Você está na página 1de 148

Livro de Actas

Livro de Actas
3º Forum Ciência Viva

Agência Nacional para a Cultura Científica


e Tecnológica – Ciência Viva
Ministério da Ciência e da Tecnologia
28 e 29 Maio 1999
Livro de Actas
3º Forum Ciência Viva

Edição
Agência Nacional para a Cultura Científica
e Tecnológica – Ciência Viva
Av. dos Combatentes, 43A – 10ºA
1600-042 Lisboa
Tel: 21 727 02 28
Fax: 21 722 02 65
E-mail: ciencia@ucv.mct.pt

P ro d u ç ã o E d i t o r i a l e G r á f i c a
PLINFO informação, lda
E-mail: plinfo@mail.telepac.pt

Design:
FPGB Design
E-mail: fpgb.design@ip.pt

I m p re s s ã o
Rolo & Filhos Lda

ISBN

Depósito Legal
Sumário

Introdução |9
Sessão de abertura
Drª Rosalia Vargas | 13
Directora do Programa Ciência Viva
Professor Mariano Gago | 14
Ministro da Ciência e da Tecnologia
Eng. António Guterres | 16
Primeiro-ministro

Conferência
Fazer Ciência Viva | 21
Professor Maurice Bazin
Fundador do Espaço Ciência Viva, Rio de Janeiro, Brasil

Sessões Paralelas
Organização do trabalho experimental e
Avaliação do desempenho dos alunos
Professor Adriano Sampaio e Sousa | 33
Departamento de Física da Faculdade de Ciências
da Universidade do Porto
Doutora Anabela Martins | 36
Escola Secundária D. Pedro V, Lisboa

Trabalho experimental no 1º Ciclo.


Que materiais para o ensino experimental no
1º Ciclo?
Moderadoras: Professora Isabel Martins | 49
Universidade de Aveiro
Professora Gabriela Ribeiro | 51
Universidade do Porto

O ensino experimental das ciências


em contextos especiais
Instituto de Reinserção Social | 67
Drª Luísa Pedro
Colégios de Acolhimento Educação e Formação:
Colégio Corpus Christi
Drª Maria da Conceição Pintado | 69
Sumário

Colégio de S. Fiel | 70
Drª Elisabete Casimiro
Colégio da Bela Vista
Dr. Alfredo Tinoco | 72
Instituto das Comunidades Educativas
Drª Maria do Carmo Serrote | 75
Ass. Portuguesa de Pais e Amigos
do Cidadão Deficiente Mental | 77
Professor Manuel Barbeitos
Exploratório Infante D. Henrique,
Centro de Ciência Viva | 79
Professora Helena Caldeira
Professora Joan Solomon | 82
Sessões Plenárias
Geminações Escolas – Instituições Científicas
Professora Ana Noronha | 85
Programa Ciência Viva
Centro de Neurociências de Coimbra | 86
Professor Arsélio Pato de Carvalho
Professor António Veríssimo
Escola Secundária da Quinta das Flores, | 92
Coimbra
Drª Isabel Paiva
Departamento de Botânica, Universidade
do Porto; IBMC (Instituto de Biologia | 94
Molecular e Celular)
Professor José Pissarra
Escola Secundária Almeida Garrett, | 96
Vila Nova de Gaia
Dr. Jorge Coelho
IDMEC – Instituto de Mecânica
e Instituto Superior Técnico, Lisboa
| 98
Professor Carlos Mota Soares
Escola Secundária Gago Coutinho,
Vila Franca de Xira
| 99
Eng. Manuel Gomes Lima
Sumário

Debate | 102
Moderadora: Professora Ana Noronha

Apresentação do Relatório da Comissão


Internacional de Avaliação
Professora Joan Solomon | 117
Open University, Faculty of Science – Reino Unido
Professor Paul Caro | 121
Cité des Science – França
Professor Poul Thomsen | 124
University of Aarhus, Center for Studies in
Science Education – Dinamarca
Professor Svein Sjöberg | 126
University of Oslo, Science Education – Noruega
Professor Vasilis Koulaidis | 129
University of Patras, Dep. of Education – Grécia

Sessão de Encerramento
Drª Rosalia Vargas | 139
Directora do Programa Ciência Viva
Professor Marçal Grilo | 140
Ministro da Educação
Professor Mariano Gago | 143
Ministro da Ciência e da Tecnologia
INTRODUÇÃO

Introdução

L ançada em 1996, a rede de projectos Ciência Viva estende-se hoje a quase todas as esco-
las do País, constituindo uma matriz fundamental de difusão da inovação no ensino das
ciências e das tecnologias.
O Forum Ciência Viva é um iniciativa anual que reúne os intervenientes nos projectos, pro-
porcionando-lhes a oportunidade de apresentarem os resultados do seu trabalho, trocarem
experiências e participarem no debate e reflexão em torno das acções em curso.
Esta publicação reúne os contributos apresentados no 3º Forum Ciência Viva.

9
Sessão de Abertura

Drª Rosalia Vargas


Directora do Programa Ciência Viva

Professor Mariano Gago


Ministro da Ciência
e da Tecnologia

Eng. António Guterres


Primeiro-ministro
SESSÃO DE ABERTURA

Drª Rosalia Vargas


Directora do Programa Ciência Viva

E xcelentíssimo Senhor Primeiro Ministro, Senhor Ministro da Ciência e da Tecnologia, mem-


bros da Comissão Internacional de Avaliação, Professora Joan Solomon, senhoras e se-
nhores convidados, caros colegas.
Nasceu em Maio o Ciência Viva. O Forum é a sua festa. Festejamos três anos de trabalho
e convidamos os amigos – permitam-me que assim designe todos os profissionais que têm feito
crescer o Ciência Viva – os professores dos ensinos básico, secundário, superior, os autarcas, os
profissionais das empresas, os membros das associações científicas, os estudantes. Todos, em
conjunto, têm trabalhado para melhorar o ensino experimental das ciências nas escolas.
Há três anos fomos investidos duma grande responsabilidade: a de melhorar os procedi-
mentos para a aprendizagem viva das ciências e aumentar os recursos disponíveis. Em nome do
Programa Ciência Viva agradeço o terem-nos ajudado a fazer melhor.

13
SESSÃO DE ABERTURA

Professor Mariano Gago


Ministro da Ciência e da Tecnologia

G ostaria, em primeiro lugar, de agradecer a todos o enorme esforço, entusiasmo e dedi-


cação ao longo destes três anos que levamos de fazer Ciência Viva. O Programa Ciência
Viva construiu uma comunidade científica e educativa, onde ela era dispersa, promoveu a liga-
ção entre a comunidade científica nacional (ensino superior, laboratórios de investigação, muitas
empresas) e a escola básica e secundária, dando aos jovens portugueses oportunidades novas
de compreender a tecnologia fazendo-a, de compreender a ciência praticando-a e de comuni-
carem com aqueles que quotidianamente, nas suas profissões de natureza científica e técnica,
procuram fazer avançar o conhecimento ou aplicá-lo de formas novas.
O Programa Ciência Viva está de parabéns e gostaria de saudar publicamente e de agradecer
o esforço daqueles que lhe deram corpo, em particular à Unidade que no Ministério o construiu.
O Ciência Viva atinge meio milhão de estudantes, muitos milhares de professores e um número
muito significativo de escolas. Julgo que é indispensável continuar enquanto houver estudantes que
tenham das ciências uma visão retórica e fechada. É preciso que a experimentação entre nas escolas
e nas casas das pessoas, que se transforme numa atitude mental, porque a ciência é feita de experi-
mentação, de sentido crítico, de rigor nas escolhas. E é isso, para lá da sua componente técnica e
especializada, o que de melhor oferece para o desenvolvimento das sociedades modernas. Nos próxi-
mos anos entendemos indispensável continuar nas várias frentes: o desenvolvimento de Centros
Ciência Viva, espaços interactivos de divulgação científica, funcionando simultaneamente como cen-
tros de recursos para as escolas, para as associações, para os indivíduos, na sua aprendizagem cien-
tífica. É indispensável que eles se estendam a todos os distritos do País e estamos a trabalhar para
isso em parceria com as autarquias, as instituições de ensino superior e de investigação científi-
ca, locais e nacionais e, bem entendido, as escolas. Estamos a montar um sistema de acompa-
nhamento e avaliação das condições de aprendizagem científica, especialmente das aprendiza-
gens experimentais efectivas dos alunos do ensino básico e secundário.
Gostaria de sublinhar aqui a importância que teve, especialmente nestes últimos dois anos, a
prática de geminações entre escolas do ensino básico e secundário e instituições científicas. Esta práti-
ca de geminação entre escolas e instituições científicas, universitárias e não universitárias, trouxe uma
dimensão nova à política científica e ao desenvolvimento da Ciência em Portugal. Trouxe um sentido
de responsabilidade social à comunidade científica que não existia antes e cria hoje uma rede de con-
tactos, de recursos, de capacidades que permite potenciar o que de melhor temos. Esta rede, hoje
sustentada em métodos telemáticos modernos, pode ultrapassar as fronteiras da interioridade, as
fronteiras do isolamento e permitir a cientistas em qualquer parte do país ajudar o trabalho quotidi-

14
PROFESSOR MARIANO GAGO

ano, humilde, exaltante, que fazem os professores e os alunos de escolas básicas e secundárias em
qualquer ponto do país.
Estender a todas as escolas a prática de geminações com instituições científicas e esten-
der às instituições científicas nacionais a prática da produção de conteúdos educacionais, labo-
ratoriais e experimentais utilizáveis pela comunidade em geral e muito especialmente pela comu-
nidade educativa, é o projecto que temos pela frente.
É indispensável ainda fazer um esforço novo e entrar numa nova fase no que diz respeito à
tecnologia. Muito do trabalho tecnológico em Portugal precisa dum enorme reforço. A ideia de
que a tecnologia é coisa do passado e que apenas o simbólico e o imaterial têm futuro é uma ideia
falsa que conduziu muitas sociedades ao abandono da experimentação e, portanto, à redução da
capacidade científica, da capacidade crítica, da capacidade de conhecer.
Ciência experimental e tecnologia têm de ir de mãos dadas. Contamos lançar um grande
programa com o apoio da indústria nacional para mostrar às escolas e às famílias, que a tecno-
logia hoje se pratica no nosso país, como se fazem as coisas. Este programa "Como se fazem
as coisas" vai levar o País à sua indústria, vai permitir descobrir a nova tecnologia de produção
que já está muito longe do estereótipo antiquado duma realidade que, na maioria dos casos, já
não existe. A indústria moderna das grandes, pequenas e médias empresas, aquela que também
se faz nos centros tecnológicos e nos laboratórios de investigação, deve e pode ser mostrada aos
jovens estudantes.
Temos aí uma fonte inesgotável de recursos educativos, que se podem pôr na Internet, que
podem ter tradução em material de laboratório, em kits de demonstração ou de experiência
para as escolas.
Este é o programa que temos pela frente e não o podíamos desenvolver sem uma estrei-
ta cooperação internacional. O trabalho de promover a cultura científica e tecnológica dos
cidadãos um dos maiores desafios das sociedades modernas, por isso queremos partilhar a
experiência com os nossos colegas de outros países na Europa. Estamos particularmente gratos
à Comissão Internacional de Acompanhamento e Avaliação deste programa, presidida pela
Professora Joan Solomon, que desde a primeira hora e com enorme dedicação nos tem acom-
panhado, visitando escolas e projectos, acompanhando as instituições, realizando relatórios e
estabelecendo metas de avaliação. Com isso tem contribuído para fazer deste programa um dos
mais interessantes, de desenvolvimento e promoção da cultura científica na Europa.
Agradeço a todos o trabalho. Muito obrigado.

15
SESSÃO DE ABERTURA

Eng. António Guterres


Primeiro-ministro

T odos temos consciência que uma das brechas tradicionais do nosso sistema educativo é
o muito limitado papel que a experimentação desempenha na educação das nossas
crianças e dos nossos jovens, o muito limitado papel da componente experimental nesse mesmo
sistema educativo.
Daí a importância vital deste programa. Porque se trata da primeira experiência maciça de
interligação entre ciência e educação, entre comunidade científica e comunidade educativa,
abrangendo cerca de meio milhão de estudantes, 6.000 professores e um total de 2.000 esco-
las. Mas é evidente que, para além do desenvolvimento desta interacção, importa que o próprio
sistema educativo crie as condições que lhe permitam, no seu funcionamento regular, desen-
volver essa componente experimental.
Por isso mesmo, nesta legislatura, se construíram e equiparam já 880 laboratórios em
escolas do ensino básico e secundário e cerca de 380 em escolas do ensino superior. O que quer
dizer que queremos fazer não apenas uma alteração gradual, progressiva, para vencer este
défice do nosso sistema educativo, mas fazer também uma ruptura, no sentido de que a com-
ponente experimental na comunidade educativa do nosso país passe a ser uma vertente essen-
cial do seu funcionamento. Porque é isso que, em grande medida, pode permitir que o nosso
país responda positivamente aos desafios da sociedade de informação, da sociedade do co-
nhecimento, das alterações rápidas da ciência e da tecnologia nesta mudança de século e de
milénio.
Tudo isto só tem sido possível graças a uma cooperação muito intensa entre os Ministérios
da Ciência e da Educação. Não quero deixar de sublinhar essa excelente interligação que, não
se limita a este aspecto da componente experimental do sistema educativo. Um outro domínio
onde foi possível dar passos muito importantes teve a ver com o acesso das escolas à sociedade
de informação. Por um lado, o programa desenvolvido pelo Ministério da Ciência e da Tecno-
logia, de ligar todas as escolas à Internet, bem como a rede de bibliotecas públicas, e, por outro
lado, o desenvolvimento do Programa Nónio e de outros programas do Ministério da Educação,
tiveram um papel fundamental no sentido de criar uma base sólida de apetrechamento e na cria-
ção de condições para a formação e para o ensino de tudo quanto tem a ver com a sociedade
de informação.
Em 1995 nós tinhamos nos ensinos básico e secundário cerca de 50 alunos por computa-
dor. Estávamos na cauda dos países da OCDE. Temos hoje 35, já subimos alguns escalões nessa
tabela. Em 2003 pretendemos ter 20. Em 2006, 10. O que quer dizer que tudo isto está interli-

16
ENG. ANTÓNIO GUTERRES

gado, tudo isto obedece a um plano, a uma visão do que deve ser um sistema educativo numa
sociedade moderna e do que deve ser a interligação entre a comunidade científica e a comu-
nidade educativa nessa mesma sociedade.
Há evidentemente no passado muitas experiências dispersas que deveríamos valorizar. Eu
próprio, quando era aluno do liceu, fui director dum clube de Física e recordo-me com saudade
das experiências que realizava. Sei quão diferente é realizar uma experiência em laboratório ou
lê-la num livro, por muito sugestivas que sejam as gravuras que esse livro possa ter. É essencial
que as pessoas mexam nas coisas, vivam as coisas, sintam as coisas, desde o 1º Ciclo do Ensino
Básico.
Recordo-me, também, que na minha vida de adolescente e de jovem sonhei ser investi-
gador em Física. Foi um sonho frustrado. O meu projecto foi, aliás, realizado pelo Senhor
Ministro da Ciência e da Tecnologia, o que me faz sentir alguma inveja, para falar com toda a
sinceridade. Mas, porventura desse projecto, ficou a consciência da importância que tem o
nosso sistema educativo na formação dos nossos jovens, a importância da componente experi-
mental, da vivência da ciência, da compreensão do papel da tecnologia no desenvolvimento das
sociedades modernas.
A todos, membros da equipa do Ministério da Ciência e da Tecnologia, professores, mem-
bros da comunidade científica, das autarquias e das empresas, a todos os alunos envolvidos no
Programa Ciência Viva, quero endereçar as minhas mais sinceras felicitações, porque este foi
sem dúvida um dos projectos acarinhados, sentidos, vividos e lançados por este Governo que
teve maior êxito. E que teve maior êxito precisamente porque veio dar resposta a uma necessi-
dade profundamente sentida, e porque ao mesmo tempo encontrou no vosso entusiasmo, na
vossa dedicação, em muitos domínios – porque não dizê-lo – na vossa “carolice” e na vossa ge-
nerosidade a componente indispensável para que esse êxito fosse possível. Muito obrigado.

17
Conferência
Fazer Ciência Viva

Professor Maurice Bazin


FAZER CIÊNCIA VIVA

Professor Maurice Bazin


Fundador do Espaço Ciência Viva, Rio de Janeiro, Brasil

[Durante esta Conferência foi feita uma demonstração experimental para a qual são
necessários dois lápis de secção hexagonal, e um pedaço de fita-cola ou uma tirinha de papel]

É com grande prazer que estou aqui, tendo vivido em Portugal uns quatro anos e traba-
lhado num dos primeiros projectos que permitiram que os professores de ciências em Portugal
se sentissem mais vivos. Era um projecto, sob a direcção do Professor Rui Grácio, após o 25 de
Abril. Tive a honra de fazer parte de uma equipa que ajudava os professores a tomar as suas
próprias iniciativas nas escolas, em 76 e 77. Hoje vivo na Ilha de Santa Catarina no Brasil, um
lugar muito bonito, onde trabalho.
Há uma semana atrás, antes de viajar, estive com uma turma do 6º Ano, fazendo mais ou
menos o que vamos fazer hoje. Sou um de vocês, em termos de colega e, para mim, no lugar
onde vivo, o que gostamos é de fazer as coisas na própria sala de aula.
Acho importante contar-vos um pouco de onde venho, por isso, primeiro vou falar da
história do chamado Espaço Ciência Viva.
O programa não nasceu do nada. Nasceu duma certa situação política geral, no Brasil, no
tempo que se chamou "abertura", depois do regime militar, e no momento do regresso dos exi-
lados, alguns dos quais tinham vivido aqui em Portugal.
O Espaço Ciência Viva aglutinou pessoas de universidades e centros de investigação, que
queriam fazer coisas muito concretas directamente com o público.
Uma primeira coisa que fizemos, antes de nos fixarmos num centro localizado geografi-
camente, foi promover eventos de ciências nas praças públicas. A filosofia por detrás daquilo
não era o tipo de coisa que se faz classicamente (eu sei que vocês já não o fazem); não era
mostrar ao público geral que a Ciência e os cientistas são coisas muito bonitas. Era o contrário:
levar-nos, a nós cientistas, para um lugar onde o povo, as pessoas dominam, controlam. Se a
gente leva um grupo de pessoas a visitar um laboratório que está todo bonito, com os cientis-
tas de bata branca e tudo, o primeiro efeito é sempre de imposição sobre os visitantes. Ficam a
admirar as coisas, admirando-nos a nós, e não penso que isso contribua muito para a demo-
cratização da Ciência.
Por isso, fizemos uma opção absolutamente contrária. Trouxemos o que pudémos, para
deixar as pessoas trabalhar, por elas próprias, no lugar onde estão à vontade, para se tornarem
cientistas com a nossa ajuda. Alguns diapositivos que vou mostrar falam melhor do que outras
coisas.

21
PROFESSOR MAURICE BAZIN

Nas praças públicas do Rio de Janeiro, mais ou menos uma vez por mês, colocávamos
faixas onde estava escrito "Espaço Ciência Viva". Ao interrogar-se sobre o material que tí-
nhamos, as pessoas acabavam maravilhadas.
Houve uma série de actividades que fizemos e a primeira foi a noite do céu. Chamámos
um grupo de astrónomos amadores; fizemos sessões de treino entre nós, um grupo de 10 pro-
fessores investigadores e 20 estudantes; aprendemos o que é um telescópio, de uma maneira
muito concreta, tal como hoje, convosco e com os vossos lápis vamos tentar ver um pouco do
que passa com a luz.
Aprendemos isso pegando numa luneta habitual e simplesmente desmontando, fisica-
mente, as partes: as lentes, o tubo, etc. Circulando o material pelo grupo, podia-se reconstruir
um telescópio simplesmente com o que era essencial: as duas lentes. Vimos onde elas se põem
e porquê, a imagem real que formam, a objectiva, de tal modo que nada fosse um sistema mis-
terioso.
Depois, durante o próprio evento, olhámos obviamente a noite escura. Essa actividade, foi
também uma afirmação que a gente pode ter confiança no povo. Isto não aconteceu na zona
Sul do Rio de Janeiro, dos postais, mas na zona Norte, numa praça com guarita de polícia. Foi
a primeira vez que se apagaram as luzes da praça para, como disse o jornal no dia seguinte, "ver
o céu de mais perto".
Neste diapositivo estamos a olhar o céu. Havia uns 15 telescópios e lunetas colocados na
praça. Obviamente havia mais que a simples observação. Havia actividades onde com as bolas,
numa animação de Astronomia, uma pessoa representava o Sol, outra a Terra, outra a Lua, etc.,
criando entre si, o funcionamento do Sistema Solar, e conversando a seu respeito em pequenos
grupos.
Muitos de vocês, estou certo, fazem na sala de aula o que a gente estava fazendo na praça
pública, deixando que as pessoas criassem o que estavam a tentar imaginar. Estavam visíveis,
naquela altura, os planetas mais interessantes, Júpiter e Saturno, e também a Lua no primeiro
quarto.
Uma segunda série de actividades foi o chamado Dia da Água, que se fez em vários
lugares. Um desses lugares foi uma das famosas favelas do Rio de Janeiro. Subimos até um lugar
onde há um terreno de futebol, colocámos cerca de 20 microscópios e organizámos actividades
para fazer com os microscópios, como algumas aqui nos vossos quiosques: filtragem de água e
outras coisas relacionadas com o quotidiano dos residentes daquele morro.
Todo esse trabalho foi feito sem praticamente nenhum dinheiro, apenas com o apoio das
chamadas comissões de moradores e organizações de escolas, que também chamavam o públi-
co escolar para participar. O jornal que habitualmente fala de assaltos e tiros colocou isto como
título no dia a seguir: "Cientistas ocupam o morro do Salgueiro". Algumas das coisas que fize-
mos, olhando a partir de hoje, foram coisas realmente muito atrevidas.
Uma das realidades do lamentável sistema de saúde que existia – e ainda existe – no Brasil

22
FAZER CIÊNCIA VIVA

é fazer análise de fezes. É uma coisa muito habitual. O médico do posto de saúde manda fazer
análise de fezes, e volta-se do laboratório com uma nota escrita praticamente em Latim. Depois,
nada mais acontece. É tão habitual que as pessoas têm uma expressão de "olha, ele colocou o
seu melhor vestido porque vai fazer análise de fezes".
Neste diapositivo um estudante de Medicina está centrifugando com água pedacinhos das
fezes deste menino. Oferecíamos análise de fezes e fazíamos análise de fezes, ali mesmo, com
as pessoas, preparando a lâmina e tudo. Cada pessoa olhou para as suas próprias fezes e apren-
deu; saiu de lá a saber que o laboratório não é um lugar tão inatingível assim. E obviamente, ao
lado, tínhamos alguns exemplos de ténia e outros parasitas.
Há um lado mais agradável do Rio de Janeiro: as praias. Foi um evento multidisciplinar,
num Parque de Campismo do Rio de Janeiro, ao lado da praia. Esta moça está montada num
banco giratório, o habitual banco giratório de demonstrações de Mecânica do 1º Ano na
Universidade, com halteres, etc. Nota-se que ela tem uma roda de bicicleta na mão e, se incli-
nar a roda, ela própria começa a girar também. Temos aqui toda a problemática do giroscópio,
se quiserem palavras mais científicas. São coisas simples mas a nossa responsabilidade educa-
cional começa ao ajudar as pessoas a interagir com essas coisas, ao acostumá-las a fazer per-
guntas à natureza, a experimentar primeiro, como disse o Primeiro Ministro, sentindo as coisas
nas suas mãos. Naquele caso trata-se de começar a fazer perguntas, e eventualmente conside-
rar que a Terra é um peão solto ao redor do Sol.
Todas essas coisas podem surgir, dependendo do grupo com o qual a gente está a tra-
balhar: no Espaço Ciência Viva, quando nos estabelecemos num lugar fixo e, no próprio
Exploratorium, onde praticamente tudo de concreto que estou mencionando foi criado inicial-
mente.
Neste diapositivo está o armazém, ao lado da dita praça, no qual a gente decidiu se orga-
nizar. Alguns de vocês, um grupo de perto do Porto, contou-me que vão criar um centro de
Matemática. Espero que o edifício que a Câmara lhes entregou esteja em melhor estado do que
o nosso. Mas foi excelente, para as pessoas aqui neste diapositivo, que tivesse de ser pintado.
Foi excelente para os jovens, eu incluído à direita, todos de origem social relativamente abasta-
da, visto que fazem parte dos dois por cento que vão à Universidade no Rio de Janeiro. Estes
jovens tomaram contacto com o trabalho manual, que é fundamental. É que nós chamamos de
"experimentação" a uma actividade na qual observamos a deslocação das agulhas e simples-
mente carregamos num botão da máquina, ou vemos um peso a deslocar-se sobre uma calha
de ar. Isto não é experimentação, é a verificação de alguma coisa que funciona e que substitui
aquilo que, a meu ver, permite realmente às pessoas sentir e ver por si próprias o que estão a
fazer.
Nós ajudamo-las. Nos nossos treinos em grupinhos elaborámos coisas simples que per-
mitem fazer o mesmo tipo de medições sobre o móvel que se desloca, as colisões, etc., e que
não nos distanciam das coisas, como a aparelhagem electrónica faz.

23
PROFESSOR MAURICE BAZIN

Depois o Espaço Ciência Viva ficou com este aspecto interior, com coisas simples como o
enorme tubo que atravessa o armazém. Alguém fala numa extremidade e outra pessoa escuta-
-a na outra.
Voltando à ideia do girar, uma coisa que os jovens neste diapositivo desenvolveram foi
uma mala com uma roda lastrada com chumbo a rodar lá dentro. Deu-se à mala o nome de
"mala maluca" porque quando você anda com aquela mala, se tentar rodar, a mala levanta-se.
Há uma mudança de percepção no momento em que a gente levanta a mala.
Há coisas que espero estar a mostrar-vos e que são importantes: uma delas é o prazer,
outra é a surpresa e outra é uma surpresa tal que se torna vontade de ver como isso acontece.
"O que posso allterar para fazer isso mudar de comportamento?" é o que nos faz investigar e,
ao mesmo tempo, o que nos permite obter respostas muito claras. Como não podemos forçar
jovens daquela idade a definir referenciais, por exemplo, para definir o que é levantar é preciso
dizer de que lado levanta, em que direcção. Isto é muito melhor do que o primeiro capítulo de
cinemática, porque aqui é necessário e é intrigante.
Uma coisa especial do Espaço Ciência Viva, que continua hoje a receber crianças de esco-
las, é esta bancada. A moça à esquerda tem na mão o modelo de um útero humano em plásti-
co. Nos recipientes estão úteros humanos. Isso é uma das vantagens de trabalhar com pessoas
de centros de investigação, como muitos de vós, ou de técnicos de hospital, que foi o nosso caso
aqui, e que faziam a análise dos úteros que tinham sido tirados a mulheres que sofriam de can-
cro. Todos nós, eu incluído, conseguimos aprender a distinguir as células sãs dum órgão como
o útero, que é como uma pêra que a gente pega na mão, e o colo de um útero atacado por
células cancerígenas. Nós conseguimos aprender a reconhecer como funciona esta invasão de
células cancerígenas e a dar conta que a penetração no tecido muscular do útero se faz de tal
forma que se tornou óbvio, mesmo para nós físicos, ou para "leigos", que somente uma pe-
quena operação de cortar o colo não resolve absolutamente nada. Há alguns filamentos que
penetram para o interior e a histerectomia é, nesse caso, uma prática razoável. Como me formei
científica e politicamente nos anos 60, nos Estados Unidos, fui muito influenciado pelas exigên-
cias das minhas companheiras de trabalho que estavam a desenvolver um movimento feminista.
E o movimento feminista durante muito tempo questionou-se sobre o porquê da histerectomia
assassina. No caso específico do cancro do colo do útero, é uma coisa que faz sentido, depois
do que nós mostrámos no Espaço Ciência Viva.
Vou agora mostrar o tipo de coisas que você pode encontrar agora nos Centros de
Ciência, ou nos museus interactivos, como se chamam hoje. O primeiro a abrir ao público, para
que as pessoas o utilizassem e se sentissem cientistas, foi o Exploratorium, em 1969. Aqui está
o que no Exploratorium se chama orgão de Pã. São simplesmente tubos de PVC, de compri-
mentos vários, e nos quais você bate com uma sandália e coloca o seu ouvido para escutar o
que passa. Também aqui você tem uma coisa extremamente simples, mas que imediatamente
faz a ligação entre a altura do som que você escuta, grave ou agudo, e o tamanho do tubo. O

24
FAZER CIÊNCIA VIVA

visitante, a pessoa que está a experimentar aquilo, pode exigir muitas coisas: pode colocar a mão
na frente, pode colocar a mão atrás, pode pedir a um amigo para fazer barulho atrás, escutar à
frente… mil e uma combinações.
O pai do Exploratorium, o Frank, costumava dizer que o melhor módulo é aquele que
quando é colocado à disposição do público, é utilizado de uma maneira diferente da que você
imaginou. Temos técnicas pedagógicas e toda uma responsabilidade de perguntar "que
podemos colocar para ajudar as pessoas a aproveitar este módulo o melhor possível?"
Aqui, por exemplo demos uma chave, não é bem a palavra; demos indicações de cor para
identificar as notas. E ao lado há sugestões de como tocar certas canções conhecidas, utilizan-
do uma sucessão de cores. Então a pessoa aprende ali alguma coisa de música.
Finalmente eis o Exploratorium, 10 000 m2, um enorme armazém, como este aqui, que
estava vazio em 1969 e que pouco a pouco se encheu de coisas, todas construídas lá, com
máquinas adquiridas e colocadas à vista do público.
Neste diapositivo estamos no Instituto de Formação de Professores, em inglês "Teacher’s
Institute" do Exploratorium, que eu e dois colegas dirigimos durante os primeiros cinco anos,
entre 1990 e 1995. Aqui trabalhava com esses colegas professores na questão da propagação
de ondas. A mola que aqui está, é uma dessas molas de plástico que, estou certo, também
chegaram a Portugal. Fizemos uma extremamente grande – podem colar-se várias – com uns
dois metros de comprimento quando comprimida. Então esticámo-la, suspensa por cabos de
mais ou menos 2 metros de comprimento a partir duma plataforma superior.
E obtivemos um instrumento para o nosso grupo decidir o que fazer, o que descobrir, o
que sistematizar, com todas as pessoas a participar. O interessante deste material específico é
que a propagação da onda é muito lenta: você pode mandar o impulso e acompanhá-lo ca-
minhando. Estão ali todas as noções que quando andava na universidade tentava realmente
entender: as velocidades variadas, as amplitudes, as frequências, etc. e todas essas coisas você
vê claramente. Cria-se, assim, uma linguagem e o nosso papel é, simplesmente, fazer coincidir
a linguagem daqueles para quem tudo isto é novo com a linguagem habitual dos cientistas.
Esta fotografia é do Espaço Ciência Viva, mas é directamente inspirada numa montagem
do Exploratorium, porque foi uma pessoa do Exploratorium que a fabricou ao abrigo de um con-
vénio. É uma janela transparente sobre uma mesa, e a criança está a desenhar dois pequenos
cilindros, um pequeno e um maior, se bem que o maior está mais longe. Com o olho no orifí-
cio da placa de madeira que está à sua frente, desenha o contorno de cada cilindro. O cilindro
maior apesar de estar mais longe, aparece, de facto, menor no desenho do que o cilindro
pequeno que está mais perto. Aí começaram as perguntas, e dependendo do que você quer
fazer, vem toda a conversa sobre a perspectiva e o uso que o nosso grupo fez dessas coisas no
Exploratotium de maneira sistemática. Perguntem ao grupo de professores, aliás, nós não pre-
cisamos de perguntar, eles questionaram-se a si próprios: "como posso fazer isso na minha sala
de aula?" E a resposta foi a seguinte: em vez de ter essas coisas muito complicadas para os vi-

25
PROFESSOR MAURICE BAZIN

sitantes, devemos ter coisas mais simples mas que permitam trabalhar com o mesmo fenómeno
físico, com as mesmas ideias matemáticas, neste caso a perspectiva.
Isto, na linguagem do Exploratorium – e vários de vocês sabem da sua existência –, chama-
-se cook books (livros de cozinha). São livros bem caros mas que descrevem com muitos por-
menores como fabricar certos módulos do Exploratorium. Então, em vez de fazer cook books, fize-
mos snack books. É uma versão simplificada dum módulo por isso chamamos snack. Uma versão
simplificada daquele módulo obtém-se simplesmente tomando um pedaço de madeira, fazendo
uma fenda na extremidade, colocando uma placa de acrílico; na outra extremidade colocamos um
pedaço de arame, dobramos um pouco para cima e depois colocamos o olho no redondinho do
arame, em cima, e desenhamos nessa placa. E pode levar isso para onde precisar.
Um assunto que o Exploratorium trabalha muito e no qual eu vou entrar agora é o da pers-
pectiva. Essa noção que nasceu com o Renascimento é a de que o desenho permite ver o
mundo, que um dos nossos olhos sozinho vê o mundo, como uma pura, mera câmara fotográ-
fica, ou como uma pura, mera câmara escura, que tem um buraquinho na frente e um papel
transparente atrás. Quando você desenha uma obra arquitectónica vê essas coisas segundo uma
perspectiva, o ponto no infinito, o ponto de fuga, essas coisas bem matematizadas, como a pro-
jecção. Mas você pode fazer como se mostra nessa imagem desenhada com uma janela trans-
parente: pede a um colega, como essa jovem que está lá, para se deitar com os pés perto da
janela e olhando para quem vai desenhar. Quando você faz aquele desenho, realmente desenha
o que está acontecendo na retina do seu olho. Mas quando olha para esse desenho, vê que os
pés são enormes e que a cabeça é do tamanho de uma laranjinha, mesmo com o tamanho nor-
mal duma pessoa e numa mesa um pouco comprida. E então conclui: isto não é um desenho
como deve ser, alguma coisa está errada. É como a fotografia que você tiraria daquele lugar,
nessas proporções. Então a pergunta que começa a colocar-se é: "como é que é se eu tomar
uma folha de papel e desenhar de forma livre o que vejo? Eu não desenho a cabeça da pessoa
do tamanho duma laranja e os pés com 30 cm… Eu desenho a cabeça certamente maior do que
os pés. E aqui entra uma coisa que no Exploratorium se desenvolveu imenso que é a intervenção
do ser humano, como ser humano, em todo o trabalho científico que fazemos, que tem sem-
pre um ponto de vista. Claro que isso se chama ponto de vista porque é a perspectiva. Mas não
é só por isso, há um ponto de vista intelectual. A nossa cabeça utiliza as imagens que estão nas
nossas retinas. Não é um aparelho fotográfico. A gente sabe que o ser humano tem uma cabeça
que é do mesmo tamanho que os pés, ou maior, e que a cabeça é muito mais interessante do
que os pés.
O resultado daquilo, e certamente de muitas outras coisas, permite entender essa mistu-
ra que existe sempre que fazemos experiências – quando estamos a olhar a natureza – entre o
nosso objectivo e o que nós, na nossa cabeça, estamos a fazer com isso. E o que fazemos nossa
cabeça tem muito que ver com o que chamamos arte, tanto que ao lado desse módulo, no
Espaço Ciência Viva, temos a fotografia dum determinado lugar e a pintura, feita por um pin-

26
FAZER CIÊNCIA VIVA

tor, daquele mesmo lugar. Também há livros sobre o impressionismo em França que têm feito
aquilo também, onde a gente vê que o pintor não é bom porque ele fez exactamente o que a
janela de perspectiva faria, mas porque ele escolheu a importância da igreja, colocou a ponte de
facto mais perto, maior do que o tamanho que tem na fotografia. E essa interacção entre o
aspecto artístico das coisas e o aspecto científico é uma questão que foi muito desenvolvida no
Exploratorium e que vamos aproveitar aqui.
Este diapositivo representa um módulo no Exploratorium, da minha autoria com a Cleo
Adams, uma pessoa que constrói modelos sobre o que é a simetria, o que é utilizar espelhos. Você
tem um espelho, um aqui e outro ali na frente, pega no espelho e coloca-o assim, com a parte
reflectora desse lado, e vai ver duas bolas grandes. Vai fazer uma coisa similar ao que o livro pede
para fazer. Assim você está a criar figuras simétricas a partir de coisas que não o são. Você cola
partes dessas figuras. Claro que eu escolhi a coisa mais simples possível, mas há muitas outras, e
as pessoas têm, então, que procurar e criar esses desenhos. Está acompanhado por várias coisas
que têm que ver com simetria na natureza, sendo a mão uma delas. Sabemos que quando a gente
coloca um espelho ao lado da nossa mão esquerda, vemos a nossa mão direita.
Agora quero mostrar uma coisa específica. O que vêem vocês aqui? Um cubo? Sim. Então
se é um cubo, sugiro que reparem neste ponto, um pouco acima do que estou indicando, o vér-
tice. Não sei se estão de acordo. Ele está na frente e a suspensão está mais atrás, certo?
Agora eu proponho que a suspensão esteja na frente e que esse ponto esteja mais atrás,
em baixo, está bem? E a primeira coisa comum entre nós, é que descobrimos que não vemos as
coisas da mesma maneira. Alguns de vocês certamente quando disseram "um cubo" viram a
coisa na frente, outros viram a coisa atrás. Isso tem dois aspectos. Um que é quando estamos
na sala de aula com as nossas crianças temos que ter esse famoso respeito pelo facto de elas
não verem o mundo como nós o vemos. Segundo, vamos aproveitar aquilo para neste caso par-
ticular entender o que se passa. Se a gente coloca uma mão à frente de um olho e olha o mesmo
fenómeno acontece. Então obviamente alguma coisa está a faltar para podermos decidir qual é
a profundidade. E a resposta é muito clara.
Tudo o que temos lá são desenhos sobre um plano. Quando dissermos "cubo" é a nossa
cabeça que identifica um cubo e tem pelo menos essas duas possibilidades quanto à profundi-
dade. Então essa ambiguidade é possível. Isso sugere um questionamento, possivelmente sobre
"porque temos dois olhos".
Vou precisar das luzes da sala apontadas para mim. Peço que façam o seguinte: vão esticar
o braço direito, para a frente, com um dedo levantado e com esse dedo vocês vão esconder-me
da vossa vista. Cada um coloca o seu dedo na minha frente. Agora, com a outra mão livre tapa
um olho. Pergunto: quem viu alguma coisa a mudar? Alguém quer dar um nome áquilo?
"Paralaxe"? Bom nome.
Temos ali a ideia de que cada olho vê uma imagem diferente. Num caso o dedo ficou na
frente do Bazin, no outro caso o dedo está ao lado. Os dois olhos vêem imagens diferentes. Mas

27
PROFESSOR MAURICE BAZIN

há mais, porque o que pedi para vocês fazerem não foi começar com um olho, foi começar com
os dois. Eu disse "coloquem o dedo na frente do Bazin", e ninguém hesitou, colocaram o dedo
na frente do Bazin. Então o que se passa, quando você fecha um dos olhos, e o dedo pula? É
que não era esse olho que estava "vendo", era o olho que você fecha. A nossa cabeça, quan-
do colocamos os dois olhos abertos, decide que a imagem vinda de um dos olhos é mais impor-
tante do que a imagem, a informação, vinda do outro. É o que se chama o olho dominador.
Cada um de nós tem um olho dominador mas não é o mesmo de pessoa para pessoa, o que
vem afirmar que não somos todos iguais. No meu caso é o olho direito.
Vamos agora fazer um trabalho um pouco mais sofisticado, utilizando os nossos lápis. A
primeira coisa a fazer é colocar um dos pedaços de fita-cola à volta de um lápis. Vocês querem
juntar os dois lápis de maneira a deixar uma fenda entre eles. Depois podem olhar para o pro-
jector aqui no palco através dessa fenda [No palco está um projector de iluminação para filma-
gens, tapado com uma cartolina preta onde foi aberta uma estreita ranhura horizontal, no sen-
tido da lâmpada]. Podem decidir se colocam os lápis na vertical, na horizontal, a 45 graus, e
vejam se conseguem notar alguma coisa interessante. Vou simplesmente encorajar-vos a
começar a olhar do lado onde a fenda é maior, para que ela não se feche completamente e
vamos ver se alguma coisa acontece com a luz que chega aos vossos olhos. Estou a falar de uma
fenda muito pequenina e de empurrar os dois lápis, um contra o outro, deixando numa extre-
midade uma tirinha de papel ou um pedacinho de cola. Vejo algumas pessoas a deixar um dedo
de abertura, não é isso. Agora segurem e verão o máximo da intensidade da luz, possivelmente
levantando um pouco a sua cabeça ou baixando-a um pouquinho. Conseguem ver? É difícil tra-
balhar com 500 pessoas, por isso aproveito alguns ecos que obtenho daqui. Com os lápis hori-
zontais, a fenda horizontal, você vê uma região bem luminosa no meio, branca, e depois você
não vê nada, há escuridão; depois há mais uma região luminosa, mas que tem uma irisação,
depois não tem nada, depois tem uma irisação, depois não tem nada, depois tem outra vez uma
irisação.
Podemos dizer que a luz está a entrar, passando entre estes dois lápis, e que está a sair
pelo outro lado da fenda. Ela não vai em linha recta. E nós que há tantos anos explicámos às
crianças que a luz se propaga em linha recta! No centro vocês vêem essa região muito brilhante;
depois não vêem nada, depois há outra vez uma região brilhante, bastante brilhante, que além
do mais está irisada, tem cores. A nossa luz não é como balas de canhão; alguma coisa faz com
que ela vá em várias direcções. Para fazer isto vocês não precisam deste tipo de lâmpada. Um
filamento fininho de um candeeiro simples, em casa, basta, desde que se olhe com os lápis perto
do filamento (e alinhando a fenda entre os dois lápis com o filamento). Vocês não querem
muitas reflexões, não precisam de uma fenda que seja tão fininha como esta aqui. Nós tivemos
de trabalhar muito, a Ana Noronha e eu, ontem, para conseguir um arranjo que fosse utilizável
por todos vós. Colocámos cartolina preta na parte da frente do projector e fizemos uma fenda
na cartolina para vocês conseguirem ver. Isso foi o nosso trabalho criativo, a nossa aprendiza-

28
FAZER CIÊNCIA VIVA

gem de como conseguir fazer uma coisa simples, com a qual todo o mundo possa fazer as suas
descobertas. O que está a faltar é a discussão em grupo. Obviamente é impossível, aqui, discu-
tir aquilo, colocar questões e, no caso de serem estudantes, aproveitar para ajudar nas interpre-
tações e chegar ao fenómeno da luz, com questões mais complicadas do que a simples propa-
gação em linha recta.
[Tapa metade da fenda com um filtro vermelho] Dá para ver o vermelho e o branco? [A
seguir, tapa metade da fenda com um filtro azul] Quer ver o azul? Como ao vermelho corres-
ponde a uma região luminosa de largura maior… Agora, para não ocupar mais do vosso tempo,
quero que olhem e que comparem com exactidão: estou a tapar só metade da fenda da luz com
um filtro vermelho. Isso permite uma comparação de dois padrões de difracção. É assim que se
chama.
Eu achava que vocês podiam comparar o padrão da luz branca com o padrão da luz ver-
melha. Quanto testei o equipamento com o Zé, o técnico, ele utilizou a palavra "essa é a cor da
temperatura". Eu, como educador atento, escutei um "ding" na minha cabeça e começámos a
colocar a lâmpada, assim, na sua maior potência, portanto, provavelmente na sua mais alta tem-
peratura, e depois baixámos.
Se pudermos baixar a temperatura da lâmpada, a luz vai ficando alaranjada.
Agora não sei se vocês conseguem detectar aquilo com esse "aparelho", porque tem uma
parte que fica muito clara. Eu tenho a certeza de que vocês vão conseguir notar uma diferença
por vocês mesmos. Mas se não conseguirem, tudo bem, também faz parte da ciência. O nosso
aparelho não permite ou não temos as coisas ajustadas. Da próxima vez que vocês experi-
mentarem, vão fazer de maneira diferente. Mas atrevi-me a fazer isso propositadamente.
Quero que sejam vocês a descobrir. Acho que é muito importante sermos nós próprios a
fazer, e ficarmos à vontade com o facto que proclamamos. São os outros com quem estamos a
trabalhar que vão descobrir por eles próprios. E também devemos estar preparados para fazer
uma demonstração que falha.
O jovem professor tem sempre medo: sai de casa a pensar "vai funcionar", etc., mas é
muito mais importante tentar pensar que "vou trabalhar e se falhar também vou aprender muita
coisa".

29
Sessão Paralela
Organização do trabalho
experimental e Avaliação
do desempenho
dos alunos

Professor Adriano Sampaio


e Sousa
Departamento de Física da Faculdade
de Ciências da Universidade do Porto

Moderadora:
Doutora Anabela Martins
SESSÃO PARALELA

Professor Adriano Sampaio e Sousa


Departamento de Física da Faculdade de Ciências
da Universidade do Porto

A palavra "ciência" tem a sua origem no termo latino scire, que significa genericamente
conhecer. Hoje em dia, a ciência representa apenas uma parte da aprendizagem hu-
mana. Para que um ramo do conhecimento seja considerado ciência, deve basear-se em teorias
quantitativas, que possam ser testadas mediante a observação.
O que distingue essencialmente uma ciência observacional de uma ciência experimental é
a possibilidade de controlar as condições em que as observações são efectuadas.
Ensinar ciência é uma actividade que tem vindo a ganhar importância, à medida que os co-
nhecimentos se alargam e aperfeiçoam, e as inúmeras aplicações tecnológicas tornam impossível
aos cidadãos ignorar a sua presença. Para a ensinar é necessário, antes de mais, saber ciência, mas
também procurar entender os mecanismos que levam o indivíduo e o grupo a aprender.
Ensinar ciência não pode ser uma mera transmissão factual, nem uma repetição de um
processo histórico significativamente abreviado no tempo. Se reflectirmos um pouco acerca dos
grandes objectivos que pretendemos sejam atingidos pelos alunos de ciências, poderíamos
encontrar as seguintes vertentes:

1. Aprender ciência.
2. Aprender acerca da ciência.
3. Fazer ciência.

Aprender ciência significaria adquirir uma série de conceitos importantes, relacioná-los por
meio de leis eventualmente sujeitas a princípios, por sua vez enquadrados em teorias.
Aprender acerca da ciência seria procurar compreender a natureza da ciência e a sua com-
plexa relação com a tecnologia e a sociedade, bem como familiarizar-se com os seus métodos.
Fazer ciência seria ter a oportunidade de vivenciar actividades investigativas em condições
reais, guiadas em maior ou menor grau pelo professor.
Começaria por me debruçar um pouco sobre o primeiro ponto, referindo-me aos con-
ceitos. Estes constituem os elementos básicos para o desenvolvimento do pensamento. A sua
aprendizagem começa numa idade muito tenra e continua ao longo de toda a vida.
Aceita-se hoje em dia que os conceitos aprendidos pelos alunos são dinâmicos, isto é,
encontram-se permanentemente em construção, à medida que aquele vai tendo a oportunidade
de novas vivências, observações e metacognições.
Os conceitos não apresentam todos o mesmo grau de dificuldade. Já que os ensinamos,

33
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO EXPERIMENTAL

quer à custa de exemplos e contra-exemplos, quer à custa dos seus atributos, podemos consi-
derar três categorias de conceitos:
Aqueles que têm exemplos e atributos perceptíveis pelos alunos. Podem ser construídos
através de um processo de discriminação e classificação, a partir de exemplos simples, con-
duzindo a uma definição constituída por atributos de fácil compreensão. São habitualmente de-
signados por conceitos categoriais. Citaria como exemplos os conceitos de planeta, mistura, ver-
tebrado, entre muitos outros.
Uma outra categoria, aqueles que têm exemplos perceptíveis, mas atributos não percep-
tíveis. Os conceitos de substância elementar ou composta, embora simples de exemplificar, não
têm atributos de fácil compreensão para os alunos.
Como terceira categoria, aqueles que não têm nem exemplos nem atributos perceptíveis,
são habitualmente conhecidos como conceitos formais. Os conceitos de átomo, de campo, de
trabalho físico são alguns exemplos representativos. O estigma que algumas ciências têm, em
virtude de algumas dificuldades evidenciadas pelos alunos, explica-se sobretudo pela exigência
cognitiva dos conceitos envolvidos, quase todos do tipo formal. É o caso tipicamente da Física,
que neste sentido pode ser considerada como uma ciência "dura". Pelo contrário, algumas ciên-
cias vivem essencialmente de classificações taxonómicas, como a Biologia, ou a Geologia, e
poderiam ser consideradas ciências "leves".
O ensino de conceitos categoriais deve ser feito à custa de um conjunto significativo de
exemplos e contra-exemplos, que podem e devem incluir observação e experimentação,
nomeadamente ao nível qualitativo, dado que estes são os conceitos privilegiados nos níveis
etários mais baixos, onde surgem frequentemente as chamadas concepções alternativas. A
experimentação assume um papel primordial no sentido de reproduzir situações que possam ser
confrontadas com as ideias dos alunos, de modo a gerar a mudança conceptual.
O ensino de conceitos formais a alunos com o raciocínio lógico-formal poderá resumir-se
à apresentação dos seus atributos através de um maior ou menor formalismo matemático. Para
muitos conceitos é mesmo a única forma de ensino, já que não têm correspondência com a
nossa realidade macroscópica qualitativa. O problema principal põe-se quando se pretende
introduzi-los em níveis etários mais baixos, com alunos que ainda não ultrapassaram o estádio
de pensamento concreto. Utilizam-se assim por vezes os chamados conceitos operacionais,
como o conceito de força, leccionado no 9º Ano de Física, em que são postos de lado os atri-
butos não perceptíveis e se coloca a tónica nos exemplos. Neste caso, a observação e a experi-
mentação ajudarão certamente, tal como no caso dos conceitos categoriais.
No que respeita à aprendizagem de leis, a experimentação assume especial importância,
agora a um nível quantitativo. É necessário contudo distinguir as situações em que as leis ape-
nas podem ser passíveis de uma simples verificação a posteriori das situações em que o aluno
pode efectivamente inferir o seu enunciado. Citaria como exemplos evidentes as leis da
refracção e as leis da reflexão. Se o aluno pode facilmente concluir que o ângulo de incidência

34
SESSÃO PARALELA

é igual ao ângulo de reflexão através dos resultados experimentais, não é viável que conclua que
a razão entre o seno do ângulo de incidência e o de refracção é constante. Só poderá verificá-lo.
O papel da experimentação não se esgota contudo no suporte à construção de conceitos
e à aprendizagem de leis. Em relação à segunda vertente referida no acetato, quando pre-
tendemos que o aluno aprenda ácerca da Ciência é fundamental proporcionar-lhe a vivência dos
métodos e técnicas utilizados no laboratório, a par da reflexão teórica e uma introdução à mo-
delagem computacional, essencial na Ciência moderna e em franca ascenção no ensino das
ciências. Inclui-se aqui a familiarização com os instrumentos de medida, o controlo das variáveis,
a construção de tabelas e gráficos, o uso de regras de cálculo.
Finalmente, referir-me-ei ao papel da experimentação, no cumprimento da terceira ver-
tente dos objectivos: fazer Ciência. Surge aqui espaço para proporcionar aos alunos a oportu-
nidade de conduzir actividades investigativas e resolver problemas práticos, seguindo dentro do
possível os seus próprios interesses. A experimentação assume aqui o seu papel mais nobre, mais
próximo da actividade real do cientista. O professor deve limitar a sua orientação ao mínimo
indispensável. Em primeiro lugar, deve conduzir a discussão de modo a auxiliar os alunos a
encontrarem o tema da investigação. Em segundo lugar, deve acompanhar a investigação como
um guia, assegurando o referencial teórico necessário para que os alunos estabeleçam e imple-
mentem um plano de trabalho coerente. Em terceiro lugar, deve ser um avaliador, introduzindo
um elemento de exigência crítica relativamente às conclusões dos alunos. Como conclusão,
gostaria de salientar que a experimentação pode assumir diferentes papéis no ensino, de acor-
do com os objectivos que se pretende alcançar, o tipo de experiência, qualitativa ou quantitati-
va, demonstrativa ou investigativa, com maior ou menor orientação por parte do professor e
deve ser determinada em função de cada situação específica.

35
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO EXPERIMENTAL

Doutora Anabela Martins


Escola Secundária D. Pedro V, Lisboa

G ostava de vos contar uma história, uma história verdadeira, que resume de certa maneira
a mensagem que vou tentar passar aqui. Uma mensagem vivida, experimentada.
A história é a seguinte: através da investigação que estou a fazer com a Professora Joan
Solomon, descobri o que é uma experiência com sucesso para os alunos. É aquela experiência
em que, se estiverem a determinar a aceleração da gravidade, se obtiverem 9,8 m/s2 está bem
feita, se der 9,6 m/s2 já não está. Isso levou-me a pensar que nós exploramos mal as ciências
experimentais. Elaborei e transmiti alguns textos e algumas sugestões. Mas isto é muito
perigoso. Porquê?
Nas últimas Olimpíadas de Física – em que fazemos os possíveis por realizar experiências
abertas, trabalhos para os miúdos pensarem – tínhamos uma experiência interessantíssima sobre
o euro, em que os alunos tinham de determinar a densidade do euro. Dávamos-lhes moedas,
fomos recolher dados exactos sobre o euro e dávamos-lhes moedas de alumínio e moedas de
cobre. Eles tinham de determinar a densidade e a massa e, no final, tinham de fazer um relatório
para a Interpol com explicações para os ajudar a descobrir um falsário que tinha fabricado 200 000
moedas falsas de euro.
Três equipas de três alunos, num total de 14 equipas, fazem esta coisa maravilhosa: fazem
tudo muito direitinho, como vos vou dizer aqui que deve ser feito: o relatório, o título, a
metodologia, o procedimento, os resultados, tudo muito bem feitinho. Sabem quanto é que eles
tiveram? Zero de conteúdo! Erraram tudo, não foram capazes de determinar a massa, a densi-
dade, o volume... Quer dizer, o relatório para a Interpol era aquilo que aprenderam na aula de
Física.
Temos, portanto, de ter muito cuidado. Tudo o que vamos dizer aqui, não é para afirmar
"isto tem de se fazer assim". Penso que temos de adaptar constantemente tudo aquilo que
ouvimos dos colegas e a nossa experiência a novas situações.
Os curricula de ciências são actualmente influenciados por três grandes abordagens: a
abordagem centrada no aluno, no movimento construtivista; a abordagem muito virada para a
ciência para todos, uma vertente da qual é a compreensão pública da ciência e os aspectos so-
ciais, que é o movimento ambientalista.
Estes são três grandes movimentos que actualmente influenciam os nossos curriculos de
ciência. Sou a favor de facto de uma grande diversificação de actividades experimentais, desde
a experiência laboratorial até à utilização de modelos computacionais, visitas de estudo e inves-
tigações abertas. Comum a todos estes tipos de actividades, há uma parte muito importante que

36
SESSÃO PARALELA

é o antes e o depois. A Professora Joan Solomon recomenda que uma das coisas mais impor-
tantes para desenvolvermos um trabalho experimental mais eficiente com os alunos é começar
pela compreensão dos conceitos e só então, quando temos a certeza que os alunos compreen-
dem os conceitos, passar à fase de exploração e de implementação no terreno. De tal forma que
o aluno, mesmo com a nossa ajuda, seja capaz de planificar. É ele que vai ter uma parte activa
na planificação da experiência, e depois na sistematização. O professor, por seu lado, tem um
papel importantíssimo na sistematização dos resultados.
Uma tendência muito forte na Europa, de que muito brevemente vão ter notícias nas esco-
las, é a da integração crescente do ensino das ciências. Para que haja a compreensão de que
vivemos num planeta dependente de sistemas, constituído por diversos subsistemas que estão
em constante reciclagem através dos princípios da conservação da matéria e da energia e, por
outro lado, a compreensão de que a sociedade é uma parte dos sistemas da Terra e que qual-
quer interferência com uma parte daquele sistema também vai interferir no Homem. Isto é qual-
quer coisa que temos de ter sempre presente quando estamos a fazer determinado tipo de tra-
balho experimental.
E agora vou centrar-me, essencialmente, nas investigações abertas. O que é uma investi-
gação aberta? Um físico fez uma vez uma descrição engraçadíssima de uma investigação como
sendo aquilo que estamos a fazer quando não sabemos o que estamos a fazer nem onde vamos
chegar. Ou, então, uma investigação é algo que se faz sobre qualquer coisa cujo resultado não
conhecemos – e no dicionário pode-se encontrar uma série de sinónimos para investigação –
mas em que há sempre um factor surpresa para o aluno.
De facto, para aqueles professores que estão interessados em fazer investigação aberta,
há todo um espaço novo a explorar em três aspectos fundamentais: o aspecto cognitivo, o
aspecto a que eu chamei geográfico e o aspecto psicológico. O aspecto cognitivo, ligado à
aquisição de conceitos e capacidades; o aspecto geográfico, em que o aluno tem a oportuni-
dade de conhecer novos processos, novos métodos, novos espaços; e, finalmente, o psicológi-
co, em que ele tem que ver a diferença entre a realidade, a teoria e a prática.
Como é que podemos utilizar estes espaços? Qual é o objectivo da aprendizagem com tra-
balhos de projecto ou investigação? É a concretização de fenómenos que não podem ser feitos
na sala de aula.
E o que é a concretização destes fenómenos? A concretização de fenómenos através
duma experiência nova com um fenómeno que cria no aluno uma apetência, que desenvolve
uma autonomia na pesquisa e no estudo e, além disso, desenvolve mais a interacção com os
fenómenos do que com o professor. O professor é um orientador, um controlador, no sentido
de reorientar os alunos.
Qual será a principal estrutura duma investigação? Há uma unidade preparatória, digamos
a introdução da investigação – onde se faz – depois há a visita de estudo ou a pesquisa ou a
parte experimental, e, finalmente o resumo, a sistematização do trabalho feito. Três etapas fun-

37
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO EXPERIMENTAL

damentais que poderíamos resumir, dizendo então que temos a investigação, a parte do seu
desenvolvimento e a parte da implementação propriamente dita, que acaba na sistematização.
É assim na Física. Em ciências, os passos principais que os alunos têm de seguir serão esta-
belecer um problema ou hipótese, fazer a experiência, ou a visita de estudo, ou a pesquisa (se
for teórico), recolher dados, discutir resultados e fazer um relatório de forma clara e objectiva,
que é uma parte importante.
Qual o perfil do aluno numa actividade experimental deste tipo? É o aluno que tem de
estabelecer um plano de investigação, desenvolver esses processos, explicá-los e discuti-los em
função dos resultados obtidos e, finalmente, comunicar oralmente e por escrito os seus resulta-
dos, quer aos colegas, quer a outras comunidades onde ele seja solicitado.
Para lá das habituais partes de um relatório – o título, o sumário, a introdução e o resumo
– a parte fundamental do relatório, aquilo a que se chama o corpo central, deve conter uma teo-
ria relevante, deve ter o procedimento, o registo de resultados e o seu tratamento em termos de
teoria dos erros.
Vou dar-vos um exemplo de diferenças entre algumas investigações abertas por compara-
ção com investigações fechadas. Por exemplo, a definição do problema numa actividade fecha-
da é prescritiva, directiva. Numa actividade aberta é explorativa e as variáveis não estão especi-
ficadas. Na escolha do método, são os alunos que escolhem o método, o professor dá apenas
indicações e, na parte fechada, é o professor que dá indicação aos alunos para o método e lhes
dá equipamento limitado.
Quanto às soluções esperadas, se numa investigação fechada há apenas uma solução
numa investigação aberta há várias soluções possíveis. Por exemplo, uma actividade fechada
poderia consistir em colocar um conjunto de sementes numa zona escura e colocar outra numa
zona bem iluminada. As variáveis estão identificadas, diz-se aos alunos que têm de identificar se
a luz e a temperatura influenciam, etc.. Numa actividade aberta semelhante, será o aluno que
tem de escolher uma planta e investigar se a luz tem algum efeito. O professor só lhe diz: esco-
lhe uma planta e identifica as variáveis que afectam a fotossíntese.
Outro exemplo de experiência orientada tirado da Física, seria: "Verifica as leis da elec-
trólise. Para isso procede do seguinte modo: monta um circuito tal, mede tal, pesa tal, agora
limpa os eléctrodos e faz tal, etc.". Outra forma, uma forma aberta que levaria o aluno de facto
a pensar um pouco mais, seria: "Com o material que está à tua disposição prova qual das duas
teorias sobre a electrólise, a de Sir Humphrey David ou a de Michael Faraday, é apoiada experi-
mentalmente". Isto é possível e, de facto, dá resultados fabulosos.
Não posso resistir a dar um outro exemplo de como transformar uma actividade fechada
numa actividade com muito mais interesse para os alunos. Está num dos projectos de duas cole-
gas do Algarve, de que eu sou coordenadora, que estão a trabalhar comigo há 3 anos e que fi-
zeram duas actividades no 12º Ano que passo a descrever.
Nós, para o 12º Ano, temos uma unidade de Balística, de lançamento de projécteis, e elas

38
SESSÃO PARALELA

puseram esta actividade aos alunos: porque saltam desta forma as rãs e os gafanhotos? Como
sabem, as rãs saltam em arco, ou seja, um movimento semelhante ao dos projécteis. Utilizando
a unidade de balística, planeia uma experiência que te permita comparar as características destes
dois voos. Relaciona depois o que descobrires sobre os voos com as próprias características dos
animais em causa. Relata a tua investigação e conclusões.
Outro exemplo, tirado de um texto de Aristóteles e utilizando a unidade de Balística – a
mesma unidade de lançamento de projécteis – planeia uma experiência que te permita recolher
dados de modo a contestar a descrição deste movimento feita por Aristóteles, que tem um
desenho célebre de um canhão a disparar em que a bala sai em linha recta, não sujeita à acção
da gravidade.
Para terminar, a minha mensagem é que se soubermos Física, se estudarmos a Física como
deve ser, tiramos imensas sugestões para fazer a parte experimental. Tendo sempre presente que
uma boa prática experimental pode, de facto, iluminar e ajudar um pouco os alunos a com-
preender. Esta é a mensagem que vos deixo. Muito obrigada.

DR. JOAQUIM MATOS DA SILVA


ESCOLA SECUNDÁRIA DOMINGOS SEQUEIRA
Vou contar uma história que pretende elucidar sobre o contexto organizacional da escola:
a forma como a escola se pode hoje organizar para projectos como o Ciência Viva ou o Projecto
Nónio. Pelo menos a experiência da escola onde estou e o caminho que foi percorrido no sen-
tido de que, efectivamente, se faça alguma experimentação e que essa experimentação tenha
reflexos em termos curriculares imediatos.
A sociedade actual impõe à escola, através do enquadramento organizacional e legal exis-
tente, novos desafios que passam, no nosso entender, pela necessidade de interligação de co-
nhecimentos – especialmente no âmbito científico – operacionalizados em projectos que se
assumam como pólos de motivação dos principais actores do sistema educativo: alunos e pro-
fessores.
Esta situação passa, em nosso entender, pela existência simultânea dos seguintes recursos
organizacionais: formação profissional, recursos humanos e materiais.
Neste momento, tendo em conta o actual sistema legislativo, já começam a existir
condições organizacionais, designadamente de autonomia das escolas, para o desenvolvimento
de projectos cientifica e pedagogicamente de grande utilidade e validade no processo de ensi-
no-aprendizagem, que respondam às necessidades dos jovens no prosseguimento de estudos ou
na preparação para o ingresso na vida activa.
No âmbito da formação profissional, a escola terá que potenciar cada vez mais a sua
capacidade de auto-formação, desenvolvendo as necessárias acções de formação interna em
contexto de trabalho que realmente interessem e motivem o corpo docente, propondo a rea-

39
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO EXPERIMENTAL

lização de acções de formação ao centro de formação de professores a que pertence.


No domínio das condições humanas e materiais, quanto mais estável for o corpo docente
e melhor equipados estiverem os laboratórios, melhor se consegue responder aos desafios que
diariamente se colocam.
É fundamental que as escolas procurem, por todos os meios, estar equipadas de forma a
que possam desenvolver projectos verdadeiramente motivadores, tanto no desenvolvimento das
actividades normais de ensino-aprendizagem no âmbito disciplinar, como na implementação de
actividades científicas e culturais extra-curriculares.
Baseados nesta filosofia procurámos, na Escola Secundária Domingos Sequeira, estabele-
cer um modelo de acção que não é de curto prazo – no sentido de aproveitar este ou aquele
concurso – mas um modelo de acção consistente, duradouro, onde são interligados três tipos
de recursos: humanos, organizacionais e materiais.
No primeiro caso contamos com os professores de Físico-Química e de outros grupos dis-
ciplinares e, fundamentalmente, alunos. No segundo caso, temos planos de formação em con-
texto de trabalho, com especial ênfase para o ensino experimental e utilização de novas tecno-
logias na investigação, aprovados antes do início do ano lectivo se ter iniciado; organização dos
horários dos professores de Físico-Química, de forma a que exista um espaço semanal comum
para a formação e troca de ideias; criação do clube de Físico-Química, de forma a estimular, pela
via do método investigativo, a resolução de questões propostas pelos alunos e para as quais o
espaço curricular formal se torna insuficiente.
Finalmente, os meios materiais passam pelo desenvolvimento de todos os processos, de
forma a que existam laboratórios de Física e de Química equipados.
A Escola Domingos Sequeira e o seu grupo de professores de Físico-Química percorreram
um longo caminho antes de abraçar esta excelente iniciativa do Ministério da Ciência e da
Tecnologia, que é o Programa Ciência Viva.
Numa analogia agrícola, diriamos que depois de uma longa travessia no deserto, provo-
cada pela massificação e desinvestimento pós-25 de Abril, foi preciso preparar o terreno onde
as ciências experimentais podem florescer, sendo o programa Ciência Viva o fertilizante
necessário aplicado na altura adequada.
Começou-se por apresentar o projecto ao Centro de Formação de Professores de Leiria,
para a sua creditação junto do Conselho Pedagógico da Formação Contínua, precisamente para
se implementar a formação na modalidade de projecto.
Os objectivos inerentes a esta situação são: promover acções de formação em contexto de
trabalho com reflexo imediato no desenvolvimento curricular; possibilitar aos docentes a
aquisição de créditos de formação que precisam para a progressão nas suas carreiras. Refira-se
que esta última situação pode motivar mais alguns professores a aderir às actividades.
Saliente-se que no desenvolvimento de acções na modalidade "projecto" e "oficina de
formação" desenvolvem-se trabalhos com possibilidade de aplicação directa em termos curricu-

40
SESSÃO PARALELA

lares. Neste processo pode surgir uma dificuldade relacionada com a questão dos formadores.
Neste caso, ou o centro de formação procura os formadores dentro da sua carteira de for-
madores ou, o que não é difícil, algum dos professores da escola se inscreve como formador. No
nosso caso resolvemos o problema creditando 3 professores do grupo de Físico-Química como
formadores.
Acredito que em escolas mais pequenas possam surgir algumas dificuldades. A abor-
dagem da questão neste caso terá de passar, forçosamente, pelo dinamismo do centro de for-
mação, incentivando parcerias entre as escolas associadas. Refira-se que esta situação vai de
encontro às novas orientações do FOCO para os centros de formação, no sentido de se poten-
ciarem o exercício da formação em contexto de trabalho, precisamente através da modalidade
de "projecto" ou "oficina de formação".
Ultrapassada a questão da formação, passou-se ao desenvolvimento das actividades.
O modelo estabelecido foi o seguinte: realização de sessões práticas comuns para a ela-
boração de estratégias e de materiais, designadamente protocolos experimentais; a experimen-
tação de equipamento utilizado; coordenação de actividades; trabalho individual dos formandos
de acordo com as estratégias estabelecidas.
Foram desenvolvidas actividades no âmbito da cinemática, dinâmica, lançamento de pro-
jécteis, trabalho e energia, campos directamente relacionadas com o desenvolvimento curricular
das disciplinas de Físico-Química dos 10º e 11º anos e Física de 12º Ano.
Neste modelo de acção, e no âmbito do desenvolvimento do projecto, procurou-se trazer
à escola personalidades de reconhecida competência científica de forma a possibilitar a reso-
lução de alguns problemas, normalmente os relacionados com a utilização de novos materiais
de índole laboratorial ou informática.
Do que foi exposto depreende-se que se trata de um processo de formação centrado na
escola, que pretende estabelecer uma ruptura com a lógica anterior, em que as pessoas são for-
madas para agir, dando lugar a uma perspectiva de agir para formar, ou de formar-se agindo.
Desta forma potencia-se a capacidade de auto-formação interna e estabelecem-se parcerias com
outras pessoas, entidades, que nos podem ajudar.
O desenvolvimento deste processo, tendo em conta alguns meios utilizados – computa-
dores, sensores e interfaces – permitiu promover, de uma forma pragmática, o reforço da inter-
disciplinaridade entre a Física e a Matemática, em situação curricular e extracurricular, com o de
Físico-Química.
Esta situação foi explorada precisamente após a visita do Dr. Vitor Teodoro, integrada no
projecto de formação, o qual fez a ligação entre a experimentação assistida por computador e
a utilização da modelação através do programa Modellus.
O que se seguiu foi o desenvolvimento de acções de natureza interdisciplinar da Física,
Química e Matemática, integrando alunos do 10º Ano, 11º e 12º Ano. Estas acções consistiram
no seguinte: realização de actividades experimentais no domínio da cinemática utilizando o

41
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO EXPERIMENTAL

computador e sensores; exploração das experiências em termos dos conceitos físicos; impressão
dos resultados recolhidos sob a forma de gráfico; exploração dos gráficos por parte dos alunos,
com o objectivo de estabelecerem a equação matemática da função representada; confirmação
dos resultados utilizando o programa Modellus e/ou a máquina de calcular gráfica, procurando-
-se reproduzir o gráfico obtido por via experimental.
A avaliação dos resultados da implementação desta estratégia tem permitido o reforço do
ensino experimental, especialmente na área da Física. Aliás, não nos podemos esquecer que esta
situação nos é imposta pelos actuais curricula. Partimos do pressuposto que os curricula são para
cumprir e a experimentação também. Ao falar assim, parece que a experimentação não faz parte
dos curricula. Fazer, faz. Mas, por vezes, talvez por razões ponderosas, parece que não faz.
O desenvolvimento dos projectos centrados na escola e nos curricula tem-nos permitido
cumprir os mesmos porque nos põem a conversar uns com os outros e, ao fazê-lo, falamos sobre
as nossas experiências, os nossos sucessos, os nossos insucessos, trocamos materiais, ganhamos
tempo. Porque, afinal, muitas vezes o problema está no tempo.
A avaliação dos alunos é feita em termos normais, formativa e sumativa. A componente
experimental é avaliada de duas formas: através da análise do relatório elaborado pelos alunos
e através de questões de incidência experimental presentes nos testes sumativos. Refira-se que
estas questões são do tipo das que aparecem na componente experimental do exame de 12º
Ano de Física e que os relatórios têm um determinado peso na formalização da classificação
atribuída ao aluno no final de cada período, procurando-se utilizar critérios abertos e transpa-
rentes, para que os alunos possam melhorar o nível do seu próprio trabalho. A elaboração do
relatório é feita nos modelos tradicionais.
Dá-se algum relevo aos resultados experimentais e à crítica. Na questão da avaliação do
trabalho experimental, o ideal seria que os alunos fizessem diferentes tipos de trabalhos práti-
cos, experiências controladas e outras com uma metodologia mais investigativa.
Como muito bem se interroga a Drª Joan Solomon na sua comunicação preparada para o
Forum Ciência Viva II, "porque não estimular um determinado número de critérios diferentes
que devem ser atingidos por diferentes tipos de trabalho prático?". Infelizmente, neste ponto
estamos presos pelo curriculo, melhor, pelo tempo para o desenvolver. Assim, apenas tem sido
possível fazer experimentação mais controlada no sentido do aluno investigar seguindo o pro-
cedimento prático presente no protocolo experimental que lhe foi distribuído. Esta é uma visão
da realidade.
Em algumas situações de realização de actividades experimentais, houve alunos que le-
vantaram questões interessantes. Essas situações são remetidas para o Clube de Físico-Química,
procurando-se aí, de uma forma menos formal, investigar as questões com uma metodologia
mais investigativa.
Em jeito de síntese, pode dizer-se que houve um desafio: é necessário ensinar Ciência uti-
lizando a experiência. E diagnosticou-se ser preciso vencer a inércia instalada no sistema; a bar-

42
SESSÃO PARALELA

reira professor/equipamento; a estratégia de organização interna da escola como comprometi-


mento efectivo dos órgãos pedagógicos; um plano de formação; a criação do clube de Físico-
-Química e a implementação de uma forte dinâmica de formação em contexto de trabalho com
recurso ao centro de formação de professores e a personalidades de reconhecida competência
científica.
Houve aqui um acentuar de parcerias especialmente significativas que foram a Delegação
Centro da Sociedade Portuguesa de Física e o Departamento de Física da Universidade de Coimbra
e, no último aspecto referido, também a Universidade Nova de Lisboa, através do Dr. Vítor Teodoro.
Outro ponto que merece destaque é o concurso a projectos, designadamente ao Ciência
Viva, transformando-os em motores de acção do processo. Estes projectos têm servido para nós
como motor. Pegamos neles e é a partir deles que trabalhamos. Resultados? Ainda é cedo. Só
começámos há 3 anos, o que, em termos educacionais, é muito pouco tempo. Pelo menos
cumpre-se a componente experimental presente nos curricula, motiva-se mais a aprendizagem
dos alunos, isto de acordo com dados recolhidos informalmente no Clube de Físico-Química.
Espera-se que Portugal suba uns lugares nas estatísticas internacionais sobre o que os
alunos revelam saber sobre as ciências exactas e experimentais e essencialmente que se cumpra
o nosso lema "A Ciência é experiência".

DR. VÍTOR TEODORO


FCT, UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA
Usar tecnologias no ensino: para que é que isso serve? Há ou não há diferença? Há que
distinguir duas coisas e ambas têm algum sentido: aprender com as tecnologias versus aprender
sobre as tecnologias.
Sobre as tecnologias há quem diga que se aprende em disciplinas e há quem diga que se
aprende vendo. Há opiniões para todos os gostos. Eu penso que não há um modelo certo. Talvez
a única certeza é que, como na Ciência, só se aprende fazendo. Se não se fizerem experiências,
se não houver familiarização, não será com muitos cursos de Windows e de Modellus, de
NewCalc e de calculadoras que a pessoa irá aprender.
Eu conheço imensa gente, a começar pela minha própria casa, que tem imensos cursos de
Windows mas, ao fim de 3 semanas, já não sabiam formatar uma disquete. Precisamente pela
questão da experiência.
Com as tecnologias, é um mundo novo que se abre e penso que vale a pena ver alguns
exemplos. A começar com um de Matemática. Na Matemática também se podem fazer expe-
riências. Esta ideia de experiências na Matemática é muito antiga mas perdeu-se por razões
históricas. Tenho algumas ideias sobre o assunto, não sei se verdadeiras se falsas, mas a noção
de experiência na Matemática tem provavelmente um contexto um bocadinho diferente.
Vou mostrar aqui um pequenino exemplo do que pode ser uma experiência na Mate-

43
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO EXPERIMENTAL

mática. Escrevi uma equação com um determinado parâmetro. Digo que aquele parâmetro vai
variar entre 1 e 5 e agora quero ver o que é que acontece quando aquele parâmetro varia. Isto
é uma experiência matemática. Podemos ver o efeito daquele parâmetro, o que é que faz áquela
curva. Claro que há muitos outros tipos de experiências. Que tal se eu fôr medir a frequência do
meu assobio?
Conheço imensos professores de Física que nunca mexeram num osciloscópio e que, aliás,
têm horror ao osciloscópio.
Vou só mostrar um terceiro exemplo. Acho que este é um exemplo particularmente inte-
ressante que eu próprio demorei muito tempo a perceber. Só depois de fazer isto é que de facto
percebi. Escondi aquela parte de propósito. O que estão vendo? O Sol, a Terra, o planeta azul,
e Marte, o planeta vermelho. Dia 9 de Maio, Marte esteve o mais próximo possível da Terra.
Nesta posição ainda a Terra está dum lado do Sol e Marte do outro. A Terra está a aproximar-se
de Marte. Ainda não passou um ano em Marte. Marte e a Terra continuam a aproximar-se e
estão, agora, na distância mínima. Exactamente a 9 de Maio. Agora começam a afastar-se...
O problema histórico extremamente interessante e que deu origem a muitas coisas, é que
ninguém tem o dom de ir ver isto. Porque isto é visto de fora da eclíptica, de fora do plano Terra-
-Sol, o que é praticamente impossível. É, aliás, impossível de facto mesmo com a tecnologia
actual. Quando muito, é possível andar no plano da eclíptica e, portanto, ninguém consegue ver
isto.
O que se via eram os planetas a andar para trás. “Planeta” significa mesmo isso: um astro
vagabundo. Porque durante certos períodos do ano Marte anda para trás.
E se isto for observado mudando de referencial? Mudando de referencial, com a Terra
como centro, o Sol logicamente anda em volta da Terra. E Marte, este é o vector de posição de
Marte visto da Terra, está a afastar-se. Estão a ficar em oposição: Terra de um lado, Marte de
outro. Agora vão começar a aproximar-se. Aproximam-se, estão na distância mínima e agora
começam a afastar-se. Da Terra é isto que eu vejo: umas bonitas laçadas no céu.
Faz diferença ou não faz? Eu deixo ao vosso critério o fazer diferença. Gostava só de acres-
centar um pequeno pormenor. Poderão pensar "que matemática tão sofisticada que ali está".
É mentira. A matemática que aqui está é, nada mais nada menos, do que as equações
paramétricas da circunferência. A única ciência é o raio da órbita da Terra que se vê numa tabela
ou se procura numa enciclopédia. O raio da órbita da Terra e o de Marte. São ambos elipses mas,
praticamente, são circunferências porque a excentricidade é muito pequena. O período de
translacção da Terra toda a gente sabe que é de 365 dias. O de Marte é de 687 dias. Facilmente
se constrói um modelo destes.
O truque para mudar de posição é fazer aqui uma conversão de referencial, para passar a
ter o referencial em relação à Terra, que está a andar, e não apenas em relação aos outros re-
ferenciais.
Ora bem, quais são as diferenças principais? Não haja dúvida que eu posso trabalhar com

44
SESSÃO PARALELA

objectos concreto-abstractos. As circunferências com que trabalhei só existem na minha cabeça.


O computador deu-me possibilidade de trabalhar com elas como se fossem objectos. Em mani-
pulação directa posso fazer experiências com imensa piada. Por exemplo, mostrar que a
matemática da circunferência pode ser a mesma da elipse, do cair a direito e da matemática do
subir e descer.
Na ideia das múltiplas representações há o privilégio do formal, da forma da equação e, de
facto, trabalhar com uma equação é uma coisa que demora muito tempo. A possibilidade que a
tecnologia nos dá de trabalhar as equações sob outras representações é um poço sem fundo.
A ideia da medida e representação em tempo real – fazer aqui o nosso audioscópio e as
medidas da frequência, etc. – é uma coisa facílima de fazer com tecnologia de ‘trazer por casa’
e que abre a possibilidade de eu ser um criador em vez de um simples consumidor. Posso pôr ali
Marte a andar em volta da Terra, ou a Terra a andar em volta de Marte, com Matemática de 10º
e 11º Ano. Torno-me, de certa maneira, um criador de situações.
Finalmente, mas não por último, a Internet e as novas possibilidades de comunicação
fazem com que as pessoas possam, por exemplo, em 5 minutos, ir buscar uma imagem do que
será o próximo eclipse do Sol.
Quais são as dificuldades? Aqui é que as coisas se complicam porque, de facto, há sem-
pre uma desculpa: as condições organizacionais. Aqui, aliás, a culpa é sempre dos outros. Se a
educação dos professores não mudar, se as universidades não mudarem, nada muda.
É uma tristeza a forma como se ensinam hoje em dia Ciências e Matemática na universi-
dade. Eu costumo dizer que a única diferença é a tábua de logaritmos que, aliás, é uma dife-
rença para pior. Com a tábua de logaritmos sempre se podiam pôr umas cabulazinhas pelo meio
e agora é um aborrecimento: não se podem fazer umas cabulazinhas nas máquinas de calcular
porque não deixam usar as alfanuméricas.
Os exames, a avaliação, é terrível. A forma como os exames aparecem e como são feitos
torna-os claramente piores do que eram, por exemplo, nos anos 40 e 50 em temos de
abstracção e complexidade.
Nem é preciso ir tão longe. Por exemplo, os exames de Física ou Matemática são muito
mais difíceis. Se eu apresentar agora um exame de Física ou de Matemática de 12º Ano de 1980
a um professor experiente de 12º Ano, este diz "isto é facílimo". Alguma coisa está mal.
Concordo a 100% com a ênfase do Ministério da Ciência e da Tecnologia em dar acesso
à Internet nas bibliotecas escolares. Acho óptimo. Acho que devia haver o equivalente em pro-
dução de informação em suporte digital. A ideia dos laboratórios computacionais para Ciências
e Matemática é uma ideia que há-de ser de gerações. Mas é, claramente, uma ideia a médio e
longo prazo que, para as pessoas mais dinâmicas, se transforma num curto prazo. E com os
ordenados que os professores ganham, com os computadores que têm de comprar e com o
software que têm de "piratear" e as máquinas de calcular...
Pergunto-me: se a fábrica de celulose de Vila Velha de Ródão dá aos seus funcionários

45
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO EXPERIMENTAL

uma verba anual para comprar livros porque é que o Ministério da Educação não dá aos seus
uma verba anual para consumo cultural?
E o consumo cultural vai desde o software ao computador, passando pela formação.
Passando por muitas outras coisas e, claro, pelas máquinas de calcular... Agora é muito engraça-
do, as máquinas de calcular são obrigatórias, mas toda a gente sabe que se não tiver uma
máquina de calcular própria não tira proveito dela. No entanto, isso nunca foi contabilizado. Eu
já fiz as contas, é metade da verba do Foco por ano; uma bolsa decente, para consumo cultu-
ral, que poderia crescer com uma certa periodicidade. Claro que o nosso Ministro tem sempre
ajudas de custo e os nossos Directores Gerais ajudas de representação, portanto nem sentem
essa dificuldade, mas acho que devia haver uma grande pressão social para os funcionários do
Ministério da Educação terem uma bolsa de consumo intelectual.

46
Sessão Paralela
Trabalho experimental
no 1º Ciclo.
Que materiais para o ensino
experimental no 1º Ciclo?

Moderadoras:
Professora Isabel Martins
Professora Gabriela Ribeiro
SESSÃO PARALELA

Isabel Martins
Universidade de Aveiro

E sta sessão de trabalho está subordinada ao tema do trabalho experimental no 1º Ciclo:


que materiais para o ensino experimental. Pretende promover o intercâmbio de opiniões
entre os participantes; lançar algumas questões; recolher respostas com base em experiências
pessoais e/ou pelo contrário decorrentes dessas vivências; levantar e colocar novas questões que
constituirão elas mesmo desafios para intervenções no futuro.
O facto de estarmos hoje no início de uma sessão, no primeiro dia de uma sessão que
aborda um programa que tem três anos de vigência, num número crescente de escolas, é uma
experiência extremamente gratificante para todos aqueles que ao longo destes anos se foram
progressivamente envolvendo nela.
A questão "que materiais para o ensino experimental no 1º Ciclo", é muito abrangente e
desafiadora, porque pode ser encarada sob múltiplos aspectos. E sem querer ser exaustiva eu
vou ousar referir algumas das dimensões possíveis.
Numa primeira perspectiva podemos considerar como materiais os recursos escritos, isto
é, os textos, os livros de texto, os guiões para professores, os CD-Roms, os vídeos, os filmes, os
programas de computador. Podemos fazer uma leitura nesta perspectiva. Podemos porque o tra-
balho experimental não os exclui, aliás, precisa deles para suportar muita da informação que se
recolhe e que é a base do próprio trabalho experimental.
Mas também podemos olhar para a questão dos materiais do ponto de vista mais físico,
isto é, que modelos, que maquetes - por exemplo esta exposição é riquíssima em materiais dessa
natureza -, que kits didácticos, que materiais de uso corrente… Isto é, vamos fazer experiências
no 1º Ciclo à custa de materiais de todos os dias das nossas casas, ou, pelo contrário, há tam-
bém necessidade de adquirir materiais específicos para o ensino experimental?
E depois, que meios, isto é, que recipientes usamos, que máquinas vamos ter de impro-
visar: são coisas que usamos no quotidiano, por exemplo, material de desperdício, ou são coisas
compradas para fins específicos?
Isto é outra leitura que podemos fazer dos recursos. Mas também podemos ir mais longe
e podemos, por exemplo, perguntar: em que instalações é que vamos realizar o trabalho expe-
rimental, vamos usar as nossas salas de aula? Se calhar sim, porque não, mas poderemos ser
mais ambiciosos, podemos pensar que também no 1º Ciclo podemos ter salas próprias para o
ensino das ciências.
Poderemos nós ambicionar ter laboratórios de ciências no 1º Ciclo? E com que equipa-
mentos? E depois, como é que os alunos vão neles trabalhar? Vão trabalhar com as suas roupas

49
TRABALHO EXPERIMENTAL NO 1º CICLO

do dia-a-dia, ou também queremos ter roupas de protecção, por exemplo batas, equipamentos
específicos, luvas, óculos de protecção, material de segurança,…
Tudo isto são questões, áreas, temas que eu gostaria que os participantes pudessem vir a
abordar. São alguns dos aspectos sobre os quais podemos enquadrar a discussão de "que mate-
riais para fazer trabalho experimental no 1º Ciclo".

50
SESSÃO PARALELA

Gabriela Ribeiro
Universidade do Porto

Eu gostava de começar por vos dizer aquilo que vocês se calhar sabem melhor que eu, mas
acho que é importante referir que muita coisa mudou desde que começou o Ciência Viva nas
escolas de 1º Ciclo. De facto, o 1º Ciclo tem sido o "grande abandonado" mas nasceu alguma
esperança no 1º Ciclo, porque muitos materiais foram fornecidos e os projectos que surgiram
da parte das escolas foram apoiados. Penso que praticamente todos foram apoiados. E isso é
algo que nos estimula. Mas por falar em estímulo, obviamente que estas coisas, se não são
enquadradas e estruturadas, se tornam difíceis de continuar e de se manter de pé. Portanto,
quero também levantar mais algumas questões. A moderadora enumerou as questões, do ponto
de vista dos materiais, e penso que foi bastante exaustiva. Vou apenas acrescentar mais alguns
pontos que talvez também estejam relacionados com isto e que são também importantes.
A questão da formação dos professores, e também da coordenação dos projectos dentro
das escolas, eventualmente da especialização em determinadas áreas, neste caso concreto na
área das ciências, é um aspecto importante que pode dar força e suporte a todo este projecto.
Outras questões além das levantadas pela moderadora: materiais mais sofisticados, cadernos
experimentais de apoio, etc.; por quem é que eles serão feitos, de que forma é que eles hão-de
surgir, para que tipo de grupos, e que interdisciplinaridade dos trabalhos dentro do 1º Ciclo.
O 1º Ciclo é uma área de estudo em que de facto a interdisciplinaridade é fundamental e
isso é, talvez, das coisas mais entusiasmantes a nível dos vários níveis de ensino. Essa interdisci-
plinaridade, essencial à visão actual da Ciência, tem de ser muito multidisciplinar, embora seja
muito especializada.
Nós estamos muito habituados a trabalhar com materiais simples, materiais do dia-a-dia.
Mas eu não queria deixar de focar o aspecto de passarmos a usar também alguns materiais mais
sofisticados e concretamente o computador, inclusivamente no trabalho experimental. Nós sabe-
mos que em muitas das escolas existem os Nónios, existem, portanto, computadores que foram
adquiridos muitas vezes com o trabalho extra dos professores e penso que não têm sido muito
utilizados no trabalho experimental. Têm sido muito usados como processadores de texto e
agora, com os computadores ligados à Internet, para a comunicação, mas penso que é impor-
tante começar a pensar na utilização dos computadores no trabalho experimental, porque
actualmente a Ciência faz-se muito à base da instrumentação e se nós queremos uma ciência
contemporânea na escola temos de começar desde pequenos a utilizar os meios e as tecnolo-
gias que se utilizam actualmente na Ciência.
Não quero alongar-me mais, mas há dois aspectos que eu acho importantes. Um é o do

51
TRABALHO EXPERIMENTAL NO 1º CICLO

currículo: que currículo; como é que o ensino experimental das ciências se liga com esse cur-
rículo; e que currículos vão ser definidos. Diz-se que vai haver alterações de currículos e é impor-
tante pensar que currículos é que estimularão mais o trabalho experimental.
O outro aspecto é o da organização escolar: os professores manterem-se ou não se man-
terem de forma a dar continuidade aos projectos; a ideia da coordenação dos projectos poder
ser continuada dentro das escolas – e isso prende-se, obviamente, com a interligação do
Ministério da Educação e com todo este esforço que é feito pelo Ministério da Ciência –, tam-
bém é importante.
Portanto há aqui dois aspectos, mas ainda podemos pensar em mais, como a questão dos
agrupamentos e das novas gestões, que também tem muito a ver com o ensino experimental,
visto que poderá haver ligações com outros níveis de ensino e que fará pensar no ensino expe-
rimental numa perspectiva já mais vertical e de ligação. Como sabemos, há zonas do país, onde
os meninos vão para a mesma escola de 2º Ciclo. É importante essa ligação que às vezes não se
consegue fazer. Se calhar estou a levantar questões de mais, mas estava a tentar ser exaustiva
relativamente a esta problemática. Obrigado.

PEDRO SARREIRA,
ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DE LISBOA
Achei extremamente pertinentes as questões que foram lançadas para debate e gostava
de referir alguma experiência que tenho tido nos dois últimos anos Ciência Viva. A ESE tem tra-
balhado com algumas escolas de 1º Ciclo, 2º Ciclo, e este ano também de Ensino Pré-escolar.
Relativamente aos materiais, nós temos trabalhado essencialmente com materiais de uso
corrente e julgamos, até agora, que é a maneira mais fácil de trabalhar com crianças deste nível
de ensino, primeiro porque são materiais de fácil aquisição, depois porque muitas vezes são
materiais que nós deitamos fora, como garrafas de plástico, latas, sacos de plástico, etc, que per-
mitem fazer experiências com ar, com água, experiências de som, experiências de solos… São
imensas as experiências que se podem fazer com materiais de uso corrente.
É claro que há alguns materiais como ímans, fios eléctricos, lâmpadas, para fazer expe-
riências de magnetismo ou de electricidade, que requerem algum investimento. Portanto, é
impossível fazer trabalho experimental sem custos. Mas há muito material que tem praticamente
custos nulos, como é o caso dos materiais de desperdício que muitas vezes nós deitamos fora e
que podem ser usados para realizar diversas experiências. Essas experiências, embora sejam
referidas em alguns livros, exigem o apoio de uma explicação do fenómeno que ocorre (como
interpretar, etc.), que há-de ser trabalhada pelas crianças. Se a experiência é realizada e não há
um trabalho de discussão, cai um pouco no vazio e é entendida como uma espécie de magia
que aconteceu ali e não dá muitos frutos em termos de Ciência.
Relativamente ao computador, eu não sei até que ponto é que a sua utilização como apoio
ao trabalho experimental, ao nível do 1º Ciclo, é necessária. Não sei se isso não seria melhor para

52
SESSÃO PARALELA

níveis mais avançados, quer dizer, não vejo, pelo menos à partida, como é que se pode intro-
duzir o computador como auxiliar do trabalho experimental. Não digo que não possa ser uti-
lizado, mas à partida não estou a ver. Relativamente aos espaços, acho que isso é um problema
que se levanta e, nas escolas que têm trabalhado connosco, põe-se o problema de em que
espaços é que se realizam as experiências.
Algumas podem ser realizadas na sala de aula, mas é difícil ter todas as crianças a realizar
a experiência ao mesmo tempo e então o ideal seria ter um cantinho de experiências em que
quatro ou cinco alunos, de cada vez, pudessem fazer a experiência. Este ano houve uma escola
que propôs, e com sucesso, que quatro ou cinco crianças realizassem a experiência e depois
relatassem ao resto da turma as suas conclusões. De seguida todas as crianças faziam a expe-
riência, também em grupo. Há falta de espaços na escola para guardar os materiais e para
realizar o próprio trabalho experimental.
Todos os problemas que foram colocados, como a questão os professores se manterem ou
não na escola são realmente problemas concretos e reais. Aconteceu que pessoas que tinham tra-
balhado connosco o ano passado e que iriam trabalhar este ano deixaram de trabalhar connosco
porque mudaram de escola. Quanto à realização de textos de apoio, que é uma coisa que faz
imensa falta, põem-se aqui alguns problemas de tempo e de formação. Quem vai fazer esses tex-
tos de apoio e esses cadernos, em geral, são pessoas que têm aulas para dar. São professores ou
em universidades ou em escolas superiores. É um bocado complicado conciliar isto tudo.
Eu acho que aqui o Ministério da Ciência tem uma palavra a dizer, tem que arranjar pes-
soas para fazer este tipo de trabalho e libertá-las das suas aulas. É muito difícil, para quem tem
a sua carreira como docente conseguir, ao mesmo tempo, fazer textos de apoio, fichas, ou
cadernos. O que acontece é fazerem-se algumas actividades mas não é um trabalho perma-
nente. São algumas actividades, apenas. A maior parte do tempo as pessoas têm de estar a tra-
balhar para as suas aulas. Muito obrigado.

MARGARIDA MÓNICA,
ESCOLA Nº 4 DE AVEIRO
Em relação aos materiais relatados pela Drª Isabel, coordenadora do projecto Ciência Viva
da Universidade de Aveiro, do qual nós fazemos parte, julgo que, realmente, sem algum mate-
rial específico, eu não teria realizado algumas experiências que fiz, porque o material do quo-
tidiano não dá para tudo. Veja-se o exemplo da experiência que veio para o Forum, a da análise
de uma gota de sangue, proposto por uma criança. Inicialmente experimentámos com uma lupa
mas não se viu nada. Se não tivéssemos microscópios fornecidos pelo Ciência Viva, nunca
teríamos feito um trabalho interessantíssimo que fizemos a partir dessa análise, porque inclusi-
vamente tratava-se de uma gota de sangue de uma criança negra, a única que temos na sala. E
concluímos que há "fantasmas" dentro das crianças, como nós adultos também os temos.
Quem ler o texto do Forum vê que fui eu que piquei o dedo, para que não o picassem elas, e

53
TRABALHO EXPERIMENTAL DO 1º CICLO

elas observaram e concluíram. Realmente o microscópio foi fundamental. As experiências devem


ser feitas, umas com material do quotidiano, outras com material específico.
Desde muito cedo, as crianças respeitam o material, sabem as regras que devem conduzir.
Nunca tivemos qualquer incidente com material. Em relação à sala de experiências, eu tenho
uma grande dificuldade em realizar as experiências na minha sala, porque tenho regime duplo
de manhã, e outra colega desdobra comigo. Com uma sala cheia de meninos doutro ano – e
ela não faz parte do Ciência Viva – o que acontece muitas vezes é que tenho de arrumar o mate-
rial e, como não tenho uma sala, tenho de o por num armário, para que no dia seguinte seja
retirado. Eu acho fundamental que haja uma sala, um espaço disponível, uma sala de experiên-
cias, um mini-laboratório. A sala de experiências é fundamental.
Em relação ao Ciência Viva, desde que estamos neste projecto, os meus alunos têm apren-
dido muito mais. São tão entusiastas a fazer as experiências que não me largam. Há dois anos só
que estou no projecto e foi óptimo para as crianças. Penso que lhes deu outra visão, outro crescer.
Em relação ao computador, nós ainda não conseguimos arranjar um. Para processamento
de texto penso que é fundamental, tudo o que eu faço, tal como as outras colegas, é à mão,
mas não sei como utilizá-lo no trabalho experimental. Se fosse possível gostaria de saber.

GABRIELA RIBEIRO
Já agora respondo a essa questão. Nós podemos usar o computador. Vou dar só um exem-
plo concreto: temos uma actividade proposta, no nosso projecto, em que os alunos estudam os
termómetros e portanto estudam o estabelecimento do equilíbrio térmico. Vão medindo a tem-
peratura ao longo do tempo, por exemplo, e depois traçam os gráficos para o estabelecimento
do equilíbrio térmico. Ora o computador estaria ligado a uns sensores que são termómetros. E
construiria gráficos em que os meninos poderiam ter a variação de temperatura ao longo do
tempo, e o estabelecimento de equilíbrio térmico. Tudo isto com uma vantagem: fazer isso
quando não estam presentes, à noite, sem os meninos estarem presentes. Outro exemplo tem
a ver com os projectos interdisciplinares que depois têm um tratamento matemático.
Foi referida a questão da interdisciplinaridade. Acho que somos uns privilegiados no 1º
Ciclo, devido à monodocência. Aí podemos realmente fazer essa interdisciplinaridade; não sei se
acontece nos outros. Obrigada.

ASCENÇÃO,
ESCOLA DA MAIA
Há dois anos que a nossa escola está ligada ao Ciência Viva, através da Drª Gabriela
Ribeiro. Claro que nem toda a escola está envolvida – tem 18 turmas no 1º Ciclo – mas há um
grande grupo que participa.
Quando pedi para intervir não queria falar sobre o aspecto do computador, mas gostaria
de acrescentar, relativamente aos termómetros, que algumas turmas do 4º e do 3º ano fizeram

54
SESSÃO PARALELA

o trabalho de estudo da temperatura durante dois meses com os termómetros de máxima e de


mínima que nós adquirimos pelo Ciência Viva.
E tiveram um papel, um efeito sobre as crianças, de muito maior descoberta do que se
fosse propriamente por meio de um computador. Esta fase em que elas viram a temperatura
subir e descer, às 8, às 12, às 14, e às 16 horas, quatro registos diários, deu para elas próprias
poderem verificar a mínima e a máxima, e fazer os vários registos. Foi o momento de aprender
a traçar o gráfico, quer de barras, quer em linhas, e sem computador.
Outro aspecto que realmente me levantou alguma interrogação foi o do currículo. Não sei
propriamente o que a Drª Gabriela quis levantar quando pôs a questão. Quando eu penso em
currículo penso no programa que temos para dar ao nível do 1º Ciclo, e no que queremos que
as crianças saibam. Essa, se calhar, é uma fobia que entra na cabeça de muita gente, e que se
calhar leva muita gente a evitar gastar mais duas horas por semana a fazer algumas experiências.
Na minha turma, e em outras, a Terça-feira é o dia de ir experimentar, de fazer experiências de
Física ou de Química, ou numa horta que temos. Muitas colegas têm o problema do programa
para dar e por isso levantam muitas questões: "Vamos fazer experiências e as crianças gostam
muito, mas depois não temos tempo para as outras coisas". Causa alguma angústia.
Por outro lado, alguns professores não sabem fazer algumas coisas. Eu sou professora do
1º Ciclo mas, antes de tirar o curso, fiz o 7º Ano, alínea F. Portanto, eu já tinha feito experiên-
cias de física, botânica, mineralogia. Entrar agora nas ciências experimentais e trabalhar com
crianças é uma coisa que não me custa, que me dá prazer. Para outras colegas, que não têm
essa aptidão, não é tão fácil assim. E se calhar é importante que haja alguém muito disponível
para fazer coordenação e para implementar algum trabalho, entre as turmas, os materiais que
são necessários, as saídas à horta, etc.
Relativamente aos textos, é bom que sejam produzidos por algém com conhecimentos
superiores mas não é suficiente fazê-los sozinho, porque quem está na base e sabe como lidar
com essa criança tem uma experinência que é preciso ter em conta. Tem de haver participação
dos dois elementos.
Nós fizemos muitas experiências sobre a água. Nessa linha começámos a pensar numa visi-
ta a uma barragem. Juntámos todos as cinco turmas do 4º ano, fomos a Crestuma, e tivemos a
felicidade – não estávamos a contar – de ver um barco a entrar na eclusa. Estudámos o sistema
dos vasos comunicantes e fizemos essa experiência. Agora andamos a estudar a electricidade.
Tudo isto dá muito trabalho mas é motivador. É isto que eu queria dizer.

LUCIANA TRAQUEIA,
PROFESSORA DE FÍSICO-QUÍMICA NA ESCOLA INTEGRADA DE EIXO
Este ano, por circunstâncias ocasionais, estou a colaborar no projecto Ciência Viva com os
professores do 1º Ciclo, concretamente com uma professora. Colaboro a nível de coordenação
de actividades e a tirar algumas dúvidas científicas que a colega tem. E a experiência foi muito

55
TRABALHO EXPERIMENTAL NO 1º CICLO

rica, também a mim me fez muito bem. Pelo facto de ir aos níveis mais baixos aprendi coisas a
que muitas vezes não ligava. Foi muito útil essa colaboração.
Em relação à carência de materiais eu penso que seria uma boa opção a colaboração com
os professores do 3º Ciclo, porque nós temos, felizmente, muitos materiais e temos espaço,
temos laboratório. Poderia haver colaboração com os professores do 1º, do 2º, do 3º Ciclo. Isso
resolvia alguns problemas, porque me parece importante a utilização de materiais mais científi-
cos. Não me parece que só uma garrafinha chegue. Os alunos gostam de coisas sofisticadas,
gostam mais de ver coisas mais elaboradas. Eles têm muitas solicitações no dia-a-dia e gostam
de trabalhar com o computador, de ver as ligações eléctricas… São materiais que o 1º ciclo não
tem condições de adquirir mas, em colaboração com o 3º Ciclo, parece-me que os professores
podem fazer muitas outras actividades. Obrigada.

MEMBRO DA ASSEMBLEIA
Sou professor do 1º Ciclo no Agrupamento de Escolas do Fujacal, de Braga. No ano pas-
sado iniciámos o Programa Ciência Viva na escola. No ano anterior, 96/97, tínhamos uma cole-
ga que numa escola com 12 turmas fez umas coisas engraçadas. E quando nos foi lançado o
desafio de implantar o projecto com força na escola, achámos que devíamos responder a esse
desafio e levámos isso para a frente, com a colaboração da Drª Gabriela. Aceitámos o projecto
porque acho que as solicitações que são feitas aos nossos alunos são muito grandes.
Eles têm segas, televisões a cores, computadores enquanto as escolas têm espaços – qua-
tro paredes – onde o professor sente uma dificuldade tremenda para comunicar seja o que for.
E e a dificuldade é ainda maior se aquilo que se pretende comunicar é uma comunicação ver-
bal, sem nada que estimule. Neste sentido entendo que o projecto Ciência Viva vem, de certa
maneira, agarrar os nossos alunos para que nós consigamos motivá-los e despertar-lhes algum
interesse.
No caso do Agrupamento do Fujacal, que engloba uma escola do 1º Ciclo e Pré-primária,
estamos a desenvolver o projecto ao nível do 1º Ciclo, mas estamos já a fazer um estudo, e
temos reunido periodicamente com uma equipa para que, no próximo ano, possamos desen-
volver o Ciência Viva também na pré-primária. Acresce dizer que concorremos ao projecto so-
zinhos, portanto temos uma verba disponibilizada só para nós, e no próximo ano daremos con-
tinuidade ao projecto tentando abranger já a pré-primária.
Daquilo que os colegas disseram, eu queria salientar alguns aspectos, nomeadamente em
relação à utilização do computador. A primeira intervenção que eu ouvi dizia que a utilização
do computador era interessante mas talvez numa faixa etária mais elevada. Da experiência que
tenho, apesar de ser curta, parece-me que talvez seja exactamente a faixa etária para começar
a trabalhar com os miúdos no computador. Eles têm uma sensibilidade muito grande em ter-
mos de utilização do computador. Eu tenho dois filhos e eu fiz um curso de 60 horas. Sou um
leigo a mexer naquilo. Ora os meus filhos, depois de eu ter comprado o computador, passados

56
SESSÃO PARALELA

três ou quatro dias, sabiam muito mais do que eu. A minha filha tem sete anos e o meu filho
nove. Penso que é a idade ideal para se começar a mexer no computador. Mas isto levanta ou-
tras questões: há computadores nas escolas? Há apoio para se poder trabalhar com os com-
putadores?
Outro aspecto focado foi o da vinculação dos professores. É uma situação preocupante,
porque eu o ano passado no meu agrupamento de escolas tive 11 professores a fazerem Ciência
Viva. Desses 11, cinco mudaram de escola e eu consegui apanhar, dos novos que vieram, dois,
o que significa que os outros ficaram de fora.
Quando nós pretendíamos uma certa evolução, houve diminuição de pessoas a desen-
volver o projecto e isso tem a ver exactamente com a vinculação dos professores aos seus locais
de trabalho. Isto leva-nos a pensar na disponibilização de um coordenador para o projecto
Ciência Viva, que é extremamente importante para dar o apoio.
Um outro aspecto que aqui foi focado foi o do programa. A colega colocava a questão de
"se eu desenvolvo o projecto Ciência Viva, se desenvolvo actividade experimental, fica-me a
outra matéria para dar". Eu não tenho essa visão. Penso que quando estava a fazer Ciência Viva,
e ao procurar aqui a interdisciplinaridade, nós estamos a complementar as diversas áreas, para
além disso podemos ir mais fundo e até por arrasto vamos buscar as outras matérias. O que falta
aqui, na minha perspectiva, é informação e formação, no sentido de nos conseguirmos articu-
lar num trabalho inicial, logo no princípio do ano, com todos os conteúdos de maneira que pos-
samos interligá-los e desenvolver o projecto na sua globalidade.
O último aspecto que eu quero focar é a falta de espaços. Eu sou de uma zona onde o
ratio de aluno por escola é 2,5, quando a média devia ser, salvo erro, 1,3. Temos escolas que
foram construídas para 400 alunos, e têm 1800. Lutamos com uma grande dificuldade de
espaços.
Não tenho dúvida que desenvolver projectos Ciência Viva numa sala apropriada seria o
ideal. Numa sala onde todo o material estivesse disponível, e onde os meninos tivessem acesso
a tudo, a informação e a comunicação seriam muito mais sólidas. No meu entender o espaço é
fundamental.

TERESA PIRES, AVEIRO


A minha intervenção prende-se com o aspecto da vinculação de professores. Concordo
com a visão que tem sido aqui dada, mas por outro lado também sinto que, por vezes, a mobi-
lidade dos professores pode contribuir para "incendiar" ânimos noutras escolas. Estou a dar este
meu testemunho porque eu estou no Ciência Viva há três anos, um ano em cada escola. O que
acontece é que no primeiro ano, ano de lançamento, deixámo-nos inflamar muito por estas
situações de Ciência Viva. A escola onde eu trabalhei ficou inflamada. E continuou entusiasma-
da depois de eu sair. No ano seguinte todos os professores aderiram ao Programa. E com a
minha mobilidade para outra escola que não tenha sido abrangida no ano anterior, consegui

57
TRABALHO EXPERIMENTAL NO 1º CICLO

passar o testemunho na escola onde fui colocada e "incendiámos" mais três professores. Esses
professores continuaram entusiasmados e este ano eu vou ficar numa escola onde já havia
Ciência Viva. Portanto, eu sinto que o importante é o "bichinho" ficar dentro de nós. Não acho
que seja assim tão importante existir um coordenador, porque o rótulo coordenador pode
deturpar um bocadinho as coisas. O mais importante é haver formação e informação junto dos
professores e nós próprios deixarmo-nos entusiasmar e não negarmos aquilo que é natural, que
é o desenvolvimento das ciências nas escolas do 1º Ciclo.

ISABEL MARTINS
Permitam-me que faça o ponto da situação. Houve intervenções muito importantes. As
questões que, de uma maneira assim um tanto cautelosa, procurei lançar tiveram algum eco junto
dos colegas. Houve temáticas que foram, de facto, abordadas por quase todos, nomeadamente:
ensinar ciências pela via experimental, com que meios, com que livros, com que textos de apoio,
com que recursos materiais, com que equipamentos e onde, com que espaços…
É possível, de facto, fazer experiências no 1º Ciclo, bem como nos outros ciclos, com
equipamentos de uso corrente, mas há coisas que não podem ser feitas e foram aqui evocadas.
Recordo que muita gente tem do conceito de termómetro apenas o conceito de termómetro
clínico. E quando são confrontados com um termómetro de laboratório julgam que o mercúrio
se desloca na escala e que é preciso sacudir, como se faz com o termómetro clínico. Portanto a
existência de termómetros para uso laboratorial no 1º Ciclo é de facto fundamental. A questão
do equilíbrio térmico passa logo pela utilização do termómetro. Mas é preciso microscópios, é
preciso termómetros, é preciso balanças… Em muito da experimentação que nós queremos
fazer, se não tivermos uma medição de massas também não podemos tirar uma conclusão.
Em relação à questão dos espaços, eu acho que agarraram nela duma maneira fantástica.
Os professores do 1º Ciclo têm de ser ambiciosos e não podem ser nem conformistas nem con-
formados com aquilo que têm. Temos de saber exigir, mas para podermos exigir temos de saber
o quê e temos de ter fundamentos para o fazer. E só podemos exigir se formos capazes de
mostrar trabalho a esse nível. Quem nunca fez nada pode socorrer-se da opinião dos outros e
dizer que nunca fez porque precisa disto e daquilo. Mas se for capaz de mostrar que já fez algu-
ma coisa e que pode ir muito mais longe se tiver outros recursos, então não haverá nenhum se-
nhor político, culto do ponto de vista científico, que seja indiferente a essa exigência, a esses
comentários.
Penso que o Programa Ciência Viva, ao longo destes anos, facultou aos professores os fun-
damentos científicos para serem exigentes a respeito dos meios e dos recursos que julgam hoje
indispensáveis numa escola do 1º Ciclo.
Ainda ninguém fez qualquer comentário sobre a questão dos equipamentos de segurança.
Eu gostava de desafiar os presentes para ver se alguém tem alguma experiência engraçada para
relatar sobre isso e o que é que pensam efectivamente: se é preciso medidas especiais, ou se isso

58
SESSÃO PARALELA

é uma questão menor, se aquilo que a gente faz no 1º Ciclo não é, afinal de contas, tão perigoso
que necessite de uma protecção especial, ou se, pelo contrário, a tivéssemos poderíamos ir
mesmo mais longe. Quem desejar pode intervir.

MEMBRO DA ASSEMBLEIA
Eu ponho aqui a questão de segurança em termos de saúde, por exemplo relativamente
aos termómetros nós tivemos. Não foram as crianças que os partiram, mas apareceram partidos
três termómetros.
Eu não sei exactamente qual era o efeito. Foram as crianças as primeiras a dar conta do
termómetro partido. Eu não os deitei fora. Recolhi-os com papel de alumínio. Não sei se fiz bem,
se mal. Tentei isolar aquilo, mas reconheço a minha ignorância. Penso que pode haver algum
risco para a saúde, nestes casos, com coisas tão elementares que podemos eventualmente ter
na nossa casa. Como é que nós professores deveríamos ter procedido nestas circunstâncias?

GABRIELA RIBEIRO
Os termómetros que vocês têm não são de mercúrio. Tivemos esse cuidado, de não serem
de mercúrio. E quando vocês estão a trabalhar com os termómetros e, por exemplo, com cir-
cuitos eléctricos, que usam todos aqueles cabos, etc., e cujos fios que podem magoar os olhos,
vocês costumam usar óculos?

MEMBRO DA ASSEMBLEIA
Ainda não temos os óculos; ainda não chegaram. Na parte da electricidade, quando nós
estivemos na barragem, o técnico que nos recebeu fez referência à passagem da corrente.
Quando ultrapassava ou atingia os 48 volts já era um risco para a saúde. Como a corrente que
nós estamos a produzir é inferior a isso, só se com alguma engenhoca de algum conseguirmos
alguma coisa que não esteja bem.
Neste momento, penso que o meu recurso será o meu marido que é eng. electrotécnico.
Neste momento já lancei uma pista para construir alguma coisa que possa dar informação, para
depois estender às colegas que queiram fazer. Tenho pouca infromação sobre electricidade e
reconheço que a formação de que há pouco se falava é muito importante. A partir de determi-
nado limite nós não temos mais para fornecer e desconhecemos os riscos. Os professores que
estão a ser formados devem ser formados nesta área.
Este ano, como entrámos em agrupamento, temos na escola uma colega que está na
minha turma. É o primeiro ano que trabalha e está a ser envolvida neste trabalho da ciência
experimental. Está a gostar imenso, mas ela diz: "No ano passado, no estágio, não fiz nada".
Ela admite que não sabe fazer. Eu já tirei o curso há 25 anos. Quem está a sair agora está noutra
perspectiva, tem outros aliciantes. É importante, muito importante, que esta formação comece
já, de base.

59
TRABALHO EXPERIMENTAL NO 1º CICLO

PEDRO SARREIRA,
ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DE LISBOA
Acho que não me expliquei muito bem na primeira intervenção, nomeadamente relativa-
mente aos computadores no 1º Ciclo, e em relação à realização de textos de apoio ou materiais
para a formação de professores.
Relativamente aos computadores, eu sou um adepto incondicional dos computadores, e
quando eu me referi que talvez fosse um pouco cedo no 1º Ciclo, era relativamente aos com-
putadores como auxiliares do trabalho experimental. Mas a Professora Gabriela já referiu dois
exemplos de utilização dos computadores. Concordo que, nesse aspecto, será uma óptima
altura para introduzir os computadores.
Relativamente aos computadores, seja como processador de texto, seja como suporte para
actividades multimedia, utilizando jogos e programas educativos, CD-Roms, etc. acho que é uma
ferramenta fundamental no ensino actual, não só das ciências mas de todas as áreas. A idade
do 1º Ciclo é a idade ideal para introduzir o computador, ou pode ser ainda mais cedo.
Relativamente aos textos de apoio, na minha experiência de Ciência Viva, na Escola
Superior de Educação, tenho tido oportunidades de trabalhar com alguns professores do 1º
Ciclo. E tenho tido oportunidade, também, de ver registos desses mesmos professores, de
alguns educadores e de professores do 2º Ciclo. E embora haja uma boa percentagem de pro-
fessores que explora as experiências correctamente e portanto dá informações correctas às crian-
ças, tenho vistos alguns registos, não muitos felizmente, em que a exploração está mal feita, em
que há respostas erradas, como por exemplo, "uma pedra vai ao fundo porque é mais pesada
do que a água" e não "porque é mais densa do que a água". Então eu digo: "E se for 1m3 de
água e uma pedrinha pequenina, será que a pedra ainda é mais pesada que a água?" E como
este exemplo, há muitos em que os professores exploram erradamente as experiências. Neste
sentido eu acho que a formação dos professores terá de ser feita por quem tem muito à-von-
tade em todos estes assuntos da Ciência, e a realização destes textos de apoio não pode ser feita
só por pessoas da universidade, nem da escola superior, ela terá sempre que contar com o tra-
balho dos professores que estão no terreno, porque eles é que conhecem as crianças e sabem
até onde é que elas conseguem ir, sabem as suas dificuldades, etc. Mas terá que contar, tam-
bém, com pessoas que tenham a formação. Acho que equipas de vários níveis, em vez de multi-
disciplinares, seria o ideal. Lanço aqui o repto, ao Ministério, de criar algumas equipas para pro-
duzir materiais que pudessem ser distribuidos às escolas, bem como kits de experiências.
O que nós temos tentado produzir lá na escola são kits, caixinhas que nós comprámos no
supermercado, em que introduzimos os materiais que são necessários para cada experiência, e
uma ficha com o procedimento experimental. Este tipo de materiais existe tão pouco… Era
importante e iria facilitar muito o trabalho dos professores nas escolas.
Relativamente à segurança, em tudo o que temos feito para o 1º Ciclo temos tido um
grande cuidado. Fazemos experiências em que não há muitos riscos.

60
SESSÃO PARALELA

Quando há qualquer coisa que é preciso aquecer, esse aquecimento é sempre feito pelo
professor e não pela criança; trabalhamos o mínimo possível com vidros e mais com plástico.
Temos tido muito cuidado, mas eu julgo que é a idade adequada também para começar a intro-
duzir as regras de segurança. Obrigado.

CACILDA FERREIRA,
ESCOLA SECUNDÁRIA DE LEIRIA.
Não tenho experiência no 1º Ciclo mas de qualquer modo eu gostava de deixar aqui uma
experiência que nós tivemos na minha escola acerca da formação de professores.
A formação de professores em áreas científicas parece-me uma coisa muito complicada de
adquirir, e neste sentido na minha escola o que fizemos foi um projecto de formação científica
específica na área da Química. Apresentámos o projecto de formação sob a forma de Ciclo de
Estudos ao Centro de Formação de Professores. Arranjámos o formador e fizemos funcionar um
Ciclo de Estudos, em que, ao mesmo tempo que fazíamos as experiências, fomos construindo
um caderno de trabalho experimental adequado ao nosso nível de ensino e de trabalho. O
caderno foi elaborado e discutido, com os professores suficientemente formados, para depois o
implementar e o tratar com os alunos. Parece-me uma ideia a aproveitar e, por isso, eu não quis
deixar de a expor. Relativamente à segurança, eu acho fundamental introduzir essas questões
logo nos alunos mais pequeninos, porque isso implica incutir rigor na realização das experiên-
cias. Parece-me fundamental.
Acerca do computador, penso que as duas linhas que foram defendidas são perfeitamente
conciliáveis. É fundamental que os alunos construam o gráfico, como foi dito, mas também
podem fazer registos através de computador depois fazer o estudo comparativo e a discussão
dos resultados obtidos pelas duas vias.

GABRIELA RIBEIRO
Relativamente à formação, acho que temos de a procurar recorrendo a outras linhas de
apoio. A formação é apoiada concretamente por outras linhas diferentes do Ciência Viva e
penso que devemos recorrer a elas e conjugar os dois aspectos para podermos ter a formação,
como a colega falou há bocado, no Ciclo de Estudos ou noutros projectos.
Relativamente à segurança e concretamente na questão dos circuitos eléctricos, que faz
parte do programa do 4º ano de escolaridade, como todos sabemos, trabalhámos só com pi-
lhas, mas é óbvio que os miúdos têm tendência a perder o medo da electricidade que tinham
antes, e então podem resolver: "Vamos fazer experiências em casa". E uma das questões fun-
damentais que nós colocámos nas nossas fichas de actividades foi alertar os miúdos para os peri-
gos de utilização da electricidade em casa. Nem tudo são pilhas. Interpretar os sinais relativa-
mente a esses aspectos, como o de perigo de morte, é fundamental.
Outro aspecto de que nós falámos foi a questão da ligação das crianças à família no que

61
TRABALHO EXPERIMENTAL NO 1º CICLO

diz respeito a actividades científicas. Nós estimulamos muito o trabalho de casa, que consiste na
realização de algumas actividades que podem ser feitas em conjunto com os pais e que pode
levar, por outro lado, a que os pais também se interessem por estas coisas. No fundo, as crianças
acabam por ser um veículo de divulgação científica e de interesse pelas questões da Ciência para
os próprios pais, além disso permitir uma ligação mais forte entre pais e filhos. Este é outro
aspecto a que devemos dar atenção.

ISABEL MARTINS
Seria interesssante que alguém se pronunciasse sobre a questão da formação inicial de
professores. Há aqui algumas pessoas experientes da formação inicial de professores e que se
calhar poderão dar algum testemunho pessoal sobre essa questão.

OLGA SARAIVA,
AVEIRO.
Tenho tido grupos de estágio de professores de 1º ciclo. Acho que, realmente, na for-
mação inicial existe alguma falha porque as futuras professoras trazem muitas dificuldades a
esse nível. Essas falhas poderiam ser colmatadas, pois elas estão dentro da universidade e pode-
ria ser dado algum ensino, algum caminho, que as pudesse ajudar nesse trabalho futuro.
Logicamente elas ainda estão a ser formadas no estágio, mas é essencial uma formação inicial,
facultada pela universidade, para que se possa caminhar nesse sentido. Obrigada.

FERNANDA COUCEIRO,
PROFESSORA DO 1º CICLO, ASSISTENTE CONVIDADA NA UNIVERSIDADE DE AVEIRO
O facto dos professores do 1º Ciclo estarem nesta fase com muitas dificuldades no ensino
das ciências significa que no seu percurso não tiverem formação para isso. Mas estamos todos
empenhados em andar para a frente, em termos os conhecimentos suficientes para que a apren-
dizagem dos nossos alunos seja uma realidade. É evidente que os professores do 1º Ciclo têm
um leque enormíssimo de preocupações que não é só do ensino das ciências. Mas o ensino das
ciências faz parte de uma cultura. E só se é culto quando também se é culto cientificamente.
Essa cultura tem de começar na escola e a escola pode ser o veículo para chegarmos às próprias
famílias.
Por outro lado, a formação inicial tinha sido feita, até aqui, ao nível do bacharelato.
Portanto, havia muitas lacunas. Com a investigação ao nível do ensino das ciências a dizer que
cada vez é preciso começar mais cedo, também os professores do 1º Ciclo, e os educadores de
infância, devem ficar incluídos no processo, porque no Jardim de Infância já se pode fazer muito
de ensino e de trabalho nas ciências de modo a levar as crianças a ter gosto por esta área.
Eu só posso falar da Universidade de Aveiro, onde a formação dos Professores do 1º Ciclo
e dos Educadores de Infância deixou de ser bacharelato para ser licenciatura. Os curriculos foram

62
SESSÃO PARALELA

revistos, e há um processo completamente diferente também na formação ao nível das ciências.


Por outro lado, os professores do 1º Ciclo têm as ciências numa perspectiva integrada,
porque todas as áreas vão culminar no Estudo do Meio: Física, Ciências da Natureza, Química,
Geologia… É nesta dimensão que nós temos o Ensino das Ciências. Para além disso, temos a
Didáctica das Ciências e temos uma outra vertente que é a dos Projectos Educativos em Ciências.
Portanto, não se trata de um projecto educativo de escola, mas de um projecto educativo
em ciências; tem uma outra dimensão; é diferente. Certamente só daqui a uns anos vamos ter
frutos desta formação. Todos estamos à espera da nova vaga que vem encher as nossas escolas
e dar-nos força para que as nossas crianças tenham sobretudo esta força, esta vida e esta von-
tade que nós vimos lá fora, porque onde nós víamos crianças, íamos mais depressa e todos
percebíamos melhor aquilo que eles tinham para nos dizer. Obrigada.

MANUELA
Eu gostava de ser optimista como a Fernanda, mas realmente não posso ser, porque acho
que efectivamente é um grande esforço fazer-se qualquer coisa a nível da formação inicial. Estou
na formação de professores do 1º ciclo, e, de facto, acho que salvo honrosas excepções, o ensi-
no das ciências no 1º ciclo está mau. Mas também acho que não é só no nosso país. Se fosse
só no nosso país, se calhar o problema até não era assim tão grande.
O problema é que não é só no nosso país e penso que, de facto, no 1º ciclo, as questões
são muito complexas.
Por outro lado, não gostaria que se passasse agora a considerar que na formação dos
meninos, só são importantes as ciências. Vejo com imensa apreensão, por exemplo, o facto de
na minha universidade, o currículo estar mauzinho em ciências, mas está péssimo em
expressões. E é fundamental a área das expressões com crianças destas idades. Há muitas áreas
que são importantes.
E também acho, como aqui foi dito, que as pessoas têm de sentir segurança e têm de
saber cientificamente o mínimo. É muito perigoso começarmos a julgar que temos de saber
todos muita ciência para despejar em cima dos meninos. Aí, e peço desculpa Isabel, eu tenho
algumas reticências. Percebo onde queres chegar, mas tenho algumas reticências em relação aos
materiais. Também acho que é importante ter um microscópio, e ter o termómetro, mas se ca-
lhar sem o microscópio, sem o termómetro, em alguns sítios cria-se gosto pela ciência. E noutros
sítios com muitos termómetros e muitos microscópios fica-se a detestar a ciência.
O meu pressuposto é que o fundamental é, de facto, a formação dos professores, no sen-
tido de os fazer ter gosto e sentir um mínimo de segurança. E tanto acho que é assim que é com
imenso prazer que eu vejo aqui tantos professores de Aveiro, tão empenhados. Acho que tem
a ver, também, com a formação que receberam e que os faz sentir seguros, e recorrer às pes-
soas que estiveram a trabalhar não para os professores do 1º Ciclo mas com os professores do
1º Ciclo.

63
TRABALHO EXPERIMENTAL NO 1º CICLO

MEMBRO DA ASSEMBLEIA
Estive no Forum do ano passado e, tal como este ano, tive oportunidade de me aperceber
que o Forum é visitado por imensas crianças. Isso satisfaz-me bastante porque é para elas que
trabalhamos.
Mas levanta-se outra questão. Penso que o Norte faz muita Ciência Viva. Seria importante
que se descentralizasse o Forum. Sem querer fazer divisionismo entre Norte e Sul, seria bom que
se desse oportunidade às crianças do Norte de poder visitar uma exposição deste género.
Era para mim um ponto de honra pôr as crianças a fazer Ciência Viva num Forum deste
género, mas seria muito caro trazê-las aqui. Acabei por deixá-las lá. Daí eu entender que tam-
bém o Norte deveria ter direito a um Forum para estímulo das nossas crianças.

ISABEL MARTINS
Esta intervenção foi muito importante pela chamada de atenção sobre a nossa realidade
nacional. Vamos propôr aos organizadores do Forum esta sugestão e apoiamo-la fortemente.
Portanto, conte com duas entusiastas para a sua proposta. Concordo vivamente com a ideia de
que o Forum Ciência Viva não pode ser sempre em Lisboa. Muitas outras crianças em muitos
pontos do país poderiam beneficiar da visita, da participação activa neste Forum, e os profes-
sores também podem ganhar com isso. Nós também nos confrontámos com esse problema,
porque trazer aqui as crianças é muito difícil.
Foi com muito agrado que nós aqui proporcionámos esta discussão, organizámos este
debate. Ganhámos muito com as sugestões, os comentários, as discordâncias, dos colegas,
sobre algumas das questões levantadas.
Faremos um relato sucinto de aspectos essenciais que aqui foram postos, sobretudo aque-
les que têm mais relevância para a organização futura de intervenções equivalentes a estas. Que
o trabalho com os professores no âmbito do Forum Ciência Viva também possa contribuir para
o crescimento do próprio Programa Ciência Viva e do conceito de Forum Ciência Viva. Muito
obrigada a todos pela vossa presença e foi um prazer estar aqui.

64
Sessão Paralela
O Ensino experimental
das ciências em contextos
especiais

Instituto de Reinserção Social

CAEF’s Colégios de Acolhimento


Educação e Formação:
Colégio Corpus Christi
Colégio de S. Fiel
Colégio da Bela Vista

ICE Instituto das Comunidades


Educativas

APPACDM Ass. Portuguesa de Pais e Amigos


do Cidadão Deficiente Mental

Exploratório Infante D. Henrique


Centro de Ciência Viva
SESSÃO PARALELA

Drª Luísa Pedro


Instituto de Reinserção Social

O Instituto de Reinserção Social é uma instituição do Ministério da Justiça e tem 21 equipa-


mentos sociais, designadamente Colégios de Acolhimento, Educação e Formação e
Unidades Residenciais Autónomas.
Neste caso concreto, irei falar especificamente dos Colégios de Acolhimento, Educação e
Formação que aderiram ao Programa Ciência Viva, e onde estão a decorrer actividades desen-
volvidas neste âmbito.
São dez os Colégios de Acolhimento, Educação e Formação (CAEF’s) que se incluem entre
os que têm propostas e que estão a trabalhar no âmbito do Programa Ciência Viva. Na
Delegação Regional do Porto temos três colégios – o Colégio de Santo António, o Colégio de
Corpus Christi e o Colégio de Santa Clara. Na Delegação Regional de Coimbra estão incluidos
o Colégio dos Olivais, em Coimbra; o Colégio Alberto Souto, em Aveiro; o Colégio de São Fiel,
em Castelo Branco e o Colégio de São José, em Viseu. Na Delegação Regional de Lisboa inte-
gram este projecto o Colégio da Bela Vista, o Colégio de Corpus Christi e de São Fiel, o Colégio
da Infanta e o Colégio de São Bernardino, em Peniche.
Tentaria, numa primeira abordagem, caracterizar um pouco quais são as atribuições destes
colégios.
Estes colégios acolhem rapazes e raparigas dos 12 aos 18 anos e destinam-se, essencial-
mente, a executar medidas judiciais decididas pelos tribunais de competência especializada ou
de competência mista, a acolher jovens por decisão do tribunal ou à ordem policial, e a efectuar
diagnósticos para a observação desses menores. Uma vez que se trata de internamento, cumpre-
-lhes fazer o acolhimento, a educação e a formação no âmbito da escolaridade e da formação
profissional.
No âmbito da escolaridade obrigatória temos cerca de 70% de jovens no 1º e 2º Ciclos
e mais de 20 % no 3º Ciclo. Estes projectos que têm por modelo as metodologias activas –
porque se destinam à observação, à experimentação, à definição efectiva dos interesses e ao
desenvolvimento dos interesses destas crianças – são projectos que têm, de facto, a ver com
a especificidade dos jovens que estão nestes colégios de educação e formação. Relativamente
a estes jovens, a grande maioria tem 14, 15, 16 e 17 anos, são oriundos das zonas metro-
politanas de Lisboa e Porto e mais de 70 por cento, são jovens que ou praticaram algum deli-
to ou contravenção ou que, efectivamente, estão numa situação de paradelinquência ou de
vitimização, neste último caso em menor percentagem. Reportando-me a 31 de Dezembro de
98, os casos de vitimização representam uma percentagem da ordem dos 20 por cento con-

67
CONTEXTOS ESPECIAIS

tra e os mais de setenta por cento em que a situação é, de facto, de delinquência ou paradelin-
quência.
São, portanto, jovens que necessitam de actividades relacionadas com as suas próprias
experiências, com algo que tenha a ver com vivências passadas que possam vir a ser desen-
volvidas duma forma, como diria, com alguma adrenalina Se não for assim, se for da maneira
extremamente morna duma escola tradicional, não colhe a motivação e o interesse destes
jovens. E é nestes projectos que efectivamente acreditamos.
Quereria ainda dizer que os temas em que estes projectos incidiram foram, basicamente,
em relação à preservação do ambiente e da vida, à questão da reciclagem versus o consumo
desenfreado, à promoção da saúde, à utilização das novas tecnologias científicas; na defesa do
património natural, no estudo dos fenómenos ambientais, no cultivo de produtos e de sementes
nutricionais e também o estudo das espécies em extinção.
Muitas foram já as actividades desenvolvidas. Pese embora o pouco tempo que os projec-
tos tiveram, uma vez que as suas candidaturas se fizeram neste ano lectivo, desde os contactos
com as comunidades, a articulação com as autarquias, com as escolas mais próximas – escolas
secundárias, do ensino básico e escolas do ensino superior, designadamente a Escola Superior
de Educação de Lisboa, o Instituto Politécnico da Guarda – e muitas outras actividades, como vi-
sitas de estudo, exposições e embelezamento de espaços verdes. Muita foi a adrenalina que
motivou estes professores, estes alunos e toda a equipa do colégio.
Não vou desenvolver muito mais. Daria a palavra aos colegas professores que, esses sim,
estão efectivamente com estes jovens e podem ser um testemunho vivo de como decorreu a
dinâmica nestes colégios.

68
SESSÃO PARALELA

Drª Maria da Conceição Pintado


Colégio Corpus Christi (CAEF)

O projecto em curso no Colégio de Acolhimento, Educação e Formação Corpus Christi, chama-


-se "Saber viver com saúde" e pareceu ao colégio a forma mais adequada de pôr em comum,
ou de ligar, as características da forma como funcionam os jovens que estão em CAEF’s e o ensino
experimental das ciências. Nestes alunos estão incluidos alunos do sistema de justiça, em regime de
internamento ou outra medida tutelar e alunos externos, alunos que provêem da comunidade.
O nosso projecto previa três grandes momentos: o momento de observação, o momento de
experimentação propriamente dito e o momento de divulgação dos resultados. Estas três fases não
estão a ser seguidas cronologicamente. Deveriamos estar já na fase da divulgação dos resultados,
mas estamos ainda na fase da experimentação. Assim sendo, as actividades desenvolvidas neste pro-
jecto, procuram que os alunos que estão no CAEF Corpus Christi se compreendam a si próprios e
ao mundo que os rodeia, compreendam que a ciência é uma actividade humana capaz de procurar
e aplicar conceitos científicos na resolução de problemas na vida real.
Assim sendo, as actividades experimentais desenvolvem-se segundo áreas disciplinares e
surgem no espaço curricular. São, portanto, actividades experimentais ligadas aos curriculos dos
alunos que estão, em termos de aulas, a frequentar as actividades lectivas dentro do colégio.
No âmbito da extensão do Programa Ciência Viva do Ministério da Ciência e da Tecnologia
aos CAEF’s pensou-se, no Colégio Corpus Christi, conjugar estes aspectos e dar corpo a este pro-
jecto que, tendo em conta vários participantes, permitisse alguns produtos palpáveis para além
da actividade experimental propriamente dita.
Um dos produtos palpáveis do desenvolvimento do projecto foi aquilo a que nós chamá-
mos – que se chamou em termos de projecto – as folhas "Tu és a tua saúde" que tiveram algu-
ma evolução, desde a fase de copiar dos manuais alguns excertos para fazer a folha, por exem-
plo em relação à alimentação e à roda dos alimentos, até criarem folhas especificamente sem
recorrer a nenhum manual.
Estas folhas, utilizando as tecnologias ligadas ao projecto, recolhiam uma determinada
mensagem muito curta e procuravam transmitir alguma coisa que tivesse a ver com a preser-
vação da saúde e higiene. Uma outra ligada directamente ao ambiente e à primeira parte do
projecto previa roteiros de observação, nomeadamente na quinta anexa ao colégio.
Concluímos, em termos de desenvolvimento do processo experimental para os alunos aco-
lhidos do CAEF Corpus Christi, ser complicado acompanhar as fases do processo mas, que em ter-
mos de motivação, toda a aprendizagem foi muito mais motivante, muito mais aliciante e muito
mais participada, com todas estas actividades que surgiram em relação à conservação da saúde.

69
CONTEXTOS ESPECIAIS

Drª Elisabete Casimiro


Colégio de S. Fiel (CAEF)

O s objectivos gerais do enquadramento das acções desenvolvidas no Colégio de São Fiel,


com o título "A quinta, ambiente de vida", resumem-se a promover o gosto pela expe-
rimentação e pela pesquisa científica; levar os alunos a adquirir conhecimentos científicos tais
como a composição dos solos, a sua conservação, a criação de animais, as condições atmosféri-
cas; desenvolver capacidades, atitudes e valores relacionados com a vida, o ambiente e a ciên-
cia.
Quanto aos intervenientes, são aproximadamente 20 alunos do 1º e 2º ciclos do Ensino
Recorrente, a comunidade do colégio em geral, e algumas instituições: o Instituto Nacional de
Meteorologia e Geofísica de Castelo Branco, a Escola Superior Agrária de Castelo Branco e tam-
bém o Instituto Português da Juventude. Quanto ao espaço físico, as acções desenrolaram-se na
sala de aula, na biblioteca, no espaço destinado à quinta, no laboratório de fotografia e nas insti-
tuições envolvidas no projecto.
Em relação às actividades desenvolvidas, e numa análise muito rápida, numa primeira fase
de sensibilização e motivação para o projecto, fez-se uma visita de estudo ao Instituto Nacional
de Meteorologia que, realmente, suscitou alguma curiosidade para os temas relacionados com
a Meteorologia. Ainda nessa mesma fase fez-se uma segunda visita de estudo, desta vez à
Escola Superior Agrária de Castelo Branco, onde se levou uma amostra de solo recolhida no ter-
reno destinado à quinta para ser analisada. Tivemos oportunidade também de rever a parte agrí-
cola e também a parte animal.
Nesta altura, os alunos já manifestavam interesse em fazer alguma destas actividades no
colégio.
Passou-se, em seguida, à execução propriamente dita do projecto, com o início dos tra-
balhos na horta. Aqui os alunos participaram em todas as etapas: na lavra, na fertilização, na
marcação dos canteiros, na sementeira – que talvez seja a parte em que eles mais se tenham
empenhado – na colheita e os produtos obtidos têm sido utilizados no refeitório do colégio. Será
bom referir que todos estes trabalhos tiveram o acompanhamento e a orientação de um fun-
cionário do colégio responsável pela agricultura e, em relação ao desempenho dos alunos nes-
tas actividades, até ao momento consideramos que é satisfatório.
Outra actividade já implementada é a criação de alguns pequenos animais, limitada aos
frangos e às galinhas. Estas instalações foram construídas nas oficinas do colégio com a parti-
cipação e a colaboração dos alunos. Em relação à sua manutenção, foi definida uma escala em
que se distribuíram as tarefas de limpeza e de alimentação, para que os alunos todos pudessem

70
SESSÃO PARALELA

participar nessas actividades. Até agora eles têm revelado um grande empenhamento nesta
actividade, e o seu desempenho é realmente bastante satisfatório.
Uma outra actividade, mais recente, que nos propúnhamos realizar era instalar um labo-
ratório de fotografia. O pouco tempo decorrido desde o início desta experiência não permite dis-
por, como gostaríamos, de elementos de avaliação.
Por último, na sala de aula, houve sempre a preocupação de integrar as actividades do
projecto nos conteúdos programáticos a fim de haver uma aquisição de conteúdos, de conhe-
cimentos científicos relacionados com o tema ciência: ambiente, ciência, seres vivos. Estes tra-
balhos vão ser utilizados para produzir um boletim informativo divulgado no final do ano lecti-
vo, uma exposição de trabalhos e uma exposição das fotografias que temos registado ao longo
do processo. Pretendemos, ainda, fazer uma exposição com as fotografias que iremos revelar no
novo laboratório, a parte mais artística da fotografia. E, como não poderia deixar de ser, um
almoço-convívio com todos os elementos participantes, utilizando obviamente os produtos da
quinta.

71
CONTEXTOS ESPECIAIS

Dr. Alfredo Tinoco


Colégio da Bela Vista (CAEF)

A ntes de explicar os projectos, vou enquandrar a sua génese no nosso colégio. O Colégio
da Bela Vista é uma instituição tutelada pelo Instituto de Reinserção Social e acolhe cerca
de 70 crianças e jovens entre os 10 e os 18 anos de idade em regime de internato, distribuídos
pelos três ciclos do ensino básico. É preciso dizer que o percurso escolar destes jovens, na gene-
ralidade, é muito irregular, ora marcado pela ausência de escola ou pelo abandono muito pre-
coce dela, ora marcado pela repetência sucessiva e, portanto, pela rejeição pura e simples da
escola.
Um artigo extremamente interessante da Professora Marie Thérese Raimond, publicado na
revista "Infância e Juventude", diz, logo a abrir, esta frase lapidar: "Aqueles que vivem ou que
trabalham lado a lado com adolescentes difíceis apercebem-se muito depressa que as suas
recusas são muito frequentemente uma maneira de mascarar uma incapacidade".
Com efeito, os meios de que provêm a maioria dos nossos jovens, os intercâmbios familiares
e sociais são muito reduzidos e têm como referência normal o real imediato e a satisfação de neces-
sidades básicas. A descoberta nunca é estimulada e se o acaso permite que aconteça alguma
descoberta, não lhe é conferida qualquer importância, quando não é mesmo rejeitada pelos fami-
liares mais próximos ou pelo meio envolvente. Daí que a maioria dos nossos alunos, perante uma
dificuldade, opta por dizer "não quero" ou "não faço", quando deveria dizer "não sei".
Resumindo, estes jovens difíceis afirmam permanentemente a sua rejeição de tudo aquilo
que seja vida interna. Se são convidados a pensar dizem "isso é muito complicado", "dá muito
trabalho" ou "faz dores de cabeça". Se se apela ao imaginário é igualmente frustrante, dizem
"não gosto de inventar". Da mesma maneira que não gostam de pensar, também não admitem
que sonham, "eu não sonho, eu nunca tive sonhos", dizem frequentemente.
Deixem-me mostrar-vos uma frase retirada de um concurso em que se perguntava às
crianças o que é que faziam se fossem cientistas: "Inventava uma máquina de fazer sonhos cor-
-de-rosa e azuis que brilham como o Sol". Portanto, o meu aluno e meu amigo Ricardo inven-
tava uma máquina para sonhar por ele, para imaginar para ele esse mundo azul e cor-de-rosa e
onde brilha o Sol que ele se recusa a imaginar e a inventar.
Não vamos, evidentemente, fazer aqui psicanálise. Não é disso que se trata. Mas peço-vos
que fiquem com isto na cabeça, porque é neste ambiente que nós trabalhamos. É neste con-
texto que nascem estes projectos da Ciência Viva. O entroncar do ensino que nós praticamos é
um ensino muito prático, adaptando a relação curricular de forma a responder aos interesses e
às expectativas dos nossos alunos, mas tentando alargar esses interesses e essas expectativas, ao

72
SESSÃO PARALELA

mesmo tempo que se pretende dar uma formação sólida, que seja para a vida, para uma vida
que se desejaria plena. Que é o que nós desejamos evidentemente para eles e que todos os pro-
fessores naturalmente desejam para os seus alunos.
Ainda bem que o Ministério da Ciência e da Tecnologia resolveu, a certa altura, discrimi-
nar – e bem – pela positiva os nossos colégios, porque tivemos de facto oportunidade de lançar
esta semente junto dos nossos alunos. Ainda bem que fomos discriminados positivamente,
porque nós acreditamos que esta é a maneira certa de ultrapassar os bloqueios que há pouco
enunciei.
Parece-nos que a ciência, isto é, a experiência, a experimentação, de que eles tanto
gostam afinal, pode levar ao pensamento. Essa é a táctica correcta para levá-los a usar o pen-
samento, para levá-los a apossar-se de um instrumento para a sua vida. Como todos sabemos,
é fácil levá-los a isso, porque se há coisa que um cientista e uma criança têm em comum é de
certeza a curiosidade, é saber o que é que está para lá daquilo que se vê.
Nós lançámos dois projectos. Um chama-se "Da horta à mesa", feito de recursos de colé-
gio, portanto cultivo de uma horta que eles cultivam em atelier e que depois é discutida na sala
de aula: o 1º Ciclo na área de Estudo do Meio, o 2º Ciclo na área do Homem e do Ambiente e
o 3º Ciclo na área das Ciências do Ambiente. Eles fazem experiências adequadas a esse projec-
to em sala de aula, do curriculo consta isso. O cultivo é feito na horta e destina-se a ser con-
sumido no colégio. Este projecto, além dos objectivos que estão no projecto entregue ao
Ministério da Ciência e da Tecnologia, tem efeitos colaterais, como agora está na moda dizer,
que são o interesse pelo ambiente, o perceber as diferenças entre os adubos químicos e os
orgânicos... Este interesse acabou por desenvolver uma coisa que não constava em nenhum pro-
jecto, que foi uma Estação Meteorológica, para os alunos perceberem que as condições meteo-
rológicas têm que ver também com a agricultura.
O projecto permite duas coisas que são fundamentais. Uma é que cada vez que eles se sen-
tam à mesa no colégio, têm de perceber que por detrás da sopa que vão comer há o trabalho
humano, que eles trabalharam para comer a sopa. E a segunda coisa importantíssima, é que por
trás do simples acto de comer há muita ciência e que eles também já produziram alguma dela.
A agricultura não é uma coisa aleatória, puramente empírica. Não. Tem uma base científica
e eles foram ao nosso parceiro neste projecto, que é a Escola Agrícola D. Dinis da Paiã, ver como
é que essas coisas funcionam em laboratórios mais complicados, para analisar culturas, etc..
O segundo projecto, "Da terra à terra", na área da Geologia e da Mineralogia, existe para
que os alunos percebam como esse mundo está presente no nosso quotidiano. Cada vez que
carrego no botão da televisão, ou que uso a chave para abrir a porta do carro, ou rodo a
maçaneta da porta, é alguma coisa que veio do interior da Terra, e que passou por uma série de
fases de ciência, de experimentação, de aplicação técnica, etc. Dentro das possibilidade que
temos, temos feito visitas de estudo, recolha de rochas, análise laboratorial, classificação e cons-
tituição de uma colecção.

73
CONTEXTOS ESPECIAIS

Para nos darem alguma certificação científica que nós não temos, e para que aos alunos
pareça também importante, arranjámos parceiros que são a Escola Agrícola D. Dinis da Paiã, o
Museu Laboratório de Mineralogia e Geologia da Universidade de Lisboa, integrado no Museu
Nacional de História Natural.
Para concluir diria que nós gostaríamos muito que os nossos alunos aprendessem muita
Ciência. Porque isso faz falta para a vida e é muito bom para eles. Mas o que nós gostariamos
mesmo era que os nossos alunos se incluíssem nos cientistas de amanhã.
Muito obrigado.

74
SESSÃO PARALELA

Drª Maria do Carmo Serrote


ICE – Instituto das Comunidades Educativas

E u começaria por dizer, muito rapidamente, o que é o Instituto das Comunidades


Educativas. É uma organização não governamental que tem o apoio da Fundação
Bernardo Van Lear, do Ministério da Educação, de autarquias e de algumas instituições privadas.
É um projecto que está desenvolvido, alargado a todo o país, tendo vários projectos com objec-
tivos e com estratégias diversificadas.
Um dos primeiros projectos do Ministério e do ICE, é o projecto das escolas isoladas e teve
o seu início no Alentejo. São escolas com menos de 10 alunos e que, tendencialmente, seriam
encerradas pelo Ministério da Educação. Houve alguma força do ICE, com o apoio das autar-
quias, no sentido de que essas escolas não fossem encerradas pois está mais que provado que,
encerrando uma escola, toda a zona morre.
Qualquer terra que não tenha uma escola de 1º Ciclo é, à partida, uma terra isolada. Com
o apoio do ICE houve, realmente, a tendência de não encerrar as escolas. É claro que foi feito
algo neste sentido. Todos sabemos que os alunos em escolas isoladas têm o problema da pouca
socialização, do isolamento. Então, para colmatar este problema, criaram-se várias redes de
escolas, que se encontram semanalmente ou quinzenalmente em cada estabelecimento de ensi-
no. Ou seja, há uma escola anfitriã que recebe as outras. Nessa altura, toda a população é
dinamizada para receber mostrando o seu melhor, as suas tradições, a sua cultura própria.
Foi neste projecto de escolas isoladas que o projecto Ciência Viva deu uma ajuda fabulosa.
Foi um meio de colmatar o isolamento e as dificuldades que as escolas tinham. Este projecto, a
nível das escolas de 1º Ciclo, conseguiu criar o gosto pela descoberta da ciência, pelos saberes
científicos a partir do conhecimento do mundo no dia-a-dia, e isto é muito importante.
Os alunos trazem para a escola um saber acumulado de muitas gerações, e eu passaria a
descrever dois casos que servem de exemplo do que disse. Uma escola de Estremoz – não é na
cidade de Estremoz, é uma escola isolada numa freguesia rural – empenhou-se numa pesquisa
sobre a história dos ganhões. Os ganhões são as pessoas que, há cerca de 40 anos, trabalhavam
a terra nas herdades, lavravam com os bois, trabalhavam de sol a sol, iam a casa só uma vez por
semana e aos Domingos iam à roupa, como eles diziam. Trabalhavam ao sábado e ao domingo
faziam os empalmos, ou seja, trabalhavam só de manhã até às oito, nove horas.
Estando a semana inteira fora de casa, nas herdades, eles tinham de fazer as suas próprias
refeições e faziam aqueles belos pratos que são hoje os pratos tradicionais alentejanos. Excelentes,
porquê? Porque utilizavam aqueles temperos e produtos tradicionais: a salsa, o poejo, os orégãos,
os coentros, a alabaça, o chícharo, os cardos, as acelgas, as beldroegas, os agriões, etc.

75
CONTEXTOS ESPECIAIS

Os alunos fizeram toda uma recolha deste trabalho, estudando as alfaias agrícolas que os
ganhões utilizavam. Foram falar com os avós, com as pessoas que na terra sabiam bem a história
dos ganhões. O ICE, posteriormente, editou este livro e constitui um documento fabuloso, cons-
truído pelos alunos, pelas crianças, sobre a cultura do povo alentejano, nomeadamente na
região de Estremoz.
É claro que com a história dos temperos os alunos ficaram muito motivados para estudar
as plantas e foram procurar todos estes temperos. Fizeram o seu estudo, analisaram-nos, fize-
ram herbários, estudaram com pormenor os cereais, estudaram as fases de crescimento destas
plantas, sempre com o acompanhamento – e algumas ajudas – dos familiares, de pessoas que
naquela zona, tinham conhecimento destas histórias. A propósito dos instrumentos que os ga-
nhões utilizavam, começaram por perceber e perguntaram porque é que se fazia a poda, porque
é que se tinha de revolver a terra, etc. Todo um estudo que realmente aconteceu.
Numa escola de Grândola, uma escola isolada com cerca de seis/sete alunos, houve uma
aluna que nos foi mostrar, muito feliz, a experiência do ano. E o que era a experiência do ano?
Era uma planta que só aparece com grande desenvolvimento nos anos em que há muita plu-
viosidade. Quando essa pluviosidade surge em tempo adequado a planta desenvolve-se mais do
que habitualmente. Se há uma determinada zona da planta que está desenvolvida corresponde
a bom ano de centeio, outra zona da planta bastante desenvolvida corresponde a bom ano de
cevada. Quem contou isto àquela aluna que vinha felicíssima mostrar a sua experiência foi a avó,
foi a sua avó que lhe mostrou a experiência do ano.
Foi a partir de todos estes conhecimentos – que foram sistematizando – que os alunos
organizaram produtos que são comunicáveis, que eles comunicaram nas mini-conferências
realizaram nos tais dias diferentes: quando se encontram, quando a escola é a anfitriã. É, no
fundo, o aprender comunicando.
Com o projecto Ciência Viva, começa a ser criado, em muitas escolas, um enorme manan-
cial de materiais que constitui um património científico comum a muitas escolas. Essas experiên-
cias e esses materiais são organizados em centros de recursos. Depois, procura-se que estas expe-
riências funcionem sempre como pólos transdisciplinares. Por exemplo, a história dos ganhões foi
um trabalho que teve o apoio da Língua Portuguesa, do meio ambiente, das expressões, etc.
Depois, ao nível das escolas isoladas, há ainda, com o projecto Ciência Viva, mais um pretexto de
socialização, ou seja, há perguntas que são feitas entre escolas, do Alentejo para o Norte, via
Internet ou por escrito. Inclusivamente, e este é um facto muito interessante, existem pesquisas
que se fazem já nalgumas escolas por encomenda. Ou seja, houve escolas do Norte que quiseram
saber algo sobre o sobreiro e encomendaram a uma escola de Alcácer do Sal um estudo com tudo
o que eles conseguissem saber de concreto sobre o sobreiro. Há, no fundo, uma grande implicação
da comunidade, constantemente chamada a partilhar estas investigações que as crianças iniciam.
Terminava lembrando um provérbio chinês: "Ouço e esqueço, vejo e percebo, faço e
aprendo". Muito obrigada.

76
SESSÃO PARALELA

Professor Manuel Barbeitos


APPACDM – Associação Portuguesa de Pais e Amigos do
Cidadão Deficiente Mental – Delegação de Setúbal

O Centro Sócio-Educativo da APPACDM é uma das seis valências que existem em Setúbal
e abrange uma faixa etária dos 6 aos 16 anos, a faixa etária da escolaridade obrigatória.
Os nossos utentes abrangidos por este projecto foram 60. São alunos com deficiências mentais
moderada e ligeira, com problemas associados ao nível escolar muito baixo e temos por objec-
tivo aumentar esse nível e prepará-los, fundamentalmente, para uma aprendizagem profissional.
Trabalharam neste projecto 5 professores do 1º Ciclo do Ensino Básico, 2 professores de Tra-
balhos Manuais, 2 educadores de infância, 1 psicólogo e 7 auxiliares de educação.
O espaço de que usufruiram foi uma quinta – as salas de aula e o espaço exterior dessa
quinta – que tinha um espaço com uma horta, um jardim e um pomar. A construção de uma
estufa e um galinheiro foram actividades dum projecto a que eles se dedicaram.
Um dos objectivos principais deste projecto era o desenvolvimento de capacidades instru-
mentais. Eram alunos que não tinham hábitos de trabalho, não eram persistentes, desistiam
logo à primeira e tentou-se aumentar a capacidade de resistência em tudo o que realizavam. Se
não gostavam do que realizavam, estragavam, deitavam fora, não queriam que se guardasse.
Tentou-se melhorar o grau de perfeição, tentou-se desenvolver a coordenação óculo-manual,
desenvolver a destreza manual destes utentes.
Um dos principais factores que condicionava tudo isto era a estabilidade comportamental.
Eram alunos muito instáveis e que não aderiam a nenhuma tarefa e tentou-se com as actividades
deste projecto aumentar a estabilidade comportamental, aumentar os períodos de atenção, de
concentração. Outra das coisas que eles não aceitavam eram regras e este projecto conseguiu
que eles interiorizassem algumas regras e que as respeitassem.
O que é que se pretendia com isto? Ligado ao saber fazer, pretendia-se que o Centro
Sócio-Educativo iniciasse um trabalho que tivesse, como disse há pouco, o encaminhamento dos
alunos para a pré e da formação profissional. Aqueles alunos que não conseguissem ir para a
pré nem para a formação profissional, transitariam para unidades que são os centros de activi-
dades ocupacionais.
É possível observar, através de documentos fotográficos, o trabalho desenvolvido.
Observar os alunos que estão na nossa horta, a preparar a terra para fazer sementeira; numa
fase mais elaborada da nossa horta, a fazer as mondas, a tirar as ervas daninhas. Na nossa horta
tinhamos duas divisões: uma parte da horta com agricultura biológica e a outra parte com agri-
cultura não biológica, onde eles fizeram as comparações. Mais tarde tudo o que retiravam da
horta era para consumir, para eles próprios, numa aprendizagem que não terminava aqui.

77
CONTEXTOS ESPECIAIS

Preparar flores, envasar flores, retirar flores de um vaso para outro, foram algumas das
tarefas que os pequenos fizeram. Todos os dias iam ter com as suas plantas, para as regar.
Como era uma quinta, havia um espaço exterior muito grande e foram plantadas 175
laranjeiras, doadas pela Companhia das Resinas. O objectivo futuro destas laranjeiras é criar uma
unidade operacional no Centro, acompanhada pelos homens com idade superior a 16 anos e
onde estes possam fazer o doce de laranja tradicional de Setúbal. Neste momento ainda não
temos as laranjas mas já temos as encomendas.
Ter as laranjeiras implica uma manutenção constante. Eu estava aqui a colocar cal numa
destas laranjeiras em que havia muitas formigas e muitos caracóis e eles deitaram uma calda de
cal em todas as laranjeiras.
Aqui estavam a fazer uma vedação com sebes para um parque infantil. Eles é que fazem
a manutenção desta quinta e tratam dela. Isso vai-lhes criar a necessidade de, mais tarde, fazer
os registos e ganhar interesse pelas actividades académicas que até aqui não tinham.
Instalaram o sistema de rega gota-a-gota. Todas as árvores foram plantadas com um sis-
tema em que são eles quem, de manhã, abre as torneiras e, à tarde, fecham as torneiras. Têm
uma tarefa: abrir e fechar a água a determinada hora.
Também fazem a manutenção dos jardins utilizando algumas máquinas, como o corta-
-relva. Fazem a manutenção de todos os espaços verdes: cada sala tem um espaço verde a que
se dedica e orienta o trabalho desenvolvido. Em cada espaço é um trabalho diferente.
Temos uma secção designada por AVD, relativa às actividades da vida diária, que é um mini-
-apartamento com uma cozinha, um quarto e uma sala. Tudo o que eles vão à horta buscar é
para ser consumido. Na época das ervilhas eles colheram as ervilhas, descascaram as ervilhas e,
como seriam eles a consumir as ervilhas, foram eles quem fez o comer nesse dia no refeitório.
Cortaram a cebola, cortaram o chouriço, cozinharam e comeram a refeição que fizeram.
Uma actividade nova foi a construção de um galinheiro. Comprámos uma chocadeira e
eles marcaram os ovos – que tinham de ser mudados todos os dias. Eles viam as marcas e
mudavam-nos para o outro lado. Os primeiros animais nasceram e já temos galinhas no gali-
nheiro. E é com felicidade que eles dão milho às galinhas. E isso é ilustrativo duma actividade
que eles gostam, e que é para continuar.

78
SESSÃO PARALELA

Professora Helena Caldeira


Exploratório Infante D. Henrique – Centro Ciência Viva
de Coimbra

Q uando me convidaram para integrar este painel, foi-me dito que nele se iria debater o
problema do ensino experimental das ciências em contextos especiais. Pensei, portanto,
em fazer convosco uma reflexão um pouco mais abrangente sobre a questão que se coloca no
nosso país face ao projecto que o ministro da Ciência e da Tecnologia apresentou de criação de
uma rede de centros Ciência Viva em todo o país.
Assim sendo, põe-se a questão de como tornar eficazes, em termos de se conseguir
aprendizagem, as visitas a um centro de ciência. Durante muito tempo pensou-se que a função
destes centros de ciência, destas exposições interactivas, era apenas a divulgação da ciência, a
vulgarização da ciência, e que não era possível aprender-se. Hoje já há muitos trabalhos de inves-
tigação sobre a questão "consegue-se ou não promover aprendizagem numa visita a um centro
de ciência?", já há muita coisa publicada com interesse.
Era a experiência do Exploratório como ambiente complementar de aprendizagem que eu
trazia aqui, visto pensar que os centros Ciência Viva não deverão ser apenas essa exposição –
com todo o valor que ela tem – mas que devem ter, paralelamente, um conjunto de trabalho.
Assim, e colaborando depois todos entre si, conseguiriamos realmente um bom lucro em termos
da aprendizagem experimental das ciências nestes contextos interactivos.
O Exploratório tem preocupações didácticas que poderão ser ou não conseguidas. O
utente depois o dirá. Tentamos que haja já implícito um modelo de aprendizagem do "prevê,
observa, experimenta e depois explica, confronta com as tuas ideias". Temos instruções para a
manipulação, para a realização das experiências, convidamos a reflectir, observar para ver, e
depois explicamos. Mas, paralelamente a isso, tentamos ter também a ligação ao quotidiano,
aquilo que chamamos a ciência na vida.
Como pensamos que uma boa maneira de testar se percebemos o fenómeno em causa,
ou o princípio em causa, é aplicá-lo a outras situações, criámos aquilo a que chamámos de
desafio, em que há uma pergunta para o visitante tentar responder. Uma situação do quotidiano
em que aquela mesma situação experimental está presente. Assim decorre a visita.
Temos, portanto, as visitas ditas normais, mas também temos visitas especiais. E essas
têmo-las em vários contextos, por exemplo, visitas estritamente por um tema que pertence ao
currículo. Tem funcionado a Dinâmica da Rotação. As experiências diferentes daquelas que estão
consideradas obrigatórias no programa também são feitas, com uma metodologia diferente, em
que o carácter lúdico está sempre presente para ser consentâneo com o ambiente - também ele
diferente -, fichas de trabalho também diferentes e a presença de professores para que eles

79
CONTEXTOS ESPECIAIS

percebam que com metodologias diferentes também conseguem. E, certamente, com maior
entusiasmo que é o que se tem verificado.
Às aulas de Dinâmica de Rotação, do 12º Ano, da zona de Coimbra já vêm pessoas do
Porto. Há uma altura do ano em que as manhãs são todas ocupadas com a Dinâmica da
Rotação. Depois da Luz e Visão do 8º Ano, que fizemos o ano passado, vamos agora começar
também com a Óptica, tudo isto integrado em projectos Ciência Viva. Se não tivessem sido os
projectos Ciência Viva nós não podiamos ter partido para estas iniciativas.
No ano passado, então com o 1º Ciclo, fizemos um projecto de ensino integrado da ciên-
cia: Biologia, Geologia, Física, Química e Matemática com a jardinagem. Com a criação de uma
horta em que os miúdos semeavam, plantavam, em que tinhamos recolha de materiais e
estações meteorológicas, em que era medida temperatura, pressão, humidade. E experiências
em laboratório para ilustrar aquilo que se tinha verificado e que se tinha observado lá fora.
Depois disso, criámos também algo que estamos ainda a testar – porque a nossa componente
de investigação está sempre presente – que foram fichas suficientemente abertas, nem muito
manipuladoras nem muito de criança, para o 1º Ciclo.
Pensamos que não é fácil fazer fichas adequadas ao 1º Ciclo, em que não vamos cortar a
sua imaginação, em que tentemos descobrir efectivamente o que é que o garoto concluiu
daquela experiência – porque ele muitas vezes não conclui aquilo que nós queremos que ele
conclua – e descobrir isso foi extremamente interessante.
A fase seguinte deste projecto, e por isso é que ele ainda não está concluido, é organizar a
recolha enorme que fizemos, quer das perguntas que eles fizeram, quer das respostas que eles dão
à pergunta "O que é que descobriste?". Foi uma pergunta extremamente alargada para, justamente,
perceber o que é que eles tiram da experiência e porque achamos que vamos aprender muito com
aquilo que eles escreveram. Esta componente investigativa está, como digo, sempre presente.
Temos tido, igualmente, mestrados em Ensino da Física, em colaboração com o
Departamento de Física da Universide de Coimbra, sobre como preparar uma visita de modo a
obter aprendizagem – a conseguir promover aprendizagem – sobre o que é que o professor deve
fazer antes, durante e depois. Actividades sempre lúdicas, que têm de ser diferentes das actividades
da sala de aula, senão caimos outra vez na sala de aula e não é isso que queremos. É outra pers-
pectiva e tudo isso tem de ser testado de modo a consolidar também na sala de aula a visita.
Neste contexto, estamos a construir kits para as escolas em que, de certo modo, são repro-
duzidas as experiências do Exploratório e que na sala de aula poderão servir para consolidar, para
relembrar aquilo que se viu no Exploratório. Estamos também a elaborar material escrito sobre
esses kits, quer para o professor quer para o aluno, e que será objecto de uma investigação, visto
que estamos a tentar testar um modelo diferente de aprendizagem, baseado um pouco no POE –
o "prevê, observa, explica" – mas mais aprofundado, mais adequado a alunos do 3º Ciclo do
Básico, visto que o 2º e o 3º Ciclo do Básico neste momento para nós são a grande preocupação.
Deixei para o fim uma actividade que me é muito querida e que surgiu a convite da Professora

80
SESSÃO PARALELA

Joan Solomon que, aqui há uns anos e porque tinha visto, de certo modo, o meu "bichinho" por estas
coisas com umas experiências que eu tinha feito, me perguntou se eu ainda gostava destas coisas.
Porque ela tinha observado que no Vista, um Centro próximo de Oxford, os alunos com necessidades
educativas especiais aderiam de uma forma espectacular a este tipo de actividades e que estas activi-
dades pareciam ser potenciais de desenvolvimento de certo tipo de capacidades. Surgiu, assim, um tra-
balho que ela já estava a fazer com a sua colaboradora Helen Brook e que nós, que por acaso tinhamos
contacto com a APPACDM de Figueira do Lordão, tinhamos constatado algo de semelhante.
Os alunos – alunos perfeitamente apáticos nas instituições – chegavam ali e aderiam de
uma forma impressionante, com tempos de atenção e concentração enormes naquelas activi-
dades, e outros que se lembravam. Estou-me a lembrar do Sérgio que, um ano depois de ir ao
Exploratório, vinha a dizer "os ângulos, os ângulos, os ângulos". Ele queria rever o módulo dos
ângulos e foi logo para o módulo dos ângulos. Conseguiu, ao fim de algum tempo, muito feliz,
concretizar aquela experiência dos ângulos.
Iniciámos, então, um projecto de investigação que foi subsidiado pelo Instituto de
Inovação Educacional e que é agora a "menina dos nossos olhos". Realmente construimos, na
altura, algumas actividades interactivas porque vimos que elas têm potencialidades de maior
atenção e concentração dos alunos, maior comunicação e colaboração entre eles, maior curiosi-
dade e independência. Sem esquecer a relação causa-efeito. Para isso criámos actividades espe-
ciais em que, realmente, os efeitos sejam de certo modo apelativos, com estímulos multisenso-
riais, bons para este tipo de alunos.
Nós trabalhámos com alunos com dificuldades moderadas e severas de aprendizagem, com
disfunções específicas de linguagem e também com o Síndrome de Down. Tentámos alguma apren-
dizagem de conceitos. Temos, por exemplo, um com um camião. Mas sempre com efeito: o camião,
a certa altura, choca e produz som ou produz luz. Há sempre um estímulo sensorial, em que a força
é mais intensa; mais força, menos força; o tipo de flutuação - afunda, flutua. Tentamos introduzir já
algum conceito de ciência mas tentamos, sobretudo, o desenvolvimento de capacidades.
Partimos agora para outro tipo de aprendizagem. A pedido, justamente, dos professores
destas instituições após observarem o comportamento dos seus alunos, quer ali, quer depois nas
escolas. Depois de irmos às escolas com experiências semelhantes, mais pequenas, para ver o
que é que os alunos se lembravam aconteceram coisas interessantíssimas, nomeadamente de
alunos hiperactivos que quase não se conseguem parar sentados na instituição e que, com aque-
les kits, se sentaram e estiveram a trabalhar imenso tempo. Começaram, então, a pedir-nos que
construíssemos coisas.
Dois exemplos são, sobretudo para as pessoas que percebem mais de alunos com necessidades
educativas especiais do que nós, dois módulos, um para aprendizagem das cores e outro para apren-
dizagem das formas, que estão a ser testados na APPACDM da Figueira de Lordão. Certamente que
terão defeitos, mas foi a primeira coisa, foi algo que nós imaginámos que poderia funcionar. Pareceu-
-nos que face a certo tipo de comportamentos que os alunos tinham, seriam úteis.

81
CONTEXTOS ESPECIAIS

Professora Joan Solomon


Open University, Faculty of Science – Reino Unido

G ostaria de felicitar o Ciência Viva por incluir as crianças menos afortunadas no ma-
ravilhoso mundo da ciência. Considero-o muito comovente. Portugal é um país tão
democrático que até mesmo as crianças com grandes dificuldades de aprendizagem não são
excluídas.
O trabalho que a Drª Helena Caldeira tem realizado com crianças com o Síndrome de
Down, e no qual também participei, foi igualmente realizado em Inglaterra. Algumas dessas
crianças nem sequer conseguiam falar.
A primeira questão residia em saber se eles poderiam aprender a partir do Centro, das
experiências do Centro, e se, seguidamente, se lembrariam do que tinham feito, do que tinham
aprendido. Ficámos muito espantadas, a Drª Helena e eu, com a quantidade de coisas que eles
conseguiam relembrar mais tarde. Este aspecto deve-se ao facto de ser um centro "Hands on",
ou seja, onde eles podem mexer com as mãos.
O ser humano tem, pelo menos, três maneiras diferentes de se recordar das coisas. A mais
antiga e a mais primitiva é a recordação procedimental, são recordados os procedimentos, o
modo como se faz determinada coisa. Até se podem ensinar procedimentos aos animais. Além
disso, os centros interactivos possuem um leque alargado de estímulos.
O outro tipo de memória que possuímos é a memória episódica. De certeza já passaram
pela experiência de se lembrar de uma coisa que têm de fazer quando se está no primeiro andar,
descer ao andar de baixo, esquecer-se do que ia fazer e depois ter que voltar ao primeiro andar
e, nessa altura, lembrar-se do que tinha para fazer. Este aspecto acontece com as crianças com
o Síndrome de Down que, quando regressam ao Exploratório, relembram-se das coisas que lá
fizeram. É por isto que os centros interactivos e os projectos Ciência Viva, com todas as suas
actividades práticas, têm tanto para oferecer a estas crianças com necessidades especiais.

82
Sessão Plenária
Geminações entre escolas
e instituições científicas

Centro de Neurociências
de Coimbra
Escola Secundária
da Quinta das Flores, Coimbra

Departamento de Botânica,
Universidade do Porto; IBMC
(Instituto de Biologia Molecular
e Celular)
Escola Secundária Almeida
Garrett, Vila Nova de Gaia

IDMEC – Instituto de Mecânica


e Instituto Superior Técnico,
Lisboa
Escola Secundária Gago
Coutinho, Vila Franca de Xira
SESSÃO PLENÁRIA

Professora Ana Noronha


Programa Ciência Viva

V amos dar início a esta sessão sobre o Programa de Geminação entre instituições científi-
cas e escolas. Sempre foi uma prioridade do Ciência Viva estimular a cooperação entre
instituições científicas e escolas e criar laços duradouros entre estes dois mundos. O objectivo é
ligar as pessoas que fazem a Ciência com as pessoas que a ensinam nas escolas todos os dias,
no sentido de melhorar a qualidade do ensino das ciências, em particular através da melhoria da
qualidade do ensino experimental que se faz nas escolas e do ensino da Ciência em geral.
Temos vindo a pedir aos investigadores, e eles têm colaborado em vários níveis no Ciência Viva
desde o início, que apoiem os professores das escolas no seu trabalho, através dos seus laboratórios
e das infraestruturas que possuem, no sentido de melhorar a qualidade do ensino das ciências.
As instituições científicas colaboram connosco a vários níveis, como têm visto, certamente,
nos quiosques. Temos instituições científicas que coordenam directamente projectos Ciência
Viva em parceria com escolas; temos projectos Ciência Viva que, sendo coordenados por esco-
las, têm a parceria de instituições científicas e professores universitários que trabalham ombro a
ombro com eles; temos ainda, e é sobre isto que versa esta sessão, a geminação entre escolas
e instituições científicas, que foi promovida pelo Programa Ciência Viva, com o objectivo de dar
apoio aos professores dessas escolas.
Para o estabelecimento de Geminações foram convidadas instituições que já tinham
relações no terreno baseadas em laços pessoais de colaboração, quer através de projectos
Ciência Viva, quer através da Ocupação Científica dos Jovens nas Férias, quer através das inicia-
tivas de divulgação científica.
Estas geminações foram privilegiar relações que existiam já no terreno. Temos o prazer de
ter aqui connosco o Professor Arsélio Pato de Carvalho, coordenador do Centro de Neuro-
ciências de Coimbra, o Professor Carlos Mota Soares do Instituto de Mecânica e do Instituto
Superior Técnico, e professores das escolas geminadas. Em relação ao IBMC e ao Departamento
de Botânica da Faculdade de Ciências do Porto, os respectivos responsáveis, o Professor
Alexandre Quintanilha e Professor Roberto Salema, não puderam estar presentes. Tenho tam-
bém aqui o Professor José Pissarra que é do IBMC. É que o director, infelizmente não pôde estar
presente, nem o Professor Carlos Salema, mas temos o professor José Pissarra, que nos vai
depois falar destas experiências de Geminação.
Seguidamente, passo a palavra ao Professor Arsélio Pato de Carvalho, que nos vai explicar
como é que decorre a geminação do Centro de Neurociências com três escolas secundárias da
área de Coimbra, das quais temos aqui a Dra. Isabel Paiva, que nos vai falar também a seguir.

85
GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

Professor Arsélio Pato de Carvalho


Centro de Neurociências de Coimbra

Muito obrigado, Drª Ana Noronha. É de facto um prazer estar aqui. Não obstante as
exigências que hoje são feitas aos cientistas nos seus postos de trabalho para poderem ser com-
petitivos no mundo da Ciência, esta missão de divulgar a Ciência, iniciada nos últimos anos em
Portugal, é, sobretudo em Portugal, uma das missões mais nobres que podemos levar a cabo no
presente momento de desenvolvimento cultural do País.
No fundo, o que nós estamos a fazer é muito simples e é indispensável para o progresso
da nossa sociedade; estamos a tornar acessível à nossa população a linguagem da Ciência.
Quer queiramos, quer não, essa linguagem, e o próprio conceito da Ciência, são utiliza-
dos na nossa vida dia-a-dia, sem que muitas vezes nos apercebamos o quão a Ciência faz parte
da nossa vida.
O cidadão médio tem ainda uma certa carência de vocabulário, de conceitos, de com-
preensão desta actividade nobre e influente nas nossas vidas, que é a Ciência.
A Ciência, sem dúvida, continuará a ter cada vez mais impacto no desenvolvimento futuro
do nosso país e, portanto, estes minutos que tiramos dos nossos laboratórios para vir aqui são
extremamente importantes.
Eu vou dividir a minha curta intervenção em três partes.
Primeiro, quero dizer-vos qual foi a sensação que tive ao entrar aqui hoje, que foi também
o meu primeiro contacto directo com esta actividade do Ciência Viva. Não obstante ser um
Sábado de manhã, ser cedo, e não terem chegado ainda muitas pessoas, impressionou-me todo
o aparato, que reflecte uma transformação profunda que foi feita neste espaço que traz até nós
uma realidade que vive oculta nos laboratórios e na mente dos investigadorres, professores e
alunos, e que deve ser parte de toda a nossa cultura.
Não há dúvida que o número de painéis, a diversidade dos painéis, representa que por
detrás disto tudo está um entusiasmo que já se gerou e que temos de saber aproveitar nas nos-
sas escolas, e sobretudo na ligação das nossas escolas secundárias à universidade, ao ensino
superior, e depois estender esta nova realidade a toda a população.
Segundo, a outra mensagem que eu vos queria transmitir, porque isso me foi solicitado, é
dizer o que é o Centro de Neurociências de Coimbra.
Embora refira especificamente o Centro de Neurociências de Coimbra, porque é esta insti-
tuição de investigação que conheço melhor, é minha intenção transmitir-vos o que são, dum
modo geral, as instituições modernas de investigação científica.
As instituições de investigação científica têm, necessariamente, de ser instituições de

86
SESSÃO PLENÁRIA

prestígio mundial. De facto, a Ciência é uma coisa curiosa: é que não se pode fazer ciência mal,
nem sequer menos bem, e sobreviver como cientista. A Ciência ou é excelente e produz um pro-
duto, o conhecimento, ou então não produz conhecimento e, portanto, deixa de ter valor.
O produto da Ciência, o conhecimento, produz-se, sem barreiras, não há fronteiras, nem
institucionais, nem nacionais, e, portanto, o conhecimento é o mesmo, quer seja produzido em
Portugal, quer seja produzido na Europa, na América, ou onde quer que seja.
Para se chegar a esse conhecimento, a actividade científica tem de ser de facto excelente,
caso contrário é inutil. Assim, a Ciência é um tipo de actividade diferente das outras actividades.
Nós podemos produzir, por exemplo automóveis que são melhores, outros piores, mas o co-
nhecimento é só um; ou é conhecimento ou não é conhecimento. E, portanto, isto impõe uma
exigência extraordinária aos institutos de investigação científica.
Os institutos não podem manter actividades locais, isoladas do resto do mundo e, feliz-
mente que, principalmente nos últimos dez anos, nós transpusemos também essa barreira.
As nossas instituições estão hoje a par das instituições lá de fora. Os institutos de investi-
gação não têm paredes que separem a comunicação entre os investigadores onde quer que
estejam; os investigadores comunicam uns com os outros de muitas maneiras usando os sis-
temas de comunicação mais sofisticados, desde revistas científicas internacionais lidas em toda
a parte do mundo à Internet.
Em Portugal estamos ainda muito habituados a identificar um instituto com um dado edifí-
cio: vemos um edifício muito bonito e dizemos "ali devem fazer-se grandes coisas". No entan-
to, mais importante do que os edifícios são as pessoas. Os edifícios são demasiado estáticos e o
que é particularmente importante na Ciência de hoje é a mudança, a capacidade de apreender
novos conceitos e adaptá-los ao programa de trabalho dos cientistas, quer eles se encontrem no
mesmo edifício ou não.
Os cientistas comunicam-se, visitam-se frequentemente, trocam ideias. É desta interacção
viva que brota a maior parte da actividade científica. A actividade científica não tem barreiras,
não tem paredes.
Portanto, como noutras instituições, o Centro de Neurociências de Coimbra é uma insti-
tuição aberta, sem paredes. O Centro de Neurociências de Coimbra está inserido na
Universidade de Coimbra, e constitui um local de aglutinação de competências, que podem vir
da Faculdade de Ciências, da Faculdade de Medicina, da Faculdade de Farmácia, do Hospital e,
porque não, do exterior também.
Nós temos sempre no Centro de Neurociências de Coimbra vários cientistas estrangeiros,
como temos cientistas doutras universidades e doutros institutos, e estes cientistas comunicam
com outros cientistas noutros laboratórios em Portugal e no estrangeiro. Portanto, a mensagem
forte que vos quero transmitir é que a ideia estereotipada do cientista isolado no seu gabinete
a fazer Ciência caducou, já não tem interesse, e não é assim que os institutos se constroem hoje.
Os institutos de investigação constroem-se através de redes de cientistas com os mesmos

87
GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

interesses, que se comunicam, que trocam ideias e que têm que estar sempre na frente do co-
nhecimento. Têm de ser sempre tão bons e estar sempre tão bem informados como os melhores.
Não é por qualquer elitismo que dizemos que a Ciência só pode ser excelente. É um facto.
Nós podemos produzir um automóvel, ou um frigorífico que é melhor do que outro, mas o co-
nhecimento ou é conhecimento ou não é conhecimento, ou somos capazes de produzir conhe-
cimento ou não somos capazes de produzir conhecimento. Portanto, é por esta razão que a
Ciência só pode ser boa. Não há Ciência má e Ciência fraca, a Ciência má não vale nada. E hoje,
felizmente, esta noção está na mente dos nossos governantes, está na mente dos cientistas por-
tugueses, e as próprias instituições mais tradicionalistas estão a reconhecer que não podemos
ser, e não somos mais, um país isolado cientificamente.
A terceira mensagem que vos queria transmitir é uma explicação sobre como surge a
nossa intervenção no Ciência Viva. Devo dizer, e aqui penitencio-me, que inicialmente não liguei
muito ao desafio do programa da Ciência Viva. Geralmente, ando muito ocupado com outras
coisas, com os afazeres da minha própria instituição. Não foi por qualquer desprezo, por qual-
quer desdém, mas não tenho tempo para fazer todas as coisas. E foi só, gradualmente, que o
Centro de Neurociências de Coimbra acabou por ficar envolvido nas actividades da Ciência Viva.
Vou-vos dizer como isso aconteceu. Primeiro, o nosso Ministro da Ciência, o Professor
Mariano Gago, persistentemente visita as instituições científicas para saber o que está a aconte-
cer. O que é certo é que ele às vezes instiga-nos a fazer coisas que nós não faríamos normal-
mente. Foi com uma destas visitas do Senhor Ministro que comecei a sentir que o Centro de
Neurociências também teria de participar no Ciência Viva.
Optámos por criar o nosso próprio método de nos introduzirmos no Programa da Ciência
Viva. O que fizemos foi o seguinte: criámos uma acção directa entre o Centro de Neurociências
e três escolas, e propusemos receber entre 8 e 16 alunos durante o Verão, que nos são envia-
dos pelas escolas que seleccionam os alunos que nos querem mandar.
A geminação das escolas com o Centro de Neurociências foi feita através das ligações que
já existem entre o nosso corpo de investigadores e os professores das escolas.
Evoluímos já para a criação de um mestrado que é dirigido ao ensino da Biologia, e estamos
a pensar em associar este mestrado a esta actividade do Ciência Viva. Aliás, houve uma nova ideia
que emergiu recentemente: a ideia é que cada dissertação de mestrado realizada por um profes-
sor do ensino secundário constitua um projecto do Ciência Viva. A dissertação deve contribuir com
novos conhecimentos para o avanço dos processos de comunicar Ciência aos alunos. Isto também
é criatividade, isto também é original e justifica-se como uma dissertação de mestrado.
O Programa Ciência Viva tem dado origem a muitas iniciativas importantes, e acho que
temos um substrato muito importante que não devemos deixar cair. Sinceramente, inicialmente
fui um bocado avesso a ingressar nesta actividade, mas hoje estou muito entusiasmado e espero
que este meu entusiasmo possa contagiar alguns de vós.
Obrigado.

88
SESSÃO PLENÁRIA

Professor António Veríssimo


Centro de Neurociências de Coimbra

Muito bom dia a todos. O Professor Arsélio já vos explicou qual era a nossa ideia do Centro
de Investigação que se adapta perfeitamente à nossa ideia de geminação que vos queria muito
brevemente tentar explicar. Antes disso, vou só apresentar as escolas que estão connosco gemi-
nadas: são a Escola Secundária Dom Diniz, a Escola Secundária lnfanta Dona Maria e a Escola
Secundária Quinta das Flores, todas da zona de Coimbra e todas da zona urbana de Coimbra.
Se se lembram, o Dr. Arsélio explicou que o Centro de Neurociências não é um centro de
investigação com paredes nem sequer de vidro: não tem paredes de todo.
A nossa ideia de geminação surge um pouco nessa linha ou, se quiserem, nessa filosofia
inerente ao próprio Centro, tentando alargar cada vez mais as pessoas que constituem o Centro
e não sendo, neste caso, necessário derrubar paredes porque elas não existem ou, pelo menos
do nosso lado, presumimos que não existem. De modo que a nossa ideia de geminação pode
ser facilmente resumida num lema que eu tentei escrever para vocês e que se pode resumir
então no seguinte: A escola à procura de Ciência, a Ciência à disposição da escola.
O que é que queremos dizer com isto? Queremos dizer que se a escola for à procura, e
aqui a responsabilidade é, do nosso ponto de vista, da escola – de resto essa ideia de autores-
ponsabilização da escola e dos professores penso que é também uma ideia que agrada a todo
o Programa Ciência Viva – de modo que nós, nesta ideia de geminação, pretendemos mantê-la
também. E então, se quando a escola vem à procura de Ciência sente essa necessidade, nós
estamos lá à disposição para ajudar a, de um modo geral, procurar e, quem sabe, até mesmo a
construir e a divulgar essa ciência.
De modo que, o que nós fizemos a nível prático com estas três escolas foi propor esta ideia
e apresentar, à partida, uma pequenina lista de pequenas acções concretas que poderíamos
começar a realizar para desenvolver actividades.
Uma vez que não tínhamos qualquer tipo de actividade ou de ligação, digamos, mais insti-
tucional entre o Centro de Investigação e estas escolas o que nós propusemos às escolas foi,
muito pragmaticamente, ajudar na instalação de laboratórios para o ensino de ciências, utilizar
o nosso know how, a escola utilizar o nosso know how para esse efeito. Propusemos também
que eles nos usassem para a instalação e manutenção de equipamentos científicos que nós
sabemos que, por vezes, existem nas escolas mas que os professores têm alguma dificuldade em
utilizar e, inclusivamente, em manter.
Outra grande dificuldade que nós pensamos que nalgumas escolas existe é o acesso a
coisas tão simples que um centro de investigação tem, que manobra no seu dia-a-dia, que são

89
GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

catálogos de equipamentos e de reagentes. De modo que uma das coisas que nos propomos foi
facilitar o acesso a essas coisas simples também.
Uma vez que grande parte da nossa actividade está relacionada com Biologia, propusemos
também uma outra coisa que para alguns professores, nomeadamente da área do 11º B, é por
vezes muito difícil de obter nas escolas e que são certos tipos de material biológico. Estamos a
pensar em quê? Por exemplo culturas bacterianas, culturas de algumas células específicas, esta-
mos a pensar inclusivamente em organismos celulares que dificilmente poderão ser isolados nas
escolas.
Os professores ou alguns alunos podem dirigir-se ao centro e, porque não, com o nosso
auxilio isolarem, por exemplo, cloroplastos, mitocôndrias – parece que aqui em Lisboa este muda
de sexo, não é? Segundo parece não são mitocôndrias, são mitocôndrios. Mas, enfim, tanto faz
pois estamos a falar da mesma coisa – portanto é essa a nossa ideia em relação ao material
biológico, ou outro que eventualmente nós tenhamos possibilidade de obter.
Outra questão muito pragmática que propusemos foi o intercâmbio de protocolos expe-
rimentais. Nós temos alguns, as escolas provavelmente têm outros que nos podem melhorar na
nossa docência diária, aqueles que somos docentes e que pertencemos ao centro de investi-
gação.
Outra coisa que nós notamos que geralmente os professores têm acesso difícil e que nós
temos logo ali à mão é uma biblioteca. Propusemos também que os professores e os alunos das
escolas tivessem acesso à nossa biblioteca.
Finalmente, propusemos dar o nosso apoio e a nossa disponibilidade a projectos de inves-
tigação que estejam já a decorrer nas escolas e auxiliar noutros quaisquer problemas que as pes-
soas queiram, seja de cariz experimental, seja de cariz teórico: alguém tem uma dúvida qual-
quer, um detalhe qualquer teórico que não sabe como resolver. Não tem problema: telefona,
manda um correio electrónico, escreve, faz o que entende.
Portanto, esta foi a nossa inicial proposta de dinamização às escolas, mas sempre com
intenção de estarmos abertos a todo outro tipo de iniciativas. Esta parece-nos, ou pareceu-nos,
a base mínima de partida que nós poderíamos oferecer.
O nosso processo de geminação é recente e não posso apresentar-vos, neste momento,
grandes resultados deste nosso processo. Posso é informar-vos, talvez seja interessante, de
algumas pequenas dificuldades ou sucessos que tivemos no caminho de construção dessa
própria geminação. E, muito rapidamente para não vos roubar mais tempo, chegámos a algu-
mas conclusões que parece que são importantes.
Primeiro, no nosso caso, após a geminação institucional, após os presidentes de ambas as
instituições assinarem um papel, achámos fundamental personalizar os contactos, isto é, tem
que haver pessoas com que outras pessoas do outro lado saibam contactar. Tem de haver um
número de telefone, um nome, um correio electrónico. E, a partir daí, essas instituições formam
uma espécie de rede.

90
SESSÃO PLENÁRIA

Depois, pareceu-nos muito importante – e já o fizemos – constituir em todas estas institui-


ções, nas quatro, núcleos de dinamização, aquilo a que eu chamo um núcleo duro, que depois
forma a tal rede nas quatro instituições.
Pareceu–nos também interessante, e chegámos a essa conclusão, que era muito impor-
tante procurar a discussão em grupos interdisciplinares das actividades a realizar consoante as
necessidades de cada escola. Verificámos, também, que cada escola é ou pode ser um mundo
diferente, com realidades diferentes das outras escolas, e é importante ter isso em conta.
Finalmente, uma conclusão muito importante a que chegámos: é que a programação das
actividades deve respeitar muito rigorosamente o calendário que os professores são obrigados a
cumprir.
Para terminar, gostava de vos dizer que com as três escolas nós temos agendado já, e o
Professor Arsélio Pato de Carvalho já falou nisso, o projecto Ciência Viva nas Férias, que neste
ano particular vai decorrer no nosso Laboratório de Biologia Celular e Neuroquímica, sobre um
tema geral de cultura de células animais. Os 9 alunos que nós vamos receber são obviamente 3
de cada uma das nossas escolas geminadas e, portanto, foi cada uma das escolas que escolheu
os 3 alunos em conjunto connosco. Temos já agendado, também para todas as escolas, reuniões
a efectuar no dia 9 e 10 de Setembro deste ano para calendarização das actividades mais especí-
ficas com cada uma das escolas. Para além disso, gostava também de vos apresentar aquela que
é, provavelmente, a nossa ‘jóia da coroa’, que é a Escola Secundária da Quinta das Flores. Para
além deste tipo de actividade mais geral, a Dra. Isabel Paiva explicar-vos-ia todos os projectos
que estamos a desenvolver ou a tentar incrementar com relação especificamente a essa escola.
Muito obrigado.

91
GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

Drª Isabel Paiva


Escola Secundária da Quinta das Flores, Coimbra

Venho aqui em representação da Escola Secundária da Quinta das Flores, para fazer sen-
tir o quão importante foi para nós o projecto de geminação ora apresentado.
Os projectos de geminação são importantes para as escolas, por uma razão tão simples
como esta: a ciência experimental nas escolas é uma necessidade incontornável. Há necessidade
de a fazer, mas há sempre um duro caminho a percorrer para concretizar algumas actividades.
Normalmente, as pessoas desmotivam-se, porque não há condições, os apoios são poucos e
pode haver muitas ideias, mas normalmente ficam pelo caminho.
Em relação à Escola Secundária Quinta das Flores, e na sequência do protocolo de gemi-
nação, houve a capacidade de pensar alguns projectos que gostaríamos muito de levar a cabo.
De entre as actividades iniciadas durante este ano lectivo, tivemos algum sucesso com um ciclo
de conferências, que intitulámos "A Ciência Universitária na Escola", e que abordou temas
como a Biotecnologia, a Saúde, a Microbiologia e até a Genética Molecular, normalmente feitas
por conferencistas que chegaram muito próximo dos nossos alunos.
Avaliado este projecto junto dos alunos verificou-se que as mensagens tinham passado e,
sem excepção, consideraram ser uma forma muito agradável de obter informação. É, portanto,
um trabalho a continuar e o Centro de Neurociências vai-nos possibilitar o contacto com muito
mais cientistas, sobretudo facilitando-o, porque são pessoas muito ocupadas e por vezes não
percebem a importância destas actividades a nível do Ensino Secundário. A sua colaboração será
facilitada se estiverem motivadas e estarão se forem parte integrante de uma geminação.
Por outro lado, algumas das maiores preocupações nas escolas são o ensino para a Saúde
e para o Ambiente. São conteúdos que estão pouco considerados de forma explícita nos pro-
gramas, mas estão presentes na sua articulação transversal. Portanto nós queremos apostar prin-
cipalmente em projectos do tipo interdisciplinar que cumpram essa metodologia.
A nossa escola tem um belíssimo espaço exterior, tem também bons laboratórios em ter-
mos de espaço físico e de alguns materiais. Os laboratórios não estão muito bem organizados
e como o Dr. Veríssimo acabou de dizer, essa é uma das ajudas prioritárias do CNC: reorganizar
os laboratórios e rentabilizá-los mais.
Temos ainda em mente um outro projecto. As escolas secundárias enfrentam um problema
grave. O ensino secundário são 3 anos de escolaridade e, portanto, a permanência dos alunos do
ensino secundário na escola é de 3 anos (10º, 11º, 12º). Portanto, ao entrarem na escola, no 10º
ano, os alunos precisam eventualmente de um ano de adaptação. Quando estão preparados para
começar a actuar e participar em projectos extracurriculares, vão entrar no 12º e saem.

92
SESSÃO PARALELA

O nosso projecto é algo ambicioso e vai criar um eixo talvez um pouco para além até do
que estava pensado pela geminação. A geminação pretende criar uma ligação entre o ensino
superior e o ensino secundário.
Nós vamos mais longe, para que essa ligação seja ensino superior – ensino secundário –
ensino básico. O projecto que pretendemos muito acarinhado pelo Centro de Neurociências é
exactamente a capacidade de preparar actividades que vão ser desenvolvidas na escola, no
nosso espaço exterior e nos nossos laboratórios, com alunos de escolas básicas da área da Escola
Secundária da Quinta das Flores. Essa proximidade permitirá a esses alunos conhecerem a esco-
la antes de para lá irem e, provavelmente, optarem por ela e optar por algumas actividades da
escola. Quando lá chegarem, já terão conhecimento do que a escola lhes poderá oferecer.
Mas queríamos mais do que isso, queríamos que os grandes organizadores e entusiastas
destas actividades fossem fundamentalmente os nossos alunos, aqueles que estão lá hoje.
Queremos, por isso, começar no próximo mês de Setembro com a formação de monitores para
essas actividades e esses monitores serão os nossos alunos. Mais do que isso, alguns desses
monitores poderão ser os alunos que a nossa escola indicou ao Centro de Neurociências para o
Programa Ciência Viva nas Férias. Vamos tentar encaixar todos esses pontos do processo, de
forma a obter o maior êxito possível.
Poderia terminar por aqui. Embora haja muitos outros projectos, acho que o fundamental
é pensar como tudo isto poderá gerar o tal entusiasmo na educação para a Saúde e para o
Ambiente, e sobretudo ganhar a partida da educação através de informação actualizada, expe-
rimentada e portanto muito facilmente aprendida. Só se o conhecimento for actual e prático é
que pode ser aprendido sem esforço, aprendido com gosto e permitir uma escolha consciente
no futuro.

93
GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

Professor José Pissarra


Departamento de Botânica da Universidade do Porto
e IBMC

Em primeiro lugar queria apresentar os meus cumprimentos a todos os presentes e


agradecer ao Programa Ciência Viva do Ministério da Ciência e da Tecnologia, na pessoa da
Professora Ana Noronha, o convite para estar aqui presente e relatar algumas experiências no
âmbito das Geminações. Vou ser muito breve, por questões de temperamento e porque muitas
das considerações que poderia tecer já foram feitas anteriormente.
Começando pela geminação estabelecida entre o Instituto de Biologia Molecular e Celular
da Universidade do Porto (IBMC) e a Escola Secundária Carolina Michaelis, importa referir que o
IBMC é uma instituição multidisciplinar que aglutina diversos grupos de investigação que parti-
lham interesses comuns. São grupos de investigadores das Faculdades de Ciências, de Farmácia
e de Medicina, do Instituto de Ciências Biomédicas "Abel Salazar", do Hospital Geral Santo
António, do Instituto de Genética Médica e do instituto Nacional de Saúde "Dr. Ricardo Jorge",
que obviamente desenvolvem investigação básica e aplicada em áreas da Biologia. O apoio que
o IBMC tem dado e que pode dar insere-se dentro desta área do saber.
A geminação estabelecida com a Escola Secundária Carolina Michaelis tem consistido na
prestação de apoio diverso desde interpretação de compêndios, cedência de material –
nomeadamente culturas bacterianas – e em ajuda em técnicas diversas de Microbiologia.
Ao falar em Microbiologia, permitam-me que refira aqui um aspecto muito curioso, que é
o seguinte: perguntava-me um docente do ensino secundário o que é que eram e para que é
que serviam os mesossomas, uma vez que vinham descritos como tendo muitas funções. E eu
disse-lhe pura e simplesmente que os mesossomas não existem. "Mas não pode ser, vem nos
compêndios!". Acrescentei que "foram escritos tratados, mas há um cientista português, o
Professor Dr. Teixeira da Silva, cujo trabalho é reconhecido pela comunidade científica interna-
cional, que demonstrou que os mesossomas não existem; demonstrou que é possível induzir
tantos mesossomas quantos se quiserem quando os processos de fixação não são adequados".
Isto vem na sequência do que disse o Professor Dr. Pato de Carvalho, quando falava que
a investigação tem de ser de excelência.
Temos, neste caso concreto, investigação de excelência, foi produzido conhecimento que
de facto só é um, que os mesossomas não existem. E, para espanto meu, dizem-me que o assun-
to vem nos programas que emanam do Ministério da Educação. Não pude resistir a denunciar
esta situação e exortava os colegas a corrigirem tudo isto.
Ainda dentro da geminação estabelecida com a Escola Secundária Carolina Michaelis, o
apoio tem-se restringido ao domínio da Microbiologia estando, inclusive, programado um curso

94
SESSÃO PARALELA

sobre "Aspectos Básicos da Prática Microbiológica" para docentes desta Escola e que decorrerá
no IBMC. Será ministrado por especialistas na matéria e versará técnicas básicas de cultura de
micro-organismos, de coloração e de identificação.
A outra geminação foi estabelecida com a Escola Secundária Almeida Garrett e tem-se
traduzido em apoio técnico e científico, fundamentalmente, nos domínios da Biologia Vegetal,
porque foi uma geminação estabelecida entre o Departamento de Botânica da Faculdade de
Ciências da Universidade do Porto e esta escola do ensino secundário.
É daquelas situações que resultam de sinergias diversas, de intercâmbio e de conheci-
mentos pessoais. Eu diria que o trabalho de base e a colaboração já existiam e só depois é que
surgiu a ideia de estabelecer a geminação. Nesta sequência foi possível organizar um workshop
que decorreu nas instalações da escola, subordinado ao tema "Técnicas de microscopia e
processamento de material para observação ao microscópio óptico".
Este tipo de geminações é, na realidade, uma cooperação entre as comunidades científi-
cas e educativa. Pela nossa parte, a cooperação com as instituições do ensino secundário é uma
prática muito antiga a que o Ciência Viva veio, de certa maneira, dar uma cobertura legal e uma
face visível.
Mas nem todas as instituições científicas podem proceder do mesmo modo. E, por outro
lado, será que de facto a comunidade científica é tão aberta a colaborar com as instituições do
ensino secundário? Vou deixar estes pontos mais polémicos e as suas implicações para o meu
colega, o Dr. Jorge Coelho.

95
GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

Dr. Jorge Coelho


Escola Secundária Almeida Garrett, Vila Nova de Gaia

Bom dia. Eu estou a representar a escola secundária Almeida Garrett. Uma escola urbana
da cidade de Vila Nova de Gaia.
O nosso protocolo de cooperação, em termos informais, com o Departamento de Botânica
da Universidade do Porto, era algo que já se tinha estabelecido nos anos anteriores. De qualquer
das formas, aquando da assinatura do protocolo de cooperação, ocorre-me reler a primeira linha
que diz "a cooperação entre as comunidades científicas e educativas...". Este ponto assume-se,
pelo menos para mim, como uma grande dúvida, isto é, se de facto ela existe, ou se ocorre de
uma forma esporádica. Às vezes nós, como professores do ensino secundário, não identificamos
a formalização dessas relações, mas em termos informais, pelo menos, a comunidade educati-
va está interessada nos processos da produção do conhecimento científico que as instituições do
ensino superior produzem.
Implicações da produção do conhecimento científico e do desenvolvimento tecnológico ao
nível da sociedade (axiológicas, portanto de valores), inclusivamente implicações políticas, tudo
isso se vai repercutir no nosso modo de ensinar ciência.
Na projecção que estão a ver, a seta pretende mostrar o sentido que assume essa mesma
relação, entre a comunidade dos investigadores e a comunidade escolar, portanto unidireccional.
De qualquer das formas, essas relações, mesmo informais, existem.
Existem e porquê? Porque existem áreas de interesse comuns. A comunidade científica ao dar
a conhecer o currículo dos seus cursos aos nossos alunos do ensino secundário, portanto, 10º, 11º e
12º anos, pretende cativar alunos de "primeira escolha". Eu coloquei a expressão entre aspas, porque
a expressão não é minha. Assume o significado de os alunos poderem de forma intencional escolher
cursos ditos das ciências experimentais, como por exemplo, a Física, a Química, a Biologia e a
Geologia, mas como primeira opção e não ser um outro curso numa segunda opção.
A comunidade científica está hoje mais interessada em divulgar o que estão fazendo nos
respectivos departamentos e por outro lado, disponibilizam-se para desenvolver acções de for-
mação de professores de ciências.
Divulgar ciência, em termos muito genéricos, pode passar pela apresentação de uma sim-
ples publicação, ou pode assumir um contacto mais informal, através da disponibilização, por
exemplo, dos espaços das instituições do ensino superior, sob a forma de visitas guiadas aos la-
boratórios dos respectivos departamentos. Por outro lado, a comunidade escolar tem também
algumas áreas de interesse nomeadamente no aprofundamento de conhecimentos sobre dife-
rentes teorias e hipóteses científicas, porque importa aos docente saber os contextos de

96
SESSÃO PLENÁRIA

descoberta e justificação para produzirem um produto final para o aluno, em termos de fichas
de trabalho, ou de criação de protocolos experimentais, de índole mais investigativa.
Os professores do ensino secundário, sentem a necessidade de ter presente os contextos
da descoberta, as suas implicações, aqueles caminhos que não são tão conhecidos e que muitas
vezes passam pela resolução de situações de erro. É, também, de grande relevância os profes-
sores terem presente o conhecimento dos contextos da própria justificação, a forma como é
acreditado o conhecimento científico pela comunidade científica.
Para o professor do ensino secundário é fundamental a aquisição de conhecimento mani-
pulativo ou processual sobre as diferentes metodologias que são utilizadas ao nível da investigação,
para um melhor desenvolvimento das estratégias de ensino e para a construção adequada de
novos materiais sustentados numa didáctica construtivista no ensino das ciências. Assim, a didácti-
ca construtivista pode dar um contributo no sentido de mostrar que as experiências feitas na sala
de aula não têm o mesmo valor epistemológico da experimentação realizada nos departamentos
de investigação, actualmente. Cabe à didáctica revelar melhor essa realidade.
Para terminar esta comunicação gostaria de referir aquilo que ao nível da nossa escola foi
realizado antes da própria assinatura do protocolo.
Nós desenvolvemos um workshop com sessões práticas e teóricas que são "espaços" pri-
vilegiados, onde o nosso grupo disciplinar se pode reunir com investigadores convidados. De
concreto, realizamos a preparação de tecidos e estruturas vegetais para microscopia óptica.
Também, como professores, estamos bastante carenciados e necessitamos de apoio bibliográfi-
co relacionado com aspectos de divulgação científica, como por exemplo sobre os actuais pro-
blemas na investigação.
Os contextos problemáticos da investigação de uma comunidade científica, podem ser apro-
priados pelos nossos alunos na sala de aula, sob a forma de teorias e hipóteses de trabalho expe-
rimental. Como professores devemos apresentar um trabalho prático, não do "tipo receita" ou
"demonstrativo", isto é, em que o aluno possa só verificar, ou que o professor possa mostrar pe-
rante a turma, mas sim de um novo modelo que possibilite aos alunos aprender a fazer fazendo.
A consulta sobre metodologias experimentais e recursos tecnológicos – no sentido de dar
uma faceta plural às diferentes metodologias de ensino – pode, sinceramente, contribuir para
ultrapassar aquele conceito sobre a existência apenas de um único método: o método científi-
co. Portanto uma pluralidade de métodos devia estar contemplada e subjacente na elaboração
dos protocolos experimentais do trabalho prático na sala de aula.
Em síntese: I) deverão desenvolver-se projectos educacionais que valorizem um trabalho práti-
co, de índole mais investigativa, para que os alunos tenham um melhor gosto pela ciência e que não
percam essa apetência à medida que vão percorrendo o ensino secundário; II) as experiências desen-
volvidas na sala de aula proporcionem aos alunos uma cumplicidade na obtenção de resultados, que
embora tenham sido já previamente obtidos pelos cientistas, sejam resultados ajustados aos pro-
blemas científicos de que eles se apropriaram como se fossem os seus. Muito obrigado.

97
GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

Professor Carlos Mota Soares


Instituto de Mecânica, Instituto Superior Técnico de Lisboa

Bom dia. A minha intervenção vai ser muito curta: dois comentários gerais e deixo o resto
do tempo ao Eng. Manuel Lima para relatar a experiência concreta da nossa geminação. O inte-
resse da geminação entre instituições de investigação e escolas secundárias é, na minha opinião,
objectivo e não é paternalista. Consigo ver pelo menos quatro objectivos nessa relação. Primeiro,
interessar os alunos pela Ciência ou pela Engenharia em particular. Segundo, um objectivo par-
ticular, o recrutamento de futuros engenheiros e investigadores. O terceiro objectivo será o inte-
ressar os professores do ensino secundário pela investigação. Quarto objectivo será o recruta-
mento de professores do ensino secundário para fazerem mestrados e doutoramentos e assim
elevar o nível do sistema de educação nacional.
No caso particular desta geminação entre o Instituto de Engenharia Mecânica e a Escola
Secundária Gago Coutinho tem como objectivo colaborar e melhorar de facto os projectos apre-
sentados pela escola. Aqui, repito, nos projectos apresentados pela escola, a nossa colaboração
é tentar com o nosso conhecimento, com os nossos laboratórios, com os nossos computadores,
colaborar com a escola no melhoramento desses projectos.
Temos tido a sorte de contar com o Eng. Manuel Lima já o conheço há muitos anos, como
aluno de licenciatura e nos últimos anos como aluno de mestrado, e penso que quando acabar
o Mestrado irá intensificar a relação já profunda entre as nossas duas instituições. Como digo,
para mim é uma relação objectiva e não paternalista. Passo a palavra ao Eng. Manuel Lima.

98
SESSÃO PLENÁRIA

Eng. Manuel Gomes Lima


Escola Secundária Gago Coutinho, Vila Franca de Xira

Bom dia a todos. O Professor Carlos Mota Soares deixou-me uma franja, ele disse muito
em poucas palavras e sobretudo disse o que é fundamental. Fundamental e verdadeiro. Deixou-
-me, em todo o caso, uma franja que eu vou aproveitar em dois vectores.
O primeiro, dar uma breve notícia do que tem sido o trabalho do Departamento de
Mecânica da Escola Secundária Gago Coutinho e o segundo dar umas dicas sobre qual é a
filosofia que lhe está subjacente.
A dica que eu vou aproveitar, digamos a margem de manobra que me ficou, tem a ver
com a relação da Escola Secundária Gago Coutinho com empresas. Nós há seis anos, concreta-
mente já vamos no sétimo ano de actividade nesse sentido, temos vindo a desenvolver uma série
de protótipos objectivamente vocacionados para aplicações hidráulicas e electro-hidráulicas,
onde sejam contemplados todos os conteúdos programáticos das disciplinas de Mecânica, dos
cursos tecnológicos de Mecânica.
Assim, começámos por construir uma quinadeira para chapa de aço de 4 mm e 1 m de
comprimento, tensão redutora para 45 Kg a máxima. Construímos três máquinas de rachar
lenha, de accionamento electro-hidráulico, todas elas com características diferentes, sendo uma
delas já industrial. Construímos, e neste momento está em fase de acabamento, uma platafor-
ma elevatória de tesoura dupla também electro-hidráulica para 1.500 kg de capacidade de carga
e 2,20 m de cota. Desculpem, eu acelerei um bocadinho. É que, sabem, o tempo é pouco e o
trabalho muito, falta de hábito.
Então, estava eu a dizer, para além daquelas máquinas maravilhosas que nós construímos
e de que nos orgulhamos muito, temos continuado a relatar os nossos feitos, estamos neste
momento a acabar uma plataforma elevatória de tesoura, dupla, também de accionamento
electro-hidráulico, também de características industriais, 1.500 kg de capacidade de carga má-
xima e 2 metros e meio de cota. Isto, digamos, sem um objectivo claro, ou seja, sem termos um
cliente à vista.
Curiosamente, todas as máquinas que nós acabámos – estamos a falar da quinadeira e
estamos a falar das máquinas de rachar lenha – estão todas vendidas, sendo o resultado do pro-
duto da venda dessas máquinas revertido a favor de novas experiências com o objectivo de dar-
mos saltos qualitativos no nosso ensino.
Esta relação que temos com a empresa, concretamente com a Cabena, eu tenho estado à
espera que o Sr. António José Gameiro, que é a pessoa responsável junto de nós pela Cabena,
e que tem tido uma abertura de espírito que apostou na escola, isto é, ele apercebeu-se por

99
GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

aquilo que viu - aquilo que viu não foi ainda o que nós temos – apercebeu-se do potencial que
nós representávamos enquanto elemento de ligação ao meio industrial.
É esta fatia, esta margem de manobra que o Professor Carlos Mota Soares deixou que eu
queria explorar e que tem a ver com o terceiro vértice do triângulo, o chamado triângulo da feli-
cidade, penso eu, que nós queremos construir. Vértices definidos claramente pelo Instituto
Superior Técnico e LEMEC, pela Escola Secundária Gago Coutinho – Departamento de Mecânica
e, neste caso concreto, com a Cabena.
O que é que nós estamos a fazer junto desta empresa? Nós estamos a colocar aquilo que
a escola tem em termos de potencial, não são só os equipamentos, não são só todas as
máquinas operativas que temos no nosso departamento, mas sobretudo, o potencial represen-
tado por professores e alunos, que são ao fim e ao cabo os grandes beneficiários por parte da
escola, os grandes beneficiários desta geminação, a todos os níveis.
Da parte da empresa, esta ligação representa, e estou convencido que isto é recíproco,
representa o grande desejo que existe de ambas as partes de integrar ciência no dia-a-dia. Ao
fim e ao cabo, vamos resumir, o nosso objectivo enquanto escola é criar cientistas de fato-maca-
co, estamos muito a precisar deles. E esses cientistas de fato-macaco, meus amigos, são o
futuro, pensamos nós.
Tenho aqui dois jovens, aqui nesta sala, que estão a ouvir este discurso. Estou a criar-lhes
responsabilidades, pelo menos aquela de transmitir esta mensagem – não é que eles já não
saibam – e queria aproveitar também para vos convidar a ver o nosso stand, examinar com
cuidado, à lupa se quiserem, o trabalho representado pela escavadora. Anterior a este, desen-
volvemos também um projecto da parte da escola, que tem a ver com a colaboração de projec-
to e desenvolvimento do chassis, pela varredora e aspiradora urbana, e neste momento com o
prestígio que fomos ganhando com esta ligação, fomos convidados a desenvolver projectos ao
nível autárquico. Efectivamente, está lá um mini-poster, enfim, que não estará muito acabado,
mas nós somos só engenheiros, não temos habilidade nenhuma para expor o nosso trabalho,
queremos é que a máquina funcione. No entanto, peço-vos que atentem no substrato subja-
cente ao que lá está.
E o que lá está é um projecto que vamos desenvolver já para o próximo ano e o nosso
cliente é a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, e que consiste numa plataforma elevatória
de tesoura para serventia das cozinhas da Câmara. E há outros projectos a seguir. Resumindo,
nós já temos trabalho que chegue para os próximos três anos. No entanto, não é só esta ligação
que está a ser privilegiada, também para olhar para dentro da escola com o objectivo de incre-
mentar, e isto é muito importante, incrementou a relação interdisciplinar de todos os núcleos da
nossa escola. Estamos a construir também um túnel de vento em circuito fechado para o ensi-
no da mecânica dos fluídos nas disciplinas de Física e de Mecânica.
O que é que eu gostava de vos dizer mais. Bem, se me dessem corda estávamos aqui o
resto da manhã a falar porque há muito, muito, muito a dizer.

100
SESSÃO PLENÁRIA

Eu gostava antes de mais, de dizer o seguinte, isto é muito importante e parece-me que
é a pedra de toque de toda esta actividade. Nós estamos a assistir - e nem sempre nos apercebe-
mos disso, porque o processo é complexo – estamos a assistir a uma mudança muito grande,
nós estamos a ver coisas que eram os nossos símbolos, digamos da malta da minha geração, de
bem-estar, de futuro e de confiança, estamos a vê-los praticamente, eu diria corrompidos no
sentido lato da palavra, só que a gente não pode cruzar os braços.
O facto de as coisas se estarem a modificar cria-nos um dilema: a gente ou encosta ou vai
para a frente. Para quem quer ir para a frente, como é o nosso caso, há duas coisas que esta-
mos proibidos de fazer, uma é de baixar os braços e outra é de contemporizar. A nossa tarefa é
resistir.
Temos que resistir a quê?
Temos que resistir à solicitação do mais fácil. A solicitação do mais fácil é a solicitação do
preguiçoso. Nós temos que resistir a abrandar o rigor dos currícula programáticos, a pretexto
de que os miúdos, e é verdade, vêm cada vez mais mal preparados. Nós temos que resistir ao
facilitismo do deixa andar. Isto é, nós não podemos dizer o colectivo da turma é muito fraqui-
nho, temos de passar alguns, que é para garantir a quantidade do sistema. Nós temos que acer-
tar ao nosso nível, e somos nós que andamos cá em baixo, nós é que nos apercebemos da rea-
lidade da base da pirâmide, nós temos que alertar as pessoas felizmente bem intencionadas que
ainda temos para esta realidade e mobilizar todos os recursos a todos os níveis para que esta
situação se inverta.
Reparem, muita da nossa malta, dos nossos miúdos, são solicitados ou porque precisam
mesmo de dinheiro ou porque querem comprar uma mota, são solicitados a passar as suas férias
num mega-emprego qualquer, ou a conduzir uma empilhadora ou a servir umas sandes para
fazerem uns trocos para a mota.
Bem, nós na Gago Coutinho tentámos dar a volta a isso, o Departamento de Mecânica, e
temos estágios durante as férias na Lisnave, nas OGMAS, na Câmara Municipal de Vila Franca
de Xira e o que mais adiante se verá. Estágios remunerados, não tão bem remunerados como
o mega-emprego, mas onde a malta vai aprender e vai vergar a mola e vai saber o que é que
custa a realidade cá fora. Isto é o mínimo que a gente pode fazer.
Eu gostava muito de continuar aqui, mas já esgotei o tempo da minha intervenção.

101
GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

Debate
Moderadora: Professora Ana Noronha

PROFESSORA UNIVERSITÁRIA, MATEMÁTICA


Gostei muito das intervenções aqui proferidas, das pequenas intervenções, porque dão
imagem de sucesso de cooperação das instituições de ensino superior e as escolas. Tenho algu-
ma experiência de três anos desse tipo de colaboração, embora não seja uma colaboração insti-
tucional, sou docente do ensino superior e tenho tido colaboração com as escolas, e tenho sen-
tido algumas dificuldades que gostava de adiantar.
Vou aproveitar esta oportunidade para colocar algumas questões que me têm preocupado
e que aqui me pareceram que não eram sentidas. Uma dessas preocupações é a nível de adesão
de professores nas escolas. Gostava de saber como é que, e também da outra escola da Almeida
Garrett, como é que são mobilizados os professores para participarem neste tipo de experiências.
A minha experiência pessoal é que esta mobilização é extremamente complicada, vive
muitas vezes de uma pessoa que faz o que pode e depois de alguns estagiários e isso traz alguns
inconvenientes porque os estagiários estão lá durante aquele ano. Depois, no ano seguinte, já
não se encontram na mesma escola e a dinâmica que foi criada num ano, e que parecia exce-
lente, no ano seguinte deixa de existir.
Tenho o exemplo de uma escola no Porto, em que havia um entusiasmo enorme da parte
da escola, dos alunos, mas no ano seguinte, os estagiários que tinham sido meus alunos na
Faculdade deixaram de estar nessa escola. A escola ainda aderiu ao projecto mas com uma par-
ticipação extremamente reduzida.
Talvez os professores de Ciências sejam diferentes dos professores da minha área, a
Matemática, mas já agora gostava de saber qual é a dinâmica criada nas escolas no âmbito
destas colaborações. Obrigada.

PROFESSORA UNIVERSITÁRIA
Foi exactamente ao encontro do problema da nossa escola, que é o da formação de novos
professores.
Sou orientadora de estágio e são também os estagiários que trabalham nestes projectos.
Não há dúvida que, de qualquer forma, há mais gente empenhada em fazer coisas, mas eu
penso que ao contrário de os estagiários serem um perigo na morte dos projectos eles são sobre-
tudo o seu futuro noutras escolas. E isso é que eu acho que é muito importante.
Portanto, se pelo menos eles levarem de cada escola o exemplo, empenho e interesse,
provavelmente nas suas novas escolas eles vão fazer o mesmo: por cada quatro estagiários que

102
SESSÃO PLENÁRIA

saem por ano na minha escola, vão quatro escolas ganhar com isso. Quer dizer, eles vão estar
na origem de uma forma de disseminação de todo o projecto de execução e de formação.
Claro que em relação ao que acontece em cada escola, quem faz os projectos são pessoas,
no fundo não é a escola toda, são pessoas, e o Dr. Veríssimo sublinhou bem isso também em
termos de geminação, são pessoas, não são instituições só. Nós temos que personalizar esses
contactos, e a escola ganha muito com isso. Há sempre pessoas empenhadas, temos é que não
desistir, temos de continuar a tentar, a tentar para que cada vez haja mais pessoas empenhadas.
Não sei se respondi...

PROFESSORA TERESA ANTUNES


Bom dia. Eu sou Teresa Antunes, sou da Faculdade de Ciências de Lisboa, Centro de
Biologia Ambiental. Era só para referir uma experiência que tive em relação a estágios pedagógi-
cos, em que as alunas tinham um projecto e eu fazia a parte de orientação científica. Achei que
o projecto – fiz uma visita ao Forum, como este que está a decorrer – achei que o projecto era
muito interessante e incentivei bastante a escola onde elas estavam, a orientadora, que concor-
ressem ao projecto. Elas puseram logo o problema de no ano a seguir não estarem na escola,
não estarem nessa escola, irem para outras. Mas, a professora da escola era bastante persistente
e concorreram de facto a um projecto. Elas ficaram em escolas relativamente perto – é uma
escola secundária de Torres Vedras, a Escola Madeira Torres – ficaram em arredores, e portanto
o projecto ficou distribuído por três escolas. Portanto, em vez de estar centralizado numa esco-
la, ficou distribuído pelas três escolas. Claro que é evidente que isto é um exemplo de sucesso,
penso eu. Mas esta problemática é extremamente importante.
Já agora que estou a falar, vou pedir desculpa, sair um bocadinho, não totalmente, do tema,
mas dar um outro testemunho vivido por mim e pela Professora Isabel Pinto que está aqui ao meu lado.
Eu penso que as visitas ao Forum, que está a decorrer, são muito importantes. Toda a nossa actividade
tem surgido depois destas visitas que fizemos ao Forum Ciência Viva, porque eu penso, como disse o
Professor Pato de Carvalho, que não é não acreditar, mas há outras coisas que fazer e isto vai passan-
do ao lado, e penso que, mesmo muitas vezes em relação ao ensino superior, muitos dos nossos cole-
gas nem sequer têm noção do que é que se faz nas escolas e os projectos que se estão a desenvolver.
E quando se chega aqui vê-se, de facto, como é que nós podemos cooperar. Principalmente os
docentes universitários, que é o nosso caso, que estamos muito vocacionados para as licenciaturas de
ensino e, portanto, queremos fazer essa ponte, que acho que é extremamente importante.
E há outro factor que eu queria chamar a atenção, é que todas estas geminações – nós
no fundo não assinámos uma geminação mas, depois do que ouvi aqui, nós temos uma gemi-
nação com uma escola do Porto , a Escola Abel Salazar de São Mamede de Infesta – que surgiu
espontaneamente.
Para abreviar, em relação a essa experiência que tivemos e do que aqui foi dito, pode dizer-
-se que desenvolvemos alguns projectos idênticos aos que aqui foram referidos, queria apenas

103
GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

salientar dois aspectos. Um que foi o facto de termos feito uma acção de formação ou, se assim
lhe quisermos chamar, um workshop. Foram dois dias inteiros que passámos na escola com os
professores da escola, fizemos trabalho prático com eles no laboratório. E teve algumas vanta-
gens: foi in loco, foi na escola. Eu acho que isto é extremamente importante: nós também irmos
à escola e podermos ajudar lá na escola a desenvolver o projecto.
Outro aspecto que eu queria salientar neste projecto, que me parece que é extremamente
importante, é que ele vai desde o ensino, eu não sei se se chama primário agora, mas pronto,
desde o primário até ao 12º ano, portanto em que também veio colmatar um bocado aquela
ideia que foi posta há pouco de ser só para o 10º, 11º e 12º e depois não haver continuidade.
O que é certo é que os alunos da primária, os mais pequeninos, vão à escola secundária
plantar a horta que têm – o projecto é um projecto de plantas aromáticas – e já têm um con-
tacto também directo com os mais velhos da escola. Por outro lado, tem uma interdisciplinari-
dade muito importante que é conseguir reunir a Biologia, a Química e a Educação Visual. E eu
penso que isso, que projectos se desenvolvam nesta relação, também é muito importante.
Pronto, isto é um pouco da minha experiência.
Muito obrigada.

PROFESSORA UNIVERSITÁRIA
Eu queria dizer que também tenho a experiência de estagiários saírem da escola, irem para
novas escolas, divulgarem um projecto e fazerem nascer um projecto na nova escola. Isso é posi-
tivo. Mas eu penso, também, que não se podem escamotear as dificuldades.
Mas queria, realmente, explorar um outro aspecto que tem a ver com o ponto de vista do
docente do ensino superior. É uma carreira que assenta muito especialmente em publicações.
Da parte dos docentes do ensino superior, quando uma pessoa está a coordenar um projecto,
que é o meu caso, há muito tempo investido em deslocações às escolas, em tarefas burocráti-
cas, e isso muitas vezes não é considerado como algo importante para progressão na carreira,
porque está muito baseada nessas publicações. De qualquer forma eu gostaria de ouvir a
opinião das pessoas aqui presentes. Muito obrigada pelo tempo.

PROFESSOR MOTA SOARES


A minha intervenção será relatar, de facto, os contactos que temos tido com o ensino
secundário em geral. Temos feito dias abertos, em que convidamos os professores e alunos do ensi-
no secundário, principalmente do 12º ano com Matemática e Física, a visitar os nossos laboratórios,
em que temos tido cerca de 600/800 alunos por ano a visitar os nossos laboratórios. Começámos
agora outro esquema, que é enviar um docente às escolas. Fizemos há quinze dias a primeira tenta-
tiva de seleccionar dez escolas das que mandam mais alunos para o Técnico. Seleccionámos essas dez
e enviámos um docente. Contudo o nosso grande forum de contacto penso que será o mestrado.
Digo isso porque nós temos um mestrado há quase vinte anos e temos tido todos os anos

104
SESSÃO PLENÁRIA

um ou dois professores do ensino secundário e, de facto, essa experiência é muito útil, embora
eu tenha a relatar que apenas 50% dos professores do ensino secundário fizeram o mestrado,
e alguns até o doutoramento. A parte negativa é que alguns docentes saíram do ensino
secundário e estão hoje na Universidade e Politécnico. Mas acho que não é por essa parte que
devemos desistir. Acho que é muito importante os professores do ensino secundário fre-
quentarem os mestrados e dessa maneira incentivar as relações entre o ensino superior e o ensi-
no secundário. Obviamente, se saírem do ensino secundário, isso não irá acontecer.

PROFESSOR ANTÓNIO VERÍSSIMO


Só em relação à questão que foi posta, que é de algum modo uma questão que eu acho
fundamental, que é, ao fim e ao cabo, penso eu, a adesão de professores de escolas e também,
vamos chamar-lhe assim, cientistas, dos centros de investigação a este tipo de projectos. Penso
que interpretei bem, o seu problema é um pouco esse. Se reparou no que eu disse, a nossa
experiência resultou razoavelmente bem, ou pelo menos tem resultado razoavelmente bem, o
que implica a formação de grupos de dinamização. E nós, que estamos geminados com três
escolas, temos aquilo a que eu chamo um núcleo duro, pessoas que de facto se interessaram à
partida, que tende cada vez mais a abrir-se e que nós esperamos que de futuro seja cada vez
mais alargado.
O trabalho, a demonstração do trabalho realizado, é uma boa forma de facto de trazer
mais pessoas a este tipo de projecto. Agora a dificuldade que se sente no ensino secundário é
a mesma do meu lado. Provavelmente, não sei, mas até será muitas vezes mais difícil entusias-
mar um professor universitário ou um investigador a entrar em projectos destes do que um pro-
fessor do ensino secundário.
Há aqui um detalhe que eu desconheço completamente: eu não sei o nível de motivação
dos professores de Matemática. Desconheço completamente. Na Biologia sei que isso é
razoavelmente fácil. Há, portanto, esse detalhe que eu aí não me posso pronunciar.
Nas universidades como é que a gente resolve isto, nos centros de investigação como é
que a gente resolve isto? Presumo eu que da mesma maneira. Teremos de começar como – eu
costumo usar a expressão de "homenzinhos pequeninos, verdes, com antenas", porque nalguns
sectores da Universidade são considerados assim – mas que, presumo eu, cada vez mais a
própria universidade e os próprios centros de investigação vêem a vantagem, digamos assim,
deste tipo de actividades, porque há aqui coisas muito objectivas a ganhar, como disse o
Professor Carlos Mota Soares. Na actividade dele é visto de forma notória. Na nossa actividade
de investigação mais aplicada noutras áreas, mas não tão impressionante como as escavadoras
– de facto merece a pena ser visto contrariamente aos outros, de facto foi muito difícil de insta-
lar e de transportar, presumo eu, não sei como é que conseguiram trazer, mas resultou nalgu-
ma dificuldade – mas dizia eu que de facto nós temos a ganhar também com o contacto com
professores e com o contacto com alunos. Estou a pensar num aspecto que me é particular-

105
GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

mente querido, que é obrigarmos a fazer uma reflexão – que geralmente não é feita, ou que é
feita, digamos a outros tempos, em outros espaços temporais – sobre o próprio processo em
que estamos empenhados de construção de Ciência: o que é isso que nós estamos a fazer num
laboratório, o que é que isso tem a ver com o que está de fora do laboratório, com a sociedade,
etc. por aí fora.
Este tipo de contacto com professores e com alunos obriga-nos de algum modo a reflec-
tir mais profundamente sobre este tipo de questões e de problemas que é muito enriquecedor
do nosso ponto de vista. O meu trabalho no Centro de Neurociências é tentar mostrar isto aos
meus colegas, é que eles ganham também e enriquecem-se com este tipo de actividades.

PROFESSOR VÍTOR GIL


Estas excelentes experiências aqui relatadas, e bem assim todas as que estão lá fora, nor-
malmente arrancam de uma forma desinteressada, mas a sua sustentação no tempo há-de exi-
gir várias coisas, entre elas um crescente reconhecimento formal, nomeadamente no plano
profissional dos professores das escolas básicas e secundárias.
Ora, é sabido que as instituições de ensino superior organizam ou participam na organi-
zação de acções de formação, designadamente no âmbito do Programa Foco, que se traduzem
em créditos que têm relevância na promoção profissional dos professores.
A minha questão é em que medida é que a intervenção em projectos desta natureza de-
verá e poderá ser traduzido numa creditação com efeitos promocionais na carreira.

ENG. MANUEL GOMES LIMA


Eu queria pedir-vos mais um pouco da vossa atenção para um aspecto. Gostava de desen-
volver um aspecto que foi focado pelo Professor Carlos Mota Soares e que tem a ver com o
abandono de alguns professores do ensino secundário que fazem o mestrado e que depois
“abalam” para o ensino politécnico ou ensino superior.
Ora bem – vão perdoar-me a expressão, digo isto com sentimento, como aliás o fiz em
relação a tudo o que fiz aqui – mas há um ditado na minha terra que diz que todos gostam de
ser grandes menos nas orelhas. Quer dizer, se nós conseguirmos dignificar, com a dignidade que
ele merece, o ensino secundário, as pessoas que atingiram um grau de ensino superior ou, neste
caso, de aprendizagem superior no mestrado, não necessitarão mais de se promover, de pro-
mover a sua própria imagem – o que, diga-se de passagem, é legítimo – com a transferência
para o nível de ensino superior. Não. Pode investir-se no secundário. Sabem porquê? Porque o
secundário é o elemento que está imediatamente entre a população que acede ao Técnico e o
básico. Quanto melhor for o secundário, melhor é o ensino superior.
Aquilo que disse há bocado, nós não vamos cruzar os braços nem vamos laborear. Onde
é que é o nosso próximo campo de batalha, onde é que ele começa? No ensino superior? Não,
ele começa em casa. Para já, ele começa em casa, é verdade, mas também agora, cada um com

106
SESSÃO PLENÁRIA

as suas responsabilidades. Se nós no Técnico pegamos, como alguém disse aqui, e quanto a mim
bem, naqueles miúdos que vêm para o 10º ano porque lhes fazia muito bem terem um estágio
antes de irem para o secundário – mas não têm – se nós pegarmos neles e os dinamizarmos e
começarmos a puxar para aquilo que é efectivamente importante – nivelar por cima – obrigá-
mo--los a desenvolver trabalho, a sentirem-se chegados àquilo que pretendemos que eles sejam.
Porque precisamos mais e exigimos mais, isso tem de ser feito à custa de uma melhoria de quali-
dade de ensino que começa pelo próprio professor.
Portanto, o professor teve, entre aspas, o privilégio – porque é um privilégio neste momen-
to, fazer o mestrado – tem método, luta. Aquilo custa muito, sabem com certeza, mas teve o
método de chegar lá acima. Mas isso, meus amigos, não significa necessariamente uma porta
de acesso para aquilo que neste momento é entendido como um salto para cima.
Porquê? O que é que é um salto para cima? Um salto para cima, meus amigos, é aquilo
que exige mais trabalho e luta, por isso é que dignifica. "Então ficas no secundário?". E porque
é que alguns que estão no superior e no politécnico não voltam ao secundário? Ganhávamos
todos com isso. Muito obrigado.

PROFESSOR MANUEL MARQUES


Bom dia. Manuel Marques, da Faculdade de Ciências do Porto. A minha intervenção
prende-se um pouco com a intervenção anterior sobre o acabar com a carolice nestes projectos.
Eu vou relatar um caso concreto que se passou num projecto em que eu colaboro e em que o
coordenador do projecto pertence à Escola Secundária.
O coordenador tem uma óptima relação com o Conselho Directivo que, reconhecendo a
importância do projecto, deu uma redução de duas horas lectivas a esse professor. Mas essa redução
foi chumbada pela DREN, porque não teria direito a nenhuma redução lectiva, enquanto na mesma
escola existem professores de Educação Física que estão no desporto escolar e têm redução lectiva.
Esse professor sentiu uma desmotivação tão grande por esse apoio negativo que teve, que
passou quase um mês quase a pensar abandonar o projecto. Este aspecto, acho que é um aspec-
to que merece, que deve merecer, uma atenção do projecto Ciência Viva, este aspecto da
desmotivação, da carolice. Uma pessoa é capaz de ser carola durante um ano, dois anos, três
anos, mas depois começa a moer.
O mesmo aspecto se põe do lado das instituições superiores. Eu não me esqueço que quan-
do comecei a colaborar com escolas secundárias, há coisa de dez anos atrás, fui aconselhado por
vários colegas a abandonar isso, porque, como eles diziam, ia-me diminuir o número de papers cien-
tíficos que eu iria produzir o que implicaria que eu ficaria para trás na progressão científica.
O aspecto põe-se, portanto, dos dois lados, mas principalmente eu gostava que a equipa
da Unidade Ciência Viva tomasse algumas medidas no sentido de, pelo menos dentro das esco-
las secundárias, haver alguma credibilização dos projectos Ciência Viva. Muito obrigado.

107
GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

PROFESSORA DO 1º CICLO
Eu sou professora de 1º Cicio de uma escola da Figueira da Foz que está agrupada com
mais sete escolas. Quero aqui dar o testemunho do que tem sido, como é que temos estado a
viver o Programa nas nossas escolas.
Quando apresentámos o projecto foi, na nossa ideia, um pouco ambicioso. Ambicioso por
que em relação às escolas do 1º ciclo, e não entendemos bem porquê, os que mandam pare-
cem querer sempre construir a casa pelo telhado, ou seja, nas escolas de 1º ciclo nunca há nada,
nunca aparece nada. Sentíamos sempre a falta de tudo e quando fizemos o projecto pedimos
aquilo que não tínhamos e pensámos, "como é que isto vai ser, será que vamos ter direito a ter
alguma coisa?". O que é certo é que tivemos e, desde que temos lá equipamento, não se faz
ideia de como têm sido desenvolvidas experiências interessantes e as crianças estão muito mais
motivadas. Só apreciando é que se pode ver.
Foi, de facto, uma lufada de ar fresco que chegou. Porque nós não tínhamos nenhum material
de apoio, nada a não ser a nossa própria imaginação, quadro, giz e pouco mais. Agora as crianças têm
oportunidade de trabalhar com o material que foi adquirido e com coisas muito interessantes. Para
além disso, escolas do secundário têm, também no âmbito deste projecto, articulado connosco, levam
as nossas crianças lá, têm ido lá com professores e grupos de alunos e, de facto, tem sido uma dife-
rença na aprendizagem que se nota na forma como as crianças revelam que aprenderam e tudo isso.
Por tudo isso, ao Programa Ciência Viva, nós estamos de facto muito gratos.
Estamos agora com um problema, ao aproximar-se o final do ano: os professores. É que
nós somos sete escolas e doze professores e destes apenas três é que são professores titulares
dos lugares das escolas, o que significa que se os outros não tiverem autorização para per-
manecer nas escolas em que não são titulares dos lugares, se tiverem de mudar, não sabemos
como é que as coisas irão correr com os elementos novos. Mas temos o pedido feito para ver se
eles ficam. O meu testemunho era só para dizer que o Programa Ciência Viva nas escolas do 1º
ciclo foi, no nosso caso, de facto uma coisa muito agradável para todos. Muito obrigada.

DRª ISABEL PAIVA


Queria apenas acrescentar algo em relação ao que foi focado acerca da carolice dos profes-
sores e o problema dos professores no ensino secundário. Não há dúvida que a carolice tem sido o
motor da maior parte das actividades, do gosto de as fazer. Mas a verdade é que há algumas
evoluções nesse contexto. Por exemplo, a partir do próximo ano, a gestão das horas a atribuir aos
projectos é feita pela própria escola e não pelo Ministério da Educação, nem pelas direcções regio-
nais. Portanto, o facto de ser possível atribuir horas de redução aos professores coordenadores de
projectos, desde que os apresentem, poderá melhorar a situação e isso é já um aspecto positivo.
Embora o Ministério não tenha sido assim tão 'mãos largas" no que respeita às quotas a
atribuir, a verdade é que já há essa possibilidade. Claro que um projecto não se realiza com duas ou
três horas de redução, mas já é uma ajuda. Também constituiria uma grande ajuda o reconheci-

108
SESSÃO PLENÁRIA

mento institucional, o reconhecimento para a carreira, a gratificação das pessoas que fazem, tendo
redução, ou tendo apenas entusiasmo, e aí estou de acordo com a opinião do Professor Vítor Gil de
que há outros reconhecimentos que devem ser feitos aos professores que se empenham.
Portanto, a carolice tem de continuar a existir, porque nenhum projecto se faz sem entu-
siasmo e acho que vamos ter cada vez mais professores do ensino secundário contentes por serem
professores do ensino secundário, quando virem que os professores do ensino superior lhes estão
a dar a devida importância. Eu penso que esse desentendimento tem sido um grande problema.
As instituições do ensino superior têm estado, muitas vezes, de costas voltadas para o ensino
secundário, não lhe dando a devida importância e, neste contexto, as geminações e outras inicia-
tivas do mesmo tipo têm sido extremamente importantes na aproximação, na convivência entre as
pessoas, no reconhecimento do seu real valor e na importância que têm na sociedade, quer ensi-
nando no secundário, quer investigando no superior. É isso que é extremamente gratificante.

PROFESSOR VÍTOR GIL


Só uma brevíssima intervenção, relativa à necessidade de uma coordenação entre activi-
dades no âmbito do Ciência Viva e a sala de aula.
Isto é, pode bem acontecer que uma criança do 1º cicio realize várias experiências e depois,
daí a dois anos, está na escola de 2º ciclo e na aula aparece a mesma experiência: "Já sei isso, já
conheço isto, etc"… Ora, há aqui algum esforço de articulação que é preciso garantir. E uma ideia
simples sem ser original, é criar para cada criança uma espécie de Passaporte de Ciência, em que
se vai registando, em que ele próprio regista as experiências em Ciência que vai realizando, de tal
forma que quando chega a uma determinada aula, o professor saiba qual é para cada indivíduo,
para cada criança a sua experiência anterior e, eventualmente, tirar partido disso.

PROFESSOR BRITES FERREIRA


Brites Ferreira, sou professor do ensino superior politécnico e gostava só de dizer uma
coisa. Era pegar nas palavras que o Professor Vítor Gil acabou de dizer a propósito do ensino
básico. Era aproveitar a ideia para a formação de professores do ensino básico. Quando se trata
de cursos formais, organizados numa lógica de unidades de créditos, valorizar trabalho que
tenha sido feito com qualidade e, desde que tenha sido devidamente acompanhado, não obri-
gar pessoas a fazer percursos desnecessários, ou inclusive fazer com que pessoas que tendo feito
cursos em determinado tipo de circunstâncias, ou há não sei quantos anos atrás, fiquem amar-
rados a um 12 ou a um 13, ou o que quer que seja. Fazem trabalho importante e são impedi-
dos de progredir na sua formação. Já nem digo na sua carreira. É só isto.

PROFESSORA UNIVERSITÁRIA, MATEMÁTICA


Parece-me que a minha intervenção foi tomada como algo negativo, algo que eu não queria
dizer. Queria cumprimentar o Ciência Viva pelo esforço que está a fazer. O que eu queria era chamar

109
GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

a atenção para alguns problemas. Eu própria sinto também algum cansaço depois de três anos de
coordenação do programa "Matemática sem Fronteiras". No primeiro ano tive cinco escolas, no
segundo tive 11, das quais duas acabaram por não concluir o projecto, desistiram a meio.
Este ano tenho dez escolas, do Porto até Castelo de Paiva, até Melgaço – inclusivamente
por causa de estagiários numas escolas que depois vão para as outras – mas há realmente pro-
blemas sobre os quais eu penso que é preciso reflectir bastante, e era isso que eu queria que as
pessoas fizessem.
Há, de facto, o entusiasmo que eu primeiro vi nalguns professores das escolas e que
acabou por ir diminuindo ao longo dos anos, porque sentem esse cansaço. Quanto ao ensino
básico, o 1º ciclo, eu acho que é de facto muito importante. Eu própria estou a coordenar um
projecto do ensino básico, 1º ciclo e 2º ciclo. Acho que é ai que se tem que investir imenso
porque é um nível de ensino ao qual não se tem dado a necessária atenção, ao contrário do que
acontece nos outros países. E está muitas vezes muito afastado dos centros de fazer Ciência.
Obrigada.

PROFESSOR ANTÓNIO VERÍSSIMO


Eu não vos incomodo mais, é mesmo a última coisa que eu quero dizer, mas há aqui uma
questão que está obviamente latente e é de facto muito importante e que, embora talvez não
tenha a ver connosco directamente, é quando se fala de reconhecimento por parte dos profes-
sores, quando se fala de carreiras, etc. Estão aqui, obviamente, duas entidades em jogo de quem
ainda ninguém falou e que, vou chamar as coisas pelos nomes, são o Ministério da Ciência e o
Ministério da Educação. Obviamente. E é ai que reside esse problema que as pessoas sentem.
Agora, a minha última afirmação é muito simples, que estas duas entidades estão conde-
nadas a entenderem-se mais profundamente ou, se quiserem, a geminar-se, para ir atrás da bola
que já foi lançada.

DRª DINA SILVEIRA


Bom dia. Dina Silveira, da Escola Cardeal Costa Nunes, Ilha do Pico. Eu queria levantar
algumas questões. Por exemplo, na nossa escola, ao nível do 11º B, Grupo de Ciências, somos
seis professores, todos eles contratados, a maioria professores oriundos do Continente, que vão
à nossa escola efectivar-se e num futuro próximo abandonarão a escola.
No tocante àquilo que foi sugerido em relação aos núcleos duros gostaria de dizer que nós
temos, realmente, pessoas muito interessadas e que, no nosso caso, estão envolvidas em quatro pro-
jectos do Ciência Viva. Mas estas pessoas, num futuro próximo, irão abandonar a escola e não sabe-
mos se as pessoas que as irão substituir estarão interessadas ou não em manter estes projectos.
Outra questão que eu gostaria de levantar é a seguinte: ao nível do 11º B, este é um grupo
que se ocupa de muitas disciplinas, que pode abranger até 10, 12 disciplinas se contarmos com as
Técnicas Laboratoriais de Biologia, Bloco 1, 2 e 3, as de Geologia, etc. Tendo em atenção que a

110
SESSÃO PLENÁRIA

formação especifica de cada professor, ou na área de Biologia, ou da Geologia, ou de outras licen-


ciaturas que permitem leccionar estas disciplinas, há uma certa dificuldade em que depois lhe seja
atribuído um conjunto de várias disciplinas para leccionar durante um ano lectivo. Isto implica, por
vezes, estar a mudar de disciplina de ano para ano, ter três, quatro, cinco disciplinas para leccionar,
ter de se preparar para todas essas disciplinas. Nós sentimos realmente uma dificuldade no apoio
ao nível de manuais escolares e não só. Mesmo a nível da biblioteca da nossa escola que tem vindo
a ser apetrechada, mas vai havendo sempre uma certa carência de material.
Outra questão que eu gostaria de colocar é em relação aos manuais escolares. Muitas
vezes, e isso já foi aqui mencionado, quando num capitulo em que nós nos sentimos mais à von-
tade, em que a nossa formação nos permite ir um pouco mais além, fazer uma análise critica
desses manuais, nesses capítulos, nós por vezes detectamos erros, e erros graves do ponto de
vista científico.
Alguns desses erros nós detectamos. Noutros capítulos, em que a nossa formação não nos
permite fazer essa análise, muitas vezes esses erros passam. Seria talvez importante, não sei que
instituição poderia fazer - se o próprio Ciência Viva, não sei que controlo é que tem sobre as edi-
toras e sobre a revisão de certos manuais que saem cá para fora – fazer essa revisão. Até porque
as editoras enviam-nos esses manuais no final do ano lectivo e nós temos uma semana, quinze
dias para os analisar.
Fazemos uma análise o melhor que podemos, dentro do tempo, dentro daquilo que sabe-
mos, mas por vezes cometemos o erro de adoptar um determinado manual que depois, à medi-
da que vai decorrendo o ano lectivo, notamos que esses manuais realmente têm erros incríveis.
Pronto, acho que era essencialmente isso.

PROFESSOR CARLOS MOTA SOARES


O meu comentário será muito pontual e até certo ponto uma resposta à professora da
Escola da Silveira da Ilha do Pico. Tenho muito prazer que esteja presente cá. Eu também sou
açoreano, mas já vivo no Continente há muitos anos, e gostaria de lhe dizer que nós temos um
projecto de investigação, um projecto internacional de investigação sobre a produção de ener-
gia, pela energia das ondas.
É um projecto que tem já seis ou sete anos, e que está neste momento a ser concretiza-
do uma estação piloto na Ilha do Pico, penso que na Madalena ou na Silveira, e que essa estação
piloto já está pronta e terá como objectivo a produção de 10% de energia da Ilha do Pico.
Acho que temos aqui em concreto, uma ideia que seria a Escola Secundária da Silveira ou
outras escolas da Ilha do Pico podiam aproveitar para colaborar nesse projecto. É um projecto
enorme, mas acho que os alunos aprenderiam muito. É um projecto que pode modificar com-
pletamente a fonte de energia da Ilha do Pico, que penso que deve ser gasóleo, que poderá
modificar completamente o próprio ambiente da Ilha do Pico. Portanto penso que temos aqui
um tema de interesse mútuo. Obrigado.

111
GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

DR. JORGE COELHO


Eu tenho estado a trabalhar no projecto Ciência Viva desde o inicio. Ao revisitar os Foruns
que foram realizados nos dois anos anteriores e também o deste encontro, pude constatar um
grande crescimento qualitativo. Eu acho que se torna necessário avaliarmos todas as iniciativas,
porque há muitos materiais destinados às actividades experimentais na sala de aula.
Ao passar hoje pelos quiosques e pelos posters, identifiquei um grande número de mate-
riais inovadores para o aluno, que precisamos, como agentes de ensino, determinar quais as
implicações educacionais do trabalho experimental desenvolvido desde o 1º ciclo até ao último
ano do ensino secundário.
E agora esta iniciativa torna-se um desafio urgente para a equipa que coordena o projec-
to Ciência Viva. Este tempo que medeia até ao lançamento da quarta etapa que deve surgir,
penso eu, em Setembro, deve ser destinada à avaliação. Há muitos materiais didácticos que
estão disponíveis nas bancas dos diferentes quiosques e, mais que isso, era necessário as esco-
las fazerem intercâmbio das experiências educacionais, trocando esses materiais e ideias.
Assim, deve-se constituir uma equipa de trabalho que possa avaliar, e possa divulgar as
experiências que de facto tiveram um grande valor educacional no ensino das ciências, dando-as
a conhecer a todas as escolas envolvidas no projecto Ciência Viva. Estamos no terceiro ano e já
existe um certo amadurecimento das iniciativas deste tipo. A partir deste momento torna-se
necessário comprometer o Ministério da Educação assim como o da Ciência e da Tecnologia que
lançou este projecto, para avaliar o impacto educacional do trabalho experimental no currículo.
Acho que o Ministério da Educação não pode ignorar os resultados conseguidos por este
projecto, podendo contribuir com o seu valor institucional na divulgação das iniciativas mais rele-
vantes na comunidade educacional.

PROFESSOR ARSÉLIO PATO DE CARVALHO


Tenho imensa pena de não poder responder às questões que foram colocadas mas, since-
ramente, não as consegui ouvir. Peço imensa desculpa, mas não posso dirigir-me às questões
pontuais que foram colocadas. A minha percepção é que foram questões relativas a dificuldades
inerentes às consequências que o programa poderá ter, e inerentes às dificuldades das escolas,
às dificuldades de ligações com a universidade, etc.
Vou, no entanto, fazer um comentário geral.
Eu, como todos nós, inserimo-nos num meio que tem tido problemas, que vem de uma
situação extremamente difícil, do ponto de vista institucional. Nós vimos duma cultura em que
as instituições eram estáticas e nós sentíamos que não participávamos nelas, que as instituições
eram o que eram. Portanto, não há uma tradição de reconhecermos que as instituições podem
ser alteradas e que nós podemos abrir novos caminhos.
Recentemente, em Coimbra, numa sessão em que esteve o senhor Ministro da Ciência e
da Tecnologia, foram abordados os problemas, as dificuldades que temos nas universidades para

112
SESSÃO PLENÁRIA

implementar os programas científicos. A certa altura, talvez um tanto inconscientemente – ou


foi o meu subconsciente a falar – tive esta frase: "As instituições não vão mudar porque nós
estamos nelas". De facto, o que eu tencionava dizer era o contrário: "As instituições vão mudar
porque nós estamos nelas, porque tudo depende de nós e nós contamos". Mas o meu subcons-
ciente traiu-me e fez-me dizer que, de facto, nós estamos satisfeitos com as coisas como elas
estão: por inércia não queremos mudar. Na sociedade em que nós vivemos, nós somos culpa-
dos, e não temos álibis para não fazer diferente.
Queria agora captar um bocado a essência do que deve ser este momento aqui hoje,
sobretudo porque estamos aqui professores universitários, professores do ensino secundário,
básico, etc., alunos.
Devemos aproveitar este momento para promover o que me parece ser o espírito do
Programa Ciência Viva. O Ciência Viva é uma acção afirmativa. É uma acção que não pode ter
defeitos neste momento, porque os defeitos que tiver devem ser incentivos para levar a cabo
todo um projecto que é inovador, que mexe com muitas coisas, que tem potencialidades
enormes.
Um ministério, o Ministério da Ciência e da Tecnologia tenta intervir com outro ministério,
o Ministério da Educação, para complementar a acção deste no sentido de promover a lin-
guagem da Ciência. Portanto, todas as dificuldades que foram apontadas não tenho dúvida que
existem.
Também não tenho dúvida que a partir de agora cada vez mais, se elas continuarem a exis-
tir, a culpa é nossa. As instituições por natureza são estáticas. Nenhuma instituição que está
instalada quer mudar, e especialmente no sistema que vigora na nossa sociedade, em que a
maior parte de nós tem emprego para a vida.
É um facto encorajador começarmos a reconhecer individualmente que a nossa inter-
venção conta e contará cada vez mais. Hoje em dia, cada um de nós pode de facto mudar as
instituições.
Voltando ao Ciência Viva, nós devemos entender o Ciência Viva não como um programa
definido, mas como uma acção afirmativa em que podemos participar para mudar o que está
mal. Ouvi já aqui dizer-se que quando os projectos chegaram às escolas as coisas mudaram.
Houve um entusiasmo quando o projecto chegou e quando começaram a acontecer coisas, e
este entusiasmo é contaminador, porque as pessoas ao lado começaram a ver e também querem
fazer. Portanto, pela minha parte, termino num espírito de afirmação, num espírito de estar, de
facto, convencido que isto é imparável, que a nossa sociedade vai mesmo mudar, e é importante
que sejamos nós já a contribuir para isso. Obrigado.

ANA NORONHA
Bom, o Professor Pato de Carvalho já concluiu muito melhor do que eu poderia ter feito.
Há só aqui um ponto que eu gostava de clarificar, que tem a ver com o reconhecimento

113
GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

do enorme esforço que todos nós sabemos que toda a gente que aqui está faz. Os que aqui
estão e aqueles que nem sequer puderam vir mas que colaboram activamente nestas activi-
dades.
Conscientes do esforço e da importância social que tudo isto representa, o Ministério da
Ciência e da Tecnologia considera como parte integrante das atribuições das instituições cientí-
ficas, no novo regulamento do financiamento plurianual, a divulgação científica. Portanto as
instituições científicas quando apresentam os relatórios para a renovação do seu financiamento
plurianual, podem, e devem, apresentar, além dos artigos que fizeram e dos doutoramentos que
orientaram, também o trabalho que fizeram em prol da divulgação científica e da melhoria das
condições de aprendizagem das ciências nas escolas, nomeadamente através do acompa-
nhamento científico de projectos Ciência Viva. Isto significa que, pela parte do Ministério da
Ciência e da Tecnologia, existe um reconhecimento da importância pública desse trabalho e da
responsabilidade social dos cientistas.
Por outro lado, a actividade central destas instituições é a investigação científica, que é
uma actividade extremamente difícil, absorvente e trabalhosa. Precisamente por isso, é também
importante que a sociedade compartilhe esses esforços até para os compreender.
Da parte do Ministério da Educação, penso que as alterações que se preparam que con-
templam isso. No entanto o Senhor Ministro, presente logo no encerramento, certamente que
nos poderá falar sobre isto. Resta-me agradecer a todos pela vossa presença, pelo vosso esforço
e desejar-vos um resto de muito bom dia connosco aqui no Forum.
Obrigada

114
Sessão Plenária
Apresentação do relatório
da Comissão Internacional
de Avaliação

Professora Joan Solomon


Open University, Faculty
of Sciences – Reino Unido

Professor Paul Caro


Cité des Sciences – França

Professor Poul Thomsen


University of Aarhus, Center
for Studies in Science
Education – Dinamarca

Professor Svein Sjöberg


University of Oslo,
Science Education – Noruega

Professor Vasilis Koulaidis


University of Patras,
Dep. of Education – Grécia
SESSÃO PLENÁRIA

Professora Joan Solomon


Open University, Faculty of Sciences – Reino Unido

O relatório elaborado pela Comissão Internacional no fim do segundo ano foi concluído em
Setembro último. Teve em conta o êxito alcançado pelo Ciência Viva e pelos numerosos
projectos que conseguiu atrair, mas alguns dos novos projectos ainda não estavam nas escolas
para que fosse possível realizar novas visitas. Por isso, estamos a apresentar o relatório do segun-
do ano.
O primeiro objectivo que irei abordar é o segundo dos três grandes objectivos do Ciência
Viva. É um objectivo muito ambicioso: a promoção da disseminação da cultura científica e tecno-
lógica em toda a sociedade portuguesa. Ambicioso! E não temos a certeza se o êxito foi alcança-
do ou não. Tudo o que posso dizer, como costumamos dizer em inglês, é que "não se constrói
uma casa num dia" ou, o equivalente em português, que "Roma e Pavia não se fizeram num
dia". Habitualmente um projecto educativo exige muito tempo para dar frutos. Por exemplo, o
projecto americano 2061 levou mais de dez anos para que fosse iniciado. O projecto Ciência
Viva começou logo e embora só tenham passado três anos, acho que a evolução que se verifi-
cou não é nada menos do que espantosa.
Como é que é possível promover a disseminação da cultura científica e tecnológica com o
Programa Ciência Viva? Muito bem, achamos que cada projecto individualmente, quando é
redigida a proposta para o Ciência Viva, deveria considerar o seguinte: "que ideias têm, tendo
em vista a promoção do trabalho que estão a desenvolver, de forma a que tenha impacto sobre
a comunidade portuguesa adulta?"
Estive lá fora a ver se os pais e as pessoas em geral, as pessoas que se encontram no
Parque das Nações, entravam para dar uma vista de olhos. Pareceu-me que isto não aconteceu
e temos uma sugestão: talvez o Forum não deva ser realizado sempre em Lisboa mas em dife-
rentes cidades de Portugal, de uma maneira menos formal, de modo a que seja possível haver
mais crianças a mostrar aos pais aquilo que podem fazer. Desta forma, acredito que todos nós
poderemos dar o nosso contributo no sentido de difundir a ciência, para que esta faça parte da
cultura do povo português, para que possa tirar partido das novas ondas de avanço tecnológi-
co a que estamos constantemente sujeitos.
Estamos perfeitamente conscientes do grande interesse despertado pela astronomia e da
popularidade da astronomia nas actividades desenvolvidas no Verão. Recebemos com muito
interesse o kit para determinar a latitude e a longitude, que, uma vez mais, parece ser um pro-
jecto muito adequado para Portugal.
Mas descobrimos no Reino Unido que, de facto, a ciência das crianças de mais tenra idade,

117
COMISSÃO INTERNACIONAL DE AVALIAÇÃO

as do primeiro ciclo, é a que mais facilmente é disseminada junto dos pais. Os que são pais
provavelmente aperceber-se-ão disso, quando as crianças mais pequenas lhes contam, o que
estiveram a fazer na escola. Com os adolescentes é diferente; quando lhes perguntamos o que
fizeram na escola, a resposta habitual é: nada! Não é verdade, mas não é muito útil para os pais.
Recomendamos que alguns dos aparelhos que estão aqui presentes, tal como o Planetário,
com o qual algumas escolas foram equipadas, sejam disponibilizados junto dos pais e de outras
pessoas interessadas, na escola e na comunidade em geral. Seria desejável que existissem concur-
sos para jovens de várias idades, em que os resultados fossem apresentados aos pais e à família.
O objectivo principal do programa Ciência Viva é, como é óbvio, melhorar o ensino da
ciência junto dos alunos das escolas portuguesas. Este objectivo passa por melhorar as com-
petências da observação e da experimentação, o que não é tão fácil quanto parece. Se, de facto,
os projectos tiveram sucesso nas vossas escolas, deverão ser capazes de constatar o seu resulta-
do em termos de competências. Por isso, recomendamos que todos os projectos Ciência Viva
incluam, na sua avaliação final, um conjunto de provas de que as competências dos alunos
aumentaram. Não precisam de me dizer que se trata de algo difícil. Bem o sei. Mas isto é ape-
nas o primeiro passo no sentido da avaliação do êxito dos projectos, sendo também o primeiro
passo no sentido da avaliação das próprias competências das crianças. De uma ou outra forma
penso que os professores portugueses terão de começar a pensar na forma de avaliar e aferir
aquilo que as crianças aprenderam em termos do ensino experimental.
Gostaríamos de ver mais trabalho prático que envolva investigação dos alunos, em que
estes sigam as suas ideias e não se limitem a seguir um protocolo. Se os portugueses desejam
tirar o máximo partido deste programa tão interessante, não serão apenas as competências
experimentais e o ensino da ciência a melhorar; melhorará também a criatividade pessoal e é
esse o objectivo final do Ciência Viva. Claro está, tal não pode ser alcançado a não ser que as
crianças e jovens incluam as suas próprias ideias na experiência.
Nós ficámos muito impressionados com algum do trabalho que tem sido desenvolvido nas
escolas primárias. O primeiro ciclo tem salas de aula onde há, como é óbvio, muito pouco equipa-
mento e não dispõe de laboratórios adequados. No entanto, verificámos que nestas salas de aula
se iniciaram actividades muito interessantes, sobretudo nas escolas primárias que tiveram a sorte
de estar perto de uma universidade que as auxiliou. As Universidades de Aveiro e do Porto desem-
penharam um papel particularmente proeminente no auxílio que prestaram aos professores das
escolas primárias, e de forma simples porque os equipamentos utilizados habitualmente são muito
simples, coisas do dia a dia, como réguas e feijões a crescer em algodão molhado.
Quando chegamos ao segundo ou terceiro ciclos e às escolas secundárias, as coisas são
mais difíceis, porque os equipamentos não são familiares. E também não são familiares para
muitos dos professores. Por isso, penso que precisamos de muita ajuda para que os professores
compreendam como é que os aparelhos podem ser melhor utilizados. Talvez seja necessária uma
conferência nacional para se abordar a questão dos equipamentos e das competências.

118
SESSÃO PLENÁRIA

Outra forma de lidarmos com esta situação é fazer com que os professores registem por escrito
o que estão a fazer, elaborem relatórios sobre o assunto para que tudo isto se transforme num tra-
balho de investigação-acção, o que exigirá uma colaboração entre os professores e os que trabalham
nos departamentos universitários de educação em ciências, sobre os quais falarei mais adiante.
Julgo que é necessário fazer aqui uma referência às questões de segurança somente um
pouco, porque não existe assim tanto a ser dito, mas porque a segurança é muito importante.
Tive a oportunidade de assistir a uma aula do primeiro ciclo em que havia imensas velas que
eram utilizadas para aquecer em vez de bicos de Bunsen, o que não é verdadeiramente seguro,
pois se a vela cai pode dar origem a um incêndio.
Regra geral, as salas de aula das escolas primárias, embora estivessem repletas de crianças
muito próximas umas das outras, são um excelente campo de actividade. Tenho a certeza que
têm consciência de que não existe muita tecnologia, excepto em circunstâncias muito especiais.
A tecnologia pode resumir-se a utilizar um kit para fazer algo que será desenvolvido. Outro pro-
cedimento para desenvolver a inovação nas crianças é fazer com que elas projectem e façam
actividades em situações em que não exista um kit, ou uma folha de trabalho que diga o que
fazer. Estão assim a fazer coisas para desenvolverem os seus próprios projectos.
Temos contudo um problema com o grande êxito alcançado pelo Ciência Viva: o facto de
demorar muito tempo a processar o grande número de projectos que são apresentados. Por
exemplo, as escolas só receberam o equipamento há um ou dois meses. Talvez seja a altura de
os deixar familiarizarem-se com o equipamento antes de passarem ao próximo conjunto de pro-
jectos. Tenho a certeza que se encontram numa posição melhor do que eu para descobrir quan-
do é que isto deve ser feito. Mas é muito difícil avaliar o projecto se os equipamentos só chegam
tardiamente, tendo chegado justamente antes de nós realizarmos a visita.
O terceiro objectivo foi a criação de redes de comunidades científicas, educativas e empre-
sariais que possam partilhar recursos, conhecimento e estratégias, de modo a promover o ensi-
no da ciência de uma forma mais prática. Não tem sido fácil, penso eu.
Sugeria o seguinte:
Os professores do primeiro ciclo fariam automaticamente parte de uma rede com os pais
das crianças e também com as universidades onde os professores da primária receberam for-
mação – e vimos muitos bons exemplos de redes com instituições universitárias.
No segundo e no terceiro ciclos, os elos de ligação, na nossa opinião, não parecem ser tão
bons entre os professores da escola e os professores da universidade. Uma rede só pode existir
se houver respeito mútuo. Não faz parte das funções do professor universitário simplesmente
fazer com que os professores do ensino básico e secundário obtenham mestrados ou doutora-
mentos nas disciplinas científicas, tal como fazem nalguns casos. A função dos professores da
universidade é agir como consultores relativamente àquilo que os professores sabem, assim
como relativamente aquilo que não sabem.
Estive em departamentos de algumas universidades onde foram desenvolvidos programas

119
COMISSÃO INTERNACIONAL DE AVALIAÇÃO

de mestrado muito bons, nos quais os conhecimentos e compreensão dos professores do ensi-
no básico e secundário relativamente ao trabalho prático cresceram. Ora, isso pode ser testado
durante a investigação que põem em prática. Para tal precisam da ajuda dos professores uni-
versitários, tendo em conta o facto da ciência mudar e do conhecimento explodir em todas as
direcções. A ciência cresce cada vez mais depressa. Todos nós precisamos de actualizar os nos-
sos conhecimentos científicos. Nunca é demais sublinhar até que ponto é importante ver os pro-
fessores universitários, como peritos na sua própria esfera, agindo como consultores científicos
dos professores do ensino básico e secundário.
Quando penso nas escolas que visitei, aquilo que perdura na minha memória é uma con-
versa muito interessante que tive com um professor do primeiro ciclo que me falava sobre as
idades em que os alunos, na escola primária, podiam fazer diferentes tipos de medições. Que
idade tinham quando podiam medir utilizando as suas mãos, quando podiam medir centímetros
e que idade tinham de ter para, de uma forma realista, se lhes pedir para medirem em milíme-
tros. Claro que independentemente de serem os professores mais distintos da ciência ou da edu-
cação do país, podem não ter qualquer tipo de conhecimento disto, porque isto é conhecimen-
to profissional especializado. E se as redes funcionarem bem, é preciso que exista respeito
mútuo, para que os profissionais na área do conhecimento científico e os profissionais na área
do ensino das crianças trabalhem em conjunto, de modo a obter mais conhecimento e a me-
lhorar o trabalho prático.
Verificámos a participação de institutos nacionais de física e de biologia, que deram um
contributo muito importante, o que constitui outro aspecto do trabalho em rede. Poderão exis-
tir outras formas através das quais o trabalho em rede pode ser desenvolvido. Por vezes os con-
tactos pessoais podem ser feitos em determinadas circunstâncias. Nós estamos interessados em
ver como é que a indústria pode participar mais. Penso que se trata de algo muito importante
para Portugal, no seu todo e não apenas para as escolas. Trata-se de algo que é necessário ter-
mos presente e é muito agradável saber da existência deste novo centro interactivo perto do
Porto, o Visionarium, que não visitei, mas que me foi referido ser excelente.
Finalmente, gostaríamos de tecer alguns elogios de carácter geral pela energia demons-
trada e pelo trabalho realizado pelo corpo docente português, que fizeram com que a mudança
educacional encontrasse o seu caminho em muito menos tempo do que eu pensava que fosse
possível. Mas, por favor, lembrem-se que começou agora!
Parece-me ser impossível saber quantas escolas é que não estão a participar no Ciência
Viva, mas considerem o seguinte: se o vosso filho foi para a escola e soube que não estavam a
fazer nada das coisas práticas maravilhosas que as escolas que participam no Ciência Viva estão
a fazer… certamente eles têm direito a isto, a uma educação científica prática que deve ser um
direito de todas as crianças portuguesas. Por isso, recomendo que pensem em formas de
expandir o Programa de forma a incluir todas as escolas existentes.
Obrigada.

120
SESSÃO PLENÁRIA

Professor Paul Caro


Cité des Sciences – França

G ostaria de contar uma conversa que tive ontem à tarde com uma jovem, na exposição,
que me perguntou que tipo de avaliação é que pode ser feita no caso dos projectos
Ciência Viva.
Julgo que é uma boa pergunta e vou tentar sugerir algumas linhas de orientação que a
Comissão Internacional tem utilizado ou poderá utilizar, de modo a realizar uma avaliação dos
projectos Ciência Viva.
A pergunta é: quais são os critérios que devemos utilizar para avaliar os projectos?
Devemos ter presente que o Ciência Viva está integrado numa tendência internacional que visa
a promoção da educação da ciência. Portugal não se encontra sozinho neste campo. Muitos são
os países que tentam fazer mais ou menos o mesmo, mas não a uma escala tão abrangente.
Neste mesmo sentido, vou mencionar o projecto pedagógico francês para as escolas
primárias, designado La main à la pâte, que é a tradução de Hands on. Quer o Ciência Viva quer
o La main à la pâte são iniciativas top down da comunidade de investigação. Como bem sabem,
em Portugal foi o Ministério da Ciência e da Tecnologia que assumiu esta tarefa; em França foi
a Academia das Ciências. Pelo contrário nos EUA, a Academia de Ciências não está muito inte-
ressada, especialmente na educação primária. Mas devo também mencionar que há o contri-
buto de associações em França e também da Associação Expo Science. Trata-se de algo muito
semelhante ao que se está a passar aqui hoje.
Que tipos de critérios é que podem ser utilizados? É claro que dependem muito do con-
texto e o seu peso relativo depende da natureza do projecto, do ambiente social, das ligações
com as instituições, tais como museus, e do envolvimento pessoal dos professores, que é uma
condição necessária para o êxito.
Devo dizer que em todo o mundo, na Europa, mas também na América do Norte e no
Japão, existe um desafio óbvio na área da educação da ciência clássica, simplesmente devido ao
facto de em muitos países os curricula da ciência serem utilizados como um processo de selecção
social, sobretudo através do controlo da abstracção, de conceitos e da matemática e raramente
através de experiências. Por outro lado, a compreensão do contributo da ciência e da tecnolo-
gia para uma cultura básica, ou para os problemas da sociedade, é importante para a cidada-
nia, mas é com frequência negligenciada. É este, basicamente, o objectivo da Pedagogia orien-
tada para o projecto.
Por isso, nos critérios que escolhemos, teremos de ter em conta o contributo do ensino da
ciência clássica, introduzindo mais experiências neste tipo de ensino e, por outro lado, a cultura

121
COMISSÃO INTERNACIONAL DE AVALIAÇÃO

científica com o objectivo de trazer mais ciência e tecnologia para a cultura e a cidadania.
Estas duas abordagens diferentes sobrepõem-se, em larga medida, no Ciência Viva.
Em relação aos critérios, tenho uma lista de doze.
Critério 1: Os projectos devem ser uma combinação de observação e experiência na qual
as crianças participam. De certa forma é a experiência clássica ou experiência realizada tendo em
vista sobretudo um aspecto mais cultural. Trata-se de um ponto muito importante, um critério
muito básico.
Critério 2: As próprias crianças devem aprender por si próprias a argumentar e a construir
uma linha de raciocínio em grupo para construírem uma análise em conjunto. É do conheci-
mento geral que a Pedagogia Orientada para o Projecto tem as vantagens de criar laços sociais
no grupo de crianças. E aqui nós temos muitas experiências deste tipo, de criação de laços entre
os alunos.
Critério 3: O tema que está a ser estudado deve providenciar um equilíbrio entre as expe-
ctativas das crianças, os gostos dos professores e o curriculum. A originalidade do tema é muito
importante e alguns dos projectos aqui apresentados são muito originais. O resultado é do gosto
dos professores, do gosto das crianças e raramente, devo dizer, resultado do curriculum.
Critério 4: Uma parte muito clássica do ensino, tendo em vista a experimentação, impli-
cará uma abordagem mais clássica, tal como: experiências no campo da óptica, do som e da
biologia básica. É claro que é muito melhor se, num projecto, o conceito e as técnicas experi-
mentais forem introduzidas para serem utilizadas e compreendidas. Mas é melhor ainda se
envolver aspectos da ciência contemporânea, o que, uma vez mais, foi aqui mostrado, pois
temos vários exemplos presentes no Forum.
Critério 5: Devo também mencionar que o aspecto multidisciplinar é muito importante.
Porquê? Porque é importante que haja cooperação entre os professores de física, química,
geografia, arte, literatura, música, o que quer que seja que dê a um projecto uma abordagem
mais geral, uma abordagem mais interdisciplinar. A maioria dos projectos que alcançaram êxito
na Europa revestem-se de uma natureza interdisciplinar, e é muito importante trazer um pro-
fessor a uma escola para abordar um único tópico, que inclua a ciência, mas também outros
aspectos da arte, da literatura, da geografia, por exemplo, tal como foi aqui demonstrado por
diversas ocasiões.
Critério 6: É claro que é muito importante, numa perspectiva da natureza do trabalho a
ser realizado, que este seja adaptado às crianças e às suas competências. Não é possível fazer o
mesmo projecto com crianças mais pequenas e com crianças mais velhas, sendo necessário
adaptar a ambição da ciência que é ensinada e compreendida à forma como as crianças parti-
cipam. A questão importante é que os professores não devem fazer o trabalho todo; as crianças
devem ter a liberdade de fazer as coisas tal como as compreendem.
Critério 7: As crianças devem elaborar o seu próprio relatório de trabalho com as suas
próprias palavras. E uma questão importante é a autonomia da criança, que deve ser um objec-

122
SESSÃO PLENÁRIA

tivo central, mesmo que ela cometa alguns erros. A autonomia da criança é uma componente
muito importante para a sua educação.
Critério 8: O projecto deve ser apoiado pelas famílias e pelos parceiros da área científica e
industrial ou pelas autoridades locais. Podemos ver aqui parceiros da área científica e industrial,
mas parece-nos que as famílias não têm um grande envolvimento e parece-me que a minha
opinião é partilhada, tendo em conta o que me foi dito pela Joan. Este aspecto poderá ser uma
questão importante a ser melhorada no programa Ciência Viva.
Critério 9: Os professores devem ter apoio pedagógico. Já vimos aqui que muitos profes-
sores da escola primária têm apoio das universidades e dos grupos de ciências da educação, o
que é bom.
Critério 10: Diz respeito ao tempo que deve ser dedicado à actividade de projecto no
âmbito do horário escolar, o que constitui um problema geral para os projectos em toda a
Europa, pois existe uma espécie de luta entre os pontos do currículo e a necessidade de que seja
dedicado o tempo necessário aos projectos de pedagogia orientada.
Critério 11: O trabalho realizado deveria ser objecto de um relatório e apresentado publi-
camente no Forum do Ciência Viva ou através da Internet.
Critério 12: As crianças e os professores deveriam ficar orgulhosos com o resultado dos
seus projectos.
Acrescento ainda que deveria haver provas do prazer da realização do projecto, em con-
junto, por professores e alunos. Talvez o resultado mais importante destes projectos seja o sen-
tido de comunidade que é criado entre os participantes. Um relatório, como o que aqui temos,
não pode fazer uma listagem exaustiva de todas as dificuldades face às falhas ou ao sucesso que
um projecto acarreta. Este destina-se a ser recordado pelos participantes e são os sentimentos
sobre a ciência, como algo activo, que penetram na cultura. Não funciona como um parâmetro,
a ser medido pelos avaliadores, mas os avaliadores esperam que seja o resultado mais impor-
tante do trabalho realizado pelo Ciência Viva. Muito obrigado.

123
COMISSÃO INTERNACIONAL DE AVALIAÇÃO

Professor Poul Thomsen


University of Aarhus, Center for Studies in Science
Education – Dinamarca

A quem pertencem os projectos Ciência Viva?


Por diversas razões não visitei nenhum projecto Ciência Viva antes do Forum de 1998,
mas após ter visto os stands com informação sobre os projectos e ter tido a oportunidade de
falar com muitas pessoas, cheguei à conclusão, no ano passado, que antecipava a oportunidade
de visitar alguns projectos na vida real – e não apenas no pavilhão de exposições.
Na verdade, visitei alguns projectos (na região do Alentejo) há cerca de um mês: alguns
eram projectos "antigos" do Ciência Viva II e alguns eram projectos novos no seu início. Não
fiquei desiludido, pois tratava-se de uma experiência muito positiva – não só porque conheci
pessoas muito simpáticas e entusiastas e por ter sido acompanhado pela professora Ana
Noronha. Gostaria de vos agradecer a todos!
O Ciência Viva distribui muito equipamento em Portugal que é fácil de distinguir pelo
pequeno rótulo azul. Cada projecto é proprietário do seu equipamento. Mas a quem "per-
tenceu" o projecto Ciência Viva?
Quando falo de "pertencer" quero dizer: quem é que considera os projectos como sendo
os seus projectos e como sendo da sua responsabilidade? Obviamente, os proprietários originais
são as pessoas que inventaram os projectos, fizeram as propostas, e obtiveram o apoio finan-
ceiro. Habitualmente, estas pessoas são professores de vários níveis no sistema de ensino –
desde as escolas primárias até às universidades.
Pelo que sei de várias reuniões pessoais muitas destas pessoas são pessoas empenhadas
que dedicam muito do seu tempo a tentar envolver outras pessoas nos projectos Ciência Viva,
em primeiro lugar outros professores e as suas turmas. O que não se trata necessariamente de
uma tarefa fácil, pois envolve a persuasão de outras pessoas para que assumam responsabili-
dades, por outras palavras: Sejam também proprietários.
O problema apresenta pelo menos duas vertentes: em primeiro lugar, os professores têm
de ganhar o desejo de querer aderir / apropriar-se do projecto e, em segundo lugar, os profes-
sores têm de ser capazes de assumir as responsabilidades. O que pressupõe que têm de ter (ou
obter) o conhecimento e competências necessários, sobre os conceitos científicos subjacentes e
sobre as utilizações dos equipamentos.
Isto coloca grandes exigências aos professores, mas é necessário, de modo a disseminar a
propriedade e de modo a alcançar os elevados objectivos dos projectos e do próprio Ciência
Viva: fazer com que a ciência penetre no sistema escolar assim como na população como um
todo.

124
SESSÃO PLENÁRIA

Após três anos de construção, penso que chegou agora a altura certa para considerar, de
uma forma mais pormenorizada, todas as diferentes construções. Para descobrir o que funciona
(e porquê!) e o que é que não funciona (e porque razão!). Fazer uma recolha das descrições das
boas práticas e propor a pertença destas práticas a todos os professores, em parte através da
educação básica dos professores, em parte através de formação em serviço de professores. O
que constitui uma enorme tarefa, mas tenho a certeza que constituirá uma recompensa para a
sociedade portuguesa como um todo deter a propriedade da ciência e da disseminação da te-
cnologia junto de muitos mais professores.
Mas a disseminação da propriedade não deveria parar ao nível dos professores, deveria
continuar e incluir os alunos. Uma experiência resultante da minha visita aos projectos ilustra
este aspecto: o cenário é uma escola primária, algures no Alentejo, onde cerca de 30 crianças e
os seus professores estão numa sala de aula para testemunharem uma apresentação feita por
um cientista de uma universidade. O objectivo era demonstrar os processos que se verificam na
atmosfera e inclui um globo, balões, água a ferver e condensação de água, um elemento quími-
co para dar cor e mais, muito mais. Por fim, mas não menos importante, incluía a participação
das crianças, transformando-as em participantes da apresentação em vez de serem apenas
meros espectadores. Eu não sei até que ponto é que eles compreendiam os conceitos científicos
subjacentes à apresentação (provavelmente não compreendiam tanto quanto isso!), mas
estavam a gostar. Estavam mesmo a gostar.
No entanto, a apresentação não era o projecto, tratava-se apenas de algo para abrir o
apetite. O projecto era a construção de uma estação atmosférica simples na escola primária de
modo a envolver as crianças na medição da temperatura e da precipitação. Por isso, após a apre-
sentação foram todos para fora da sala de aula para ver a estação atmosférica (financiada pelo
Ciência Viva!) e ver como é que funcionava. Às crianças foi-lhes dito que agora era a estação
atmosférica deles e que todos os dias, ao meio dia, eles tinham de medir qual tinha sido a pre-
cipitação desde o meio dia do dia anterior, e qual a temperatura mais elevada e a mais baixa.
Por outras palavras, foi oferecida às crianças a propriedade do projecto. Tal como previamente
mencionado, não sei até que ponto é que compreendiam, mas não tenho agora qualquer dúvi-
da que assumiram a propriedade do projecto. A partir de agora, trata-se do projecto deles, inde-
pendentemente de quem o começou. Era o projecto Ciência Viva deles e uma ciência muito
Viva!
Difícil será exigir mais. Obrigado.

125
COMISSÃO INTERNACIONAL DE AVALIAÇÃO

Professor Svein Sjöberg


University of Oslo, Science Education – Noruega

N ão tenho muito a acrescentar ao relatório realizado por Joan Solomon que foi agora feito,
mas pensei em partilhar convosco algumas palavras sobre o assunto chave do Ciência Viva.
Na minha opinião, o Ciência Viva tem como principal objectivo promover aquilo que se designa
por cultura científica. Actualmente, a cultura científica soa aos nossos ouvidos, como educadores
de ciência, como professores de ciência, basicamente como uma palavra muito positiva.
Aquilo que irei fazer é simplesmente sublinhar alguns paradoxos que existem e que nós,
enquanto educadores de ciência, devemos ter presentes.
Mas, permitam-me começar por mencionar a imagem indubitavelmente positiva da cul-
tura científica, e o que ela poderá significar para muitos de nós.
Significa, entre outras coisas, um respeito pela evidência empírica, pelo que as experiên-
cias nos podem demonstrar e ensinar. É também um respeito pelo facto de que o conhecimen-
to deve ter por base tanto as evidências empíricas como bons argumentos. E como parte da cul-
tura científica, como educador da ciência, também pensamos que é uma crença na racionali-
dade e uma crença na discussão livre e aberta.
Um elemento básico na cultura científica é que nenhum argumento do conhecimento
deve ter qualquer referência à autoridade, quer esta autoridade seja religiosa ou secular. E se
olharmos para trás, para a orgulhosa história da ciência, esta poderá ser vista como a ciência a
lutar contra a superstição e a supressão das mentes. Quanto a isto, podemos dizer que a ciên-
cia é uma força de libertação. Liberta as mentes em relação às autoridades, às tradições.
Também melhora, através das suas ligações com a tecnologia, os padrões materiais, a saúde das
pessoas e as condições de vida. E se consideramos tudo isto em conjunto, todos estes diferentes
aspectos da cultura científica podemos afirmar também que estas crenças que temos na ciência
estão intimamente relacionadas com aquilo que designamos como modernidade e com aspec-
tos importantes para uma sociedade democrática.
Não vou questionar todos os aspectos em que as pessoas acreditam enquanto educadores
de ciência,mas gostaria de mencionar que esta imagem positiva também pode conter em si
mesma alguns aspectos negativos, que enfrentamos quando ensinamos. Com frequência, a
ciência nos livros escolares e noutros é apresentada sem deixar muito espaço para a ética e para
os valores humanos. E se considerarmos os ideais da racionalidade científica, estes podem ser
caracterizados como muito frios, muito intelectuais; nos relatórios científicos existe muito pouco
espaço dedicado às pessoas, muito pouco espaço para a opinião. E os artigos científicos, e fre-
quentemente os livros, são impessoais, pouco espaço deixam para emoções, sentimentos e

126
SESSÃO PLENÁRIA

empatia. Os ideais da ciência são a criação de teorias e estas são abstractas e teóricas por
natureza, pelo que deste modo se afasta a ciência do contexto do dia a dia, o que com alguma
frequência se verifica nos livros escolares. A perspectiva mundial da ciência, dos métodos uti-
lizados pela ciência, é frequentemente analítica e possivelmente reducionista. Analítica uma vez
que os cientistas isolam sempre determinados aspectos para os estudarem em mais pormenor e
também acontece que se esquecem de o voltar a pôr novamente no seu todo, para construir
uma imagem global.
A cultura científica, com frequência, tal como surge nos debates públicos, é muito impe-
rialista, no sentido em que os cientistas demonstram muitas vezes, que têm muito pouco
respeito por outros domínios do conhecimento. Uma consequência deste facto poderá ser aqui-
lo que designamos como cientismo, a crença que tudo tem uma resposta científica, e a crença
na tecnologia, a crença que os peritos são os que devem realmente decidir, e que estas decisões
podem ter por base a ciência e somente a ciência. Se considerarmos muitos dos livros escolares,
a imagem que é projectada, e nós também sabemos que é a imagem que muitos alunos obtêm,
é uma imagem em que a ciência tem as respostas correctas, a verdade eterna, a autoridade e as
respostas correctas para qualquer questão. Por isso, aqui temos os possíveis aspectos negativos.
Permitam-me também acrescentar que aquilo que afirmei até agora é uma imagem da
ciência tradicional, a ciência como costumava ser até há muito pouco tempo. Nos anos mais
recentes as coisas são ainda mais complexas, se considerarmos que a ciência moderna, a ciên-
cia e a tecnologia na actual sociedade, são muito diferentes daquilo que eram há cerca de dez
anos atrás. Actualmente é frequente vermos como, à escala internacional, a ciência e a tecno-
logia estão por vezes aliadas com as forças militares, aliadas com a indústria e com o poder da
sociedade. Por isso, de certa forma, trata-se de um papel diferente daquele que costumava ser
desempenhado pela ciência, porque a ciência costumava ser a força libertadora radical e anti-
autoritária. Actualmente poderemos fazer a seguinte pergunta: será que os cientistas são os
pensadores radicais ou será que são na verdade, ou pelo menos alguns entre eles, os fiéis tra-
balhadores empregues pelas indústrias multinacionais, pelo estado ou pelas forças militares?
Por isso, como podem ver, temos diferentes imagens da ciência em concorrência umas
com as outras. E aquilo que também podemos constatar em muitas sociedades, é especialmente
o que enfrentamos no norte da Europa, de onde eu venho, da Noruega, penso que esta é uma
imagem típica do norte da Europa e da Escandinávia: uma insatisfação crescente em relação à
ciência, uma desconfiança do público. Na verdade, existem razões subjacentes a tudo isto.
Aquilo que desejo demonstrar é que um professor de ciências, hoje em dia, deveria ser capaz de
lidar com estas situações, e eu tenho um slide final para isto. A grande tarefa para o professor
de ciências é tentar equilibrar estas perspectivas, ser capaz de apresentar a ciência, tal como fiz
no primeiro slide, uma ciência que é importante para a cultura, um património orgulhoso e
ideias culturais muito importantes a serem transmitidas às crianças.
E actualmente poderá ser a cultura científica uma forma importante de pensar, não em

127
COMISSÃO INTERNACIONAL DE AVALIAÇÃO

todas as instâncias, mas em algumas, e permitir aos alunos combinar aquilo que podemos dizer
sob uma forma fria de intelecto racional com um coração quente, para que não exista uma con-
tradição entre ambos e na verdade os dois deviam realmente ser combinados. Se não formos
capazes de enfrentar estes desafios, sabemos que muitos alunos rejeitarão a ciência, voltarão as
costas à ciência e seguirão outros domínios. Mas se os professores de ciências forem capazes de
demonstrar que estas duas vertentes podem, na verdade, ser combinadas, então poderemos
alcançar o nosso objectivo, que é, promover e disseminar a cultura científica.
Por fim, disse no ano passado que tinha tido o prazer de viajar pelo vosso belo país, co-
nheci muitas pessoas interessantes, conheci muitos amigos e, uma vez mais, gostaria de vos
agradecer por terem partilhado experiências comigo e por me terem ensinado muito sobre os
aspectos interessantes do Ciência Viva. Muito obrigado.

128
SESSÃO PLENÁRIA

Professor Vasilis Koulaidis


University of Patras, Dep. of Education – Grécia

E m primeiro lugar gostaria de afirmar que é um prazer para mim ter a oportunidade de
me dirigir ao Forum Ciência Viva.
O facto de, durante três anos consecutivos, os projectos Ciência Viva terem aumentado em ter-
mos de números e terem produzido resultados mais sofisticados, tal como se verifica pelos posters
lá fora, demonstra que o programa Ciência Viva é uma história de sucesso. Parte da explicação
de ser uma história de sucesso é o facto de tentar abranger uma necessidade real da sociedade.
O programa Ciência Viva tenta aumentar os conhecimentos do público relativamente à ciência.
Verificam-se colisões múltiplas de interesses de correntes do pensamento nas nossas
sociedades modernas. O conhecimento científico aumenta a um ritmo que é impossível com-
preender, até mesmo para os cientistas profissionais, daí que o grande público sinta que é
impossível de dominar. A tecnologia, tem por base o conhecimento científico; actualmente nós
não somos capazes de distinguir a ciência da tecnologia,a qual, por sua vez, já resolveu muitos
problemas, mas também criou novas necessidades e dá origem a dilemas morais quase impos-
síveis de resolver. Por isso, o sucesso da ciência e da tecnologia deu origem a incertezas que, por
sua vez, conduzem aqueles que têm um acesso limitado ao conhecimento científico a assumirem
não só uma posição anti-ciência, mas, de uma forma mais perturbante, a tentarem substituir a
ciência por formas não racionais de enfrentar e resolver os problemas.
As escolas devem assumir a tarefa de defesa da ciência e da racionalidade. Se aceitarmos
tal princípio, devemos responder à questão: qual será o critério de sucesso? E como é que as
escolas devem realizar esta tarefa tão exigente? Em poucas palavras: o critério de sucesso está
relacionado com a lógica de inclusão de assuntos científicos nos curricula escolares. Será que
tentamos aumentar a compreensão do público relativamente à ciência de modo a que todos os
cidadãos possam ser capazes de dar respostas informadas através do conhecimento científico
aos seus problemas do dia a dia? Mesmo que fosse este o nosso objectivo, o que duvido que
deva ser, penso que é claramente impossível alcançá-lo tendo em conta o grande volume e a
complexidade do conhecimento científico disponível. É mais viável educar as pessoas para que
façam as perguntas certas, educar as pessoas a pensarem sobre os dilemas morais relevantes.
Será que existe uma forma de avaliar até que ponto uma tentativa deste tipo pode ter
êxito? Proponho então que considerem esta regra simples: quando as pessoas se sentem
embaraçadas numa reunião social por terem de admitir que nada sabem sobre a segunda lei da
termodinâmica, tal como ficam embaraçadas quando têm de admitir que nunca ouviram falar
de Saramago, então claramente a compreensão pública da ciência aumentou.

129
COMISSÃO INTERNACIONAL DE AVALIAÇÃO

Quanto à minha segunda questão: como é que as escolas devem realizar esta tarefa tão
exigente? Penso que as escolas e os educadores de ciência têm de alargar o significado de
"prática" no trabalho prático em relação ao significado que estão actualmente a utilizar. No caso
da prática ligada às actividades científicas e ao ensino da ciência, já não se pode falar apenas
das competências relacionadas com o processo de formulação do corpus do material empírico
necessário. É também necessário incluir, no significado de prática científica, a capacidade de
organizar eficazmente e comunicar tanto este corpus, como as conclusões resultantes, incluin-
do, e não o devemos recear, as restrições e as condições da sua validade.
A ciência é o nosso corpo mais seguro e coeso de conhecimento. Não devíamos pôr em
causa a confiança do público em geral fazendo afirmações excessivas e sem fundamentos. Por
isso, o trabalho prático não é apenas constituído pelas técnicas de montagem de aparelhos,
observação. técnicas de registo adequadas e análise de dados. Tudo isto é, como é óbvio, essen-
cial para que se compreenda a essência do conhecimento científico. No entanto, não devemos
restringir a nós próprios a procura do conhecimento científico. É necessário acrescentarmos a
persuasão racional: saber organizar eficazmente a informação e saber comunicar e discutir os
resultados com o grande público. E ninguém se encontra em melhor posição para alcançar isto
do que os educadores de ciência, desde que, claro está, aceitem o que foi descrito como parte
do seu trabalho.
Um dos meus últimos comentários no ano passado estava relacionado com a necessidade
de criar ligações horizontais nas escolas, assim como entre escolas e universidades. Certamente
que estas ligações, que a tecnologia tornou viáveis actualmente, desempenharão um papel
catalítico dando aos alunos a oportunidade de exercerem as competências de comunicação
necessárias. É claro que isto representa muito no já pesado trabalho dos professores de ciência.
Por isso, precisam de criar uma estrutura para oferecer aos professores as oportunidades de um
desenvolvimento contínuo da carreira, o que é óbvio.
Em conclusão, o programa Ciência Viva demonstra que é possível intervir nas escolas e
tentar mudar as direcções de todo o sistema, de modo a aumentar a compreensão do público
relativamente à ciência. Obrigado.

130
SESSÃO PLENÁRIA

Perguntas e Respostas

MEMBRO DA ASSISTÊNCIA
O Professor Sjöberg, deu-nos uma imagem resumida, embora exaustiva, dos aspectos ne-
gativos e positivos da cultura científica e concluiu pondo um fardo muito pesado sobre os
ombros dos professores de ciências. É claro que este fardo não será dividido de igual forma entre
os professores das escolas primárias, secundárias e pelos professores universitários. Será que
poderia tecer mais alguns comentários sobre o assunto?

PROFESSOR SVEIN SJÖBERG


Devo dizer que ao mencionar esta imagem dos desafios relativos à cultura científica, penso
que se trata de um fardo ou de um desafio que os professores que se encontram nos níveis mais
elevados do sistema terão de enfrentar. Penso que se trata sobretudo do caso do secundário
quando os alunos começam a ser influenciados pelos meios de comunicação, que falam sobre
os desastres ambientais e de muitos desafios enfrentados pela sociedade e quando estas ati-
tudes perante a ciência passam a ser muito importantes para eles, na escolha de uma carreira
futura.
Penso que na escola primária, e, na minha opinião, isto é patente no Ciência Viva, a prin-
cipal tarefa que compete ao professor de ciências é, na verdade, tentar despertar o interesse e
curiosidade das crianças e o prazer de fazer coisas e experimentar sem complicar demasiado as
coisas. Por isso, a este nível penso que os professores de ciências não deveriam estar demasia-
do preocupados sobre o assunto, mas quando nos aproximamos de idades em que é necessário
escolher, pelo menos sabemos, tendo em conta investigações realizadas no meu país e noutros
países no norte da Europa, que estes aspectos mais emocionais e relacionados com atitudes da
ciência é algo que é realmente importante para os jovens e, particularmente para as raparigas.
Sobretudo no norte da Europa, embora existam raparigas muito competentes, que obtêm as
melhores notas na escola e sejam muito boas em física e em matemática, mesmo assim, não
seguem uma carreira científica.
Penso que se trata de algo que está relacionado com valores e atitudes e com a imagem
da física. Não se trata de exigência conceptual, trata-se sobretudo da falta de personalidade,
falta de empatia, que, com frequência, encontram na ciência da escola sobretudo na física e
matemática escolares. Por isso, penso que é a este nível que este tipo de assuntos têm de ser
considerados de uma forma muito séria. Espero que este comentário tenha ido ao encontro da
sua pergunta. Obrigado

131
COMISSÃO INTERNACIONAL DE AVALIAÇÃO

CÂNDIDA QUEIRÓS MOREIRA, FACULDADE DE CIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO


É uma pergunta para todos os participantes do painel, porque penso que este assunto não
foi abordado por nenhum dos oradores. Falámos muito sobre o barulho lá fora e não é possível
fazer grande coisa com tanto barulho. A minha pergunta é a seguinte: será que podemos fazer
alguma coisa nas escolas se o barulho fora das escolas provocado pelos meios de comunicação é
tão alto, e não trata de forma alguma de ciência ou de tecnologia, que nos permita ver ou ouvir?
Gostaria de saber o que pensam sobre esta questão tão importante e muito obrigada pelo vosso
relatório e pelas vossas ideias e sugestões. Muito, muito obrigada, ao Ciência Viva também.

JOAN SOLOMON
Não sei como hei-de responder à sua pergunta sobre os meios de comunicação. No meu
país há bons filmes sobre ciência, há um programa da BBC e alguns deles são traduzidos para
outras línguas. Não sei se está aqui alguém presente das televisões portuguesas.
O que acabou de mencionar é um problema muito importante, porque muita da infor-
mação que as crianças obtêm sobre a ciência tem a sua origem nos meios de comunicação, e
caso tal se verifique muito cedo, por exemplo a imagem da química é construída a partir de livros
de banda desenhada em tenra idade. E as notícias, a televisão e os meios de comunicação falam
sobre a ciência, mas habitualmente é somente uma ciência com um sabor romântico. Esta ciên-
cia pode ser traduzida em histórias, histórias com monstros indo de alguma forma ao encontro
da forma tradicional de se contar lendas, por isso existe uma ligação directa entre o estilo
literário do jornalismo ou da televisão e o estilo literário das lendas de folclore, especialmente
no mundo ocidental. É claro que não são os mesmos personagens, mas é o mesmo cenário, e é
claro que temos de estar conscientes, que de facto, o jornalismo e a televisão transmitem algu-
ma informação sobre a ciência, não somente os cenários como lendas da história científica, mas
também a informação.
De facto, a divulgação da ciência quando é feita pelos nossos colegas, por exemplo cien-
tistas, que com frequência utilizam esta técnica de contar histórias, especialmente o que é mais
popular, contar histórias sobre a origem do homem ou sobre as origens do mundo e há pessoas
com muito talento, cientistas, colegas nossos, que explicam tudo isto de uma forma muito fasci-
nante. São como contadores de histórias, mas o conteúdo das suas histórias é, na verdade, ciên-
cia. Por isso, não deveríamos pura e simplesmente eliminar de forma absoluta o que é feito pelos
meios de comunicação.
É claro que, vemos apenas uma pequena parte da ciência, mas é uma boa forma de des-
pertar o interesse das crianças, especialmente as crianças mais pequenas integrando a ciência
em histórias, em histórias sobre animais, sobre pedras, e penso que deveríamos considerar uma
história de sucesso nos jornais ou na televisão britânica, para arranjarmos inspiração sobre a
forma como podemos falar, especialmente sobre a ciência contemporânea na escola. Penso que
deveríamos ter consciência disto.

132
SESSÃO PLENÁRIA

Gostaria de acrescentar que existem agora empresas internacionais que vendem progra-
mas de ciência para a televisão. Por isso, a tarefa na verdade é sua: precisa de pedir à televisão
e depois se quiser falar comigo posso dar-lhe o nome de alguns distribuidores. Nós tivemos uma
série de excelentes programas sobre os planetas, na Grã Bretanha, que eu saiba, assim como
uma sobre vulcões que está disponível, a um determinado preço para estações de televisão. Por
isso, se quer alguma coisa deverá ir junto das pessoas certas e conseguir aquilo que quer.

PERGUNTA NÃO REGISTADA.

JOAN SOLOMON
Se me permitirem, tenho a certeza que alguns dos meus colegas querem responder, mas
permitam-me dizer que visitei salas de aula que eram suficientemente grandes, algumas, é claro,
estavam a abarrotar, mas estou muito preocupada com o segundo e o terceiro ciclos, que, regra
geral, não têm laboratórios e seria muito triste se as crianças do primeiro ciclo chegassem às
escolas do segundo e terceiro ciclos para descobrirem que não têm qualquer tipo de trabalho
prático para fazer. E todo aquele entusiasmo esmorece.
Se me permitirem fazer uma sugestão, o Ministro da Educação do vosso país disse-me que
tem planos para construir mais laboratórios, mas ainda vai demorar algum tempo. Entretanto, é
muito possível ter um "semi-laboratório" no segundo e terceiro ciclo, uma sala onde exista água
e electricidade e onde possam ser realizadas muitas experiências com bastante segurança.
É preciso que se reúnam e decidam quais são as precauções de segurança que devem
adoptar porque, como é óbvio, deve ser pouco provável que consigam colocar um exaustor para
eliminarem os gases perigosos. Por isso, gases tais como o cloro ou o ácido sulfídrico não devem
ser produzidos. Mas há muitas experiências através das quais as crianças podem produzir e fazer
experiência com dióxido de carbono ou até mesmo hidrogénio ou oxigénio. Mas, é claro que
têm de se habituar a usar óculos de protecção, têm de ter a certeza que as experiências que
fazem são seguras. Mas existem experiências de química muito interessantes que podem ser
realizadas sem qualquer tipo de perigo.
Em dez ou doze anos, pode ser que as escolas tenham muitos laboratórios, poderão duvi-
dar, mas é possível! Mas até mesmo isso representa muito tempo na vida de uma criança e
recentemente vi numa escola que visitei o que tinham como laboratório, que consistia em duas
bacias, um banco, várias fichas eléctricas e, isto é importante, posters na parede, muito interes-
santes, sobre ciência, sobre vulcões e planetas e também sobre química e plantas. Isto, somente
os posters, já é em si mesmo meio caminho para se fazer um laboratório interessante!

MEMBRO DA ASSISTÊNCIA
Gostaria de saudar todos os membros do comissão Internacional e todos em geral. Sou
um estudante universitário, da Universidade Técnica de Lisboa, actualmente estou a participar

133
COMISSÃO INTERNACIONAL DE AVALIAÇÃO

em vários projectos que têm por objectivo a disseminação da ciência. Sou um representante de
um tipo de aluno interessado na ciência, que nunca deu grande importância ao trabalho práti-
co, sou um teórico. Lembro-me da primeira vez que entrei numa biblioteca, é como entrar numa
catedral, e reparei que as vossas preocupações, tal como as do nosso Ministro da Ciência e da
Tecnologia, estão muito orientadas para o trabalho experimental. Gostaria de saber quais são os
esforços que nós podemos envidar, especificamente na transmissão do conhecimento sobre
ciência teórica, sobre matemática e a utilização de computadores, por exemplo algoritmos e
processamento de informação. O que é que pensam que deveria ser feito nesta área e como?
Obrigado.

JOAN SOLOMON
Bem, vou tentar dar uma resposta muito sucinta. Penso que fizemos ciência nas escolas
não de forma a ensinar alguns alunos que irão prosseguir uma carreira no domínio da ciência,
mas nós tentamos ensinar todos os alunos, de forma a aumentar a compreensão do público
relativamente à ciência. Devemos ter isto em consideração quando estamos a criar os curricula
para ciências. Alguns dos nossos alunos, que têm de enfrentar os seus problemas diários, temos
de convencê-los a encarar os seus problemas diários à luz do conhecimento científico, no senti-
do de perguntarem o tipo de perguntas certas e de considerarem os dilemas criados pela vida
moderna. Alguns dos alunos seguirão uma carreira científica e para eles os curricula das escolas
secundárias, na minha opinião, são o lugar certo para os ensinar sobre o domínio esotérico da
ciência. Tendo em conta o que eu disse, eu estava sobretudo preocupado com a metodologia e
as noções científicas e conceitos científicos. Penso que está preocupado com a metodologia, os
conceitos e os códigos científicos. Por isso, temos de introduzir gradualmente os códigos da
ciência, a linguagem científica, na minha opinião, numa fase mais tardia, de forma a não alie-
nar a população em geral. É claro que temos de ter muito cuidado para não introduzirmos o
hábito de popularizar a ciência de uma forma menos correcta, trata-se de um equilíbrio que
teremos de encontrar e penso que ninguém terá uma solução já pronta a usar.
Se me permitirem gostaria de acrescentar o seguinte: quando falo sobre trabalho prático
não estou a falar apenas na realização das instruções previstas numa folha de papel, seguindo
um protocolo Estou a falar na compreensão de noções abstractas através de uma observação
diferente. Quando era uma jovem física, como o senhor, também gostava do raciocínio abs-
tracto, mas nem todos os nossos alunos gostam. Gostaria de lhe dar um exemplo: recentemente
estive numa escola secundária onde estavam a estudar cinemética. Tinham um carro que descia
por um plano inclinado, com fita cola agarrada ao carro na qual tinha colocado um tempo-
rizador. Não sei se está a ver o que eu quero dizer? O temporizador vai marcando pontos no
papel e eu perguntei aos alunos: O carro está a acelerar? E eles pensaram durante um bocado
e depois disseram que sim, porque se tratava de um plano inclinado. Mas a forma mais óbvia
era olhar para os pontos no papel, porque estavam claramente cada vez mais afastados, dando

134
SESSÃO PLENÁRIA

uma imagem visual perfeita no trabalho prático daquilo que queremos dizer com aceleração.
Estes alunos tinham dezasseis, dezassete anos, mas um aluno de onze anos podia compreender
o que quer dizer aceleração olhando para este trabalho prático muito melhor do que se o pro-
fessor ficasse junto do quadro e explicasse os aspectos matemáticos. A matemática tem por base
uma compreensão fundamental do que é o conceito e eu acredito que um trabalho prático bem
concebido pode levar os nossos alunos a compreenderem estes conceitos que serão "mate-
matizados", transformados em matemática mais tarde.

PERGUNTA NÃO REGISTADA:

JOAN SOLOMON
Tem problemas com os pais, que pensam que aquilo que está a fazer é somente brincar,
compreendi bem? Quando introduzimos pela primeira vez a ciência nas escolas primárias, em
Inglaterra, desenvolvi um projecto com investigação simples que as crianças levavam para casa
e que era realizada com os pais. Estão aqui presentes uma ou duas pessoas que têm conheci-
mento deste projecto. Foi um projecto que deu origem a muita satisfação. Os pais gostavam de
realizar investigações simples com os seus filhos e rapidamente compreendiam o objectivo deste
trabalho.

135
Sessão de Encerramento

Drª Rosalia Vargas


Directora do Programa Ciência Viva

Professor Marçal Grilo


Ministro da Educação

Professor Mariano Gago


Ministro da Ciência
e da Tecnologia
SESSÃO DE ENCERRAMENTO

Drª Rosalia Vargas


Directora do Programa Ciência Viva

S enhor Ministro da Educação, Senhor Ministro da Ciência, Professora Joan Solomon, caros
colegas.
Volto ao mote de abertura deste Forum. O Ciência Viva festeja três anos e, entre biliões e biliões
de possibilidades de não ter nascido, aconteceu que nasceu. Gostaria muito de ter o engenho
e a arte de Virgílio Ferreira, porque são dele estas palavras quando se refere às possibilidades de
se nascer e ao grato que é isso acontecer.
O Ciência Viva nasceu de uma ideia. Uma ideia do Senhor Professor Mariano Gago e nós,
equipa do Ciência Viva, e vocês, todos os professores intervenientes no Ciência Viva, transfor-
maram-no naquilo que ele é hoje.
É um projecto vivo e que se alimenta de todo o entusiasmo e de toda a motivação. Em
nome da equipa do Ciência Viva, agradeço a todos o terem estado aqui, o terem trazido todas
estas ideias, estes projectos e terem vindo de tão longe para isso.
Muito obrigada e estamos sempre prontos a fazer melhor.

139
CONTEXTOS ESPECIAIS

Professor Marçal Grilo


Ministro da Educação

Senhor Ministro da Ciência e da Tecnologia, Professor Mariano Gago e meu muito queri-
do amigo, Senhora Dra. Rosalia Vargas, Directora do Programa Ciência Viva, Senhora Presidente
do Comité Internacional, Professora Joan Solomon, caras professoras, caros professores, queri-
dos alunos e alunas e demais convidados nesta sessão de encerramento. Queria em primeiro
lugar cumprimentar todos, desde a Drª Rosalia Vargas a todos os estudantes, passando por
todas as professoras e todos os professores que trabalham e dão o melhor do seu esforço e têm
mostrado todo este empenhamento no Programa Ciência Viva, que hoje abrange grande parte
das escolas portuguesas. Gostava de dizer da enorme satisfação em poder partilhar esta tarde
com tantos professores que trouxeram os seus projectos para nos mostrarem aquilo que vem
sendo feito no âmbito do projecto da Ciência Viva.
Ao fim de três anos, julgo que aquilo que era desejável está hoje demonstrado que é pos-
sível. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, do Brasil, diz que a política é a arte de trans-
formar em possível o que é desejável. O Senhor Ministro da Ciência e da Tecnologia e eu próprio,
estamos a tentar mostrar que o país é capaz, que o país sabe como se faz, embora me pareça
que este projecto mostra que nós não temos um sistema educativo monolítico. Temos escolas e
cada escola é um caso. É possível fazer progredir a inovação, a modernidade, neste caso especí-
fico o ensino experimental, através de um processo gradual em que, ano após ano, vamos
alargando e consolidando aquilo que é uma iniciativa de enorme mérito lançada pelo Ministério
da Ciência.
O Ministério da Educação estabeleceu nestes últimos três anos e meio acordos com um
número muito grande de outros ministérios. Com o Ministério do Ambiente, com o Ministério do
Trabalho e da Solidariedade, com o Ministério da Saúde, com o Ministério da Agricultura e, obvia-
mente, com o Ministério da Ciência. O trabalho com o Ministério da Ciência tem sido um traba-
lho metódico, um trabalho disciplinado, aliás não se esperaria outra coisa do Ministério da Ciência.
É um trabalho que tem vindo a ser conduzido nas escolas com um empenhamento enorme da
parte dos senhores professores e das senhoras professoras. Eu estou muito reconhecido pelo facto
de hoje nas escolas portuguesas se viver um clima manifestamente diferente daquele que se vivia
há quatro anos. As escolas portuguesas hoje são diferentes do que eram há quatro anos e isto
deve-se menos ao Governo e mais aos senhores professores e às senhoras professoras que enten-
deram ter chegado o momento de fazer aquele trabalho que gostariam de ter feito há muitos anos
atrás. E permitam-me que lhes diga o seguinte: o Senhor Ministro referiu que uma das iniciativas
do Governo é a de conceder e de consolidar uma autonomia acrescida para as escolas e de dar às

140
SESSÃO DE ENCERRAMENTO

escolas a possibilidade de elas se organizarem e de se agruparem. As escolas não podem viver sozi-
nhas, as escolas não podem estar isoladas, as escolas têm de se congregar, até porque neste campo
das ciências experimentais e do ensino experimental e da criação de uma verdadeira cultura cien-
tífica, nós temos que partilhar uns com os outros o que sabemos, o que fazemos, os resultados a
que chegamos. Estamos a fazer um grande esforço para que as escolas incluam a componente do
ensino experimental e a componente da cultura científica como pedras fundamentais do desen-
volvimento dos seus projectos educativos. Hoje, o ensino experimental não é necessariamente o
ensino que passa pelos equipamentos altamente sofisticados. Esta exposição que nós tivemos
ocasião de ver mostra que da maior simplicidade de equipamentos ao equipamento mais sofisti-
cado tudo é possível. Os senhores professores têm hoje uma capacidade imaginativa, uma capaci-
dade para inovar e para inventar, utilizando os materiais mais simples que permitem que se faça o
ensino experimental. Eu tenho uma experiência nesta área há muitos anos de fazer ensino expe-
rimental e de trabalhar em laboratórios num país como é a Inglaterra. Recordo-me que o meu
supervisor, quando eu fiz a minha tese de mestrado no Imperial College, dizia: Your equipment
should be deadly simple. Nunca se meta do início em equipamentos altamente sofisticados, senão
deixa de perceber qual é o fenómeno físico que está a tratar, porque o conceber, o desenhar, o
fazer os modelos, o ensaiar, o testar, o comparar, o medir, o comprovar, o rectificar, o confirmar, o
relatar e divulgar, tudo isto faz parte do ensino experimental. É isto que nós estamos a ver no tra-
balho que tão brilhantemente aqui estas escolas nos apresentam. Outro aspecto que gostava de
referir – o Professor Mariano Gago também o referiu – e que acho que é muito importante, é que
neste combate ao isolamento das escolas, é necessário que dentro do sistema educativo, nós pos-
samos articular verticalmente as várias instituições: do pré-escolar às universidades, dos mais
pequeninos aos mais avançados em idade dentro do sistema educativo. Procurando fazer com que
os institutos politécnicos, as universidades, os organismos de estado dedicados á investigação,
onde está verdadeiramente a capacidade científica do país, partilhem e saibam descodificar a sua
linguagem de maior grau de complexidade e consigam dialogar com os mais novos e divulgar aqui-
lo que é um ensino experimental acessível, pertiremos verdadeiramente que se desenvolva uma
cultura científica e uma cultura de experimentação.
É importante que nós foquemos dois pontos que têm a ver com a educação e que têm a
ver com o Programa Ciência Viva e que vão merecer uma atenção especial da parte dos dois
ministérios.
Um tem a ver com a fixação dos professores. Eu fui muito sensível a um apelo que me foi
feito aqui já no pavilhão quanto à fixação dos professores e quanto à necessidade de nós poder-
mos aplicar ao Programa da Ciência Viva regras semelhantes àquelas que utilizámos para outras
iniciativas do Ministério da Educação, nomeadamente os currículos alternativos e os territórios
educativos de intervenção prioritária. Não estou a dizer que o vou fazer agora. Estou a dizer que
é um assunto que passa a fazer parte das nossas preocupações e da necessidade que temos de
resolver este problema tão rápido quanto possível.

141
CONTEXTOS ESPECIAIS

O segundo tem a ver com revisões curriculares, e penso que é importante que qualquer
revisão curricular seja feita com cautelas especiais, no sentido de podermos consolidar o que
funciona bem. Aquilo que funciona, aquilo que tem condições de sucesso hoje dentro do sis-
tema educativo deve ser consolidado. Podemos-lhe dar outra forma, outro nome, mas temos
que consolidar aquilo que verdadeiramente funciona dentro do sistema educativo, porque como
sabem, os últimos 10 anos mostraram que o currículo existente tem algumas fragilidades, mas
tem alguns aspectos muito positivos.
Um último ponto tem a ver com esta rede, não digo enorme, mas esta rede que se está hoje
a criar, de divulgação científica, de consolidação e de alimentação da cultura científica dos por-
tugueses e dos jovens em particular. É o Europarque em Santa Maria da Feira, é o Exploratório em
Coimbra, é este futuro Pavilhão Ciência Viva, o Pavilhão do Conhecimento, aqui no Parque das
Nações, são todos os laboratórios e salas de experimentação que estão hoje abertas ao público nos
institutos politécnicos, nas universidades e que podem e devem ter um papel essencial como
suporte de toda esta área da divulgação científica. Mas não esqueçamos outros aspectos que têm
a ver com, a relação entre a escola e a família, e a escola e a empresa. Nós criámos por iniciativa
do Ministério uma Associação dos Industriais para a Educação, não para fazer grandes acordos
com o Ministério da Educação, mas para que empresas ao nível local façam acordos específicos
com escolas dentro da mesma região geográfica. Temos algumas experiências na zona do Porto,
na zona de Estarreja e na zona de Sines, estamos neste momento a avaliar estas iniciativas, e vamos
alargá-las a outras zonas do país. Esta associação está viva, também está a dar os primeiros passos
e eu estou seguro que vai ser possível fazer um entendimento e um acordo entre escolas e empre-
sas, não entre escolas e associações de empresas, mas entre escolas e empresas ao nível local,
sobretudo as nossas associações de escolas que tão importantes são na formação dos professores.
O último ponto tem a ver com esta articulação entre o Ministério da Educação e o Ministério
da Ciência e tenho o maior gosto em dizer aqui publicamente que se tudo o que tem sido feito até
hoje tem um carácter muito importante, sobretudo por ser um conjunto de iniciativas emblemáti-
cas, os próximos quatro e os próximos seis anos vão ser decisivos nesta matéria. E todas as
metodologias testadas, experimentadas e confirmadas nos últimos três anos vão ser de uma enorme
importância para que o terceiro Quadro Comunitário de Apoio permita que se consolidem e que se
expandem as iniciativas tomadas, não apenas no que respeita ao ensino experimental, mas também
no que respeita ao equipamento de escolas, em equipamento informático – o nosso Nónio séc. XXI,
o Programa Internet nas Escolas – e para continuarmos a acertar as nossas agulhas no sentido de
dotar as escolas de equipamento que permita aos nossos jovens terem uma formação acrescida nes-
tas áreas tão importantes para a sua vida futura. Desejo muitas felicidades a todos os professores, a
todas as professoras e sobretudo, permitam-me, a todas as alunas e a todos os alunos, o esforço
que nós fazemos é sobretudo para eles, e muitos parabéns a todos pelo trabalho que têm feito.

142
SESSÃO DE ENCERRAMENTO

Professor Mariano Gago


Ministro da Ciência e da Tecnologia

G ostaria em primeiro lugar de vos saudar e de agradecer todo o trabalho que tiveram, de
agradecer ao Senhor Ministro da Educação a sua presença nesta sessão de encerramen-
to. Gostaria de saudar mais uma vez a equipa do Ciência Viva, assim como a Comissão
Internacional que nos acompanha desde a primeira hora.
Gostaria agora de fazer alguns comentários, a partir daquilo que, sendo uma visão pes-
soal, é o que eu próprio aprendi neste último ano de Ciência Viva, sobretudo durante estes dois
dias do Forum.
Existem algumas questões, pequenas, que progressivamente começam a ganhar impor-
tância e que, estou certo, saberemos resolver.
Muitos professores dirigiram-se a nós, durante estes dois dias, procurando que equa-
cionássemos a questão da formação, da valorização profissional e da valorização das carreiras,
em relação com os projectos em que estão envolvidos, que dirigem ou promovem, sublinhando,
portanto, esta relação profunda entre o reconhecimento da sua auto-formação nas parcerias em
que se envolvem e a sua carreira profissional.
Outra questão tem vindo a ser pontualmente resolvida com a inestimável ajuda dos serviços
do Ministério da Educação em todos os pontos do país: a questão da fixação dos professores, a esta-
bilidade dos professores em projectos, designadamente em projectos que têm duração plurianual.
Entre o momento em que começam e adquirem equipamento até ao momento em que se pode
dizer que concluíram a fase de concretização decorrem dois, três, quatro anos. Ainda que a mobi-
lidade dos professores possa ser extremamente útil para outros efeitos, causa uma enorme pertur-
bação para as crianças e seus percursos educativos.
Estou seguro que estas questões, como outras, são questões que, os dois Ministérios,
Educação e Ciência, irão analisar com muito cuidado, porque chegámos a uma fase de maturi-
dade, que permite encontrar, a partir da experiência realizada, soluções para estes problemas,
apesar de todas as condicionantes de natureza legal e da carreira.
No que diz respeito à Tecnologia, procuraremos, no futuro, insistir mais na relação entre o
ensino experimental das ciências – a atitude experimental – e aquela outra atitude experimental
que é a tecnologia e a aprendizagem das tecnologias. Ainda que existam inúmeros pontos de
contacto entre aprendizagem tecnológica e aprendizagem experimental das ciências, não são
exactamente a mesma coisa. Há uma autonomia relativa entre a aprendizagem experimental das
ciências – a relação entre a razão, o pensamento e o real – e o trabalho de natureza estritamente
tecnológica.

143
CONTEXTOS ESPECIAIS

Compreender como é que a matéria é capaz de fazer aquilo que nós queremos que ela
faça e não aquilo que ela quer por si fazer. Esta é a grande diferença entre a Tecnologia e a
Ciência, sendo que ambas, no fundo, vêm do mesmo filão, da mesma raiz. Este é um problema
geral de cultura científica e tecnológica em Portugal e tem que ver, também, com as diferentes
exigências da tecnologia nos nossos dias. A visão da Tecnologia que herdámos do passado é
uma visão que corresponde, em grande parte, às artes e ofícios hoje desaparecidos. Pelo con-
trário, muitas das actividades e dos processos industriais promoveram novas tecnologias ou uma
nova concepção da tecnologia e, mais do que isso, grandes áreas da tecnologia ligadas à vida
das pessoas – estou a pensar na Saúde e no Ambiente – abriram-se como oportunidades de
aprendizagem indispensáveis como competências para o mundo moderno.
No ano passado, discutimos muito a questão da absoluta indispensabilidade de tornar pro-
gressivamente obrigatório o ensino experimental das ciências. Esta é uma decisão que nos enche
de alegria e o Senhor Ministro da Educação certamente falará desse assunto, porque a articu-
lação indispensável entre trabalho de projecto (com tudo o que ele representa de iniciativa, de
coragem, de autonomia), e a sua combinação com o trabalho estritamente curricular e com
práticas educativas generalizadas, é um factor crítico.
E é crítico porque quem está em jogo são essencialmente os jovens, os alunos. Enquanto
houver um estudante que tenha atravessado todo o ensino sem ter feito uma experiência, tendo
passado por disciplinas de ciências, alguma coisa está mal. Enquanto isso acontecer, não estare-
mos tranquilos.
Os projectos que desenvolvemos, têm hoje uma enorme amplitude no país, cobrem uma
percentagem vastíssima da população discente e docente, minoram este problema mas não o
podem, por si só, resolver. Visam animar, criar um registo de actividade, mesmo quando a activi-
dade experimental for obrigatória e generalizada, mas não podem substituir-se a essa prática
geral escolar pela qual se medem as oportunidades de aprendizagem da totalidade dos alunos.
Gostava de reafirmar aos responsáveis do Ministério da Educação, a nossa inteira disponi-
bilidade para partilhar e sobretudo, fazer usufruir da experiência que adquirimos ao longo destes
anos para resolver estes difíceis problemas na educação, mantendo-nos na nossa esfera própria,
que é da contribuição da comunidade científica e tecnológica para a educação em Portugal.
Uma das conclusões da Comissão de Avaliação é um apelo a que procuraremos explorar
melhor a dimensão da relação com as famílias no Programa Ciência Viva.
O Ciência Viva nasce e procura desenvolver-se essencialmente em parcerias, a primeira das
quais é a parceria entre as instituições científicas e universitárias e a escola, a comunidade cien-
tífica e a comunidade educativa dos ensinos básicos, secundários, mas também do pré-escolar,
das escolas profissionais, etc...
Esta parceria não é única. As autoridades locais, as Câmaras Municipais, as empresas,
muitas associações participam nestas parcerias. E é isso que dá o enraizamento social e a riqueza
hoje presente no Programa, como foi patente neste Forum.

144
SESSÃO DE ENCERRAMENTO

Conseguir ir mais longe, envolver crescentemente as famílias na vida escolar e designada-


mente nos projectos, trazer os pais, os avós à escola e levar as experiências a casa é uma das
dimensões que queremos explorar no futuro.
Falou-se da possibilidade de descentralizar este Forum nacional do Ciência Viva. Creio que
é indispensável seguir duas direcções e tentaremos na medida das nossas possibilidades fazê-lo:
por um lado, criar progressivamente fóruns regionais Ciência Viva, que numa determinada
região possam não só fazer e mostrar os projectos mas ir mais longe, fazendo o que é possível
quando a dimensão é mais pequena, por exemplo animar ateliers de experimentação, serem
centros de recursos de informação, coisa que aqui no Forum nacional é manifestamente impos-
sível a uma escala tão vasta. Por outro lado, parece-nos essencial que se mantenha, eventual-
mente circulando por várias cidades do país, este grande forum nacional que dá a todos um sen-
timento de pertença a uma vasta comunidade e a um movimento de transformação da cultura
científica no país e que une e permite uma partilha de experiências. Um ponto singular na par-
tilha de experiências que, muitas vezes, as dificuldades do dia-a-dia não nos permitem ao longo
do ano.
Abrir as escolas, fazer com que os seus equipamentos, laboratórios e saídas de campo pos-
sam ser partilhados com elementos da comunidade e com as famílias é um dos elementos essen-
ciais de desenvolvimento deste Programa para os próximos anos, que tentaremos com muita
firmeza levar avante.
Gostaria também de referir uma questão aflorada em muitos dos contactos que mantive
neste Forum e que diz respeito à relação do trabalho de projectos e experimentação, com o tra-
balho de avaliação das aprendizagens por parte dos alunos.
Este ponto é sentido por muitos e por mim também, enquanto professor, como absoluta-
mente crítico. A credibilidade final da experimentação no ensino das ciências medir-se-á no dia
em que as aprendizagens experimentais e as competências experimentais forem essenciais na
avaliação final dos alunos. Esta questão é fundamental para que se possa finalmente dizer que
existe ensino experimental das ciências em Portugal e que as competências experimentais estão
na primeira linha de preocupações do Estado.
Sabemos que é um problema difícil em qualquer parte do mundo e estamos disponíveis
para partilhar toda a experiência adquirida e colaborar neste trabalho que o Ministério da
Educação terá de desenvolver. Um trabalho difícil em qualquer parte do mundo, que não tem
solução simples, mas que poderá ir tendo soluções progressivas e positivas.
As geminações entre escolas e unidades científicas, universidades, laboratórios e empre-
sas tem crescido a um ritmo apreciável. Interessa, contudo, fazer muito mais nos próximos anos.
É indispensável que não exista em Portugal nenhuma instituição científica de dimensão razoável
sem e que não existam escolas sem qualquer forma regular de relação com instituições científi-
cas ou universitárias. Procurámos, do ponto de vista estritamente técnico, ajudar essa relação,
fazendo com que o Programa Internet nas Escolas estivesse ao serviço deste objectivo do Ciência

145
CONTEXTOS ESPECIAIS

Viva. Por isso, a concepção da rede telemática educativa que criámos em Portugal baseia-se em
nós e em pontos de presença que se situam em universidades, em politécnicos, em centros de
investigação. Reforçaremos esta tendência e procuraremos pôr, cada vez mais, a telemática
educativa ao serviço da experimentação.
Se procurámos manter a estratégia de desenvolvimento da telemática educativa e da
conectividade em Portugal separada da estratégia de desenvolvimento da experimentação foi
porque nos pareceu que, num país onde durante anos a fio não houve experimentação signi-
ficativa das ciências, seria perigosíssimo transformar a ausência de experimentação em simulacro
virtual de experimentação, que seria a óbvia tentação da introdução maciça dos computadores
nos locais de laboratório. Não o fizemos, não o faremos e utilizaremos a telemática educativa
para aquilo que ela serve, isto é, para fazer com que professores e alunos possam comunicar as
suas experiências e encontrar em bases de dados os resultados da experiência, da motivação, do
trabalho de todos.
O primeiro exemplo disso foi o lançamento do chamado Kit Latitude e Longitude,
disponível experimentalmente na Internet, que pode, de uma forma inteiramente original, ser
transferido para papel e, inclusivamente, encontrar formas reais de ilustração de como é que se
experimenta em vídeos, que se encontram directamente dentro do computador, acessíveis pela
Internet. Este novo espaço de recursos educativos disponíveis na Net retirados da expe-
rimentação, pode ser explorado porque hoje em dia existe software e existem máquinas que o
permitem. Certamente que o software e as máquinas vão melhorar e permitirão uma aproxi-
mação muito maior entre experiências, entre professores, entre grupos, entre escolas.
As escolas não estão isoladas. Esse é um dos maiores sucessos da política educativa dos
últimos anos e é também um dos grandes sucessos do País ao dar prioridade às escolas e perce-
ber que é da nossa responsabilidade pensarmos nos nossos filhos e nos filhos dos nossos conci-
dadãos.
O Ciência Viva é entendido como uma contribuição entre muitas deste vasto movimento
social que procura a apropriação da escola pela sociedade e que procura apoiar o trabalho dos
profissionais que vivem na escola. É um movimento da ciência para a educação, da comunidade
científica para a educação. Muito a educação dá à ciência. Porque lhe dá de volta as crianças,
os jovens e os novos cientistas. Porque forma a criatividade, os problemas e a inquietação que
vêm do ensino para a investigação científica, ou até para os processos da investigação científi-
ca. Por isso, mais uma vez gostaria de agradecer a todos. Muito obrigado.

146

Você também pode gostar