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UMA ANÁLISE DA INEFICÁCIA DA REPREENSÃO ESTATAL REFERENTE A LEI

DE DROGAS - 11.343/2006

AN ANALYSIS FROM THE UNEFFECTIVE OF THE STATE REPRESSION BASED


ON THE DRUG LAW - 11.343/2006

Lucas Vertele de Souza1

RESUMO
É de conhecimento geral que o tráfico e uso indiscriminado de substâncias ilícitas é
danoso à sociedade brasileira. Com isso, o presente trabalho vem com o intuito de
analisar a atual Lei Antidrogas (n° 11.343/2006) e a possível (in)constitucionalidade
do Artigo 28 da referida lei. Diante do Recurso Extraordinário (RE) 635.659, que se
refere ao uso e porte de substâncias ilegais e traz diversas citações que questionam
princípios penais e a própria Constituição Federal de 1988 - fundamentos os quais o
Relator do RE - Gilmar Mendes - apresenta a problematização do erro jurídico no
artigo 28. E a Sentença da Juíza Rosália Guimarães Sarmento, da 2ª Vara
Especializada em Crimes de Uso e Tráfico de Entorpecentes de Manaus - AM, que
em âmbito de Direito Difuso de constitucionalidade, declara a inconstitucionalidade do
referido artigo, afirmando que a legislação da atual lei supracitada, é falha.

Palavras-chave: lei de drogas; políticas públicas; criminalização.

ABSTRACT
It is general knowledge that the traffic and use of illicit substances is harmful to
brazillian society. That said, this present paper’s purpose is to make an analysis of the
current Anti-drugs Law (No. 11.343/2006) and the possible (un)constitutionality of
Article 28 of the said law. In the Face of Extraordinary Appeal (EA) 635.659, that
referred to the use and possession of illicit substances and brings multiple quotes that
questions penal principles and the Federal Constitution (1998) - fundamentals that the
rapporteur of the EA - Gilmar Mendes - presents the problematic of a legal error in
Article 28. Within the framework of diffuse control of constitutionality, in criminal
decision handed down by Judge Rosália Guimarães Sarmento, of the 2nd Court
Specialized in Crimes of Use and Trafficking of Narcotics of Manaus - AM, it was
declared the unconstitutionality of the said article, stating that the legislation of the
current law cited above is flawed.

Key words: drug law; public policies; criminalization.

1
Rede de Ensino Doctum – Unidade Carangola – lucasverte@gmail.com – graduando em Direito.
2

1. Introdução

O presente trabalho possui como objetivo expor a Lei 11.343/2006 e sua


realidade no país, contando com uma possível inconstitucionalidade no artigo 28 da
mesma. Os objetivos da referida lei é o controle do uso e comércio de substâncias
ilícitas, visando proibir o uso de substâncias que possam causar danos físicos e/ou
psicológicos - seja em maior ou menor quantidade. Desse modo, tais fatores de
controle seriam influências na saúde e segurança pública. Contudo, tal metodologia
escolhida tem exposto problemas de desigualdade social, crimes e periculosidade a
sociedade em geral, não concluindo, assim, seu objetivo para com a realidade
nacional.
Esta legislação está conjuntamente ligada com a ANVISA (Agência Nacional
de Vigilância Sanitária) que, em sua Portaria nº344/19982, contém o regulamento das
substâncias e plantas psicotrópicas que de fato causam mudanças no SNC (Sistema
Nervoso Central) – o qual caracteriza o órgão responsável pelas definições e
cognições dos seres humanos em geral. Que, possivelmente, provocaria reações
perigosas a quem esteja consumindo tal substância. Fato que poderia acarretar
problemas de saúde e a própria segurança do indivíduo.
Diante desses fatores, o Estado, através da Lei 11.343/2006, a qual é
repreensiva e muito pouco preventiva, busca por meio de medidas penais, solucionar
tais problemas sociais.
A priori, foi uma ideia sensata com as necessidades da época, contudo, ao
passar dos anos e do cumprimento da lei, o que realmente ocorreu foram problemas
sociais maiores e com mais dificuldade em solucionar.
Como expõe em uma pequena análise do que está em discussão, tratando-se
do Recurso Extraordinário nº 635.659 (item 2). Pois, como irá ser discorrido no
trabalho, o legislador não se preocupou em fazer uma diferenciação objetiva entre
usuário e traficante.
Outrossim, é importante pontuar a existência de inúmeras substâncias e itens
- que são constantemente utilizados. Isso caracteriza a necessidade da limitação
proposta pelo regulamento.

2
Aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial.
3

Entretanto, o que acontece na realidade é que independente se a substância é


ilícita ou não, ela está sendo usada e em grandes quantidades por todo o país. Ou
seja, a repreensão penal não adiantou, mas somente alarmou os presídios com o
grande déficit de vagas existentes3, assim como viola a vida privada do cidadão até
que seja encontrada a conclusão sobre qual o tipo penal. Como exemplo da
realidade nacional, a planta Cannabis – comumente conhecida por Maconha – que é
amplamente legalizada e consumida em vários países do mundo, mas ainda proibida
no Brasil. Nesta perspectiva (ou seja, no caso da referida planta), o legislador formulou
métodos de intervenção, as chamadas penas restritivas de direitos, para os casos que
se comprova no judiciário o uso pessoal (art. 28), de tal substância que está na referida
Portaria da ANVISA n° 344/1998, ou, cabendo-lhe o tráfico (art. 33), o qual se
comprova que determinada substância destinava à venda, cabendo-lhe também na
Lei 11.343/2006. É válido lembrar que o Art. 28 se aplica a todas as substâncias
previamente classificadas como ilícitas.
É de se pensar a razão da contínua utilização destas determinadas
substâncias, que de certo modo, prejudicam a saúde física e psíquica do ser humano.
Contudo, é notório que o Estado não se preocupou em expor a periculosidade de cada
substância chamada de ilícita, como por exemplo quando se aplica em determinado
caso o art. 28, preocupando-se com a conduta social e pessoal do agente, mas
também muito pela quantidade, como se todas substâncias gerassem a mesma
agressão ou impacto ao cidadão e sociedade. Um exemplo de discórdia são os
estudos da planta Cannabis, que é considerada ilegal. Ao se comparar com sua ação
direta sobre o Sistema Nervoso Central, em forma psicoativa, quando manipulada em
laboratório de pesquisa e farmacêuticos, o item em questão teve sua eficácia
comprovada no tratamento de diversas doenças crônicas - tais como Enxaquecas,
Transtorno de Bipolaridade Agudo, Depressão, Esquizofrenia, entre outras.
Com a proibição, veio também a lacuna do conhecimento terapêutico e
farmacêutico referente a essas substâncias, que pode orientar a sociedade em geral
e ensinar mais sobre as áreas medicinais em favor da população. Portanto, o que
consta neste documento é uma tentativa para uma maior possível observância na
área, para que a questão de saúde e segurança pública, como supracitado, seja

3
População carcerária triplica em 20 anos; déficit de vagas chega a 312 mil
4

solucionado.
A legalização da Cannabis é um dos fatores que é situado no Recurso
Extraordinário em discussão, pois como já mencionado, a planta ou qualquer outra
substância, afeta o indivíduo que dela faz o uso, e não à terceiros, sendo este o ponto
chave da questão. O qual é discutido a legalização de todas, ou quase todas, as
substâncias ilícitas (extremamente liberal) ou apenas a Cannabis, que em seu uso,
costuma aparentar menos danos ao indivíduo e que de fato, ajudaria muito a
economia do Brasil.
O trabalho abrange também, como consequência da atual forma de repreensão
estatal, o sistema prisional brasileiro, o qual é muito afetado com a atual lei antidrogas
nº 11.343/2006. Que por sua vez, não é a quantidade e substância que determina tal
ato, mas sim, também a conduta social e pessoal do agente, ficando a base do
delegado decidir qual o delito ou crime a ser conduzido – distinguindo se o cidadão é
usuário ou traficante. Resultado este com um grande aumento de apenados em todo
o país, pois pela espera de seu julgamento e até que se comprove que tal indivíduo
era apenas usuário e não fazia o uso de tráfico, em prisão preventiva, totaliza em um
sistema defasado e em déficit de vagas.
Esta análise busca compreender a tentativa equivocada do Estado de proibir,
e não prevenir o uso de substâncias ilegais. Dando ênfase na inconstitucionalidade
do artigo 28 da respectiva lei 11.343/2006 que se trata do usuário, o qual é
drasticamente prejudicado pela exploração Estatal referente sua vida privada, sem
situar a normal demora processual. Como aconteceu em Manaus - AM, na 2º Vara
Especializada em Crimes de Uso e tráfico de Entorpecentes, emanada em sede de
controle difuso de constitucionalidade, deferida pela Juíza Rosália Guimarães
Sarmento. O qual é evidente a confusão do legislador ao colocar o artigo 28 em prática
- sendo que, as pretensões da Lei de drogas são: Prevenção e repreensão. Tendo
ocorrido, neste caso específico, apenas a repreensão.
Diante disso, cabe a análise para um melhor entendimento e uma hipótese de
solução diante do problema supracitado.
5

1.1 A Lei 11.343/2006 e sua realidade no Brasil

A atual lei de drogas, nº 11.343/2006, juntamente com o Sistema Nacional de


Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), traz consigo métodos de coibir a distribuição
(tráfico) e o uso pessoal de drogas ilícitas. Dessa forma, consta no Art. 1º da referida
lei: “Art. 1º - Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas -
Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção
social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes”
Tal dispositivo tem como objetivo prevenir e controlar o uso indevido de
entorpecentes na sociedade, com finalidade de não haver um descontrole do
problema na sociedade, que pode ocasionar redução na qualidade de saúde e
segurança pública.
Muito se fala em evitar, prevenir e coibir o uso e o tráfico de substâncias ilícitas,
métodos que até então não estão errados. Porém, este problema nacional, sendo
tratado no âmbito penal trouxe resultados nada agradáveis, ou satisfatórios para a
sociedade.
Hoje, o sistema prisional no Brasil é sem dúvidas ultrapassado. Uma pesquisa
feita pelo Departamento Penitenciário Nacional e divulgado pela Revista R74 , mostrou
que são mais de 770 mil apenados, e que, mais de 175 mil presos são condenados
pelo crime de tráfico de drogas, ou seja, mais de 1/5 das pessoas inseridas. Assim,
tendo um aumento no geral de 3,9% do ano de 2018 para 2019 em sua totalidade, e
com um déficit que se aproxima de 310 mil vagas, significando um sistema prisional
totalmente defasado e desumano.
A razão do enorme número de presos pela Lei 11.343/2006, está norteado pela
má diferenciação do art. 33 e art. 28 da mesma lei,

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir,


vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo,
guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda
que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500


(quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa

4
- Estudo do Ministério da Justiça sobre perfil dos detentos mostrou que delito de entorpecentes
supera crimes como roubos e furtos.
6

Inexistindo distinção objetiva entre traficante e usuário. Na lei, o legislador não


se preocupou em separar quantidade de substâncias e o perigo que elas
apresentariam na sociedade. Como discorre o artigo 28 em seu parágrafo 2º.

§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz


atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às
condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e
pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

Ou seja, as condições sociais e pessoais do agente, já discrimina a pessoa que


está portando certa quantidade de entorpecente. Exemplo: uma promotora de justiça,
com quem encontram determinada quantidade de droga, tem argumentos para sua
absolvição, pode dizer que fazia um bem, protegia outra pessoa da posse daquela
quantidade5, enquanto o pobre não tem argumentos, as testemunhas do seu crime
são os policiais, funcionários do Estado, garantidos em suas “santidades” e
“inviolabilidade”, como foi nesse caso específico da própria promotora de justiça em
comparação com inúmeros outros casos registrados6
A probabilidade é elevada de que pessoas com condições sociais mais baixas
sejam conduzidas e enquadradas no delito de tráfico (Art. 33), e não pela infração
prevista no artigo 28 (usuário), dispondo:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer


consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes
penas”.

I - Advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo.

Os verbos: “Guardar”, “transportar” e “trazer consigo” são palavras que


dependerão de como o fato é levado ao Magistrado. Pois antes dele, os policiais que
participaram da ocorrência darão esclarecimento de como o fato ocorreu, e dependerá
de como o Delegado o interpretará.

5
VALOIS, Luís Carlos. O Direito Penal da Guerra às Drogas. 3. ed. Brasil: D'Plácido , 2020. p. 568-
568.
6
Idem, p.515
7

O artigo, com o intuito de diminuir o uso e a comercialização de substâncias


proibidas nocivas à saúde, deixa de lado diversos princípios penais e a própria
Constituição Federal de 1988. Nas palavras de Gilmar Mendes “a liberdade do
legislador estará sempre limitada pelo princípio da proporcionalidade, configurando a
sua não observância inadmissível excesso de poder legislativo.”.
Como de início o princípio da ofensividade ou lesividade do Código Penal,
como explica Alexandre Salim no livro OAB Esquematizado do doutrinador Pedro
Lenza:

Proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio


autor. Por esse fundamento não se punem a autolesão e a tentativa de
suicídio. Trata-se do princípio da alteridade.7

Ou seja, o dependente químico ou usuário, não está afetando o bem jurídico


de outrem, portanto, sem conduta que lhe caiba pena.
Adiante, outro comentário de Salim a respeito:

Proibir a incriminação de simples estado ou condições existenciais. A pessoa


deve ser punida pela prática de uma conduta ofensiva a bem jurídico de
terceiro. Com isso, afasta-se o Direito Penal do autor, em que o agente é
punido pelo que é, e não pelo que faz. 8

Outro princípio penal que eventualmente é ignorado, ou melhor dizendo, mal


interpretado, é o princípio da insignificância ou bagatela, sendo explicado abaixo:

Em entendimento do STF, desde o HC 84.412 (j. 19-10-2004), passou a exigir


quatro condições objetivas para a incidência do princípio: (1) a mínima
ofensividade da conduta do agente; (2) ausência ou nenhuma periculosidade
social da ação; (3) o reduzido ou reduzidíssimo grau de reprovabilidade do
comportamento; e (4) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 9

O agente que é flagrado com pequena quantidade de substância elencada na


portaria 344/98 do Ministério da Saúde, e na Lei 11.343/2006 em seu artigo 28,
mesmo que seja para consumo próprio, pode ser condenado pelo artigo 33, cabendo-
lhe como traficante e não como usurário, ao analisar condições subjetivas do agente,
deixando claro, portanto, que a quantidade é um elemento crucial na distinção entre
usuário e traficante, mas a legislação não determina quantidade para tal ato.

7
LENZA, Pedro. Esquematizado OAB. 7. ed. Brasil; Saraiva Jur. 2020. p. 510.
8
Idem p.510
9
Idem p.512
8

No caso de condenação como usuário, o artigo 28 elenca penas como a


prestação pecuniária e serviços prestados a comunidade. Apesar de a pena ser
sempre medida diversa da Privativa de Liberdade, prejudica e ataca diretamente a
sua honra, moralidade e imagem como cidadão. Ferindo o disposto em nossa Carta
Magna, nos direitos e deveres individuais e coletivos, em seu artigo 5º, inciso X. “ X -
são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação; ”.
Questionando-se a constitucionalidade em sede de Controle Concentrado de
Constitucionalidade, por ignorar e desconsiderar vários princípios penais e a própria
Constituição Federal de 1988, do artigo 28 da respectiva Lei, no Recurso
Extraordinário 635.65910 do STF.
Diante de tentar diminuir ou coibir o tráfico e o uso de entorpecentes com a
legislação da atual lei de drogas, a realidade é vergonhosa, pois além de não ser
efetiva, traz consigo, diversos problemas sociais e jurídicos.
Como discorre Ari Bassi Nascimento

“Qualquer política pública que vise dar combate ao consumo de drogas de


abuso requer algum tipo de filosofia que a norteie. Nesse aspecto, é mais fácil
identificar filosofias. A primeira vê o usuário de drogas como criminoso; a
segunda trata o usuário de drogas como criminoso. A segunda trata o usuário
de drogas como doente, independentemente de a droga que consome ser
reprovada legalmente ou aceita socialmente. A proposição de filosofias
diferentes deriva de uma concepção analítica, privilegiando, inicialmente,
uma separação entre as ontologias criminosa e patológica todavia, uma
concepção sintética dessas filosofias levará o leitor à compreensão de que
as duas abordagens fundamentam-se num único princípio filosófico: o da
punição.

1.2 A repreensão Estatal referente a atual lei Antidrogas

É óbvio que não se pode achar que substância alguma não poderia afetar a
sociedade como um todo, como o aumento da periculosidade nas ruas, associações
criminosas, homicídios, e sem dúvida, o tráfico e os próprios dependentes químicos.

10
506 - Tipicidade do porte de droga para consumo pessoal.
9

Sem esquecer, a lesão à saúde pública que o traficante emite na sociedade pela sua
ilegalidade, a distribuição de entorpecentes infelizmente é um comércio, se há venda,
há comprador.

Entregou-se o comercio da maconha ao mercado ilegal, fazendo o


consumidor encontrar junto com sua mercadoria, a maconha, outras drogas
livremente disponíveis, e pretendem que a maconha seja porta de entrada
das outras drogas. Ora, a porta de entrada de todas as drogas é justamente
a proibição.11

Estas substâncias, comprometedoras e/ou estimuladoras à saúde cerebral do


indivíduo, são regulamentadas pela legislação objetivando ordenar sua legalização e
distribuição. Atualmente a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)12 , é o
instituto responsável pela fiscalização de substâncias e medicamentos pelo Ministério
da Saúde.
Esta Entidade define e detalha todas as substâncias que podem ser
comercializadas, com seus requisitos de aprovação sanitária, e que de algum modo
poderiam prejudicar a saúde e segurança pública do país, restringindo-os.
Como já mencionado, a repressão é falha. Não se pode deixar de lado o
indivíduo, o cidadão que consome tais substâncias ilícitas e que obviamente é um
dependente químico. O Estado não pode deixar de lado seus familiares, toda sua
história, vendo este como mais um simples viciado e ignorando a existência de um
problema social gravíssimo, que cada vez mais gera a desigualdade social e viola um
direito natural do homem, a Dignidade da Pessoa Humana.
Vale ressaltar que no centro da cidade de São Paulo existe a “Cracolândia 13”.
Algo que não é originário por vontade do povo, mas por um problema social, com uma
falha enorme dos governantes de entender que não se trata apenas de segurança
pública, mas também de saúde pública.
Somente no ano passado foi inserida na Lei nº 11.343/2006 uma determinação
visando o apoio a usuários e dependentes químicos, contidos no art. 8º A e D.

11
VALOIS, Luís Carlos. O Direito Penal da Guerra às Drogas. 2. ed. Brasil: D'Plácido, 2017. p. 566-
566.
12
LEI Nº 9.782, DE 26 DE JANEIRO DE 1999. Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria
a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências.
13
É uma denominação popular para uma área no centro da cidade de São Paulo, nas imediações
das Avenidas Duque de Caxias, Ipiranga, Rio Branco, Cásper Líbero, Rua Mauá, Estação Júlio
Prestes, Alameda Dino Bueno e da Praça Princesa Isabel, onde historicamente se desenvolveu
intenso tráfico de drogas e meretrício
10

Art. 8º-A. Compete à União: (Incluído pela Lei nº 13.840, de 2019)

I - formular e coordenar a execução da Política Nacional sobre Drogas;


(Incluído pela Lei nº 13.840, de 2019)

II - elaborar o Plano Nacional de Políticas sobre Drogas, em parceria com


Estados, Distrito Federal, Municípios e a sociedade; (Incluído
pela Lei nº 13.840, de 2019)

Art. 8º-D. São objetivos do Plano Nacional de Políticas sobre Drogas, dentre
outros: (Incluído pela Lei nº 13.840, de 2019)

I - promover a interdisciplinaridade e integração dos programas, ações,


atividades e projetos dos órgãos e entidades públicas e privadas nas áreas
de saúde, educação, trabalho, assistência social, previdência social,
habitação, cultura, desporto e lazer, visando à prevenção do uso de drogas,
atenção e reinserção social dos usuários ou dependentes de drogas;
(Incluído pela Lei nº 13.840, de 2019)

II - viabilizar a ampla participação social na formulação, implementação e


avaliação das políticas sobre drogas; (Incluído pela Lei nº 13.840, de 2019)

III - priorizar programas, ações, atividades e projetos articulados com os


estabelecimentos de ensino, com a sociedade e com a família para a
prevenção do uso de drogas; (Incluído pela Lei nº 13.840, de 2019)

IV - ampliar as alternativas de inserção social e econômica do usuário ou


dependente de drogas, promovendo programas que priorizem a melhoria de
sua escolarização e a qualificação profissional; (Incluído
pela Lei nº 13.840, de 2019)

V - promover o acesso do usuário ou dependente de drogas a todos os


serviços públicos; (Incluído pela Lei nº 13.840, de 2019)

VI - estabelecer diretrizes para garantir a efetividade dos programas, ações e


projetos das políticas sobre drogas; (Incluído pela Lei nº 13.840, de 2019)

Fatos que foram inseridos pela falta de preparo e ineficácia na repreensão.


Atacando o agente, privando-o da sua dignidade, e ignorando a existência de
dependentes químicos, segregando-os da sociedade.

1.3 A questão Medicinal do Uso e Estudo de Substâncias Psicoativas.

O uso medicinal de substâncias psicoativas ou “entorpecentes” é estudado


desde o início do século XX. Nesta perspectiva, as grandes guerras trouxeram tanto
avanços quanto regressões acerca do conhecimento científico sobre determinadas
substâncias.
11

Durante o período da Segunda Grande Guerra, se deu um dos estudos mais


abrangentes e importantes sobre a Cannabis. O prefeito de Nova York, à época,
Fiorello La Guardia, patrocinou uma pesquisa que contrariasse as informações
vigentes no momento, que afirmavam que a maconha causava problemas de
delinquência e crime. 14
Assim, uma comissão de médicos e outros cientistas da Academia de Medicina
de Nova York foi designada e foi realizado um estudo farmacológico, clínico e social
da maconha, usando de instrumentos os prisioneiros dos encarceramentos locais. A
experiência se deu com presos, que segundo os registros, eram voluntários. 15

Outrossim, as conclusões resumidas do estudo, a maconha não leva à adição,


considerada esta no sentido médico do termo, nem é a porta de entrada para outras
drogas. Não havia também, evidências de que seu uso estaria se alastrando pelas
escolas ou sendo usadas por crianças, e ao contrário do que se alegava sobre a
agressividade dos usuários, os cientistas constataram justamente o contrário - ou seja,
os fumantes pareciam menos tensos e com menos ansiedade.
Ademais, outra consideração importante da Comissão foi que a maconha
sequer poderia ser considerada um narcótico, um termo para drogas potencialmente
letais ou capazes de reduzir a sensibilidade debilitando funções do cérebro, mas que
na verdade, a maconha é apenas um suave euforizante.
Entretanto, o que é importante ressaltar, foi a recepção da sociedade e do
representante do FBN - Federal Bureau of Narcotics - Harry Anslinger16, que
imediatamente, ao ter suas crenças questionadas, acusaram o prefeito de Nova York
e os membros da comissão de subversão. Fato que é padrão comum de
comportamento daqueles que possuem valores proibicionistas, acusando os demais,
que são contrários à proibição, de serem contaminados pelas drogas17.

Verdadeiramente irado, Anslinger acusou o prefeito de Nova York de estar


estimulando os jovens ao uso de drogas e instruiu seus agentes a investigar

14
VALOIS, Luis Carlos. O Direito Penal da Guerra às Drogas. 2. ed. Brasil: D'Plácida, 2017. p. 206-
208.
15
O relatório da Comissão instituída por La Guarda, publicado em 1945, pode ser acessado em
<http://www.druglibrary.org/schaffer/library/studies/lag/lagmenu.htm> . Acesso em 15/10/20.
16
WIKIPEDIA. Harry J. Anslinger. Disponível em:
https://en.wikipedia.org/wiki/Harry_J._Anslinger#:~:text=He%20was%20a%20supporter
%20of,the%20United%20Nations%20Narcotics%20Commission. Acesso em: 1 nov. 2020.

17
Ibidem. p. 209
12

os membros da comissão, inclusive se eles próprios não eram usuários de


droga, ameaçando de prisão qualquer um que patrocinasse estudos
independentes sobre cannabis. Seus contatos com as associações médicas
e suas publicações também foram usadas para desmerecer o relatório da
comissão. 18

Desse modo, pode-se inferir, que pela manutenção da moral de poucos, a


ciência foi silenciada. Sendo assim, é possível afirmar a regressão dos avanços
devido a pensamentos baseados em morais proibicionistas, que foram, por sua vez,
baseados em informações falsas ou incompletas. Esses acontecimentos, foram
responsáveis por um grande impacto no mundo, devido a propagação de tais morais
e crenças previamente citadas.

Os dados científicos são manipuláveis e manipulados livremente para formar


o discurso moral mais interessante para o objetivo almejado, por pessoas que
muitas vezes não têm qualquer preparo ou conhecimento acerca daquele
estudo científico. Assim, a norma imposta internacionalmente, distante de
qualquer debate democrático, cheia de elementos morais, tendo que ser
efetivada por aqueles países que muito pouco tiveram de influência na
elaboração da regra, e nada de participação nos estudos científicos, acaba
não podendo ser tida como resultado de uma política, mas sim de uma polícia
internacional.19

Pesquisas e estudos científicos feitos recentemente, em tempos que não é


mais um aparente crime falar sobre essas substâncias, constam que a planta
Cannabis Sativa – maconha -, dentre suas diversas substâncias constatadas na flor,
o Tetrahidrocanabinol (THC), é a substância responsável por se relacionar as
sinapses nervosas do sistema neurofisiológico – causando o que é popularmente
chamado de “onda” ou “barato” - e o Canabidiol (CBD), substância interligada ao
nosso Sistema Canabinóide, exercendo um papel modular em vários processos
neurobiológicos, incluindo processos de neuroproteção e neuroplasticidade.
Em sua obra, Sistema Canabinóide e seu Possível Papel em Processos de
Neuroproteção, e Plasticidade: Estudos in vivo e in vitro, Gabriela Pena Chaves,
define “O sistema canabinóide endógeno, é constituído pelos neuromediadores
canabinóides, seus receptores e suas enzimas de síntese e degradação. (AMERI,
1999; DE PETROCELLIS et al, 2004).” Ao atuar sobre o referido sistema, pode-se

18
KUSHNER, Howard I. Historical perspectives of addiction, 2011. p. 84.
19
Ibidem. p. 38
13

trazer benefícios em tratamentos de inúmeras doenças20, como: Dor crônica,


Glaucoma, Epilepsia, Câncer e dentre outras.
Dessa maneira, acabou por levar o legislativo a trabalhar, e legalizar o uso da
planta para meios medicinais, como consta pela Portaria/SVS nº 344 21 , de 12 de maio
de 1998 sendo também regulada pela tanto citada Lei de Drogas. O uso recreativo da
planta, ainda é proibido e passível de sanção.
A proibição do uso medicinal da Cannabis traz consigo diversos problemas
judiciais, pois mesmo quem plante para tratamento de um filho doente ou para
tratamento de depressão, deverá portar autorização do Poder Judiciário em sentença
para tal fim. O que normalmente é demorado, podendo o processo demorar em média
de 4 a 6 anos, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça22.

2. O Recurso Extraordinário nº 635.659

O poder Estatal, em uma tentativa que vem se provando ineficiente no controle


do uso de substâncias psicoativas, com a rígida política de proibição - a lei n°
11.343/2006 - conhecida como Lei de Drogas, traz a punição do traficante de
substâncias ilícitas em seu artigo 33, in verbis:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir,


vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo,
guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda
que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500


(quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda,


oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda
que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado
à preparação de drogas;

20
Maconha como tratamento medicinal: Conheça o papel da maconha como remédio contra
algumas doenças - Por Redação Saúde é Vital - Atualizado em 28 Feb 2019
21
Aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial.
22
EXAME. Quanto tempo a Justiça do Brasil leva para julgar um processo?. Disponível em:
https://exame.com/brasil/quanto-tempo-a-justica-do-brasil-leva-para-julgar-um-processo/. Acesso em:
25 ago. 2020.
14

II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com


determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em
matéria prima para a preparação de drogas;

III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade,


posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se
utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

IV - vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico


destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a
determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando
presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.
(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: (Vide ADI


nº 4.274)

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300


(trezentos) dias-multa.

§ 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu


relacionamento, para juntos a consumirem:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700


(setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas
previstas no art. 28

Igualmente, o artigo 28 dispõe sobre a punição do usuário, repetindo alguns


núcleos do tipo penal do artigo 33 da referida lei. A diferenciação de usuário para o
traficante serão definidas pela autoridade coatora, observando o disposto no §2º do
respectivo artigo:

§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz


atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às
condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e
pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

Violando o artigo 5º, inciso X, que dispõe sobre a inviolabilidade da vida


privada. Isso está em discussão pelo STF, no Recurso Extraordinário nº 635.659 e
também em sede de controle difuso de constitucionalidade.
Ocorre também a distorção de princípios do Direito Penal, observando critérios
subjetivos de cada autor, para diferenciar o tráfico ilícito do uso ilícito de substâncias
entorpecentes. O Estado costuma repreender a conduta do agente, e não o próprio
agente.
Como ensina Luigi Ferrajoli:
15

[…] o direito penal não possui a tarefa de impor ou de reforçar a (ou uma
determinada) moral, mas somente de impedir o cometimento de ações
danosas a terceiros. Pode-se pretender que uma ação não seja proibida se
em nenhum modo é considerada reprovável, mas, ao contrário, não se pode
admitir que o seja somente porque tida como imoral ou, de qualquer modo,
reprovável. Para que se possa proibir e punir comportamentos, o princípio
utilitário da separação entre direito e moral exige, como igualmente
necessário, o fato de que os mesmos ofendam concretamente bens jurídicos
alheios, cuja tutela é a única justificação das leis penais enquanto técnicas
de prevenção daquelas ofensas. O Estado, com efeito, não deve imiscuir-se
coercitivamente na vida moral dos cidadãos, nem mesmo promover-lhes, de
forma coativa, a moralidade, mas, somente, tutelar-lhes a segurança,
impedindo que os mesmos causem danos uns aos outros (FERRAJOLI, pág.
208, 2006)

Diante dos fatos supracitados, em análise das propostas deste trabalho,


conclui-se que o método da repreensão é realmente falho. Portanto, seriam
necessárias novas medidas para lidar com a questão de consumo e tráfico na
sociedade.
Considerando a atual situação brasileira em relação à política de drogas, cabe
dizer que o Recurso Extraordinário nº 635.659, é um marco histórico para a garantia
do cumprimento dos direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição
Federal de 1988.
No recurso, proferiu o Ministro Gilmar Mendes a decisão no sentido de que:

O padrão de abordagem é quase sempre o mesmo: atitude suspeita, busca


pessoal, pequena quantidade de droga e alguma quantia em dinheiro. Daí
pra frente, o sistema repressivo passa a funcionar de acordo com o que o
policial relatar no auto de flagrante, já que a sua palavra será, na maioria das
vezes, a única prova contra o acusado. Não se está aqui a afirmar que a
palavra de policiais não mereça crédito. O que se critica é deixar
exclusivamente com a autoridade policial, diante da ausência de critérios
objetivos de distinção entre usuário e traficante, a definição de quem será
levado ao sistema de Justiça como traficante, dependendo dos elementos
que o policial levar em consideração na abordagem de cada suspeito. (pág.
18)

A citação do ministro Gilmar Mendes entra de acordo com diversos tópicos


previamente descritos neste presente trabalho. Desse modo, ao relacionar a questão
da repressão policial com a autuação do considerado traficante é o que causa a
problematização desse respectivo trabalho, diante dos fatores que comprovem a
inconstitucionalidade do artigo 28 da referida Lei Antidrogas.
16

2.1. A Sentença da Juíza Rosália Guimarães.

Outro ponto importante ocorrido no ano de 2019, foi a sentença (Autos nº


0602245-17.2018.8.04.0001), proferida pela Juíza Rosália Guimarães Sarmento, da
2ª Vara Especializada em Crimes de Uso e tráfico de Entorpecentes, emanada em
sede de controle difuso de constitucionalidade, é exercida por Juiz singular em
decisão monocrática, passível de recurso.
Passando à análise da Sentença em questão. O Ministério Público ofereceu
denúncia contra três autores, dando-os como incursos nas penas dos art. 33, caput e
art. 35, caput, ambos da Lei nº 11.343/06 (tráfico ilícito de entorpecentes e associação
para o tráfico de drogas).
Diante disto, a Defesa por sua vez, apresentou alegações finais, requerendo,
em síntese, a absolvição de todos os réus quanto ao crime de tráfico de drogas e a
desclassificação para o crime previsto no art. 28 da Lei Antidrogas.
A Juíza, em sua fundamentação, considera a absoluta falta de elementos
probatórios no sentido da comprovação de vínculo associativo de caráter duradouro
e estável entre os réus perante o art. 35 (associação ao tráfico) e a seguir expõe as
circunstâncias de que aquele delito, se quer, era tráfico (art. 33).
Os autores do delito, foram encontrados com 19,40 gramas de substância -
MACONHA. Todavia, para um juízo condenatório no bojo de um processo no qual não
foram produzidas provas concretas que não atestem certeza de tal ato, não sendo
possível distinguir se o(s) indiciado(s) estava(m) portanto a droga para o seu consumo
pessoal ou para fins de narcotraficância. No sistema jurídico-penal brasileiro, em caso
de dúvida (hipótese destes autos), deve prevalecer o princípio do in dubio pro reo.

Em seu posicionamento, a Juíza defende a desproporcionalidade e a violação


de preceito fundamental para declarar a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de
Drogas.

Resta evidente, portanto, que o artigo 28 da Lei nº 11.343/2006 por descrever


conduta idêntica àquela prevista no artigo 33 da mesma lei penal (trazer
consigo substância entorpecente) é violadora do princípio da
proporcionalidade porque configuradora de situação obscura que dificulta,
quando não inviabiliza, a distinção pretendida pelo legislador entre a figura
do traficante e a do usuário. O embaralhamento que a legislação acaba por
proporcionar, retirando a objetividade que deveria existir em toda tipificação
de condutas com relevância jurídico penal ainda proporciona o grave
17

inconveniente de permitir que a solução jurídica do caso concreto contraria,


diretamente, os valores que a Lei de Drogas pretendeu instituir que são:
prevenção e repressão. Os dois. Não só o último. (pág. 19)

Trazendo um marco no ordenamento jurídico e na vida em sociedade.


A Juíza, diante da Sentença em questão, transcreve parte do voto do Ministro
Gilmar Mendes (STF), dos autos do próprio RE 635.659, tratando-se sobre a
criminalização da posse de droga para consumo pessoal:

“quando estiver evidente a grave afetação de bens jurídicos fundamentais de


suma relevância, poderá o Tribunal desconsiderar as avaliações e valorações
fáticas realizadas pelo legislador para, então, fiscalizar se a intervenção no
direito fundamental em causa está devidamente justificada por razões de
extraordinária importância. [...] Com isso, abre-se a possibilidade de controle
da constitucionalidade material da atividade legislativa também em matéria
penal” (RE 635.659/SP).

Fatos os quais, à análise do artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, por descrever


conduta idêntica àquela prevista no artigo 33 da mesma lei penal (trazer consigo
substância entorpecente) é violadora do princípio da proporcionalidade porque
configura de situação obscura que dificulta, quando não inviabiliza, a distinção
pretendida pelo legislador entre a figura do traficante e a do usuário.
Resultado este, que embaralha e retira a objetividade que deveria existir em
toda tipificação de condutas com relevância jurídico-penal.
Que, por todas as razões supra elencadas, declara, a sentença em questão, e
ex officio, a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei nº 11.343/2006.

Conclusão

Nessa perspectiva, a inconstitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343/06, teve


alguns de seus principais aspectos analisados neste presente documento. Com isso,
algumas consequências também foram citadas, como, de fato, o agravamento do
sistema prisional.
Portanto, conclui-se que, baseada na análise teórica, o campo jurídico parece
estar alienado da realidade do fenômeno do comércio de drogas ilícitas. Na
perspectiva de que existe o ponto da inconstitucionalidade previamente citada como
os demais fatores mencionados.
18

Como mencionado, as penitenciárias estão cheias, ao mesmo tempo em que


o comércio, a produção e a demanda por drogas aumentam, assim como os lucros
decorrentes dessas atividades. Afinal, só há oferta caso ocorra demanda.
É também válido mencionar a importância da coibição da substância em
questões medicinais, que ainda é bastante restrita no país. Com isso, o tratamento de
doenças, o uso de substâncias consideradas psicoativas para pesquisas e o avanço
da ciência, em geral, é retardado por uma lei que não abrange as necessidades da
sociedade brasileira.
Ademais, a re-avaliação da questão desta lei específica no país é usualmente
postergada ou influenciada por moralismo e questões de interesse que não abrangem
a totalidade da população.
Assim, a evolução e o crescimento da nação pode estar sendo postergado pela
influência de poucos na questão da constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/06.
“A Guerra às Drogas será superada, pode ser por intermédio da
conscientização e reflexão, incluído o ser humano, sua liberdade,
complexidade e desejos, mas pode se esgotar por si mesma, fica
financeiramente insustentável, e ser substituída por outro mecanismo de
repreensão tão assassino quanto, situação em que a humanidade perderá
mais uma ocasião para pensar os elementos de sua estrutura que a tem
levado a constantes momentos históricos de barbárie.” - Luís Carlos Valois.

REFERÊNCIAS

ANVISA. Aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos


sujeitos a controle especial.. Disponível em:
http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2718376/PRT_SVS_344_1998_COMP.
pdf/a3ee82d3-315c-43b1-87cf-c812ba856144. Acesso em: 26 set. 2020.

BIBLIOTECA SCHAFFER DE POLÍTICA DE DROGAS. The La Guardia Committee


Report The Marihuana Problem in the City of New York. Disponível em:
http://www.druglibrary.org/schaffer/library/studies/lag/lagmenu.htm. Acesso em: 21
out. 2020.

EXAME. Quanto tempo a Justiça do Brasil leva para julgar um processo?.


Disponível em: https://exame.com/brasil/quanto-tempo-a-justica-do-brasil-leva-para-
julgar-um-processo/. Acesso em: 25 ago. 2020.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. São Paulo:
Revistas dos Tribunais, 2006. p. 208.
19

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Disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo472.htm. Acesso em:
2 nov. 2020.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. PORTARIA Nº 344, DE 12 DE MAIO DE 1998. Disponível


em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/svs/1998/prt0344_12_05_1998_rep.html.
Acesso em: 16 set. 2020.

PLANALTO. LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11343.htm . Acesso
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PORTAL R7. Tráfico de drogas lidera ranking de crimes em 'censo' de presos.


Disponível em: https://noticias.r7.com/brasil/trafico-de-drogas-lidera-ranking-de-
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REVISTA VEJA . População carcerária triplica em 20 anos; déficit de vagas


chega a 312 mil Leia mais em: https://veja.abril.com.br/brasil/populacao-
carceraria-triplicaem-20-anos-deficit-de-vagas-chega-a-312-mil/. Disponível em:
https://veja.abril.com.br/brasil/populacao-carceraria-triplica-em-20-anos-deficit-de-
vagas -chega-a-312-mil/. Acesso em: 17 ago. 2020.

SALIM, Alexandre. OAB Esquematizado. 1. ed. SP: Saraiva, 2020. p. 510-512.

SENTENÇA Nº 0602245-17.2018.8.04.0001. Caso Jurídico. Disponível em:


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20

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