Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
JOSÉ MADEIRA
Sumário: As ilhas dos Açores formaram-se por efeito da actividade eruptiva que ocorre desde
há cerca de 10 milhões de anos naquela região do Atlântico. A erupção dos Capelinhos, há 50
anos, é um exemplo do modo como a actividade vulcânica contribui para o crescimento das
ilhas. Aquele evento vulcânico constitui, todavia, apenas um dos vários tipos de manifestações
eruptivas reconhecidas no arquipélago, quer através das descrições coevas das 26 erupções
históricas documentadas, quer pelo estudo do vulcanismo anterior ao povoamento preservado
no registo geológico.
No presente trabalho apresenta-se o enquadramento dos Açores no contexto da tectónica global.
Descrevem-se, também, as características do vulcanismo que ocorre no arquipélago, os pro-
cessos que controlam o estilo das erupções e a sua localização.
Summary: The Azores islands were formed by the eruptive activity that occurs in that region of
the Atlantic since 10 millon years ago. The archipelago is located in a segment of the Azores-
-Gibraltar plate boundary, oblique to the Mid Atlantic rift. The transtensional regime is probably
responsible for the magmatism, although the contribution of a mantle plume is also invoked.
The Capelinhos eruption, whose 50th anniversary is commemorated in this issue of the Buletin,
provides an example of how volcanism periodically contributes to the growth of the islands.
However, the event constitutes just one type of eruptive manifestation among the many that
have been documented in the archipelago either in contemporary accounts of the 26 docu-
mented post-settlement eruptions, or in the geological record.
Two major groups of magmatic events derive from the nature of the magmas. Basalts are related
to smaller and mainly effusive eruptions. Hawaiian and strombolian eruptions characterize
sub-aerial extrusions. However, the presence of water may increase the volcanic explosivity,
with phreato-magmatic manifestations occurring when subterranean water tables intervene, or
surtseyan events when the eruptions occur at shallow depths near the islands’ littoral. Trachyte
magmas are related to larger eruptive events, with a predominantly explosive nature. Sub-plinian
and Plinian magnitude events occur on active central volcanoes. These produce pumice and
ash, often associated with or followed by lahars. Sometimes the presence of water generates
phreato-plinian phases. Frequently the acidic events end with the formation of domes and thick
trachyte coulées.
30 Boletim do Núcleo Cultural da Horta
INTRODUÇÃO
Há cinquenta anos teve início ao largo ções do Capelo e Praia do Norte par-
do farol dos Capelinhos, a pouca dis- cialmente atingidas pelos produtos
tância da costa, uma erupção subma- vulcânicos. Outra consequência do
rina. Tratou-se da segunda erupção evento vulcânico foi um surto de emi-
a atingir a ilha do Faial em tempos gração de parte da população afecta-
históricos (neste contexto, conside- da para o Brasil com o consequente
ram-se eventos históricos os que ocor- despovoamento daquela região da
reram após o povoamento). Anterior- ilha. Esta não era, contudo, a pri-
mente, em 1672 e 1673, uma erupção meira erupção no arquipélago após o
em terra havia já afectado a região povoamento, nem seria a última.
ocidental do Faial. Como marcas des- No presente trabalho trataremos da
se evento ficaram os cones edificados caracterização destes eventos geoló-
(Cabeço do Fogo e Picarito), os der- gicos e do modo como eles se enqua-
rames lávicos então emitidos (Misté- dram nos processos da dinâmica geo-
rios da Praia do Norte e do Capelo), e lógica que criou e modifica continua-
a mudança de localização das povoa- mente o arquipélago dos Açores.
meiro caso (riftes e dorsais oceâni- nhas. É este o caso da cordilheira dos
cas) as placas separadas por esse tipo Himalaias resultante da colisão das
de fronteira afastam-se uma da outra placas Indiana e Eurasiática. Final-
em resultado da injecção de material mente, o terceiro tipo de fronteira
magmático na sua zona axial. Forma- de placas é constituído pelas Falhas
-se, assim, nova crosta terrestre – a Transformantes e Transcorrentes, em
Expansão dos Fundos Oceânicos – que não existe criação nem destruição
naquelas que são chamadas Frontei- de litosfera. Ao longo destas estru-
ras de Placa Construtivas ou Diver- turas as duas placas deslizam lateral-
gentes. Nas zonas de expansão mais mente uma pela outra (movimento
lenta, como as que geram os fundos designado desligamento); exemplo
do Atlântico, as velocidades de expan- de uma estrutura deste tipo é a Falha
são são da ordem de 2 a 3 cm por ano, de Santo André na Califórnia.
enquanto que no Oceano Pacífico As principais manifestações geológi-
existem dorsais onde é criado fundo cas associadas às fronteiras de placas
oceânico a taxas de cerca de 22 cm são sismos e erupções. Nos riftes e
por ano. No entanto, ao criar nova dorsais oceânicas nova crosta terres-
crosta terrestre no eixo das dorsais tre é criada por processos vulcânicos
e riftes, é necessário destruir área e sub-vulcânicos. Nestes locais a
equivalente de superfície terrestre, maior parte das erupções ocorre no
ou o nosso planeta teria que expandir. fundo do mar e, consequentemente,
A destruição ocorre nas chamadas não é observada. Contudo, esporadi-
Fronteiras de Placas Destrutivas ou camente, como na Islândia, as dorsais
Convergentes, onde o fundo oceânico emergem e o vulcanismo associado
(mais propriamente a camada externa pode ser visto. Outro caso em que isto
da Terra, com comportamento rígido, acontece é dos riftes intra-continen-
a que se chama Litosfera) mergulha tais, estruturas que poderão evoluir
sob a placa adjacente e é reciclado no para um novo oceano. Tal é a situação
interior do Manto Terrestre. As estru- do Rifte Oeste-Africano (região dos
turas onde este mergulho se processa Grandes Lagos da África Oriental),
são as Zonas de Subducção. Quando com todos os seus vulcões activos.
as duas placas em confronto contêm Esta estrutura entronca a norte no
crosta continental, menos densa e mais Mar Vermelho e Golfo de Adén (onde
espessa que a oceânica, a subducção existe já fundo oceânico formado),
deixa de ser possível e as duas placas constituindo, portanto uma junção tri-
deformam-se, enrugando e elevando- pla. Nas zonas de subducção, existe
-se para formar cadeias de monta- também importante actividade vulcâ-
32 Boletim do Núcleo Cultural da Horta
nica. São exemplo deste facto as ca- rifte. Até há cerca de 10 Ma (milhões
deias de vulcões da costa oeste ameri- de anos) o troço açoriano da fronteira
cana (nas cordilheiras dos Andes e de placas entre a Eurásia e a África
das Cascades), ou os arquipélagos da situava-se a sul da posição actual do
Indonésia, Filipinas, Marianas, Japão, arquipélago. As ilhas não existiam
etc.. De facto, a maioria dos mais peri- então. Por essa altura o ponto triplo
gosos vulcões da Terra situa-se neste começou a migrar para norte, e a
contexto geotectónico. Nas fronteiras fronteira entre a Eurásia e a África
transformantes não existe vulcanismo. tornou-se oblíqua à crista média e à
As manifestações sísmicas ocorrem direcção de expansão dos fundos
nos três tipos de fronteira de placa, oceânicos (LUÍS et al., 1998). Esta
com sismos superficiais nas fron- obliquidade e a diferença das taxas de
teiras construtivas e transformantes expansão a norte e a sul do ponto tri-
e sismos superficiais, intermédios e plo (ligeiramente superior a norte)
profundos associados às zonas de originam um regime tectónico trans-
subducção e colisão. tensivo neste segmento da fronteira
Na junção tripla dos Açores estão en- de placas. A placa Eurasiática deslo-
volvidas fronteiras de placa constru- ca-se para Este, tal como a Africana,
tivas e transformantes. A placa Ame- mas um pouco mais rapidamente
ricana situa-se a oeste do Rifte Médio (o movimento diferencial é de cerca
Atlântico, que a separa das placas de 0,3 a 0,5 cm/ano; MADEIRA, 1998).
Eurasiática e Africana. Estas estão, A transtensão manifesta-se por uma
por sua vez, divididas por uma im- componente de abertura (associada a
portante falha transcorrente – a Falha desligamento) que permite a ascen-
Açores-Gibraltar. O local onde esta são magmática e consequente activi-
estrutura encontra o rifte é o Ponto dade vulcânica no sector açoriano da
Triplo dos Açores. Falha Transcorrente Açores-Gibraltar.
Poderia, então, pensar-se que a acti- Alguns autores consideram que a este
vidade vulcânica no arquipélago se quadro tectónico se junta a acção de
relaciona com o Rifte Médio Atlân- uma pluma mantélica (estrutura con-
tico. No entanto não parece ser este o vectiva sub-litosférica que transporta
caso pois as ilhas não se situam sobre material do manto a elevada tempera-
esta estrutura (cuja orientação no tura até zonas pouco profundas onde
sector dos Açores é próxima de Nor- sofre fusão parcial) que justifica a
te-Sul), definindo, antes, um alinha- elevada actividade magmática que
mento oblíquo ONO-ESE que cruza o aqui se observa.
José Madeira 33
zados ou que entram em menor pro- pela acumulação dos produtos vulcâ-
porção na composição dos primeiros nicos de sucessivas erupções.
minerais que se formam. Assim, a Os sistemas fissurais caracterizam-se
partir de um líquido inicial de com- pela erupção de magmas básicos. Os
posição basáltica podem produzir-se vulcões centrais, contudo, apresentam
volumes significativos de líquidos uma evolução das composições dos
enriquecidos em sílica. Este processo magmas ao longo do tempo, desde
ocorre em câmaras magmáticas e bol- magmas básicos numa fase inicial,
sadas onde os magmas estacionam passando a líquidos magmáticos pro-
antes de atingir a superfície. Nos Aço- gressivamente mais evoluídos até
res este processo é comum nos edifí- atingir composição traquítica. Duran-
cios vulcânicos que atingiram um te a fase de erupção de magmas áci-
certo grau de desenvolvimento. Estes dos formam-se caldeiras no topo dos
vulcões, formados por numerosas vulcões centrais. Este processo resul-
erupções (vulcões poligénicos), de- ta do esvaziamento parcial de bolsa-
senvolvem bolsadas pouco profundas das magmáticas superficiais e do aba-
onde se acumulam progressivamente timento da parte central do vulcão,
líquidos mais evoluídos, que atingem criando uma depressão no cume do
a composição traquítica (um magma edifício. De todos os edifícios cen-
ácido). trais dos Açores, apenas o vulcão do
Outros mecanismos, extrínsecos à Pico não atingiu ainda este estádio.
composição do magma, podem igual- Quase todas as ilhas do arquipélago
mente contribuir para as caracterís- apresentam os dois tipos de sistemas
ticas eruptivas. Tal é o caso da pre- vulcânicos. Em S. Miguel existem
sença de água em contacto com o quatro vulcões centrais (o conjunto
magma. Determinadas proporções Povoação/Nordeste, inactivo, e os
magma/água provocam significativo vulcões activos de Furnas, Fogo e
acréscimo de explosividade para uma Sete Cidades) e um sistema fissural
mesma composição magmática. activo a ligar os maciços do Fogo ao
Nas ilhas açorianas encontram-se das Sete Cidades. Na Terceira há o
dois grandes tipos de sistemas vulcâ- mesmo número de sistemas vulcâ-
nicos: os sistemas fissurais, constituí- nicos: os vulcões centrais da Serra do
dos por pequenos edifícios vulcâ- Cume, Guilherme Moniz (inactivos),
nicos monogenéticos (formados por Pico Alto e Santa Bárbara (activos),
uma só erupção) alinhados sobre atravessados por um sistema fissural
fracturas ou falhas, e os vulcões do activo. A ilha Graciosa é constituída
tipo central, poligénicos, construídos pelo vulcão central da Caldeira, a
José Madeira 35
TABELA I
ERUPÇÕES HISTÓRICAS NOS AÇORES
SÍNTESE
BIBLIOGRAFIA
ria. Horta, Typographia Minerva Insu- IDEM (1981), Livro Quarto das Saudades da
lana. Terra. Volume II. Ponta Delgada, Instituto
CANTO, E. (Editor) (2001), Archivo dos Aço- Cultural de Ponta Delgada.
res. Reprodução fac-similada editada em IDEM (1987), Livro Quarto das Saudades da
CD-Rom pela Universidade dos Açores. Terra. Volume III. Ponta Delgada, Insti-
COLE, P. D.; QUEIROZ, G.; WALLENSTEIN, N.; tuto Cultural de Ponta Delgada.
GASPAR, J. L.; DUNCAN, A. M. & GUEST,
IDEM (1991), Livro Quarto das Saudades da
J. E. (1995), An historic subplinian/
Terra. Volume I. Ponta Delgada, Instituto
phreatomagmatic eruption: the 1630 AD
Cultural de Ponta Delgada.
eruption of Furnas volcano, São Miguel,
Azores. Journal of Volcanology and GASPAR, J. L.; QUEIROZ, G.; FERREIRA, T.;
Geothermal Research, 69: 117-135. COUTINHO, R.; ALMEIDA, M. H.; WALLENS-
TEIN, N. & PACHECO, J. M. (2000), The
CORDEIRO, A. (1981 [1717]), História Insulana
das ilhas a Portugal sugeytas no Oceano volcanic eruption of 1998-1999 on the
Occidental. Reimpressão fac-similada da Serreta Submarine Ridge (W of Terceira
edição Princeps, Angra do Heroísmo, Se- island, Azores): eruptive model. Livro de
cretaria Regional da Educação e Cultura Resumos da 2.ª Assembleia Luso Espa-
da Região Autónoma dos Açores. nhola de Geodesia e Geofísica, Lagos,
DIAS, U. M. (1936), História do valle das Instituto Geofísico Infante D. Luís: 355-
Furnas. Vila Franca do Campo, s.e.. -356.
DRUMMOND, F. F. (1981 [1846-1864]), Anais LUÍS, J. F.; MIRANDA, J. M.; GALDEANO, A.
da ilha Terceira. Reimpressão fac-simi- & PATRIAT, P. (1998), Constraints on the
lada, Angra do Heroísmo, Secretaria Re- structure of the Azores spreading center
gional da Educação e Cultura da Região from gravity. Marine Geophysical Re-
Autónoma dos Açores, 4 volumes. search, 20 (3): 157-170.
FERREIRA, T. (2000), Caracterização da acti- MACEDO, A. L. S. (1871), História das quatro
vidade vulcânica da ilha de S. Miguel ilhas que formam o Distrito da Horta.
(Açores): vulcanismo basáltico recente e Horta, Typographia de L. P. Silva Correa,
zonas de desgaseificação. Avaliação de 3 volumes (reimpressão fac-similada da
riscos. Ponta Delgada, Universidade dos Secretaria Regional da Educação e Cultura
Açores [Tese de doutoramento]. da Região Autónoma dos Açores, 1981).
FORJAZ, V. H. (1992), Considerações sobre o
MACHADO, F. (1958), Variação secular do
risco vulcânico dos Açores. In «10 anos
vulcanismo açoreano. Boletim do Núcleo
após o sismo de 1 de Janeiro de 1980»,
Cultural da Horta, 1 (3): 225-235.
C. S. Oliveira, A. R. A. Lucas e J. H. Cor-
reia Guedes (editores), Angra do Heroís- MADEIRA, J. (1998), Estudos de neotectónica
mo/Lisboa, Secretaria Regional da Habi- nas ilhas do Faial, Pico e S. Jorge: uma
tação e Obras Públicas da Região Autó- contribuição para o conhecimento geodi-
noma dos Açores e Laboratório Nacional nâmico da junção tripla dos Açores.
de Engenharia Civil, 1: 215-221. Lisboa, Universidade de Lisboa [Tese de
FRUTUOSO, G. (1978 [1583?]), Livro Sexto das Doutoramento].
Saudades da Terra. 2.ª edição. Ponta Del- IDEM (2000), O controlo estrutural da erupção
gada, Instituto Cultural de Ponta Delgada. da Serreta (Terceira, Açores). Livro de
44 Boletim do Núcleo Cultural da Horta
Resumos da 2.ª Assembleia Luso Espa- RIBEIRO, O. & BRITO, R. S. (1957/58), Primei-
nhola de Geodesia e Geofísica, Lagos, ra notícia da erupção dos Capelinhos na
Instituto Geofísico Infante D. Luís: 353- ilha do Faial. Naturália, 7 (1/4): 192-224.
-354. TAZIEFF, H. (1959), L’éruption de 1957-1958
IDEM (2005), The volcanoes of Azores et la tectonique de Faial (Açores). Memó-
Islands: a world-class heritage. Examples rias dos Serviços Geológicos de Portugal,
from Terceira, Pico, and Faial Islands. 4: 71-88.
Field Trip Guide Book, IV International WESTON, F. S. (1963/64), List of recorded vol-
Symposium ProGEO on the Conserva- canic eruptions in the Azores with brief
tion of the Geological Heritage, Braga, reports. Boletim do Museu e Laboratório
LATTEX. Mineralógico e Geológico da Faculdade
MALDONADO, M. L. (1989 [1711]), Fenix de Ciências de Lisboa, 10 (1): 3-18.
Angrence. Angra do Heroísmo, Instituto ZBYSZEWSKI, G. (1963), Les phénomènes
Histórico da Ilha Terceira, 1989, 2 volu- volcaniques modernes dans l’archipel des
mes. Açores. Comunicações dos Serviços Geo-
MONTE ALVERNE, A. (1988 [ca. 1700]), Cróni- lógicos de Portugal, 47.
cas da Província de S. João Evangelista ZBYSZEWSKI, G. & VEIGA-FERREIRA, O. (1959),
das ilhas dos Açores... Ponta Delgada, Rapport de la deuxième mission geoló-
Instituto Cultural de Ponta Delgada, gique sur le volcanisme de l’île de Faial.
2.ª edição, 1988, 3 volumes. Memórias dos Serviços Geológicos de
QUEIROZ, G.; GASPAR, J. L.; COLE, P. D.; Portugal, 4: 29-55.
GUEST, J. E.; WALLENSTEIN, N.; DUNCAN, ZBYSZEWSKI, G. & VEIGA-FERREIRA, O. (1962),
A. M. & PACHECO, J. (1995), Erupções Compte rendu de deux visites au volcan
vulcânicas no Vale das Furnas (ilha de de Capelinhos (Açores) après son érup-
S. Miguel, Açores) na primeira metade tion. Memórias dos Serviços Geológicos
do século XV. Açoreana, 8 (1): 159-165. de Portugal, 9: 21-25.