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REVISTA Jus Naviganti

Em defesa da pesquisa no ensino jurídico


Novembro/2000 – Autor: Guilherme Vagner Ribeiro (professor de Direito
Constitucional da Fundação Educacional Monsenhor Messias)

O ensino jurídico no Brasil não tem tradição de pesquisa. A pesquisa em


direito estava associada à pós-graduação e à atividades de alguns professores,
sobretudo das universidades públicas. Basta lembrar, ainda, que as entidades de
financiamento apenas na década passada incluíram o direito como área de pesquisa
merecedora de aplicação de recursos públicos.
Nos últimos anos, contudo, busca-se a ruptura com esta postura, a partir,
notadamente, de duas perspectivas que se complementam: primeira, o crescimento
da percepção de que, para a compreensão do fenômeno jurídico em nossa
sociedade complexa, é indispensável o manuseio de dados que, nem sempre,
podem ser captados na superfície da realidade, devendo ser interpretados de forma
crítica na busca de solução para os problemas colocados pela dinâmica social. Não
se compreende, por exemplo, as razões do fracasso do sistema carcerário se se
limitar à leitura dos clássicos e manuais que abordam a matéria – embora
indispensáveis -, ou se se basear no senso comum. Discutindo a reforma do Poder
Judiciário, Fran Figueiredo afirma que, "infelizmente, tem-se observado uma lacuna
no que concerne à existência de pesquisas no Brasil sobre a estrutura e o
funcionamento desse Poder"[1].
A segunda perspectiva reside na concepção de que o eixo central da
formação do profissional do direito deve ser o de sua autonomia intelectual e,
neste sentido, a capacidade de produção de conhecimento científico rigoroso é
indispensável. A pesquisa deve ser trazida, assim, para o núcleo das atividades
acadêmicas do ensino jurídico. Daí a inclusão da metodologia de pesquisa logo nos
primeiros períodos, como ponto de partida de uma postura que deve acompanhar o
aluno durante todo o curso.
Um passo importante para esta ruptura é a exigência de se elaborar
monografia de final de curso, instituída pela Portaria nº 1886, do MEC, expedida em
1994, que fixa as diretrizes do ensino jurídico. Contudo, trata-se de um passo inicial,
de um mínimo com o qual não podemos nos contentar. É preciso, repita-se, tornar a
pesquisa um eixo fundamental na formação profissional. É preciso formar bacharéis
com uma forte base teórica, mas, sobretudo, capazes de aprender rapidamente, em
virtude seja das mudanças do direito, seja da necessidade de ocupar novos espaços
de trabalho.
Dentro deste propósito, uma base teórica consistente é fundamental. A
pesquisa, como questionamento reconstrutivo, não parte do nada, do vazio. "É difícil
mover-se no vácuo e instituir um discurso ab initio...", observa Umberto Eco[2]. Para
se questionar, por exemplo, a posição da doutrina ou dos Poderes sobre a reedição
de medida provisória, é preciso dominar alguns conceitos básicos, como o princípio
da Separação de Poderes, noções do processo legislativo, direito comparado etc.
Reside aí uma das funções do ensino: fornecer aos alunos os elementos essenciais
para que possam elaborar as questões a serem aprofundadas em iniciação
científica, monografia ou estudos individuais ou coletivos. O conhecimento
apresentado pelo professor é, pois, ponto de partida ou de passagem, mas, jamais,
ponto de chegada, um fim em si mesmo.
A qualidade do aluno não se revela tanto na capacidade de responder as
perguntas do professor, mas, sobretudo, na de elaborar as suas próprias perguntas,
dúvidas e questões. Contudo, não se elaboram questões que ajudem a avançar o
conhecimento sobre determinada matéria se não houver desejo, se o aluno não for
curioso e se tem uma postura passiva de vir à Faculdade receber o conhecimento do
professor, como se fosse um recipiente. Daí um certo estranhamento nos causa a
postura de alguns estudantes que adiam a definição do objeto ou do tema de sua
monografia.
De qualquer forma, para a elaboração do projeto de monografia ou de
iniciação científica, é preciso conhecer um pouco mais sobre o assunto, ler a
bibliografia básica, alguns artigos de revista especializada, possibilitando o
amadurecimento da questão. Daí a sugestão: por que não aproveitar um pouco das
férias, quando a cabeça está mais fresca e descansada, para fazer umas
leituras ?!?!?
Referências do Texto
1.FIGUEIREDO, Fran. A reforma do Poder Judiciário. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, pg. 38.
2.ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1977, pg. 12.
Referência
JUS NAVIGANTI. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/2240/em-defesa-da-pesquisa-no-
ensino-juridico. Acesso em 24 abr. 2011.

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