cama. A sensação de que o sexo era
cada vez melhor ainda existia dentro de Madalena e, mesmo parecendo impossível, estavam
cada vez mais em sincronia.
Na segunda-feira, já em sua casa, Madalena passou o dia tentando driblar sua ansiedade. A
todo momento, pensava em Ricardo, na história deles, na vida que tinham, em como estavam
se refazendo quando tudo ruiu. Não conseguia conter as lágrimas nem disfarçar a angústia que
sentia. Será que realmente tudo terminaria assim, os dois se odiando e sem conseguir
conversar? Pois era isso que haviam se tornado em cinco meses: dois estranhos, incapazes de
conversar.
Depois das ameaças e coações e de Madalena tomar uma atitude e entrar com o processo
litigioso, a falta de diálogo e as brigas haviam piorado. Não conseguiam conversar e se entender
de jeito nenhum. Quando João chegou em casa e contou que a tia Angel havia passado o fim de
semana junto dele e do papai e que ele não queria que ela estivesse lá, Madalena perdeu
completamente a cabeça. Não pensou duas vezes antes de pegar o telefone ligar para a casa dos
ex-sogros. Por sorte, foi seu sogro que atendeu. Ela desabafou. Chorou, gritou, xingou e se
acalmou. O sogro, atento ao que a nora dizia, esperou-a se acalmar.
— Madalena, minha filha, tu sabes que nem eu nem a tua sogra concordamos com nada
disso que o Ricardo fez. Nós estamos do teu lado, minha filha, e queremos o melhor pro João
sempre.
Madalena pediu desculpas por tudo que tinha despejado no ouvido do pai do ex-marido.
Naquela noite, não dormiu, pensando em como seria a audiência. Mandou várias mensagens
para a terapeuta, tentando se acalmar. Mandou outras tantas para a Mãe de Santo, pedindo
proteção. Na terça-feira, quando acordou, não conseguiu comer. Sentia-se tensa. Conversou
um pouco com Guilherme, mas ele soube respeitar o espaço da mulher.
Havia pedido para seu melhor amigo e padrinho de casamento, Fabrício, acompanhá-la na
audiência. Tinha medo de não ter quem abraçar no final, de que Ricardo resolvesse levar Angel
(e não sabia qual seria sua reação) e, principalmente, de que o fato de estar realmente
divorciada caísse sobre ela como se fosse uma realidade da qual ela estava tentando fugir
durante todo o tempo.
Quando Madalena, sua advogada e Fabrício chegaram ao fórum, Ricardo já estava lá com o
advogado. Fabrício foi cumprimentá-lo.
— E aí, Fabrício? — Ricardo cumprimentou o amigo do casal. — Ela está mais calma?
— Olha, Ricardo, eu acho bom tu não esquecer que eu sou amigo dela e que a Madalena
sempre esteve calma. Quem perdeu o juízo e fez merda foi tu.
Ricardo apenas abaixou a cabeça, vendo o amigo se afastar. Não sabia mais como lidar com
tantas situações. Madalena tê-lo denunciado em uma delegacia e dado entrada num processo
litigioso havia sido uma apunhalada em suas costas. Ela passou muito tempo avisando-o que
faria isso caso ele continuasse agindo como estava, mas Ricardo considerava blefe. Agora
estavam ali, prontos para se separarem e resolverem as coisas. Não daria mais dinheiro a
Madalena e achava injusto o que ela estava pedindo. Até parecia que agora a mulher queria
viver nas suas costas.
Quando entraram na sala de audiências, Madalena ficou em pânico. Não sabia o que poderia
esperar daquela conversa. Ou briga. Pelo jeito que Ricardo e o advogado dele a olhavam, tinha
quase certeza que seria uma briga.
O juiz e a promotora começaram a fazer suas considerações e a primeira pergunta foi
direcionada ao casal:
— Ambos concordam com o divórcio? — era o primeiro item da pauta. Madalena assentiu
com a cabeça. Ricardo não fez nenhum movimento.
— Eu não tenho certeza se quero me separar — ele falou em um tom de voz mais baixo que
o normal, mesmo assim audível. — Me perdoa, Madalena, por tudo que te fiz passar.
— Ricardo, o que você nunca entendeu é que eu te perdoei no dia seguinte, no momento em
que engoli meu orgulho e disse para tentarmos seguir os nossos planos pelo João. Depois dali,
toda a minha briga é para preservarmos o nosso filho — Madalena desabafou e um lágrima
tentou saltar de seus olhos, mas ela a conteve.
— Existe possibilidade de conciliação? — o juiz direcionou a pergunta à Madalena, que
apenas negou com a cabeça. — Nesse caso… — o advogado de Ricardo interrompeu o juiz:
— Eu gostaria de entender por que estamos aqui. A dona Madalena foi ao meu escritório,
saiu de lá com um acordo e, quando entrei em contato novamente com ela, me passou o
contato da advogada — o advogado usava um tom de maldade na voz.
— Eu não fiz acordo nenhum com o senhor. Eu fui lá, o senhor me ouviu, não me fez uma
proposta. Diante de tudo que vinha acontecendo, eu estava perdida e não via mais alternativas.
— Madalena olhou pra Ricardo e, quando os olhos dele encontraram os dela, continuou: — Eu
saí de Rio Branco com meu marido e meu filho para morar em Cascavel. Um dia depois que
chegamos a Curitiba, meu marido me contou que estava tendo um caso com uma mulher que
vivia dentro da minha casa, que eu considerava uma amiga e uma pessoa que, mesmo depois de
já estarem me traindo, ele deixou se aproximar de mim e do meu filho. Ele nos abandonou na
casa da minha mãe, sem nos dar nenhum tipo de assistência. Tudo que ele falou que faria,
mudou de ideia com o passar dos dias, nos abandonando completamente. Depois, começaram
as ameaças e coações. Eu pedi inúmeras vezes para que nós conversássemos e procurássemos
um advogado juntos. Ao contrário disso, Ricardo disse que não tinha tempo a perder e nem
queria conversar comigo. E é por isso que estamos aqui. — Madalena suspirou e deixou o
choro tomar conta. — Eu tentei não estar aqui, mas não via outra forma de me proteger e
proteger meu filho.
O juiz começou a falar das questões das pensões e dos direitos de Madalena. Rapidamente, o
advogado interrompeu mais uma vez:
— Eu gostaria de saber em que colégio o menor está estudando e a comprovação dos gastos.
— Se o seu cliente não sabe onde o filho está estudando — a advogada de Madalena
interrompeu o advogado —, é mais um motivo, Meritíssimo, para que seja feito o estudo
psicossocial.
— Meu cliente sabe onde o filho estuda, só gostaria que a sua cliente comprovasse os gastos.
Meu cliente está pagando o financiamento do apartamento sozinho e ainda precisa pagar
aluguel.
— O Ricardo tem a possibilidade de morar no quartel, agora eu? Se não fosse a minha mãe,
eu estaria morando na rua com meu filho. — Madalena tremia com a tentativa do advogado de
distorcer os fatos.
O juiz tentou ponderar com o advogado, mas este estava irredutível e parecia querer entrar
em uma guerra.
— Então vamos encerrar a audiência e o senhor contesta tudo nos autos e depois eu julgo.
Vamos encerrar por aqui.
— E o meu filho?! — Madalena gritou mais alto do que gostaria. — Eu vim aqui para falar
sobre ele, regularizar as visitas e conseguir que ele não seja ainda mais machucado nessa
história.
— Infelizmente — falou o juiz —, eu não posso obrigar o seu marido que visite o filho. Isso
pode até ser pior para o menor. Se a senhora não se opõem às visitas, elas podem ocorrer de 15
em 15 dias por enquanto até que seja decidido algo.
— Se ela permitir as visitas — mais uma vez, o advogado tentou insinuar algo sobre
Madalena.
— Eu nunca me opus. Ao contrário, sou eu que estou sempre mandando mensagens e
pedido que o Ricardo telefone e apareça. Inclusive, ele não apareceu no último mês, alegando
compromissos profissionais. Mas eu sei que, nos últimos 10 dias, ele estava de férias. —
Madalena encarou novamente Ricardo, que só baixou os olhos, percebendo mais uma besteira
que havia feito.
— Eu sei o quanto a senhora está sofrendo nesse momento — a promotora que estava
presente na audiência apenas para assegurar o bem-estar no menor encarou Madalena —, mas
a senhora é forte e está fazendo o certo: se fortalecendo para proteger seu filho. Não se
preocupe, vocês irão ficar bem. — Ela suspirou. — Depois vemos aquele monte de velhos
abandonados em asilos e nos perguntamos como nenhum filho os procura. Mas a resposta está
nas suas mãos: de quem a senhora acha que João vai querer cuidar quando for velho?
Madalena viu o semblante de Ricardo empalidecer completamente. Será que, um dia, ele
seria capaz de enxergar tudo que havia feito e perdido com aquela traição?
O juiz deu por encerrada a audiência e Madalena se retirou da sala. Correu até os braços de
Fabrício e deixou o choro sair. Não aceitava como haviam chegado aquele ponto, mas, de
alguma forma, sentia-se liberta da culpa. Viu, ali na audiência, que realmente não havia outro
caminho a ser tomado e que a justiça estava ao seu lado.
Saiu do fórum de cabeça erguida. Aguardou a sua advogada com Fabrício ali na frente e viu
quando Ricardo saiu com seu advogado. Sentiu pena e liberdade ao mesmo tempo. Porém, a
sensação de estar livre acabou quando a advogada disse que nem o divorcio havia sido
acordado. Mandou uma mensagem para Guilherme:
“Ainda estou casada.”

A resposta veio rápida:

“E acredito que nem um pouco contente com isso.”

Madalena, então, contou rapidamente para ele e prometeu contar outros detalhes depois.
Caminhou até o shopping com Fabrício e a advogada e, ao entrarem, deram de cara com
Ricardo e Angel. Estavam andando lado a lado, mas com um abismo entre eles. Angel sacudia a
cabeça, brava, e Ricardo parecia mais triste e velho que o normal. Madalena pensou em gritar:
“Ei, Angel! Você fez tudo isso, mas ele ainda é meu marido”. Em vez disso, começou a rir. A
verdade é que a mulher tanto havia feito e tentado, mas até agora não havia conseguido
conquistar o seu objetivo: Ricardo ainda era marido de Madalena e João continuava sob seus
cuidados. Não havia família feliz para ela — pelo menos, não tendo destruído a família dos
outros.
29

Dois anos ANTES do marco zero

Madalena andava cansada. Nos últimos meses, parecia que todo o peso do mundo havia
caído sob suas costas. Andava cansada do desleixo de Ricardo, da falta de parceria e
comprometimento com a vida em comum. Ricardo parecia extremamente interessado em
coisas só suas, como correr, ver seus filmes e séries. Com João, sua paciência era zero e, por
vezes, Madalena precisava remediar as brigas e a falta de carinho do marido. Não entendia o
que estava acontecendo. Andavam tão bem e, de repente, parecia que nada daquilo havia sido
real.
O casal mal se falava e, quando Madalena tentava conversar, Ricardo sempre fugia. Era
difícil estar em um relacionamento parecendo que estava sozinha. O distanciamento do marido
era algo que incomodava a mulher, principalmente em relação a João, que sentia mais ainda e
exigia uma atenção redobrada dela. Sabia que era uma fase, já haviam passado por isso antes,
mas ela não esperava que acontecesse novamente.
Madalena imaginava se sonhava alto demais. Será que todos os casais eram assim e ela
apenas acreditava em contos de fadas? Nunca quisera uma história com um cavalo branco e
príncipe encantado, mas também não queria passar o resto da vida em um relacionamento
morno — e era assim que sentia seu relacionamento com Ricardo. Parecia sempre que estavam
mais ou menos: mais ou menos bem, mais ou menos satisfeitos, mais ou menos envolvidos…
Ricardo sempre fora egoísta, mas ultimamente seu egoísmo ultrapassava os limites da paciência
de Madalena. Não que ela desejasse uma surpresa ou declaração de amor todos os dias, apenas
queria algo mais do que aquilo.
Quando idealizava como as coisas deveriam ser, sempre pensava que queria que fossem
leves, divertidas, que trouxessem paz, satisfação e alívio. Mas não era isso que acontecia
ultimamente. Ricardo nunca estava disposto, sempre cansado, com sono ou sem vontade de
fazer algo. Vivia jogado na cama ou no sofá e, quando Madalena propunha algum programa
diferente, ele simplesmente desconversava. Saíam, frequentavam o bar de uma amiga também
curitibana e encontravam outros amigos. Mas eles, sozinhos, nunca faziam nada — e era disso
que ela mais sentia falta.
Já nem reclamava mais do sexo, da falta dele ou da insatisfação. Aprendera a se virar sozinha
e aceitava que o marido era assim. Ele tinha outras qualidades, só que, naquele momento,
Madalena não conseguia enxergar nenhuma delas.
Uma noite, resolveu colocar toda a sua frustração para fora, mas, ao contrário do que
imaginou que aconteceria, Ricardo apenas disse que estava cansado e foi dormir. Não ouviu ou
conversou com a esposa. Madalena ficou mais frustrada ainda e decidiu que se Ricardo queria
continuar do jeito que estava, ela também começaria a se preocupar mais consigo mesma.
O problema é que relacionamentos são união. E cada um andando para um lado não era
exatamente o que uniria o casal. Mas ela estava tão cansada de tudo, de tentar modificar as
coisas, que apenas aceitou: enfiou a cabeça no trabalho e no filho e passou a tratar Ricardo da
mesma forma indiferente que ele a tratava.
Ricardo logo percebeu a mudança de comportamento de Madalena. Ela estava tão
comprometida com suas coisas que mal conversava com ele. Nem tempo mais para olharem as
programações da televisão a que assistiam juntos ela tinha. O homem se deu conta de que
aquele afastamento era uma reação ao próprio comportamento e decidiu que precisava resolver
o problema antes que fosse tarde demais.
— Amor, eu sei que eu andei muito ausente, mas não podemos ficar assim… — ele disse
enquanto fazia o almoço e Madalena arrumava algumas coisas na cozinha.
— Você quer se separar? — Madalena foi direta. Aquela possibilidade havia passado em sua
cabeça algumas vezes, mas sempre a descartava por conta de João.
— Claro que não, Madalena. Você quer? — Ricardo ficou surpreso com a pergunta tão fria
da esposa. Será que Madalena pensava em deixá-lo?
— Não… — ela suspirou. — Já pensei nisso algumas vezes, não vou mentir. Não aguento
mais essa situação. Qual o sentido de estarmos juntos se não estamos, de fato, juntos?
— Amor — Ricardo largou a colher que usava para mexer a comida que preparava e virou-se
para Madalena, segurando-a pelos braços. — Eu te amo. Sei que não sou o melhor marido do
mundo, mas não imagino a minha vida sem você. Vou dar um jeito de melhorar e resolver as
coisas entre nós. — Ele puxou a esposa para seus braços e a abraçou. — Eu prometo.
— Está bem, Ricardo. Vamos tentar resolver as coisas. — Madalena aninhou-se no abraço do
marido. — Mais uma vez.
Naquela noite fizeram amor. No mesmo ritual de sempre e sem Madalena chegar nem
próximo do orgasmo que gostaria. Acabou fingindo quando viu o desespero do marido em não
satisfazê-la. Já era comum o fingimento e a frustração. Estava acostumada.
Na vida, afinal, tudo era uma questão de costume — e se acostumara também com aquilo e a
lidar com sua frustração. Ricardo não saberia lidar com o fato de não conseguir satisfazê-la,
então era mais fácil fingir. Como sempre, Madalena colocava todos em primeiro lugar, menos
ela.
30

Vinte dias ANTES do marco zero

Havia uma porção de coisas para serem feitas. Era preciso pintar as paredes do quarto que
João ocuparia na casa da mãe de Madalena, trocar as cortinas, comprar móveis e Madalena
precisava ir ao mercado. Ainda estava sem carro, já que o carro estava na cegonha a caminho
do sul.
Pediu auxílio a Ricardo, afinal, ele havia se comprometido a resolver todas as coisas do
quarto do filho e auxiliá-la na adaptação.
— Eu não posso te ajudar, Madalena. Contrata uma pessoa para fazer isso. Não vou mais te
ver ou falar contigo. Que coisa chata, eu não suporto mais olhar para tua cara! — Ricardo
gritou ao telefone.
— Mas o que eu fiz para você, Ricardo? Com tudo que você decidiu até então eu tenho
concordado. A única coisa que estou pedindo é que tenhamos cuidado e atenção com o João
para ele sofrer o menos possível. — A mulher ficou chocada com a reação do marido.
— Você fica usando o João como desculpa. Não adianta, Madalena, eu não vou voltar para
você! — ele gritou novamente.
— Quem disse que eu quero que você volte? Quando eu te falei em volta? Você só pode estar
louco. Só estava pedindo ajuda. Mas se você não pode me ajudar, ou a Angel não deixa…
— Eu sei que você está mordida porque foi trocada, mas a Angel não tem nada a ver com
isso
— Como não tem, Ricardo? Você faz várias combinações comigo e depois muda de ideia.
Agora, nem mais me auxiliar ou falar comigo, pode. Você esquece que te conheço bem o
suficiente: tu nunca fez nada sozinho ou da tua cabeça. E quando fez, fez merda e ainda me
pediu auxílio para consertar.
— É por isso que eu não suportava mais viver com você! Você vive em um mundo de sonhos
e é intransigente. Tem sempre razão em tudo! — o homem continuava exaltado.
— Você não suportava mais viver comigo? Engraçado que a única pessoa que falou em
separação ao longo desse relacionamento fui eu. E você implorou, lembra? Para que eu não te
deixasse e não foi uma apenas vez. Agora você cria uma história falsa para nós na sua cabeça e
vem dizer que não me suportava? Por que você precisa dificultar as coisas? Quem deveria estar
com raiva e tentando dificultar era eu, que fui traída, dentro da minha casa, por duas pessoas
que não têm o menor caráter. — Madalena segurou o choro. — Eu fui traída, humilhada e
desrespeitada da pior forma possível, Ricardo. Por você e por aquela mulher que se fingia de
minha amiga. E sabe o que mais me dói? Não é você tê-la comido, e sim deixado-a continuar
chegando perto de mim após estar comendo-a.
— Madalena, eu…
A mulher o interrompeu:
— Não, Ricardo! Agora você vai ouvir! Eu estou cansada demais. João não dorme direito, eu
tenho que lidar com a minha dor e a dele e você parece que está criando uma história falsa na
sua cabeça para me odiar. Eu não sou a vilã dessa história. Sou a vítima. Se você precisa tanto
me odiar ou que eu te odeie é porque não quer admitir a sua culpa. Mas não tem problema.
Você pode fazer o que quiser, não vou mais te pedir nada. Só saiba que se você continuar
agindo dessa forma, eu tomarei atitudes. Não vou ficar cedendo às suas vontades e caprichos e
farei o que for preciso pra me proteger e proteger João. Tenha um bom dia. — Madalena
desligou o telefone e começou a chorar.
Não era possível que não conhecesse o homem com quem viveu por doze anos. Ela não
reconhecia Ricardo em nenhuma de suas atitudes. Sentia raiva, vontade de gritar, de bater nele.
Queria fazê-lo entender o que suas atitudes estavam fazendo com ela e com João. Não aceitava
que Ricardo não sentisse nem ao menos consideração por ela, a ponto de amenizar os danos
causados por sua atitude — e quanto mais pensava nisso, mais vontade tinha de tentar resolver
as coisas.
Madalena nunca foi o tipo de mulher que engolia, levava desaforos para casa ou entrava em
brigas que poderia perder. Ela sempre tentava conversar, ponderar e resolver. Mas, a cada dia
que passava, estava mais difícil manter um diálogo com Ricardo. O que, afinal, havia
acontecido? Como Angel havia entrado dessa forma em suas vidas, fazendo com que o homem
mudasse completamente seu caráter? Resolveu que era hora de tentar contato com Inácio,
marido de Angel, e ver se descobria algo mais.
— Eu achei mesmo que em algum momento tu iria me procurar — disse Inácio assim que
atendeu à ligação. — Como você está?
— Péssima, Inácio. Eu não desconfiava de nada. E você, desconfiava? Como está? —
Madalena queria entender o que acontecia e, talvez, Inácio pudesse ajudar.
— Estou bem, dentro do possível. Mas eu queria me separar da Angel havia algum tempo. Só
foi um choque o jeito como ela armou tudo para eu descobrir. Na verdade, ela fez de propósito.
— Inácio suspirou. — Mas eu já deveria imaginar que isso ia acontecer. Foi assim comigo e
com os outros ex-maridos dela.
— Como assim, Inácio? Me explica, por favor. Realmente estou tentando entender o que está
acontecendo na minha vida.
— Madalena, Ricardo não foi o primeiro e nem será o último em quem Angel dá o mesmo
golpe. Eu fui o terceiro marido dela e foi exatamente desse mesmo jeito.
Inácio então contou à Madalena de como conheceu Angel, quando ela morava com outro
homem e começaram a ter um caso. Na época, Angel contava como o casamento estava indo
mal e que Inácio era o amor da sua vida, falava em encontro de almas. Um dia, ela
simplesmente ligou para Inácio desesperada dizendo que o marido havia descoberto tudo e a
colocado para fora de casa. Depois de um tempo juntos, Inácio começou a notar as mudanças
de comportamento de Angel. A mulher adorável e que o amava mais que tudo tornou-se
possessiva, ciumenta e manipuladora. Usava o sexo como forma de chantagem para que Inácio
sempre fizesse o que ela queria. A convivência e o casamento nunca foram, de fato, bons. Mas
todas as vezes que Inácio falava em colocar fim naquela relação, Angel se fazia de vítima e ele
não conseguia terminar.
Inácio também contou à Madalena como foi o dia que ele havia descoberto e Madalena ficou
chocada com a frieza de Angel e sua armação. Teria sido isso: uma chantagem que fez com que
Ricardo contasse a ela sobre o caso? Se Angel não tivesse feito nada, talvez Ricardo nunca
contasse e eles estivessem seguindo em frente com a vida. Mas isso seria o melhor para
Madalena: não saber da nada e seguir no relacionamento que há muito não a satisfazia?
— O que eu não entendo, Inácio — Madalena ponderou — é como ela teve coragem de
continuar frequentando a minha casa. Como ela foi capaz de se aproximar de mim, mesmo
tendo um caso com ele.
— Madalena, Angel é egoísta e só pensa em si mesma. Eu peguei o celular dela e li todas as
conversas. Pelo que vi, ela planejou tudo, desde o momento em que conheceu o Mendonça. E
tem mais: ela não quer apenas seu marido, quer o João. Você sabe que ela não pode ter filhos,
né?
— Você leu as conversas? — Madalena ficou em choque. — Como assim, ela quer o João?
— Vou te mandar os prints das conversas deles e também das conversas dela com a família e
alguns amigos. Você mesma verá. E, se precisar de alguma coisa, estou aqui.
Os prints chegaram no celular de Madalena e a mulher ficou em dúvida se deveria ou não
ler. Teria estômago para ter as provas da traição e de toda a ruína de sua vida? Aquilo a
ajudaria de alguma forma? Mas Inácio havia falado sobre João. Não poderia ser possível que
tivesse confiado em alguém tão sem escrúpulos. Precisava de todas as formas descobrir o que
Angel planejava para se proteger e proteger o filho.
31

Seis meses DEPOIS do marco zero

Madalena e Guilherme estavam deitados na cama vendo um filme que passava na televisão.
Não era nenhum lançamento ou novidade, mas ambos curtiam aquele tipo de programa. O
filme pouco importava para ela: o que gostava mesmo era da paz e tranquilidade daqueles fins
de semana, em que tinha de liberdade e que podia compartilhar com Guilherme. Quanto mais
o tempo passava, mais Madalena se surpreendia como a relação deles se fortalecia e melhorava,
sem precisar de brigas, cobranças ou obrigações. Lembrou-se de quantas vezes desejou uma
relação assim.
— Adoro isso — ela falou em voz alta, deixando o pensamento escapar.
— Isso o que, Mada? — Guilherme questionou. Sua voz sonolenta e mais rouca que o
normal arrepiava todos os pelos do corpo de Madalena.
— Isso… nós… assim… essa paz, essa tranquilidade. Adoro tudo isso. — Ela virou-se para
encarar o homem, desfazendo a conchinha em que estavam. — Adoro estar aqui com você,
sem nenhuma obrigação ou compromisso, simplesmente porque queremos estar juntos. Adoro
ficar aqui sem fazer nada, com esse barulho de chuva, apenas aproveitando tua companhia.
Passar o dia na cama contigo, levantando só para comer e hibernando depois. Adoro você. —
Madalena deu um leve selinho na boca de Guilherme, que a puxou para um abraço.
— Eu também adoro, Madalena. Pena que não podemos fazer isso sempre.
— Isso te incomoda? — Ela ficou com medo. Sabia que as limitações em relação a João
poderiam ser demais para outra pessoa.
— Faz falta, mas não me incomoda. Entendo sua preocupação com seu filho. Nós teremos a
vida inteira para ficar assim e as crianças vão saber quando acharmos que é o momento, certo?
— Guilherme também se preocupava com a filha.
Apesar de Luísa já conhecer Madalena e João, de ter se dado muito bem com eles, de sempre
que saía com ele, ela perguntar sobre eles, Guilherme também não queria precipitar as coisas e
cometer erros em relação à filha. Por isso, não havia dito que Madalena era sua namorada,
assim como Madalena não havia contado a João. Para as crianças, eram apenas amigos.
— Obrigada. — Madalena novamente beijou os lábios de Guilherme, dessa vez com mais
intensidade e emoção. — Você é exatamente tudo que eu sempre quis.
— Você também, Madalena. Já faz tempo que quero te dizer isso, mas achava que você ainda
não estava preparada. — Guilherme segurou o queixo de Madalena, fazendo com que seus
olhos se encontrassem. — Eu amo você, e é um amor tão diferente do que já senti na vida…
Não é desesperado, inseguro ou imaturo. Não é um amor que me completa, é um amor que
complementa. Que me dá paz, que me faz sentir mais feliz do que eu já era. É um amor que não
pesa, que não oprime, que não precisa de atenção constante. Porque ele está lá e sabe que tem
morada em ti também.
— Guilherme, eu… — Madalena não sabia o que dizer. Não pensava em seus sentimentos
nomeados de alguma forma. Ele a interrompeu:
— Você não precisa dizer “eu também”. Eu sei exatamente o que você sente por mim e sei
que, no seu tempo, vai saber e dizer. Amor é muito mais que dizer “eu te amo”, Mada. Hoje eu
sei disso porque você me mostra todos os dias. — Guilherme colocou Madalena na cama e
debruçou-se sobre ela. — Todo o seu corpo diz o quanto me ama. — Beijou sua orelha e
sussurrou: — Cada parte dele. — Beijou seu pescoço. — Cada pelo seu que ouriça. — Beijou
seu colo. — Cada célula que se arrepia. — Beijou um mamilo. — Cada gemido. — Beijou o
outro mamilo. — Cada sussurro. — Beijou seu umbigo. — Cada vez que você grita meu nome.
— Beijou o clitóris de Madalena, que arqueou as costas em aprovação. — Cada vez que você
arqueia a coluna. — Lambeu a vagina da mulher. — Eu sei o quanto você também me ama.
Guilherme parou de falar e dedicou-se a chupar Madalena. Enquanto lambia seu clitóris,
massageava a entrada da mulher com os dedos, fazendo movimentos circulares e descendo
com a língua até seus dedos. Madalena estava completamente molhada. Desde que Guilherme
começou a falar e beijar seu corpo, ela já estava excitada. Ele sabia disso, mas adorava
prolongar o prazer de Madalena. Enquanto ela se contorcia em seus dedos, tentando agilizar
seus movimentos, Guilherme a saboreava, de uma forma diferente de outras vezes — como se
algo tivesse mudado ao deixar seus pensamentos ganharem voz.
— Eu quero você dentro de mim agora, Gui — Madalena sussurrou, quase sem forças, uma
súplica de alívio.
O homem obedeceu prontamente, afastando as pernas de Madalena e se posicionando entre
elas. Sabia que precisa entrar devagar, mesmo que ela exigisse força: não queria machucá-la.
Madalena estava tão excitada que o pau de Guilherme apenas escorregou para dentro de
Madalena. A sensação foi tão prazerosa que ele segurou-se para não gozar naquele momento.
Como era possível que os corpos reagissem um ao outro daquela forma e tivessem um encaixe
tão perfeito? Madalena impulsionou o quadril contra Guilherme, fazendo com que o homem
que até então estava com a coluna ereta deixasse o peso do seu corpo cair sobre ela.
Naquele momento, as bocas se encontraram em fúria, sedentas por algo que nunca tinha
experimentado com tanta intensidade. Era como se aquela fosse a melhor vez deles na cama e
nunca nada superaria. Mas Madalena já sabia sempre era melhor — e aquela sensação fez com
que ela entendesse que também amava Guilherme, de uma forma totalmente nova e diferente
de tudo que já havia sentido.
32

Um ano ANTES do marco zero

Leo tentava entender por que Madalena não lhe dava uma chance. Desde que a conheceu,
não conseguia pensar em outra coisa e sabia que ela também sentia algo diferente por ele.
Mesmo que nunca tivessem se tocado, beijado ou sentido qualquer coisa mais que o calor do
abraço um do outro ou o toque das mãos sem querer, Leo sabia que Madalena era a mulher
perfeita para ele e ele para ela.
Combinavam em tudo e o encantamento foi mútuo no dia que se conheceram: Leo recém-
chegado a Rio Branco, fazendo uma série de reportagens culturais e Madalena designada pela
Secretaria de Cultura para acompanhá-lo. No primeiro “oi”, a voz da mulher havia feito com
que qualquer coisa que estava sendo dita se tornasse incompreensível pela sensação que o
timbre feminino e rouco causava em sua pele.
Madalena não era nenhuma menina de parar o trânsito. Era uma mulher comum, acima do
peso, mais madura, experiente e com uma vida organizada. Ele, no entanto, era um repórter
recém-formado, cheio de sonhos e coisas para viver, na casa dos 25 anos, que ele largaria
qualquer sonho e casaria com ela na hora, se ela apenas lhe desse uma chance.
Leo era encantador e Madalena também sentiu-se atraída e envolvida pelo menino. Quando
percebeu que havia se apaixonado, pensou em pedir a separação de Ricardo. Era óbvio que eles
não estavam bem, senão como seria possível Madalena se envolver emocionalmente com outra
pessoa? Claro que, ao longo dos anos juntos, ela olhou e desejou outros homens. Não era
hipócrita de pensar que isso também não acontecia com o marido. Mas jamais permitiu-se
colocar sentimentos em outro homem. Agora, se via dormindo e acordando pensando em Leo.
Sonhava acordada como uma adolescente, imaginando como seria beijá-lo, como seria transar
com ele. Pensava no corpo de Leo, em tudo que lhe atraía. Não podia continuar com aquilo.
— Ricardo, nós precisamos conversar. Eu quero a separação — falou de uma só vez, assim
seria mais fácil começar.
— Não diz isso, Mada. Por quê? Você conheceu outra pessoa? — Ricardo ficou
completamente confuso.
— Porque eu não aguento mais. Nós somos amigos, Ricardo. Mas não nos amamos. Nada
em nossa relação é bom. Somos frios, vazios, não nos satisfazemos na cama, não trocamos
carinhos. Eu não quero viver uma vida assim. — Ela desabou em lágrimas. Anos guardando
tantas coisas para poupar Ricardo e agora a represa se rompia.
— A culpa é minha, amor, perdão. Mas não faça isso conosco. Me dê uma chance. Eu juro
que vou melhorar em tudo. Por favor… — Ricardo estava com os olhos cheios d’água. O que
seria de sua vida sem a esposa?
— Ricardo, quantas chances nós já nos demos? Sempre voltamos ao mesmo lugar. —
Madalena suspirou. Talvez se contasse que havia se apaixonado por outro, Ricardo desistiria.
Mas não queria magoar o marido. Não precisavam terminar de uma forma dolorida.
Ricardo ponderou de todas as formas. Argumentou, chorou, pediu chances, usou como
desculpa João, a possibilidade de mudança em breve… Tudo que podia. Prometeu coisas que
Madalena sabia que ele não poderia cumprir e a mulher pensava, enquanto ouvia todas
palavras de Ricardo: será que sua vida seria sempre essa, de nunca conseguir dizer não àqueles
com quem se importava?
Não pensava em se separar por Leo. Aquela relação nunca teria futuro. Pensava em se
separar por ela mesmo. Claro que não desperdiçaria a chance de provar se Leo era realmente
tudo que imaginava, mas a decisão era por ela mesma.
Há quanto tempo ela investia em uma vida em dupla sozinha? Quantas vezes se questionou
se era para ser só aquilo mesmo e ela deveria se conformar? Leo, mais do que uma paixão e um
motivo para voltar a sonhar, trouxe a certeza de que não poderia ser só aquilo. Talvez ela
tivesse esquecido totalmente como era amar e precisava reaprender — e, definitivamente, não
era com Ricardo que reaprenderia. Por isso, queria a separação. Tinha muita ânsia em viver
para se conformar o resto da vida.
Leo estava indo embora da cidade na manhã seguinte. Saíram para comemorar o fim dos
trabalhos e a amizade que havia surgido. Ao saírem do Bar do Português, um tradicional bar de
turistas no centro de Rio Branco, depois de beberem duas garrafas de vinho do Porto, os passos
não eram tão retos pela frente do Teatro do Acre. A última tarefa de Leo era tirar algumas fotos
à noite do local — por isso a escolha do bar.
As mãos desengonçadas, soltas ao lado dos corpos que caminhavam com passos tortos,
foram se tocando. A cada passo, se encontravam novamente e pareciam ter mais dificuldade de
se afastarem, mesmo os corpos sendo afastados pelos trôpegos passos. Então, a mão de Leo
tomou uma atitude e agarrou a mão de Madalena em um dos encontros, fazendo os corpos
pararem e se aproximarem num abraço caloroso que arrepiou a pele de ambos. Era uma
sensação nova. Quando uma das mãos de Leo se posicionou na nuca de Madalena,
aproximando seus rostos e, consequentemente, seus lábios, Madalena sussurrou:
— Não. — Afastou-se do homem que lhe despertava tantos sentimentos diferentes.
— Por que não, Madalena? Você não me quer? Porque eu te desejo desde o primeiro dia e
essa pode ser a nossa única chance.
— Leo, eu sou casada. Você sabe disso. Já, inclusive, te confidenciei coisas sobre Ricardo. Eu
não posso fazer isso.
— Mas, Madalena, você está insatisfeita no seu casamento. Eu sei disso. Você sabe. — Ele
passou a mão pelos cabelos raspados e depois esfregou o rosto. — Por que não se permitir uma
chance de ser feliz?
— Eu jamais me permitiria ser feliz à custa do sofrimento de outra pessoa, Leo.
Madalena virou-se de costas e foi se afastando dele sem se despedir. Seria menos doloroso.
Talvez não fosse um adeus, só um “até breve”. Ela já havia tomado sua decisão e conversado
com Ricardo: iria se separar, só faria de forma lenta para João não sofrer e para que Ricardo
também pudesse aceitar.
33

Quinze dias ANTES do marco zero

“Se você continuar interferindo na nossa vida, lembre-se que eu sou bastante vingativo”.
Madalena observava atônita a mensagem que acabará de receber de Ricardo. O que ela havia
feito para interferir na vida dele e de sua amante? Sempre soube que Ricardo era vingativo.
Lembrava-se da vez que, após uma briga com o superior, o marido esperou meses para poder
arranhar o carro do homem e sentir-se vingado.
Mas ela não havia feito absolutamente nada para eles. Ao contrário, continuava
concordando com todas as decisões de Ricardo e apenas pedindo que João fosse poupado de
toda aquela história sórdida. Ricardo não admitia a imposição de Madalena. Dizia que a
mulher estava criando coisas em sua cabeça; que quem não queria a aproximação de Angel era
ela e não a criança; que João iria ter que aceitar e pronto. Como se João já não estivesse
sofrendo com tudo que estava acontecendo…
As brigas agora giravam sempre em torno do mesmo foco: o filho. Algumas vezes, Madalena
percebia que Ricardo tentava usar essa desculpa para se aproximar dela, mas ela sempre
cortava. Agora quem precisava de um tempo e distância de Ricardo era ela. Mas, diante da
ameaça, não se conteve. Ligou para o marido:
— O que eu fiz para você me ameaçar? — Madalena estava nervosa.
— Não te faz de desentendida, Madalena. Você sabe muito bem o que você fez. Agora, por
sua atitude de falar com o comandante do quartel de Rio Branco, eu vou ter que sustentar a
Angel e vou me ferrar de dinheiro! — Ricardo bufava, furioso, ao telefone.
— Você vai sustentar essa vagabunda porque quer. Se ela perdeu o emprego, não é sua
obrigação. Ela que vá morar com os pais. E isso não é um problema meu. Se ela perdeu o
emprego é bem feito! Agora, eu não falei com porra de comandante nenhum!
— Ela não perdeu o emprego! Ela vai pedir pra sair porque você deixou as coisas
insuportáveis para ela lá! Como você pode ser tão egoísta? — Ricardo ainda gritava.
— Mas você é muito trouxa mesmo. Olha o golpe que ela está te dando! Ah! Coitadinha da
vagabunda que agarra o marido da amiga dentro do local de trabalho e agora não aguenta a
consequência dos seus atos! Tadinha! Ficou insuportável para ela lá por causa do que ela fez e
procurou… e a culpa é justamente minha que sou a verdadeira humilhada e vítima dessa
merda que vocês fizeram! Mas, quer saber, Ricardo?! Isso é bom para tu ver que a vida vai te
cobrar bem caro por tudo que tu estás me fazendo passar! — Madalena desligou o telefone com
raiva.
As coisas que lera nos prints que Inácio havia mandado para ela começavam a fazer sentido.
Angel sabia que sua relação com Ricardo era fraca demais para se manter à distância. Por isso,
tudo que falava jogava Ricardo contra Madalena, para que ficassem afastados enquanto ela não
estava por perto para vigiá-lo. Por isso, também, a pressa em tentar falsificar uma união estável
e agora essa mentira sobre Madalena ter procurado o comandante. Pensou sobre quem poderia
ter contado a história dentro do quartel. Então, um estalo veio em sua cabeça: Inácio. Por mais
que quisesse se separar, as atitudes de Angel o incomodaram bastante. Ele tinha todas as provas
e Angel sabia disso. Nas conversas com Ricardo, ela dizia que Inácio aceitava de boa, que havia
refletido melhor e a deixado com tudo, mas ele se vingou por trás dos panos.
Aquela foi a primeira ameaça de Ricardo. Um dia depois, veio a ameaça de brigar pela
guarda de João, caso Madalena não aceitasse reduzir a pensão que o próprio Ricardo havia
estipulado. Depois, não dar-lhe mais o dinheiro se ela não aceitasse a presença de Angel na vida
do menino. E, assim, todas as conversas passaram a ter um tom de psicologia reversa, sempre
com uma coação implícita, uma ameaça ou imposição.
Então veio o advogado, que Ricardo contratou sozinho para fazer a separação e que, mesmo
Madalena implorando para que conversassem sobre isso depois, que ela ainda precisava de um
tempo para aceitar e organizar a cabeça, Ricardo disse que teria que ser naquele momento. Ela
sentia-se exausta e sem forças para continuar aquela briga. Disse a Ricardo que, se ele
continuasse agindo daquela forma, tomaria uma atitude.
Ainda não havia voltado a dormir direito. Não conseguia mais ver possibilidade de diálogo e
resolução dos problemas com Ricardo. Sentia-se totalmente sozinha e desamparada. Foi então
que se lembrou das palavras da mãe de Santo, enquanto tentava se distrair olhando besteiras
nas rede sociais. “Tem uma mulher que você conhece há muito tempo e que vai ser seu porto
seguro na justiça.” Seus olhos bateram na postagem de uma amiga que não via há anos e era
advogada. Mandou uma mensagem: “Preciso muito conversar com você” e logo a resposta
veio: “Amanhã, um café?”
34

Oito meses DEPOIS do marco zero

Depois da insistência de Ricardo de impor a presença de Angel a João e sem uma decisão
ainda por parte do juiz, Madalena apelou para ignorar completamente o homem e não
conversar com ele, sem ser através dos advogados.
Mesmo depois de tudo o que havia passado, Madalena ainda ponderou muito em tomar
uma atitude tão radical. Discutiu com a terapeuta, a advogada e a Mãe de Santo inúmeras vezes
se deveria ou não bloquear seu contato de todas as formas. Ainda tinha esperanças de que, em
algum momento, Ricardo caísse em si. Ainda pensava que poderia aguentar um pouco mais
para não se sentir tão culpada. Porém, quando as ameaças não cessaram e voltaram a ser
deferidas palavras agressivas, Madalena chegou a seu limite. Desde então, mais ou menos um
mês, não tinha nenhuma conversa com Ricardo. Ouvia o filho falando com o pai de vez em
quando, mas ela mesma não falava.
Naquele dia, ficou surpresa ao ver Ricardo parado na porta de sua casa, antes da hora de
pegar João.
— Eu tinha certeza que era isso que você fazia todas as vezes: saía uma hora antes da hora de
eu chegar para não nos encontrarmos. — Ricardo suspirou triste. — Nós precisamos conversar,
Madalena.
— Nós não temos nada para conversar, Ricardo. Tudo deve ser dito através dos advogados.
Assim evitamos que você me ameace, coaja ou agrida e você não tem o desprazer de ter que
falar comigo. — Madalena já saía pela calçada enquanto falava.
— Madalena, por favor — a voz de Ricardo tremeu. — Apenas me escute. Depois, se você
quiser ir embora, eu vou entender.
Madalena virou-se para Ricardo e acenou com a cabeça para que ele continuasse. Não
deveria ouvi-lo depois de tudo, mas ainda era incapaz de dizer não para alguém de quem
gostasse — e, apesar de toda a traição e sofrimento causado por Ricardo, Madalena ainda sentia
um carinho especial por ele.
— Fale, Ricardo — Madalena o incentivou. — Estou aqui, pronta para te escutar, como
sempre estive.
— Madalena, me perdoa. O que mais eu posso dizer? Eu preciso que você me perdoe por
tudo que fiz. Não só pela traição, mas por todas as vezes que te magoei propositalmente com
palavras. Por todas as vezes que eu não te ouvi e bati de frente só para te irritar. — Ricardo
olhava para a esposa com a alma à mostra. Talvez nunca tivesse sido na vida tão sincero como
naquele momento. — Eu estava tão irritado comigo mesmo que não conseguia enxergar que eu
estava descontando na pessoa que eu mais amava. Eu ficava imaginando quando seria o
momento que você me ligaria e diria que me queria de volta. Mas, quanto mais o tempo
passava, mais eu ficava com raiva porque você estava me superando e eu sabia que eu mesmo
nunca superaria. — Ricardo deixou uma lágrima escapar de seus olhos.
— Ricardo, eu te perdoei no dia seguinte. Você me conhece há tanto tempo e, mesmo assim,
não enxergou os meus sinais. Só que te perdoar não significa que voltaremos a ser um casal.
Nós dois sabemos que, há muito tempo, já não éramos um casal: éramos amigos coloridos. —
Madalena pensou em rir de sua própria piada, mas a cara de sofrimento de Ricardo a impediu.
— Eu estou feliz, seguindo em frente e descobri que o que sempre imaginei como relação é
possível, sim, existir. Você também seguiu em frente, está morando com a Angel e construindo
uma nova vida. Nós só precisamos aprender a conversar sobre o João e você precisa me ouvir.
Afinal, sou eu que estou mais tempo com ele e que acompanho e sofro todas as consequências
das reações dele à nossa separação.
— Não existe mais Angel, Madalena. Essa foi a maior merda que fiz em toda a minha vida e,
se pudesse voltar no tempo e modificar algo, seria a única coisa que eu modificaria. Eu a
coloquei pra fora. Você sempre teve razão: ela planejou tudo. — Ricardo baixou a cabeça. Não
conseguia encarar Madalena.
— Eu sinto muito, Ricardo. Lamento mesmo. Mas agora é hora de você reconstruir a sua
vida e resgatar o João. Quanto a nós… — Madalena aproximou-se do homem com quem tinha
dividido tantos anos da sua vida e o abraçou carinhosamente. — Nós podemos ser bons amigos
e você sempre poderá contar comigo. — No exato momento que o abraço foi desfeito,
Guilherme encostou o carro ao lado de onde estavam. — Agora eu preciso ir. Vamos aproveitar
o fim de semana de folga em Gramado. Aproveite o seu! João está cheio de coisas para lhe
contar — Madalena falou, enquanto batia a porta do carro.
Guilherme sacudiu a cabeça em cumprimento para Ricardo, que retribuiu. Madalena beijou
a boca do namorado levemente e acenou. Aquele parecia ser o momento que ela esperava desde
o dia que Ricardo mudara suas atitudes. Um momento em que sentiria a possibilidade de
recomeçar de fato e sem se preocupar com o que pudesse vir pela frente. Ricardo se curaria em
breve e, com isso, João também ficaria bem. O que mais ela precisava para ser feliz? Olhou para
Guilherme, que dirigia enquanto segurava sua mão com força:
— Eu te amo — disse, deixando seu coração livre para recomeçar — e acho que chegou o
momento de conversarmos com as crianças. O que você acha?
Guilherme apenas sorriu e concordou. Sua vontade era parar o carro ali mesmo, no meio da
rua, e beijar a mulher que estava ao seu lado. Mas se contentou apenas em ver a felicidade
estampada no rosto dela. Entendia completamente que ela havia acabado de se libertar de todas
as armaduras que usava contra Ricardo e aquilo também a libertava para viver plenamente a
história deles.
O fim de semana, que deveria ser de comilanças e passeios, acabou se tornando o início de
uma nova vida para ambos, com planos e projetos para o futuro que envolviam um
apartamento de quatro dormitórios e quartos coloridos. Organizaram um piquenique onde
contariam para os filhos que estavam namorando. Enquanto procurariam o apartamento ideal
para a nova família, os filhos teriam tempo de se habituar à ideia. De qualquer forma, o
divórcio de Madalena ainda demoraria a sair, então esperariam.
Madalena se viu construindo um novo futuro, onde antes tudo parecia em branco, e ficou
feliz com isso. Sua vida, finalmente, parecia se organizar de novo — e melhor do que ela
imaginara.
35

Nove meses ANTES do marco zero

João estava agitado dentro do avião. Madalena havia resolvido ir visitar sua mãe, sem data
para retornar para casa. Mesmo tendo insistindo muito com Ricardo sobre a separação, o
homem havia se recusado a aceitar. Foi então que Madalena pensou em ir pro sul. Assim, com
a distância, talvez Ricardo caísse em si e aceitasse que precisavam se separar.
Não havia mais sentido naquela relação e, passados três meses da conversa que tiveram, as
coisas continuavam iguais. Ela não falava mais com Leo, mas volta e meia se lembrava do
menino e de tudo que havia sentido de forma tão intensa. Estava errada em querer viver? Ela se
arrependeria da decisão depois?
Pensava que a distância tornaria tudo mais fácil para ela e Ricardo — até mesmo para João,
que se habituaria com a situação aos poucos. Não via outra saída para conseguir se separar,
senão indo para longe de Ricardo.
Nos primeiros dias, sentia falta da presença dele, principalmente à noite, na hora de colocar
João na cama e dormir. Mas, aos poucos, mãe e filho não sentiam mais sua falta e tinham
criado seus próprios rituais e rotinas. Ricardo ligava todos os dias para falar com João, mais de
uma vez no dia, e para falar com Madalena também. Implorava para que a mulher
reconsiderasse. Puxava lembranças do passado do casal para ver se a sensibilizava. Madalena
estava irredutível; mesmo assim, era incapaz de dizer não a Ricardo.
Estavam há dois meses afastados, quando Ricardo anunciou que iria encontrá-los no sul para
conversarem. Madalena não teve como dizer não. As festas de final de ano estavam chegando:
como negar ao marido o direito de passar um tempo com o filho?
Quando Ricardo chegou, foi estranho. Madalena o olhava e não sentia absolutamente nada.
O homem percebia a indiferença da mulher. Durante os vinte dias das suas férias, ele se
esforçou ao máximo para que a esposa voltasse com ele para casa. Mas não foi nenhum dos
seus pedidos ou declarações que fez com que ela mudasse de ideia, foi João.
No dia em que o pai estava indo embora, ao se despedir, João olhou para a mãe e pediu:
— Podemos voltar para casa com o papai? Sinto muita falta dele com a gente.
Aquilo arrebentou o coração de Madalena, que percebeu o quanto estava sendo egoísta. Não
podia mais pensar apenas nela como mulher. O filho precisava vir em primeiro lugar. Não era
isso que era ser mãe e que ela fazia desde que o pequeno havia nascido? Como poderia agir
diferente agora?
Mal saiu do aeroporto e comprou as passagens. Voltariam para casa. Ela daria um jeito de
reaprender a se conformar e garantiria que o filho crescesse num ambiente saudável. Quem
sabe, quando ele fosse maior, ela poderia voltar a pensar em si mesma. Mas, agora, era
impossível.
Avisou Ricardo de sua decisão e o homem comemorou. Não queria perder a mulher e a
família. Ele decidiu que, daquele dia em diante, se esforçaria para ser o melhor marido que
Madalena poderia ter e que jamais deixaria o casamento de lado novamente.
Quando a esposa e o filho retornaram, Ricardo estava empenhado em mudar. Madalena
percebia nos pequenos gestos de Ricardo as diferenças e os sacrifícios que ele estava fazendo
para serem felizes de novo. Ricardo não ficava mais atirado na cama ou sofá nos dias de folga.
Inventava programações com amigos e com o filho quando Madalena precisava trabalhar em
alguma matéria. Estavam sempre saindo, comendo fora e reunidos com amigos. Aquilo
agradava Madalena, que começava a sentir-se, de novo, em casa.
O marido também estava empenhado em mudar a rotina sexual do casal. Procurava
Madalena com mais frequência e não fugia mais da esposa quando ela o procurava.
Redescobriram o prazer de estar juntos e, embora algumas coisas não pudessem ser
controladas por Ricardo, como seu problema em gozar rápido demais, ele parecia cada vez
mais empenhado em satisfazer a mulher de outras formas.
Os esforços de Ricardo foram baixando a guarda de Madalena e, em pouco tempo, o casal
havia encontrado a harmonia novamente. Madalena se perguntava quando as coisas voltariam
ao normal, mas, dessa vez, parecia realmente que o normal seria a nova rotina. Pensou que
poderia ter perdido a chance de reconstruir seu casamento se não fosse João. Por fim, agradecia
ao filho por fazê-la tomar a decisão certa.
Naquele fim de semana, quando Madalena recebia alegremente os amigos em sua casa,
recebeu uma mensagem de Leo, que dizia estar voltando para Rio Branco e querer vê-la. Olhou
para o filho correndo com o filho dos amigos no pátio. Olhou para Ricardo administrando a
churrasqueira e rindo de alguma piada que Thiago havia contado. Apenas respondeu: “Não
será possível. Tenha uma boa viagem”.
Leo entendeu o que Madalena queria dizer e não insistiu. Aquela mulher jamais seria dele e
não tinha o direito de atrapalhar a sua vida. Talvez um dia, num futuro, quem sabe teriam uma
chance.
A vida do casal foi se ajustando aos poucos e cada novo desafio parecia uni-los mais. Ao
contrário de antes. Madalena estava feliz por aquele recomeço, diferente do que tinha
imaginado. Ainda se incomodava com algumas atitudes de Ricardo, mas não podia dizer que o
marido não estava disposto a acertar. Ela também, mesmo que receosa no início, agora estava
empenhada a fazer o casamento dar certo — por João e pelo esforço de Ricardo.
Não podia dizer que não gostava mais de Ricardo: gostava e muito, só que de uma forma
diferente. Talvez fosse um carinho fraternal, um respeito por tudo que já haviam passado. Ela
sabia que não era mais paixão e nem amor — não amor homem e mulher —, mas dizer que
não o amava de alguma forma seria mentira. Contudo, sabia que não era o amor que gostaria
de sentir. Nem sempre a vida nos dá aquilo que queremos; às vezes, ela nos dá o que
precisamos. Era nisso que Madalena se apegava para tentar seguir adiante e se esforçar em
resolver as coisas.
36

Dez dias DEPOIS do marco zero

Madalena não conseguia conter as lágrimas. Olhava para um lado e para outro na recepção
enquanto aguardava ser atendida e se perguntava como haviam chegado naquele ponto. Não
havia nem um mês que tinha saído de Rio Branco para recomeçar em Cascavel e, de repente, se
via sozinha em Curitiba, com o filho sofrendo e a vida de pernas para o ar.
Não era a traição que pesava sob sua dor, era todo o resto. O jeito agressivo de Ricardo, as
palavras cruéis e propositais. A necessidade de tentar irritá-la ou de deixá-la mais nervosa do
que já estava. Será que o marido não percebia o quanto estava afetando-a? Mas de nada
adiantava ela tentar conversar, falar ou implorar para que ele a deixasse se curar, Ricardo era
como um cão raivoso que precisava arrancar os pedaços de sua vítima apenas pelo prazer da
tortura.
Na primeira ameaça, Madalena havia dito que tomaria uma atitude se precisasse e Ricardo
não parasse com as ameaças e coações. Todas as vezes que procurava a mulher, de alguma
forma, tentava coagi-la ou ameaçá-la para que ela concordasse com tudo que ele queria.
O que havia sido acertado nos primeiros dias, agora só valia se beneficiasse Ricardo. De
resto, tudo ele mudava e tentava enfiar goela abaixo de Madalena. Ela não via outra saída.
Estava acuada, confusa, perdida, com medo, mesmo que o medo de perder João não fizesse
sentido. Não suportaria ficar longe do filho. Ao ler novamente uma ameaça na tela do celular,
tomou a decisão que a levara àquela recepção. Não aceitaria mais aquela forma de tratamento
de Ricardo.
Enquanto aguardava, pensava em tudo que haviam vivido até aquele momento. As
lembranças boas ainda superavam as ruins na cabeça de Madalena. Teve vontade de ir embora.
Talvez Ricardo caísse em si e nada daquilo seria necessário. Mas a verdade é que estava em seu
limite. Não dormia direito desde a separação, não conseguia colocar as ideias em ordem e
Ricardo piorava a situação com aquelas mensagens.
Quando foi chamada pela escrivã, sentiu uma onda de tristeza se espalhar por seu corpo. O
cansaço, a raiva, a tristeza e o fato de estar dentro de uma delegacia especializada para mulheres
a deixavam completamente deprimida. Sentia como se estivesse no fundo do poço, engolindo
toda sua água e sem conseguir respirar. Emocionalmente, as ameaças de Ricardo a destruíam e,
mesmo sem fazerem sentido, ela se sentia acuada.
— Eu sei que é muito difícil estar aqui — a escrivã começou a falar com a voz mansa,
encarando Madalena a sua frente. — Mas, para que possamos lhe ajudar, preciso que a senhora
me conte o motivo que a fez nos procurar.
— Meu marido, ou meu ex, não sei como devo chamá-lo, tem me ameaçado por mensagens
constantemente desde que saiu de casa. Ameaça se vingar, ameaça levar meu filho, ameaça não
me dar dinheiro… Ele fica tentando me pressionar a fazer as coisas do jeito que ele quer, é
agressivo verbalmente comigo e eu tenho medo, mesmo que pareça irracional, de ele fazer algo
contra mim e meu filho — Madalena falou em um só fôlego. Se parasse para pensar, sairia
correndo dali e acharia que estava exagerando, mais uma vez colocando Ricardo em primeiro
lugar e o protegendo.
— Quem optou por se separar? — a escrivã questionou.
— Ele. Nós. Não sei bem… — Madalena suspirou. — Estávamos de mudança de Rio Branco
para Cascavel. Então, ele me contou que teve um caso com uma mulher que se fingia de minha
amiga e vivia dentro da minha casa. Eu o coloquei para fora da casa da minha mãe e, no dia
seguinte, quando fomos conversar, ele disse que não haveria mais volta.
Madalena seguiu relatando para a escrivã tudo que havia acontecido nos últimos 20 dias da
sua vida. Falou do comportamento de Ricardo, das constantes tentativas de fazer Madalena
concordar com ele e da preocupação que tinha de que Angel se aproximasse de João naquele
momento.
A escrivã ouviu atentamente o relato da mulher. Fez algumas anotações enquanto Madalena
falava e digitava rapidamente no computador a ocorrência.
— A senhora tem todas essas mensagens no seu celular? — Madalena assentiu com a cabeça.
— Vou pedir que a senhora imprima todas as conversas e salve os áudios em um cd e entregue
aqui na delegacia amanhã. Isso ajudará no processo. Estou pedindo uma medida protetiva para
a senhora e seu filho em caráter de urgência. Caso seu ex se aproxime, ou a senhora se sinta
ameaçada ou em perigo de alguma forma, pode entrar em contato com a Brigada Militar,
explicando a situação.
— Obrigada. — Madalena sentiu-se um pouco mais tranquila.
— Gostaria de fazer outra pergunta. Desculpe se parece pessoal demais, mas é sobre essa
mulher que está junto do seu marido. Algumas coisas no seu relato me chamaram a atenção. —
A escrivã não queria deixar Madalena mais nervosa do que já estava, mas estava acostumada a
ver situações como aquela corriqueiramente e sabia dos possíveis desfechos. — A senhora tem
como provar toda a armação dela para conquistar seu marido e convencê-lo a brigar pelo filho?
— Tenho sim. O ex marido dela me mandou prints das conversas de Ricardo e Angel. Tenho
tudo aqui. A senhora quer olhar?
— Se você não se importar… — Madalena estendeu o celular para a mulher à sua frente e
ficou observando suas reações ao ler as mensagens. Ao terminar a leitura a mulher, falou: —
Sugiro que a senhora procure ajuda especializada. Fale com um advogado e mostre isso.
Procure também por amigos em comum que talvez possam lhe dar mais algumas informações.
O que me parece é que essa mulher quer realmente a sua vida.
Madalena saiu da delegacia num misto de alívio e medo. Sentia-se protegida contra Ricardo,
mas nada impedia Angel de continuar agindo como estava. O que, afinal, a mulher queria? Já
não havia destruído sua vida, acabado com seu casamento e deixado tudo de pernas pro ar? O
que mais ela precisava? Já estava com Ricardo, Madalena não o queria de volta e nem
atrapalhava mais os planos de Angel. Por que, ainda assim, ela precisava continuar destruindo
Madalena — e por que atingir João com isso?
Nada fazia sentido.
37

Um ano DEPOIS do marco zero

Madalena e Guilherme comemoravam. O divórcio finalmente havia saído. Madalena


conquistou a guarda unilateral de João e respirava aliviada por não ter mais as constantes
ameaças de Ricardo. Na verdade, desde que o homem havia se afastado de Angel e descoberto
que os planos da mulher e histórias de seu passado, Ricardo havia voltado a ser o homem que
Madalena sempre conheceu. Apesar da mágoa e do afastamento emocional que todas as
atitudes de Ricardo haviam causado, agora eram capazes de conversar.
Ainda não eram amigos, como Madalena desejava que fossem, mas, pelo menos, conseguiam
conversar, olhar no olho e, de vez em quando, até rir de uma piada que o outro contava. Já era
um grande avanço diante de tudo que haviam passado.
A mulher não guardava mágoa. Havia descoberto uma vida inteiramente nova em função da
traição do marido. Confiança é algo que se leva tempos para construir e segundos para destruir.
Ricardo havia destruído tudo com suas atitudes e demoraria a ser reconstruída a confiança de
Madalena.
O processo foi favorável em todos os sentidos e quesitos para Madalena. Desde o dinheiro e
bens divididos, a garantia de pensões e planos de saúde; a guarda do menor, as visitas
supervisionadas por parentes inicialmente e, principalmente, a garantia de que João seria
sempre protegido naquela relação. Algumas coisas, agora, pareciam que nem faziam mais
sentido, como as visitas supervisionadas. Afinal, Madalena só havia pedido isso por conta da
insistência de que Angel deveria se aproximar de seu filho. Mas a avaliação psicossocial,
também pedida no processo, foi fundamental para fazer com que Ricardo entendesse que
Madalena estava certa desde o primeiro momento sobre o filho.
João já havia superado a separação. Fazia terapia, assim como Madalena continuava fazendo,
e adorava Guilherme e a ideia da mãe ter um namorado. O fato de Guilherme ter Luísa e da
menina passar bastante tempo com eles também ajudava essa adaptação. Madalena e
Guilherme planejavam, em breve, morar juntos com as crianças. A mãe de Luísa viajaria a
trabalho para outro país, o que deixaria a menina totalmente sobre a responsabilidade do casal
também.
Madalena ainda não entendia como tudo entre ela e Guilherme continuava sempre
melhorando. Mas isso já não a incomodava. Havia baixado a guarda e permitia-se apenas
aproveitar o momento e os planos futuros. Afinal, tinha o relacionamento leve, ardente e
sincero que sempre quis. Por que haveria de colocar problemas naquela situação?
Naquele dia, enquanto Madalena e Guilherme comemoravam, Ricardo chorava sozinho em
sua nova casa — uma casa vazia, sem vida, sem a presença da mulher que sempre amou e do
seu único filho. O advogado ligara para informar que o processo havia terminado, mas, ao
contrário do que imaginara, o cliente não ficara feliz.
Agora, de fato e de direito, Madalena não era mais sua. Mesmo sabendo que a mulher havia
reconstruído sua vida, encontrado um novo caminho profissional, um novo amor, ele ainda
mantinha esperanças de que, enquanto a separação oficial não saísse, ela poderia mudar de
ideia. A esperança acabou com a ligação do advogado. Não havia uma noite sequer que não se
arrependesse de tudo que havia feito. Havia perdido Madalena para sempre e João, cada vez
mais, sentia menos sua falta. Sabia que o namorado da ex-esposa era ótimo para o filho e o
tratava com todo amor e carinho. Algumas vezes, João até se confundia e chamava Guilherme
de papai na presença de Ricardo, quando contava algum passeio que havia feito com a nova
configuração familiar. Madalena, ainda na época em que tentava fazê-lo enxergar como estava
se comportando, havia avisado que isso provavelmente aconteceria e ele, cego, não via.
Carregava toda a culpa em seus ombros. Havia perdido tudo por conta de sua burrice e
irresponsabilidade. Como não percebeu desde o início que ele era apenas mais um para Angel
que poderia lhe dar o que ela tanto sonhava: um filho? Um filho que, por vontade de Deus ou
da natureza, ela não era capaz de conceber. Foi só no dia que ela falou em sequestrar João que
Ricardo se deu conta de que a mulher não era mesmo uma pessoa boa.
Angel já havia percebido que perdia Ricardo a cada dia. Não conseguiu manter por muito
tempo a máscara de mulher apaixonada e sem apoio. Ricardo não lhe dava mais ouvidos, como
nos primeiros meses, nem lhe pedia mais opiniões ou contava sobre os contatos com
Madalena. Quando ela pegou o celular dele e viu que Ricardo procurava todos os dias por
Madalena nas redes sociais e que havia escrito inúmeras mensagens dizendo o quanto amava a
mulher e se arrependia de tudo que havia feito, entrou em desespero.
Já estava desempregada, vivendo com Ricardo e sendo sustentada por ele. Havia engordado
inúmeros quilos por passar as tardes em casa sem nada para fazer. Ricardo recusava-se a pagar
uma empregada ou dar-lhe dinheiro para qualquer outra coisa que não fosse comida para
dentro de casa e, agora, ela ainda descobria que o pouco que havia conseguido estava para
perder. Por que Ricardo não podia amá-la como amava Madalena? Afinal, o que a mulher
tinha de tão especial, além de estar sempre sorrindo?
O sorriso sempre estampado no rosto de Madalena deixou Angel mais enfurecida. Sabia que
boa parte do arrependimento de Ricardo era por estar afastado de João. Foi então que bolou
seu último plano — último, pelo menos, que Ricardo ouviria, pois foi justamente a ideia sem
cabimento de Angel que fez o homem cair em si.
— Não é justo o que ela está fazendo com você, princeso! — Angel fazia uma expressão de
indignação. — Se eu fosse você, quando buscasse o João da próxima vez, não o devolveria mais.
Podemos ir para qualquer lugar do mundo, só nós três, e seremos a família que sempre
quisemos ter, sem a interferência de mais ninguém. — Ricardo não acreditou no que Angel
falava. Ficou olhando para a mulher com cara de espanto. — Não me olhe assim. Você está
sofrendo pela distância de João e não posso te ver sofrer. Eu faço qualquer coisa por você e
sabes que amo João como se fosse meu. Fora que minha família e amigos querem conhecer o
meu filho logo.
— Ele não é seu filho! — Ricardo gritou com a mulher. — Nunca será! Assim como nunca
será minha mulher de verdade. Você é apenas uma vadia que eu deixei me destruir. — Ricardo
segurou o impulso de avançar sobre Angel. — Eu nunca devia ter caído na sua conversa!
Madalena sempre teve razão. Que tipo de pessoa tem um caso com o marido de uma amiga e
ainda é capaz de conversar e abraçar a esposa como se nada tivesse acontecido? — A raiva
tomava conta de Ricardo de uma forma que ele nem sabia que era capaz de sentir.
— Ricardo, eu te amo! Você sabe disso. Olha todos os sacrifícios que fiz por você. Olha como
estou, agora, por sua culpa. Você não vê?
— Sacrifícios por mim? Você estava mal no seu casamento e destruiu o meu. Fez tudo de
cabeça pensada, jogando a culpa para mim e para Madalena, minando nossa relação, fazendo
com que até o carinho que ela tinha por mim acabasse. Largou o emprego porque quis: eu
nunca pedi para você vir morar comigo. Nem queria. Nunca gostei de você de verdade. Você
apenas foi chegando e eu deixando. Mas, se soubesse o quanto me arrependo, pegaria suas
coisas e sairia daqui nesse minuto.
— Mas, Ricardo, e João? Como ele vai ficar sem mim?
Ricardo realmente não acreditou na loucura de Angel. Ela não era nada para João e, nas
poucas vezes que o menino a viu, as reações foram péssimas depois.
— Você é completamente louca.
Ele apenas deu as costas. Não aguentava mais aquela situação. Precisava respirar. Sabia que
havia feito tudo da forma mais errada possível, mas ainda era tempo de consertar. Por isso,
naquele momento, decidiu que Angel não faria mais parte da sua vida. Pensou que, quando
contasse à Madalena, a mulher o perdoaria e voltaria para o casamento. Mas não foi o que
aconteceu. Madalena continuou seguindo em frente, sem ele.
Agora, sabendo que o divórcio era real, nada mais havia a ser feito. Mesmo assim, telefonou
para Madalena, que atendeu brincando:
— Oi, ex-marido. Já sabe da notícia? Nosso divórcio finalmente saiu. — Ele podia perceber a
alegria e entusiasmo da mulher pela voz.
— Pelo menos, alguém ficou feliz com a notícia — ele falou, com a voz baixa.
— Ricardo, nós já conversamos sobre isso. Não existe volta entre nós — o tom da voz de
Madalena mudou: parecia, agora, completamente cansado. — Você quer falar com João?
— Quero, mas depois… — Ele respirou fundo. — Antes eu queria te dizer que sempre vou te
amar e que me arrependo muito de tudo que fiz e como agi.
— Eu sei, Ricardo. Mas agora está feito e temos que seguir em frente. Eu sempre te amarei
também. Não da forma como você pensa que me ama, mas você sempre será alguém especial
para mim. — Madalena não queria prolongar aquele assunto. — Vou passar para João.
— Espera, Madalena. Por favor! — Ricardo implorou. — Me dê só uma chance de tentar
consertar tudo. Eu te peço. — Ele não conteve a emoção e deixou as lágrimas saírem de seus
olhos.
— Ricardo, você está tendo sua chance. Mas é com João que você precisa consertar tudo, não
comigo. Nós sempre poderemos ser amigos e próximos, se você quiser, mas nunca mais
seremos marido e mulher. Eu estou bem, feliz, seguindo minha vida em frente e espero que
você faça o mesmo também. O que aconteceu não pode ser apagado ou mudado. Agora, nos
resta aproveitar o melhor das consequências. Fica bem. — Madalena afastou o telefone do
ouvido e chamou por João. — Beijos, Ricardo. João vai falar com você agora.
Passou o telefone para a mão do filho e se afastou. Procurou por Guilherme, que continuava
sentado no sofá da sala com carrinhos de João por todos os lados.
— Tudo bem? — Guilherme perguntou à Madalena. — Nós estamos fazendo uma
competição de carros. — Ele sorriu. — Eu era a pista.
Madalena riu do comentário do namorado e sentou-se ao seu lado, tirando alguns carrinhos
de seu colo.
— Era Ricardo no telefone. Ele não gostou da notícia do divórcio.
— Eu imaginei. Sabia que, no dia que ele se desse conta de tudo que te fez passar, ele ficaria
assim. Mas, com o tempo, ele supera. Eu só posso agradecer ao Ricardo por ter feito tudo que
fez. Se não fosse ele, eu jamais teria encontrado a mulher mais fantástica do mundo em um
café. — Guilherme beijou a testa de Madalena e afagou seus cabelos. — Ricardo vai ficar bem,
Mada, e um dia ainda sentaremos todos juntos em alguma comemoração em família. Pode ter
certeza.
38

Seis meses ANTES do marco zero

Ricardo fazia as malas enquanto Madalena observava. Ficaria um mês fora de casa em
função de uma missão no quartel. A mulher o olhava com saudade, uma saudade precipitada.
O casamento vinha tão bem nos últimos tempos que, a cada noite que Ricardo ficava de
serviço, Madalena sentia sua falta. Era estranho como, durante tantos anos, nunca sentira a
falta do marido quando precisavam dormir separados, mas agora, só de imaginá-lo ausente, o
peito de Madalena se apertava.
Haviam reconstruído a relação e até o sexo estava melhor. Andavam sempre em sintonia,
não brigavam mais por bobagens como antes e dedicavam um tempo um ao outro. João
também parecia estar mais calmo em seu comportamento agitado — reflexo da paz que via
dentro de sua casa.
— Eu vou sentir saudades — Madalena disse para si mesma, mas Ricardo escutou.
— Também irei, meu amor. Mas vou ligar todos os dias, nos falaremos milhares de vezes e o
tempo vai passar voando. — Ele largou a camiseta que dobrava e sentou-se ao lado da mulher
na cama, puxando-a para um abraço. — Essa missão só vai servir para aumentar ainda mais
ligação que temos agora.
Ricardo beijou a mulher com emoção. Finalmente, parecia que os dois se entendiam e ele
percebia o quanto de sua mudança havia colaborado para isso. Estavam bem. Madalena parecia
ter desistido completamente da intenção de se separar e estava mais carinhosa e atenciosa com
ele. Era tudo reflexo de seu comportamento e sabia disso. Nunca mais se descuidaria da
mulher.
Os meses que Madalena passou afastada de Ricardo foram os piores de sua vida. Chegou a
pensar que a mulher realmente não voltaria para casa, mas ela acabou voltando e aquilo foi
melhor do ele poderia imaginar. Sempre amou Madalena, mas o convívio, a rotina o haviam
feito deixar aquele sentimento de lado. Entendia agora que o amor precisava sempre ser
adubado com pequenos gestos. Cada vez que via Madalena reagir com um sorriso a uma ação
sua, sabia que havia adubado o amor dela e o seu também era adubado.
Os primeiros dias sem Ricardo foram os mais difíceis. João sentia a falta do pai e requeria da
mãe atenção redobrada. Ricardo ligava, no mínimo, três vezes por dia para conversar com o
filho e com a esposa e pelo menos mais uma para falar só com Madalena — fora o tempo que
passavam conversando por mensagens e trocando fotos, algumas até mais sensuais que
surpreenderam Ricardo.
— Que isso, amor?! — Ricardo perguntou ao ver um foto dos seios fartos de Madalena.
— É para você pensar em mim… Quero uma foto sua, também, para pensar em ti.
Ricardo riu da brincadeira e correu até o banheiro do quartel. Providenciou o clique que
Madalena havia pedido e enviou. O peito de Ricardo era bem definido, alguns chamariam de
barriga de tanquinho, mas ele sabia que o que Madalena realmente gostava era de seus braços
fortes. Por isso, a foto enviada salientava seus braços.
As brincadeiras entre o casal foram ficando mais apimentadas, com comentários quentes e
indiretas sensuais. Aquilo divertia a ambos. Redescobriam também a sedução, que já haviam
esquecido.
Se eles imaginavam que a distância poderia afastá-los novamente, se enganaram. Aquela
separação forçada apenas os aproximou mais e os fez mais fortes como casal. Quem via os dois
juntos ou falando um do outro observava o brilho dos olhos que diziam muito mais que as
palavras que proferiam. Era como se fossem um casal em início de relação e toda aquela
sensação deixava Madalena extremamente confortável e segura.
Ricardo também começava a se sentir seguro novamente no relacionamento. Talvez o
destino realmente escrevesse certo por linhas tortas — ou que sabe fosse Deus. Jamais saberia
dizer, afinal, não tinha fé em nada. Ao contrário da mulher, que tinha fé em tudo — inclusive
nas pessoas. Essa era uma de tantas características de Madalena que o fazia ser completamente
apaixonado por ela.
Se ele tivesse que descrever a esposa naquele momento, diria que ela era a mulher mais forte
que já havia conhecido, que seu sorriso era capaz de iluminar o dia de qualquer pessoa e que
sempre estava em seu rosto, mesmo quando, por dentro, chorava. Diria que ela era a pessoa
com mais fé em outras pessoas que ele conhecia e que nunca se recusava a estender a mão a
quem precisasse — mesmo que depois a pessoa lhe virasse as costas, ainda assim, ela estenderia
de novo, se necessário. Que tinha uma esperança e certezas absolutas e que ninguém ganhava
dela em uma discussão quando ela tinha razão. E ela sempre tinha razão. Madalena era alguém
de quem as pessoas queriam estar perto e serem amigas. Era verdadeira, sincera e,
principalmente, a pessoa mais transparente que ele havia conhecido na vida. Ela era
apaixonante de tantas formas, que ele era o homem mais sortudo do universo.
39

Cinco dias ANTES do marco zero

Madalena olhava-se no espelho e não acreditava como tinha permitido que Janaína a
convencesse a usar aquela roupa para sair. Era a primeira vez que sairia solteira, com amigos,
para se divertir.
Desde que tudo tinha ocorrido, os amigos eram incansáveis em mantê-la distraída e dar-lhe
suporte. Por sorte, tudo havia acontecido em Curitiba, onde ela tinha todos os amigos antigos.
Quando colocou Ricardo para fora, a primeira coisa que fez foi mandar mensagem para os
amigos. Fabrício, Janaína, Paula, Carla e Vitória foram os primeiros a ficar sabendo e, desde
então, monitoravam a amiga, fosse à distância, como Carla e Vitória, ou inventando programas
aleatórios para distraí-la, como Fabrício, Janaína e Paula faziam.
Naquela noite, iriam a uma danceteria com outro amigo antigo de Madalena, Lucas. Lucas
sempre fora o mais engraçado de toda a turma e Madalena estava ansiosa para reencontrá-lo.
Só não sabia se a roupa estava apropriada. Há quantos anos não saía solteira para uma festa?
Logo ela, que sempre foi festeira, já não sabia mais como se comportar ou agir. Nem o que
vestir. Quem era aquela mulher que ela observava no espelho que não tinha controle sobre sua
vida? Escolheu o batom mais forte que tinha entre suas maquiagens e passou. Um vermelho
vivo reluzia em seus lábios. Não parecia com ela ainda, mas era melhor que a mulher perdida
que ela enxergava no reflexo.
Na danceteria, encontrou também Hércules, conhecido das antigas, mas de quem não era
tão próxima. Não sabia bem por que, mas, naquela noite, foi a pessoa com quem mais
conversou e, de alguma forma, aquela conversa parecia ser algo que só era possível por ela estar
vivendo aquele momento de sua vida. Isso confortou Madalena. Afinal, algo de bom começava
a surgir em sua vida depois do furacão.
Conheceu também outras pessoas que agora pertenciam à nova configuração de sua antiga
turma. Francisco, Renan e Bruno foram aqueles com quem ela mais havia se identificado.
A noite foi bem mais divertida do que Madalena esperava ao sair de casa. Dançou até seus
pés doerem. Bebeu até ficar alegre demais. Deu risada de tantas brincadeiras e piadas que
esqueceu-se completamente de toda a tormenta pela qual passava. Sentia tanta saudades
daqueles momentos com amigos que havia sufocado a falta dentro de seu peito e, agora, podia
libertar aquele sentimento.
Os amigos antigos se misturavam aos novos que, como sempre, admiravam Madalena pela
força que ela não enxergava ter. Cada um deles, por um motivo diferente, se tornou parte do
recomeço de Madalena. Ela sabia que precisava começar a reagir e acabara de encontrar o
combustível necessário.
No dia seguinte, enquanto curava a ressaca, lembrava-se da noite anterior e dava risada
sozinha. Fazia tanto tempo que não se sentia leve daquela forma — e, pela primeira vez, foi
possível dormir e acordar sem pensar em Ricardo ou sentir sua falta. Os sentimentos que
haviam tomado conta de Madalena, ora de raiva, ora de tristeza, ora de euforia, ficavam mais
confusos a cada dia que passava e ela pensava que, talvez, se não pudesse lidar com eles,
precisaria de ajuda para não cair em depressão novamente. Não podia se deixar abater. João,
agora, precisava dela e sua dor poderia esperar. Encontrou sua válvula de escape e não poderia
sequer imaginar que aquele era apenas o primeiro passo importante para seu recomeço.
Já havia consultado uma Mãe de Santo e confiava nas palavras da mulher. Estava cuidando
da sua alma, tentando refazer a sua vida, mas algo ainda precisava ser feito com seus
sentimentos confusos. Foi então que Ana apareceu em seu celular perguntando como estava.
Parecia que todos os sinais que ela precisava eram dados pelas coincidências da vida.
Respondeu a mensagem dizendo que estava bem, mas que precisava da indicação de uma
terapeuta. Ana era psicóloga e com bastante conhecidos no meio. Além de tudo, conhecia a
amiga perfeitamente e saberia dizer com que tipo de profissional ela se encaixaria melhor.
Não demorou para a resposta aparecer na tela do celular com um contato. O nome só
poderia ser outro sinal: era o mesmo da Mãe de Santo. Era como se todos os orixás estivessem
apontando o caminho para o recomeço de sua vida. Ligou na mesma hora para a terapeuta e
marcou sua primeira consulta.
40

Cinco anos DEPOIS do marco zero

Madalena e Ricardo sorriam, abraçando João, para os vários celulares e câmeras fotográficas.
Era uma linda tarde de sol em setembro e a família comemorava os 10 anos da criança. Um
bolo com o formato do Batman e vários morcegos decoravam a mesa. Os amigos de escola do
filho e outras crianças corriam pelo pátio com brincadeiras diversas e muita gritaria. Madalena
olhava para toda aquela cena e sentia-se orgulhosa. Poder comemorar o aniversário do filho
com todos que importavam na vida da criança a deixava realizada. Abraçou Ricardo, assim que
João foi juntar-se aos amigos. Enroscou os braços em seu pescoço e sussurrou:
— Obrigada. — Beijou afetuosamente sua face.
— Pelo quê? — Ricardo assustou-se com o gesto da mulher.
— Por isso… — Estendeu o braço para frente fazendo gesto à toda a festa. — Por podermos
estar aqui hoje. Felizes.
Ela soltou o pescoço do ex-marido e caminhou até onde Guilherme estava tentando resolver
a briga de Luísa com uma amiga por uma boneca menor que seu dedo.
— Precisa de ajuda? — ela perguntou, rindo, ao namorado.
— Com certeza preciso, Mada. — Ele riu e entregou a boneca nas mãos da mulher.
— Meninas, é o seguinte: vou guardar essa boneca em meu bolso até que vocês consigam se
resolver. Quando isso acontecer, se ainda quiserem a boneca, me procurem.
As meninas se entreolharam e bufaram. Resolveram que preferiam a boneca a brigar longe
dos adultos e saíram.
Guilherme abraçou Madalena pelas costas, observando as meninas se distanciarem.
— Eu não sei como você sempre consegue… — Ele beijou a face da namorada.
— E eu que ainda não descobri qual o seu segredo para que qualquer coisa sempre seja
melhor entre nós…
— São poderes de super-herói, linda. Nunca vou te contar meu segredo.
Madalena soltou uma gargalhada gostosa e virou-se nos braços de Guilherme. Aproximou os
lábios dos do homem e sussurrou:
— Não quero saber o segredo, só que continue sendo assim… — Beijou o namorado
encontrando sua língua tão sedenta quanto a dela.
Era impressionante para Madalena como, mesmo com o passar dos anos, com a rotina de
morarem juntos, Guilherme e ela conseguiam manter-se da mesma forma dos primeiros meses.
A relação continuava leve, mesmo dividindo as contas e tendo duas crianças entrando na pré-
adolescência dentro de casa e, ainda assim, tão intensa sexualmente que, por vezes, Madalena
pedia folga. Mas ela adorava isso. Continuavam sendo namorados. Ainda se apresentavam
assim. Que diferença fazia o rótulo que davam para o status de relacionamento? O importante
mesmo era o que tinham. Aquilo era real e possível.
Ricardo observou de longe a ex-mulher nos braços do namorado e não pôde deixar de sentir
inveja do homem. Poderia ser ele, se não tivesse colocado toda sua vida fora por um ato
inconsequente e impensado. Nunca superara de fato Madalena. Ainda sentia como se seu
coração acelerasse toda a vez que a via sorrir. Mas já não mais se declarava ou tinha esperanças:
se contentava em saber que a mulher estava feliz.
Pensou em Angel e tudo que ela havia causado em sua vida. Além de fazê-lo perder o seu
amor, o fez se distanciar de João e, por mais que o menino estivesse mais crescido e ele fosse o
mais presente possível, percebia como Guilherme agora era mais importante que ele. Não
sentia mais raiva de Angel, nem pensava em se vingar. Pelas notícias que tinha muito de vez em
quando, sabia que a mulher estava pagando tudo que havia feito. Angel morava sozinha agora,
numa pequena cidade do interior, e vivia sustentada pelo governo e por pessoas que faziam
caridade. Havia perdido todos os dentes da boca em um acidente de carro que ela mesma
provocara, bêbada, em uma madrugada. Foi processada pela morte de dois adolescentes e
condenada, chegou a ser presa e ficar alguns meses dentro do presídio feminino. Foi lá que ela
enlouqueceu de vez e acabou mandada para uma clínica psiquiátrica. Alguns conhecidos que
foram visitá-la diziam que ela chorava a morte de Ricardo e João no acidente de carro e culpava
Madalena por isso.
A mulher havia se perdido totalmente em suas histórias e mentiras e contava a todos que
Madalena tentou roubar Ricardo e João dela, que era uma mulher invejosa, que a odiava apenas
porque ela sempre tinha um sorriso no rosto e cara de ser feliz. Que, porque não podia ter
filhos, havia escolhido Ricardo, mas que, na verdade, o que sempre quis foi João.
Ricardo afastou aqueles pensamentos doloridos e voltou-se para o que filho estava fazendo.
O menino abraçava Guilherme na cintura, com um sorriso tão lindo quanto o de Madalena,
que também observava a cena. Se Ricardo não estivesse de fato ali, diria que era tudo armado
para um comercial de margarina. Miguel aproximou-se do amigo, colocando a mão em seu
ombro:
— Era isso que eu tentava te dizer, cara, aquele dia na praça… — Ele deu três tapinhas leves
nas costas do amigo. — Que você perderia tudo isso…
— Eu sei, Miguel… E eu perdi. Mas ainda estou aqui e sei que, para sempre, eu vou me
arrepender daquele dia em que joguei minha vida no lixo.
41

Cinco meses ANTES do marco zero

Quando Ricardo voltou para casa, depois de um mês fora, o casal estava em tamanha
sintonia que até as mesmas vontades tinham.
— Pensei em irmos na Marisa hoje. Faz dias que quero comer o xis que ela faz — Ricardo
falou.
— Nossa, amor, ia te falar isso mesmo. Combinei com a Sofia e a Fernanda de nos
encontrarmos lá.
Ricardo aproximou-se da mulher, a abraçou por trás enquanto ela ajeitava alguma coisa no
quarto.
— Sabia que eu te amo? — Ele beijou a bochecha da esposa. — Cada dia te amo mais e
agradeço por você me dar essa chance. Eu prometo, Madalena, que nunca mais vou te magoar
ou descuidar da gente.
— Eu também te amo, Ricardo, e estou muito feliz que a gente tenha conseguido se acertar.
João também está tão bem. — A mulher sorriu lembrando de uma gracinha do filho. — Você
sabia que agora ele está “namorando”?
O casal continuou conversando sobre o filho e suas gracinhas. Riram juntos até João entrar
no quarto, querendo companhia para ver um filme. Ricardo arrumou a cama, escolheu o filme
e propôs uma sessão de cinema. Madalena preparou a pipoca e a família se instalou na cama do
casal, para ver o filme escolhido por João. O menino andava viciado nos Minions e tudo que
assistiam tinha a ver com isso.
Madalena observou João, tranquilo, com a cabeça recostada em Ricardo e pensou em como
poderia ter pensado, um dia, em privá-lo disso. Era uma tarde chuvosa em Rio Branco,
daquelas em que ficar vendo filmes era a melhor alternativa — e foi o que fizeram pelo dia
inteiro.
À noite, foram ao bar da amiga e deram muitas risadas com os amigos. João brincava com as
outras crianças, correndo pela rua. Já passava das nove da noite, mas que diferença fazia com
aquele calor?
— É, temos que ir aproveitando esse calor enquanto podemos… Provavelmente, nossa
próxima morada será em um lugar frio — Ricardo disse enquanto via as crianças correndo. —
Não sei se estou preparado para passar frio na minha vida novamente.
— Pois eu estou muito a fim de sentir frio. — Madalena riu. — Mas tenho certeza de que, no
primeiro frio, eu vou me arrepender dessa vontade. — Todos riram.
Começaram uma discussão sobre as vantagens e desvantagens do frio, que acabou virando
uma conversa sobre as comidas e delícias do inverno e terminou sendo uma janta combinada.
Madalena realmente adorava aquilo: reunir os amigos, dar risadas, estar bem com Ricardo e ver
João feliz.
A vida parecia tê-la presenteado com tudo de melhor naquele momento e ela era grata por
aquilo. Grata por tudo que tinha e recebera — e pelos planos futuros.
Naquela noite, depois de fazerem amor e Madalena estar satisfeita com o sexo, recuperando
o ritmo da respiração no peito de Ricardo, a mulher refletiu sobre as escolhas deles.
— Será que deveríamos mesmo ter pedido para ir embora? A vida está tão boa assim… —
Madalena falou em voz alta. Era uma pergunta retórica. Sabia que tinham tomado a decisão
certa. Estavam, há muito, longe de casa, e sua mãe e seus sogros começavam a envelhecer. Era
hora de voltar para a terra natal e, depois, poderiam sempre retornar ao norte do país.
— Não importa onde estaremos, meu amor. A vida sempre será boa assim para nós. Não é
você que sempre diz, “que tudo acontece por um motivo”? Então, vamos confiar que, para
onde formos transferidos, haverá um motivo.
— Você tem razão. É que, às vezes, eu penso que tudo está tão em paz que em algum
momento virá um furacão e destruirá tudo.
— Já enfrentamos nossos furacões e nada nos destruiu. Se vier um tsunami, ainda estaremos
juntos e sobreviveremos. Eu nos imagino velhos, morando à beira da praia, na casinha que
vamos construir pra nós, vendo nossos netos correndo pelo pátio. Um dia, ainda vou contar
para eles como eu tive a sorte de conhecer a mulher mais fantástica do mundo em uma
danceteria, que ela nem me deu bola e eu precisei correr atrás para ter um pouco de sua
atenção.
— Ué?! — Madalena debruçou-se sobre o marido para encará-lo. — Resolveu admitir que
teve que correr atrás? — Ela riu. Ricardo nunca fazia isso na frente de amigos e sempre tentava
passar a imagem daquela noite de macho alfa e pegador.
— Mas, se você contar para alguém, finjo que não é comigo. — Os dois riram. — Que tal se
amanhã nós acordarmos e tomarmos café naquele café regional que você adora?
— Ótimo! Depois podemos levar João à pracinha para brincar um pouco. Ou ao clube, se
tiver sol.
Eles concordaram com os planos e dormiram abraçados, Madalena aninhada no peito de
Ricardo. Ricardo acordou no meio da madrugada, suando frio. Havia sonhado que Madalena e
João haviam morrido e ele chorava desesperadamente no sonho porque não sabia como
continuar vivendo sem eles. Quando acordou, abraçou com força a esposa, que resmungou por
estar dormindo.
— Tudo bem? — ela perguntou com voz enrolada e sonolenta.
— Tudo bem. Foi só um pesadelo muito ruim.
Ricardo demorou a pegar no sono novamente. A sensação de vazio que sentiu no pesadelo
lhe incomodava. Nunca poderia viver sem sua esposa e seu filho.
42

Um dia ANTES do marco zero

Madalena conversava com Hércules sobre a vida. Esperavam que os outros amigos
chegassem à casa de Madalena para fazerem um jantar. Havia se tornado rotina na vida da
mulher a presença constante dos amigos. Eles a distraíam, lhe davam energia e, principalmente,
apoio.
As risadas, sempre garantidas nos encontros, eram o combustível de Madalena naquele
momento. Por mais que se sentisse sozinha e perdida, com os amigos sabia que tudo ficaria
bem. Não gostava de ficar resmungando e chorando na frente deles. Esse momento ainda era
só dela, nas noites insones; para os outros, sempre demonstrava o sorriso largo e dócil no rosto.
— Eu não sei como você consegue… — Janaína disse quando cumprimentou a amiga ao
chegar — …passar por tudo isso e ainda estar sorrindo e recebendo a gente aqui. Se fosse eu,
estaria embaixo das cobertas, chorando quieta.
— Não conta para ninguém, mas faço isso todas as noites. — Madalena riu. — Não está
sendo fácil, mas sei que não vou morrer por isso e que vou superar.
— Eu tenho certeza que vai. Você sempre foi assim, Mada. Agora, não seria diferente.
Fabrício chegou logo em seguida; para variar, debochando e implicando com Janaína.
— Quantas lâmpadas precisa pra manter essa sua blusa acessa, Jana? — Ele riu, fazendo
referência à camiseta rosa fluorescente que a amiga usava.
O clima na casa de Madalena era de total descontração. Paula e Janaína colocavam a fofoca
em dia, enquanto Madalena era apresentada aos aplicativos para encontrar um par. Francisco
explicava como havia conhecido Renan através de um deles.
Madalena não pensava em ter um novo relacionamento tão cedo, mas uma ideia fixa
rondava a sua cabeça: precisava transar com outro homem, para tirar de seu corpo as
lembranças da última vez que havia feito amor com o marido.
Lucas cozinhava ouvindo o assunto de todos e dando os seus pitacos. A janta, naquela noite,
era um risoto de pêra e, enquanto não ficava pronto, todos bebiam espumante e riam.
O telefone da casa tocou e Madalena correu para atendê-lo:
— Madalena, desculpe ligar para sua casa, mas é urgente. É a Fernanda. Tentei te mandar
mensagem, mas você não visualizou, então resolvi ligar.
— Não tem problema, Fernanda. Aconteceu alguma coisa? — Madalena ficou aflita com o
nervosismo que a amiga aparentava.
— Não aconteceu, mas eu preciso te avisar. Lembra da Sabrina, aquela nossa conhecida que
morou em Rio Branco e foi há dois anos para Cascavel? — Madalena apenas balbuciou um
“uhum”. Fernanda continuou. — Pois então, ela está me ajudando a ver umas coisas por lá,
para a mudança, já faz um tempo. Mas hoje ela me perguntou de você, se você já estava melhor,
onde estava. Fiquei confusa e então ela me contou que Angel entrou em um grupo de esposas
da Aeronáutica e está contando a todos que está de mudança para Cascavel com o novo marido
e o enteado, que ela cria como se fosse filho dela, pois a mãe abandonou a criança e o marido e
estava em depressão.
— Como é? — Madalena ficou perplexa ao ouvir o que a amante do marido contava para
outras pessoas. O que ela pretendia com aquilo?
— Pois é, Madalena. Fiquei com tanta raiva que contei toda a verdade para Sabrina. Não
sabia se podia, mas, amiga… na hora, nem pensei.
— Não tem problema, Fê. Pode contar mesmo e dizer para Sabrina contar às outras esposas
e, mais ainda, alertar sobre como Angel se comporta.
— Vou fazer isso. Mas, amiga, cuida com o Mendonça pegando o João para passear. A gente
não sabe o que mais essa mulher é capaz de fazer.
Quando desligou o telefone, Madalena ficou pensando no que faria. Será que Sabrina teria
provas do que Angel andava falando? Chamou Fernanda por mensagem e pediu que ela
verificasse. Não demorou para várias imagens aparecerem em seu celular de Angel contando
sobre o enteado que ela criava como filho, sobre o amor do novo marido, a vida perfeita que
estavam tendo e sobre a depressão, obesidade e doenças que Madalena tinha. Falava como se
tivesse pena dela. Com aquelas conversas, será que poderia fazer algo para manter a mulher
afastada de seu filho? Ligou para a advogada. Se era guerra que Ricardo e Angel queriam, era
guerra que iriam ter. Madalena já não pensava na traição, apesar de ainda sentir as
consequências da devastação. Só pensava em João e como protegê-lo daquela mulher, que em
nenhum momento pensou em como destruiria a vida daquela família por seus atos.
Com os amigos ainda conversando na cozinha, Madalena chamou Fabrício em um canto e
contou o que Fernanda havia lhe contado. Pediu ao amigo que a acompanhasse à delegacia.
Não era fácil estar lá e já havia passado por isso uma vez sozinha.
A escrivã era a mesma da outra ocorrência e reconheceu Madalena assim que a mulher
sentou à sua frente:
— O que eu posso fazer para te ajudar, dona Madalena? — A mulher olhou consternada para
a outra, as olheiras profundas, o sorriso estampado nos lábios, tentando disfarçar toda a dor
que sentia. Admirou Madalena pela força.
— Eu posso usar isso — mostrou os prints que Sabrina havia enviado — para denunciar uma
tentativa de sequestro?
Prólogo

— Como estão os preparativos para o lançamento do livro? — a terapeuta perguntava à


Madalena. — Está conseguindo lidar com a ansiedade?
— Tenho desviado o foco para outras coisas. Ah, e está tudo pronto, basta chegar a hora,
hoje. — Madalena olhou para o relógio em um gesto preciso de ansiedade. — Por isso, agendei
essa consulta extra, justamente para tentar me acalmar.
— Você está com medo que algo dê errado? — A terapeuta encarou Madalena.
— Absolutamente não. Tudo dará certo e não criei cenas hipotéticas na minha cabeça,
doutora. Estou bem. É uma ansiedade boa.
Madalena sorriu para a mulher que lhe acompanhava há cinco anos e onze meses. Aquele
era exatamente o dia de aniversário do momento em que sua vida ruiu para que uma outra,
linda, totalmente nova e mais a cara de Madalena fosse reconstruída. Tantas coisas haviam
mudado e sido descobertas desde aquele dia… Aquela seria sempre uma data simbólica para
Madalena; por isso, havia escolhido lançar o seu livro naquele dia. Era como se fosse um fruto
positivo de toda uma história que podia tê-la destruído, mas que só lhe rendeu coisas boas: o
novo relacionamento, a felicidade e os novos rumos profissionais.
Depois de muito pensar sobre o que faria de sua vida, Madalena pensou na loucura de um
canal no YouTube, onde contaria a sua história e poderia ajudar outras mulheres a superaram a
traição, como ela havia feito. Guilherme foi o primeiro a incentivar a ideia que Madalena
achava maluca. Ele sempre notara que, cada vez que a namorada contava ou falava sobre sua
separação e tudo que passou, ela cicatrizava sua ferida um pouco mais — e quanto mais
cicatrizada estava, mais se entregava ao relacionamento deles.
O canal começou discreto. Madalena narrava sua história e questionava quem assistia sobre
alguns porquês e entendimentos da vida. Um dia, em que estava particularmente com raiva de
si mesma, fez um desabafo, falando da culpa que atribuía a si, mesmo sabendo em seu
consciente que ela não era culpada de nada. Aquele vídeo viralizou. Milhares de pessoas
começaram a assistir e se identificar. O vídeo passou a ser traduzido em outras línguas e,
quando Madalena percebeu, estava sendo chamada para palestras e outros trabalhos. O convite
da editora para fazer um livro sobre sua história foi apenas a cereja do bolo. O livro, em
questão, chamado As vantagens de ser traída, contava sua história pessoal em forma de
romance e mostrava que até de uma traição poderia surgir algo bom. O lançamento oficial era
naquele dia. Mas já havia sido esgotada uma edição em pré-venda e contratos para a tradução
em outros cinco idiomas.
Quando pensava em tudo que havia acontecido, não parecia mais ser sua vida. Talvez tivesse
transferido para a personagem que criara toda a sua dor, suas feridas e cicatrizes. Apenas tinha
certeza que a sua vida atual era real e melhor do que pudera imaginar durante os doze anos
com Ricardo. O mundo deu voltas, ela viu a vida cobrar de cada um dos envolvidos o preço
certo e presentear a quem merecia. Ela mesma se sentia imensamente presenteada. Como não
poderia? Havia descoberto novamente quem era, superado todos os momentos difíceis,
encontrado um novo amor. Com Guilherme, descobriu que o que sempre desejou para sua
vida era possível, um relacionamento leve e intenso, que sempre parecia melhorar e que, a cada
dia, a deixava mais feliz. Porque era o único compromisso que tinham: serem mais felizes
juntos. Ele era a personificação da testosterona. Fosse pela cara séria de safado, pela barba na
medida certa, o tamanho dela, o corpo, o sorriso ou a voz, qualquer mulher molhava as
calcinhas ao seu lado. Mas só ela tinha o prazer de dormir e acordar todos os dias ao lado dele.
João também estava bem. Havia aprendido a lidar com seu próprio sofrimento e tinha na
mãe seu porto seguro. Apesar dos momentos difíceis, ele começava o processo de perdoar o
pai, se reaproximando aos poucos. Ricardo parecia viver só para consertar seu erro.
Continuava sozinho e ainda apaixonado por Madalena. Volta e meia, ele confessava a ela que
jamais a esqueceria. Mas ela torcia para que ele encontrasse alguém. Sentia pena do ex-marido;
ainda assim, sabia que a decisão mais acertada de sua vida fora tê-lo colocado para fora,
naquela noite, há seis anos.
Madalena retirou de sua bolsa um exemplar de seu livro. Abriu na página da dedicatória e a
leu em voz alta:
— No meio do caminho, havia um sorriso, um abraço apertado, um carinho quente, um
beijo molhado. No meio da ladeira, havia respeito. Havia espaço, havia sincronia, havia paz. No
meio da trilha, havia água, havia ar, havia luz, havia um lugar pra descansar. No meio do que
pensei ser o fim, havia você. — Suspirou. — Escrevi pensando em Guilherme. — Fechou o
livro, olhou para a capa do livro. — Eu encaro tudo de uma forma tão diferente agora… —
Madalena olhou para terapeuta. — Eu fiz o que precisava ser feito para chegar aonde eu
precisava. Não existe mais culpa, arrependimento ou pensar que eu deveria ter dado mais uma
chance. É como se eu finalmente tivesse chegado ao ponto final. Aquele, da última página do
livro.
— E isso não é bom? — A terapeuta analisou a expressão de Madalena. — Hoje, quando
você se olha no espelho, o que enxerga?
— Uma mulher forte, segura de si, que sabe exatamente o que quer e o que não quer para sua
vida. Que ainda é ansiosa, mas sabe lidar com a ansiedade de forma positiva. Uma pessoa
honesta, que sempre manteve seus princípios em primeiro lugar. Alguém que descobriu que a
vida e os relacionamentos podem ser leves.
Madalena abriu o livro novamente na página para autógrafos. Leu mais uma vez a frase que
havia escolhido para ilustrar toda a sua vida.
— “Pensaram que eu era surrealista, mas nunca fui. Nunca pintei sonhos, apenas minha
própria realidade (Frida Kahlo).”
Escreveu apenas “obrigada”, assinou, fechou o livro e estendeu à terapeuta, que o segurou,
abrindo na página que Madalena acabara de rabiscar. Sorriu.
— Você se lembra da nossa primeira consulta, Madalena? — A mulher apenas assentiu para
terapeuta. — Aquela mulher que entrou aqui me parece bem diferente da mulher que está
falando hoje. O que você acha que mudou?
— Eu mudei? — ela devolveu a pergunta.
— Você não mudou, Madalena. Eu enxergo a mesma mulher que entrou aqui há quase seis
atrás. A diferença é que aquela mulher estava destruída e perdida e hoje ela está inteira e
aprendeu a se enxergar.
Agradecimentos

Agradecer sempre pareceu a pior parte de um livro. Não porque eu não seja grata às pessoas,
à vida, aos lugares, as coisas, de uma forma geral. Ao contrário, eu sou imensamente grata a
tudo e estou sempre falando sobre isso. Mas é que agradecer, aqui, parece que a gente sempre
vai esquecer de alguém e vamos magoar essas pessoas por isso.

Só que, nesse livro, o agradecimento foi sendo construído ao longo da caminhada — da


minha caminhada e da construção da história. Então, eu preciso primeiro agradecer a todos os
personagens desse livro, secundários ou principais, por serem reais e existirem em minha vida.

Aos três anjos, Heloísa Batista, Heloísa Rollo e Luciane Borges. Cada uma de vocês, em seus
devidos papéis, foram fundamentais para minha trajetória até aqui. Nunca existirão palavras
suficientes para agradecer o quanto vocês me fortaleceram e me tornaram mais grandiosa
diante de tudo. “Muito obrigada” é pouco.

Gustavo Hart, Patrícia Cabral Dias, Graciela Gomez, Tatiana Peixoto, Marcelo Dubal,
Neneca Maciel… Eu sempre tive a sorte de ter os melhores amigos em minha vida. Obrigada
por me receberem de volta, por todas as risadas, as palavras, os porres e o apoio. A gente não
escolhe família, mas vocês são os que me escolheram para chamar de irmã. Eu agradeço todas
as noites e todas as manhãs por isso.

Vanessa Moraes, você faz parte desse time aí de cima. Entrou em minha vida muito tempo
depois deles, mas me escolheu para amar e cuidar — e não importa se somos vizinhas ou
moramos a cinco mil quilômetros de distância, é para sempre e minha gratidão será eterna por
isso.

Mariana Monni, Camila Deus Dará, Jessica Milato, Re Moreira e Deia Evaristo. Obrigada!
Por segurarem as pontas, pela paciência, por estarem ali se preciso, por aguentarem alguns
desabafos. Obrigada. Mari, você em especial, nunca, nunca mesmo na vida eu terei como
devolver toda a tua bondade, paciência e generosidade. Obrigada, amiga e parceira!

Também preciso agradecer aos recém-chegados… Gustavo Rollo, Rafael Duarte e Rodrigo
Christimann. O que seria da minha sobrevivência emocional se não fossem as risadas,
brincadeiras e festas? O que seria de mim sem um abraço de urso em pleno carnaval, quando
nada fazia sentido? Vocês são os melhores. Assim como o Adonis Lima, um velho conhecido
que se tornou um grande amigo. Não tenho como te agradecer a todos os ouvidos, conselhos,
madrugadas de desabafos. Te reencontrar e construir essa amizade novamente, com certeza, é
uma das vantagens.

Vivian Rivas, Luana Schvartz e Márcia Tolfo… Mesmo longe, sempre zelosas. Mesmo
distantes, sempre próximas. Vocês, com certeza, são parte importante de minha história e meu
recomeço. Obrigada!

Eu sempre acreditei que, na vida, tudo acontecesse por um motivo. Alguma coisa precisamos
aprender ou ensinar a alguém quando nossos caminhos se cruzam. Obrigada por cruzar meu
caminho, Dêivisson Souza. Não sei ainda se sou eu que tenho que aprender contigo ou tu que
precisas aprender comigo. Só sei que — foda-se! — a gente aprende junto e vai curtindo.
Agora, eu sei que é possível uma relação ser completamente leve e intensa ao mesmo tempo, do
jeito que a gente tem. Se amanhã não for nada disso, não importa… porque hoje é perfeito.

Andreia Nunes, eu nunca imaginei que poderia dizer isso, mas obrigada. Você me libertou
de formas que nem imagina e me tornou uma mulher melhor, mais segura, mais forte e mais
bela. Me tornou uma fortaleza e uma leoa, por dentro e por fora. Você me ensinou o que é ser
mãe e mulher de verdade.

Paulo Maurício, a vida dá muitas voltas. Eu tenho a certeza disso. Mas ela nunca apagará
certas coisas. Os anos que vivemos juntos, lutamos, crescemos, construímos os planos e a vida,
foram ótimos. Nunca imaginei que um dia, depois de tantas coisas que enfrentamos, que
estaria escrevendo um agradecimento para ti e não uma dedicatória — e eu te agradeço por
isso. Te agradeço pelos anos compartilhados e felizes. Te agradeço por hoje estar te
agradecendo e não te dedicando um livro. Te agradeço por ter me destruído para que assim eu
pudesse me reconstruir da forma que eu sempre quis. Obrigada. Eu sempre te guardarei no
coração.

Agradeço à minha mãe e à minha filha. Portos seguros em meio à tempestade. Pedro
Henrique, você sempre será a razão de tudo que superei. A cada sorriso teu, um pedacinho
meu volta pro lugar. Por ti. Obrigada.

E a você, que leu até aqui. Sem você não haveria nenhum sentido escrever essa história. Você
é a causa, motivo e razão de tudo. Obrigada por existir!
Sobre a Autora

Luísa Aranha é jornalista, blogueira e escritora. Vive mudando


constantemente de cidade. Natural de Porto Alegre/RS, tem o chimarrão
como seu companheiro inseparável nas horas de trabalho.

Escrever para ela é tão natural quanto respirar. Faz parte de sua vida
desde que foi alfabetizada. Antes disso, já era uma contadora de
histórias, inventando brincadeiras, teatros e diálogos com suas bonecas.
Seu autor preferido é Gabriel Garcia Marquez e o livro que lhe inspira a
contar histórias do cotidiano é Feliz Ano Velho de Marcelo Rubens
Paiva.

O blog Causos & Prosas, que teve sua primeira postagem em 2009, foi
uma forma, inicialmente, de expressar seus sentimentos e se manter
próxima dos amigos distantes. Ele tem um pouco de tudo: contos,
crônicas, poesia, desabafos, cartas, opiniões e assuntos do cotidiano. A
escrita de Luísa fala de sentimentos, realidades e, em sua maioria, serve
para que o leitor reflita e se sinta tocado de alguma forma pelas palavras.
Transformando sentimentos em palavras, com ironia e bom humor, para
conversar com o leitor.

É autora de Amar só se ama uma vez..., Noites de Verão, da Duologia


Amor & Sexo, da comédia romântica, lançada pela Editorial Hope,
Valeu, Universo! e também de Meu vizinho indiscreto escrito em
parceria com Mari Monni. Organizou a s antologias de contos Isso
também é preconceito! e Contos para gozar sozinha. Em 2017 foi
finalista do Prêmio Sesc de Literatura, com a comédia romântica, Todas
as bocas que beijei (ou sonhei). Todos disponíveis em
www.causoseprosas.com.br.

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